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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

DESIGN DE MODA

JULIA HENRIQUES DE MATTOS

A METALINGUAGEM DO JEANS EM “ESTOU ME GUARDANDO PARA


QUANDO O CARNAVAL CHEGAR”
Projeto para o desenvolvimento de coleção de moda upcycling inspirado na
produção de jeans de Toritama

______________________________________________________
Rio de Janeiro
2021
Julia Henriques de Mattos

A metalinguagem do jeans em “Estou me guardando para quando o Carnaval


chegar”
Projeto para o desenvolvimento de coleção de moda upcycling inspirado na
produção de jeans de Toritama

Relatório apresentado para a disciplina


TCC1, como parte obrigatória na composição
da nota necessária para aprovação no
semestre e ingresso no conjunto de
disciplinas de TCC2, do Curso de
Bacharelado em Design de Moda da
Universidade Veiga de Almeida - UVA.

Profª Márcia Mesquita


Professora Orientadora de TCC 1

Rio de Janeiro
2021
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai (in memoriam) que tanto me apoiou e esteve ao meu
lado, dos momentos mais difíceis aos mais felizes. Ele me ensinou a sempre
questionar e lutar por um mundo melhor. Guardo seu riso como meu carnaval.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe que é o maior exemplo de força e resistência que eu


poderia ter, seu apoio, sabedoria e alegria me ajudaram a enfrentar os momentos mais
dolorosos. Agradeço a minha irmã Lais que me fala para sonhar enquanto me acalma.
As minhas irmãs Aline e Alice que trazem alegria e me dão coragem para abrir
caminhos. Agradeço ao meu pai que fez questão de me passar seu jeito crítico, porém
cheio de leveza.
Agradeço aos meus avós que tiveram enorme importância na minha criação e
construção dos meus valores, em especial a minha avó Zely que me deu suporte,
valorizando minhas escolhas e a minha avó Anna que me mostrava como ser uma
mulher forte. As minhas tias Vera e Katia que, junto a minha mãe, são exemplo de
garra e superação. Ao David que se tornou o irmão que eu não tive, dando apoio
nesse ano difícil. Ao Denilson por ter me incentivado a retornar aos meus estudos e
ter acreditado em mim.
À Professora orientadora Márcia Mesquita com suas relevantes contribuições
para o pensamento crítico e realização deste trabalho, assim como pelos seus
ensinamentos acerca da antropologia do consumo e pesquisa de tendências que me
ajudaram a ser uma profissional melhor.
Aos professores da instituição, em especial aos presentes na banca que
disponibilizam seu tempo e conhecimento para o nosso crescimento e são parte
imprescindível para a construção do trabalho que conclui nossa caminhada juntos.
“Eu vejo a barra do dia surgindo
Pedindo pra gente cantar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada
Abafada, quem dera gritar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar”
(Chico Buarque)
RESUMO

Este trabalho pretende analisar a linguagem visual do filme “Estou me guardando para
quando o Carnaval chegar”, levantando os principais aspectos da indústria do jeans.
Tem como objetivo a construção de uma coleção de moda sustentável baseada nos
elementos visuais do filme utilizando o upcycling como ferramenta de metalinguagem.
Assim como identificar o público consumidor de moda sustentável que considera
relevante conhecer o processo de produção do que consome. Para a construção do
trabalho foram feitas revisões bibliográficas acerca do tema, do mercado sustentável
e do upcycling, pesquisa quantitativa e qualitativa com o público, planejamento de
marketing da marca Amu e análise de similares. Como resultado, a proposta de
coleção define como a linguagem do filme pode ser transformada em elementos de
design a fim de caracterizar a metalinguagem. Foram cruciais para esta proposta a
característica rural e industrial de Toritama, a relação do homem com a máquina, as
particularidades do jeans e da produção da cidade. A solução encontrada para atender
o público e se diferenciar dos concorrentes foi o aproveitamento de resíduos para
criação de texturas inovadoras.

Palavras-chave: Design, Moda, Upcycling, Jeans, Toritama, Metalinguagem.


LISTA DE FIGURAS
Imagem 1 – cartaz de divulgação do filme “Estou me guardando para quando o
carnaval chegar”. Disponível em https://revistatrip.uol.com.br/trip/o-diretor-marcelo-
gomes-fala-sobre-o-documentario-estou-me-guardando-para-quando-o-carnaval-
chegar. Acesso em: 31 agosto 2021
Imagem 2 – totens de publicidade de jeans na estrada para Toritama. Fonte: filme
“Estou me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 3 – Trabalhador cortando cós de calças em série. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 4 – Facção de jeans substitui agricultura em Toritama. Fonte: filme “Estou
me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 5 – Rebanho de bode atravessando estrada. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 6 – Contraste entre o meio rural e meio industrial. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 7 – Pilha de calças amontoada dentro de carrinho de mão. Fonte: filme
“Estou me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 8 – Calças empilhadas em facção. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 9 – Casas ocupadas pelas fábricas informais. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 10 – Trabalho e vida privada ocupam o mesmo espaço Fonte: filme “Estou
me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 11 – Casa que recebia visitantes virou facção de jeans. Fonte: filme “Estou
me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 12 – Fabricação de jeans ocupa calçadas da cidade. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 13 – Transporte do jeans entre etapas da produção. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 14 – Etapas da produção. Fonte: filme “Estou me guardando para quando o
carnaval chegar”
Imagem 15 – Cenas que igualam o trabalhador a máquinas. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 16 – Riscos e falta de segurança na lavagem do jeans. Fonte: filme “Estou
me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 17 – Etapa de corte do jeans. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 18 – Etapas de confecção da peça. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 19 – Etapas de diferentes lavagens do jeans. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 20 - Estamparia a laser no jeans. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 21 – Características do jeans produzido em Toritama. Fonte: filme “Estou
me guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 22 – Exposição de jeans para venda na feira. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 23 – Máquinas à venda no bazar do carnaval. Fonte: filme “Estou me
guardando para quando o carnaval chegar”
Imagem 24 – Toritama vazia no Carnaval. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 25 – Carnaval do Leo no litoral. Fonte: filme “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”
Imagem 26 – Coleções primavera e outono Maison Margiela 1997. Disponível em:
https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-1997-ready-to-wear/maison-martin-
margiela
Imagem 27 – Coleção primavera Maison Margiela 1998. Disponível em:
https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-1998-ready-to-wear/maison-martin-
margiela
Imagem 28 – Coleção primavera verão 22 Marine Serre. Disponível em:
https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2022-ready-to-wear/marine-serre
Imagem 29 - Gráfico referente à faixa etária. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 30 – Gráfico referente à região que residem. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 31 - Gráfico referente à fonte de renda. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 32 - Gráfico referente à renda familiar. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 33 – Gráfico referente às atividades e interesses do público. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 34 – Gráfico referente à frequência de consumo de roupa. Fonte: Elaborado
pela autora
Imagem 35 - Gráfico referente à média de gasto com uma peça de roupa. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 36 – Gráfico referente à forma de aquisição de roupa. Fonte: Elaborado
pela autora
Imagem 37 – Gráfico referente ao interesse pelo processo produtivo de moda.
Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 38 – Gráfico referente à frequência de utilização de peças de jeans. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 39 – Gráfico referente às peças de jeans que costuma consumir. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 40 – Gráfico referente às características que procura no jeans. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 41 – Gráfico referente à preferência de detalhes e acabamentos. Fonte:
Elaborado pela autora
Imagem 42 – Montagem das preferências de detalhes e acabamentos do público.
Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 43 – Gráfico referente ao consumo de upcycling. Fonte: Elaborado pela
autora
Imagem 44 – Montagem das preferências de estilo de upcycling. Fonte: Elaborado
pela autora
Imagem 45 – Moodboard Amu. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 46 – Moodboard perfil do público. Fonte: Elaborado pela autora
Imagem 47 - Peças de jeans da Amapô. Disponível em:
https://www.amapojeans.com.br/
Imagem 48 – Peças de jeans da Ventana. Disponível em:
https://www.instagram.com/ventana____/
Imagem 49 – Jaqueta jeans upcycling da Florent. Disponível em:
https://florent.com.br/
Imagem 50 – Calça e short jeans upcycling da Florent. Disponível em:
https://florent.com.br/
Imagem 51 – Calças jeans upcycling da Florent. Disponível em:
https://florent.com.br/
Imagem 52 – Detalhe da calça jeans upcycling da Florent. Disponível em:
https://florent.com.br/
Imagem 53 – Campanha Florent. Disponível em: https://florent.com.br/
Imagem 54 – Site da Florent. Disponível em: https://florent.com.br/
Imagem 55 - Instagram da Florent. Disponível em:
https://www.instagram.com/florent.oficial
Imagem 56 – Comas no desfile Brasil Eco Fashion Week. Disponível em:
https://comas.com.br/
Imagem 57 - Peças jeans upcycling da Comas. Disponível em: https://comas.com.br/
Imagem 58 - Campanhas Comas. Disponível em: https://comas.com.br/
Imagem 59 – Site da Comas. Disponível em: https://comas.com.br/
Imagem 60 – Instagram da Comas. Disponível em:
https://www.instagram.com/comas_sp/?hl=pt-br
Imagem 61 – Montagem coleção de jeans da Diesel. Disponível em:
https://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2022-ready-to-wear/diesel
Imagem 62 – Montagem coleção de jeans da Amapô. Disponível em:
https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2020/11/07/spfw-25-anos-amapo-
ritualiza-e-transforma-jeans-em-peca-para-ficar-em-casa.htm
Imagem 63 – Montagem de fotografias de Peter Mitchell. Disponível em:
https://www.impressions-gallery.com/event/peter-mitchell-planet-yorkshire/
Imagem 64 – Montagem obras da artista Jennifer Davies. Disponível em:
http://www.jenniferdavieshmp.com/
Imagem 65 – Montagem das esculturas de jeans da artista Hanne Friis. Disponível
em: http://www.hannefriis.com/
Imagem 66 – Moodboard da coleção. Fonte: Elaborado pela autora.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – A METALINGUAGEM DO JEANS EM ESTOU ME GUARDANDO
PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR .............................................................. 14
1.1 – Do rural à capital do jeans ................................................................................ 14
1.1.1 – A Toritama de Marcelo Gomes ...................................................................... 15
1.1.2 – Ritmo industrial no cenário rural .................................................................... 18
1.2 – Cidade e tempo ocupados pelo jeans ............................................................... 21
1.2.1 – Paisagem de jeans ........................................................................................ 22
1.2.2 – Facção de máquinas humanas ..................................................................... 25
1.3 – Produção coletiva ............................................................................................. 30
1.3.1 – Intervenções no jeans ................................................................................... 30
1.3.2 – A estética de Toritama................................................................................... 33
1.4 – O Carnaval ........................................................................................................ 36
1.5 – Coleção metalinguística .................................................................................... 38
1.5.1 – Upcycling como metalinguagem .................................................................... 40
CAPÍTULO 2 – PESQUISA DE PÚBLICO E MARCA .............................................. 42
2.1 – Pesquisa de público .......................................................................................... 43
2.1.1 – Análise do público consumidor: questionário e entrevistas ........................... 44
2.2 – Análise de mercado: Moda sustentável ............................................................ 52
2.3 – Projeto de marca: Amu ..................................................................................... 54
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE SIMILARES ............................................................... 72
3.1 – Coleção Primavera Verão 22 da Diesel ........................................................... 72
3.2 – Coleção SPFW Nº 51 da Amapô ..................................................................... 74
3.3 – Fotografias de Peter Mitchell ........................................................................... 76
3.4 – Colagem de papel da artista Jennifer Davies ................................................... 78
3.5 – Esculturas em jeans da artista Hanne Friis ...................................................... 80
CONCLUSÃO – PROPOSTA DE COLEÇÃO .......................................................... 82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 85
ANEXOS ................................................................................................................... 88
Anexo A - Fichamentos ............................................................................................ 88
Anexo B - Entrevistas ............................................................................................. 104
Anexo C – Respostas abertas do questionário ...................................................... 108
12

INTRODUÇÃO

Este projeto tem como tema o documentário “Estou me guardando para quando
o carnaval chegar” (2019), direção de Marcelo Gomes, cuja estética servirá como base
do projeto de coleção metalinguística a ser desenvolvida no TCC2. Ela será idealizada
para a marca Amu, que se insere no segmento de jeans, voltado para o público
feminino consumidor de moda sustentável.
O filme utiliza a imagem para transmitir processos de produção do jeans em
Toritama e as mudanças que ela causou na cidade. A ocupação da indústria no meio
rural, assim como a construção de facções nas casas são exemplos desta
modificação. Outro aspecto abordado pelo filme é a anulação do trabalhador no
processo de informalidade da moda. O filme trata das dificuldades reais da indústria
da moda no âmbito social e ambiental.
Neste cenário, é possível construir um processo consciente de produção de
jeans que diminua resíduos, valorizando o tempo da mão-de-obra? O tema envolve a
própria produção de moda, o que caracteriza a metalinguagem. Em relação ao design,
é possível adicionar o aspecto da metalinguagem em uma coleção de moda?
O aumento do trabalho informal no Brasil e a abertura das leis trabalhistas, dá
aos grandes empresários um poder quase invisível sobre o trabalhador informal.
Toritama possuí um dos maiores parques industriais do jeans da América Latina. Este
jeans sofre constantes renovações do mercado, gerando desperdício e obsolescência.
Portanto, uma coleção metalinguística tem grande importância para revisão da
sustentabilidade e da responsabilidade social na produção de moda, tanto no setor,
quanto na Universidade.
O trabalho tem como objetivo se aprofundar nos aspectos estéticos do filme
para extrair elementos que sirvam como base da coleção a ser realizada no TCC2.
Traduzir a metalinguagem em elementos materiais. Identificar a relação do
trabalhador e máquina presente no filme e como ela se encaixa no macrotema. Utilizar
o upcycling como técnica sustentável que reflete a estética do filme. Compreender os
hábitos de consumo e preferências do público consumidor de moda sustentável.
Para a realização do trabalho será feita análise dos elementos de design
presentes na obra, assim como embasamento teórico sobre o filme e a produção de
jeans em Toritama. Marcio Serelle foi essencial para associar a narrativa de Marcelo
Gomes ao trabalho informal e observá-lo como resultado do neoliberalismo. Já
13

Melliani e Gomes ressaltam as modificações que ocorreram em Toritama após a


industrialização.
Posteriormente, será feita pesquisa para estabelecer o planejamento de
marketing da marca Amu, incluindo questionário e entrevistas com consumidores do
segmento. Por fim, foi feita a análise de aproximação e distanciamento de objetos de
design semelhantes a estética do filme para extrair soluções para a coleção.
No capítulo 1 será feito aprofundamento de aspectos visuais presentes no filme.
Tais como a segmentação da produção e a ocupação das formas azuis de jeans na
cidade. A aproximação visual do trabalhador ao maquinário também é marcante,
assim como a mistura do azul e vermelho da indústria com a paleta terrosa rural do
Agreste. Serão levantados a relação metalinguística da moda com o tema e o
upcycling como técnica de reutilização de jeans.
O capítulo 2 tem o objetivo de auxiliar na construção da marca Amu através do
planejamento de marketing. Será feito pesquisa quantitativa, através de questionário
e qualitativa, através de entrevistas para traçar o perfil e a relação de consumo com o
jeans deste público. A análise de mercado mostrará as principais caraterísticas dos
segmentos de jeans e sustentável no Brasil. A pesquisa dos concorrentes Florent e
Comas ajudarão a compreender o produto de jeans feito com upcycling. O produto da
Amu se diferencia pelo preço e pela utilização de resíduos para texturizar a superfície
do jeans.
No capítulo 3 será feita a aproximação e distanciamento de objetos de design
e arte que possuam semelhança com as imagens retiradas do filme. Os elementos de
moda selecionados foram a coleção da Diesel SS22 que possui texturas diferenciadas
de jeans e a coleção da Amapô com lavagens básicas e modelagens mais elaboradas.
Os de arte foram as fotografias de Peter Mitchell que se assemelham pela paleta de
cores, as colagens da Jennifer Davis e as esculturas da Hanne Friis que trazem
aspectos próximos ao upcycling e a produção de Toritama, respectivamente.
A proposta de coleção apresenta os aspectos visuais do filme e suas relações
com as pesquisas de mercado e de público, vistos no capítulo 2, e com os
semelhantes vistos no capítulo 3. Assim, será possível alcançar soluções de design
para construir a coleção no TCC2.
14

CAPÍTULO 1 – A METALINGUAGEM DO JEANS EM “ESTOU ME GUARDANDO


PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR”

Este capítulo se propõe a analisar a obra documental “Estou me guardando


para quando o carnaval chegar” (2019) de Marcelo Gomes, que retrata a produção
informal de jeans em Toritama (PE). Considerando sua linguagem estética como fator
predominante na construção da narrativa, pode-se identificar elementos visuais
utilizados pelo diretor para construir oposições. Portanto, algumas imagens
selecionadas representam o contraste entre o antigo e o novo, o rural e o urbano, o
homem e a máquina.
Assim, compreende-se o papel do jeans no Agreste e as consequências de sua
produção através de uma perspectiva visual. A partir da análise imagética de cenas,
que ilustram a precariedade do trabalho, é possível identificar também a estética local.
A imagética do filme servirá de inspiração para coleção de moda que utiliza a
metalinguagem como ponto central.

1.1 – Do rural à capital do jeans

“Estou me guardando para quando o Carnaval chegar” (2019) possui autoria


de Marcelo Ferreira de Oliveira Gomes, cineasta e roteirista nascido em Recife (PE).
A principal característica da sua obra é usar o cenário do sertão e a sua memória
afetiva como nova forma de linguagem (ENCICLOPÉDIA ITAU CULTURAL, 2021).
O filme é do gênero documental e possui toques autobiográficos. O tema gira
em torno das consequências do trabalho informal e da produção do jeans no Agreste.
Possui o ritmo lento e envolvente de um contador de histórias, o que acaba
intensificando o contraste com o retrato denso da realidade.
O cenário do documentário é a cidade de Toritama, município do interior do
estado de Pernambuco a 180 km de distância da capital Recife. Durante o século XIX,
Toritama era uma fazenda de gado chamada Torres. Segundo o SEBRAE (2019,
p.11), a construção da capela Nossa Senhora da Conceição deu início ao povoamento
do local.
Apenas em 1943 ganhou o nome de Toritama, mas foi em 1953 que ela foi
emancipada de Taguatiringa do Norte, município do qual fazia parte. As
características do solo na região prejudicavam as atividades agropecuárias. O
15

resultado foi buscar a renda em atividades industriais durante a década de 1970, a


começar pela fabricação de calçados. (SEBRAE, 2019, p. 13)
A decadência do setor calçadista e a falência de grandes indústrias têxteis na
década de 1980, no entanto, fizeram com que o jeans fosse a alternativa. Os primeiros
jeans construídos eram feitos a partir de retalhos das grandes fábricas de jeans e eram
produzidos para a população local com baixo custo e nenhuma inovação de design,
apenas cumprindo sua função de roupa (ALVES, 2009). O SEBRAE destaca o
sucesso da empreitada do jeans na cidade:
A atividade proliferou rapidamente, sendo que 15 por cento das confecções
feitas com jeans produzido no Brasil vem de Toritama. Sendo um produto de
qualidade e preço baixo, o jeans de Toritama atrai consumidores de todo o
Brasil para compra-lo e, depois, revendê-lo em suas cidades. (SEBRAE,
2019, p. 13).

Alves (2009, p. 27) ainda pontua que a cidade se tornou “atrativo para a
população desempregada que, em meio à reestruturação produtiva e ao ajuste
neoliberal, encontra no emprego informal desta localidade uma estratégia de
sobrevivência.”
A população estimada em 2021 pelo IBGE é de 47.088 habitantes (IBGE). A
produção autônoma de jeans toma conta de Toritama e de outras cidades do Agreste,
transformando-o em um dos maiores produtores de jeans do Brasil. A Associação
Brasileira de Vestuário apresentou o balanço do setor no ano de 2019 e a relevância
de Pernambuco na indústria do jeans:
O Brasil produziu 341 milhões de peças jeans em 2019. Desse total, o
polo produtivo de Pernambuco sustentou17% do volume. Com algo
em torno a 60 milhões de peças por ano, o estado é o maior polo de
jeans do país, segundo o Iemi – Inteligência de Mercado. Ultrapassou,
assim, regiões como norte do Paraná e Santa Catarina. São Paulo é o
maior centro comercial, mas, não de produção. Em Pernambuco, a
produção está concentrada sobretudo entre Toritama e Caruaru.
(ABRAVEST, 2020)

É essa Toritama tomada pela indústria que vemos no filme e que, para Marcelo
Gomes, está totalmente distante da cidade que conheceu na infância. Através da
contraposição entre o espaço rural e o industrial, o diretor apresenta a capital do jeans.

1.1.1– A Toritama de Marcelo Gomes

Gomes se formou em cinema na Universidade de Bristol, Inglaterra, mas


manteve suas referências brasileiras, inclusive com forte influência estética do Cinema
16

Novo, movimento cinematográfico das décadas de 1960 e 1970 (ENCICLOPÉDIA


ITAU CULTURAL, 2021). As técnicas filmográficas do cineasta consistem no ritmo
vagaroso, mas repleto de contrastes como, por exemplo, a diferença entre os
personagens do filme “Cinema, aspirinas e urubus” (2005), também dirigido por ele.
Reconhecido internacionalmente, o cineasta chega em 2019 com premiações
e Menção Honrosa no festival San Sebastian (ENCICLOPÉDIA ITAU CULTURAL,
2021) e estreando “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”.
Marcio Serelle (2020, p. 270), professor doutor em Comunicação Social da
PUC Minas, contextualiza o filme agrupando-o com outras obras do mesmo ano que
retratam a temática neoliberal com teor crítico. Assim como o filme ganhador do Oscar
“Indústria americana” (2019), dirigido por Julia Reichert e Steven Bognar, seu
documentário denuncia a problemática da racionalidade neoliberal1: a “auto
exploração do indivíduo”. É possível definir, portanto, o caráter político do filme.
Ao apontar os traços autobiográficos presentes no roteiro, Serelle (2020, p.279)
coloca luz sobre a linguagem que se baseia no contraste entre a memória que Gomes
tem de Toritama e a realidade que encontra ao retornar a ela.
O jogo entre o verbal e o não verbal também faz parte das oposições criadas
pelo diretor. Se por um lado o título do documentário esconde o tema, o cartaz do
filme (imagem 1) entrega a precariedade na produção de jeans imediatamente.
Rodeado por uma pilha de peças índigo, um trabalhador, que tem apenas uma
máscara no rosto como equipamento de segurança, parece integrado à máquina de
costura na qual trabalha. Este choque entre comunicação escrita e imagem é a base
para a construção da narrativa e norteia a estética do filme.

1-O Neoliberalismo é uma corrente filosófica que ganhou força na década de 1970. Cerqueira (2008,
p. 172) cita que sua implementação se baseou na estratégia de enfraquecer os sindicatos e, portanto,
diminuir a possibilidade de defesa de direitos e benefícios trabalhistas com o objetivo de poupar
grandes empresas desses gastos. Outro ponto importante colocado pelo autor é diminuir o poder do
Estado na economia, centralizando-o na mão das empresas. É justamente esta lógica que Serelle
aponta estar presente no filme. O desemprego gerou a necessidade da flexibilização, porém o indivíduo
abre mão do bem-estar e dos seus direitos para conquistar o sonho de ficar rico. Quem mais se
beneficia com este novo sistema de produção são grandes empresas que compram o jeans com preço
muito abaixo do mercado e que tem produção em massa pagando muito pouco.
17

Imagem 1 – Cartaz de divulgação do filme “Estou me guardando par aquando o carnaval chegar”

O longa-metragem se inicia com takes de totens presentes na estrada de terra


que liga as cidades do Agreste pernambucano. A região com clima árido da Caatinga
é reconhecida pelo seu grande polo têxtil. As próximas imagens são das estruturas
que sustentam o totem por trás. Para Serelle (2020, P.277), as imagens de modelos
gigantes, apesar de defasadas e artificiais, representam o belo. Ele aponta que a
intenção do cineasta foi trazer a relação da publicidade e da estrutura que sustenta
sua beleza (imagem 2). Este vínculo introduz a dinâmica do documentário que tem
como objetivo transmitir o que está por trás da peça de jeans, a estrutura industrial de
produção informal.
Imagem 2 – Totens de publicidade de jeans na estrada para Toritama

A sequência de cenas nos leva a Toritama, conhecida como a capital do jeans.


O narrador é o próprio Marcelo Gomes que conta sua relação de infância com a cidade
e a sensação ao retornar a ela. Pelas palavras de Gomes “Toritama era uma cidade
que tinha outra velocidade” (2019, 7:43).
18

1.1.2– Ritmo industrial no cenário rural

A nova velocidade de Toritama acompanha a intensidade de trabalho que


existe na cidade. O ritmo lento do diretor se choca com a rapidez dos movimentos de
quem trabalha com jeans. A velocidade dos gestos é tão grande que fica difícil
identifica-los por apenas uma figura. Dessa forma, as imagens ganham pontos
embaçados, como na imagem 3 que tem o movimento de corte da tesoura borrado.
Imagem 3 – Trabalhador cortando cós de calças em série

Marcelo Gomes opta por criticar o discurso de prosperidade ligado a produção


de jeans no Agreste. Para isso, ele utiliza elementos opostos para chocar e causar
incomodo. Um deles é a indefinição entre o rural e urbano. Em diversas cenas o diretor
contrapõe o cenário agrícola ao industrial, nunca separados, mas sim um ocupando o
espaço do outro. Depois de 33 minutos de filme, conhecemos uma família que criava
galinhas e mora mais afastada do centro da cidade.
A casa está coberta de jeans e cheia de maquinários. A família inteira trabalha
confeccionando roupa com exceção de uma senhora que repousa na cadeira de
balanço e afirma ser agricultora. A cena da galinha que sobreviveu para virar mascote
sobre uma pilha de retalhos mostra com ironia a coexistência entre a memória
passada rural e o desejo futuro industrial (Imagem 4).
19

Imagem 4 - Facção de jeans substitui a agricultura em Toritama

A composição do terreno árido do agreste com os tijolos e paredes da casa cria


uma paleta monocromática de marrom e textura áspera. Porém, os tons terrosos
sofrem a interferência do azul do jeans e da falta de forma dos retalhos. Esta cena é
essencial para entender a dinâmica do jeans ocupando a cidade rural.
Rosiane Alves2(2009, p.27) classifica Toritama como “município de médio
porte do tipo rurbano, integrando um aglomerado não metropolitano.”. Isso significa
que a região tem maior parte das atividades fora do setor primário, porém a agricultura
ainda contribui para economia local. A imagem 5 apresenta o rebanho de bodes
atravessando a estrada cheia de carros. Nela o verde opaco da vegetação e o cinza
do asfalto criam uma atmosfera seca que se mistura com as sinalizações pouco
convidativas. Não se sabe quem está invadindo o espaço de quem.

2-Mestre em Extensão e Desenvolvimento Social da Faculdade Federal Rural de Pernambuco com a


dissertação Moda e desenvolvimento local na qual trabalha impactos sociais da indústria do jeans na
região do Agreste.
20

Imagem 5 – Rebanho de bode atravessando estrada

Este contraste também é construído com a montagem das cenas. No início do


filme vemos um motoqueiro carregando uma pilha de jeans em uma estrada de terra
e em seguida vemos o mesmo motoqueiro em uma rua cheia de carrinhos vermelhos
de ferro e pilhas de jeans. A comparação das duas cenas gera o entendimento de que
o rural pouco saturado entra em conflito com o vermelho pigmentado dos carrinhos e
grades (imagem 6). Mesmo assim, o azul profundo do jeans cru conecta as duas.
Imagem 6 – Contraste entre o meio rural e o meio industrial
21

Começamos a entender a importância deste azul específico para os cidadãos


quando o primeiro entrevistado apresenta uma calça como o ouro de Toritama. O
jeans é tratado como moeda de troca e é a promessa da felicidade através da
flexibilização do trabalho.
As sequências que retratam o meio rurbano de Toritama tem a paleta quente e
terrosa complementando o azul. Os toques imprevisíveis do azul profundo fazem com
que as cenas pareçam densas. Além disso, a baixa saturação das imagens faz com
que o jeans se destaque no cenário (imagem 7).
Imagem 7 – Pilha de calças amontoada dentro de carrinho de mão

1.2 – Cidade e tempo ocupados pelo jeans

No final do filme, Marcelo Gomes nos relata que seu pai falava que Toritama
significa Terra da Felicidade. Realmente encontramos a relação da promessa de
felicidade relacionada ao ganho de dinheiro através do jeans. Sonhos como se tornar
rico estão no imaginário dos entrevistados do filme.
Porém as sequências construídas por Marcelo Gomes não nos apresentam
essa felicidade na cidade. Pelo contrário, existe o distanciamento da humanidade dos
personagens. Apesar de mostrar casas, ruas e cotidiano, o que realmente vemos é a
estrutura organizacional de uma cidade que funciona como parque industrial.
22

A estrutura precária da cidade, o dia a dia das fábricas, assim como a relação dos
trabalhadores com as máquinas são retratados no filme como é possível ver a seguir.

1.2.1 – Paisagem de jeans

A produção de jeans definitivamente modificou as paisagens da cidade. Para


Melliani e Gomes (2007, p.166) “A produção têxtil produz também o espaço geográfico
de Toritama.” No filme, esta afirmação é visível no azul do material que ocupa pilhas
na rua da mesma forma que ocupa o interior das casas. Isto porque as facções de
Toritama, se estabelecem em algum cômodo da casa. As montanhas parecem
instáveis a ponto de tombar por causa da sobreposição das peças. O jeans
estruturado traz densidade e forma, mas as camadas e dobras deixam claro a
instabilidade delas. (imagem 8).
Imagem 8 – Calças empilhadas em facção

As sequências que mostram as facções, nomeadas por Gomes como fábricas


de fundo de quintal, deixam óbvio a substituição do espaço privado pela empresa. A
casa se transforma em ambiente de trabalho.
As formas de trabalho precário redefinem tempos e espaços de vida social,
obrigando os trabalhadores a uma vivência que não distingue tempos nem
espaços de trabalho e de não-trabalho, em função de a produção acontecer
dentro da vida privada das famílias.” (MELLIANI, GOMES 2007, p. 168)
23

Imagem 9 – Casas ocupadas pelas fábricas informais

A imagem 9 traz cenas nas quais é possível evidenciar o trabalho invadindo o


espaço privado. A cor azul da primeira casa e a laranja com partes descascadas
evidenciam um afastamento do aconchego do lar. Serelle (2020, p.278) descreve a
técnica de Gomes para ilustrar a “expropriação do tempo” considerando que “o
ambiente fabril constitui a própria casa, com pouca ou nenhuma distância entre a
máquina de costura e a mesa posta em que se almoça ou janta, enquadradas num
mesmo plano.” (imagem 10).
24

Imagem 10 – Trabalho e vida privada ocupam o mesmo espaço

A imagem 11 é de uma cena que se aproveita da iluminação para demarcar a


ocupação do trabalho no ambiente familiar. A estrutura da casa, que antes acolhia
forasteiros que passavam pela cidade, aparece escura, quase unida ao ambiente
externo. Já a garagem ocupada por máquinas e trabalhadores aparece iluminada e
nada receptiva.
Imagem 11 – Casa que recebia visitantes virou facção de jeans

Se deixa de existir a diferença entre o espaço da família dentro de casa, o


espaço público vira empresa “a sociedade assume os encargos da coleta e destino
dos resíduos da produção, de rejeitos advindos do processo produtivo.” (MELLIANI,
GOMES, 2007, p. 165). Os autores ainda apontam que as calçadas também viram
local de trabalho para secagem das peças. (MELLIANI, GOMES, 2007, p. 167).
Serelle volta a analisar a comparação entre a memória do cineasta e a Toritama atual:
Em outras cenas, reflete-se sobre a mudança nas calçadas da cidade. Para
o narrador-diretor, elas simbolizavam o tempo livre, “onde todos os dias se
colocava a cadeira de balanço para esperar o tempo passar”. Na cidade do
jeans, a calçada é hoje ocupada por pessoas mais velhas que realizam a
última etapa da produção, revisando e limpando as peças, ou seja, a calçada
é, agora, “lugar onde se passa o tempo trabalhando”. (SERELLE, 2020, p.
278)
25

Imagem 12 – Fabricação do jeans ocupa as calçadas da cidade

Novamente a paleta de cores das cenas traz o tom terroso, dessa vez nos
tijolos e fachadas das casas, variando entre o tom acinzentado, o laranja desbotado e
o vermelho ocre. Entre elas, grades cinzas trazem o aspecto industrial. Enquanto isso,
o jeans continua com diferentes tons de azul, agora torcido, esticado no varal ou em
unidade no colo dos trabalhadores (imagem 12). As paisagens da cidade são
ocupadas pelo jeans nas diferentes fases do processo.

1.2.2 – Facção de máquinas humanas

Já nas primeiras estruturas fabris é possível notar a organização familiar que


rege a informalidade no local. A primeira entrevistada em “Estou me guardando para
quando o carnaval chegar”, acompanhada de seu cunhado, explica que trabalhava
em uma fábrica de jeans que faliu e a partir do seu conhecimento comprou as
máquinas da fábrica. O crescimento econômico da cidade fez com que aumentasse o
número de trabalhadores na informalidade, o que permite compreender o imaginário
de que não falta emprego. (ALVES, 2009, p.51)
26

Atualmente a produção do jeans em Toritama é terceirizada, ou seja, nenhuma


facção é responsável pela fabricação completa do produto. O transporte das partes
de uma facção para outra é feito em grande quantidade que se acumula nas motos e
carrinhos que também ocupam as ruas. As pilhas de jeans nos carrinhos são mais
comprimidas e as pernas das calças do topo se sobrepõe a estrutura vazada e
vermelha. Já nas motos as peças aparecem dobradas criando a sensação de
camadas (imagem 13).
Imagem 13 – Transporte do jeans entre etapas da produção

Existem trabalhadores que realizam a compra de material, facções que


trabalham com corte, outras com costura, outras com lavagem e acabamentos
(MELLIANI, GOMES, 2007, p. 163) (imagem 14).
27

Imagem 14 – Etapas da produção do jeans

Outra característica da fabricação de jeans na cidade é o pagamento por peça


descrito por uma das entrevistadas do filme. A demanda, portanto, surge do próprio
trabalhador que acredita que quanto mais trabalha, mais ganhará ao final do dia.
Moura, Arruda e Martins analisam a precarização do trabalho no Agreste de
Pernambuco e sua origem na flexibilização do trabalho:
(...) identificam-se, na organização da produção de confecções local, aquelas
formas de gestão do trabalho frequentemente denominadas de flexibilidade
quantitativa ou externa da força de trabalho, que permite às empresas um
rápido ajuste de suas despesas com mão-de-obra às flutuações de demanda,
ante a intensificação da concorrência.” (MOURA, ARRUDA, MARTINS, 2020,
p. 2)

A filósofa Frannciele Oliveira Bispo 3refletiu sobre a simbologia das imagens


filmadas lentamente que retratam as diferentes facções de Toritama:
Apresentando o cotidiano das facções – nome dado às fábricas nas quais o
jeans é produzido e que estão situadas nas garagens, quintais e salas das
casas – da cidade, podemos aos poucos, adentrar aquelas histórias e
perceber o quão complexa é a construção que leva esses trabalhadores
informais, da grande indústria da moda, a acreditarem que são donos do seu
tempo, quando trabalham entre 12 e 14 horas por dia, se dividindo entre
atividades de corte, costura, modelagem e acabamento das peças, além de
vendê-las na feira da cidade. (BISPO, 2020, p. 230)

A complexidade a qual Bispo se refere está presente em todas as cenas que


denunciam a violenta relação do trabalhador de Toritama com sua ferramenta de
trabalho: a máquina.
A produção massificada que se instaurou na cidade tem grande impacto social,
sendo responsável pela ilusão de que a melhor coisa é não ter patrão. Porém, os
trabalhadores informais deixam de lado segurança no trabalho e outros direitos
trabalhistas que garantem sua estabilidade e saúde. Além disso, esses trabalhadores
acabam arcando com custos que antes eram das grandes empresas para manter o
funcionamento das facções. (MELLIANI, GOMES, 2007, p. 165)

3- Formada em Filosofia pela Universidade do Estado da Bahia e idealizadora do projeto Zuruba que pesquisa a
relação social de imagens.
28

Para Serelle as cores presentes nas cenas que retratam a relação trabalhador
máquina “constitui uma paleta fílmica em certa medida homogeneizante de indivíduos
e coisas” (2020, p. 277). Como é possível observar nas cenas a seguir (Imagem 15),
o homem se une a parede, e à máquina pela paleta de cores. Na sequência, o
movimento repetitivo fica fixado na mente e se soma ao barulho da máquina.
Imagem 15 – Cenas que igualam o trabalhador a máquinas

As consequências vão além da utilização do tempo como moeda de troca. A


saúde dos trabalhadores de facções de jeans também é prejudicada por causa do
29

contato com químicos utilizados nas lavagens. O filme retrata muito bem a
insalubridade tanto na presença precária dos equipamentos de segurança, quanto na
ocupação de espaços sem o mínimo de ergonomia. São nessas cenas que entramos
em contato com as consequências da fabricação do jeans para o meio ambiente.
Indiretamente o diretor demonstra a poluição causada pelos resíduos do jeans. Na
imagem 16 vemos a necessidade de equipamentos de segurança e o ambiente tóxico
da lavagem de jeans.
Imagem 16– Riscos e falta de segurança na lavagem do jeans

Mesmo assim, a cidade é vendida como um sonho. O lugar onde não existe
desemprego, onde você faz sua hora, você recebe de acordo com o seu trabalho.
Tudo isso ajuda a vender uma Toritama quase turística e idealizada. Tal discurso é
fomentado pelo governo e por empresas que lucram com a mão-de-obra local. Há a
falsa ideia de prosperidade. (MELLIANI, GOMES, 2007, p. 163)
A precarização é resultado da “pirâmide de classe social sendo utilizado como
instrumento de manipulação da grande massa e fortalecendo os detentores dos
grandes meios de produção.” (BISPO, 2020, p. 231). Portanto, a indústria formal da
30

moda deveria assumir a responsabilidade de repensar esses processos e seus


impactos.

1.3. – Produção coletiva

Por se tratar de uma produção segmentada, é comum que as diversas etapas


do produto façam suas próprias interferências. Alves explica que:
A não escolha do aviamento pelo designer reforça o fato de que o processo
de criação das calças jeans em Toritama ocorre por meio de um trabalho
coletivo. Dificilmente se encontrará uma criação para o mercado de autoria
única. Isso nos remete ao que diz Canclini (2006, p.XXII) a respeito dos
processos de hibridizações, que podem ser provenientes tanto da criatividade
individual quanto coletiva, e esse conhecimento gerado de forma coletiva vai
ser reconvertido em novas formas de criação e produção da moda no local.
(ALVES, 2009, p. 60)

As origens das facções de Toritama já apresentam o processo de hibridização


a partir do momento que dependem de diferentes retalhos e sobras das grandes
empresas. Como Melliani e Gomes (2007, p.166) colocam “As roupas populares, as
peças que atualmente são vendidas nas feiras de sulanca, são produzidas com as
sobras de “jeans” ou ainda peças que não atendem os padrões de qualidade das
marcas que encomendam a produção em Toritama.”
A divisão de etapas faz com que cada processo tenha sua função, maquinário
e gesto mecânico. Marcelo Gomes mostra com detalhe como a própria forma de
produção da cidade cria interferências na estética do jeans e como essas intervenções
acontecem.

1.3.1 – Intervenções no jeans

Algumas cenas das etapas de produção têm características específicas. O


diretor ressalta tanto a repetição do movimento, quanto a ação dele sobre o jeans.
Através delas é possível perceber as texturas e formas que o material ganha enquanto
se transforma no produto final.
As cenas de corte (imagem 17) focam no enfeste (dobra do tecido para o corte)
sendo cortado. As camadas do tecido ganham arestas desfiadas e apresentam a
característica bicolor da trama. Além disso, o pó residual das fibras se acumula sobre
os pedaços.
31

Imagem 17 – Etapa de corte do jeans

Outras cenas apresentam diferentes processos da confecção da peça (imagem


18). Em sua maioria o foco é a máquina atuando sobre o jeans e as mãos por trás
como extensão deste maquinário. Se destacam a costura resultante como parte visual
do jeans e a característica fria dos metais e superfície das máquinas.
Imagem 18 – Etapas de confecção da peça
32

O processo de lavagem do jeans é uma das etapas que mais utiliza água e
deixa resíduos, causando grande impacto ambiental. Sanara Luiz (2019, p. 11),
graduada no Instituto Federal de santa Catarina, aponta as principais técnicas e
produtos químicos que poluem o ambiente. Em seu texto ela descreve a diferença
entre as lavagens físicas como a destroyed, que precisam causar atrito na superfície,
e as químicas que precisam de produtos que reajam sobre a superfície.
As peças vistas no filme possuem diferentes estilos de lavagem, mas a que
mais se destaca é a destroyed que rompe as fibras em determinado local da peça.
Algumas cenas mostram a utilização de equipamentos industriais para inflar a peça
ou causar o atrito, porém em outras é possível ver que a técnica é feita com estilete.
Já na cena da lavanderia, os trabalhadores pintam as calças com jatos de tinta,
intensificando o azul em algumas partes da peça. (imagem 19).
Imagem 19 – Etapas de diferentes lavagens do jeans

A técnica que distancia o trabalhador da ação direta sobre o jeans é a


estamparia a laser. O maquinário exige conhecimento técnico para sua utilização e
cria os desenhos com precisão, queimando a superfície. Na imagem 20 é possível ver
metade da peça com a intervenção esbranquiçada e a outra sem nada. O resultado
estético das peças de Toritama sofre grande influência deste tipo de produção e da
própria estética dos moradores da cidade.
33

Imagem 20 – Estamparia a laser no jeans

1.3.2 – A estética de Toritama

Outra característica que se ressalta na moda local é a cópia ou inspiração nas


grandes marcas. O aprendizado empírico através da observação e do erro é
característico da região. Foi com o surgimento das feiras comerciais na região e na
própria cidade que as marcas começaram a competir.
Carvalho e Pirauá (2010, p.328) afirmam que “O modo como a produção em
Toritama ocorre, demonstra o imaginário dessa população.” Para Souza as calças
transmitem a expressão cultural característica da cidade
As calças jeans masculinas analisadas apresentam referências ligadas à
cultura da cidade, que consequentemente reflete o estar-junto, as
festividades, a ostentação de do rápido desenvolvimento econômico. A
característica dessas peças é o excesso de elementos estéticos que são
colocados no mesmo produto. Assim para configurar a calça juntam-se
diversos elementos como bordados, recortes, pespontos, detalhes de
costuras, rebites e lavagens. (2012, p. 83)

No filme, as peças finalizadas que são mostradas possuem muitas


intervenções, grande variedade de lavagens, principalmente a destroyed que aparece
em bermudas masculinas, joelho de calças justas femininas. O desfiado também é um
acabamento visto em muitas peças, assim como apliques e aviamentos (imagem 21)
34

Imagem 21 – Características do jeans produzido em Toritama

Carvalho e Pirauá (2010, p.328) também afirmam que o gosto estético dos
moradores de Toritama interfere na produção de jeans, inclusive na adaptação de
modelos vistos em pesquisas de tendências. Os autores afirmam existir relação entre
a sensualidade e as modelagens justas com lavagens e aviamentos que emanam a
vontade de viver.
Também consideram que “diferente da maioria dos lugares do mundo, onde a
moda trabalha com quatro coleções por ano, as empresas de Toritama produzem
doze, vinte e quatro ou até mais coleções por ano.” (CARVALHO, PIRAUÁ 2010, p.
328). A produção de jeans de Toritama se inspira nas tendências e cria alterações
vistas como imitação criativa (CARVALHO, PIRAUÁ, 2010, p.329).
35

A criação das feiras fez com que diversos produtores locais tivessem a
oportunidade de crescer e incrementar as vendas. Hoje o alcance das feiras é em
nível nacional. Melliani e Gomes (2007, p.161) destacam que “Parte da produção
também é comercializada por meio de representação ou venda direta para lojistas de
outras partes do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.”
As imagens de Marcelo Gomes na feira retratam o caos e super ocupação com
diferentes marcas e produtos. As variações de azul das lavagens ocupam todo o
espaço vestindo manequins pendurados. É inevitável notar a semelhança de alguns
produtos. Sobre a imitação em Toritama Carvalho e Pirauá comentam que
“A imitação aparece em Toritama como em uma comunidade de artesãos, na
qual não há a preocupação excessiva em relação ao plágio, posto que os
desvios são constantes. A repetição de modelos nessa cidade, é, antes de
tudo, definidora de uma estética local, de uma tradição produtiva comungada,
visto que toda a cidade está inserida no contexto da produção de jeans.”
(CARVALHO, PIRAUÁ ,2010, p.329)
Imagem 22 – Exposição de jeans para venda na feira
36

1.4 - O carnaval

A reflexão produzida pelo documentário é de que Toritama é a terra do trabalho


e não da felicidade. A descoberta do diretor de que a cidade não é lugar para passar
o Carnaval introduz a relação da festa com a libertação do trabalho. Bispo aponta que:
“Estes trabalhadores que dormem e acordam trabalhando, que tem em suas
residências também os seus locais de trabalho, não possuem durante boa
parte do ano, a possibilidade de ócio. Deste modo, somos levados a refletir
sobre o pacote de “vantagens” oferecidas pelo neoliberalismo, que nos incita
a viver em prol do consumo. Uma das maiores finalidades com a renda
gerada durante todo ano, comum aos entrevistados, é festejar o carnaval
distante de Toritama e consumir cultura e produção de outros espaços, que
oferecem vivências distintas às que possuem na cidade onde moram.”
(BISPO, 2020, p. 231)

A movimentação em torno do trabalho na capital do Jeans vai sendo substituída


pela euforia de viver intensamente o distanciamento de Toritama. Muitos
trabalhadores não conseguem recursos suficientes para tal deslocamento.
Para ter a possibilidade de passar o Carnaval no litoral, os moradores de
Toritama precisam vender seus eletrodomésticos. Geladeira, televisão, celular, tudo
vira dispensável para que aquele único momento do ano focado no lazer não seja
passado no local de trabalho.
Imagem 23 – Máquinas a venda no Bazar do Carnaval
37

O registro de Marcelo Gomes mostra um senhor carregando a máquina de


costura, instrumento de trabalho, até o Bazar de Carnaval, simbolizando a
impulsividade para aproveitar a liberdade efêmera. O caos visual provocado pela pilha
de objetos na beira da rua transmite a energia latente da cidade na véspera da festa.
A partir destes elementos Gomes constrói o último contraste da obra e vemos
uma outra cara de Toritama. O desespero para sair da cidade faz com que as ruas
esvaziem, o barulho acabe e a cidade ganhe outra velocidade. “Este é o momento no
qual as memórias desse narrador reencontram a antiga Toritama calma, vazia e
silenciosa.” (BISPO, 2020, p. 230)
A paleta acompanha a retirada da cidade. Como se ela também respirasse e
tirasse folga do azul do jeans jogado em cada canto. A pouca saturação traz o aspecto
melancólico e nostálgico. Ao mesmo tempo, o alívio visual e auditivo de não ter que
voltar para os movimentos repetitivos do trabalho.
Imagem 24 – Toritama vazia no Carnaval

Antes de ir embora a equipe do filme combina com um dos personagens de


arcar com as despesas de sua viagem para o litoral, desde que ele ceda imagens
gravadas da folia. Este personagem é Leo.
Leo se destaca entre os outros entrevistados. Sua primeira aparição é
dormindo, o oposto do que os moradores de Toritama tanto fazem e se orgulham. Ao
perceber o flagra, acontece um certo constrangimento. Depois disso voltamos a vê-lo
em diferentes cenas trabalhando exaustivamente. Serelle descreve a importância de
Leo na narrativa:
“O meu problema não é a bebida, mas trabalhar”. Nessa construção frasal,
por um momento, invertemos a questão, abrindo a possibilidade de ver como
problema não a bebida, mas a aberração naturalizada de que nesta
sociedade “tudo na vida é trabalho”. (SERELLE, 2020, p. 278)
38

A desconstrução da maçante rotina retratada no filme até então está no


despir o uniforme do trabalho. Por se tratar do litoral, quase nenhum
personagem que aparece nas filmagens de Leo usa jeans. O azul profundo do
ouro de Toritama assume uma tonalidade leve e clara. A separação do céu,
mar e areia é feita suavemente por causa da aproximação dos tons. Este novo
azul que passa a representar a liberdade do trabalho, possui também uma
carga nublada de cinza referente a chuva que está por vir (imagem 25).
Imagem 25 – Carnaval do Leo no litoral

Serelle (2020, p.281) reflete que a liberdade é um “entreato entre coerções nas
cenas do carnaval de Leo”, ou seja, ela é momentânea e está fadada a acabar, como
de fato acontece. O corte de Marcelo nos leva de volta para Toritama e para “a
condição submissa.” na qual faltam 365 dias para o próximo Carnaval.

1.5- Coleção metalinguística

O documentário se propõe a apresentar a estrutura da produção de jeans que


é vendida para o Brasil inteiro. A nova organização geográfica da cidade é ressaltada
e entra em conflito com as lembranças do narrador. Os trabalhadores passam o dia
inteiro repetindo os mesmos movimentos nas máquinas e através das lentes do
diretor, se misturam com elas. O azul do jeans invade a paisagem e as cenas da
produção fragmentada. Cada etapa do jeans tem texturas e reflete todos os outros
aspectos.
39

Se por um lado a individualidade é perdida nos retratos desta produção


massificada, por outro, a estética coletiva da cidade mescla reflexos da cultura
regional e da influência externa. O caos aparece como fruto da produção híbrida de
Toritama. As misturas de lavagens aparecem tanto na feira, quanto nos produtos
utilizados pelos personagens do filme.
Pode-se afirmar que a mesma vontade de se libertar no carnaval aparece nos
exageros dos beneficiamentos. O pouco espaço para criação nas produções serve
como fuga da precarização, assim como o Carnaval.
Por se basear em uma obra sobre a própria produção de jeans, a coleção
inspirada no documentário “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”
utiliza o recurso da metalinguagem.
Este recurso já foi utilizado anteriormente em outras coleções, como a de prêt-
à-porter de 1997 da Maison Margiela. Até hoje a Maison é uma das que mais
desconstrói a moda francesa. Criada na década de 1980 por Martin Margiela, a marca
já trazia caráter disruptivo.
As coleções de primavera e outono de 1997 não foram diferentes. Inspiradas
no próprio processo produtivo das roupas a alfaiataria ganhou a estrutura dos
manequins e costuras aparentes (imagem 26).
Imagem 26 – Coleções primavera e outono Maison Margiela 1997

Já em 1998, foi a vez do desfile da casa trazer o caráter metalinguístico. Os


criadores por trás das roupas entraram carregando a coleção pendurada em cabides,
sem modelos.
40

Imagem 27 – Coleção primavera Maison Margiela 1998

1.5.1 – Upcycling como metalinguagem

O upcycling traz peças descartadas de volta para o ciclo. A prática faz com que
os produtos de moda ganhem recortes que podem ser de patchwork ou rework. Tais
recortes fazem com que o produto ganhe diferentes texturas, lavagens e
características.
Por ser uma peça que utiliza outras peças para sua construção, é possível
considerar que a técnica também tem um caráter metalinguístico e pode ser utilizado
como ferramenta para construção da estética do filme. Como foi visto, o filme ressalta
visualmente diferentes contrastes dentro da produção de jeans. A soma de diferentes
texturas e lavagens provenientes da técnica de upcycling traz para uma nova peça de
roupa referências de outras produções.
Por este motivo, pretende-se utilizar a técnica como ferramenta de releitura da
indústria da moda, construindo, assim, a metalinguagem na coleção. A técnica tem
aparecido em diferentes coleções há algumas estações. Nas semanas de moda
Primavera Verão 22, algumas marcas optaram por ressignificar o upcycling, colocando
a composição de recortes novamente em evidência.
41

Imagem 28 – Coleção primavera verão 22 Marine Serre

O desenvolvimento da coleção de moda, portanto, terá o upcycling como


técnica para construir o caráter metalinguístico do tema. A partir dessa base, serão
trabalhados todos os aspectos levantados no capítulo através dos elementos visuais
analisados. O jeans feito pelo próprio jeans ganha os aspectos da sua própria
produção vistos no documentário. O material ganha as cores do meio industrial e rural,
as texturas de cada produção do jeans, os recortes da produção segmentada, a
estrutura do maquinário e a leveza do litoral.
42

CAPÍTULO 2 – PESQUISA DE PÚBLICO E MARCA

A marca Amu pertence ao segmento de moda sustentável voltado para a


criação de jeans feito com upcycling. Este capítulo se propõe a construir o projeto da
marca, levando em consideração os resultados das pesquisas de público, de
concorrentes e dos segmentos sustentável e de jeans. O mapeamento do público
contou com análise de pesquisa quantitativa e qualitativa para traçar o perfil dos
possíveis consumidores. Tal perfil permite que as escolhas criativas e estratégias de
marketing sejam mais assertivas.
Um os principais pontos levantados pela pesquisa de público é a incoerência
entre o gasto com moda e o valor do produto de moda sustentável. Outro ponto
importante é o interesse não consumado pelo produto de upcycling. Ainda foi possível
compreender o discurso político por trás das escolhas de consumo. Por fim, foram
levantadas as principais características de design que agradam tal público e quais
delas serão possíveis no projeto.
Em relação ao segmento, a análise atual do mercado permitiu a compreensão
do contexto da moda sustentável no Brasil. Da mesma forma, foi importante
destrinchar o mercado de revenda, principal fonte de recursos da marca. A moda de
segunda mão ainda é apontada pelas entrevistadas como principal escolha de
consumo, condizendo com o valor que gastam em peças de roupa. Observou-se uma
relação entre o crescimento deste mercado e a técnica de upcycling.
Para elaborar o projeto de marketing da Amu, as informações de público e
mercado coletadas se uniram a análise de concorrentes. A estratégia de marketing
consiste em: apresentação da marca, explicando valores e sua identidade; perfil do
público criado a partir das pesquisas realizadas; estratégia de comunicação; análise
dos concorrentes para construir o preço e sinalizar os diferenciais.
A análise comparativa com os concorrentes somada a Matriz SWOT (FOFA),
identificou as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças. Ao fim do capítulo foi
possível estabelecer os pilares da marca para consultas prévias que determinam
desde o processo de produção até a forma de se posicionar no mercado.
43

2.1 Pesquisa de público

A pesquisa de consumidor permite compreender as necessidades e desejos do


possível público consumidor. Com isso, as decisões relacionadas ao produto e as
formas de comunicação são mais certeiras. Além disso, a criação do perfil de público
é uma das estratégias de marketing mais utilizadas nas marcas de moda. Ela ajuda a
construir desejo pela marca através da conexão com valores e solução das principais
dificuldades do consumidor dentro do segmento.
Para localizar possíveis consumidores do jeans feito com upcycling, foi feita
seleção a partir de marcas que vendem este tipo de produto, focando nas
concorrentes Florent e Comas. Estas marcas foram selecionadas previamente por
inserir caráter político em suas coleções, encarando a sustentabilidade como valor e
não apenas marketing.
A seleção foi feita a partir dos perfis de Instagram de tais marcas, levando em
consideração as postagens das selecionadas. O principal filtro, portanto, foi o estilo
de vida exposto nas redes sociais, que deveria conter preocupação com o impacto do
consumo, além de utilizar produtos de moda semelhantes a estética das concorrentes.
Muitas das pessoas selecionadas não responderam ao contato ou não estavam
disponíveis para preencher o formulário. Primeiramente foi realizada a pesquisa
quantitativa com estes indivíduos, solicitando o preenchimento de questionário criado
no Google Forms.
O questionário continha 15 perguntas divididas nos seguintes blocos: dados
demográficos, estilo de vida, relação com o tema e hábitos de consumo. As perguntas
ficaram disponíveis por um mês e foram computadas 18 respostas. Tais respostas
foram essenciais para compreender o processo de consumo do jeans e relevância do
tema para as consumidoras. Além disso, ajudou a delimitar as preferências de design
do jeans. Outro ponto importante foi levantar a incoerência entre os valores deste tipo
de produto e os valores gastos pelas consumidoras.
A seleção das entrevistadas foi feita da mesma forma, porém optou-se por
mulheres que expunham mais seu estilo de vida e sua relação com consumo
consciente. A realização das entrevistas foi dificultada pela Pandemia do COVID-19.
É possível constatar a dificuldade de conseguir marcar entrevistas por vídeo, seja por
indisponibilidade ou pela preferência pela resposta escrita.
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O resultado interferiu na troca de informações mais aprofundadas que


determinassem o gosto estético e as preferências de consumo das entrevistadas.
Além disso, ao serem questionadas sobre o upcycling, três disseram que gostariam
de consumir, mas não consomem. Apenas uma revelou que só consome roupa feita
com upcycling. Este ponto foi levantado na análise como uma questão a ser
solucionada. Mesmo assim, foi de grande valia para constatar a relação entre o
discurso sustentável e ações de consumo como a compra de segunda mão.
A seguir, a análise das respostas do questionário e das entrevistas que
permitem determinar um perfil. Ainda é possível perceber necessidades do público a
serem solucionados através do confronto entre as informações coletadas.

2.1.1 – Análise do público consumidor: questionário e entrevistas

De acordo com os resultados obtidos pelas 18 participantes, todas são do


gênero feminino. Destas mulheres, 55,6% tem entre 18 e 25 anos e 33,3% tem entre
26 e 30. Apenas 11,1% estão entre 31 e 40 anos (imagem 29). Dentre as
entrevistadas, uma tinha 51 anos, duas tinham entre 30 e 33 anos e uma tinha 22. Tal
resultado pode ter interferido na determinação de faixa de renda do público, item
crucial para a precificação do produto.
Imagem 29 – Gráfico referente a faixa etária

Em relação ao local de residência, nenhuma entrevistada é do Centro-oeste ou


Nordeste, sendo 72,2% do Sudeste (imagem 30). Isto indica uma maior atuação na
Região Sudeste, podendo influenciar na construção futura de pontos de venda físico.
Além disso, pode resultar em estratégia de distribuição que barateie o frete na região,
como a negociação de empresa de distribuição.
45

Imagem 30 – Gráfico referente a região que residem

A maior parte delas declarou ser trabalhadora autônoma ou informal (imagem


31). Dentre as profissões, a área de moda, jornalismo e artes foram as respostas mais
frequentes, além de uma estudante e uma desempregada. Porém, nenhuma delas
declarou não ter renda, sendo possível que tenham considerado renda familiar nesta
pergunta.
Imagem 31 – Gráfico referente a fonte de renda

Ao responderem sobre renda familiar mensal, 61,1% respondeu ganhar até 3


salários mínimos (R$3.300) (imagem 32). Considerando a grande incidência de
mulheres até 25 anos, mas que apenas 3 responderam ser estudante ou
desempregada, é possível concluir que a maioria obtém renda do trabalho informal,
prestando serviço na área criativa e de comunicação ou vendendo produtos de moda,
design e arte. Apenas Roseclair disse ganhar acima de 7 salários mínimos e Jacira
respondeu ganhar entre 3 e 4.
46

Imagem 32 – Gráfico referente a renda familiar

Em relação as atividades de lazer, quase todas responderam gostar de cinema,


filmes e séries e de atividades ao ar livre. Em seguida feiras e eventos de arte, shows
e festivais, artesanato, ler e navegar nas redes sociais (imagem 33). A maioria das
respostas mais indicadas costumam ter um custo maior, indicando que elas estão
dispostas a gastar com lazer, entretenimento e cultura.
As que menos foram respondias foram boates e jardinagem. No entanto a
entrevistada Priscila Cortez alegou que cuidar das plantas é uma das coisas que mais
gosta de fazer, assim como passear com a família e amigos e tomar café.
Imagem 33 – Gráfico referente as atividade e interesses do público

Sobre os hábitos de consumo de moda, a maior parte declarou não costumar


comprar roupa ou comprar até uma vez no mês (imagem 34). Além disso, a maioria
não gasta mais de R$300,00 em uma peça de roupa (imagem 35). Esta resposta
contrasta com o gasto em atividades de lazer, sendo possível concluir que as
participantes preferem investir mais em atividades que em roupas de maior valor.
47

Imagem 34 – Gráfico referente a frequência de consumo de roupa

Imagem 35 – Gráfico referente a média de gasto com uma peça de roupa

Metade das entrevistadas respondeu que compra em brechós e uma não


visualizou a opção, adicionando brechó na alternativa outros. Somado a que indicou
que consome em todas as opções, é possível considerar que a maioria consome
roupa de segunda mão (imagem 36). Esta informação condiz com o preço gasto por
peça de roupa e também com o discurso de preocupação com o meio ambiente.
No entanto, o gasto médio por roupa não é coerente com o consumo de moda
sustentável, no qual a Amu se insere. Afinal, o preço dos produtos costuma ser mais
caro por possuir valorização da mão-de-obra, matéria-prima ecológica e não utilizar
produção em massa.
48

Imagem 36 – Gráfico referente a forma de aquisição de roupas

Ao serem questionadas sobre a importância do processo produtivo por trás da


roupa, tema abordado pelo documentário, todas responderam que sim, inclusive as
entrevistadas (imagem 37). A resposta não coincide com o gasto por peça de roupa,
como já foi considerado anteriormente, por se tratar de moda sustentável.
Priscila apontou que se importa muito com o processo produtivo porque
conhece por dentro, no entanto, ainda consome em fast fashion pelo valor mais
acessível. Deste modo, o valor acessível contribui mais para a realização da compra
do que o processo que está por trás. Em contrapartida, a resposta mostra que o tema
da coleção é relevante para a consumidora.
Imagem 37 – Gráfico referente ao interesse pelo processo produtivo de moda

Ainda sobre o tema, as entrevistadas apontaram que uma coleção de moda


que questiona o próprio sistema é interessante, validando o caráter metalinguístico da
coleção. Priscila, inclusive, mencionou a metalinguagem em sua resposta.
Em relação ao consumo de jeans, mais especificamente, a maioria apontou
que utiliza jeans de vez em quando ou diariamente (imagem 38). Taise comentou que
é um item que deve combinar com o guarda-roupa. A versatilidade da peça e a
durabilidade, portanto, são pontos importantes. Priscila ressaltou que sua peça mais
49

antiga de jeans é uma calça Levi’s que a acompanhou em diferentes ciclos. Este fator
demonstra a importância da durabilidade do material que deve ser aproveitada. Além
disso, aponta a ligação emocional com o produto. Isto pode ser útil para a criação de
serviço de customização. Taise indicou que tem muito interesse nesse serviço e que
já consumiu de brechós que o realizam.
As peças mais usadas são a calça e a jaqueta, portanto, devem aparecer em
maior porcentagem no mix de produto (imagem 39). Em seguida, bermuda/short e
saias. Apesar de acessórios e tops ter baixa incidência, eles são necessários para
equilibrar o mix de produto e o preço médio. Uma solução possível é distanciar o
material das características tradicionais do jeans através de texturas para estas peças.
Imagem 38 – Gráfico referente a frequência de utilização de peças de jeans

Imagem 39 – Gráfico referente as peças de jeans que costuma consumir

Sobre as características que buscam em uma peça de jeans, elas apontaram


a durabilidade, o preço acessível, bom caimento e sustentabilidade (imagem 40).
Novamente vemos a contradição entre o valor e a qualidade sustentável do produto.
50

Provavelmente, para as participantes, não existe a relação do custo justo com o


quesito ecológico.
As entrevistadas comentaram sobre o desconforto do jeans e a falta de
identificação com ele, que pode estar ligado ao fator bom caimento. Taise esclareceu
que o desconforto está ligado às modelagens ajustadas e à dureza do tecido.
Portanto, as modelagens mais básicas não poderão vir tão ajustadas, mesmo que a
estética de Toritama vista no capítulo 1 peça esta característica.

Imagem 40 – Gráfico referente as características que procura no jeans

Visual exclusivo teve apenas 2 votos, o que indica a preferência por


modelagens menos elaboradas e lavagens básicas vistas nos produtos dos
concorrentes. O visual exclusivo é favorável a prática de upcycling, criando o desafio
de construir as texturas e formas do tema levantadas no capítulo 1.
No entanto, as respostas das entrevistadas em relação ao que a moda
representa giram em torno de expressar a personalidade e comunicar. Tal fator, junto
com a preferência por peças de segunda mão do público pode justificar escolhas
estéticas mais ousadas no projeto, que se conectem com a criatividade, além de ser
um fator de identificação ideológico.
Para compreender quais recursos podem ser utilizados para transmitir o tema
e agradar ao público ao mesmo tempo, foram feitas perguntas sobre o design do
jeans. Sobre detalhes e acabamentos, as participantes responderam básico com
detalhes de modelagem, o que condiz com a análise feita até aqui. Isto significa que
as formas e cores vistas no filme podem ser adaptadas para pequenas alterações nas
calças e jaquetas.
51

Cinco optaram por novas texturas e padrão destroyed (imagem 41). Assim, a
texturização do material será crucial para transmitir o tema, gerar inovação, aproveitar
ao máximo a matéria-prima e deixar o jeans mais confortável.
Imagem 41 – Gráfico referente a preferência de detalhes e acabamentos

Imagem 42 – Montagem das preferências de detalhes e acabamentos do público

Por fim, o questionário abordou o consumo de upcycling. A maioria respondeu


que faz upcycling em casa. Observou-se que 33,3% consome e 22,2% tem interesse,
mas não consome (imagem 43). Para as entrevistadas, o fator custo é o que interfere
na compra de produtos de moda sustentável. Taise mencionou que acredita que a
moda sustentável também deve considerar o fator social e oferecer preços mais
acessíveis. Este impeditivo é o mesmo analisado nas respostas do questionário. A
resposta das marcas consumidas por elas está no Anexo C, sendo a Florent uma
delas.
52

Imagem 43 – Gráfico referente ao consumo de upcycling

Como nenhuma delas respondeu que não conhece ou que não tem interesse,
todas puderam responder sobre os estilos de upcycling de sua preferência. Os
padrões de upcycling com maiores votos foram:
Imagem 44 – Montagem das preferências de estilo de upcycling

Assim, recortes orgânicos, contraste de lavagem e de material podem servir


como inspiração para a criação da proposta da coleção.
A análise do questionário e das entrevistas permitiu traçar o perfil de público
que será trabalhado no item 2.2 como parte do projeto da marca Amu. Junto a ele
será apresentado um moodboard que traz os elementos visuais ligados ao estilo de
vida do público.

2.2 – Análise do mercado: Moda sustentável

O crescimento do mercado de moda no pós-pandemia vem sendo alvo de


debates, causando incertezas no setor. A possível recuperação intensa da indústria e
do varejo de moda, no entanto, representa também o aumento de impactos ambientais
e sociais que parecem se desgastar cada vez mais. A indústria da moda é responsável
53

pelo desperdício e descarte de resíduos têxteis poluentes que demoram para se


decompor. Aguileira aponta em seu artigo para o blog Modefica que:
O equivalente a 1 caminhão de lixo têxtil é descartado no mundo por segundo.
(...)Segundo dados da Abit – Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de
Confecção, em 2017, somente no Brasil estimou-se um desperdício de 170
mil toneladas de resíduos têxteis.

Em contrapartida, o mercado de moda sustentável, que visa diminuir tais


impactos, também cresceu. Segundo Codogno (2021) a moda consciente teve maior
procura durante a Pandemia.
O foco da Amu é a estratégia de upcycling, ou seja, “dar um novo propósito a
materiais que seriam descartados, com criatividade e qualidade igual ou até melhor
que a do produto original” (E-CYCLE). O artigo de Lucietti (2018) analisa a opção da
técnica em uma marca de moda e define que:
O termo upcycling foi usado por William McDonough e Michael Braungart em
seu livro, Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things, em 2002.
Eles afirmam que o objetivo deste movimento, é evitar o descarte de materiais
úteis. Reduzindo o consumo de novas matérias-primas durante a criação de
novos produtos, o que pode resultar em redução do consumo de energia,
poluição do ar e da água e até, das emissões de gases de efeito estufa. (2018,
p. 5)

A técnica tem se tornado popular através do crescimento de brechós que


exigem criatividade para adaptar e vender peças usadas. Até grandes marcas como
a Renner enxergaram a necessidade de abrir espaços para a revenda de produtos
usados, comprando a empresa de roupas de segunda mão Repassa. Isto se dá pela
previsão de que este mercado irá ultrapassar o mercado tradicional até 2025
(RIZÉRIO, 2021). Em matéria da Carta Capital, Codogno (2021) aponta que
De acordo com um dos principais relatórios destinado ao cenário de second
hand, disponibilizado pela gigante thredUP, o setor de segunda mão deve
dobrar ao longo dos próximos 5 anos, chegando a US$7 bilhões de dólares
aproximadamente. O mesmo documento aponta que, com a expansão do
comércio digital aquecido pela pandemia e isolamento social, mais pessoas
se disponibilizaram a consumir de tal maneira.

A solução de retornar parte do material que é descartado para a cadeia têxtil


justifica a criação do projeto da marca Amu. Nela, o rework, estratégia que faz
interferência nas peças, renovando-as, e o patchwork, que recorta partes da peça,
unindo a outras, construindo algo novo serão as técnicas utilizadas.
Esta informação é essencial para a criação da marca, já que será a fonte de
recursos dos produtos. Porém, o crescimento do mercado significa maior procura por
itens já usados, assim como o possível aumento do preço do material em brechós
locais.
54

2.3 – Projeto de Marca: Amu

Este projeto tem como intuito apresentar a marca, o público e as estratégias de


marketing utilizadas. Amu é uma marca de moda upcycling que surge a partir da
necessidade de roupa sustentável mais acessível. A marca é carioca, mas atende o
Brasil inteiro. O principal produto da marca são peças de jeans feitas com upcycling.
Seu propósito é acolher para fortalecer, retornando roupas e tecidos que voltam
mais fortes para a cadeia têxtil. Além disso, fortalece mulheres que se afirmam através
das escolhas conscientes de moda e levam as roupas como seu amuleto.
As marcas concorrentes diretas da Amu são a Florent e a Comas. Ambas
utilizam upcycling para criar produtos com características básicas e duráveis.

A) A marca
Nome: O nome veio da palavra amuleto e traz simbologias de cuidado, proteção e
afeto. A ideia é que o aconchego seja transmitido através da simplicidade, do
essencial. Para melhor absorção do nome, foi feita a redução para Amu.

Valores: Os valores da marca são cuidado, respeito, transparência, refletidos na


forma de comunicação e de fornecer informação sobre os produtos e a técnica. Assim
como a sustentabilidade relacionada ao método de produção upcycling. Outros
valores são a coletividade, criando a ideia de comunidade com o objetivo em comum
e a adaptação que está inserida na reconstrução das peças para que elas voltem para
o mercado em novos ciclos. A alegria também é pilar da marca e vem através da
sobreposição, mistura de cores e dinamismo entre formas geométricas e orgânicas. A
comunicação se baseia na transmissão objetiva da informação, mas também leva em
consideração leveza e elementos cômicos para criar intimidade com a consumidora.
55

Imagem 45 – Moodboard Amu

B) Público
O público é composto por mulheres de 18 a 30 anos, maioria residente da
Região Sudeste. Elas trabalham como autônomas nas áreas de design, arte e
comunicação. Sua renda é de até 3 salários mínimos. Investem tempo e dinheiro em
atividades de lazer e cultura tanto quanto gostam de passar tempo com a família e
amigos. Acompanham as novidades de filmes, séries, músicas e artes, indo em feiras
e cinemas sempre que podem. A preocupação com a moda é uma constante e
questionam o consumo. Defendem o consumo consciente e se preocupam com os
impactos ambientais e sociais do que consomem.
Ainda assim, o preço acessível é decisivo e faz com que não consumam produtos de
moda com valor elevado. Gostam de peças com bom caimento e durabilidade, que
sejam básicas, mas que venham com algum diferencial. Afinal, a moda para elas é
expressão da personalidade. São comunicativas e gostam de se expressar através do
fazer manual.
O Moodboard traz a simplicidade vista no estilo de vida, nas escolhas de
consumo e no próprio design das roupas. Momentos de lazer como cinema, música e
café determinam a vontade de aproveitar o tempo, que se relaciona com a própria
durabilidade das roupas. Além disso, compartilhar o propósito sustentável aparece na
conexão com a natureza e na união. Por fim, a criatividade através de expressões
manuais aparece na arte texturizada.
56

Imagem 46 – Moodboard perfil do público

C) Estratégias de Marketing
Estilo: O contraste entre o básico e novas texturas de jeans é o que determina o estilo
da marca. Tanto o patchwork, quanto o rework possuem a característica de
reconstrução e colagem que define os contrastes entre o jeans básico e as novas
texturas do material, entre o novo e o antigo. Assim como a identidade visual da
marca, a dinâmica entre formas orgânicas e formas geométricas traz movimento e
alegria. Apesar de fornecer peças simples de calças jeans e jaquetas, o estilo traz
elementos diferenciados nos detalhes de cós, punhos, barras e mangas.

Inspirações: Em relação a modelagens de jeans, a Amapô é uma grande referência


por renovar modelagens básicas através de babados e sobreposições. A Ventana é
uma marca paulista que trabalha com upcycling criando produtos com rework e
patchwork com modelagens amplas e forte estética descontruída.
57

Imagem 47 – Peças de jeans da Amapô

Imagem 48 – Peças de jeans da Ventana


58

Mix de produtos: O principal produto é a calça jeans feita com upcycling por ser um
dos itens mais usados pelo público. Porém jaquetas, shorts e bermudas também
entram na lista de peças-chave. Acessórios e top jeans vão entrar na coleção em
menor quantidade. Também serão feitas peças inteiras e tops com outros materiais
ecológicos, selecionados em bancos de tecidos.

Materiais: A forma do produto seguirá o gosto do público por básicos, no entanto com
intervenções que incluem novas texturas de jeans e inovações nos detalhes da
modelagem. Todo jeans será coletado no mercado de revenda e através de parceria
com fábricas que revendem sobras de tecido de coleções anteriores. As cores serão
diferentes tons de azul de acordo com as lavagens do jeans. Quanto às estampas e
aos bordados, eles estarão em apenas alguns produtos e serão discretos, porém,
acrescentando as cores e texturas que vem do tema da coleção. Os aviamentos serão
reaproveitados das peças garimpadas, assim como o material para seu retrabalho.

Canais de venda: O canal de venda da marca é virtual, sendo o Instagram e o


Whatsapp as principais formas de entrar em contato com clientes e efetuar compras.
Isto faz com que seja necessário o esquema de empacotamento e envio via correios,
assim como parceria com empresa de distribuição para região sudeste que conterá
desconto no frete. Além disso, será comprado o espaço em marketplace, como o
2collab que abriga marcas sustentáveis, potencializando vendas. Isto porque o custo
de e-commerce próprio ou de loja física são inviáveis para a criação do valor final mais
acessível.

Preço: A partir da comparação com os concorrentes e da tabela de custo dos produtos


carro chefe da marca, é possível prever o preço de cada um. A calça jeans feita com
rework fica com o custo de R$111,69 e a jaqueta R$89,74. Supondo que a margem
de lucro para cobrir as despesas fixas e garantir o pro labore seja 80%, a calça fica
por R$91,26 e a jaqueta por R$161,50. Para a precificação de acessórios foi usado o
preço de mercado da Florent: R$29,90. Ou seja, o menor produto seria R$29,90 e o
maior R$161,50. O preço médio ficaria R$95,70.
59

Produto 1: Calça jeans rework


Material Quantidade Custo Unitário Total (R$)
(R$)
1. Jeans 2 20 40
Garimpado
2. Elástico chato 0,70 0,64 0,45
cós

3. Linha para 244 m 0,006 1,46


pespontar

4. Zíper 1 1,50 1,50


5. Botão 1 0,55 0,55
6. Etiqueta 1 0,14 0,14
7. Caixa 1 1,60 1,60
8. Mão de Obra Por peça 20,00 20,00
Total 65,70

Produto 2: Jaqueta jeans patchwork


Material Quantidade Custo Unitário Total (R$)
(R$)
1. Jeans 1 35 35,00
Garimpado
2. Tecido 1,5 m 19,00 28,50
(bando de tecido)
3. Linha para 200 m 0,006 1,20
pespontar

4. Botões 6 0,55 3,3


5. Etiqueta 1 0,14 0,14
6. Caixa 1 1,60 1,60
7. Mão de obra Por peça 20,00 20,00
Total 89,74

Comunicação: A forma de comunicação será leve, porém com muito conteúdo sobre
sustentabilidade e informação sobre a produção de jeans no país. A principal forma
de comunicação da marca será o Instagram, em seguida o Facebook, com intuito de
atingir o público mais velho com maior renda que não utiliza tanto as outras redes. A
linha editorial contará com fotos do editorial em modelos e still, além de fashion film
divulgando o conceito da coleção. Os passos e bastidores da produção serão
apresentados nos stories e através de reels e fotos no Facebook. Este item é essencial
porque explica para o público o porquê do valor das peças. Outra categoria abordada
são posts carrossel informativos e legendas explicando notícias sobre os principais
60

acontecimentos que influenciam no mercado sustentável. Serão realizadas ações


com influenciadoras digitais através de presskit a ser divulgado em stories, reels ou
post no feed do Instagram. A escolha respeita a linha editorial das influenciadoras,
que serão selecionadas a partir do perfil condizente com consumo sustentável.

Concorrentes:
-Florent: A marca foi idealizada pela designer Sarah Almeida e se baseia na economia
circular, utilizando o upcycling para retornar matéria-prima para cadeia. Ela se
identifica como uma marca “atemporal, sustentável e feita no Brasil” (FLORENT). A
maior parte dos produtos disponibilizados no site é em jeans, sendo alguns em
material classificado como orgânico. O mix de produto é muito restrito, sendo a maioria
calças e acessórios. Possui também jaqueta, short, vestido e t-shirt. A grade vai do 34
ao 44 e do P ao GG.
Imagem 49 – Jaqueta jeans upcycling da Florent

As modelagens são simples e a maioria apresenta folga nas modelos,


característica que pode afastar o desconforto de peças ajustadas apontado pela
pesquisa de público. Em relação aos acabamentos, muitas peças apresentam o
pesponto tradicional em branco, contrastando com o jeans. Dentre elas, as peças que
se destacam por apresentar alguma inovação de modelagem são um short e uma
calça com a bainha curvilínea.
61

Imagem 50 – Calça e short jeans upcycling da Florent

Não são todas as peças que apresentam recortes em diferentes lavagens. A


marca afirma que o tecido utilizado está dentro da técnica de upcycling, o que permite
maior quantidade de material para construir peças completas. As que possuem
recortes apresentam a diferença de tonalidade e algumas possuem faixas brancas.
Os recortes criam padrões orgânicos ou apenas seccionam as peças em blocos de
cor.
Imagem 51 – Calças jeans upcycling da Florent

Não existe nenhum trabalho de estamparia, bordado e nem lavagem destroyed.


Dentro da pesquisa de público, a jaqueta da Florent foi uma das mais votadas como
estilo de upcycling. Desta forma, pode-se afirmar que existe uma preferência pelas
modelagens simples, com recortes sem costura aparente e pesponto contrastante.
62

Dentre as peças, o conjunto de jaqueta e calça aparenta ter grande


elasticidade, destoando da dureza tradicional do jeans (imagem 52). Ainda é possível
notar que os poucos aviamentos utilizados são botões, também minimalistas em
dourado ou prata.
Imagem 52 – Detalhe da calça jeans upcycling da Florent

A média de preço das peças é R$256, 53. O maior preço é um vestido de


R$497,00 e o menor é um acessório de R$29,00. A marca lançou novas peças em
alfaiataria, aumentando o preço médio.
A marca utiliza muita paisagem natural nas fotos de campanhas e do site e
utiliza em muitas delas uma estrutura branca de contraste. O resultado parece
emoldurar a modelo (imagem 53).
Imagem 53 – Campanha Florent
63

A Florent não possui loja física, sendo o e-commerce seu principal ponto de
venda. Dentro do site, a visualização dos produtos é organizada, mas é difícil notar os
detalhes e circular por eles. Na primeira página existe a informação de quantos litros
de água foram economizados e quantos metros de tecido foram reciclados na
produção. As informações dos produtos são vagas, sem especificar de onde veio o
material (imagem 54).
Imagem 54 – Site da Florent

A identidade da marca é minimalista, com a paleta de cores em tons neutros e


com bastante presença de verde e azul, principalmente nos editoriais. O Feed do
Instagram é coerente e possui fotos de editoriais, repostagem de influenciadoras
digitais e reels feitos com diferentes peças (imagem 55). Outro recurso recorrente no
64

Instagram são os posts com conteúdo informativo. Para eles, a marca utiliza ou uma
imagem com frase de impacto e texto na legenda ou carrossel com tópicos
informativos.
Imagem 55 – Instagram da Florent

Possui fashion film feito para a coleção Chuva, coleção contra os incêndios
que desmatam a Amazônia. Nele, as modelos são gravadas contra o céu se
movimentando devagar, também andam pela cidade descontraídas. A forma de
comunicação é convidativa, fazendo perguntas e propondo reflexões. Além disso,
informa o conceito por trás da coleção.
-Comas: A estilista uruguaia Agustina criou a marca em SP com o objetivo de dar
destino aos resíduos têxteis das fábricas locais através do upcycling (COMAS). A
marca possui colaboração com plataformas cooperativas para venda no EUA, Uruguai
e Brasil. A técnica utilizada pela estilista permite a produção para venda em atacado.
65

Ela ainda oferece curso para disseminar seu método e ideologias. A marca já
participou do Brasil Eco Fashion Week (imagem 56), evento que coloca a moda
sustentável em evidência.

Imagem 56 – Comas no desfile Brasil Eco Fashion Week

Assim como a Florent, o mix de produto é pequeno, porém possui mais


variedade de tecidos. O principal produto da marca são as camisas e a marca possui
poucas peças em jeans. Apesar de também seguir modelagens simples, a
reconstrução das peças é mais visível do que na Florent. Algumas peças possuem
costura aparente entre os recortes. Outra característica é o bolso aplicado acima da
costura, criando contraste em uma das lavagens. Os recortes são geométricos criando
blocos de cores.
66

Imagem 57 – Peças jeans upcycling da Comas

As camisas, saias e vestidos são amplos, garantindo bom caimento em


diferentes corpos. Os aviamentos utilizados são botão de pressão ou botão de camisa,
todos discretos. O maior preço da marca é R$620,00 e o menor R$44,00, sendo o
preço médio de R$303,90.
As fotos de campanha também são simples e variam entre externas com
paisagens naturais e internas com fundo branco. Algumas possuem recurso gráfico
67

(imagem 58). Outro recurso utilizado tanto no site, quanto no Instagram são fotos das
peças dobradas ou esticadas. O processo criativo e de produção também é
apresentado para o público.
Imagem 58 – Campanhas Comas

A marca não possui loja física e utiliza as redes sociais, plataformas e o e-


commerce para vender seus produtos. O site é minimalista utilizando o clássico
contraste preto e branco para construir o layout. No entanto, ele é desorganizado e
parece desatualizado com produtos em categorias erradas.
68

Imagem 59 – Site da Comas

O Instagram possui conteúdo que segue a linguagem do site, mas é atualizado


com mais frequência sobre processos criativos, novas peças e coleções. As imagens
trazem o conceito dos projetos, o que faz com que o Feed fique menos organizado,
porém com mais informação visual sobre o conceito. Existem diferentes fotos da
mesma peça, mostrando ângulos, formas de usar e detalhes. O conteúdo é
informativo e convida o público para descobrir o upcycling.
69

Imagem 60 – Instagram da Comas

Após a análise dos concorrentes, foi possível estabelecer pontos positivos e


negativos de cada um e compará-los com a proposta da Amu. O resultado garante
estratégias para aprimorar o produto e o marketing.
Tabela Pontos de Preço Condições de Localizaçã Tipo de Serviços ou
comparativ Qualidade Praticado Pagamento o Atendiment Garantias
a médio o oferecidas
Amu Preço mais R$161,50 Pix, boleto, Online Virtual via Customizaçã
acessível, cartão de Instagram, o de peça
peças básicas crédito Whatsapp e sob medida
com texturas e e-mail
detalhes marketing
diferenciados.
Florent Peças com R$256, 53 Online e Virtual
durabilidade, presencial
processos em feira.
produtivos sem
resíduos.
Comas Boa estratégia R$303,90 Online Virtual Cursos
de uso do
material para
upcycling, alto
70

aproveitament
o.
Conclusões Tornar o Levantar o Para pequenos Disseminar É possível Disseminar o
upcycling debate da empreendedore a proposta construir upcycling
possível e valorizaçã s recursos de da marca relação como hábito
acessível para o do pagamentos com a transparente de consumo
mais pessoas, trabalho como o Pix possibilidad e fidelizar dando a
tanto justo, mas auxiliam na e de através do ferramenta
esteticamente, sem praticidade e entrega no marketing para o
quanto em deixar de segurança. país todo. digital. consumidor.
valor final do pensar em
produto. formas de
baratear
custos,
resultando
em um
produto
mais
acessível.

Forças Fraquezas
Aproveitamento de resíduos para Custo alto de mão-de-obra;
texturizar as peças; design básico instabilidade de fornecedores de
com detalhes diferenciados; matéria-prima.
acolhimento como comunicação;
grade mais ampla.

Oportunidades Ameaças
Crescimento do consumo consciente Aumento no mercado de revenda
durante a pandemia, tendo maior pode significar aumento do preço da
aceitação do público; aumento no matéria-prima do upcycling;
mercado de revenda simboliza o prospecção de aumento do consumo
crescimento de interesse por peças na pós-pandemia pode levar pessoas
usadas; aumento do interesse em a consumirem mais peças por menor
fazer upcycling em casa, preço.
possibilitando a criação posterior de
cursos para contribuir com o fluxo de
caixa.

O diferencial da coleção será a renovação de produtos básicos através de


intervenções e construções de texturas. Assim, até retalhos e resíduos voltarão para
a cadeia, fazendo parte da peça. As peças vão possuir modelagem básica com folga
71

para atender ao gosto do público. A opção pela aplicação de ajustes na cintura permite
que a peça se adapte mais facilmente a diferentes corpos. Assim como a Amapô, os
detalhes de modelagens serão focados no cós, punhos e barras das peças.
Serviços de customização serão oferecidos para peças que carreguem
memória afetiva para a consumidora. Além disso, há a possibilidade de realizar
cursos, disseminando a técnica e aproveitando o aumento do mercado de revenda. O
preço é outro diferencial, visando atingir um público que tem interesse pelo produto
de upcycling, mas que prioriza o preço acessível como foi visto na pesquisa de público.
72

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE SIMILARES

Neste capítulo serão apontados objetos de moda, fotografia e arte que


assemelham elementos de design do tema identificados no capítulo 1. Cada objeto
terá sua descrição e será apresentado com montagem das imagens que mais refletem
a analogia do filme. A partir delas, será feita a comparação utilizando a técnica de
aproximação e distanciamento. Como resultado, será possível estabelecer possíveis
técnicas, materiais e cores para a criação da coleção.

3.1 – Coleção Primavera Verão 22 da Diesel

Imagem 61 – Montagem da coleção de jeans da Diesel


73

Designer: Glenn Martens para Diesel.

Objeto: Peças em jeans com diferentes lavagens e texturas que desconstroem o


efeito clássico do material apresentadas na Milan Fashion Week Spring Summer 22.

Detalhes técnicos: A Diesel é uma marca focada em jeans que começou em 1978
em Milão. O seu criador Renzo Rosso construiu para a marca a filosofia de “paixão,
individualidade e auto-expressão” que continuam como base para todas as criações
(DIESEL, 2021). A grife tem a proposta de oferecer produtos alternativos para o
mercado de luxo, atingindo o nicho do casual premium (DIESEL, 2021).
Atualmente a marca vende em diferentes países e chega a criar mais de 3.000
peças para apenas uma coleção (DIESEL, 2021). A maioria dos produtos da Diesel
seguem a linha básica, contando com qualidade nos acabamentos, lavagens e
aviamentos. As modelagens são ajustadas e as lavagens são básicas.
A coleção Spring Summer 22 apresentada na MFW foi a primeira criada pelo
designer Glenn Martens, assim como a primeira apresentada na semana de moda. O
designer adicionou modelagens assimétricas, desconstrução e elementos do
streetwear que vieram da sua experiência em marcas como Y/Project.
A coleção apresenta diferentes lavagens, criando uma transição de tons de
azul, além de padrões diferenciados e destaques na gola e punho. Outra característica
são as diferentes texturas vistas nas imagens selecionadas.

Aproximações: A amarração das camisas somada às lavagens dão a ideia do


movimento visto na lavanderia de Toritama e pode ser adaptado às técnicas mais
sustentáveis. O efeito da lavagem super destroyed em padrão que imitam o matelassê
passa a ideia da relação entre o antigo e o novo, além de ser um dos beneficiamentos
que mais aparecem nas etapas de produção retratadas no filme.
O terceiro look tem o casaco texturizado, o efeito pode ser utilizado para
transmitir os resíduos vistos na produção de jeans. Os primeiros looks possuem
destaque de cor através de debrum ou viés. Isto pode ser útil na coleção, trazendo os
aspectos dos vermelhos e terrosos da paleta do filme para o jeans.
Por fim, as modelagens dos casacos, da primeira camisa, da calça e do vestido
possuem molde mais básico que pode ser utilizado na coleção.
74

Distanciamento: As modelagens assimétricas fogem muito dos modelos apontados


pelo público como favoritos na pesquisa de público feita no capítulo 2. Além disso, a
diversidade de lavagens em uma pequena coleção vai contra a proposta sustentável
da Amu.
Outro detalhe que se distancia do projeto é a presença de muito zíper e
termocolantes, aspecto que encarece o produto e não condiz com a estética do filme.

3.2 – Coleção SPFW Nº 51 da Amapô


Imagem 62 – Montagem coleção de jeans da Amapô

Marca: Amapô
75

Objeto: Peças em jeans da coleção Amapô para SPFW Nº 51.

Detalhes técnicos: A Amapô é uma marca brasileira que atende o segmento de moda
sustentável. Definem seu produto como jeans com caimento perfeito que veste
diferentes corpos e com material de qualidade (Amapô, 2021). A marca oferece
produtos com modelagens amplas, utiliza babados e pregas para dar volume. A
maioria dos detalhes são simples como cós com elástico ou cinto amarração.
A coleção Ritual apresentada na SPFW Nº 51 tinha como objetivo abraçar
diferentes corpos. Por ter sido feita no início da pandemia, as designers optaram por
modelagens amplas que trouxessem conforto para ficar em casa (NOSSA, 2020). O
jeans tem uma gramatura mais leve valorizando a fluidez das modelagens.

Aproximações: A opção por lavagens mais homogêneas transmite o aspecto sem


beneficiamento do jeans que se assemelha ao jeans cru visto no filme como a base
para as outras lavagens. Este visual clean do jeans pode dar início a coleção e ir
ganhando textura com a passagem dos looks. A ideia é transmitir o processo do jeans
através das lavagens.
O mesmo aspecto clean facilita a adição de volumes em peças básicas,
respeitando o gosto do público, mas transmitindo as formas de jeans que ocupam as
paisagens de Toritama.

Distanciamento: Pela dificuldade de encontrar padronização no material garimpado


é provável que seja difícil produzir um look inteiro em uma só lavagem. As imagens,
portanto, se distanciam da coleção pela falta de patchwork ou rework que
caracterizam o visual do upcycling.
A coleção da Amapô apresenta poucos aviamentos. Apesar de eles
encarecerem o produto, a utilização de metais foi apontada pelo público como um dos
detalhes que mais gostam, além de trazer o fator industrial para a coleção, remetendo
ao maquinário.
76

3.3 – Fotografias de Peter Mitchell

Imagem 63 – Montagem de fotografias do Peter Mitchell

Designer / Marca: Peter Mitchell

Objeto: Fotografias que retratam o cotidiano da cidade de Leeds na década de 1970.

Detalhes técnicos: Peter Mitchell é um fotógrafo britânico nascido em 1943. Chegou


a estudar na Hornsey College of Art, mas acabou se mudando para Leeds, cidade no
norte da Inglaterra. Sua primeira exibição foi em 1979 e apresentava as paisagens
comuns da cidade, mas em um fundo de navegação espacial. (BAKER, 2020)
77

Apenas em 2013 o fotógrafo teve grande reconhecimento ao começar a


publicar suas fotografias tiradas nos anos 1970 em livros. A maioria retrata
escombros, casas, indústrias e o comércio local. São paisagens que coabitam com
industrias e retratam o pós-guerra. Apesar do background pesado, as fotos parecem
carregar a leveza do cotidiano. Uma característica das fotografias é a pouca saturação
do fundo que ressalta o alto contraste dos edifícios e estruturas pesadas de Leeds.

Aproximações: A principal aproximação é a paleta de cores que traz o vermelho visto


em algumas cenas, tons terrosos nas construções e o azul sempre presente no céu.
Assim como no filme, as fotos refletem o caráter industrial presente nas cidades e a
relação do trabalhador com a máquina.
O acabamento fosco do metal pintado transmite a ideia do industrial que se
mistura as construções simples da cidade de Toritama. A ideia é trazer o fosco branco
e vermelho tanto em beneficiamentos, quanto em aviamentos.
As construções são feitas em pedaços, o que pode refletir a segmentação da
produção de uma peça de jeans, e também se assemelhar ao visual decorrente da
técnica de upcycling.
O arame aparente na segunda foto se assemelha ao desfiado de
beneficiamentos e aos fios residuais. Tais resíduos podem ser utilizados na criação
de peças de forma mais estruturada, criando uma superfície mais rígida. O entulho
também se assemelha as montanhas de jeans jogadas por Toritama. Ele pode gerar
sobreposições de resíduos para detalhes das peças.

Distanciamento: A estrutura de caveira não tem relação com o tema, portanto não
será aproveitada na coleção. O aspecto áspero e duro dos entulhos e pedras não se
assemelha aos elementos presentes no filme, já que o jeans jogado, por mais que
seja um tecido mais rígido, é maleável e a rigidez do maquinário não aparece
amontoada.
78

3.4 – Colagem de papel da artista Jennifer Davies

Imagem 64 – Montagem obras da artista Jennifer Davies

Artista: Jennifer Davies

Objeto: Colagens feitas com papel feito à mão.


79

Detalhes técnicos: Jennifer Davies começou sua carreira como ilustradora, porém
em 1980 passou a se dedicar a criação de arte com papel. A partir das suas criações,
ela trabalha colagem, tintura e objetos tridimensionais (FLINN GALLERY, 2020).
A série Handmade Paper possui sobreposições de diferentes pedaços de papel
com diferentes acabamentos. Foram selecionadas 2 obras da série e um
detalhamento para análise.

Aproximações: O efeito da sobreposição dos papéis com diferentes tinturas se


aproxima ao resultado de upcyling esperado graças as diferenças entre as peças que
darão origem a coleção. A sobreposição de cores e diferentes gramaturas pode ser
utilizada na renovação do jeans.
Os tingimentos orgânicos, sem padrão definido, são inspiração para
beneficiamentos artesanais com o jeans de modo a modificar a superfície. Outra
característica são as texturas com papel picado e fios que podem ser utilizadas com
resíduos da produção no jeans.

Distanciamento: A fragilidade de algumas partes menos densas do papel foge do


conceito de durabilidade. O resultado final transmite aleatoriedade que não está
presente no filme. Durante todos os processos do documentário a precisão do
movimento é repetida, algo que deve ser refletido na coleção.
80

3.5 – Esculturas em jeans da artista Hanne Friis

Imagem 65 – Montagem das esculturas de jeans da artista Hanne Friis

Artista: Hanne Friis

Objeto: Esculturas feitas com sobreposição de jeans dobrado em camadas em


diferentes tons de azul das lavagens do jeans.

Detalhes técnicos: A artista têxtil norueguesa Hanne Friis nasceu em 1972 e estudou
na Trondheim Academy of Art. Seu trabalho têxtil é reconhecido principalmente por
81

causa de suas esculturas feitas com tecidos e por causa de seus experimentos com
tingimento deles. (ARTEMORBIDA,)
Em entrevista para a revista Artemorbida, a artista disse que o tema para suas
obras é sempre a relação do humano com a natureza e como ela é cíclica. A sua
principal técnica é a dobradura do tecido costurada com fio de náilon.

Aproximações: O efeito cascata das esculturas se assemelha ao jeans sendo lavado,


assim como as formas criadas pelas pilhas de jeans do filme. De perto ainda se
assemelham ao jeans torcido, outro processo visto no filme. Incorporar o efeito macio
e fluido das obras à superfície do jeans através das sobras e torções do material,
porém em menor escala.
A transição entre os tons dos jeans também transmite o movimento da lavagem
e pode servir para aproveitar peças com diferentes beneficiamentos. O efeito também
será utilizado para acessórios por causa da estrutura rígida criada.

Distanciamento: A dimensão e o volume das obras não dialogam com as


modelagens selecionadas pelo público. Além disso, demanda muito material, sendo
necessário adaptar as dobras a pequenos detalhes que dependem da quantidade de
peças coletadas.
82

CONCLUSÃO – PROPOSTA DE COLEÇÃO

A coleção inspirada no documentário “Estou me guardando para quando o


carnaval chegar” se pauta na metalinguagem, já que seu tema principal é a própria
produção de moda. Neste sentido, as imagens do filme que retratam etapas de
produção e seus resíduos servirão de inspiração para expressar a relação
metalinguística. Serão utilizados resíduos e retalhos para reproduzir texturas vistas
nas cenas que focam na atividade da mão-de-obra e máquina cortando e lavando o
jeans.
Linhas e pespontos também vão alterar o jeans, já que representam o próprio
movimento das máquinas. As obras da Jennifer Davis e a foto da construção do Peter
Mitchell, vistas no capítulo 3, trazem ideias de como trabalhar os fios no jeans, com
costura, desfiados e tramas com linhas estruturadas.
Outra característica importante desta produção é sua segmentação. Com o
objetivo de representa-la serão utilizados recortes através do upcycling, fazendo
aproveitamento de peças garimpadas. A opção pela técnica é também uma escolha
pela produção sustentável, retornando peças descartadas para o ciclo de produção,
como foi explicado no capítulo 2. O objetivo é trazer uma nova cara para o upcycling
mais tradicional, sem fugir do contraste de lavagens bem recortado das peças
apontadas como favoritas do público na pesquisa apresentada no capítulo 2.
A metalinguagem também aparece em outra camada além da produção, ela
está presente no jeans em si, um dos materiais mais relevantes da moda atual. Para
representar o papel de destaque que ocupa no documentário, serão usadas cenas
que representam a ocupação do jeans na cidade em montanhas, torcido e o estilo
específico de Toritama. Assim, as sobreposições de azul se torcem, como nas
esculturas da Hanne Friis e o efeito super destroyed visto na coleção da Diesel, será
usado como referência ao estilo do jeans de Toritama.
A proposta de coleção se aproxima do macrotema tecnologia e manufatura
através da relação entre o trabalhador informal e a máquina, retratada no filme como
extensão um do outro. As imagens trazem a frieza do metal da máquina, muitas com
aspecto enferrujado que parece absorver o calor mecânico dos trabalhadores, que
também são apresentados desgastados, quase desumanizados. Estas cenas também
fazem parte da metalinguagem e mostram o caráter político do filme. Através delas,
somos obrigados a encarar a precarização da indústria da moda e seu impacto social.
83

Por este motivo, serão utilizados materiais que transmitam o brilho fosco ou escovado
do maquinário que também está presente nas fotografias de Peter Mitchell. Em
algumas modelagens, o jeans virá mais estruturado, representando a forma rígida das
máquinas. Ainda servirão de base para aviamentos metalizados.
O tom terroso do maquinário industrial, que entra em contraste com o jeans de
Toritama, está presente em outro elemento: o aspecto rural do Agreste que coabita
com o industrial. O filme utiliza estas passagens para mostrar a diferença entre um
passado e um futuro, porém o marrom de casas e das estradas de terra se misturam
com o bege das máquinas, o vermelho de grades e pinturas, e são dominados pelo
azul escuro do jeans cru. Este contraste de cores será a base para a paleta da coleção
e também está presente nas fotografias de Peter Mitchell.
Tais cores aparecem também no Bazar de Carnaval, quando os moradores da
cidade se vêm obrigados a vender seus eletrodomésticos, que aparecem
amontoados. A sobreposição de objetos será representada pela sobreposição de
camadas e texturas, porém utilizando a monocromia. Este recurso será utilizado para
atenuar as informações visuais, se aproximando mais da simplicidade do público, mas
ainda transmitindo todo o conteúdo do documentário.
Uma última cor se une a paleta e vem com a significação do carnaval no litoral,
a fuga do trabalho constante de Toritama. O azul claro acinzentado presente no
carnaval do Leo. A cor do céu ocupa cenas inteiras, simples, sem jeans, sem trabalho,
porém o acinzentado anuncia a chuva pós-carnaval e a volta para imersão industrial.
Na coleção esta cor virá como liberdade em peças com modelagem um pouco mais
amplas, respeitando a preferência das consumidoras. Ainda se complementam pela
utilização de tecidos/jeans de menor gramatura e babados fluidos, como a coleção da
Amapô.
84

Imagem 66 – Moodboard da coleção


85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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confecção do jeans em Toritama – Dissertação de mestrado Instituto Federal Rural de
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Comparativo entre processos tradicionais e ecológicos. Trabalho de Conclusão
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Condições de Produção e Trabalho no Agreste de Pernambuco: o Município de
Toritama entre 2002 e 2017. Boletim Observatório Econômico. Recife: CAA/UFPE,
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MARCELO Gomes. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
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MUNDO MATERIAL, JENNIFER DAVIES. Flinngalery, 2020. Disponível em:


https://flinngallery.com/material-world-jennifer-davies. Acesso em: 22, outubro, 2021

PE é o maior polo de jeans do Brasil. ABRAVEST. Disponível em:


https://abravest.org.br/site/pe-e-o-maior-polo-de-jeans-do-brasil-gbl-jeans/ Acesso
em: 21 de setembro de 2021.

RIZERIO, Laura. Renner dá o primeiro passo em aquisições com a compra da


repassa. Mas porque o brechó online foi escolhido. Disponível em:
https://www.infomoney.com.br/mercados/. Acesso em: 20 out. 2021

SPFW 25 anos: Amapô ritualiza e transforma jeans em peça para ficar em casa.
Nossa UOL, 2021. Disponível em:
https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2020/11/07/spfw-25-anos-amapo-
ritualiza-e-transforma-jeans-em-peca-para-ficar-em-casa.htm. Acesso em 22,
outubro, 2021
88

ANEXOS Segundo a noção de formismo postulada por


Michel Maffesoli (1990), podemos considerar a
moda como um dos instrumentos da
ANEXO A - FICHAMENTOS: passagem, da procura da identidade para a
procura da identificação. É a forma que fará a
Fichamento 1 identificação, o traje ordena as relações sociais
Título/Subtítulo: O imaginário da imitação na teatralização do quotidiano.” (p. 325, 2010)
em Toritama “Portanto, a imitação, esse comportamento de
Autor(es): de Carvalho, Mario; Pirauá, José repetição de modelos, tem grande relevância
Ano: 2010 para a moda, pois permite uma identificação,
Páginas: pp. 324-329 através do vestuário, com as tendências
Fonte: Revista FAMECOS: mídia, cultura e internacionais. Fenômeno característico do
tecnologia, vol. 17, núm. 3, septiembre- pólo de confecções do Agreste, a imitação,
diciembre torna-se um meio de segurança, de sucesso de
Cidade: Porto Alegre vendas. (...) Vale destacar na declaração do
Editora: Revista Famecos diretor da marca Rota do Mar, que a tendência
internacional assegura- lhe bons negócios.” (P.
Resumo: 326, 2010)
“Algumas tendências da moda internacional
Os autores conceituam o processo de imitação não são extensíveis à produção de localidades
e sua função dentro da moda a partir de como Toritama. Mesmo estando relacionados
levantamento bibliográfico. Posteriormente eles com as tendências mundiais, existem
definem a relação entre a imaginação e as particulares locais que inviabilizam algumas
manifestações artísticas e culturais de uma propostas, eis que estamos tratando de um
sociedade. imaginário particular. Não é simplesmente
Por fim, é feita análise do processo de imitação porque algo faz sucesso nas capitais européias
dentro das facções de jeans de Toritama. Eles ou nas capitais do Sudeste do Brasil, que será
apontam que apesar de sofrer influências das adotado pela confecções do nordeste
tendências internacionais e do sudeste brasileiro. Além das noções limitantes sobre
brasileiro, a criação do jeans parte do gosto globalização, existe o “saber popular”. Um
estético da região. exemplo disso está no estilo boyfriend para
A produção em massa da cidade, que segue 3x calças femininas que não foi incorporado por
mais coleções do que os tradicionais 4 boa parte das coleções de Toritama.” (p. 328,
lançamentos anuais, é comparado ao trabalho 2010)
artesão que é repassado pela cidade através “O estilo boyfriend refere-se a uma modelagem
da imitação. Eles concluem que a cópia não de calças jeans feminina mais folgada, que não
limita a criatividade porque define a estética acompanha as linhas do corpo. A palavra
local. inglesa que nomeia o estilo faz alusão à
condição da mulher que usa, ou parece usar,
Citações: as calças do namorado. Um dos principais
fatores que provavelmente contribuiu para a
“A moda induz constantemente a vida em não aceitação na região do estilo boyfriend é o
coletividade, as pessoas são levadas pelo culto ao corpo ligado à carnavalização
princípio da imitação, o instinto mimético que, no quotidiano, perceptível nas calças de
segundo Simmel (1988), é uma sólida maneira Toritama.” (p. 328, 2010)
de integração social. Mas o dilema da moda “Para os produtores e consumidores de
reside nas dicotomias entre reunir algumas Toritama, há o sentimento do prazer orgiático,
pessoas, e ao mesmo tempo isolar outras, ou seja, do compartilhamento de emoções que
entre fazer e ser como os outros e a vontade de está diretamente relacionado à sensualidade.”
inventar formas de vida originais.” (p. 325, (p. 328, 2010)
2010) “Os cortes justos e decotados, os tingimentos e
“A moda permite assim a existência de uma os adereços utilizados pelas empresas de
lógica de identificação a partir da imagem ou do confecção em Toritama, evocam os prazeres
personagem para atuar socialmente. É uma da existência.” (p. 329, 2010)
ferramenta, um princípio de inserção em um “Toritama enquanto grande centro comercial
grupo ou tribo. Ela é uma maneira de deve seu sucesso à comunhão que as pessoas
comunicação, nós podemos transmitir, de fazem em torno da produção de jeans.
acordo com nossas roupas, símbolos que Comunhão que é compartilhar, tornar comum a
dizem respeito ao nosso trabalho, classe social, vida. Nesse contexto, a imitação toma uma
idade, país e variados gostos estéticos. posição de destaque, é vetor de religação, que
89

possibilita a vibração em conjunto. A sociedade diretor, e o presente, a cidade máquina que


transpira uma imitação velada, comum e virou Toritama.
subterrânea, posto que não é admitida Posteriormente, ela disserta sobre a questão
publicamente. Identifica-se facilmente que há central do filme, o aumento do trabalho informal
inúmeras repetições entre as produções do como consequência do neoliberalismo. O
vestuário em jeans de Toritama – algo sonho neoliberal é construído em cima da
esperado e reconhecido no campo da moda sociedade de consumo o que faz com que tais
como descrito por Simmel –, presentes desde a trabalhadores se sintam donos do seu tempo.
escolha dos botões até a modelagem das Ela destaca a cena dos manequins cinzas com
peças.” (p. 329, 2010) as respostas de entrevistados sobre seus
“O modo como a produção em Toritama ocorre, sonhos, a maioria sobre enriquecer, como uma
demonstra o imaginário dessa população. ilustração de como o trabalhador é tão
Diferente da maioria dos lugares do mundo, explorado a ponto de perder
onde a moda trabalha com quatro coleções por Ao colocar que as novas relações de trabalho
ano, as empresas de Toritama produzem doze, prometem autonomia, mas dependem da
vinte e quatro ou até mais coleções por ano.” exploração da classe operária, a autora mostra
(p. 329, 2010) como é ilusória a sensação de independência e
“Como um dos principais exemplos da imitação de controle do próprio tempo. Por fim, ela
presente nas confecções de Toritama, conclui que além da força de trabalho, o tempo
encontramos o uso dos “cadernos de do trabalhador também é dado em troca do
tendências”. Estes cadernos trazem uma série dinheiro, comparando o vazio de Toritama no
de soluções possíveis, apresentadas de forma carnaval ao vazio existencial do trabalhador.
detalhada, que agregam tendências da moda
nacional e internacional. A partir da inserção Citações:
desses cadernos, ocorre um movimento de
imitação criativa, no sentido em que são feitos “Estou me guardando para quando o carnaval
desvios intencionais na repetição dos modelos chegar tem seu roteiro e direção executados
propostos. (p. 329, 2010) sob a égide do confronto entre as memórias de
“A imitação aparece em Toritama como em infância e uma realidade presente de Toritama.
uma comunidade de artesãos, na qual não há O confronto se estabelece quando, ao retornar
a preocupação excessiva em relação ao plágio, à cidade depois de muitos anos, o narrador
posto que os desvios são constantes. A encontra um cenário completamente distinto.
repetição de modelos nessa cidade, é, antes de As memórias de infância, fixadas por um
tudo, definidora de uma estética local, de uma conjunto de imagens que apresentam a cidade
tradição produtiva comungada, visto que toda a como símbolo de silêncio e calma, com
cidade está inserida no contexto da produção atividades produtivas que se limitavam a
de jeans.” (p. 329, 2010) criação de gado e ao cultivo de mandioca e
feijão, dão lugar a um espaço tomado por
Fichamento 2 fábricas, um incessante som produzido pelas
Título/Subtítulo: Estou Me Guardando para máquinas de costura e o grande movimento de
Quando o Carnaval Chegar: tempo, trabalho motos e carros que executam o transporte das
e autonomia no Brasil contemporâneo. peças.” (p. 229, 2020)
Autor(es): BISPO, Franciele O. “De modo sintomático, na técnica, podemos
Ano: 2020 perceber o tempo num trabalho clichê,
Páginas: pp.228-232 entretanto, bem executado, quando fotografia,
Fonte: Anãnsi: Revista de Filosofia, Salvador, som e montagem casam-se em movimento e
v. 1, n. 1, 2020. velocidade. As cenas demoradas que mostram
Cidade: Salvador movimentos repetitivos dos trabalhadores em
Editora: Anãnsi Revista de Filosofia suas atividades, com auxílio de planos que
oscilam entre grande, médio e detalhe, câmera
Resumo: parada e takes que possuem duração
equilibrada, colaboram para a fixação das
O texto analisa o objetivo do filme Estou me imagens.” (p. 229, 2020)
guardando para quando o carnaval chegar a “Apresentando o cotidiano das facções – nome
partir dos elementos do filme, tais como trilha dado às fábricas nas quais o jeans é produzido
sonora, montagem e o próprio roteiro do e que estão situadas nas garagens, quintais e
narrador que adiciona camadas ao filme. A salas das casas – da cidade, podemos aos
autora aponta como primeira camada a poucos, adentrar aquelas histórias e perceber o
dicotomia entre o passado, a memória do quão complexa é a construção que leva esses
trabalhadores informais, da grande indústria da
90

moda, a acreditarem que são donos do seu a esse sistema (...) quando ocorre possibilidade
tempo, quando trabalham entre 12 e 14 horas de um afastamento físico daquele espaço. De
por dia, se dividindo entre atividades de corte, modo alegórico, temos essa representação em
costura, modelagem e acabamento das peças, cena quando são mostrados manequins cinzas
além de vendê-las na feira da cidade” (p. 230, na vitrine, iluminados por apenas um ponto de
2020) luz, enquanto vozes de diversas pessoas
“Léo é um homem que trabalha desde muito começam a falar sobre seus sonhos, e de forma
jovem, e conta que já desempenhou diversas quase unânime essas vozes dizem que o
funções para suprir suas necessidades tornar-se rico é o maior sonho.” (p. 231, 2020)
básicas. Em algum momento de sua fala, ele “Com um longo histórico no país, o trabalho
afirma que a partir de sua experiência em autônomo sempre se fez a partir do
diversas funções, sabe que o melhor do mundo fortalecimento da pirâmide de classe social,
é trabalhar sendo seu próprio patrão, já que sendo utilizado como instrumento de
isso lhe possibilita um maior controle sobre o manipulação da grande massa e fortalecendo
tempo em que conduz suas atividades, os detentores dos grandes meios de produção.
podendo, a sua escolha, dar uma “esticada” no Os modelos de trabalho se reinventam, mas a
serviço a fim de melhorar a renda.”(p. 230, relações de exploração permanecem. (p. 231,
2020) 2020)
“O filme realiza seu objetivo abordando o “Como sua conclusão, podemos pensar que o
fenômeno anual que acontece na cidade, a tempo que aqueles trabalhadores entregam a
fuga dos moradores para o litoral no período do um sistema que não identificam de forma
carnaval, no intuito de aproveitar os únicos dias límpida não pode ser tomado de volta, assim,
de descanso do ano. Este é o momento no qual entregam além de sua força de trabalho
as memórias desse narrador reencontram a também sua vida em busca de uma falsa
antiga Toritama calma, vazia e silenciosa.” (p. autonomia. O antigo vazio de Toritama que se
230, 2020) dava nas ruas agora ganha outro lugar, o da
“Sem alternativas de lazer, os retirantes do existência.” (p. 232, 2020)
carnaval provocam um movimento dialético que
contrapõe, curiosamente, o nome da cidade Fichamento 3
(Toritama em tupi-guarani quer dizer terra da Título/Subtítulo: Narrativa sobre um poder
felicidade), com o fenômeno anual, gerando a afável: trabalho e racionalidade neoliberal em
seguinte questão: se Toritama é a terra da Estou me guardando para quando o Carnaval
felicidade, por que todos fazem o possível para chegar
sair de lá no único momento de descanso?” (p. Autor(es): SERELLE, Marcio.
230, 2020) Ano: 2020
“Estes trabalhadores que dormem e acordam Páginas: pp.267-284
trabalhando, que tem em suas residências Fonte: Rumores: número 28 | volume 14 |
também os seus locais de trabalho, não julho - dezembro 2020
possuem durante boa parte do ano, a Cidade: São Paulo
possibilidade de ócio. Deste modo, somos Editora: Rumores
levados a refletir sobre o pacote de “vantagens”
oferecidas pelo neoliberalismo, que nos incita a Resumo:
viver em prol do consumo. Uma das maiores
finalidades com a renda gerada durante todo O texto ressalta os recursos audiovisuais do
ano, comum aos entrevistados, é festejar o documentário Estou me guardando para
carnaval distante de Toritama e consumir quando o carnaval chegar e como eles são
cultura e produção de outros espaços, que eficazes para construir a imagem do poder
oferecem vivências distintas às que possuem invisível neoliberal sobre o indivíduo, que rege
na cidade onde moram.” (p. 231, 2020) as facções de jeans de Toritama.
“Se você não consome toda a diversidade de O autor explica como o diretor da luz ao
produtos que o mercado lhe oferece, por desapossamento do tempo dos trabalhadores
consequência não está vivendo de maneira da cidade que compram o discurso neoliberal e
correta, tornando-se infeliz. Agora, os sonhos e se sentem mais prósperos doando seu tempo
a felicidade dependem do quanto você pode para o trabalho.
consumir.” (p. 231, 2020) Ainda vemos a igualação do homem e da
“Toritama vive a presentificação constante do máquina através da análise das montagens,
trabalho, e esse modo de vivência não deixa enquadramentos e paleta fílmica. Para o autor,
brechas para que esses trabalhadores possam o recurso de traços autobiográficos não é a
sair do loop infinito de exploração, e só apenas retrato da memória individual do diretor,
vislumbram alguma alternativa de transgressão mas também ferramenta para contrastar o
91

passado e o presente. Assim como sobrepor a negadoras ou proibitivas. Essa é uma gestão
imagem de uma cidade rural tranquila às sedutora das almas.”(p. 274, 2020)
imagens repetitivas e mecânicas da fabricação “A hipótese já anunciada é a de que Estou me
de jeans. guardando... não apenas registra, em sua face
Citações: observacional e por meio das entrevistas, a
condição neoliberal e suas formas de
“Logo, ainda que as entrevistas sejam parte exploração. Para além, torna visível as técnicas
importante do documentário, busco examinar desse poder inteligente. Como na conhecida
também outras estratégias audiovisuais que frase de Paul Klee sobre a função da arte, trata-
atuam na evidenciação desse poder que se não exatamente de reproduzir o visível, mas
autores como Byung-Chul Han (2018) e Dardot de tornar visível o invisível. Nisso ele se difere
e Laval (2017) consideram afável ou mesmo de outros documentários como Gig, a
invisível.” (p. 269, 2020) uberização do trabalho (Brasil, 2018), que é
“A sutileza do neoliberalismo reside na sua tipicamente filme de entrevistas, com
lógica motivacional. Seu poder se manifesta depoimentos de trabalhadores explorados e de
não de forma opressora, mas silenciosamente, especialistas. Em Estou me guardando..., esse
ao gerir por meio do agrado e ter como alvo o desnudamento se dá pela voz do
desejo dos indivíduos. “O sujeito submisso não documentário, compreendida, a partir de Bill
é nunca consciente de sua submissão” (HAN, Nichols (2005, p. 50), como “aquilo que, no
2018, p. 26). Como Dardot e Laval (2017) texto, nos transmite o ponto de vista social, a
apontam, o neoliberalismo é uma forma de maneira como ele nos fala ou como organiza o
governo das mentes que naturaliza o modelo material que nos apresenta”. (p. 274, 2020)
concorrencial e a noção da empresa de si. O “Para Nichols (2005, p. 50), “voz talvez seja
sujeito deve administrar as fases da vida como algo semelhante àquele padrão intangível,
se estivesse gerenciando uma empresa. Na formado pela interação de todos os códigos de
flexibilidade que propõe, a racionalidade um filme, e se aplica a todos os tipos de
neoliberal enfraquece os vínculos solidários e documentário”. Aproxima-se do que a teoria
elimina formas de seguridade social.” (p. 269, literária denomina enunciação, refere-se ao
2020) modo como um texto constrói, pela linguagem,
“Assim, o neoliberalismo faz a apologia do risco seus significados para além daquela voz que
e afirma que a precariedade é uma forma de narra ou do discurso direto das personagens.”
oportunidade, pois cabe aos indivíduos de (p. 275, 2020)
espírito comercial – o empreendedor – “A poesia parnasiana possui um mote que
aproveitar as chances de lucro. Logo, qualquer talvez nos ajude a compreender por que
fracasso é também de responsabilidade do narrativas sobre a indústria da moda são
indivíduo, o que tem resultado em várias formas eficazes para expor a miséria do trabalho.
de sofrimento psicossocial.” (p. 269, 2020) Trata-se da ideia de que a beleza é ainda mais
“Estou me guardando... integra um conjunto ressaltada quando se apaga o suplício do labor.
amplo de filmes que busca interpretar e A forma deve disfarçar o emprego do esforço,
denunciar a racionalidade neoliberal e a atual como nos versos de Olavo Bilac. A narrativa
crise do trabalho flexível, de baixa sobre a indústria da moda é, ao contrário, a
remuneração, que expropria o tempo livre e exposição das costuras e do avesso daquilo
resulta na autoexploração do sujeito.” (p. 270, que serve a nossa otimização estética” (p. 276,
2020) 2020)
“As longas jornadas, os ambientes simplórios, “As belas imagens iniciais de Estou me
os corpos suados nas tarefas difíceis e guardando... remetem a essa otimização
repetitivas, as crianças que, soltas nas facções, estética. Os travellings da abertura exibem
adotam o maquinário como brinquedo e a totens gigantes de modelos à frente do agreste
ausência de dinheiro para aproveitar o ao som do Largo do Concerto, de Bach. Há algo
Carnaval na praia – evento que titula o filme a de defasado nessa publicidade cuja
partir de canção de Chico Buarque – indicam o artificialidade é denunciada de imediato. Ela
aspecto ilusivo da racionalidade neoliberal.” (p. nos evoca, por exemplo, as colagens de
272, 2020) Richard Hamilton no início da arte pop. Os
“Estudos críticos sobre o regime neoliberal totens são filmados depois por detrás, em sua
(HAN, 2018; DARDOT; LAVAL, 2017) afirmam armação e estruturação. Tem-se, assim, a
que essa racionalidade se utiliza de técnicas publicidade e as costas dela, aquilo que, como
suaves de poder que não afrontam ou estrutura, sustenta a beleza. No fim da
reprimem o indivíduo, mas gerem as vontades sequência, o espectador é conduzido a
dele. As técnicas são motivadoras e afirmativas Toritama por um motoqueiro que equilibra entre
(prometem o desenvolvimento pessoal); não ele e o guidão grande quantidade de jeans –
92

primeira imagem da precariedade. Essa “vez que o trabalho se estende sobre os outros
abertura sintetiza e antecipa o dito e o âmbitos da vida, no caráter global da
contradito que perpassará a forma fílmica.” (p. racionalidade neoliberal (DARDOT; LAVAL,
277, 2020) 2017). O documentário narra essa
“A exposição do maquinário nas facções nos expropriação do tempo por meio do espaço
fornece o quadro do fenômeno social. A cor quando, por exemplo, mostra que, nas facções,
predominante dos ambientes é azul, não o ambiente fabril constitui a própria casa, com
somente pelo jeans, mas pelas pinturas quase pouca ou nenhuma distância entre a máquina
sempre descascadas das paredes e as roupas de costura e a mesa posta em que se almoça
dos trabalhadores, o que constitui uma paleta ou janta, enquadradas num mesmo plano. O
fílmica em certa medida homogeneizante de confisco do tempo é ainda reforçado pela já
indivíduos e coisas. O modo como as citada presença de crianças na cena, que
máquinas, a fiação, os carretéis de linha, os brincam com o maquinário ou são
fragmentos de tecido, entre outros elementos constantemente advertidas pelos familiares de
da produção do jeans, são enquadrados resulta que estão em lugar impróprio e que devem sair
em uma composição que, como escreve Janet dali. Em outras cenas, reflete-se sobre a
Malcolm (2016) acerca da fotografia industrial mudança nas calçadas da cidade. Para o
de Thomas Struth, domestica uma narrador-diretor, elas simbolizavam o tempo
multiplicidade de detalhes em uma imagem livre, “onde todos os dias se colocava a cadeira
legível.” (p. 277, 2020) de balanço para esperar o tempo passar”. Na
“Não é o caso de Estou me guardando..., que, cidade do jeans, a calçada é hoje ocupada por
em sua legibilidade, compõe as cenas quase pessoas mais velhas que realizam a última
sempre com máquina e indivíduo. Este, nas etapa da produção, revisando e limpando as
facções, submetido àquela, uma vez que é peças, ou seja, a calçada é, agora, “lugar onde
extensão dos esforços repetitivos e maquinais se passa o tempo trabalhando”.” (p. 278, 2020)
intermináveis (corte, costura, raspagem etc.), Léo é uma personagem do documentário que
que tanto angustiam o narrador-diretor.” (p. provoca deslocamentos nessa racionalidade.
277, 2020) Ele não está isolado nisso, pois é também
“Para György Lukács (2010), a descrição, possível identificar resistências em
técnica do romance realista, nivelava todas as personagens como a senhora que afirma ser
coisas, tornando o humano par dos objetos agricultora e parece desprezar a fabricação de
inanimados. A composição em Estou me jeans; o trabalhador mais experiente que, à
guardando... possui efeito semelhante, no que diferença dos jovens, se mostra consciente de
reside uma de suas técnicas de desnudamento sua situação precária e planeja o futuro; ou o
do poder neoliberal. Lukács (2010, p. 175) pastor de cabras que ainda toca o rebanho
valorizava a narração em detrimento da como nas memórias do narrador. No entanto, o
descrição, pois, segundo ele, o narrador modo como Léo atravessa o documentário, das
hierarquiza e vincula as coisas à experiência primeiras cenas ao Carnaval na praia, atribui-
humana, dando a elas “vida poética”. A lhe significação. Uma das poucas personagens
observação no documentário, contudo, não nomeadas, sua primeira aparição é dormindo,
confina a representação, pois esta deve ser enquanto os outros trabalham. A personagem
apreendida em uma estrutura narrativa maior, sente-se, então, flagrada e, na entrevista inicial,
em que a todo tempo evoca-se o passado e afirma sua condição de trabalhador e relata
também se aponta criticamente para a níveis de dificuldade de serviços braçais. O
circularidade da comunidade presa ao trabalho, espectador assiste, de fato, em outras cenas, a
como o mito de Sísifo. A circularidade está na Léo em constante atividade, não só com o
dimensão da passagem do dia: filmam-se os jeans, mas também como pedreiro. Em
mesmos espaços de manhã e à noite, em determinado momento, fica-se sabendo que ele
trabalho contínuo. Na mesma órbita, a semana considera o capitalismo a raiz dos males
é sempre encerrada pela feira e, no prazo de (“dinheiro é a perdição deste mundo, fonte de
um ano, o acontecimento festivo do Carnaval é todas as maldades”) e que deseja integrar uma
interrupção para que tudo retorne como antes.” igreja, mas que, como gosta de tomar bebidas
(p. 277, 2020) alcoólicas, não se adapta às regras da
“O espaço filmado do trabalho é, assim, instituição. Uma de suas falas, que parece
indissociável do tempo. A luta histórica dos escapar, é desconcertante: “O meu problema
trabalhadores assalariados foi, segundo Renán não é a bebida, mas trabalhar”. Nessa
Cantor (2019), pela separação entre o tempo construção frasal, por um momento, invertemos
do trabalho na fábrica e o tempo livre, o que a questão, abrindo a possibilidade de ver como
resultou na conquista do turno de oito horas.” problema não a bebida, mas a aberração
(p. 278, 2020)
93

naturalizada de que nesta sociedade “tudo na Fichamento 4


vida é trabalho”. (p. 278, 2020) Título/Subtítulo: PRECARIZAÇÃO DO
“Estou me guardando... é uma narrativa com TRABALHO NOS PROCESSOS DE
traços autobiográficos mas que não constitui PRODUÇÃO TÊXTIL E A FORMAÇÃO DE
propriamente uma autobiografia, uma vez que ESPAÇOS LIMINARES EM TORITAMA,
o narrador, ainda que implicado naquilo que PERNAMBUCO
narra, fala-nos também dos outros e de eventos Autor(es): MELLIANI, Paulo Fernando;
socialmente compartilhados que ultrapassam GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar
sua vida. A autobiografia desliza para o outro.” Ano: 2007
(p. 279, 2020) Páginas: pp.160-170
“Em Estou me guardando..., a voz do narrador- Fonte: Revista de Geografia. Recife:, v. 24, no
diretor coloca dois tempos em confronto. O 1, jan/abr. 2007
espectador assiste somente às imagens da Cidade: RECIFE
Toritama recente, mas recria, por meio da voz Editora: UFPE – DCG/NAPA
do diretor, o passado da cidade.” (p. 280, 2020)
“Para além da oposição entre passado e Resumo:
presente, ativa-se, fundamentalmente, na
narração, o contraponto entre memória e O trabalho descreve as características da
capitalismo. Cantor (2019, p. 61), ainda uma produção de jeans em Toritama a partir da
vez, ajuda-nos a compreender o que está em pesquisa de campo. Ressalta a existência do
jogo aqui. Para o autor, no capitalismo, a trabalho informal e como se organizam as
memória perde a condição de “patrimônio facções, além da segmentação de funções do
crítico individual” e é instrumentalizada, como trabalho. Também aponta a dependência
nos espaços para armazenamento do destes “empreendedores” autônomos ao
computador ou celular.” (p. 280, 2020) mercado formal, utilizando sobras das grandes
“A narração de Gomes é uma forma de indústrias. A análise feita pelos autores é de
resistência ao presente capitalista e seu tempo que a estrutura informal esconde a
comercial uma vez que recupera, ainda que por precarização e dependência destes
meio da linguagem, valores que Cantor, em trabalhadores em relação a empresas que
diálogo com Pasolini, julga fundamental para os demandam tal mão-de-obra, mas que se livram
vínculos solidários: quietude, relações de encargos empresariais e da própria
duradouras, possibilidade de contemplação, responsabilidade da empresa.
entre outros aspectos de um tempo lento.” (p. Ainda é feita descrição de como o
280, 2020) trabalho modificou o espaço urbano da cidade
“A voz do narrador-diretor aponta também para e trouxe consequências prejudiciais para o
aspectos da mediação do documentário, meio ambiente e para a própria sociedade. A
dando-lhe perspectiva autorreflexiva. (...) Em diferença entre espaço de trabalho, de não
outra cena, a voz do narrador-diretor enuncia trabalho e de lazer deixa de existir com a novar
artifícios audiovisuais, concretizados na tela, organização do espaço da cidade.
para tentar mitigar o esforço repetitivo do
trabalho(...) A cena rompe, mais uma vez, com Citações:
a transparência do documentário, uma vez que
explicita o manejo do criador. No entanto, o “A produção têxtil de Toritama, estimada em
diretor pouco pode em face do gesto maquinal aproximadamente 15% da confecção brasileira
que irá angustiar também o espectador e de “jeans”, é responsável pelo considerado
apontar para a violência dessa relação de “pleno emprego” da população do lugar nas
trabalho.” (p. 281, 2020) atividades de confecção, de lavagem e
“Na mudança de perspectiva, o grupo capta o coloração das peças, bem como nas atividades
tempo livre: a família e amigos tomam banho de de venda em lojas e representações. O produto
mar e de mangueira, pescam, bebem, escutam final, além de comercializado nas lojas da
música e brincam o Carnaval. Para Han (2018, cidade, é vendido em “pólos” de vendas, como
p. 11), a palavra liberdade é relacional, pois “ser os de Toritama e de Caruaru.” (2007, p. 161)
livre significa originalmente estar com amigos” “O pólo de vendas de Toritama reúne centenas
(no alemão, freiheit – liberdade – e freund – de lojas em espaços dotados de infra-estrutura
amigos – possuem a mesma raiz). Mas como o básica, como restaurantes e estacionamento
próprio autor adverte sobre nosso momento para automóveis e ônibus para quem vem de
histórico, “a liberdade terá sido episódica” fora adquirir o produto, inclusive para revenda
(HAN, 2018, p. 9), um entreato entre coerções. em outros lugares. Parte da produção também
Assim, as cenas finais do documentário é comercializada por meio de representação ou
retornam à condição submissa.” (p. 281, 2020) venda direta para lojistas de outras partes do
94

Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas havendo aí uma transferência do encargo
Gerais.” (2007, p. 161) empresarial para a sociedade.” (2007, p. 165)
“De um lado há o discurso da necessidade do “Após a confecção das peças em uma facção,
engajamento no projeto empresarial, do elas podem ser levadas a uma lavanderia, onde
empreendedorismo das pessoas do lugar, depois de lavadas e/ou tingidas, retornam a
necessário para o sucesso dos facção, não necessariamente a mesma que as
empreendimentos. Por outro lado, o trabalho confeccionou inicialmente, para o acabamento
“por conta própria”, atende as necessidades final como corte de linhas, fixação de etiquetas,
empresariais de flexibilidade das relações de etc. Nas lavanderias, são realizados diversos
trabalho, desobrigando os empresários de processos necessários à produção do “jeans”
pagar os direitos que formalmente teriam os (Figura 2). As peças, originalmente cortadas e
trabalhadores, além de transferir a eles os costuradas no tecido ainda bruto, são lavadas
riscos das oscilações do mercado.” (2007, p. muitas vezes utilizando produtos químicos que
162) as descolorem na maneira exigida pelos
“O discurso político e empresarial em Toritama compradores. Outras vezes, as peças são
é de que não há desemprego no município, de tingidas secas, para depois serem novamente
que praticamente toda a população está formal lavadas e passadas, dando a coloração
ou informalmente empregada na produção demandada pelo tipo de “jeans” que se quer
têxtil, como se isso por si só fosse um fator de produzir.” (2007, p. 165)
resolução dos problemas sociais” (2007, p. “Algumas tradições regionais parecem ter sido
163) determinantes para a origem e o
“A produção têxtil em Toritama se caracteriza desenvolvimento do setor têxtil em Toritama,
pela segmentação do processo produtivo, já notadamente a tradicional produção de
que a confecção do “jeans” é realizada em calçados em couro e a tradição do trabalho
diversas etapas: a aquisição do tecido, o corte familiar, em especial o feminino, de se
do tecido, a costura e o reforço, a lavagem e o confeccionar roupas para serem vendidas nas
acabamento das peças. Estas etapas ruas de Caruaru, em feiras populares
produtivas, por vezes, são realizadas em conhecidas como “sulanca”. Com as sobras de
“facções”, como são chamadas as autônomas malhas conhecidas como “helancas”, vindas
e, quase sempre, informais oficinas de costura, das fábricas da capital pernambucana, Recife,
improvisadas nas próprias residências dos bem como das indústrias do sudeste brasileiro,
moradores de Toritama, muitas nas garagens as famílias da região confeccionam peças de
das casas, mas muitas também dentro delas, roupa vendidas a preços populares nas feiras
ocupando o espaço dos cômodos residenciais de “sulanca”. (2007, p. 166)
como salas e quartos” (2007, p. 163) “As roupas populares, as peças que atualmente
“Em geral, as facções e fabricos trabalham por são vendidas nas feiras de sulanca, são
empreitada ou por peça produzida, recebendo produzidas com as sobras de “jeans” ou ainda
encomendas com prazo determinado para peças que não atendem os padrões de
entrega, sendo comum a realização de apenas qualidade das marcas que encomendam a
uma ou outra etapa do processo produtivo.” produção em Toritama.” (2007, p. 166)
(2007, p. 164) “A produção têxtil produz também o espaço
“Sob o signo do “empreendedorismo”, a geográfico de Toritama, manifestando-se na
flexibilidade do trabalho permite ao empresário organização da cidade em função das
que o processo produtivo aconteça nas oficinas atividades de confecção, lavagem e
instaladas nas residências, ou seja, fora da comercialização do “jeans” (Figura 3). As
empresa. O empresário garante assim não só a pequenas confecções (facções) estão
produção de mercadorias, mas também a distribuídas por toda a cidade, já que estão
reprodução da força de trabalho necessária à preferencialmente instaladas nas residências,
continuidade dos negócios, sem nenhum ônus improvisadas nas garagens e cômodos das
empresarial.” (2007, p. 165) casas. Do mesmo modo, os fabricos, em geral
“Além disso, os trabalhadores autônomos empresas mais estruturadas, podem instalar-se
assumem outros custos empresariais, como a tanto em casas quanto em galpões onde se
energia consumida pelas máquinas e reúnem os trabalhadores, as costureiras e os
equipamentos, e a sociedade assume os demais empregados.” (2007, p. 166)
encargos da coleta e destino dos resíduos da “Em Toritama, a avenida principal da cidade
produção, de rejeitos advindos do processo (João Manuel da Silva) destaca-se por um uso
produtivo. Esse modo autônomo de produzir mais seletivo do espaço, já que estão
gera impactos na gestão das cidades, pois o instaladas ali lojas mais sofisticadas, por vezes,
lixo doméstico misturado ao lixo advindo do próximas a estabelecimentos que funcionam
trabalho é coletado pelo serviço público, como vitrines para atendimento de
95

consumidores mais exigentes, intercaladas as características urbanas continuam e define


com residências com elevado nível de a cidade como rurbana gerada pelo grande
ocupação, sugerindo que nesta avenida moram desenvolvimento da região. Isto se relaciona
os empresários mais bem sucedidos. Também com a geração de empregos dentro das
na Avenida João Manuel da Silva estão confecções.
instalados consultórios médicos e outros A autora ainda escreve um breve histórico do
estabelecimentos de serviços que atendem jeans e as modificações e avanços nas
muito provavelmente a parcela da população lavanderias. Com isso ela chega na análise do
com melhor poder aquisitivo. O tamanho dos jeans feito em Toritama, classificando-o como
terrenos e o padrão arquitetônico das casas, moda popular. Ela traz esboços e desenhos e
lojas e escritórios revelam por si esta explica as fases de projeto presentes na
seletividade do espaço nesta avenida produção do jeans de Toritama. Ainda coloca a
principal.” (2007, p. 167) influência governamental para que a cidade
“Na organização do espaço da cidade de ampliasse a ação industrial.
Toritama chamam também a atenção formas Por fim ela descreve o início das feiras de
de apropriação privada de espaços públicos. É Toritama e como elas foram importante para
comum a utilização das calçadas das ruas que o avanço econômico acontecesse na
como depósito de materiais utilizados na região, garantindo a venda da moda popular
produção, notadamente de lenha utilizada para produzida lá.
a geração de energia que move as máquinas e Citações:
equipamentos das lavanderias. Por vezes, a
secagem das peças é realizada nas ruas e “Hoje, o espaço rural, salienta Carneiro (1998),
praças, caracterizando também esta não mais se define como local de exclusivas
apropriação do espaço público em função de atividades agrícolas. Houve um aumento do
interesses particulares.” (2007, p. 167) número de pessoas que moram no campo e
“As formas de trabalho precário redefinem estão envolvidas em atividades não agrícolas
tempos e espaços de vida social, obrigando os ou combinam agricultura com outras fontes de
trabalhadores a uma vivência que não distingue rendimento. Neste cenário, a atividade de
tempos nem espaços de trabalho e de não- costura, antes parte da pluriatividade familiar e
trabalho, em função de a produção acontecer considerada complementar à renda, passou a
dentro da vida privada das famílias.” (2007, p. ter em algumas localidades uma importância
168) maior do que a agricultura e a pecuária. É o que
Fichamento 5 tem ocorrido com muitas famílias em Toritama,
Título/Subtítulo: MODA E município considerado, hoje, como o segundo
DESENVOLVIMENTO LOCAL: maior produtor de jeans do país. Tornou-se,
RECONVERSÕES então, atrativo para a população
CULTURAIS NA CRIAÇÃO E CONFECÇÃO desempregada que, em meio à reestruturação
DO JEANS EM produtiva e ao ajuste neoliberal, encontra no
TORITAMA – PERNAMBUCO emprego informal desta localidade uma
Autor(es): ALVES, Rosiane Pereira. estratégia de sobrevivência.“ (p. 27, 2009)
Ano: 2009 “Contrariando a primeira percepção, em
Páginas: 1-100 Toritama, apesar de os setores industrial e de
Fonte: Revista de Geografia. Recife:, v. 24, no serviços terem se tornado os principais
1, jan/abr. 2007 geradores de emprego, há famílias que
Cidade: RECIFE prestam serviço na produção da moda e
Editora: Departamento de Educação continuam trabalhando na agricultura, ou sua
Universidade Federal Rural de Pernambuco. família continua ligada às atividades primárias.”
(p. 29, 2009)
Resumo: “Interações não consensuais, que se revelam
na produção de roupas populares no município
A autora analisa as transformações sociais em de Toritama, cuja origem está relacionada com
Toritama com a chegada da industrialização. a moda e a matéria-prima de outras
Para isso, ela aponta a história da cidade, localidades. As primeiras calças produzidas
dando ênfase para a falta de capacidade foram chamadas de calça Top, de acordo com
agrícola da região. Como consequência, a o depoimento da Confeccionista 1 (2009),
cidade buscou a renda nas atividades numa correlação feita com a calça Us Top que
industrias e de venda. Este movimento abriu as circulava na mídia, conforme comentado
portas para a construção do pensamento anteriormente. Os primeiros tecidos eram
industrial que existe em Toritama com a retalhos advindos da região Sul e Sudeste do
fabricação de roupas. Porém, ela ressalta que país, ou seja, a cultura da confecção de roupas
96

já nasceu em meio a um intercâmbio cultural” agrícola, desenvolvendo outras atividades fora


(p. 32, 2009) desse campo.” (p. 50, 2009)
“Assim, considera-se moda popular do vestir – “Além disso, nesta região, a renda gerada pelo
roupas, acessórios, calçados, adotados pelo setor primário era insuficiente, ainda mais para
povo no seu cotidiano, mesmo que não esteja os pequenos agricultores, vítimas da
em sintonia com as tendências da moda pecuarização que assolou o agreste, na
hegemônica.” (p. 32, 2009) década de 1950, (...) Esses fatores induziram a
“Ao longo do tempo, a associação do jeans população a buscar na atividade manufatureira
apenas como roupa de trabalho foi modificada. industrial uma alternativa de sobrevivência,
Foote e Kidwell (apud CRANE, 2006) afirmam inicialmente, com a fabricação de calçados, que
que durante o século XIX e início do século XX, fez do município de Toritama um polo
a calça jeans ainda representava trabalho físico calçadista na década de 1970. Esta atividade
e rudeza; era usada como uniforme para a declinou no início da década de 1980, no bojo
realização de trabalhos pesados. Já entre as da crise global do capital que, segundo Brum
décadas de 1930 e 1960, foi adotada para o (2005), diminuiu o ritmo de crescimento
uso nos momentos de lazer pela classe média econômico e social no Brasil e nos demais
dos Estados do Oeste americano e por países da América Latina, com consequente
mulheres da classe operária nos momentos de repercussão no aumento do desemprego, do
trabalho e de lazer.” (p. 42, 2009) subemprego e da economia informal.
“Nesse período, o jeans significava tanto lazer Sobretudo em Pernambuco, onde, conforme
quanto trabalho para grupos sociais diferentes. afirma Tavares (2008), várias indústrias têxteis
Para a classe média, tornou-se “um ícone dos (tecelagem) fecharam nessa época em
valores americanos de individualismo e decorrência da decadência da produção do
honestidade.” Ao mesmo tempo, também algodão no sertão, da abertura comercial
adquiriu conotações de revolta – liberdade, iniciada no Governo Collor, e dos incentivos
igualdade e ausência de classes – contra os oferecidos por outros Estados para atrair
valores culturais dominantes. ” (p. 43, 2009) empresas.” (p. 50, 2009)
No quesito superfície, o surgimento das “A entrada do jeans na produção e
lavanderias de beneficiamento na década de comercialização local ampliou a cadeia
1980 muda a textura do jeans confeccionado, produtiva no polo, com a implantação de
deixando-o mais confortável. Nessa fase, lavanderias de beneficiamento em Caruaru e
nascem termos como stone washed, que depois em Toritama, no final da década de
corresponde à lavagem com pedra e cloro para 1980. Surgiram, ainda, revendedoras de
deixar o tecido com aparência envelhecida.” (p. máquinas de costura e atacadistas para
44, 2009) revenda de tecidos, além da modalidade de
“No âmbito internacional, salienta Sueli Pereira compra de tecido por encomenda direta aos
(2005, p.18), o jeanswear aparece ligado à produtores no Sul e Sudeste do país (CABRAL,
tecnologia, ao marketing e à logística. É o que 2007).
tem, segundo ela, mostrado as diferentes Todo esse movimento gerou um processo de
edições da feira direcionada e específica ao desenvolvimento na região e localmente em
segmento jeans, a Bread & Butter Berlim (BBB) Toritama, traduzindo-se em um alto índice de
que acontece no mês de janeiro na capital da emprego nas indústrias de confecções
Alemanha e no mês de julho nas cidades de (fábricas, fabricos e facções) e lavanderias, no
Barcelona e Berlim.” (p. 45, 2009) comércio e nos serviços, embora que em sua
“Toritama, situada a 180 km do Recife, foi maioria informal (ALVES, 2007).” (p.51, 2009)
durante o século XIX uma fazenda de gado de “No início da década de 1980, quando a
nome Torres, às margens do rio Capibaribe, fabricação de sapatos foi substituída pela de
povoada depois da construção da capela de calças jeans, ainda não se podia falar em moda
Nossa Senhora da Conceição. Em 1943, um propriamente, mas em roupa. A calça Top,
Decreto-Lei estadual modificou seu nome para como era chamada, constituía-se em um
Toritama e, dez anos depois, foi emancipada produto da produção manufatureira local que
como cidade. Tem hoje cerca de 30 mil se industrializou e se massificou no meio
habitantes e uma densidade demográfica de popular ao ser comercializada na Feira da
964,10 hab/Km² (IBGE CIDADES, 2008). Sulanca, inicialmente na vizinha Santa Cruz,
Tratase, portanto, de acordo com os critérios da como já mencionado anteriormente, e depois
pesquisa do IBGE/Ipea/Unicamp, citado por nas feiras de Caruaru e Toritama.” (p.52, 2009)
Veiga (2003), de um município de médio porte “A incorporação da lavagem prévia no produto
do tipo rurbano, integrando um aglomerado não confeccionado fez mudar a textura e a
metropolitano. Deixou de ser estritamente aparência do jeans, como será tratado mais
adiante, e deu origem a um complexo industrial
97

de pequenas e médias lavanderias(...). Outra o tipo de tecido que vai lhe dar aquele resultado
mudança importante desse período foi a (Empresário 1, 2009).” (p.57, 2009)
adesão ao uso de máquinas de costura “De composição variada, pode se apresentar
industriais, que vão imprimir nas confecções e com 100% de fibra de algodão ou com
facções uma maior velocidade produtiva e uma diferentes percentagens de algodão
divisão social e sexual de tarefas, devido às combinadas com outras fibras sintéticas
funções específicas daqueles equipamentos: (poliéster, poliamida ou fios de elastano). Há,
costura reta,5 overloque,6 interloque,7 inclusive, tecidos oferecidos com efeitos ou
embutideira,8 máquina de cós9 e de cós acabamentos prévios, a exemplo de tecidos
anatômico,10 travete,11 caseadeira,12 com brilho para compor modelos noturnos.
botoneira,13 entre outras.” (p.52, 2009) Também é oferecida uma diversidade de brim
“A fase que compreende o período de 1990 a e sarja, em cores e diversas texturas, além do
2000 inclui acontecimentos que conduzem a tecido PT, ou seja, no estado natural pronto
mudanças no sentido de deixar de produzir para ser tingido.” (p.57, 2009)
roupas para produzir moda, expressa “Esses aviamentos, além de funcionais, ou
principalmente na percepção de alguns seja, de ter uma função na calça, a exemplo
empresários da necessidade de se contratar dos zíperes que servem para fechar e abrir,
estilistas, ressalta o Empresário 1 (2009), com também aparecem como decoração e enfeite.
o objetivo de oferecer aos clientes um jeans Segundo o Designer de Moda 4 (2009), ele faz
não apenas utilitário e confortável, mas um um trabalho de pespontado sobre as calças
produto de moda. É também durante essa fase jeans, utilizando linhas coloridas, reproduzindo
que o comércio local começa a se expandir.” um significado que ele chama de linhas
(p.53, 2009) urbanas. Assim, definir quais aviamentos serão
“No período de 2000 até os dias atuais, as utilizados também faz parte do projeto do
intervenções governamentais e não designer de moda.” (p.59, 2009)
governamentais no local intensificaram as “A não escolha do aviamento pelo designer
mundanças no processo de criação da moda, reforça o fato de que o processo de criação das
principalmente com a organização dos calças jeans em Toritama ocorre por meio de
munícipios confeccionistas na forma de Arranjo um trabalho coletivo. Dificilmente se encontrará
Produtivo Local de Confecções. Data deste uma criação para o mercado de autoria única.
período a participação coletiva das empresas Isso nos remete ao que diz Canclini (2006,
locais em eventos de moda e de negócios e, p.XXII) a respeito dos processos de
segundo o Lojista 1 (2009), o surgimento de hibridizações, que podem ser provenientes
eventos de moda no local, como o Festival do tanto da criatividade individual quanto coletiva,
Jeans de Toritama e o Festival de Cultura e e esse conhecimento gerado de forma coletiva
Moda Pernambucana em Toritama.” (p.53, vai ser reconvertido em novas formas de
2009) criação e produção da moda no local.
“Seja como for, para facilitar a análise dos Caracteriza ainda que a inserção de novas
processos de reconversões culturais, tomou-se tecnologias em qualquer etapa da cadeia têxtil,
como referência os itens que compõem as como as modificações no acabamento do
fases que integram o design de moda – criação tecido jeans, se constitui em intervenções com
e projeto – transformando-as nas categorias de repercussão no desenvolvimento da moda em
análise: 1) Tecido e Aviamentos; 2) Criação e Toritama.” (p.60, 2009)
Pesquisa; 3) Desenho; 4) Modelo; 5) “Apenas na segunda metade da década de
Modelagem; 6) Máquinas e Tecnologia – Peça 1990 é que surge uma maior preocupação com
Piloto; 7) Beneficiamento; e 8) o requisito criação e alguns empresários
Comercialização.” (p.55, 2009) passaram a contratar estilistas para suas
“A opção por retalhos, segundo o Empresário 1 empresas, muitos dos quais de fora da cidade,
(2009), confeccionista desde a década de inclusive de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
1980, barateava o custo do produto final que Com isso, surge no local a demanda por um
visava atingir apenas o consumidor novo profissional – o estilista.” (p.60, 2009)
frequentador da Feira da Sulanca.” (p.56, 2009) “(...)numa região de aglomerado industrial, as
“Hoje a Vicunha vem aqui e oferece 50 tipos de informações circulam rapidamente e as
tecidos, a Santista vem oferecer 50, a Cedro empresas maiores exercem influência nas
vem oferecer 50. Naquela época só tinha uma menores. Então, outras pessoas incorporaram
meia dúzia de tecido. Agora com as no seu trabalho diário faíscas de criação, por
lavanderias, os tecidos mudam depois que são meio de um processo empírico e, como revelam
lavados. Variamos s tecidos – porque depois de as falas seguintes, percebe-se que em muitos
lavados os efeitos são diferentes. Então se eu momentos o processo de criação aconteceu e
quiser atingir o objetivo tal – tenho que comprar ainda acontece de forma intuitiva e desprovida
98

de técnicas norteadoras, porém, com muita “A variedade de diferenciados, presente hoje


criatividade.” (p.60, 2009) nas lavanderias de Toritama, é em sua maioria
“Quanto aos processos de criação da moda realizado de modo artesanal.” (p.79, 2009)
para o mercado, em Toritama se dão de forma “Segundo Pinto (2007,p.52), na minuta do
coletiva. Por exemplo, uma certa peça pode ser Relatório Final do Plano Diretor de Toritama,
criada e desenhada por um designer de moda, está expresso que “a água do Capibaribe, na
mas muitos de seus detalhes são propostos e altura de Toritama, é imprópria para o consumo
determinados por outras pessoas que estão humano, em decorrência do lançamento de
contratando os serviços desse designer, seja esgotos domésticos e industriais.” (p.82, 2009)
na escolha do tecido, do aviamento ou no efeito “As roupas produzidas em Toritama no início da
da lavagem, como já mencionado.” (p.64, 2009) década de 1980 foram comercializadas na
“Quando começou mesmo, todo mundo fazia Feira da Sulanca de Santa Cruz do Capibaribe.
aquela calça que a gente hoje chama de cinco Nesse cenário, criou-se o hábito de esperar que
bolsos, não tinha modelo nenhum. Você deve o comprador viesse até a feira. Vinham
se lembrar da calça Us Top. E havia toda uma pessoas de diferentes lugares. Como não havia
inspiração aqui em Toritama nessa calça. feira em Toritama, a pouca produção existente
Porque a Us Top não tinha modelo nenhum, era era comercializada apenas em alguns períodos
uma calça básica – cinco bolsos. Inclusive, do ano: Hoje a gente tem as feiras, tem
como chamamos hoje – crua. Não passava por comércio. Naquele tempo, a gente só tinha
nenhum processo de lavagem. O mercado não dezembro para o Natal e Ano Novo. Janeiro, a
cobrava tanta inovação e o preço dos produtos gente fazia um pouco de short curto para o
era barato demais (Empresário 1, 2009).” (p.67, carnaval e calça para a escola. Em junho,
2009) também fazia um pouco para as festas juninas.
“Durante a pesquisa, foi observada uma grande Eu não vendi na feira. Eu vendia para a Bahia,
predominância da calça feminina nos modelos para o Ceará (Confeccionista 2, 2009).” (p.83,
Skinny16 e Cigarrete17 nas vitrines, nos 2009)
encartes e no Parque das Feiras. Enquanto “No final da década de 1980, foi criada a feira
para o segmento masculino, os modelos de Toritama (Figura 11) nas proximidades da
encontrados foram a calça reta tradicional,18 a primeira igreja no centro da cidade, que foi
Street Wear19 e a Antifit.20 As diferenciações, mudando de localização e hoje se encontra
como já dito, aparecem bem mais nos detalhes próxima ao Parque das Feiras.” (p.83, 2009)
e no lavado, do que na modelagem.” (p.69, “Os resultados da pesquisa revelaram que as
2009) confecções de calça jeans no município de
“Ainda mais, essas empresas influenciam toda Toritama já nasceram em meio a um
a moda popular, pelo menos é o que se intercâmbio cultural, numa relação
percebe ao verificar as peças comercializadas Nordeste/São Paulo, concretizada pela
nas feiras e suas variações de cores e de aquisição da principal matéria-prima: os
tecidos jeans. Muitas dessas variações, de retalhos de tecido jeans. Inicialmente, a calça
acordo com informações obtidas durante produzida era comercializada na feira popular,
conversas informais, são resultantes da cujo principal atrativo era os preços baixos.”
tentativa de copiar o que está sendo produzido (p.88, 2009)
nas confecções e lojas maiores.” (p.75, 2009) “Hoje, em Toritama, tanto a criação da moda se
“Desde que eu comecei, houve mudanças. No dá de forma coletiva, quanto sua
começou só havia o Used – é a peça produção. Sobretudo quando essa moda, ou
desbotada, parecida com o desgaste causado modismo, é produzida para o mercado, num
pelo uso diário, que era o básico. Depois contexto diferente dos desfiles. Ou seja, não há
apareceu o bigode, o bigode com espoleta, o um criador da calça jeans, como foi observado
detonado. O amaciado é o lavado e o neste trabalho, mas uma mistura de
diferenciado é o que se coloca sobre o lavado. informações de confeccionistas, designers de
Por volta de 2002, é que surgem vários moda e de lavanderias, que são projetadas
diferenciados – o bigode, o detonado, puído, nessa peça. As informações são provenientes
flex-plin, pigmento, foil, bigode resinado. de diferentes fontes de pesquisa. Em menor
(2009).” (p.79, 2009) destaque, aparece a pesquisa referente ao
“No que diz respeito à criação do design de público consumidor, mas de acordo com alguns
superfície sobre o jeans confeccionado, mais designers do local, eles ficam sabendo o que é
comumente chamado de diferenciado pelas preferência do consumidor, porque são
pessoas do local, ele é produzido pelo designer solicitadas novas criações, com referência no
da lavanderia e corresponde aos efeitos que teve boas vendas.” (p.88, 2009)
colocados sobre o lavado.” (p.79, 2009)
99

Fichamento 6 não significa que inexistam em outros


Título/Subtítulo: TEMPO E TRABALHO NA contextos.” (2019, P. 146)
CAPITAL DO JEANS “Nas vésperas dos festejos, tem início uma
Autor(es): PIZZINGA, Vivian Heringer maratona de vendas de eletrodomésticos e
Ano: 2019 aparelhos os mais diversos que vão pagar a
Páginas: pp.145-149 viagem de oito dias para a praia e o carnaval.
Fonte: Pensares em Revista. N. 16. Uma moça quer vender a geladeira, um rapaz
Cidade: RIO DE JANEIRO retira de dentro de casa a televisão. À pergunta
Editora: UERJ sobre se a televisão não vai fazer falta (assim
como a geladeira), a resposta é a de que fará
Resumo: falta sim mas depois é possível comprá-la de
A autora traz uma visão sobre saúde coletiva volta. O importante, naquele momento, é não
para a análise da relação do ser humano co o ficar em Toritama, de jeito nenhum. Ir para o
trabalho presente no filme. Seu foco é explorar carnaval, praticamente único momento de
o recurso da repetição dos movimentos feito pausa na produção. As tomadas da cidade nos
por Marcelo Gomes e como ele teria traduzido dias de carnaval são o que a cidade era quando
a desumanização do trabalhador de Toritama. não havia a indústria do jeans.” (2019, P. 147)
Para ela o sofrimento do trabalho presente nas
cenas de repetição traz a tona a precarização Fichamento 7
em relação a saúde do trabalhador. Sem saber Título/Subtítulo: Território comercial de
o processo inteiro, são apenas movimentos Toritama: Persistência e metamorfose da
repetidos e infinitos, perde-se o propósito. informalidade
Autor(es): OLIVEIRA, Roberto Vás; BRAGA,
Citações: Bruno Mota.
Ano: 2007
“O filme, ao se deter sobre os trabalhadores da Páginas: pp.160-170
indústria do jeans em Toritama, no Agreste Fonte: Revista de Geografia. Recife:, v. 24, no
pernambucano, entrelaça esses termos – 1, jan/abr. 2007
trabalho e tempo – que vêm sempre juntos mas Cidade: RECIFE
que podem ser pensados de inúmeras Editora: UFPE – DCG/NAPA
maneiras.” (2019, P. 145)
“A angústia da repetição é tratada no filme Resumo:
quando a câmera se deixa estacionar
enquadrando um movimento repetitivo com O trabalho descreve as características
uma peça de jeans, em que duas mãos da produção de jeans em Toritama a partir da
anônimas executam dois ou três movimentos pesquisa de campo. Ressalta a existência do
(quatro, no máximo) e a câmera não muda de trabalho informal e como se organizam as
posição. A cena é longa, promovendo a ênfase facções, além da segmentação de funções do
na repetição e sua obrigatória acompanhante: trabalho. Também aponta a dependência
a monotonia. A cena é também emblemática do destes “empreendedores” autônomos ao
que pode ser o sofrimento no trabalho: além da mercado formal, utilizando sobras das grandes
aflitiva repetição, há o incômodo provocado indústrias. A análise feita pelos autores é de
pelo ruído da máquina (que permeia o filme que a estrutura informal esconde a
inteiro). O narrador então tira o som e precarização e dependência destes
continuamos a observar os mesmos trabalhadores em relação a empresas que
movimentos, sincopados, quando é introduzida demandam tal mão-de-obra, mas que se livram
uma música clássica.”(2019, P. 146) de encargos empresariais e da própria
“Entretanto, o filme não deixa de evocar o outro responsabilidade da empresa.
lado do vazio dessa rotina, que, é importante Ainda é feita descrição de como o
apressar-se em dizer, não se distancia, em seu trabalho modificou o espaço urbano da cidade
âmago, das rotinas das cidades grandes e e trouxe consequências prejudiciais para o
metrópoles, com suas cargas incessantes de meio ambiente e para a própria sociedade. A
trabalho, mais ou menos repetitivas, mas, ainda diferença entre espaço de trabalho, de não
assim, em grande parte, vazias de sentido para trabalho e de lazer deixa de existir com a novar
seus trabalhadores. A diferença é que, na vida organização do espaço da cidade.
retratada em Toritama, a repetição, a
monotonia, a falta de escolhas que não se Citações:
evidencia como tal, a redução da vida a apenas
um aspecto aparecem de modo cru, mas isso “A produção têxtil de Toritama, estimada em
aproximadamente 15% da confecção brasileira
100

de “jeans”, é responsável pelo considerado instaladas nas residências, ou seja, fora da


“pleno emprego” da população do lugar nas empresa. O empresário garante assim não só a
atividades de confecção, de lavagem e produção de mercadorias, mas também a
coloração das peças, bem como nas atividades reprodução da força de trabalho necessária à
de venda em lojas e representações. O produto continuidade dos negócios, sem nenhum ônus
final, além de comercializado nas lojas da empresarial.” (2007, p. 165)
cidade, é vendido em “pólos” de vendas, como “Além disso, os trabalhadores autônomos
os de Toritama e de Caruaru.” (2007, p. 161) assumem outros custos empresariais, como a
“O pólo de vendas de Toritama reúne centenas energia consumida pelas máquinas e
de lojas em espaços dotados de infra-estrutura equipamentos, e a sociedade assume os
básica, como restaurantes e estacionamento encargos da coleta e destino dos resíduos da
para automóveis e ônibus para quem vem de produção, de rejeitos advindos do processo
fora adquirir o produto, inclusive para revenda produtivo. Esse modo autônomo de produzir
em outros lugares. Parte da produção também gera impactos na gestão das cidades, pois o
é comercializada por meio de representação ou lixo doméstico misturado ao lixo advindo do
venda direta para lojistas de outras partes do trabalho é coletado pelo serviço público,
Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas havendo aí uma transferência do encargo
Gerais.” (2007, p. 161) empresarial para a sociedade.” (2007, p. 165)
“De um lado há o discurso da necessidade do “Após a confecção das peças em uma facção,
engajamento no projeto empresarial, do elas podem ser levadas a uma lavanderia, onde
empreendedorismo das pessoas do lugar, depois de lavadas e/ou tingidas, retornam a
necessário para o sucesso dos facção, não necessariamente a mesma que as
empreendimentos. Por outro lado, o trabalho confeccionou inicialmente, para o acabamento
“por conta própria”, atende as necessidades final como corte de linhas, fixação de etiquetas,
empresariais de flexibilidade das relações de etc. Nas lavanderias, são realizados diversos
trabalho, desobrigando os empresários de processos necessários à produção do “jeans”
pagar os direitos que formalmente teriam os (Figura 2). As peças, originalmente cortadas e
trabalhadores, além de transferir a eles os costuradas no tecido ainda bruto, são lavadas
riscos das oscilações do mercado.” (2007, p. muitas vezes utilizando produtos químicos que
162) as descolorem na maneira exigida pelos
“O discurso político e empresarial em Toritama compradores. Outras vezes, as peças são
é de que não há desemprego no município, de tingidas secas, para depois serem novamente
que praticamente toda a população está formal lavadas e passadas, dando a coloração
ou informalmente empregada na produção demandada pelo tipo de “jeans” que se quer
têxtil, como se isso por si só fosse um fator de produzir.” (2007, p. 165)
resolução dos problemas sociais” (2007, p. “Algumas tradições regionais parecem ter sido
163) determinantes para a origem e o
“A produção têxtil em Toritama se caracteriza desenvolvimento do setor têxtil em Toritama,
pela segmentação do processo produtivo, já notadamente a tradicional produção de
que a confecção do “jeans” é realizada em calçados em couro e a tradição do trabalho
diversas etapas: a aquisição do tecido, o corte familiar, em especial o feminino, de se
do tecido, a costura e o reforço, a lavagem e o confeccionar roupas para serem vendidas nas
acabamento das peças. Estas etapas ruas de Caruaru, em feiras populares
produtivas, por vezes, são realizadas em conhecidas como “sulanca”. Com as sobras de
“facções”, como são chamadas as autônomas malhas conhecidas como “helancas”, vindas
e, quase sempre, informais oficinas de costura, das fábricas da capital pernambucana, Recife,
improvisadas nas próprias residências dos bem como das indústrias do sudeste brasileiro,
moradores de Toritama, muitas nas garagens as famílias da região confeccionam peças de
das casas, mas muitas também dentro delas, roupa vendidas a preços populares nas feiras
ocupando o espaço dos cômodos residenciais de “sulanca”. (2007, p. 166)
como salas e quartos” (2007, p. 163) “As roupas populares, as peças que atualmente
“Em geral, as facções e fabricos trabalham por são vendidas nas feiras de sulanca, são
empreitada ou por peça produzida, recebendo produzidas com as sobras de “jeans” ou ainda
encomendas com prazo determinado para peças que não atendem os padrões de
entrega, sendo comum a realização de apenas qualidade das marcas que encomendam a
uma ou outra etapa do processo produtivo.” produção em Toritama.” (2007, p. 166)
(2007, p. 164) “A produção têxtil produz também o espaço
“Sob o signo do “empreendedorismo”, a geográfico de Toritama, manifestando-se na
flexibilidade do trabalho permite ao empresário organização da cidade em função das
que o processo produtivo aconteça nas oficinas atividades de confecção, lavagem e
101

comercialização do “jeans” (Figura 3). As Resumo:


pequenas confecções (facções) estão O autor traz a contextualização do crescimento
distribuídas por toda a cidade, já que estão do neoliberalismo e de sua implementação em
preferencialmente instaladas nas residências, diferentes países a partir da década de 1970.
improvisadas nas garagens e cômodos das Ele pontua os principais autores e aponta que
casas. Do mesmo modo, os fabricos, em geral a lógica neoliberall se baseia em retirar o poder
empresas mais estruturadas, podem instalar-se do estado e conter os movimentos trabalhistas,
tanto em casas quanto em galpões onde se beneficiando empresas. Como resultado o
reúnem os trabalhadores, as costureiras e os desemprego e a desigualdade social crescem.
demais empregados.” (2007, p. 166) Enfim, ele relata as iniciativas de oposição do
“Em Toritama, a avenida principal da cidade Estado com medidas de bem-estar e dos
(João Manuel da Silva) destaca-se por um uso funcionários públicos como resposta as altas
mais seletivo do espaço, já que estão taxas de desemprego.
instaladas ali lojas mais sofisticadas, por vezes, A perspectiva colocada por ele é a continuidade
próximas a estabelecimentos que funcionam da implementação neoliberal com a fusão de
como vitrines para atendimento de empresas que assumem cada vez mais poder
consumidores mais exigentes, intercaladas econômico.
com residências com elevado nível de
ocupação, sugerindo que nesta avenida moram Citações:
os empresários mais bem sucedidos. Também “Nesse contexto, foram estabelecidas as
na Avenida João Manuel da Silva estão condições ideais para a implementação das
instalados consultórios médicos e outros teses neoliberais, principalmente, com as
estabelecimentos de serviços que atendem eleições de Margareth Teatcher, em 1979, na
muito provavelmente a parcela da população Inglaterra, e Ronald Reagan, em 1980, nos
com melhor poder aquisitivo. O tamanho dos Estados Unidos. As principais idéias
terrenos e o padrão arquitetônico das casas, neoliberais colocadas em prática, com variação
lojas e escritórios revelam por si esta em um ou outro país, a depender da
seletividade do espaço nesta avenida especificidade de cada um, são as seguintes:
principal.” (2007, p. 167) a) Aproveitar o momento de recessão
“Na organização do espaço da cidade de econômica, com uma das suas
Toritama chamam também a atenção formas conseqüências mais dramáticas e
de apropriação privada de espaços públicos. É socialmente injustas que é o
comum a utilização das calçadas das ruas desemprego, para enfraquecer o
como depósito de materiais utilizados na movimento sindical organizado,
produção, notadamente de lenha utilizada para levando no todo dessa proposição à
a geração de energia que move as máquinas e perda de vantagens adquiridas e
equipamentos das lavanderias. Por vezes, a acumuladas ao longo dos anos por
secagem das peças é realizada nas ruas e parte dos trabalhadores,
praças, caracterizando também esta principalmente, nas décadas 50 e 60
apropriação do espaço público em função de quando da pujança crescente do
interesses particulares.” (2007, p. 167) capitalismo. Estas medidas são
“As formas de trabalho precário redefinem consideradas de suma importância,
tempos e espaços de vida social, obrigando os pois contribuirão para a acumulação
trabalhadores a uma vivência que não distingue de capital das empresas, que assim
tempos nem espaços de trabalho e de não- obterão poupança para novos
trabalho, em função de a produção acontecer investimentos;”
dentro da vida privada das famílias.” (2007, p. “O conjunto de medidas dessa ordem quando
168) implementadas visam, de um lado, a
diminuição da participação do Estado como
Fichamento 8 agente produtivo e regulamentador da
Título/Subtítulo: UMA VISÃO DO economia na promoção do Estado de bem–
NEOLIBERALISMO: SURGIMENTO, estar e, por outro lado, a transferência de
ATUAÇÃO E PERSPECTIVAS recursos financeiros para o Estado a serem
Autor(es): Jackson B. A. de Cerqueira carreados para atividade produtiva e/ou
Ano: 2008 jul./dez. investimentos que beneficiem e ampliem a
Páginas: pp.169-189 participação das empresas na economia(...)”
Fonte: Sitientibus, Feira de Santana, n. 39, “A decisão de governos, de praticar uma
Cidade: RIO DE JANEIRO política neoliberal, não tem sido aceita
Editora: UEFS passivamente por grande contingente
populacional dos países onde estão sendo
102

implementadas essas medidas. Face, em das quais medindo aproximadamente 30 m de


linhas gerais, ao caráter desigual, frio e altura, com a aparência de uma torre. No topo
impiedoso, principalmente nos 3 (três) dessa serra foi erguido um cruzeiro. João
primeiros anos de funcionamento programático Barbosa doou um terreno (parte de suas terras)
da política neoliberal, uma massa significativa medindo cerca de 150 m de comprimento por
da população tende a ser atingida, seja através 40 m de largura, à margem esquerda do rio
do desemprego, da redução salarial, da perda Capibaribe, para construção e patrimônio de
de benefícios diretos e indiretos, dentre outras uma capela dedicada a Nossa Senhora da
medidas adotadas. A oposição ocorre de Conceição.
diversas formas, porém pode-se destacar a A partir da construção dessa capela começou o
existência de estados com uma forte política de povoamento do local, de onde se originou a
bem-estar em execução, já há algumas cidade. A primeira casa edificada nas
décadas, sendo difícil a sua desarticulação, por imediações da capela pertencia a José Cabral.”
exemplo, por interesse contrário de diversos (2019, p. 11).
grupos sociais beneficiários.” (2008, p. 183) “A origem do topônimo Toritama é das mais
controversas, havendo várias versões (citado in
Fichamento 9 Pernambucânia: o que há nos nomes das
Título/Subtítulo: Estudo Econômico das nossas cidades). Para alguns autores seria
Indústrias de Confecções de Toritama/PE uma derivação do nome da Fazenda Torres,
Autor(es): SEBRAE, Nectar passado para o idioma indígena. Poderia
Ano: 2019 também ter origem em tori, significando pedra,
Páginas: pp.1-69 e tama, região. Nesse caso, uma alusão às
Fonte: SEBRAE numerosas pedras que ficam às margens e no
Cidade: Recife leito do rio Capibaribe, de formatos e tamanhos
Editora: SEBRAE diferentes.” (2019, p. 12).
“desfavorecimento do solo e a presença de um
Resumo: rio apenas temporário fez com que a população
O relatório do SEBRAE traz um levantamento buscasse a sobrevivência em atividades
completo do setor têxtil em Toritama. industriais, inicialmente com a fabricação de
Primeiramente ressalta dados econômicos e calçados, que fez, do município, um polo
históricos da cidade, assim como dados calçadista de destaque na região durante a
geográficos. Informações demográficas como década de 1970.
PIB complementam o panorama geral da A atividade declinou-se em decorrência da
região. No histórico da cidade é apontado o grande concorrência da indústria de grandes
declínio da atividade agrícola que fez crescer a calçadistas, o que fez com que as fábricas de
fabricação de bens materiais na cidade. calçados de couro entrassem em declínio,
Posteriormente o relatório indica o crescimento falindo em pouco tempo. Isso obrigou a
exponencial da cidade que se destaca na população a procurar outra forma de trabalho.
região nos últimos anos. Como não poderia ser na área agrícola ou
Enfim, são relatos os dados coletados em pecuária, optou-se pela fabricação de jeans
pesquisa quantitativa e qualitativa com industrial começando com retalhos.
empresários e donos de marcas de jeans A atividade proliferou rapidamente, sendo que
produzidas e vendidas na região. São descritos 15 por cento das confecções feitas com jeans
a quantidade de peças produzidas por ano, produzido no Brasil vem de Toritama.
quais os modelos e ainda as principais Sendo um produto de qualidade e preço baixo,
características de design das peças. o jeans de Toritama atrai consumidores de todo
o Brasil para compra-lo e, depois, revendê-lo
Citações: em suas cidades.
No Parque das Feiras fica concentrado o
“Desmembrado do município de Taquaritinga comércio da cidade e a maioria das lojas de
do Norte Data de criação: 29/12/1953 Lei roupa da cidade. O Parque das Feiras se
Estadual nº 1.818 Data de instalação: encontra na BR-104. É construído em uma área
23/05/1954 Data cívica (aniversário da cidade): de nove hectares dividida em boxes e lojas,
30/12 Em meados do século XIX havia uma ainda possuindo unidades de restaurantes e
fazenda de criação de gado nas terras hoje lanchonetes em seu complexo. Tem
ocupadas pelo município de Toritama. estacionamento para 2.000 veículos. Foi
Essa fazenda, de propriedade de João inaugurado em setembro de 2001. Oferece 875
Barbosa, era denominada Torres, em virtude de boxes de 3 metros quadrados cada, porém a
uma grande serra situada a cerca de 1 km do procura foi tão grande que foram construídos
local, na qual se erguem várias pedras, uma 1.158 boxes.” (2019, p. 13)
103

“Toritama foi a cidade pernambucana que teve Resumo:


o maior aumento de população entre 2015 e O artigo levanta as principais técnicas de
2016. O município do Agreste, conhecido por beneficiamento do jeans. Descreve a diferença
sua atuação no setor de tecidos, aumentou entre lavagens físicas e químicas, as
2,5% em um ano, passando de 42,1 mil para ferramentas e produtos utilizados em cada
43,1 mil. A constatação faz parte da estimativa uma. O intuito do trabalho é considerar
populacional do Instituto Brasileiro de produtos ecológicos em lavagens químicas do
Geografia e Estatística (IBGE), que aponta um jeans e comparar o resultado.
crescimento em Pernambuco da ordem de Ao fim, os autores consideram a necessidade
0,7%, passando de 9,34 milhões para 9,41 mercadológica de adaptação da indústria têxtil
milhões. O crescimento foi semelhante ao a novas necessidades de sustentabilidade.
registrado no Brasil, de 0,8%, chegando aos
estimados 206,1 milhões de moradores até 1° Citações:
de julho de 2016.” (2019, 26)
“Em Toritama, de acordo com a opinião ouvida “As lavagens de peças confeccionadas a partir
de empresários, “não existem pessoas dos materiais crus têm uma sequência de
desempregadas” e essa situação vem se operação preliminar. O tecido cru não é tão
verificando há bastante tempo. Assim, quando confortável quanto o tecido já lavado, portanto
as empresas, desejando aumentar a produção, ele passou a ser lavado antes de ser colocado
precisam contratar mais gente, elas têm três à venda. No caso do algodão por exemplo, o
opções: Aumentar o salário que oferecem, no processo de preparação se inicia pela
intuito de deslocar trabalhadores de outras desengomagem e alvejamento, podendo
empresas; esperar que a imigração de pessoas muitas vezes ser realizado em conjunto e
vindas de outros municípios incremente a força utilizando produtos químicos para adiantar
de trabalho local, mesmo sem aumento de esses processos.” (p. 10)
salários; ou, assumem a responsabilidade pelo
transporte e agrega consideráveis taxas de “Normalmente os processos industriais de
lucro para repassá-las ao consumidor final.” lavanderias em jeans são divididos quanto às
(2019, 27) suas características, físicas ou químicas. Os
“A moda da calça jeans no APL do Agreste processos físicos envolvem atrito e
Pernambucano, e principalmente da cidade de manipulação, como os puídos, lixas, jatos de
Toritama, é marcada a princípio por uma resina, aplicação do permanganato com
aparência com um exagero de elementos pistolas de ar comprimido, aplicação de tags,
figurativos, a estética das calças de Toritama aplicação de pigmentos. Nos processos
está em constante construção e deslocamento químicos é onde acontecem todas as etapas
de cores, formas e materiais, esta, sempre que utilizam agentes químicos, por banhos de
marcada por uma predominância da estética imersão e líquidos em temperatura elevada. É
barroca (ALMEIDA, 2013).Para Souza e Alves a combinação destes processos químicos e
(2013) esta estética é reflexo da cultura da físicos que confere ao jeans o aspecto
cidade, e que tem como parâmetros a desejado, há ainda processos que podem ser
ostentação da rápida ascensão econômica da considerados químicos e físicos.” (p.11)
população pelo ramo de confecção.” (2019, p.
37) “Outra forma de clareamento e envelhecimento
de peças que ficou conhecido como Stone
Fichamento 10 Washed é feita com o uso de pedras pomes
Título/Subtítulo: Lavanderia em jeans e a colocadas dentro das lavadoras e que ao entrar
sustentabilidade em moda: Comparativo em atrito com a peça em denim provocam o
entre processos tradicionais e ecológicos. desgaste do índigo. Esse processo físico pode
Autor(es): LUIZ, S., VALENTIM, A. F. ser chamado também de Super Stone,
Ano: 2019 Destroyed, os nomes variam de acordo com a
Páginas: pp.1-18 sua intensidade, que está relacionada
Fonte: Trabalho de conclusão de curso principalmente ao tempo de máquina com as
Cidade: Araranguá, Santa Catarina pedras.” (p. 11)
Editora: IFSC
104

ANEXO B - ENTREVISTAS

ENTREVISTA 1- JACIRA Juh -O que te faz comprar uma peça de jeans?


Juh - Falei com você pelo Instagram sobre as O caimento, ajuste, ser básica, ter detalhes
perguntas e estou mandando por aqui. Muito inovadores, ser sustentável?
obrigada por aceitar participar. Pode responder Jacira -conforto e modelagem.
como se sentir mais confortável. Se quiser Juh -Você já ouviu falar de upcycling? Já
acrescentar algo sobre o tema, também fique à consumiu ou produziu peças com essa
vontade. característica?
Jacira - Olá Juh, tudo bem? Me desculpe pela Jacira -Já ouvi falar em upcycling, mas nunca
demora. Os dias estão corridos por aqui. consumi.
Espero ter respondido em tempo. Beijos
Juh - Gênero ENTREVISTA 2 - PRISCILA
Jacira - feminino, Juh - Oi, Pri, tudo bem? Te acompanho faz um
Juh - Faixa etária tempinho aqui no insta e adoro seu conteúdo e
Jacira- 33 anos sua marca. Eu estou entrando em contato
Juh - Região que reside porque estou no meio do meu TCC de moda,
Jacira - Brasília pesquisando público para um projeto de marca
Juh -Faixa de renda - própria de upcycling. Acho que você se encaixa
Jacira -4 salários-mínimos. muito no perfil e queria de saber se teria um
Juh -Com o que costuma trabalhar? tempinho para responder umas perguntas por
Jacira -Trabalho com redes sociais, aqui mesmo.
Juh -O que você costuma fazer nas horas Priscila - Oi, Juh. Que legal! Adoraria ajudar.
livres? Pode mandar.
Jacira -ver séries, filmes, saio para comer. Juh -Gênero
Juh -Com que frequência costuma comprar Priscila - feminino,
roupas? Juh - Faixa etária
Jacira -Compro roupas mensalmente. Priscila - 30 anos
Juh - Quanto costuma gastar em uma peça de Juh - região que reside
roupa? Priscila -São João da Boa Vista, São Paulo.
Jacira -120,00 por peça Juh - Com o que costuma trabalhar?
Juh -Onde costuma comprar suas roupas? Priscila - Empresária, sócia da Maria
Jacira -ecommerce. Tangerina.
Juh -Você se importa com o processo produtivo Juh - O que você costuma fazer nas horas
da roupa? Por quê? livres?
Jacira -Me importo com o processo produtivo e Priscila - Cuido das minhas plantas, passeio
gosto de comprar de marcas em que sei que com a família, gosto de sair para tomar sorvete,
todas as pessoas que participaram do processo café, visitar familiares, ver amigos.
produtivo foram beneficiadas. Juh - Com que frequência costuma comprar
Juh -O que a moda representa para você? roupas?
Jacira -A moda, para mim, representa uma Priscila - a cada dois meses, mais ou menos,
forma de expressão. Acredito que estamos acabo ganhando algumas peças de marcas
sempre comunicando algo com as escolhas de pequenas, então não compro muito.
moda que fazemos. Juh - Quanto costuma gastar com roupas?
Juh -Você acredita que uma coleção de moda Priscila - depende de muitos fatores, mas entre
pode questionar a própria indústria? 100 e 300, acima disso só se for algo que vou
Jacira -Sim, ainda mais quando a produção é usar muito ou muito específico.
mais lenta, não segue necessariamente o ritmo Juh - Você se importa com o processo
acelerado das tendencias. produtivo da roupa? Por quê?
Juh -Qual é a sua relação com o jeans? Usa Priscila - Me importo bastante porque conheço
muito, não gosta? por dentro, mas ainda consumo de fast fashions
Jacira -De modo geral não uso muito jeans, não vez ou outra por ser mais acessível e oferecer
acho muito confortável, uso de 2 a 3 vezes por algumas peças que não encontro em marcas
mês. menores.
Juh -Qual a peça de jeans que você mais usa? Juh - O que a moda representa para você?
Jacira -calça.
105

Priscila - Moda para mim é comunicação, é Taise - antes da pandemia eu estagiava em


sobre me sentir mais eu mesma, sobre passar psicologia, mas agora devido à falta de vagas
uma mensagem do que eu acredito. para trabalho, voltei para call center.
Juh - Você acredita que uma coleção de moda Juh - O que você costuma fazer nas horas
pode questionar a própria indústria? Priscila - livres?
Acredito sim que é possível questionar a Taise - costumo costurar, pintar, assistir série,
indústria através da própria indústria, cozinhar e fica de chameguinho com minhas
metalinguagem, né? Haha. gatas.
Juh - Onde costuma comprar roupa? Juh - Com que frequência costuma comprar
Priscila - compro on line, moro no interior e as roupas?:
lojas físicas não me contemplam. Mas não Taise - poucas vezes ao ano (também diminuiu
tenho marcas de preferência, não. bastante durante a pandemia)
Juh - Qual é a sua relação com o jeans? Usa Juh - Quanto costuma gastar em uma peça de
muito, não gosta? roupa?
Priscila - Minha relação com jeans, já usei Taise - entre 20 a 60 reais
muuuito, mas não uso tanto mais, tenho só Juh - Onde costuma comprar roupa?
duas calças jeans. Tinha muuuuitas quando era Taise - majoritariamente em brechós (físicos ou
mais nova, e fui vendo que nem me identificava de instagram) e coisas mais básicas eu compro
tanto assim, era uma busca por ter uma calça tecido para costurar.
que fosse legal e nunca achava, aí ia Juh - Você se importa com o processo
comprando sem parar. produtivo da roupa? Por que?
Juh - Qual a peça de jeans que você mais usa? Taise - Acredito que se vestir é um ato político.
Priscila - Meu jeans mais usado é um vintage E de expressão de mim mesma, então ao
da Levi’s que comprei num brechó a uns 7 utilizar as peças para mostrar quem eu sou e
anos, já me acompanhou em muitos quais são as minhas convicções, é importante
ciclos/estilos/histórias. pra mim saber de onde ela vem e o que ela
Juh - O que te faz comprar uma peça de jeans? representa inicialmente.
O caimento, ajuste, ser básica, ter detalhes Juh - O que a moda representa para você?
inovadores, ser sustentável? Taise - (não ei se entendi certo a pergunta) ao
Priscila - O que me faz comprar um jeans, meu ver a moda acaba tendo uma relação
conforto. Porque eu acho tudo jeans muito dialética com a sociedade, em que é definida
desconfortável. E caimento também porque pelo pensamento/comportamento da
sempre acho que fico feia de jeans, mas pra sociedade, mas ao mesmo tempo, define a
mim entra muito na questão do conforto. mesma, como se ela fosse formada pelas
Juh - Você já ouviu falar de upcycling? Já vontades/cultura da sociedade, mas ao mesmo
consumiu ou produziu peças com essa tempo fosse formadora dessas mesmas coisas.
característica? Juh - Você acredita que uma coleção de moda
Priscila - Já ouvi falar em upcycling sim. Não pode questionar a própria indústria? Taise -
tenho nenhuma peça de upcycling. Acredito que sim, como todo movimento
artístico pode questionar a própria arte.
ENTREVISTA 3 - TAISE Juh - Qual é a sua relação com o jeans? Usa
Juh - Oi, Taise, tudo bem? Amei seu feed. Aqui muito, não gosta?
é Julia e eu sou estudante de moda da UVA. No Taise - Uso razoável, acho que são peças que
Rio de Janeiro. Estou fazendo meu TCC sobre combinam com grande parte do guarda-roupa,
upcycle de jeans e estou na fase de pesquisa mas não acho muito confortável de usar no dia
de consumidor. Vi que você se interessa por a dia, então tenho preferência por outros
marcas incríveis como a Ventana. Voce poderia tecidos.
me ajudar respondendo algumas perguntas? Juh - Qual a peça de jeans que mais usa? Taise
Taise - Oi, Julia tudo bem sim, e contigo? Claro, - Jaqueta
sem problemas. Juh - O que te faz comprar uma peça de jeans?
Juh - Gênero: Taise - Uma peça que combine com a maior
Taise - feminino parte do meu guarda-roupa e que seja o mais
Juh - Faixa etária: confortável possível.
Taise - 22 Juh - Você já ouviu falar de upcycling? Já
Juh - Região que reside: consumiu ou produziu peças com essa
Taise - Curitiba/PR característica?
Juh – faixa de Renda: Taise - Já ouvi falar, mas para falar a verdade
Taise - 1100,00 só sei vagamente sobre o que é (nunca cheguei
Juh - Com o que costuma trabalhar? a pesquisar sobre). Já costurei algumas roupas
com sobras de tecidos doados (não sei se
106

encaixa no termo), mas também nunca comprei ou seja, nós transformamos a sociedade ao
peças assim. Espero ter ajudado mesmo tempo que a sociedade nos
Juh - Oi! Ajudou muito!!! Muito obrigada transforma/molda. Acredito que a minha forma
Juh - Oiii. Suas respostas ajudaram muito. de me vestir é um movimento de expressão e
Posso fazer mais algumas perguntas? de criação da percepção do outro para comigo,
Taise - Claro. Pode fazer sim. Quando eu tiver mas também tem o movimento contrário, em
um tempinho eu respondo. que eu sofro fortemente as influências da
Juh - Legal! Obrigada!! Fica a vontade para sociedade (e da indústria da moda que também
responder quando der mesmo. Hoje em dia nos influencia a sociedade – e é influenciada por
falta tempo para dar conta de tudo, né? Eu ela. Não acredito que nossa formação possa se
agradeço muito pelo apoio. desvencilhar desse movimento básico da
Taise - Oi, desculpa a demora. Estou fazendo o construção da nossa
meu TCC também então está bem corrido. personalidade/vontade/gostos. Da forma geral,
Kkkk acho que a minha expressão enquanto sujeito
Juh - Você acha que comprar em brechó e fazer se dá dentro desse movimento sociedade-
algumas peças te dá mais poder de se moda
expressar através da moda? Juh - Você acha que o desconforto do jeans
Taise - Acredito que consumir de forma está ligado ao material, a modelagens
consciente (reaproveitando roupas já ajustadas, a dificuldade de encontrar uma peça
existentes) eu consigo viver em consonância que tenha caimento perfeito? O que torna o
com minhas convicções, pensar de onde a jeans desconfortável?
roupa vem e qual o processo de produção é Taise - Acho que o principal fator é o modelo
importante para mim pelo fato de tentar sair de das roupas, que eu geralmente encontro
um comportamento consumista (e entrar em roupas “””“femininas”””” com cortes muito
um comportamento mais ambientalista) justos. Também pelo fato do tecido ser mais
Acredito que esse movimento já é por si só uma duro
expressão de quem eu sou. É mais uma Juh - Você estaria disposta a pagar por um
questão subjetiva que de estética. serviço de customização de alguma peça de
Juh - Estaria disposta a pagar um pouco mais roupa sua? E se esse serviço fosse oferecido
por uma peça que vem com a proposta de pelos brechós na hora da compra? Você
retornar roupas descartadas pra o mercado? gostaria de fazer parte desse processo criativo?
Taise - Estaria disposta, mas nesse momento Taise - Eu gosto da ideia do serviço de
não teria condições financeiras de fazer esse customização. Aliás já encontrei alguns
movimento. Também acredito que priorizaria brechós aqui no Instagram que vendem roupas
lojas que teriam proposito social com essas garimpadas e customizadas pelas próprias
roupas (por exemplo não cobrar extremamente curadoras. É como vestir a obra de arte de
caro numa peça de roupa em que as classes alguém ao invés de colocar na parede. Kkkk e
sociais mais baixas não teriam acesso). Se o também gosto da ideia de fazer parte do
ato de retornar roupa é uma atitude ecológica, processo criativo sim.
acredito que não deveria ser deixado a questão Taise - Acho que é isso. Se precisar de algo
social. pode me chamar, apesar de ter demorado um
Juh - Você gosta da estética patchwork, aquele pouquinho da última vez (rsrs)
jeito colagem na roupa, ou prefere uma estética
mais clean? ENTREVISTA 4 - ROSECLAIR
Taise - Eu gosto bastante do patchwork, mas Juh - Gênero:
nunca usei, então não sei se combina muito Roseclair - Feminino
com o meu estilo. Juh – Qual a sua faixa etária:
Juh - A moda realmente vive desta incoerência Roseclair - 51 anos
entre refletir o espírito do tempo e ao mesmo Juh - Região que reside:
tempo ditar o que se consome nesse tempo. Roseclair - Sudeste
Acha que a sua forma de consumir vai contra Juh - Faixa de Renda (Apenas se sentir
esse sistema? confortável):
Taise - Não. Na psicologia a gente ouve muito Roseclair - de 5 a 8 salários-mínimos
que a escolha da nossa abordagem se dá a Juh - Com o que costuma trabalhar?
partir da nossa visão de mundo. Nesses últimos Roseclair - Professora da rede pública
tempos eu to me aprofundando em um autor Juh - O que você costuma fazer nas horas
que se chama Vygotsky (a minha escolha de livres?
abordagem). A premissa dele é que a Roseclair - Caminhar/Correr/Praiana/Teatro/
subjetividade humana é formada a partir do Shows/Encontrar amigues (rotina totalmente
nosso contexto social, numa relação dialética, adaptada ao caos pandêmico)
107

Juh - Com que frequência costuma comprar consequentemente polui o ambiente além de
roupas? muitas vezes explorar as trabalhadoras e
Roseclair - De 1 a 2x por ano no máximo. trabalhadores!
Juh - Quanto costuma gastar em uma peça de Juh - Qual é sua relação com jeans? (Usa
roupa? muito, não gosta...)
Roseclair - De 120 a 480 reais, procuro focar Roseclair - Uso bastante, amo a versatilidade
minha compra em upcycle e hand made. do jeans e todas as suas possibilidades.
Juh - Onde costuma comprar suas roupas? Juh - Qual é a peça de jeans que você mais
Roseclair - Desde que conheci a Think Blue, em usa?
2017, concentro minhas compras com ela. Roseclair - Calça/short/saia
Juh - Você se importa com o processo Juh - O que te faz comprar uma peça de jeans?
produtivo da roupa? Por quê? (caimento, ajuste, ser básica, ter detalhes
Roseclair - Sim. Precisamos cuidar do inovadores, ser sustentável etc.)
ambiente a partir do controle de gasto de água Roseclair - Inovação, exclusividade,
e uso de substâncias químicas, do consumo sustentabilidade
desenfreado que aumenta a quantidade de lixo Juh - Você já ouviu falar de upcycling? Já
com o descarte de roupas, incentivar a compra consumiu ou produziu peças com esta
de roupas de upcycle em específico de característica?
mulheres... Roseclair - Sim, consumo upcycle desde 2017.
Juh - O que a moda representa para você? Conheci o upcycle em uma feira sustentável na
Roseclair - Ato político, educativo, informativo, zona portuária do RJ em 2016 da qual a Think
conscientização e valorização de todas as Blue participava e me interessei pela proposta
pessoas na rede produtiva do upcycle. Upcycle da marca. A partir de 2017 virei consumidora
é muito mais que moda, é um estilo de vida! fiel. Nunca produzi peças upcycle apenas
Juh - Você acredita que uma coleção de moda consumo.
pode questionar a própria indústria?
Roseclair - Acredito demais, pois a grande
indústria têxtil foca na produção em larga
escala para sustentar o mercado e,
108

ANEXO C – RESPOSTAS ABERTAS DO QUESTIONÁRIO


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