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DESIGN DE MODA
______________________________________________________
Rio de Janeiro
2021
Julia Henriques de Mattos
Rio de Janeiro
2021
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai (in memoriam) que tanto me apoiou e esteve ao meu
lado, dos momentos mais difíceis aos mais felizes. Ele me ensinou a sempre
questionar e lutar por um mundo melhor. Guardo seu riso como meu carnaval.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho pretende analisar a linguagem visual do filme “Estou me guardando para
quando o Carnaval chegar”, levantando os principais aspectos da indústria do jeans.
Tem como objetivo a construção de uma coleção de moda sustentável baseada nos
elementos visuais do filme utilizando o upcycling como ferramenta de metalinguagem.
Assim como identificar o público consumidor de moda sustentável que considera
relevante conhecer o processo de produção do que consome. Para a construção do
trabalho foram feitas revisões bibliográficas acerca do tema, do mercado sustentável
e do upcycling, pesquisa quantitativa e qualitativa com o público, planejamento de
marketing da marca Amu e análise de similares. Como resultado, a proposta de
coleção define como a linguagem do filme pode ser transformada em elementos de
design a fim de caracterizar a metalinguagem. Foram cruciais para esta proposta a
característica rural e industrial de Toritama, a relação do homem com a máquina, as
particularidades do jeans e da produção da cidade. A solução encontrada para atender
o público e se diferenciar dos concorrentes foi o aproveitamento de resíduos para
criação de texturas inovadoras.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – A METALINGUAGEM DO JEANS EM ESTOU ME GUARDANDO
PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR .............................................................. 14
1.1 – Do rural à capital do jeans ................................................................................ 14
1.1.1 – A Toritama de Marcelo Gomes ...................................................................... 15
1.1.2 – Ritmo industrial no cenário rural .................................................................... 18
1.2 – Cidade e tempo ocupados pelo jeans ............................................................... 21
1.2.1 – Paisagem de jeans ........................................................................................ 22
1.2.2 – Facção de máquinas humanas ..................................................................... 25
1.3 – Produção coletiva ............................................................................................. 30
1.3.1 – Intervenções no jeans ................................................................................... 30
1.3.2 – A estética de Toritama................................................................................... 33
1.4 – O Carnaval ........................................................................................................ 36
1.5 – Coleção metalinguística .................................................................................... 38
1.5.1 – Upcycling como metalinguagem .................................................................... 40
CAPÍTULO 2 – PESQUISA DE PÚBLICO E MARCA .............................................. 42
2.1 – Pesquisa de público .......................................................................................... 43
2.1.1 – Análise do público consumidor: questionário e entrevistas ........................... 44
2.2 – Análise de mercado: Moda sustentável ............................................................ 52
2.3 – Projeto de marca: Amu ..................................................................................... 54
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE SIMILARES ............................................................... 72
3.1 – Coleção Primavera Verão 22 da Diesel ........................................................... 72
3.2 – Coleção SPFW Nº 51 da Amapô ..................................................................... 74
3.3 – Fotografias de Peter Mitchell ........................................................................... 76
3.4 – Colagem de papel da artista Jennifer Davies ................................................... 78
3.5 – Esculturas em jeans da artista Hanne Friis ...................................................... 80
CONCLUSÃO – PROPOSTA DE COLEÇÃO .......................................................... 82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 85
ANEXOS ................................................................................................................... 88
Anexo A - Fichamentos ............................................................................................ 88
Anexo B - Entrevistas ............................................................................................. 104
Anexo C – Respostas abertas do questionário ...................................................... 108
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INTRODUÇÃO
Este projeto tem como tema o documentário “Estou me guardando para quando
o carnaval chegar” (2019), direção de Marcelo Gomes, cuja estética servirá como base
do projeto de coleção metalinguística a ser desenvolvida no TCC2. Ela será idealizada
para a marca Amu, que se insere no segmento de jeans, voltado para o público
feminino consumidor de moda sustentável.
O filme utiliza a imagem para transmitir processos de produção do jeans em
Toritama e as mudanças que ela causou na cidade. A ocupação da indústria no meio
rural, assim como a construção de facções nas casas são exemplos desta
modificação. Outro aspecto abordado pelo filme é a anulação do trabalhador no
processo de informalidade da moda. O filme trata das dificuldades reais da indústria
da moda no âmbito social e ambiental.
Neste cenário, é possível construir um processo consciente de produção de
jeans que diminua resíduos, valorizando o tempo da mão-de-obra? O tema envolve a
própria produção de moda, o que caracteriza a metalinguagem. Em relação ao design,
é possível adicionar o aspecto da metalinguagem em uma coleção de moda?
O aumento do trabalho informal no Brasil e a abertura das leis trabalhistas, dá
aos grandes empresários um poder quase invisível sobre o trabalhador informal.
Toritama possuí um dos maiores parques industriais do jeans da América Latina. Este
jeans sofre constantes renovações do mercado, gerando desperdício e obsolescência.
Portanto, uma coleção metalinguística tem grande importância para revisão da
sustentabilidade e da responsabilidade social na produção de moda, tanto no setor,
quanto na Universidade.
O trabalho tem como objetivo se aprofundar nos aspectos estéticos do filme
para extrair elementos que sirvam como base da coleção a ser realizada no TCC2.
Traduzir a metalinguagem em elementos materiais. Identificar a relação do
trabalhador e máquina presente no filme e como ela se encaixa no macrotema. Utilizar
o upcycling como técnica sustentável que reflete a estética do filme. Compreender os
hábitos de consumo e preferências do público consumidor de moda sustentável.
Para a realização do trabalho será feita análise dos elementos de design
presentes na obra, assim como embasamento teórico sobre o filme e a produção de
jeans em Toritama. Marcio Serelle foi essencial para associar a narrativa de Marcelo
Gomes ao trabalho informal e observá-lo como resultado do neoliberalismo. Já
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Alves (2009, p. 27) ainda pontua que a cidade se tornou “atrativo para a
população desempregada que, em meio à reestruturação produtiva e ao ajuste
neoliberal, encontra no emprego informal desta localidade uma estratégia de
sobrevivência.”
A população estimada em 2021 pelo IBGE é de 47.088 habitantes (IBGE). A
produção autônoma de jeans toma conta de Toritama e de outras cidades do Agreste,
transformando-o em um dos maiores produtores de jeans do Brasil. A Associação
Brasileira de Vestuário apresentou o balanço do setor no ano de 2019 e a relevância
de Pernambuco na indústria do jeans:
O Brasil produziu 341 milhões de peças jeans em 2019. Desse total, o
polo produtivo de Pernambuco sustentou17% do volume. Com algo
em torno a 60 milhões de peças por ano, o estado é o maior polo de
jeans do país, segundo o Iemi – Inteligência de Mercado. Ultrapassou,
assim, regiões como norte do Paraná e Santa Catarina. São Paulo é o
maior centro comercial, mas, não de produção. Em Pernambuco, a
produção está concentrada sobretudo entre Toritama e Caruaru.
(ABRAVEST, 2020)
É essa Toritama tomada pela indústria que vemos no filme e que, para Marcelo
Gomes, está totalmente distante da cidade que conheceu na infância. Através da
contraposição entre o espaço rural e o industrial, o diretor apresenta a capital do jeans.
1-O Neoliberalismo é uma corrente filosófica que ganhou força na década de 1970. Cerqueira (2008,
p. 172) cita que sua implementação se baseou na estratégia de enfraquecer os sindicatos e, portanto,
diminuir a possibilidade de defesa de direitos e benefícios trabalhistas com o objetivo de poupar
grandes empresas desses gastos. Outro ponto importante colocado pelo autor é diminuir o poder do
Estado na economia, centralizando-o na mão das empresas. É justamente esta lógica que Serelle
aponta estar presente no filme. O desemprego gerou a necessidade da flexibilização, porém o indivíduo
abre mão do bem-estar e dos seus direitos para conquistar o sonho de ficar rico. Quem mais se
beneficia com este novo sistema de produção são grandes empresas que compram o jeans com preço
muito abaixo do mercado e que tem produção em massa pagando muito pouco.
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Imagem 1 – Cartaz de divulgação do filme “Estou me guardando par aquando o carnaval chegar”
No final do filme, Marcelo Gomes nos relata que seu pai falava que Toritama
significa Terra da Felicidade. Realmente encontramos a relação da promessa de
felicidade relacionada ao ganho de dinheiro através do jeans. Sonhos como se tornar
rico estão no imaginário dos entrevistados do filme.
Porém as sequências construídas por Marcelo Gomes não nos apresentam
essa felicidade na cidade. Pelo contrário, existe o distanciamento da humanidade dos
personagens. Apesar de mostrar casas, ruas e cotidiano, o que realmente vemos é a
estrutura organizacional de uma cidade que funciona como parque industrial.
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A estrutura precária da cidade, o dia a dia das fábricas, assim como a relação dos
trabalhadores com as máquinas são retratados no filme como é possível ver a seguir.
Novamente a paleta de cores das cenas traz o tom terroso, dessa vez nos
tijolos e fachadas das casas, variando entre o tom acinzentado, o laranja desbotado e
o vermelho ocre. Entre elas, grades cinzas trazem o aspecto industrial. Enquanto isso,
o jeans continua com diferentes tons de azul, agora torcido, esticado no varal ou em
unidade no colo dos trabalhadores (imagem 12). As paisagens da cidade são
ocupadas pelo jeans nas diferentes fases do processo.
3- Formada em Filosofia pela Universidade do Estado da Bahia e idealizadora do projeto Zuruba que pesquisa a
relação social de imagens.
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Para Serelle as cores presentes nas cenas que retratam a relação trabalhador
máquina “constitui uma paleta fílmica em certa medida homogeneizante de indivíduos
e coisas” (2020, p. 277). Como é possível observar nas cenas a seguir (Imagem 15),
o homem se une a parede, e à máquina pela paleta de cores. Na sequência, o
movimento repetitivo fica fixado na mente e se soma ao barulho da máquina.
Imagem 15 – Cenas que igualam o trabalhador a máquinas
contato com químicos utilizados nas lavagens. O filme retrata muito bem a
insalubridade tanto na presença precária dos equipamentos de segurança, quanto na
ocupação de espaços sem o mínimo de ergonomia. São nessas cenas que entramos
em contato com as consequências da fabricação do jeans para o meio ambiente.
Indiretamente o diretor demonstra a poluição causada pelos resíduos do jeans. Na
imagem 16 vemos a necessidade de equipamentos de segurança e o ambiente tóxico
da lavagem de jeans.
Imagem 16– Riscos e falta de segurança na lavagem do jeans
Mesmo assim, a cidade é vendida como um sonho. O lugar onde não existe
desemprego, onde você faz sua hora, você recebe de acordo com o seu trabalho.
Tudo isso ajuda a vender uma Toritama quase turística e idealizada. Tal discurso é
fomentado pelo governo e por empresas que lucram com a mão-de-obra local. Há a
falsa ideia de prosperidade. (MELLIANI, GOMES, 2007, p. 163)
A precarização é resultado da “pirâmide de classe social sendo utilizado como
instrumento de manipulação da grande massa e fortalecendo os detentores dos
grandes meios de produção.” (BISPO, 2020, p. 231). Portanto, a indústria formal da
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O processo de lavagem do jeans é uma das etapas que mais utiliza água e
deixa resíduos, causando grande impacto ambiental. Sanara Luiz (2019, p. 11),
graduada no Instituto Federal de santa Catarina, aponta as principais técnicas e
produtos químicos que poluem o ambiente. Em seu texto ela descreve a diferença
entre as lavagens físicas como a destroyed, que precisam causar atrito na superfície,
e as químicas que precisam de produtos que reajam sobre a superfície.
As peças vistas no filme possuem diferentes estilos de lavagem, mas a que
mais se destaca é a destroyed que rompe as fibras em determinado local da peça.
Algumas cenas mostram a utilização de equipamentos industriais para inflar a peça
ou causar o atrito, porém em outras é possível ver que a técnica é feita com estilete.
Já na cena da lavanderia, os trabalhadores pintam as calças com jatos de tinta,
intensificando o azul em algumas partes da peça. (imagem 19).
Imagem 19 – Etapas de diferentes lavagens do jeans
Carvalho e Pirauá (2010, p.328) também afirmam que o gosto estético dos
moradores de Toritama interfere na produção de jeans, inclusive na adaptação de
modelos vistos em pesquisas de tendências. Os autores afirmam existir relação entre
a sensualidade e as modelagens justas com lavagens e aviamentos que emanam a
vontade de viver.
Também consideram que “diferente da maioria dos lugares do mundo, onde a
moda trabalha com quatro coleções por ano, as empresas de Toritama produzem
doze, vinte e quatro ou até mais coleções por ano.” (CARVALHO, PIRAUÁ 2010, p.
328). A produção de jeans de Toritama se inspira nas tendências e cria alterações
vistas como imitação criativa (CARVALHO, PIRAUÁ, 2010, p.329).
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A criação das feiras fez com que diversos produtores locais tivessem a
oportunidade de crescer e incrementar as vendas. Hoje o alcance das feiras é em
nível nacional. Melliani e Gomes (2007, p.161) destacam que “Parte da produção
também é comercializada por meio de representação ou venda direta para lojistas de
outras partes do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.”
As imagens de Marcelo Gomes na feira retratam o caos e super ocupação com
diferentes marcas e produtos. As variações de azul das lavagens ocupam todo o
espaço vestindo manequins pendurados. É inevitável notar a semelhança de alguns
produtos. Sobre a imitação em Toritama Carvalho e Pirauá comentam que
“A imitação aparece em Toritama como em uma comunidade de artesãos, na
qual não há a preocupação excessiva em relação ao plágio, posto que os
desvios são constantes. A repetição de modelos nessa cidade, é, antes de
tudo, definidora de uma estética local, de uma tradição produtiva comungada,
visto que toda a cidade está inserida no contexto da produção de jeans.”
(CARVALHO, PIRAUÁ ,2010, p.329)
Imagem 22 – Exposição de jeans para venda na feira
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1.4 - O carnaval
Serelle (2020, p.281) reflete que a liberdade é um “entreato entre coerções nas
cenas do carnaval de Leo”, ou seja, ela é momentânea e está fadada a acabar, como
de fato acontece. O corte de Marcelo nos leva de volta para Toritama e para “a
condição submissa.” na qual faltam 365 dias para o próximo Carnaval.
O upcycling traz peças descartadas de volta para o ciclo. A prática faz com que
os produtos de moda ganhem recortes que podem ser de patchwork ou rework. Tais
recortes fazem com que o produto ganhe diferentes texturas, lavagens e
características.
Por ser uma peça que utiliza outras peças para sua construção, é possível
considerar que a técnica também tem um caráter metalinguístico e pode ser utilizado
como ferramenta para construção da estética do filme. Como foi visto, o filme ressalta
visualmente diferentes contrastes dentro da produção de jeans. A soma de diferentes
texturas e lavagens provenientes da técnica de upcycling traz para uma nova peça de
roupa referências de outras produções.
Por este motivo, pretende-se utilizar a técnica como ferramenta de releitura da
indústria da moda, construindo, assim, a metalinguagem na coleção. A técnica tem
aparecido em diferentes coleções há algumas estações. Nas semanas de moda
Primavera Verão 22, algumas marcas optaram por ressignificar o upcycling, colocando
a composição de recortes novamente em evidência.
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antiga de jeans é uma calça Levi’s que a acompanhou em diferentes ciclos. Este fator
demonstra a importância da durabilidade do material que deve ser aproveitada. Além
disso, aponta a ligação emocional com o produto. Isto pode ser útil para a criação de
serviço de customização. Taise indicou que tem muito interesse nesse serviço e que
já consumiu de brechós que o realizam.
As peças mais usadas são a calça e a jaqueta, portanto, devem aparecer em
maior porcentagem no mix de produto (imagem 39). Em seguida, bermuda/short e
saias. Apesar de acessórios e tops ter baixa incidência, eles são necessários para
equilibrar o mix de produto e o preço médio. Uma solução possível é distanciar o
material das características tradicionais do jeans através de texturas para estas peças.
Imagem 38 – Gráfico referente a frequência de utilização de peças de jeans
Cinco optaram por novas texturas e padrão destroyed (imagem 41). Assim, a
texturização do material será crucial para transmitir o tema, gerar inovação, aproveitar
ao máximo a matéria-prima e deixar o jeans mais confortável.
Imagem 41 – Gráfico referente a preferência de detalhes e acabamentos
Como nenhuma delas respondeu que não conhece ou que não tem interesse,
todas puderam responder sobre os estilos de upcycling de sua preferência. Os
padrões de upcycling com maiores votos foram:
Imagem 44 – Montagem das preferências de estilo de upcycling
A) A marca
Nome: O nome veio da palavra amuleto e traz simbologias de cuidado, proteção e
afeto. A ideia é que o aconchego seja transmitido através da simplicidade, do
essencial. Para melhor absorção do nome, foi feita a redução para Amu.
B) Público
O público é composto por mulheres de 18 a 30 anos, maioria residente da
Região Sudeste. Elas trabalham como autônomas nas áreas de design, arte e
comunicação. Sua renda é de até 3 salários mínimos. Investem tempo e dinheiro em
atividades de lazer e cultura tanto quanto gostam de passar tempo com a família e
amigos. Acompanham as novidades de filmes, séries, músicas e artes, indo em feiras
e cinemas sempre que podem. A preocupação com a moda é uma constante e
questionam o consumo. Defendem o consumo consciente e se preocupam com os
impactos ambientais e sociais do que consomem.
Ainda assim, o preço acessível é decisivo e faz com que não consumam produtos de
moda com valor elevado. Gostam de peças com bom caimento e durabilidade, que
sejam básicas, mas que venham com algum diferencial. Afinal, a moda para elas é
expressão da personalidade. São comunicativas e gostam de se expressar através do
fazer manual.
O Moodboard traz a simplicidade vista no estilo de vida, nas escolhas de
consumo e no próprio design das roupas. Momentos de lazer como cinema, música e
café determinam a vontade de aproveitar o tempo, que se relaciona com a própria
durabilidade das roupas. Além disso, compartilhar o propósito sustentável aparece na
conexão com a natureza e na união. Por fim, a criatividade através de expressões
manuais aparece na arte texturizada.
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C) Estratégias de Marketing
Estilo: O contraste entre o básico e novas texturas de jeans é o que determina o estilo
da marca. Tanto o patchwork, quanto o rework possuem a característica de
reconstrução e colagem que define os contrastes entre o jeans básico e as novas
texturas do material, entre o novo e o antigo. Assim como a identidade visual da
marca, a dinâmica entre formas orgânicas e formas geométricas traz movimento e
alegria. Apesar de fornecer peças simples de calças jeans e jaquetas, o estilo traz
elementos diferenciados nos detalhes de cós, punhos, barras e mangas.
Mix de produtos: O principal produto é a calça jeans feita com upcycling por ser um
dos itens mais usados pelo público. Porém jaquetas, shorts e bermudas também
entram na lista de peças-chave. Acessórios e top jeans vão entrar na coleção em
menor quantidade. Também serão feitas peças inteiras e tops com outros materiais
ecológicos, selecionados em bancos de tecidos.
Materiais: A forma do produto seguirá o gosto do público por básicos, no entanto com
intervenções que incluem novas texturas de jeans e inovações nos detalhes da
modelagem. Todo jeans será coletado no mercado de revenda e através de parceria
com fábricas que revendem sobras de tecido de coleções anteriores. As cores serão
diferentes tons de azul de acordo com as lavagens do jeans. Quanto às estampas e
aos bordados, eles estarão em apenas alguns produtos e serão discretos, porém,
acrescentando as cores e texturas que vem do tema da coleção. Os aviamentos serão
reaproveitados das peças garimpadas, assim como o material para seu retrabalho.
Comunicação: A forma de comunicação será leve, porém com muito conteúdo sobre
sustentabilidade e informação sobre a produção de jeans no país. A principal forma
de comunicação da marca será o Instagram, em seguida o Facebook, com intuito de
atingir o público mais velho com maior renda que não utiliza tanto as outras redes. A
linha editorial contará com fotos do editorial em modelos e still, além de fashion film
divulgando o conceito da coleção. Os passos e bastidores da produção serão
apresentados nos stories e através de reels e fotos no Facebook. Este item é essencial
porque explica para o público o porquê do valor das peças. Outra categoria abordada
são posts carrossel informativos e legendas explicando notícias sobre os principais
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Concorrentes:
-Florent: A marca foi idealizada pela designer Sarah Almeida e se baseia na economia
circular, utilizando o upcycling para retornar matéria-prima para cadeia. Ela se
identifica como uma marca “atemporal, sustentável e feita no Brasil” (FLORENT). A
maior parte dos produtos disponibilizados no site é em jeans, sendo alguns em
material classificado como orgânico. O mix de produto é muito restrito, sendo a maioria
calças e acessórios. Possui também jaqueta, short, vestido e t-shirt. A grade vai do 34
ao 44 e do P ao GG.
Imagem 49 – Jaqueta jeans upcycling da Florent
A Florent não possui loja física, sendo o e-commerce seu principal ponto de
venda. Dentro do site, a visualização dos produtos é organizada, mas é difícil notar os
detalhes e circular por eles. Na primeira página existe a informação de quantos litros
de água foram economizados e quantos metros de tecido foram reciclados na
produção. As informações dos produtos são vagas, sem especificar de onde veio o
material (imagem 54).
Imagem 54 – Site da Florent
Instagram são os posts com conteúdo informativo. Para eles, a marca utiliza ou uma
imagem com frase de impacto e texto na legenda ou carrossel com tópicos
informativos.
Imagem 55 – Instagram da Florent
Possui fashion film feito para a coleção Chuva, coleção contra os incêndios
que desmatam a Amazônia. Nele, as modelos são gravadas contra o céu se
movimentando devagar, também andam pela cidade descontraídas. A forma de
comunicação é convidativa, fazendo perguntas e propondo reflexões. Além disso,
informa o conceito por trás da coleção.
-Comas: A estilista uruguaia Agustina criou a marca em SP com o objetivo de dar
destino aos resíduos têxteis das fábricas locais através do upcycling (COMAS). A
marca possui colaboração com plataformas cooperativas para venda no EUA, Uruguai
e Brasil. A técnica utilizada pela estilista permite a produção para venda em atacado.
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Ela ainda oferece curso para disseminar seu método e ideologias. A marca já
participou do Brasil Eco Fashion Week (imagem 56), evento que coloca a moda
sustentável em evidência.
(imagem 58). Outro recurso utilizado tanto no site, quanto no Instagram são fotos das
peças dobradas ou esticadas. O processo criativo e de produção também é
apresentado para o público.
Imagem 58 – Campanhas Comas
aproveitament
o.
Conclusões Tornar o Levantar o Para pequenos Disseminar É possível Disseminar o
upcycling debate da empreendedore a proposta construir upcycling
possível e valorizaçã s recursos de da marca relação como hábito
acessível para o do pagamentos com a transparente de consumo
mais pessoas, trabalho como o Pix possibilidad e fidelizar dando a
tanto justo, mas auxiliam na e de através do ferramenta
esteticamente, sem praticidade e entrega no marketing para o
quanto em deixar de segurança. país todo. digital. consumidor.
valor final do pensar em
produto. formas de
baratear
custos,
resultando
em um
produto
mais
acessível.
Forças Fraquezas
Aproveitamento de resíduos para Custo alto de mão-de-obra;
texturizar as peças; design básico instabilidade de fornecedores de
com detalhes diferenciados; matéria-prima.
acolhimento como comunicação;
grade mais ampla.
Oportunidades Ameaças
Crescimento do consumo consciente Aumento no mercado de revenda
durante a pandemia, tendo maior pode significar aumento do preço da
aceitação do público; aumento no matéria-prima do upcycling;
mercado de revenda simboliza o prospecção de aumento do consumo
crescimento de interesse por peças na pós-pandemia pode levar pessoas
usadas; aumento do interesse em a consumirem mais peças por menor
fazer upcycling em casa, preço.
possibilitando a criação posterior de
cursos para contribuir com o fluxo de
caixa.
para atender ao gosto do público. A opção pela aplicação de ajustes na cintura permite
que a peça se adapte mais facilmente a diferentes corpos. Assim como a Amapô, os
detalhes de modelagens serão focados no cós, punhos e barras das peças.
Serviços de customização serão oferecidos para peças que carreguem
memória afetiva para a consumidora. Além disso, há a possibilidade de realizar
cursos, disseminando a técnica e aproveitando o aumento do mercado de revenda. O
preço é outro diferencial, visando atingir um público que tem interesse pelo produto
de upcycling, mas que prioriza o preço acessível como foi visto na pesquisa de público.
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Detalhes técnicos: A Diesel é uma marca focada em jeans que começou em 1978
em Milão. O seu criador Renzo Rosso construiu para a marca a filosofia de “paixão,
individualidade e auto-expressão” que continuam como base para todas as criações
(DIESEL, 2021). A grife tem a proposta de oferecer produtos alternativos para o
mercado de luxo, atingindo o nicho do casual premium (DIESEL, 2021).
Atualmente a marca vende em diferentes países e chega a criar mais de 3.000
peças para apenas uma coleção (DIESEL, 2021). A maioria dos produtos da Diesel
seguem a linha básica, contando com qualidade nos acabamentos, lavagens e
aviamentos. As modelagens são ajustadas e as lavagens são básicas.
A coleção Spring Summer 22 apresentada na MFW foi a primeira criada pelo
designer Glenn Martens, assim como a primeira apresentada na semana de moda. O
designer adicionou modelagens assimétricas, desconstrução e elementos do
streetwear que vieram da sua experiência em marcas como Y/Project.
A coleção apresenta diferentes lavagens, criando uma transição de tons de
azul, além de padrões diferenciados e destaques na gola e punho. Outra característica
são as diferentes texturas vistas nas imagens selecionadas.
Marca: Amapô
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Detalhes técnicos: A Amapô é uma marca brasileira que atende o segmento de moda
sustentável. Definem seu produto como jeans com caimento perfeito que veste
diferentes corpos e com material de qualidade (Amapô, 2021). A marca oferece
produtos com modelagens amplas, utiliza babados e pregas para dar volume. A
maioria dos detalhes são simples como cós com elástico ou cinto amarração.
A coleção Ritual apresentada na SPFW Nº 51 tinha como objetivo abraçar
diferentes corpos. Por ter sido feita no início da pandemia, as designers optaram por
modelagens amplas que trouxessem conforto para ficar em casa (NOSSA, 2020). O
jeans tem uma gramatura mais leve valorizando a fluidez das modelagens.
Distanciamento: A estrutura de caveira não tem relação com o tema, portanto não
será aproveitada na coleção. O aspecto áspero e duro dos entulhos e pedras não se
assemelha aos elementos presentes no filme, já que o jeans jogado, por mais que
seja um tecido mais rígido, é maleável e a rigidez do maquinário não aparece
amontoada.
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Detalhes técnicos: Jennifer Davies começou sua carreira como ilustradora, porém
em 1980 passou a se dedicar a criação de arte com papel. A partir das suas criações,
ela trabalha colagem, tintura e objetos tridimensionais (FLINN GALLERY, 2020).
A série Handmade Paper possui sobreposições de diferentes pedaços de papel
com diferentes acabamentos. Foram selecionadas 2 obras da série e um
detalhamento para análise.
Detalhes técnicos: A artista têxtil norueguesa Hanne Friis nasceu em 1972 e estudou
na Trondheim Academy of Art. Seu trabalho têxtil é reconhecido principalmente por
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causa de suas esculturas feitas com tecidos e por causa de seus experimentos com
tingimento deles. (ARTEMORBIDA,)
Em entrevista para a revista Artemorbida, a artista disse que o tema para suas
obras é sempre a relação do humano com a natureza e como ela é cíclica. A sua
principal técnica é a dobradura do tecido costurada com fio de náilon.
Por este motivo, serão utilizados materiais que transmitam o brilho fosco ou escovado
do maquinário que também está presente nas fotografias de Peter Mitchell. Em
algumas modelagens, o jeans virá mais estruturado, representando a forma rígida das
máquinas. Ainda servirão de base para aviamentos metalizados.
O tom terroso do maquinário industrial, que entra em contraste com o jeans de
Toritama, está presente em outro elemento: o aspecto rural do Agreste que coabita
com o industrial. O filme utiliza estas passagens para mostrar a diferença entre um
passado e um futuro, porém o marrom de casas e das estradas de terra se misturam
com o bege das máquinas, o vermelho de grades e pinturas, e são dominados pelo
azul escuro do jeans cru. Este contraste de cores será a base para a paleta da coleção
e também está presente nas fotografias de Peter Mitchell.
Tais cores aparecem também no Bazar de Carnaval, quando os moradores da
cidade se vêm obrigados a vender seus eletrodomésticos, que aparecem
amontoados. A sobreposição de objetos será representada pela sobreposição de
camadas e texturas, porém utilizando a monocromia. Este recurso será utilizado para
atenuar as informações visuais, se aproximando mais da simplicidade do público, mas
ainda transmitindo todo o conteúdo do documentário.
Uma última cor se une a paleta e vem com a significação do carnaval no litoral,
a fuga do trabalho constante de Toritama. O azul claro acinzentado presente no
carnaval do Leo. A cor do céu ocupa cenas inteiras, simples, sem jeans, sem trabalho,
porém o acinzentado anuncia a chuva pós-carnaval e a volta para imersão industrial.
Na coleção esta cor virá como liberdade em peças com modelagem um pouco mais
amplas, respeitando a preferência das consumidoras. Ainda se complementam pela
utilização de tecidos/jeans de menor gramatura e babados fluidos, como a coleção da
Amapô.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OUTRAS REFERENCIAS
CINEMA Novo. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo:
Itaú Cultural, 2021. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo14333/cinema-novo. Acesso em: 22 de
setembro de 2021
CODOGNO, Julia. Qual será o futuro do mercado de segunda mão. Carta Capital.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/fashion-revolution/. Acesso em:
20 out. 2021FLORENT. Site da Florent, 2021. Vitrine virtual. Disponível em
http://florent.com.br/loja/. Acesso em: 20 out. 2021
COMAS. Site da Comas. São Paulo, 2021. Compras on line, mentoria, cursos,
capacitação, blog. Disponível em: https://comas.com.br/. Acesso em: 20 out. 2021
MARCELO Gomes. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São
Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa13948/marcelo-gomes. Acesso em: 21
de setembro de 2021
SPFW 25 anos: Amapô ritualiza e transforma jeans em peça para ficar em casa.
Nossa UOL, 2021. Disponível em:
https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2020/11/07/spfw-25-anos-amapo-
ritualiza-e-transforma-jeans-em-peca-para-ficar-em-casa.htm. Acesso em 22,
outubro, 2021
88
moda, a acreditarem que são donos do seu a esse sistema (...) quando ocorre possibilidade
tempo, quando trabalham entre 12 e 14 horas de um afastamento físico daquele espaço. De
por dia, se dividindo entre atividades de corte, modo alegórico, temos essa representação em
costura, modelagem e acabamento das peças, cena quando são mostrados manequins cinzas
além de vendê-las na feira da cidade” (p. 230, na vitrine, iluminados por apenas um ponto de
2020) luz, enquanto vozes de diversas pessoas
“Léo é um homem que trabalha desde muito começam a falar sobre seus sonhos, e de forma
jovem, e conta que já desempenhou diversas quase unânime essas vozes dizem que o
funções para suprir suas necessidades tornar-se rico é o maior sonho.” (p. 231, 2020)
básicas. Em algum momento de sua fala, ele “Com um longo histórico no país, o trabalho
afirma que a partir de sua experiência em autônomo sempre se fez a partir do
diversas funções, sabe que o melhor do mundo fortalecimento da pirâmide de classe social,
é trabalhar sendo seu próprio patrão, já que sendo utilizado como instrumento de
isso lhe possibilita um maior controle sobre o manipulação da grande massa e fortalecendo
tempo em que conduz suas atividades, os detentores dos grandes meios de produção.
podendo, a sua escolha, dar uma “esticada” no Os modelos de trabalho se reinventam, mas a
serviço a fim de melhorar a renda.”(p. 230, relações de exploração permanecem. (p. 231,
2020) 2020)
“O filme realiza seu objetivo abordando o “Como sua conclusão, podemos pensar que o
fenômeno anual que acontece na cidade, a tempo que aqueles trabalhadores entregam a
fuga dos moradores para o litoral no período do um sistema que não identificam de forma
carnaval, no intuito de aproveitar os únicos dias límpida não pode ser tomado de volta, assim,
de descanso do ano. Este é o momento no qual entregam além de sua força de trabalho
as memórias desse narrador reencontram a também sua vida em busca de uma falsa
antiga Toritama calma, vazia e silenciosa.” (p. autonomia. O antigo vazio de Toritama que se
230, 2020) dava nas ruas agora ganha outro lugar, o da
“Sem alternativas de lazer, os retirantes do existência.” (p. 232, 2020)
carnaval provocam um movimento dialético que
contrapõe, curiosamente, o nome da cidade Fichamento 3
(Toritama em tupi-guarani quer dizer terra da Título/Subtítulo: Narrativa sobre um poder
felicidade), com o fenômeno anual, gerando a afável: trabalho e racionalidade neoliberal em
seguinte questão: se Toritama é a terra da Estou me guardando para quando o Carnaval
felicidade, por que todos fazem o possível para chegar
sair de lá no único momento de descanso?” (p. Autor(es): SERELLE, Marcio.
230, 2020) Ano: 2020
“Estes trabalhadores que dormem e acordam Páginas: pp.267-284
trabalhando, que tem em suas residências Fonte: Rumores: número 28 | volume 14 |
também os seus locais de trabalho, não julho - dezembro 2020
possuem durante boa parte do ano, a Cidade: São Paulo
possibilidade de ócio. Deste modo, somos Editora: Rumores
levados a refletir sobre o pacote de “vantagens”
oferecidas pelo neoliberalismo, que nos incita a Resumo:
viver em prol do consumo. Uma das maiores
finalidades com a renda gerada durante todo O texto ressalta os recursos audiovisuais do
ano, comum aos entrevistados, é festejar o documentário Estou me guardando para
carnaval distante de Toritama e consumir quando o carnaval chegar e como eles são
cultura e produção de outros espaços, que eficazes para construir a imagem do poder
oferecem vivências distintas às que possuem invisível neoliberal sobre o indivíduo, que rege
na cidade onde moram.” (p. 231, 2020) as facções de jeans de Toritama.
“Se você não consome toda a diversidade de O autor explica como o diretor da luz ao
produtos que o mercado lhe oferece, por desapossamento do tempo dos trabalhadores
consequência não está vivendo de maneira da cidade que compram o discurso neoliberal e
correta, tornando-se infeliz. Agora, os sonhos e se sentem mais prósperos doando seu tempo
a felicidade dependem do quanto você pode para o trabalho.
consumir.” (p. 231, 2020) Ainda vemos a igualação do homem e da
“Toritama vive a presentificação constante do máquina através da análise das montagens,
trabalho, e esse modo de vivência não deixa enquadramentos e paleta fílmica. Para o autor,
brechas para que esses trabalhadores possam o recurso de traços autobiográficos não é a
sair do loop infinito de exploração, e só apenas retrato da memória individual do diretor,
vislumbram alguma alternativa de transgressão mas também ferramenta para contrastar o
91
passado e o presente. Assim como sobrepor a negadoras ou proibitivas. Essa é uma gestão
imagem de uma cidade rural tranquila às sedutora das almas.”(p. 274, 2020)
imagens repetitivas e mecânicas da fabricação “A hipótese já anunciada é a de que Estou me
de jeans. guardando... não apenas registra, em sua face
Citações: observacional e por meio das entrevistas, a
condição neoliberal e suas formas de
“Logo, ainda que as entrevistas sejam parte exploração. Para além, torna visível as técnicas
importante do documentário, busco examinar desse poder inteligente. Como na conhecida
também outras estratégias audiovisuais que frase de Paul Klee sobre a função da arte, trata-
atuam na evidenciação desse poder que se não exatamente de reproduzir o visível, mas
autores como Byung-Chul Han (2018) e Dardot de tornar visível o invisível. Nisso ele se difere
e Laval (2017) consideram afável ou mesmo de outros documentários como Gig, a
invisível.” (p. 269, 2020) uberização do trabalho (Brasil, 2018), que é
“A sutileza do neoliberalismo reside na sua tipicamente filme de entrevistas, com
lógica motivacional. Seu poder se manifesta depoimentos de trabalhadores explorados e de
não de forma opressora, mas silenciosamente, especialistas. Em Estou me guardando..., esse
ao gerir por meio do agrado e ter como alvo o desnudamento se dá pela voz do
desejo dos indivíduos. “O sujeito submisso não documentário, compreendida, a partir de Bill
é nunca consciente de sua submissão” (HAN, Nichols (2005, p. 50), como “aquilo que, no
2018, p. 26). Como Dardot e Laval (2017) texto, nos transmite o ponto de vista social, a
apontam, o neoliberalismo é uma forma de maneira como ele nos fala ou como organiza o
governo das mentes que naturaliza o modelo material que nos apresenta”. (p. 274, 2020)
concorrencial e a noção da empresa de si. O “Para Nichols (2005, p. 50), “voz talvez seja
sujeito deve administrar as fases da vida como algo semelhante àquele padrão intangível,
se estivesse gerenciando uma empresa. Na formado pela interação de todos os códigos de
flexibilidade que propõe, a racionalidade um filme, e se aplica a todos os tipos de
neoliberal enfraquece os vínculos solidários e documentário”. Aproxima-se do que a teoria
elimina formas de seguridade social.” (p. 269, literária denomina enunciação, refere-se ao
2020) modo como um texto constrói, pela linguagem,
“Assim, o neoliberalismo faz a apologia do risco seus significados para além daquela voz que
e afirma que a precariedade é uma forma de narra ou do discurso direto das personagens.”
oportunidade, pois cabe aos indivíduos de (p. 275, 2020)
espírito comercial – o empreendedor – “A poesia parnasiana possui um mote que
aproveitar as chances de lucro. Logo, qualquer talvez nos ajude a compreender por que
fracasso é também de responsabilidade do narrativas sobre a indústria da moda são
indivíduo, o que tem resultado em várias formas eficazes para expor a miséria do trabalho.
de sofrimento psicossocial.” (p. 269, 2020) Trata-se da ideia de que a beleza é ainda mais
“Estou me guardando... integra um conjunto ressaltada quando se apaga o suplício do labor.
amplo de filmes que busca interpretar e A forma deve disfarçar o emprego do esforço,
denunciar a racionalidade neoliberal e a atual como nos versos de Olavo Bilac. A narrativa
crise do trabalho flexível, de baixa sobre a indústria da moda é, ao contrário, a
remuneração, que expropria o tempo livre e exposição das costuras e do avesso daquilo
resulta na autoexploração do sujeito.” (p. 270, que serve a nossa otimização estética” (p. 276,
2020) 2020)
“As longas jornadas, os ambientes simplórios, “As belas imagens iniciais de Estou me
os corpos suados nas tarefas difíceis e guardando... remetem a essa otimização
repetitivas, as crianças que, soltas nas facções, estética. Os travellings da abertura exibem
adotam o maquinário como brinquedo e a totens gigantes de modelos à frente do agreste
ausência de dinheiro para aproveitar o ao som do Largo do Concerto, de Bach. Há algo
Carnaval na praia – evento que titula o filme a de defasado nessa publicidade cuja
partir de canção de Chico Buarque – indicam o artificialidade é denunciada de imediato. Ela
aspecto ilusivo da racionalidade neoliberal.” (p. nos evoca, por exemplo, as colagens de
272, 2020) Richard Hamilton no início da arte pop. Os
“Estudos críticos sobre o regime neoliberal totens são filmados depois por detrás, em sua
(HAN, 2018; DARDOT; LAVAL, 2017) afirmam armação e estruturação. Tem-se, assim, a
que essa racionalidade se utiliza de técnicas publicidade e as costas dela, aquilo que, como
suaves de poder que não afrontam ou estrutura, sustenta a beleza. No fim da
reprimem o indivíduo, mas gerem as vontades sequência, o espectador é conduzido a
dele. As técnicas são motivadoras e afirmativas Toritama por um motoqueiro que equilibra entre
(prometem o desenvolvimento pessoal); não ele e o guidão grande quantidade de jeans –
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primeira imagem da precariedade. Essa “vez que o trabalho se estende sobre os outros
abertura sintetiza e antecipa o dito e o âmbitos da vida, no caráter global da
contradito que perpassará a forma fílmica.” (p. racionalidade neoliberal (DARDOT; LAVAL,
277, 2020) 2017). O documentário narra essa
“A exposição do maquinário nas facções nos expropriação do tempo por meio do espaço
fornece o quadro do fenômeno social. A cor quando, por exemplo, mostra que, nas facções,
predominante dos ambientes é azul, não o ambiente fabril constitui a própria casa, com
somente pelo jeans, mas pelas pinturas quase pouca ou nenhuma distância entre a máquina
sempre descascadas das paredes e as roupas de costura e a mesa posta em que se almoça
dos trabalhadores, o que constitui uma paleta ou janta, enquadradas num mesmo plano. O
fílmica em certa medida homogeneizante de confisco do tempo é ainda reforçado pela já
indivíduos e coisas. O modo como as citada presença de crianças na cena, que
máquinas, a fiação, os carretéis de linha, os brincam com o maquinário ou são
fragmentos de tecido, entre outros elementos constantemente advertidas pelos familiares de
da produção do jeans, são enquadrados resulta que estão em lugar impróprio e que devem sair
em uma composição que, como escreve Janet dali. Em outras cenas, reflete-se sobre a
Malcolm (2016) acerca da fotografia industrial mudança nas calçadas da cidade. Para o
de Thomas Struth, domestica uma narrador-diretor, elas simbolizavam o tempo
multiplicidade de detalhes em uma imagem livre, “onde todos os dias se colocava a cadeira
legível.” (p. 277, 2020) de balanço para esperar o tempo passar”. Na
“Não é o caso de Estou me guardando..., que, cidade do jeans, a calçada é hoje ocupada por
em sua legibilidade, compõe as cenas quase pessoas mais velhas que realizam a última
sempre com máquina e indivíduo. Este, nas etapa da produção, revisando e limpando as
facções, submetido àquela, uma vez que é peças, ou seja, a calçada é, agora, “lugar onde
extensão dos esforços repetitivos e maquinais se passa o tempo trabalhando”.” (p. 278, 2020)
intermináveis (corte, costura, raspagem etc.), Léo é uma personagem do documentário que
que tanto angustiam o narrador-diretor.” (p. provoca deslocamentos nessa racionalidade.
277, 2020) Ele não está isolado nisso, pois é também
“Para György Lukács (2010), a descrição, possível identificar resistências em
técnica do romance realista, nivelava todas as personagens como a senhora que afirma ser
coisas, tornando o humano par dos objetos agricultora e parece desprezar a fabricação de
inanimados. A composição em Estou me jeans; o trabalhador mais experiente que, à
guardando... possui efeito semelhante, no que diferença dos jovens, se mostra consciente de
reside uma de suas técnicas de desnudamento sua situação precária e planeja o futuro; ou o
do poder neoliberal. Lukács (2010, p. 175) pastor de cabras que ainda toca o rebanho
valorizava a narração em detrimento da como nas memórias do narrador. No entanto, o
descrição, pois, segundo ele, o narrador modo como Léo atravessa o documentário, das
hierarquiza e vincula as coisas à experiência primeiras cenas ao Carnaval na praia, atribui-
humana, dando a elas “vida poética”. A lhe significação. Uma das poucas personagens
observação no documentário, contudo, não nomeadas, sua primeira aparição é dormindo,
confina a representação, pois esta deve ser enquanto os outros trabalham. A personagem
apreendida em uma estrutura narrativa maior, sente-se, então, flagrada e, na entrevista inicial,
em que a todo tempo evoca-se o passado e afirma sua condição de trabalhador e relata
também se aponta criticamente para a níveis de dificuldade de serviços braçais. O
circularidade da comunidade presa ao trabalho, espectador assiste, de fato, em outras cenas, a
como o mito de Sísifo. A circularidade está na Léo em constante atividade, não só com o
dimensão da passagem do dia: filmam-se os jeans, mas também como pedreiro. Em
mesmos espaços de manhã e à noite, em determinado momento, fica-se sabendo que ele
trabalho contínuo. Na mesma órbita, a semana considera o capitalismo a raiz dos males
é sempre encerrada pela feira e, no prazo de (“dinheiro é a perdição deste mundo, fonte de
um ano, o acontecimento festivo do Carnaval é todas as maldades”) e que deseja integrar uma
interrupção para que tudo retorne como antes.” igreja, mas que, como gosta de tomar bebidas
(p. 277, 2020) alcoólicas, não se adapta às regras da
“O espaço filmado do trabalho é, assim, instituição. Uma de suas falas, que parece
indissociável do tempo. A luta histórica dos escapar, é desconcertante: “O meu problema
trabalhadores assalariados foi, segundo Renán não é a bebida, mas trabalhar”. Nessa
Cantor (2019), pela separação entre o tempo construção frasal, por um momento, invertemos
do trabalho na fábrica e o tempo livre, o que a questão, abrindo a possibilidade de ver como
resultou na conquista do turno de oito horas.” problema não a bebida, mas a aberração
(p. 278, 2020)
93
Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas havendo aí uma transferência do encargo
Gerais.” (2007, p. 161) empresarial para a sociedade.” (2007, p. 165)
“De um lado há o discurso da necessidade do “Após a confecção das peças em uma facção,
engajamento no projeto empresarial, do elas podem ser levadas a uma lavanderia, onde
empreendedorismo das pessoas do lugar, depois de lavadas e/ou tingidas, retornam a
necessário para o sucesso dos facção, não necessariamente a mesma que as
empreendimentos. Por outro lado, o trabalho confeccionou inicialmente, para o acabamento
“por conta própria”, atende as necessidades final como corte de linhas, fixação de etiquetas,
empresariais de flexibilidade das relações de etc. Nas lavanderias, são realizados diversos
trabalho, desobrigando os empresários de processos necessários à produção do “jeans”
pagar os direitos que formalmente teriam os (Figura 2). As peças, originalmente cortadas e
trabalhadores, além de transferir a eles os costuradas no tecido ainda bruto, são lavadas
riscos das oscilações do mercado.” (2007, p. muitas vezes utilizando produtos químicos que
162) as descolorem na maneira exigida pelos
“O discurso político e empresarial em Toritama compradores. Outras vezes, as peças são
é de que não há desemprego no município, de tingidas secas, para depois serem novamente
que praticamente toda a população está formal lavadas e passadas, dando a coloração
ou informalmente empregada na produção demandada pelo tipo de “jeans” que se quer
têxtil, como se isso por si só fosse um fator de produzir.” (2007, p. 165)
resolução dos problemas sociais” (2007, p. “Algumas tradições regionais parecem ter sido
163) determinantes para a origem e o
“A produção têxtil em Toritama se caracteriza desenvolvimento do setor têxtil em Toritama,
pela segmentação do processo produtivo, já notadamente a tradicional produção de
que a confecção do “jeans” é realizada em calçados em couro e a tradição do trabalho
diversas etapas: a aquisição do tecido, o corte familiar, em especial o feminino, de se
do tecido, a costura e o reforço, a lavagem e o confeccionar roupas para serem vendidas nas
acabamento das peças. Estas etapas ruas de Caruaru, em feiras populares
produtivas, por vezes, são realizadas em conhecidas como “sulanca”. Com as sobras de
“facções”, como são chamadas as autônomas malhas conhecidas como “helancas”, vindas
e, quase sempre, informais oficinas de costura, das fábricas da capital pernambucana, Recife,
improvisadas nas próprias residências dos bem como das indústrias do sudeste brasileiro,
moradores de Toritama, muitas nas garagens as famílias da região confeccionam peças de
das casas, mas muitas também dentro delas, roupa vendidas a preços populares nas feiras
ocupando o espaço dos cômodos residenciais de “sulanca”. (2007, p. 166)
como salas e quartos” (2007, p. 163) “As roupas populares, as peças que atualmente
“Em geral, as facções e fabricos trabalham por são vendidas nas feiras de sulanca, são
empreitada ou por peça produzida, recebendo produzidas com as sobras de “jeans” ou ainda
encomendas com prazo determinado para peças que não atendem os padrões de
entrega, sendo comum a realização de apenas qualidade das marcas que encomendam a
uma ou outra etapa do processo produtivo.” produção em Toritama.” (2007, p. 166)
(2007, p. 164) “A produção têxtil produz também o espaço
“Sob o signo do “empreendedorismo”, a geográfico de Toritama, manifestando-se na
flexibilidade do trabalho permite ao empresário organização da cidade em função das
que o processo produtivo aconteça nas oficinas atividades de confecção, lavagem e
instaladas nas residências, ou seja, fora da comercialização do “jeans” (Figura 3). As
empresa. O empresário garante assim não só a pequenas confecções (facções) estão
produção de mercadorias, mas também a distribuídas por toda a cidade, já que estão
reprodução da força de trabalho necessária à preferencialmente instaladas nas residências,
continuidade dos negócios, sem nenhum ônus improvisadas nas garagens e cômodos das
empresarial.” (2007, p. 165) casas. Do mesmo modo, os fabricos, em geral
“Além disso, os trabalhadores autônomos empresas mais estruturadas, podem instalar-se
assumem outros custos empresariais, como a tanto em casas quanto em galpões onde se
energia consumida pelas máquinas e reúnem os trabalhadores, as costureiras e os
equipamentos, e a sociedade assume os demais empregados.” (2007, p. 166)
encargos da coleta e destino dos resíduos da “Em Toritama, a avenida principal da cidade
produção, de rejeitos advindos do processo (João Manuel da Silva) destaca-se por um uso
produtivo. Esse modo autônomo de produzir mais seletivo do espaço, já que estão
gera impactos na gestão das cidades, pois o instaladas ali lojas mais sofisticadas, por vezes,
lixo doméstico misturado ao lixo advindo do próximas a estabelecimentos que funcionam
trabalho é coletado pelo serviço público, como vitrines para atendimento de
95
de pequenas e médias lavanderias(...). Outra o tipo de tecido que vai lhe dar aquele resultado
mudança importante desse período foi a (Empresário 1, 2009).” (p.57, 2009)
adesão ao uso de máquinas de costura “De composição variada, pode se apresentar
industriais, que vão imprimir nas confecções e com 100% de fibra de algodão ou com
facções uma maior velocidade produtiva e uma diferentes percentagens de algodão
divisão social e sexual de tarefas, devido às combinadas com outras fibras sintéticas
funções específicas daqueles equipamentos: (poliéster, poliamida ou fios de elastano). Há,
costura reta,5 overloque,6 interloque,7 inclusive, tecidos oferecidos com efeitos ou
embutideira,8 máquina de cós9 e de cós acabamentos prévios, a exemplo de tecidos
anatômico,10 travete,11 caseadeira,12 com brilho para compor modelos noturnos.
botoneira,13 entre outras.” (p.52, 2009) Também é oferecida uma diversidade de brim
“A fase que compreende o período de 1990 a e sarja, em cores e diversas texturas, além do
2000 inclui acontecimentos que conduzem a tecido PT, ou seja, no estado natural pronto
mudanças no sentido de deixar de produzir para ser tingido.” (p.57, 2009)
roupas para produzir moda, expressa “Esses aviamentos, além de funcionais, ou
principalmente na percepção de alguns seja, de ter uma função na calça, a exemplo
empresários da necessidade de se contratar dos zíperes que servem para fechar e abrir,
estilistas, ressalta o Empresário 1 (2009), com também aparecem como decoração e enfeite.
o objetivo de oferecer aos clientes um jeans Segundo o Designer de Moda 4 (2009), ele faz
não apenas utilitário e confortável, mas um um trabalho de pespontado sobre as calças
produto de moda. É também durante essa fase jeans, utilizando linhas coloridas, reproduzindo
que o comércio local começa a se expandir.” um significado que ele chama de linhas
(p.53, 2009) urbanas. Assim, definir quais aviamentos serão
“No período de 2000 até os dias atuais, as utilizados também faz parte do projeto do
intervenções governamentais e não designer de moda.” (p.59, 2009)
governamentais no local intensificaram as “A não escolha do aviamento pelo designer
mundanças no processo de criação da moda, reforça o fato de que o processo de criação das
principalmente com a organização dos calças jeans em Toritama ocorre por meio de
munícipios confeccionistas na forma de Arranjo um trabalho coletivo. Dificilmente se encontrará
Produtivo Local de Confecções. Data deste uma criação para o mercado de autoria única.
período a participação coletiva das empresas Isso nos remete ao que diz Canclini (2006,
locais em eventos de moda e de negócios e, p.XXII) a respeito dos processos de
segundo o Lojista 1 (2009), o surgimento de hibridizações, que podem ser provenientes
eventos de moda no local, como o Festival do tanto da criatividade individual quanto coletiva,
Jeans de Toritama e o Festival de Cultura e e esse conhecimento gerado de forma coletiva
Moda Pernambucana em Toritama.” (p.53, vai ser reconvertido em novas formas de
2009) criação e produção da moda no local.
“Seja como for, para facilitar a análise dos Caracteriza ainda que a inserção de novas
processos de reconversões culturais, tomou-se tecnologias em qualquer etapa da cadeia têxtil,
como referência os itens que compõem as como as modificações no acabamento do
fases que integram o design de moda – criação tecido jeans, se constitui em intervenções com
e projeto – transformando-as nas categorias de repercussão no desenvolvimento da moda em
análise: 1) Tecido e Aviamentos; 2) Criação e Toritama.” (p.60, 2009)
Pesquisa; 3) Desenho; 4) Modelo; 5) “Apenas na segunda metade da década de
Modelagem; 6) Máquinas e Tecnologia – Peça 1990 é que surge uma maior preocupação com
Piloto; 7) Beneficiamento; e 8) o requisito criação e alguns empresários
Comercialização.” (p.55, 2009) passaram a contratar estilistas para suas
“A opção por retalhos, segundo o Empresário 1 empresas, muitos dos quais de fora da cidade,
(2009), confeccionista desde a década de inclusive de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
1980, barateava o custo do produto final que Com isso, surge no local a demanda por um
visava atingir apenas o consumidor novo profissional – o estilista.” (p.60, 2009)
frequentador da Feira da Sulanca.” (p.56, 2009) “(...)numa região de aglomerado industrial, as
“Hoje a Vicunha vem aqui e oferece 50 tipos de informações circulam rapidamente e as
tecidos, a Santista vem oferecer 50, a Cedro empresas maiores exercem influência nas
vem oferecer 50. Naquela época só tinha uma menores. Então, outras pessoas incorporaram
meia dúzia de tecido. Agora com as no seu trabalho diário faíscas de criação, por
lavanderias, os tecidos mudam depois que são meio de um processo empírico e, como revelam
lavados. Variamos s tecidos – porque depois de as falas seguintes, percebe-se que em muitos
lavados os efeitos são diferentes. Então se eu momentos o processo de criação aconteceu e
quiser atingir o objetivo tal – tenho que comprar ainda acontece de forma intuitiva e desprovida
98
ANEXO B - ENTREVISTAS
encaixa no termo), mas também nunca comprei ou seja, nós transformamos a sociedade ao
peças assim. Espero ter ajudado mesmo tempo que a sociedade nos
Juh - Oi! Ajudou muito!!! Muito obrigada transforma/molda. Acredito que a minha forma
Juh - Oiii. Suas respostas ajudaram muito. de me vestir é um movimento de expressão e
Posso fazer mais algumas perguntas? de criação da percepção do outro para comigo,
Taise - Claro. Pode fazer sim. Quando eu tiver mas também tem o movimento contrário, em
um tempinho eu respondo. que eu sofro fortemente as influências da
Juh - Legal! Obrigada!! Fica a vontade para sociedade (e da indústria da moda que também
responder quando der mesmo. Hoje em dia nos influencia a sociedade – e é influenciada por
falta tempo para dar conta de tudo, né? Eu ela. Não acredito que nossa formação possa se
agradeço muito pelo apoio. desvencilhar desse movimento básico da
Taise - Oi, desculpa a demora. Estou fazendo o construção da nossa
meu TCC também então está bem corrido. personalidade/vontade/gostos. Da forma geral,
Kkkk acho que a minha expressão enquanto sujeito
Juh - Você acha que comprar em brechó e fazer se dá dentro desse movimento sociedade-
algumas peças te dá mais poder de se moda
expressar através da moda? Juh - Você acha que o desconforto do jeans
Taise - Acredito que consumir de forma está ligado ao material, a modelagens
consciente (reaproveitando roupas já ajustadas, a dificuldade de encontrar uma peça
existentes) eu consigo viver em consonância que tenha caimento perfeito? O que torna o
com minhas convicções, pensar de onde a jeans desconfortável?
roupa vem e qual o processo de produção é Taise - Acho que o principal fator é o modelo
importante para mim pelo fato de tentar sair de das roupas, que eu geralmente encontro
um comportamento consumista (e entrar em roupas “””“femininas”””” com cortes muito
um comportamento mais ambientalista) justos. Também pelo fato do tecido ser mais
Acredito que esse movimento já é por si só uma duro
expressão de quem eu sou. É mais uma Juh - Você estaria disposta a pagar por um
questão subjetiva que de estética. serviço de customização de alguma peça de
Juh - Estaria disposta a pagar um pouco mais roupa sua? E se esse serviço fosse oferecido
por uma peça que vem com a proposta de pelos brechós na hora da compra? Você
retornar roupas descartadas pra o mercado? gostaria de fazer parte desse processo criativo?
Taise - Estaria disposta, mas nesse momento Taise - Eu gosto da ideia do serviço de
não teria condições financeiras de fazer esse customização. Aliás já encontrei alguns
movimento. Também acredito que priorizaria brechós aqui no Instagram que vendem roupas
lojas que teriam proposito social com essas garimpadas e customizadas pelas próprias
roupas (por exemplo não cobrar extremamente curadoras. É como vestir a obra de arte de
caro numa peça de roupa em que as classes alguém ao invés de colocar na parede. Kkkk e
sociais mais baixas não teriam acesso). Se o também gosto da ideia de fazer parte do
ato de retornar roupa é uma atitude ecológica, processo criativo sim.
acredito que não deveria ser deixado a questão Taise - Acho que é isso. Se precisar de algo
social. pode me chamar, apesar de ter demorado um
Juh - Você gosta da estética patchwork, aquele pouquinho da última vez (rsrs)
jeito colagem na roupa, ou prefere uma estética
mais clean? ENTREVISTA 4 - ROSECLAIR
Taise - Eu gosto bastante do patchwork, mas Juh - Gênero:
nunca usei, então não sei se combina muito Roseclair - Feminino
com o meu estilo. Juh – Qual a sua faixa etária:
Juh - A moda realmente vive desta incoerência Roseclair - 51 anos
entre refletir o espírito do tempo e ao mesmo Juh - Região que reside:
tempo ditar o que se consome nesse tempo. Roseclair - Sudeste
Acha que a sua forma de consumir vai contra Juh - Faixa de Renda (Apenas se sentir
esse sistema? confortável):
Taise - Não. Na psicologia a gente ouve muito Roseclair - de 5 a 8 salários-mínimos
que a escolha da nossa abordagem se dá a Juh - Com o que costuma trabalhar?
partir da nossa visão de mundo. Nesses últimos Roseclair - Professora da rede pública
tempos eu to me aprofundando em um autor Juh - O que você costuma fazer nas horas
que se chama Vygotsky (a minha escolha de livres?
abordagem). A premissa dele é que a Roseclair - Caminhar/Correr/Praiana/Teatro/
subjetividade humana é formada a partir do Shows/Encontrar amigues (rotina totalmente
nosso contexto social, numa relação dialética, adaptada ao caos pandêmico)
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Juh - Com que frequência costuma comprar consequentemente polui o ambiente além de
roupas? muitas vezes explorar as trabalhadoras e
Roseclair - De 1 a 2x por ano no máximo. trabalhadores!
Juh - Quanto costuma gastar em uma peça de Juh - Qual é sua relação com jeans? (Usa
roupa? muito, não gosta...)
Roseclair - De 120 a 480 reais, procuro focar Roseclair - Uso bastante, amo a versatilidade
minha compra em upcycle e hand made. do jeans e todas as suas possibilidades.
Juh - Onde costuma comprar suas roupas? Juh - Qual é a peça de jeans que você mais
Roseclair - Desde que conheci a Think Blue, em usa?
2017, concentro minhas compras com ela. Roseclair - Calça/short/saia
Juh - Você se importa com o processo Juh - O que te faz comprar uma peça de jeans?
produtivo da roupa? Por quê? (caimento, ajuste, ser básica, ter detalhes
Roseclair - Sim. Precisamos cuidar do inovadores, ser sustentável etc.)
ambiente a partir do controle de gasto de água Roseclair - Inovação, exclusividade,
e uso de substâncias químicas, do consumo sustentabilidade
desenfreado que aumenta a quantidade de lixo Juh - Você já ouviu falar de upcycling? Já
com o descarte de roupas, incentivar a compra consumiu ou produziu peças com esta
de roupas de upcycle em específico de característica?
mulheres... Roseclair - Sim, consumo upcycle desde 2017.
Juh - O que a moda representa para você? Conheci o upcycle em uma feira sustentável na
Roseclair - Ato político, educativo, informativo, zona portuária do RJ em 2016 da qual a Think
conscientização e valorização de todas as Blue participava e me interessei pela proposta
pessoas na rede produtiva do upcycle. Upcycle da marca. A partir de 2017 virei consumidora
é muito mais que moda, é um estilo de vida! fiel. Nunca produzi peças upcycle apenas
Juh - Você acredita que uma coleção de moda consumo.
pode questionar a própria indústria?
Roseclair - Acredito demais, pois a grande
indústria têxtil foca na produção em larga
escala para sustentar o mercado e,
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