Você está na página 1de 76

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Airton F. Moreira Jr.

Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa


científico-tecnológica: o caso da Embrapa

São Carlos
2008

0
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa


científico-tecnológica: o caso da Embrapa

Monografia de conclusão de curso apresentada


como pré-requisito parcial para a obtenção de
título de Bacharel em Ciências Sociais, pelo
curso de Ciências Sociais da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).

Aluno: Airton F. Moreira Jr.


Orientador: Prof. Dr. Thales Haddad Novaes de Andrade

São Carlos
2008

1
Agradecimentos

Primeiramente, agradeço à FAPESP pelo financiamento da pesquisa de iniciação científica “A


construção de ferramentas de avaliação de impactos tecnológicos: o caso da Embrapa”, na
qual se baseia a presente monografia.
Agradeço o meu orientador, Prof. Dr. Thales H. Novaes de Andrade, pelos três anos de
orientação, nos quais pude contar com direcionamentos, discussões, ensinamentos, estímulo e
outras imensas contribuições fundamentais para o meu desenvolvimento como cientista
social.
Agradeço a Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Bonelli, pela participação na banca examinadora desta
monografia. Sua importância para minha formação acadêmica é imensurável.
Agradeço especialmente os meus pais, Airton e Nina, que com muita dedicação e esforço
foram os principais responsáveis pela minha formação pessoal e meu empenho nos estudos;
por tudo isso, dedico a eles esta monografia. Também agradeço a todo o restante da minha
família, pelo estímulo e carinho.
Agradecimentos também especiais e afetuosos à Chris, por me acalmar, me fortalecer, e estar
sempre ao meu lado, em todos os bons momentos desses últimos anos; além disso, por revisar
textos e apontar dicas úteis durante a redação deste trabalho.
Todos os professores e funcionários do curso de Ciências Sociais da UFSCar foram
importantes para minha formação. Também não posso deixar de agradecer a todos os amigos
e colegas do curso de Ciências Sociais e de outros cursos da UFSCar, pelo convívio prazeroso
e estimulante dos últimos quatro anos. Não cito a todos por medo de cometer alguma injustiça
me esquecendo de alguém.
Agradeço os membros do grupo de pesquisa Sustentabilidade, Riscos e Inovação (SURI) da
UFSCar, em especial Thales, Bruno, Vanessa e Lucas, pelos momentos de estudo, debate e
aprendizagem.
Não posso deixar de mencionar os professores, coordenadores e alunos do Cursinho Pré-
vestibular da UFSCar, por terem contribuído para meu crescimento profissional e pessoal
enquanto professor de História e de Política do Cursinho.
Por fim, agradeço os pesquisadores e funcionários entrevistados na Embrapa, que concederam
um material valioso para a elaboração das idéias contidas neste trabalho.

2
Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-
tecnológica: o caso da Embrapa

Airton F. Moreira Jr.

Resumo

Os novos mecanismos pelos quais se avaliam as pesquisas científico-tecnológicas


desempenham papéis cruciais na atualidade, enquanto instrumentos de gestão da ciência e de
prestação de contas dos seus resultados para a sociedade. Mais que instrumentos gerenciais,
os mecanismos avaliativos apóiam a legitimidade das práticas e concepções dominantes
acerca da atividade científica, fazendo da avaliação uma referência importante no cotidiano
dos pesquisadores. O objetivo deste trabalho é discutir os efeitos dos novos mecanismos de
avaliação da ciência e da tecnologia sobre a atividade científica, a partir de um estudo de caso
na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para tanto, os depoimentos de
pesquisadores e avaliadores da Embrapa são analisados à luz do referencial teórica da
sociologia da ciência e da tecnologia. Nos discursos sobre os métodos e critérios pelos quais
as pesquisas são avaliadas, transparecem diversas tendências e dilemas que permitem
compreender melhor os rumos da dinâmica de produção científica e tecnológica
contemporânea.

Palavras-chave: Ciência, Tecnologia e Inovação. Avaliação. Sociologia da Ciência e da


Tecnologia. Institutos Públicos de Pesquisa. Embrapa.

3
Lista de Siglas

Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica


Ambitec-agro
Agropecuária
Ambitec- Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica
agroindústria para Agroindústria
Ambitec- Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica
produção animal para Produção Animal
Sistema de Avaliação de Impactos Sociais de Inovações Tecnológicas
Ambitec-social
Agropecuárias
CECH Centro de Educação e Ciências Humanas
CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação
DCSo Departamento de Ciências Sociais
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAPESP Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo
IDI Índice de Desempenho Institucional
INRA Institut National de la Recherche Agronomique
IPP Instituição Pública de Pesquisa
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PDE Plano Diretor da Embrapa
PDI Plano de Desligamento Incentivado
SAPRE Sistema de Avaliação e Premiação por Resultados
SAU Sistema de Avaliação de Unidades
SEG Sistema Embrapa de Gestão
SEP Sistema Embrapa de Planejamento
SGE Secretaria de Gestão e Estratégia
SNI Sistema Nacional de Inovação
UC Unidade Central
UD Unidade Descentralizada
UFSCar Universidade Federal de São Carlos

4
Sumário

1 Introdução ........................................................................................................................ 06
2 Transformações da ciência e de seus instrumentos de avaliação ................................ 09
2.1 O modelo linear de produção científico-tecnológica e os instrumentos tradicionais de
avaliação ............................................................................................................................... 09
2.2 A emergência do modelo dinâmico de produção científico-tecnológica e os novos
instrumentos de avaliação ..................................................................................................... 14
3 Avaliação da atividade científica no olhar da sociologia da ciência ........................... 24
3.1 Sociologia da Ciência clássica: paradigma mertoniano ................................................. 24
3.2 Nova Sociologia da Ciência: construtivismo e teoria ator-rede ..................................... 29
3.3 Sociologia neo-institucionalista do campo científico ..................................................... 37
4 Gestão e avaliação na Embrapa (1985-2007) ................................................................ 49
4.1 Reorganização institucional da Embrapa: do modelo ofertista ao dinâmico .................. 49
4.2 Novos formatos da gestão e da avaliação institucional na Embrapa .............................. 50
4.3 A construção dos instrumentos de avaliação de impactos tecnológicos ........................ 54
4.4 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação nas práticas de pesquisa da Embrapa ...... 56
5 Conclusões ........................................................................................................................ 67
Referências bibliográficas .................................................................................................. 70
Anexos .................................................................................................................................. 74

5
1 Introdução

Na presente monografia, analisa-se como os novos mecanismos de avaliação da


ciência, tecnologia e inovação (CT&I) produzem efeitos na prática de cientistas e
pesquisadores, a partir do caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Nos últimos anos, os padrões organizacionais das atividades de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) têm se transformado profundamente, acompanhando mudanças mais
amplas nos contextos político, econômico e social. Nesse cenário, gestão e coordenação são
tidas como procedimentos chave para o sucesso dos processos inovativos. Um dos objetivos é
aprimorar a relação entre a P&D empreendida por instituições científicas e a dinâmica
inovativa das empresas, através da troca de conhecimentos, transferência tecnológica e redes
de cooperação. Pela perspectiva das Instituições Públicas de Pesquisa (IPPs), a esse fenômeno
se soma a necessidade de conquistar novas fontes de financiamento além do Estado, bem
como novas parcerias de pesquisa. Nesse contexto, a avaliação da CT&I é um dos
componentes da gestão da inovação, pois permite que gestores, policy makers e potenciais
parceiros tenham acesso a indicadores sobre a produção científico-tecnológica que, por um
lado, embasem suas decisões gerenciais e, por outro, justifiquem a alocação de recursos nas
atividades de P&D.
Este trabalho apresenta alguns resultados de uma pesquisa que analisou como o uso
dos novos mecanismos de avaliação interfere na dinâmica de produção científico-tecnológica.
Para tanto, parte-se do ponto-de-vista de seus agentes principais: os pesquisadores. Através de
um estudo de caso realizado na Embrapa, o trabalho discute quais os pressupostos da
aplicação desses instrumentos, como se dá sua construção na Embrapa e seus efeitos sobre as
práticas de cientistas e técnicos da instituição. A primeira etapa da pesquisa revisou
criticamente os principais paradigmas contemporâneos do estudo da CT&I. No caso, partiu-se
da Economia da Inovação (teoria neo-schumpeteriana) e da Sociologia da Ciência e das
Técnicas (teoria ator-rede e sociologia do campo científico). A segunda etapa consistiu na
revisão dos documentos e comunicações que tratam dos instrumentos avaliativos utilizados
pela Embrapa e dos boletins que contém resultados de avaliações. Na terceira etapa, foram
realizadas entrevistas com agentes envolvidos pelas práticas avaliativas da instituição –
cientistas, gestores e avaliadores – com o objetivo de identificar as diferentes visões e
opiniões sobre os usos e efeitos dos novos métodos de avaliação da CT&I.

6
O Capítulo 1 apresenta as transformações da ciência e de seus instrumentos de
avaliação promovidas nas últimas décadas, nos termos da crise do chamado “Modelo Linear”
da produção científico-tecnológica e a emergência do “Modelo Dinâmico”. O objetivo é
realizar uma revisão crítica da literatura que tradicionalmente tem discutido a ciência
contemporânea, apontando os limites das abordagens que enfatizam apenas as dimensões
econômicas, gerenciais ou mesmo “pós-modernas” sobre o tema. Várias disciplinas têm
analisado a atividade científica, a inovação tecnológica e os novos instrumentos de avaliação
da pesquisa; alguns exemplos são a Economia da Inovação, as Ciências Informacionais, a
Administração, além da própria Sociologia. Em geral, as análises partem de diferentes
dicotomias, como: “Modelo Linear” versus “Modelo Dinâmico” e “Hélice Tripla entre
universidade-indústria-governo” (Etzkowitz & Leydesdorff, 2000); “Modo 1” versus “Modo
2” de Produção do Conhecimento (Gibbons et al., 1994) e “Ciência Moderna” versus “Ciência
Pós-Moderna” (Sousa Santos, 2005). De acordo com algumas dessas análises, é possível
identificar três grandes períodos da atividade científica: a) das origens da ciência moderna no
século XVII até a década de 1940, momento em que vigora o ideal de ciência neutra,
autônoma e pouco direcionada para fins específicos; b) do pós-guerra ao início dos anos de
1970, quando a ciência autônoma, mas com maior regulação do Estado, é considerada a chave
do bem-estar humano; c) dos anos de 1980 até a atualidade, quando CT&I “em rede” são
revalorizadas enquanto instrumentos estratégicos para o desenvolvimento sócio-econômico.
Este último período corresponde ao atual contexto da atividade científica.
Como as Ciências Sociais pode contribuir para o aprofundamento das análises sobre a
avaliação no novo contexto da atividade científica? O Capítulo 2 apresenta o referencial
teórico-metodológico da Sociologia da Ciência, uma área das Ciências Sociais que desde sua
origem – há cerca de 70 anos – tem se dedicado a investigar a dinâmica social da produção
científico-tecnológica. Segundo o sociólogo Terry Shinn (in Kreimer, 1999), é possível
agrupar as investigações empreendidas pela Sociologia da Ciência em três diferentes
perspectivas teórico-metodológicas. A primeira delas é o paradigma mertoniano, cuja origem
é o conjunto de trabalhos realizados nas décadas de 1930 e 1940 por Robert Merton,
considerado o fundador desse campo. O segundo é o paradigma construtivista, baseado nas
contribuições teóricas de Thomas Kuhn. Existem diversas vertentes construtivistas na
sociologia da ciência, como a abordagem da “construção social da tecnologia”, as
“etnografias de laboratório” e a “teoria ator-rede”. Por fim, o paradigma neo-institucionalista
se baseia nos trabalhos de Pierre Bourdieu e na noção de “campo científico” presente em suas

7
análises. Terry Shinn e Yves Gingras são exemplos de pesquisadores que têm dado
continuidade a Sociologia bourdiesiana do campo científico.
Neste trabalho, as contribuições da Sociologia da Ciência são analisadas criticamente.
Discute-se a convergência de três tópicos debatidos por esses paradigmas: as suas concepções
sobre a atividade científica, sobre a inovação tecnológica e, por fim, sobre a avaliação das
práticas de pesquisa. O argumento presente nas investigações desse campo é que a avaliação
não é um aspecto isolado da ciência, pois o contexto e o conteúdo da atividade científica
influenciam e são influenciados pelos procedimentos de avaliação. Nesse sentido, o trabalho
sintetiza as principais características das diferentes abordagens da Sociologia da Ciência, com
ênfase no modo como essas abordagens enxergam o tema da avaliação.
O Capítulo 3 apresenta o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa). A Embrapa é um bom exemplo para se refletir sobre as transformações da
atividade científica e de seus critérios de avaliação; isto porque desde meados da década de
1980, a instituição tem procurado reorganizar seus mecanismos de gestão e avaliação da P&D
com vistas a se adequar ao contexto institucional da ciência contemporânea. Isso significa, por
um lado, novos padrões de relacionamento com agentes econômicos, políticos e sociais e, por
outro, novos critérios de avaliação das pesquisas que levem em conta dimensões até então
consideradas extra-científicas. Nesta pesquisa, foi realizado um levantamento documental
acerca das transformações institucionais da Embrapa, com o objetivo de se compreender os
pressupostos da construção dos novos instrumentos de avaliação da P&D. O enfoque foi dado
a um instrumento avaliativo específico: a avaliação de impactos tecnológicos (Sistema
Ambitec). Em um segundo momento, através de entrevistas semi-estruturadas, foram ouvidos
os próprios pesquisadores e avaliadores da Embrapa, com o objetivo de se compreender quais
são os pontos-de-vista dos agentes da instituição sobre as mudanças dos mecanismos de
avaliação da ciência, como os procedimentos avaliativos interferem nas suas práticas
científicas e como estes percebem as tendências deste cenário ainda em transformação1.
Por fim, espera-se com esta pesquisa apontar as tendências e dilemas dos novos
critérios de avaliação da Embrapa, e realizar considerações que constituam a base de
aprofundamentos empíricos posteriores.

2 Transformações da ciência e de seus instrumentos de avaliação


1
O modelo das entrevistas está anexado no final desta monografia.

8
2.1 O modelo linear de produção científico-tecnológica e os instrumentos
tradicionais de avaliação

As origens da atividade de pesquisa científica tal qual conhecemos hoje remetem ao


conjunto de fatores caracterizado como revolução científica, um processo pelo qual a
produção de conhecimentos sintonizou-se aos valores emergentes da modernidade européia.
Esse processo não será discutido detalhadamente neste trabalho, mas cabe ressaltar algumas
de suas características: a defesa do método indutivo, o uso de abstrações teóricas matemáticas
para se representar a natureza, a experimentação constante e uma visão cumulativa acerca da
produção de conhecimentos (cf. Rossi, 2001). Essas peculiaridades definiram uma nova
postura diante da produção de conhecimentos sobre o mundo físico e natural, promovendo o
surgimento da chamada ciência moderna.
A revolução científica consolida-se no século XVII, com a criação de novos espaços
responsáveis pela produção do conhecimento científico, como as academias e as sociedades
de cientistas. Os membros dessas instituições foram os principais atores da construção dos
novos padrões de produção de conhecimento, através de métodos, procedimentos e regras
específicas que deveriam ser seguidas por todos os pesquisadores da instituição, e o
compromisso com essas regras seria objeto da vigilância constante dos “pares”, isto é, de toda
a comunidade científica. Com isso, as instituições científicas foram as pioneiras em formar a
autonomia da ciência, conferindo a um único tipo de agente – o pesquisador membro da
comunidade – a competência para produzir conhecimentos legítimos (Rossi, 2001).
O sociólogo Robert Merton afirma que a comunidade científica explicitou esse
conjunto de normas – denominado pelo autor como “ethos científico” – com a função de
manter a autonomia de suas práticas de pesquisa. A imposição institucional do ethos seria
capaz de canalizar as motivações dos cientistas e, deste modo, impedir a “contaminação” da
ciência por elementos do contexto social que a envolve (Merton, 1970). Os trabalhos de
Merton são considerados a origem da Sociologia da Ciência, e suas características serão
discutidas com mais detalhes no capítulo 3. Por ora, cabe apontar que a visão do autor servirá
de base para os argumentos que defendem a autonomia ciência e o desinteresse dos
pesquisadores para com seus resultados de seu trabalho.
Existe uma profunda relação entre tal concepção de ciência institucionalmente
autônoma vigente entre o século XVII e o início do século XX e os instrumentos utilizados no

9
período para a avaliação de seus resultados. No caso, como identificam Zackiewicz (2003;
2005) e Velho (2008), a comunidade científica adotou instrumentos de avaliação focados
apenas para a pesquisa básica. A “boa ciência” dependeria apenas da adoção de critérios
científicos reconhecidos pelos outros cientistas (primordialmente, o método científico) e cedo
ou tarde encontraria sua aplicação.
Nesse sentido, a “revisão por pares” (peer review) constitui o instrumento primordial
de avaliação da produção científico-tecnológica (Zackiewicz, 2005; Velho, 2008). A revisão
por pares procura garantir que apenas critérios científicos sejam utilizados ao avaliar o
trabalho dos pesquisadores. Conforme apontado por Rossi (2001), o mecanismo de revisão
pelos pares contribui para a institucionalização da ciência moderna: o “par” competente a
estabelecer julgamentos é o “colega” da comunidade de cientistas, cuja excelência acadêmica
– e não sua articulação com outras instituições sociais – garante o reconhecimento dos demais
membros da comunidade. Deste modo, outros agentes e critérios ficam excluídos do processo
avaliativo (Davyt & Velho, 2000).
Entre o século XVII e o início do XX, instrumentos de avaliação diferentes da revisão
por pares não são vistos como necessários, uma vez que “a necessidade de prestar contas para
a sociedade perdia sua importância quando confrontada com o argumento de que o sistema de
revisão por pares estava selecionando a melhor pesquisa” (Davyt & Velho, 2000, p. 103).
Posteriormente, a Segunda Guerra Mundial (1939-45) foi responsável por consolidar
de fato a institucionalização da ciência, em particular graças ao modo como os Estados
Unidos da América (EUA) administraram o uso da ciência e da tecnologia no conflito. A
aplicação dos resultados da pesquisa científica e militar nos esforços de guerra foi considerada
um fator crucial para a vitória norte-americana, principalmente após o sucesso do Projeto
Manhattan. Desta forma, ao final da guerra os EUA haviam estabelecido uma ampla estrutura
de incentivo à P&D. Além disso, a transposição de tecnologias de origem militar para o uso
cotidiano – como foi o caso da penicilina – promoveu uma visão promissora sobre como as
descobertas da pesquisa científica poderia trazer benefícios públicos também em tempos de
paz. Com isso, surgia naquele momento um grande otimismo quanto à ciência e à tecnologia.
As transformações da ciência nesse período são sintetizadas pelo relatório Science, the
Endless Frontier, do diretor de P&D do governo norte-americano, Vannevar Bush (1945).
Esse relatório lançou as bases do modelo de política científica e tecnológica dos EUA, que em
seguida se difundiu aos demais países de capitalismo avançado. Nele, Bush defende que o
conhecimento científico possui centralidade na promoção do bem-estar público, em áreas
como o combate às enfermidades, a segurança nacional, a geração de emprego e o

10
crescimento industrial. Logo, pela importância da pesquisa científica em todas essas áreas,
seria necessária uma ampla estrutura pública de apoio à prática da ciência. Este será o
argumento que constituirá a principal origem da força de sustentação da ciência a partir do
pós-guerra: o Estado deveria se responsabilizar pelo desenvolvimento científico; isso
ocorreria através de grandes investimentos financeiros em programas de pesquisa básica, no
ensino superior e na qualificação dos pesquisadores, além da manutenção de departamentos e
programas governamentais (Bush, 1945). Cabe lembrar que tal concepção de ciência regulada
pelo Estado filia-se à consolidação do Welfare State no pós-guerra.
Para essa visão, a produção científico-tecnológica ocorreria através de uma linearidade
entre pesquisa básica – pesquisa aplicada – tecnologia – bem-estar social. Essa concepção
sobre a ciência consolida o que diversos analistas (Gibbons et al., 1994; Etzkowitz &
Leydesdorff, 2000; Furtado, 2005; Dagnino, 2007; Velho, 2008) consideram como “Modelo
Linear” (ou “Ofertista”) de produção científico-tecnológica, no qual caberia aos cientistas
ofertar conhecimentos “puros” que seriam base de avanços tecnológicos posteriores. A
ingerência direta do Estado nos assuntos de pesquisa não seria tolerável; tampouco o setor
produtivo ou o restante da sociedade são vistos como aptos a participar do debate científico.
Compete à comunidade científica – e não aos campos político e econômico – a autonomia no
controle e no direcionamento das suas atividades que, sendo garantido o respeito ao método
científico, resultariam automaticamente em ganhos sociais. Esse Modelo também é
denominado como “ciência mertoniana”, graças à defesa da autonomia institucional das
atividades de pesquisa.
Contudo, entre as décadas de 1950 e 1970, diversos fatores contribuiriam para
modificar algumas das características do Modelo Linear, sem romper por completo com ele.
Nesse momento, os altos gastos do Estado com P&D passam a ser criticados. Segundo
Furtado (2000), programas custosos como a missão espacial dos EUA começam a ter seus
resultados em matéria de retornos sociais questionados pelo campo político. Também se
defende que os cientistas se preocupem menos com a expansão da fronteira tecnológica do
que com problemas mais presentes à sociedade – como a crise energética dos anos de 1970.
Destarte, a transformação da ciência e da tecnologia em bem-estar social passa a ser vista de
maneira mais complexa e menos automática: para que ela ocorra, não seria possível ignorar as
demandas sociais e industriais pelas tecnologias geradas nas práticas de pesquisa.
Outro fator diz respeito à concepção valorativa sobre a ciência, já que a visão positiva
sobre ela passa a coexistir com críticas que enfatizam um ponto de vista negativo a propósito
dos efeitos da ciência e da tecnologia sobre o mundo social. Essas críticas surgem das fontes

11
mais diversas, como movimentos sociais e formulações teóricas do próprio campo intelectual,
que atribuem à ciência e à tecnologia a degradação do ambiente, a limitação da liberdade
humana ou o aperfeiçoamento das desigualdades sociais2. Ou seja, o conhecimento científico
seria de fato neutro, porém, poderia ser utilizado tanto para o “bem” quanto para o “mal”, o
que seria determinado pelo modo como se controlam as atividades científicas (Velho, 2008).
É nesse contexto que ganha força a exigência política e social por accountability
(prestação de contas, ou “contabilidade”) das atividades de P&D. Por mais que a prática
científica ainda deva possuir relativa autonomia, os cientistas são cada vez mais chamados a
prestar contas pelas conseqüências de seu trabalho. Segundo Zackiewicz, “a lógica [de
accountability] é que se a maior parte do dinheiro que financia C&T é público, então as
instituições beneficiadas devem ao poder público justificativas de seu uso” (2003, p. 195).
As pressões por accountability incentivaram o surgimento de novos mecanismos de
controle e avaliação da CT&I. Quanto ao controle, a exigência política de que os cientistas
trabalhassem em problemas relevantes para a sociedade levou ao surgimento de programas
tecnológicos de pesquisa mais direcionados pelo Estado, tendo em vista principalmente o
setor produtivo. Como lembram Furtado (2005) e Velho (2008), a demanda por tecnologias
adquire relevância diante da mera oferta de conhecimentos científicos. O controle das
atividades de pesquisa continuaria sendo exercido principalmente por cientistas; mas estes
deixam de ser os únicos atores da ciência e passam a dividir espaço com formuladores de
políticas (policy makers) e burocratas (Zackiewicz, 2003; Dagnino, 2007).
Sobre a avaliação da CT&I, no momento em que ela amplifica seu escopo para
incorporar os resultados da P&D e a demanda por tecnologias, critérios administrativos do
Estado se chocam com os critérios científicos nos processos avaliativos. E para que esses
resultados sejam efetivamente congregados ao julgamento da ciência, criam-se novos
instrumentos de avaliação denominados “indicadores de input” (isto é, de “insumos” ou
“investimentos”) e “indicadores de output” (“saídas”, “produtos” ou simplesmente
“resultados”), dividindo espaço com a já citada revisão por pares. A ênfase desses
instrumentos recai sobre os produtos finais da atividade científica, e não apenas sobre a
pesquisa básica. O intuito é criar dados objetivos para embasar a tomada de decisões na área
de política científica e tecnológica (Velho, 2008).

2
Datam deste período, por exemplo, as críticas de Ellul (1968) aos efeitos da técnica para os seres humanos e da
Escola de Frankfurt sobre os totalitarismos do conhecimento científico (Adorno & Horkheimer, 1985) e da
racionalidade tecnológica (Marcuse, 1967). Contudo, ao mesmo tempo que os autores realizam tais críticas, o
caráter autônomo atribuído ao desenvolvimento técnico-científico corrobora uma visão linear acerca da CT&I.

12
Com relação aos indicadores de entrada de recursos (inputs), a idéia de linearidade
entre pesquisa científica básica e produção tecnológica pressupunha que a qualidade e certeza
dos resultados tecnológicos obtidos seriam proporcionais aos investimentos iniciais; quanto
maiores e mais bem alocados os recursos, melhores seriam os resultados da pesquisa. Nesse
sentido, passou-se a contabilizar com maior cuidado a entrada de recursos financeiros nas
instituições científicas.
Quanto aos indicadores de “resultados” (outputs), um importante mecanismo de
avaliação desse tipo é a cienciometria. O pressuposto desse instrumento é que seria possível
utilizar a precisão dos métodos científicos (leia-se, quantitativos) para avaliar a própria
ciência. Seu principal método é a construção de indicadores bibliométricos, ou seja, à
contabilização do número, do impacto e da qualidade das publicações científicas. Nota-se que
a noção de “qualidade” também adquire aqui contornos corporativos, uma vez que ela é tida
como proporcional à quantidade de vezes que uma publicação é citada por outros cientistas
(Davyt & Velho, 2000). Outras iniciativas no sentido de controlar os resultados da ciência
buscando maior “precisão” e “objetividade” são: o technology forecasting, que visa prever o
futuro do desenvolvimento técnico-científico a partir de modelos teóricos sofisticados; a
criação de departamentos governamentais de avaliação tecnológica (technology assessment); e
o desenvolvimento de métodos de avaliação ex-ante que procuram calcular os possíveis
retornos financeiros de projetos de pesquisa e, com isso, mensurar a relação input/output das
atividades de P&D (Zackiewicz, 2003; Velho, 2008).
O enfoque na demanda por tecnologias, a construção da idéia de accountability e os
instrumentos de avaliação dos inputs e outputs das pesquisas não rompem em definitivo com
a visão linear e ofertista sobre a ciência. Analisando a política científica e tecnológica do
período, Dagnino (2007) identifica que a grande maioria dos policy makers responsáveis pelo
controle político era constituída dos chamados experts, pesquisadores prestigiados oriundos
da própria comunidade científica e que ainda partilhavam do ethos mertoniano.
Do mesmo modo, a busca por instrumentos de avaliação da ciência estritamente
objetivos e científicos levou os métodos de avaliação a ignorar a complexa influência dos
componentes políticos, sociais ou mesmo subjetivos no universo da pesquisa científica. De
acordo com Davyt & Velho (2000), a revisão por pares, mecanismo que representaria o mais
objetivo instrumento de avaliação, muitas vezes se baseia em elementos subjetivos para julgar
a qualidade científica, como a amizade ou a concorrência dentro de uma mesma área. Em
alguns casos, cientistas tendem a avaliar negativamente o trabalho de pares que tenham
projetos parecidos com o seu, pois isso representaria maior competição. Quanto aos índices

13
bibliométricos, critica-se o fato deles não levarem em conta outros componentes do conteúdo
científico – restringindo a qualidade científica a critérios quantitativos – e de sua comunicação
– como o “conhecimento tácito” implícito nas práticas de pesquisa. Com isso, os instrumentos
de avaliação do Modelo Linear atribuem à ciência uma independência ideal, mas não real, dos
contextos institucional e social nos quais ela está inserida (Zackiewicz 2003).

2.2 A emergência do modelo dinâmico de produção científico-tecnológica e os novos


instrumentos de avaliação

Entre o final da década de 1970 e 1980, alguns fatores contribuíram para a emergência
de transformações profundas na atividade científica, o que se refletiu nos seus instrumentos de
avaliação. Segundo as diversas análises sobre o tema (Gibbons et al., 1994; Etzkowitz &
Leydesdorff, 2000; Salles Filho et al., 2000), os principais fatores que levaram a essas
transformações foram: a) mudanças na relação entre Estado e sociedade com o advento do
neo-liberalismo; b) revolução técnico-científica e digital; c) atual estágio da economia
globalizada, com seus novos padrões concorrenciais e o regime de acumulação flexível; d)
surgimento de novas abordagens teórico-metodológicas sobre a inovação tecnológica (como a
teoria evolucionista na Economia e o construtivismo na Sociologia).
As mudanças na relação entre Estado e sociedade dizem respeito ao fato dos Estados
Nacionais cortarem boa parte do financiamento de universidades, programas tecnológicos e
institutos públicos de pesquisa a partir da década de 1970. Este processo é reflexo de uma
mudança muito mais ampla observada no relacionamento entre Estado e sociedade e Estado e
economia, seja pela ideologia política neoliberal, seja pela incapacidade orçamentária do
Estado de financiar áreas que exijam gastos elevados – como a ciência e da tecnologia – a
partir da crise fiscal dos anos de 1970.
Como conseqüência, a responsabilidade do Estado para com a ciência e a tecnologia
torna-se problemática, e a Big Science entra em declínio. Nesse cenário, as instituições de
pesquisa precisarão buscar novas fontes de recursos para manter o nível de suas atividades.
Nesse sentido, as instituições científicas passam a se articular com parceiros diferentes que
representam outras possibilidades de custeio, como governos locais, bolsas de pesquisa,
programas interinstitucionais, universidades e, principalmente, as empresas privadas. Os
objetivos são garantir a captação de recursos públicos e privados, a geração de recursos
próprios através da venda de serviços e o relacionamento institucional com os novos atores da

14
pesquisa. No caso específico das IPPs, Salles Filho et al. sintetizam as opções adotadas diante
do novo cenário:

[...] as IPPs terão que, sob a perspectiva política, se subordinar às demandas de


segmentos da sociedade civil muito mais do que às demandas advindas da lógica
interna corporativa de seus funcionários; sob a perspectiva fiscal, fundar uma cultura
de recursos públicos por cuja utilização e resultados tenham de prestar contas a
todos os segmentos da sociedade; e, sob o ponto de vista institucional, introduzir
critérios de gerência técnica e de planejamento que as aproximem das formas mais
eficientes de gestão (Salles Filho et al., 2000, p. 29-30).

Os surgimentos da microeletrônica, da nanotecnologia, da internet e outros frutos da


revolução técnico-científica e digital também foram fatores fundamentais na transformação
das atividades de P&D. Primeiramente, porque promoveram o nascimento de novas
disciplinas e áreas do saber, o que implica em novas possibilidades de pesquisa. Em segundo
lugar, por permitirem o surgimento de novos produtos e processos de P&D. Por fim, por
estabelecerem uma maior mobilidade de informações e conhecimentos entre pesquisadores e
instituições.
Outro fator será o aparecimento de novas abordagens teórico-metodológicas sobre a
relação ciência-indústria e sobre a inovação tecnológica. Este tema merece especial atenção,
pois essas abordagens representam a visão atualmente hegemônica sobre a ciência. De acordo
com Tigre (2005), as abordagens evolucionista e/ou neo-schumpeteriana surgiram a partir da
crítica ao descaso da teoria econômica neo-clássica acerca do papel da tecnologia na mudança
econômica. Por sua vez, como afirma Trigueiro (1997), o construtivismo na Sociologia da
Ciência se posiciona contra a perspectiva da “ciência mertoniana” que marcava os estudos
dessa disciplina. Essas abordagens colocaram o problema da mudança tecnológica no centro
do debate sobre a atividade científica.
A abordagem evolucionista foi concebida na década de 1970 por Richard Nelson &
Sidney Winter. Contrários à centralidade dada ao equilíbrio estático na teoria econômica
tradicional, eles se utilizam de analogias biológicas na tentativa de incorporar a dinâmica
transformadora e complexa do capitalismo em seu modelo teórico. O objetivo é construir uma
nova visão sobre as transformações da economia tendo como ponto de partida as empresas,
tidas como as protagonistas da mudança tecnológica. Para estes autores, as empresas agem de
acordo com certas regras de decisão regulares e previsíveis chamadas de rotinas (Nelson &
Winter, 2005), que constituiriam o objeto da análise da Ciência Econômica. Elas seriam como
os genes biológicos: características persistentes que determinam parte do comportamento

15
possível das empresas e ramos de atividade. Assim como os genes, as rotinas são hereditárias,
pois há continuidade entre as características do passado, do presente e do futuro dos agentes.
Nesse sentido, as decisões das empresas são influenciadas por diversos fatores presentes no
dia-a-dia da produção, e têm como base a organização atual das atividades desses agentes.
Mas os atributos internos não definem sozinhos as rotinas das empresas. A teoria
evolucionista argumenta que o mercado possui um papel fundamental na definição dos rumos
adotados pelas empresas nas mudanças tecnológicas que implementa. Para Nelson & Winter
(2005), a atuação no cotidiano do mercado levaria a um processo de seleção natural,
conforme o seu contraponto biológico. As empresas que atingem rotinas mais lucrativas
crescem, enquanto as que chegam a rotinas menos lucrativas, perdem capacidade
concorrencial. Ao longo do tempo, as rotinas das empresas mais lucrativas tendem a se
consolidar entre o ramo de atividades no qual elas se inserem, e as menos lucrativas deixam
de ser motivadas. Logo, por essa perspectiva, as mudanças tecnológicas empreendidas pelas
empresas seriam resultados de evoluções graduais que conjugam as rotinas das técnicas
internas e o ambiente de seleção operado pelo contexto externo (mercado).
Em um sentido muito próximo, Dosi (2006) propõe que os processos de inovação são
influenciados pelo que ele chama de paradigmas tecnológicos, que englobam a definição das
necessidades produtivas a serem solucionadas, as diretrizes da busca pela inovação, os
princípios científicos a serem utilizados durante a pesquisa e a base tecnológica material sobre
a qual emergirão essas respostas. Isso significa que um paradigma tecnológico promove a
concentração de esforços da inovação em certas direções, e não em outras. As escolhas por
tais direções resultam naquilo que Dosi (2006) denomina trajetórias tecnológicas, que se
constituem nos caminhos utilizados pelos agentes na resolução dos problemas produtivos.
A partir do modelo teórico evolucionista, a relação entre economia e tecnologia ganha
centralidade entre os estudos sobre o comportamento econômico, incentivando a releitura da
obra de um autor que já havia discutido o assunto em outro contexto: o economista Joseph A.
Schumpeter (1982)3. Diversas análises neo-schumpeterianas realizadas a partir da década de
1980 se basearam nessa arquitetura conceitual para investigar a inovação tecnológica entre os
agentes do setor produtivo, criando a corrente teórica chamada de Economia da Inovação.

3
A Teoria do Desenvolvimento Econômico de Schumpeter (1982) é um clássico estudo econômico dos
processos inovativos. Segundo o autor, inovações são novas combinações de forças produtivas. Essas novas
combinações podem significar: 1) novos bens ou novos padrões de qualidade desses bens; 2) novos métodos
produtivos; 3) novos mercados; 4) novas fontes de matérias-primas ou bens semi-manufaturados; 5) novas
formas de organização da indústria (Schumpeter, 1982, p. 48). Para Schumpeter, essas novas combinações são o
centro do desenvolvimento econômico e da competitividade capitalista.

16
Mas por mais que as abordagens dessa nova disciplina enfatizem o protagonismo das
empresas nas mudanças tecnológicas, elas não deixam de reconhecer a relevância de outros
atores e dimensões para o estímulo às inovações tecnológicas. A abordagem da Ciência
Econômica que popularizou os estudos sobre a interação entre empresas e demais agentes é a
dos Sistemas Nacionais de Inovação (SNIs). Esse termo diz respeito aos modos como a
interação dos arranjos políticos, econômicos, científicos, sociais e educacionais de um país
promove um ambiente frutífero às inovações tecnológicas. Nas décadas de 1970 e 1980,
foram realizados diversos estudos de caso sobre a consolidação e os fatores de sucesso dos
SNIs, como o realizado por Freeman (1987) sobre o crescimento econômico do Japão.
No mesmo momento, a Sociologia da Ciência também vivenciava o surgimento de
novas abordagens sobre a atividade científica. Graças aos problemas suscitados pelas
transformações da ciência, a idéia de uma produção científico-tecnológica institucionalmente
autônoma e neutra é posta a prova, o que também põe em cheque a abordagem
institucionalista de Merton (1970). É nesse cenário que emergem os estudos construtivistas
sobre a atividade científica, na passagem dos anos de 1970 para os de 1980. Autores como
David Bloor (1998) e Bruno Latour (2000) defendem a indiferenciação entre a ciência das
demais esferas sociais, uma vez que a atividade científica é tão contextual e contingente
definida quanto todas as outras. Assim como a teoria mertoniana, as particularidades do
paradigma construtivista da Sociologia da Ciência serão discutidas no capítulo 3.
Tais novas abordagens teóricas acerca da atividade científica têm levado a uma nova
postura das Ciências Sociais diante da produção de conhecimentos científicos, e sobre a
relação desta atividade com as demais dimensões sociais. Para Boaventura de Sousa Santos
(2005), as transformações da ciência podem ser vistas como a passagem de uma “Ciência
Moderna”, defensora do conhecimento universal e neutro acerca de uma natureza imutável,
para aquilo que chama de “Ciência Pós-Moderna”. Os cientistas que desenvolvem a “Ciência
Pós-Moderna” reconheceriam o caráter local e contingente da ciência, a semelhança do
conhecimento científico com outras formas de conhecimento acerca do mundo, a capacidade
de mutação dos processos naturais, a possibilidade de reflexão levantada pela expansão do
conhecimento científico e a tendência da ciência em transformar-se em senso comum,
também extraindo elementos do senso comum para a construção de suas práticas. Sousa
Santos (2005) identifica essa transformação não apenas nos aspectos institucionais da ciência
(como mecanismos de gestão e avaliação), mas no surgimento de novas teóricas científicas a
partir do século XX.

17
Outras abordagens, ligadas às Ciências Econômicas e Gerencias, dão ênfase à questão
da produção de conhecimento em um contexto de mercado. Gibbons et al. (1994) salientam
que ao adquirir centralidade na nova economia, o conhecimento passa a ser visto como um
elemento produtivo fundamental a ser apropriado pelas empresas – logo, passível de
comercialização, mercantilização. O conhecimento é uma mercadoria tão importante quanto
insumos, tecnologias materiais e força de trabalho, estando sua produção/circulação sujeita a
um tipo peculiar de mercado. Nos termos da Economia da Inovação, o conhecimento é visto
primordialmente como base das oportunidades de inovação tecnológica (Dosi, 1988).
Com base nessa constatação, Gibbons et al. (1994) realizam uma análise mais ampla
da nova configuração da CT&I e seu relacionamento na economia. Para os autores, assiste-se
atualmente a uma mudança no modo como se dá a produção de conhecimento. Os autores
denominam como Modo 2 uma série de aspectos que contrastam com o formato tradicional
dessa produção (Modo 1). Segundo Gibbons et al. (1994: 3-8) as características do novo
Modo que contrastam com o formato tradicional seriam:
a) Conhecimentos produzidos em seu contexto de aplicação. Desde o início da
pesquisa, já são considerados os imperativos industriais, governamentais e, de maneira mais
geral, sociais. Um conhecimento só é criado e considerado válido se os interesses dos vários
atores envolvidos no contexto forem incluídos.
b) Transdisciplinaridade. As soluções para problemas de pesquisa são cunhadas a
partir das contribuições de diversas disciplinas, e não de uma em particular. Em outras
palavras, no Modo 2, as descobertas são produzidas além das fronteiras disciplinares. Pelo
fato das soluções serem criadas em seus contextos de aplicação, são criados modelos teóricos
próprias ao contexto, e a comunicação dos resultados se inicia já no processo de produção e
depende fortemente dos seus participantes.
c) Heterogeneidade e diversidade organizacional. Não existem conformações rígidas
e duradouras entre instituições. A formação de contratos de parceria e de times de pesquisa é
temporária; assim que um problema de pesquisa é resolvido ou se redefine, se desfazem os
vínculos inseridos no contexto. A multiplicação de instituições aptas a desenvolver atividades
de P&D e o desenvolvimento dos meios de comunicação contribuíram para esse fenômeno.
Em suma, o formato do Modo 2 exige maior flexibilidade dos agentes de pesquisa.
d) Prestação de contas4 à sociedade e reflexividade. As preocupações com os efeitos
da tecnologia sobre o interesse público aumentaram o número de grupos interessados em

4
Tradução do termo inglês accountability, que em alguns casos é traduzido como contabilidade para o
português.

18
influenciar o processo de pesquisa e a definição de prioridades. Para os autores, um reflexo
disso é a presença de cientistas sociais junto a cientistas naturais, engenheiros, técnicos,
policy makers e juristas, refletindo sobre a dimensão social de suas atividades. Nesse
contexto, cria-se a necessidade de prestar contas à sociedade sobre os processos de pesquisa e
seus impactos. Essa prestação de contas deve permear todo o procedimento da pesquisa,
influenciando não só a divulgação de seus resultados, como também desde o início a definição
do problema e de possíveis caminhos a percorrer, como parte integrante do contexto de
aplicação. Interesses de grupos e indivíduos antes vistos como exteriores à dinâmica científica
e inovativa devem ser incorporados. Como conseqüência, aumenta a reflexividade que os
atores do contexto de aplicação possuem sobre suas próprias atividades.
e) Controle de qualidade. No Modo 1, a qualidade das atividades de CT&I e da
produção de conhecimentos era condicionada ao modelo de revisão por pares. A definição de
qualidade encontrava-se atrelada aos imperativos internos da comunidade científica, e o
avanço da ciência é entendido como o avanço de conhecimentos em cada disciplina. A partir
do Modo 2, a definição de “boa ciência” é mais difícil de ser alcançada, pois envolve uma
conformação mais ampla de interesses sociais, econômicos e políticos.
Finalmente, o atual estágio da economia globalizada também influenciou as
transformações da ciência, em particular o relacionamento das atividades de P&D e o setor
produtivo. A Economia do Conhecimento seria a configuração econômica surgida a partir da
década de 1980 na qual o financiamento da pesquisa, as tecnologias de comunicação e a
própria estruturação da ciência sofrem profundas alterações. Por essa perspectiva, pesquisa
científica e tecnológica são fontes de oportunidades estratégicas para os agentes econômicos
inovarem e, com isso, crescerem economicamente. Logo, recursos tão importantes quanto
ciência e tecnologia devem ter sua dinâmica controlada, no sentido de tornar mais eficiente a
relação entre conhecimento, inovação e economia, incentivando modelos de cooperação entre
os agentes (Castells, 1999).
Nesse sentido, uma multiplicidade de agentes é incorporada a dinâmica inovativa. Essa
visão nos leva ao conceito de redes, amplamente utilizado pelos analistas da inovação. Como
afirma Lemos (2000: 169), “vem se considerando a formação de redes como o formato
organizacional mais adequado para promover o aprendizado intensivo para a geração de
conhecimento e inovação”. Na Ciência Econômica, o conceito de redes visa dar conta da
multiplicidade de agentes e interações envolvidas na concepção e na difusão da inovação.
Esses agentes são as empresas, universidades, instituições privadas, governos, consumidores,
etc. A dinâmica interativa entre esses variados agentes configura uma rede de cooperação. O

19
formato, a abrangência e a diversidade de uma rede pode variar bastante, de acordo com o
ambiente em que ela se insere, o(s) tipo(s) de setor(es) da indústria que ela comporta e sua
amplitude (nacional, regional ou local) (Castells, 1999; Lemos, 2000).
A dinâmica da inovação tecnológica em empresas, governos, universidades e IPPs
está, portanto, extremamente vinculada a outro tipo de transformação: a promoção das
inovações organizacionais. Sanidas (2004) ressalta que inovações tecnológicas não são
capazes de aprimorar a produtividade por si só. Seria viável para uma empresa atingir o
crescimento econômico baseando-se apenas em inovações organizacionais, porém o inverso
não é possível, pois as inovações tecnológicas dependem do suporte das organizacionais para
funcionarem de maneira apropriada dentro da produção industrial. Os diferentes níveis de
competitividade econômica das empresas não seriam dados pelos seus resultados da P&D,
mas sim no modo como a P&D é administrada pelas inovações organizacionais.
Esse tipo de inovação está profundamente articulada aos métodos de organização
científica da produção surgidos com o fordismo e complexificados com o advento do regime
de acumulação flexível (toyotismo). A diferenciação e a descentralização da produção, a
fabricação just-in-time, o controle de qualidade total, a flexibilização das relações contratuais
de trabalho e os novos padrões de cooperação inter-firmas são em si mesmos modelos de
inovações organizacionais inerentes ao novo regime (Sanidas, 2004).
Desta forma, com o objetivo de atuar com mais eficiência sobre a pesquisa interna, os
países de capitalismo avançado se interessam mais pelas análises dos processos inovativos. A
geração de informações sobre inovação passa a ser vista como um importante condicionante
de seu sucesso. A Ciência Econômica se volta cada vez mais para a análise da inovação,
principalmente a partir de meados dos anos 1980. Esses estudos procuram examinar a
eficiência das atividades de P&D e de seus padrões organizacionais. Uma maior compreensão
dos processos inovativos resultaria no aumento do arcabouço decisório para gestores e policy
makers. Com isso, defende-se a mensuração quantitativa e qualitativa da inovação, justificada
pela necessidade de compreensão desses fenômenos. Percebe-se que, por essa visão,
compreensão é entendida como sinônimo de universalização e comparabilidade.
Ao se considerar a gerência da P&D e a criação de indicadores como chaves para o
sucesso inovativo, a avaliação da ciência, tecnologia e inovação se enquadra à nova lógica de
pesquisa. Isso significa que as transformações na configuração da CT&I se refletem no modo
como se avaliam seus resultados. Sobre isso, Zackiewicz (2003), argumenta que, na
atualidade, assiste-se a convergência entre as tradições de avaliação interna (revisão por
pares) e externa (governo, avaliadores profissionais, órgãos de financiamento, etc.), a

20
emergência de uma nova gestão pública, que requer indicadores de desempenho e de
programação das instituições de P&D, e a busca por meios efetivos que associem produção
científica e desempenho competitivo.
Logo, com as novas concepções de ciência, tecnologia e de inovação surgidas a partir
da década de 1980, dois dos métodos de avaliação mais usuais são a avaliação de impactos
tecnológicos e os estudos do futuro (prospecção) da CT&I (Zackiewicz, 2003). A primeira
investiga conseqüências do uso de uma ou várias tecnologias ao longo da cadeia produtiva,
seus efeitos na realidade econômica, social e ambiental, além de procurar determinar as
trajetórias que levaram um processo de inovação tecnológica ao sucesso. Já os estudos de
prospecção buscam prever, antes mesmo da implantação da pesquisa, as conseqüências do uso
de uma ou várias tecnologias para a economia, a sociedade e o ambiente, antecipando
possíveis ações ou precauções. Quanto à avaliação de impactos tecnológicos, alguns esforços
têm sido empreendidos no sentido de construir métodos de avaliação mais sistêmicos, que
sejam capazes de abarcar diferentes dimensões de impactos tecnológicos. De acordo com
Furtado (2000), é possível identificar quatro dimensões de impactos que são objeto dos
métodos avaliativos atuais.
A primeira é a avaliação de impactos econômicos. Sua função é mensurar os ganhos
econômicos trazidos por um projeto ou processo inovativo. As metodologias mais utilizadas
nesse caso são avaliações ex-ante e/ou ex-post de contabilidade da relação custo/benefício
advinda da inovação. A segunda é a avaliação de impactos sociais. Segundo Furtado (2000),
as metodologias que avaliam impactos sociais são bem menos presentes do que as de
impactos econômicos; em geral, instrumentos que dizem analisar impactos sócio-econômicos
se restringem a essa última dimensão. Com isso, as avaliações sócio-econômicas investigam
como os gastos com P&D transformam-se em ganhos socializáveis e contribuem para o
desenvolvimento social. O intuito é legitimar esses gastos. A terceira é a avaliação de
impactos ambientais. Assim como as avaliações de impactos sociais, essas avaliações também
surgiram como avaliações econômicas de impactos ambientais, isto é, contabilizam danos ou
benefícios trazidos pelo processo inovativo ao meio ambiente. Atualmente, calculam-se os
impactos a partir da unidade de medida original (agricultural, agropecuária, etc.),
identificando como a situação da unidade avaliada se transformou após a implantação de uma
inovação, diferenciando-a da situação precedente. A última e mais recente é a avaliação de
impactos sobre capacitação, em outros termos, impactos político-institucionais. Com a
percepção da importância das inovações organizacionais, os próprios processos de
aprendizagem, de gerenciamento e de aperfeiçoamento organizacional passam a ser

21
mensurados. O que se mensura é o aprendizado das empresas e instituições, a formação de
redes de cooperação, a capacitação de recursos humanos, conhecimentos codificados e tácitos
presentes em um processo inovativo, etc. (Furtado, 2000).
Partindo para a análise das implicações mais gerais desses métodos da avaliação, Rip
(2001) discute o modo como eles se inserem na nova realidade da CT&I. Segundo o autor, um
dos principais desafios que se apresentam aos modelos de avaliação nesse contexto é se voltar
para os problemas estratégicos da P&D. Para tanto, três aspectos da avaliação são
fundamentais: a) dar base às decisões de gestores; b) permitir mudanças estratégicas nos
rumos da P&D; c) fornecer prestação de contas quanto aos recursos destinados às atividades
científicas e tecnológicas.
O suporte às decisões de gestores e policy makers é possibilitado pelo julgamento que
a avaliação promove sobre os impactos da pesquisa. As decisões possibilitadas pela avaliação
estão, em geral, relacionadas com a conquista de financiamento e contratos de pesquisa com o
setor público ou privado. Para que a avaliação funcione como suporte às decisões, os
resultados da avaliação são transformados em indicadores (principalmente quantitativos).
Deste modo, como lembra Rip (2001) instrumentos de avaliação vêm sendo aplicados tanto
no nível micro-sistêmico (sistema de P&D de uma instituição, universidade ou empresa) ou
macro-sistêmico (sistema de P&D de um país ou região).
Os atores político, econômicos, científicos e outros podem não apenas administrar o
sistema de P&D existente, mas também operar algumas transformações em seu
direcionamento. Além disso, nem sempre os objetivos e resultados das atividades de P&D são
satisfatórios. Esses fatores levam à necessidade de mudança estratégica de seus rumos. Nesse
contexto, a avaliação poderia auxiliar no diagnóstico da P&D, e seus resultados devem ser
apropriados pelos agentes interessados nessa mudança (Rip, 2001). Percebe-se, deste modo, a
convergência entre a prática de avaliar e a prática de planejar. Avaliação e gestão se
transformam em duas faces do mesmo procedimento: a busca pela coordenação e organização
da inovação (Zackiewicz, 2003). A avaliação da CT&I permite gerenciar melhor os processos
inovativos, assim como avaliar os resultados do gerenciamento promove o aprendizado e o
aprimoramento das pesquisas e dos mecanismos de incentivo à inovação.
Além da visão estratégica necessária à avaliação, Rip (2001) identifica outros três
desafios: aprimorar os sistemas de pesquisa nacional, determinar impactos diretos e indiretos
da inovação e incorporar as visões dos novos stakeholders5 à avaliação. Em primeiro lugar, a
avaliação deve fornecer subsídios para que a P&D de um país possa melhorar
5
Agentes “portadores de interesse”.

22
substancialmente. Ela deve demonstrar, através de representações e indicadores, o que
funciona e o que não funciona em um Sistema Nacional de Inovação, em um modelo de
políticas científicas e tecnológicas ou em esforços de P&D empreendidos por cientistas e
engenheiros. Esse tipo de aplicação para os resultados da avaliação é incentivada pelos países
de capitalismo avançado e por organismos como a OCDE, com base em modelos “ideais” de
SNIs. Nesse sentido, o avaliador não é apenas um crítico do que foi feito no passado, mas um
importante crítico construtivo para o futuro (Rip, 2001).
Contudo, os métodos de avaliação encontram dificuldades em definir com clareza
quais são os impactos advindos da inovação. O paradigma neo-schumpeteriano discutiu a
incerteza dos rumos da inovação (Dosi, 1988); do mesmo modo, a conexão ente a atividade de
pesquisa e seus “efeitos” é difusa e incerta para ser avaliada com precisão. Além disso, é
difícil determinar qual esforço de pesquisa promoveu qual efeito, pois os usuários da inovação
estão em contato com diferentes resultados de pesquisa ao mesmo tempo, o que torna
complicada a tarefa de atribuir impactos a seus devidos responsáveis. Em outros termos, há
uma co-produção de impactos tecnológicos que a avaliação, ao reduzir a complexidade de
uma certa realidade, possui problemas em analisar6 (Rip, 2001).
Finalmente, talvez o maior desafio para os métodos de avaliação contemporâneos seja
colocado pela multiplicidade de fatores e agentes envolvidos em processos inovativos. A
partir do momento que surge uma concepção mais ampla e dinâmica de inovação, são
identificados novos agentes que se encontram envolvidos nos esforços de P&D – ou ao menos
interessados em seus resultados. Como exemplo, Rip (2001) cita o interesse pelos aspectos
éticos, legais e sociais da CT&I, pelos quais ela é julgada pela sociedade. Incorporar esses
aspectos, fazendo a avaliação abarcar dimensões muito além da economia, é mais complexo
do que parece, uma vez que aspectos sócio-culturais colocados pelos novos agentes
dificilmente se traduzem satisfatoriamente em indicadores e dados estatísticos.

3 Avaliação da atividade científica no olhar da Sociologia da Ciência

3.1 Sociologia da ciência clássica: paradigma mertoniano

6
A isso se soma o problema do tempo que uma inovação leva para produzir impactos. Rip (2001, p. 2-33) afirma
que em alguns casos, avaliadores identificaram impactos que começaram a se manifestar apenas dez anos depois.
Entretanto, estabeleceu-se entre os avaliadores a convenção de que três anos é um tempo razoável para se
identificar impactos.

23
No capítulo anterior, foram apresentados os principais elementos dos diferentes
períodos da atividade científica. Esses períodos, por sua vez, não deixaram de ser
problematizados pela sociologia. As mudanças no contexto da atividade científica
produziram, por sua vez, alterações no modo como a sociologia investiga a ciência. Nesta
seção serão apresentados alguns elementos da obra de Robert Merton, cujas características,
como se perceberá, estão profundamente vinculadas ao que se denomina como “Modelo
Linear” das práticas de P&D,
O pioneirismo de Robert Merton no estudo sociológico da ciência deve-se ao fato de
que ele foi um dos primeiros pesquisadores a analisar a ciência como uma instituição social,
de modo similar, por exemplo, ao Estado ou à religião. O argumento central de Merton (1970)
é que a ciência influencia e é influenciada por outras instituições sociais, constituindo uma
atividade social fundamentada em valores normativos que regulam o funcionamento interno
dessa instituição e contribuem para diferenciá-la das demais.
Dois fatores do contexto acadêmico do qual Merton fez parte, nas décadas de 1930,
1940 e 1950, influenciaram a sociologia mertoniana. Primeiramente, o autor procura integrar
duas perspectivas antagônicas que predominavam no campo da sociologia norte-americana
nesse período: por um lado, a grande teoria social, formuladora de modelos teóricos
sistêmicos, sem se preocupar com os dados empíricos; por outro, o excessivo empirismo
sociológico voltado para análises do cotidiano micro-social, sem promover generalizações
teóricas7. Merton (1970) concebe uma abordagem sociológica que, a partir de análises de
“médio alcance” e problemas bem delimitados, procura realizar estudos que abarquem tanto o
levantamento empírico como a generalização teórica. Nesse sentido, o aspecto chave da
sociologia mertoniana é a perspectiva funcionalista das instituições sociais.
Em segundo lugar, outros autores já haviam lançado um olhar sociológico para as
relações entre ciência, tecnologia e sociedade, como Karl Marx (2004), Max Weber (2002;
2006), Émile Durkheim (2007), Karl Manheim (1972). Entretanto, Merton foi o primeiro a
consolidar um programa de pesquisa sobre a atividade científica tratada como uma instituição
social, sendo possível falar em uma “escola mertoniana” de sociologia da ciência. Ele
procurou analisar não só como ciência e tecnologia causam transformações na sociedade, mas
também como a sociedade interfere na produção científica e tecnológica.
Nesse sentido, a sua primeira investigação acerca da atividade científica recaiu sobre o
processo de institucionalização da ciência na Inglaterra do século XVII. É nela que Merton

7
Como principais exemplos dessas duas abordagens, podem-se citar a teoria dos subsistemas de Parsons e as
análises empíricas da Escola de Chicago.

24
(1970) introduz o tema da inter-relação entre a ciência e outras instituições sociais,
fundamento da sua visão sobre essa atividade. Naquele período, a valorização da natureza no
pensamento religioso puritano acabou por influenciar e incentivar o espírito científico, que na
época emergia como uma forma sistemática, racional e empírica de se estudar as leis naturais.
Esse relacionamento se intensificou a partir do momento que as instituições científicas
inglesas, como universidades e associações, passaram a contar com puritanos entre seus
membros. Desta forma, o puritanismo formulou justificativas para a prática científica e,
consequentemente, conferiu maior legitimidade social à ciência, contribuindo para sua
expansão (Merton, 1970).
A partir desse estudo é possível identificar a interdependência funcional da ciência
com outras instituições sociais. De acordo com Merton (1970), a atividade científica recebe
interferência das condições ideológicas, políticas, econômicas, culturais e institucionais na
qual está inserida, além de também interferir nessas condições. O caso da emergência da
ciência moderna na Inglaterra durante o século XVII é um exemplo desse fenômeno.
A discussão sobre a interdependência funcional da ciência levou o autor a se interessar
pelo estudo detalhado daquilo que seria a especificidade dessa instituição, que a diferencia das
outras instituições sociais e fornece as bases da prática científica autônoma. Nesse sentido,
Merton (1970) afirma que a atividade científica, como qualquer instituição social, é dotada de
valores normativos que regulam as práticas de seus membros e determinam o comportamento
moralmente aceito pelos agentes da instituição. É esse conjunto de valores e normas que o
autor denomina ethos científico. Nas palavras do sociólogo, “esses imperativos, transmitidos
pelo preceito e pelo exemplo e reforçados por sanções, são assimilados em graus variáveis
pelo cientista, formando assim sua consciência científica [...]” (Merton, 1970, p. 653).
Segundo Merton (1970), quatro imperativos institucionais compõem o ethos científico:
1) universalismo: a verdade deve advir de critérios impessoais e universalmente válidos, e
todas as pessoas que se mostrem cientificamente competentes tem o direito de ser cientistas;
2) comunismo: o conhecimento científico deve ser público, ou seja, os resultados da ciência
são de propriedade comum dos cientistas e da sociedade; 3) desinteresse: os cientistas devem
realizar suas pesquisas sem se interessar pelos frutos de seus resultados; 4) ceticismo
organizado: “duvidar” é um princípio prático e moral, pois todas as crenças e conhecimentos
socialmente aceitos podem e devem ser postos a prova para comprovação científica.
Tal abordagem funcionalista distingue entre os “motivos” individuais dos cientistas e
os valores normativos de suas atividades. No cotidiano de seu trabalho, as ações dos cientistas
podem ser motivadas por vários fatores, por exemplo, desde a curiosidade por aprender até a

25
esperança de lucros financeiros. Entretanto, as normas institucionais canalizam essas
motivações, levando os cientistas a se adequar às atitudes institucionalmente reconhecidas e
validadas. Destarte, o sociólogo não se propõe a analisar os motivos dos agentes mas sim o
modo como suas ações se adequam ao ethos da estrutura institucional (Merton, 1970).
Na visão do paradigma mertoniano, o ethos possui uma função específica para essa
atividade, que é a estabilidade institucional da ciência, ou seja, a garantia de que os cientistas
persigam a sua “meta institucional” – a ampliação dos conhecimentos comprovados – sem
serem perturbados pelas pressões advindas do contexto extra-científico. Para citar alguns
exemplos, o universalismo impede que particularismos sócio-culturais definam a “verdade”
cientificamente aceita, e o desinteresse implanta o controle das motivações individuais que
permite um policiamento interno sobre o cumprimento dos compromissos com a comunidade.
A perspectiva aqui exposta ausenta de problematização sociológica o conteúdo
propriamente científico das práticas de pesquisadores e técnicos. Nas palavras de Merton,
“aqui estamos tratando, preliminarmente, da estrutura cultural da ciência, isto é, de um
aspecto limitado da ciência como instituição. Assim, pois, examinaremos não os métodos da
ciência, mas os costumes que os circundam” (1970, p. 652). Processos naturais, abstrações
teóricas, demonstrações, metodologias, instrumentos técnicos, etc. não são objetos da análise
sociológica. Logo, para o paradigma mertoniano, a dinâmica social da produção científico-
tecnológica resume-se ao nível institucional das atividades de seus agentes, sem se confundir
com o conteúdo cognitivo e/ou técnico pelo qual essa atividade se constitui.
Mesmo sem focar seus estudos no conteúdo das práticas científicas, Merton (1970)
não deixa de analisar a inovação tecnológica. Um dos aspectos importantes da tecnologia na
abordagem mertoniana é sua funcionalidade para a prática da ciência, pois os objetos técnicos
produzidos pelas pesquisas básicas são a origem de grande parte da legitimidade que essa
atividade adquire diante do senso comum. Para o autor, a sociedade pode não compreender os
conhecimentos científicos abstratos, mas por crer que estes são as bases das tecnologias que
usufrui, ela apóia e corrobora a autonomia científica para que seus subprodutos tecnológicos
continuem a ser promotores de consumo e bem-estar. Todavia, quando esses objetos passam a
produzir efeitos negativos para a sociedade, como o desemprego estrutural ou o acirramento
das desigualdades, ela deixa de apoiar a autonomia da ciência e passa a exigir maior controle
sobre seus resultados, criando-se assim uma nova fonte de hostilidade contra a ciência.
Outro exemplo de pesquisa deste paradigma sobre o tema da produção tecnológica é
uma breve discussão sobre os efeitos das condições políticas, econômicas e culturais no
trabalho dos engenheiros (Merton, 1970). Segundo ele, as possibilidades dos engenheiros

26
refletirem criticamente sobre as amplas conseqüências de seu trabalho encontram barreiras
nas condições sociais em que ele exerce suas tarefas. Merton (1970) destaca três dessas
barreiras: 1) a especialização impede um olhar sistêmico do engenheiro sobre os resultados de
suas ações; 2) a ética profissional, conseqüência da especialização, faz com que os
engenheiros desempenhem suas funções pontualmente, sem se responsabilizar pelos efeitos de
seu trabalho; 3) a burocratização configura uma hierarquia social na qual o engenheiro apenas
produz técnicas ajustadas às rígidas demandas industriais ou políticas, cabendo ao
administrador ou gestor aplicá-las de acordo com seus interesses. Além disso, a origem social
e as lealdades profissionais desses indivíduos também determinariam suas intenções e pontos
de vista. De acordo com Merton (1970), enquanto tais condições limitarem as perspectivas
dos engenheiros, a produção tecnológica continuará a carecer da reflexividade necessária a
minimização dos impactos negativos do desenvolvimento técnico.
É a partir dos estudos sobre a interdependência funcional da ciência e sobre a
estabilidade da instituição que emerge o tema da avaliação das práticas de pesquisa no
paradigma mertoniano. Para Merton (1970), se as inter-relações da ciência com outras
instituições são capazes de levar à expansão científica, essas mesmas inter-relações também
podem representar um perigo para a autonomia institucional. Segundo ele, a ciência se
defronta a todo instante com pressões de origem externa, como ingerências do Estado,
ideologias políticas, critérios de utilidade do conhecimento, etc. Em certos contextos, esses
elementos pressionam de tal modo as práticas científicas que os rumos dessas práticas podem
sair do domínio dos cientistas e técnicos e serem ditados por agentes não pertencentes a essa
instituição. Na visão do autor, isso constitui um problema para a autonomia da ciência na
medida em que esses outros agentes extra-científicos não partilham dos mesmos valores para
controlar, avaliar e julgar o conhecimento técnico-científico.
Nesse sentido, temas como os conflitos advindos da relação entre ciência e Estado
mereceram especial atenção de Merton (1970), como na análise acerca da atividade científica
sob o regime nazista alemão. Naquele período, a ciência ficou suscetível aos critérios políticos
e ideológicos do regime totalitário. A produção dos cientistas era avaliada não por seu
conteúdo teórico-metodológico, mas pela “raça” ou pela ideologia política do pesquisador. O
comando estatal concedia autoridade e prestígio aos cientistas mais alinhados à ideologia
oficial, enquanto os cientistas não-arianos ou os que se mostravam inimigos do Estado eram
perseguidos tanto política quanto cientificamente; nesses casos, os resultados de suas
pesquisas deveriam ser considerados “equívocos” teóricos. Deste modo, Merton percebe que

27
em casos de extrema pressão externa os critérios na definição do “erro” e da “verdade”
científica são fornecidos por valores externos à ciência.
A partir da crítica ao que denomina como “hostilidade” contra a ciência no contexto
do nazi-fascismo, o autor conclui que outras ordens sociais são mais favoráveis ao
desenvolvimento autônomo da atividade científica, pois permitem a descentralização política
necessária à interação livre entre diferentes instituições sociais. Merton (1970) tem em mente
a sociedade democrática norte-americana como modelo ideal para que se garanta a auto-
regulação da ciência, em um momento marcado pela consolidação do Welfare State.
Todavia, por restringir a análise da ciência a sua esfera institucional, a abordagem de
Merton (1970) leva a crer que o “erro” científico é resultado das interferências extra-
científicas nas atividades de pesquisa, enquanto a “verdade” seria alcançada preservando-se a
autonomia da instituição e o bom uso do método científico. Uma das mais contundentes
críticas ao paradigma mertoniano diz respeito justamente a esse olhar funcional da atividade
científica que, de certo modo, corrobora a visão oficial idealizada pela comunidade. Para a
perspectiva mertoniana, tem-se uma “boa” ciência quando os cientistas definem os rumos de
seu trabalho e avaliam os resultados das pesquisas fundamentados em critérios
cientificamente aceitos; mas quando outros agentes e critérios extra-científicos são utilizados
para direcionar e avaliar a ciência, cria-se um conhecimento “pervertido” ou mesmo “falso”.
É com essa perspectiva que, Segundo Kropf & Lima (1998), Merton passa a analisar o
sistema de recompensas (reward system) da ciência, isto é, o modo os agentes da instituição,
através dos mecanismos internos de avaliação dos resultados científicos, distribuem o
reconhecimento e o prestígio entre seus membros. Na realidade, o tema das recompensas já
está presente na análise da estrutura normativa da ciência; para Merton (1970), o imperativo
institucional do desinteresse definiria que a única forma aceita de se recompensar um cientista
seria o reconhecimento de suas contribuições teóricas por parte dos pares.
Para essa visão, os melhores cientistas produziriam mais, fazendo com que sejam mais
bem avaliados e, consequentemente, mais reconhecidos pelos pares. Haveria ainda uma
linearidade entre o prestígio científico e a publicação, de acordo com a qual a contagem de
publicações citadas de um cientista seria o meio ideal de se mensurar sua competência e
sabedoria. Deste modo, os cientistas com maior prestígio seriam aqueles que, de fato,
contribuíram decisivamente para a expansão dos conhecimentos científicos comprovados 8
8
O paradigma mertoniano chegaria a analisar o problema dos conflitos internos em investigações realizadas a
partir da década de 1950. Segundo Kropf & Lima (1998), nesse período Merton identifica casos onde o sistema
de recompensas da ciência entra em conflito com os valores normativos dos cientistas. Nesses casos, a busca
pela meta institucional levou cientistas a adotarem um comportamento considerado por Merton como
disfuncional e desviante. Esse fenômeno, chamado pelo autor de “Efeito Mateus” da ciência, demonstraria que

28
(Merton apud Bourdieu, 2001). Esse argumento fortalece o uso da cienciometria e a
construção de índices bibliométricos para se avaliar a ciência. Contudo, conforme identifica
Bourdieu (2001), a abordagem funcionalista mertoniana deixa de problematizar os conflitos
internos entre os cientistas ao considerar que as avaliações e o sistema de recompensas
atuariam com justiça (desde que a autonomia da instituição fosse garantida).
Os trabalhos de Merton fundaram as bases da sociologia da ciência. Segundo Shinn
(1999), a partir da década de 1940 diversas análises fundamentadas no referencial desses
trabalhos se dedicaram a estudar a ciência enquanto uma instituição social. Shinn cita como
exemplo o sociólogo Joseph Ben-David, que naquele período investigou a profissionalização
da atividade científica partindo de um olhar institucional. Por três décadas, o paradigma
mertoniano seria hegemônico nas investigações em sociologia da ciência. Esse cenário só
começaria a mudar no início dos anos de 1970, com a crescente difusão das idéias expressas
na obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, publicada em 1962 por Thomas Kuhn.

3.2 Nova sociologia da ciência: construtivismo e teoria ator-rede

O filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn propõe que o desenvolvimento


científico não é um fenômeno contínuo e evolutivo, mas sim marcado por grandes rupturas
teórico-metodológicas denominadas “revoluções científicas” (Kuhn, 2005). Em um sentido de
certo modo próximo à tese do paradigma mertoniano, Kuhn considera a adesão a valores e
normas ditadas pela comunidade científica como um elemento fundamental na definição da
conduta dos pesquisadores. O próprio conceito de “paradigma” tem sua origem na obra
kuhniana, e diz respeito justamente a esse conjunto de normas comunitárias que caracterizam
a atividade científica. Essas normas definem os problemas a serem pesquisados, as
metodologias válidas para investigá-los e as respostas satisfatórias aos enigmas (puzzles) da
pesquisa. Elas são aceitas por boa parte dos cientistas de uma área ou disciplina e, com isso,
são internalizadas por eles e determinam o padrão de conduta aceito hegemonicamente pela
comunidade, constituindo a chamada “ciência normal”. Um paradigma atinge o esgotamento
quando seu referencial teórico-metodológico torna-se incapaz de explicar novos problemas

diferentes posições sociais na estrutura institucional podem levar seus agentes a adaptarem suas ações para
atingirem a meta da instituição, mesmo que isso signifique negar alguns elementos do ethos científico. No
entanto, o fato de Merton tratar esses casos como desviantes ou anômalos comprova que o autor não procurou
desenvolver um estudo sistemático desse fenômeno como pertencente a própria dinâmica estrutural da ciência.

29
emergidos no seio do próprio cotidiano da ciência normal; segundo o autor, é esse processo
que desencadeia as revoluções científicas (Kuhn, 2005).
Ora, é de fundamental importância compreender a diferença entre o conceito de
paradigma exposto por Kuhn (2005) e o de ethos exposto por Merton (1970), pois é essa
distinção que permitirá profundas mudanças no campo da sociologia da ciência. Conforme
apontam Kropf & Lima (1998), uma primeira distinção diz respeito à idéia de “norma” que,
na abordagem kuhniana, tem suas raízes na noção de “regra” da filosofia wittgensteiniana.
Para Kuhn (2005) o conteúdo das normas científicas são fundamentadas nas próprias
atividades dos cientistas, ou seja, seus significados são construídos coletivamente ao longo
das ações concretas em que essas normas são empregadas. Assim sendo, Kuhn nega que as
normas da ciência sejam estáticas e preexistentes à ação, conforme enxerga a abordagem
mertoniana a partir da noção de ethos.
Outro aspecto que diferencia Merton e Kuhn diz respeito à questão da autonomia
científica. Para Merton (1970), mesmo nos momentos de maior autonomia institucional o
ethos científico tem suas normas definidas a partir da funcionalidade destas para a
manutenção da autonomia diante das pressões externas. Logo, para a visão mertoniana, por
mais que o ethos científico seja uma especificidade da instituição, ele só emerge e se define
através do relacionamento entre a ciência e a estrutura social mais ampla. Contrariando esse
argumento, as noções kuhnianas de “paradigma” e “ciência normal” sugerem que, nos
momentos de estabilidade, as normas que regulam as práticas dos cientistas chegam a adquirir
autonomia do restante da sociedade. Segundo Kuhn (2005), por mais que essa autonomia seja
enfraquecida e receba interferência de valores externos nos momentos de revoluções
científicas, a partir do momento que um paradigma se estabiliza no cotidiano da atividade
científica suas normas se tornam independentes do contexto macro-social.
Por fim, o conceito de paradigma transcende o tratamento institucional da ciência, ao
englobar um elemento evitado pela abordagem mertoniana: o conteúdo do conhecimento
científico. Na perspectiva de Kuhn (2005), o contexto sócio-institucional e o conteúdo
cognitivo são partes indissociáveis da atividade científica. É nesse sentido que o conceito de
paradigma não trata apenas dos imperativos morais da ciência (como o faz o conceito
mertoniano de “ethos”) mas também aspectos teóricos e metodológicos das normas que
compõem os argumentos, problemas, métodos e técnicas dessa atividade.
Kuhn impactou o campo da epistemologia na década de 1960, mas não foi absorvido
diretamente pela sociologia da ciência. Suas possíveis contribuições teóricas só seriam
discutidas por essa disciplina a partir dos anos de 1970, quando foram defendidos diferentes

30
pontos de vista sobre sua obra. Segundo Trevor Pinch (apud Kropf & Lima, 1998), duas
interpretações das teses de Kuhn emergiram entre os autores da sociologia da ciência: uma
“conservadora” e outra “radical”. A interpretação “radical” levou ao limite as teses da
construção coletiva do conhecimento científico e da indissociabilidade entre o contexto social
e o conteúdo cognitivo da ciência – e, diga-se de passagem, desconsiderou parte daquilo que o
próprio Kuhn afirmou sobre a autonomia científica. Por essa visão, a ciência é uma atividade
extremamente contingente, contextualizada e socialmente determinada. Essa interpretação deu
origem ao paradigma construtivista, um novo olhar sobre a ciência que transformou
decisivamente os estudos sociológicos sobre a atividade científica.
O primeiro a adotar as teses de Kuhn para tal abordagem sociológica da atividade
científica é David Bloor. Para Bloor (1998), a maior limitação das análises que enfatizam o
nível institucional da ciência é o fato dos estudos explicarem o “erro” pela influência do extra-
científico e a “verdade” pelo respeito à autonomia institucional. Como Kuhn, Bloor (1998)
parte de uma visão wittgensteiniana segundo a qual os as “crenças” da ciência e os critérios de
“verdade” são construções coletivas, produtos de uma intensa negociação social. Com esses
pressupostos em mente, o autor propõe o que denomina como um “Programa Forte” para esse
campo de estudos, que seria composto por quatro princípios: 1) causalidade: devem ser dadas
explicações causais sobre as condições que levaram a produção de um conhecimento; 2)
imparcialidade: o sociólogo deve ser imparcial quanto à “verdade” ou “falsidade” dos
conhecimentos expressos pelos agentes; 3) simetria: as mesmas causas devem explicar os
conhecimentos considerados “verdadeiros” e os “falsos”; 4) reflexividade: os princípios da
sociologia da ciência devem ser aplicáveis à própria sociologia.
Como lembra Kreimer (1999), embora o programa forte proposto por Bloor não tenha
se consolidado, suas idéias foram aprimoradas em maior ou menor grau por outras correntes
do paradigma construtivista. Particularmente, o princípio de “simetria” é uma importante
contribuição a esse paradigma; a idéia de que os estudos sobre a ciência devem abarcar tanto
o “acerto” como o “erro” das controvérsias científicas, sem distinção, culminou em um
crescente relativismo quanto à ciência. A perspectiva construtivista passa a defender que o
conhecimento científico não se diferencia das outras crenças sociais e que, do mesmo modo,
os processos sociais que criam os conhecimentos científicos e os não-científicos são
basicamente os mesmos. Sobre esse ponto, merecem destaque os estudos de etnografia do
laboratório, os quais mais tarde permitiram o surgimento da teoria ator-rede.
O estudo etnográfico do laboratório parte do princípio que as leis físicas, os
componentes biológicos, os materiais orgânicos, os procedimentos técnicos, enfim, que os

31
elementos e processos tidos como “naturais” não são fatos captados ou descritos pelos
cientistas; pelo contrário, são fabricados ou produzidos nas atividades cotidianas dos
pesquisadores. Deste modo, o objetivo das etnografias de laboratório é analisar de que modos
as práticas sociais dos cientistas fabricam os conteúdos cognitivos e técnicos que fazem parte
das controvérsias científicas. Os autores mais associados a essa corrente de estudos são Karin
Knorr-Cetina (2005) e Bruno Latour, este último a partir de seus primeiros trabalhos (como
em Latour & Woolgar, 1997).
Um importante instrumento dessa abordagem sobre a ciência é a análise dos
enunciados e modalidades proferidas pelos cientistas (cf. Latour & Woolgar, 1997). As
modalidades procuram qualificar ou modificar um enunciado, podendo atribuir-lhe um caráter
positivo ou negativo. As modalidades positivas afastam um enunciado das condições humanas
de produção e o tomam como um fato “dado” e “verdadeiro”, possibilitando seu uso em
outras práticas de pesquisa. Já as negativas expõem as condições de produção de um
enunciado, procurando demonstrar a fraqueza de seu conteúdo e, com isso, transformá-lo em
“equívoco” ou “falsidade”, recusando sua aceitação enquanto conhecimento comprovado9.
Deste modo, as atividades dos cientistas adquirem um aspecto de persuasão, retórica,
manipulação e poder – ou seja, política – visto que o conhecimento científico é composto nos
enunciados dos agentes por meios tácitos, como no dia-a-dia do laboratório, e formais, como
nos artigos científicos. O conteúdo cognitivo da ciência seria, portanto, resultado da
manipulação utilitária dos pesquisadores (Latour & Woolgar, 1997; Knorr-Cetina, 2005).
Mas o que, segundo o paradigma construtivista, motiva os agentes científicos a agirem
politicamente? Merton (1970) havia enxergado que, por mais variadas que fossem as
motivações dos cientistas, o ethos científico e seu conseqüente sistema de recompensas seriam
os “filtros” definidores das práticas desses agentes. Contrariando essa visão, o construtivismo
acredita que os cientistas agem conscientemente interessados apenas em benefícios
particulares, desejando consolidar suas teorias ou objetos técnicos a todo custo; eles são
capazes de fazer qualquer coisa para isso, independente de constrangimentos ou de valores
morais e/ou científicos. No limite, o pesquisador é visto como o expoente do empresário
9
Sobre essa questão, Latour fornece alguns exemplos de enunciados e modalidades: “A) A estrutura primária do
hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH) é Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala; B)
Agora que o Dr. Schally descobriu a estrutura primária do GHRH, é possível dar início a estudos clínicos em
hospitais para tratar de certos casos de nanismo, visto que o GHRH deve estimular o hormônio do crescimento
carente nesses casos; C) O Dr. A. Schally afirmou durante vários anos em seu laboratório de New Orleans que
a estrutura do GHRH é Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala. No entanto, por incrível coincidência, essa
também é a estrutura da hemoglobina, componente comum do sangue e freqüente contaminante do extrato de
encéfalo purificado, quando a manipulação é feita por pesquisadores incompetentes” (Latour, 2000, p. 42). No
caso, B é modalidade positiva, pois toma o enunciado A como uma verdade, um fato a fundamentar pesquisas
futuras. Já a modalidade C é negativa, pois questiona e invalida do conteúdo de A tornando-o um erro humano.

32
capitalista, isto é, um empreendedor individualista a todo instante agindo somente em prol do
sucesso de suas teorias e/ou tecnologias. Nas palavras de ,
É essa concepção de ciência, enfim, que determina o modo como paradigma
construtivista enxerga o processo de avaliação da ciência: como parte integrante da produção
de conhecimentos. Segundo Knorr-Cetina:

[...] se olharmos o processo de produção do conhecimento detalhadamente, veremos


que os cientistas remetem constantemente suas decisões e seleções à resposta
esperada de determinados membros dessa comunidade de “validadores”, ou aos
preceitos da revista em que desejam publicar. As decisões se baseiam no que está
hot e no que está out, naquilo que “podemos” e “não podemos” fazer, com quem
terão que associar-se quando formularem tal afirmação. Em resumo, os
descobrimentos do laboratório são feitos, como parte essencial de sua consistência,
com um olho posto na potencial crítica ou aceitação (e nos potenciais aliados e
inimigos!) (Knorr-Cetina, 2005, p. 65-66).

Deste modo, as descobertas da pesquisa científica e a validação (isto é, a avaliação


positiva) desses novos conhecimentos são inseparáveis, pois é só através da validação da
teoria pelos pares que o conhecimento adquire legitimidade e, sabendo disso, os cientistas já
“adequam” suas práticas tendo em vista serem aceitos por aqueles que julgarão seu trabalho.
Cabe ressaltar quem Knorr-Cetina (2005) considera como “avaliadores”: os próprios
cientistas, ou seja, os membros da mesma comunidade que, consequentemente, partilham de
critérios semelhantes para julgar a prática científica. Os agentes que avaliam a ciência são, por
esse ponto de vista, tanto os produtores como os clientes das pesquisas, pois é a partir destas
últimas que os cientistas selecionam os elementos que pretendem manipular e, deste modo,
dar continuidade à fabricação de conhecimentos. Dito de outra forma, os resultados das
avaliações retroagem sobre a atividade científica e contribuem para sua expansão.
Ora, mas se os pesquisadores adaptam suas atitudes conscientes dos critérios e dos
atores pelos quais serão avaliados, isso não comprovaria que, por mais contingente e
contextual que possa ser a prática científica, ela deva se adaptar a certos princípios e normas
específicas e gerais da ciência? Não é essa a conclusão das etnografias de laboratório. Pelo
contrário, entre as práticas de pesquisa arbitrárias e os critérios de conduta mais ou menos
estáveis, a visão “radical” do paradigma construtivista prefere enfatizar as primeiras e abolir
as últimas. Nas palavras de Mattedi (2007), tais investigações pretendem demonstrar que o
rigor, a consistência e a universalidade dos fatos científicos constituem o resultado de práticas
sociais locais, contingentes e oportunistas, e não de padrões de conduta estáveis e universais.

33
Com o passar do tempo, as contribuições das etnografias de laboratório foram levadas
ao extremo pelo paradigma construtivista que, desta forma, expandiu suas análises para além
dos cientistas e do laboratório. Nesse sentido, a chamada teoria ator-rede foi concebida por
Michel Callon e Bruno Latour a partir dos anos de 1980 na tentativa de avançar nas
discussões colocadas pelo paradigma construtivista.
Segundo a teoria ator-rede, um fato ou um objeto não são apenas transmitidos de um
ator para os outros; esses mesmos fatos e objetos são coletivamente compostos pelos atores, e
isso é uma das propriedades fundamentais que diferencia a Teoria ator-rede do paradigma da
Economia da Inovação. A idéia de “rede” (network) presente na abordagem construtivista não
pode ser confundida – como o faz a Ciência Econômica – com a noção advinda da internet.
Essa confusão poderia fazer crer que a informação se difunde pela rede sem interferências,
sem transformações, igualmente presente para todo usuário da internet. Pelo contrário, a idéia
de rede na perspectiva da teoria ator-rede contempla transformações do conteúdo, bem como
dos próprios atores que o compõem.
Percebe-se que ou os outros atores tomam a afirmação original em suas mãos, ou
simplesmente ignoram. Esse fenômeno coloca uma incerteza aos atores que pretendem
consolidar um fato ou um objeto técnico: se os outros atores não tomam a afirmação para si,
ela não teve sucesso, e será facilmente esquecida; se tomarem, poderão transformá-la de tal
forma que terá origem uma afirmação totalmente diferente, sobre a qual ficará difícil definir
quem teve a responsabilidade original. A única solução para o construtor de fatos será, de um
lado, alistar outras pessoas que participem e fortaleçam a construção dos fatos, e de outro,
controlar o comportamento delas para que suas ações sejam previsíveis. São tais
procedimentos que recebem de Latour (2000) o nome de translação de interesses, e de Callon
(1992) o nome de tradução, ambos se referindo ao mesmo processo de composição coletiva
dos fatos e objetos técnicos.
O conceito de translação engloba “a interpretação dada pelos construtores de fatos aos
seus interesses e aos das pessoas que eles alistam” (Latour, 2000, p. 178). Isso significa que
um ator em busca de consolidar suas teorias ou seus objetos técnicos não deve apenas
promover modalidades sobre as afirmações alheias, mas tentar garantir que suas intenções
sejam confirmadas ou reforçadas pelos outros atores envolvidos no processo. Para tanto,
tentam alinhar os objetivos dos outros aos seus próprios objetivos (ou o inverso), com isso
recrutando aliados que reforcem a associação. Dito de outro modo, as translações constituem
a essência das associações em rede operadas pelos cientistas.

34
Mas o grande diferencial da teoria ator-rede das demais perspectivas teóricas consiste
na identificação dos “atores” envolvidos na atividade científica. Eles são cientistas,
engenheiros, empresários, gestores, políticos ou usuários, mas não são apenas os seres
humanos. Elétrons, motores, princípios, enzimas, chips, vírus e cavalos são atores tão
relevantes quanto instituições de pesquisa, governos ou empresas, e qualquer translação de
interesses passa também pelos elementos não-humanos que compõe uma associação (Callon,
1987; Latour, 2000). Deste modo, é possível afirmar que a teoria ator-rede promove a
implosão das fronteiras entre ciência e natureza e entre ciência e técnica, pois ambas as
dimensões são consideradas indiferenciáveis.
Em suma, pela perspectiva apresentada pela teoria ator-rede, o processo de recrutar
alianças humanas e não-humanas é o centro da atividade científica. A importância é tamanha
que, para Latour, é tal procedimento que define a peculiaridade das práticas de cientistas e
engenheiros: “chamaremos de ‘cientistas’ e ‘engenheiros’ aqueles que são suficientemente
sutis para incluir no mesmo repertório de manobras recursos humanos e não-humanos,
aumento assim sua margem de negociação” (Latour, 2000, p. 206).
Conseqüentemente, não é possível dizer quem faz ou quem não faz CT&I, quem está
do lado de dentro e do lado de fora da ciência: encerradas as funções dos cientistas
considerados tradicionalmente enquanto tais, surgem outros “cientistas” – todos os atores
necessários para manter a caixa-preta em funcionamento. O modelo teórico proposto pela
teoria ator-rede, também chamado por Latour (2000) de "modelo de difusão" nega essa
distinção entre ciência e sociedade. Para uma visão desse tipo, a sociedade também faz a
atividade científica e técnica, a partir do momento em que é responsável pela difusão e a
manutenção dos seus resultados (Latour, 2000).
Ora, é essa visão acerca da atividade científica que embasa o olhar construtivista da
teoria ator-rede sobre a avaliação da pesquisa científico-tecnológica. Em um sentido
semelhante ao defendido pela Economia da Inovação (exposta no Capítulo 1), a teoria ator-
rede defende que a avaliação é um elemento-chave para a gestão das redes científico-
tecnológicas. O acompanhamento constante da P&D tem o papel de instrumentlizar as
decisões dos gestores, policy makers e demais agentes relevantes na atividade científica.
Callon organizou uma coletânea de trabalhos sobre a avaliação da CT&I na atualidade,
juntamente com dois colegas (Callon, Larédo & Mustar, 1995). Na visão de Callon, Larédo &
Mustar (1995), com o novo contexto da ciência faz-se necessária maior gerência e controle do
Estado por parte dos programas tecnológicos. O sucesso do programa é diretamente
proporcional ao sucesso das políticas relativas ao acoplamento dos mais variados atores.

35
Logo, para desenvolver suas interferências sobre as pesquisas e as redes técnico-econômicas
com mais eficiência, o Estado precisa conhecer melhor a realidade sobre a qual agirá.
Além dos pesquisadores vinculados à teoria ator-rede, outros autores construtivistas
também enfatizam a importância das recentes transformações da ciência para a crescente
democratização de suas atividades e resultados. Bijker (1995), por exemplo, defende a
importância de diferentes mecanismos de participação de agentes não-científicos nas
controvérsias tecnológicas. Essa participação contribuiria para o reconhecimento do caráter
socialmente determinado da atividade científica e técnica.
Ora, a partir dos temas discutidos até o momento, percebe-se a importante
contribuição do construtivismo para a análise da atividade científica: eliminar qualquer tipo
de determinismo que possa existir no estudo da dinâmica da CT&I. A natureza não explica o
conteúdo científico, pois o que é natural é definido pelas associações. A sociedade não explica
o sucesso ou falha da inovação, pois não se separam as dinâmicas sociais e as científicas.
Nem mesmo a peculiaridade científica e tecnológica dos empreendimentos inovativos explica
seu sucesso ou falha, pois definir quem são de fato cientistas e técnicos passa a ser
problemático. Para essa perspectiva, estamos diante de associações mais fracas ou mais fortes,
e estudar a ciência nunca deixou de ser algo diferente de estudar o restante da sociedade
(Latour, 2000; 2006).
Entretanto, cabe ressaltar que as contribuições das vertentes construtivistas também
possuem seus limites. Segundo Kreimer (1999), o atual estágio dos estudos dessa disciplina
tem se baseado hegemonicamente nas contribuições dessa corrente analítica. Todavia, como
bem lembra o autor nas conclusões de sua análise sobre a sociologia da ciência, a chamada
onda construtivista dessa disciplina tem encontrado dificuldades em se afirmar na sociologia
contemporânea como um todo, e o principal motivo para isso é o fato de que, a partir do
momento em que essa abordagem colocou em questão os próprios princípios da sociologia
tradicional, esse diálogo se perdeu. Para Kreimer (1999), faz-se necessário o reencontro da
sociologia da ciência com os problemas e referenciais tradicionalmente reconhecidos pelas
ciências sociais. Como será argumentado no próximo item, a sociologia do campo científico
proposta por Pierre Bourdieu (1983; 2001; 2004) apresenta-se como uma possível solução
para esse dilema.

3.3 Sociologia neo-institucionalista do campo científico

36
O paradigma neo-institucionalista da sociologia da ciência pode ser visto como um
meio de se incorporar tanto algumas contribuições do paradigma mertoniano quanto do
construtivista. Como será argumentado a seguir, esse paradigma permite um olhar mais
profundo sobre a atividade científica contemporânea, uma vez que enfatiza complexidade
interna à atividade científica e discute a inter-relação entre ciência e sociedade sem implodir
por completo as barreiras entre elas.
De acordo com o que afirma Terry Shinn (1999), um dos teóricos vinculados à
perspectiva neo-institucional, as investigações deste paradigma refletem de maneira implícita
ou explícita o conceito de campo científico, formulado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. A
noção de “campo” é em parte uma analogia extraída das ciências físicas que, como grande
parte dos esforços teóricos da sociologia contemporânea, visa superar as dicotomias
estabelecidas pelo pensamento sociológico clássico, como as existentes entre ação e estrutura,
objetividade e subjetividade, indivíduo e sociedade, conteúdo e contexto, etc. Para Bourdieu
(1989), um campo emerge a partir das práticas dos agentes que o compõem; ao mesmo tempo,
são essas práticas que definem e inibem as possíveis condutas dos agentes. Dito de outro
modo, por mais que os agentes construam o campo (a partir de ações que constituem
estruturas estruturantes), é este último uma força que retroage sobre suas próprias ações (ou
seja, uma estrutura estruturada). Segundo o autor:

A cada momento, a estrutura do campo científico se define pelo estado das relações
de força entre os protagonistas em luta (agentes ou instituições); isto é, pela estrutura
da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores objetivado nas
instituições e disposições e que comanda as estratégias e chances objetivas dos
protagonistas. Basta perceber a relação dialética entre as estruturas e estratégias
utilizadas por meio das disposições para fazer desaparecer a antinomia entre a
sincronia e a diacronia, a estrutura e a História. A estrutura da distribuição do capital
científico está na base das transformações do campo e se manifesta por intermédio
das estratégias de conservação (ou de subversão) da estrutura que ela mesma produz.
Por um lado, a posição que cada agente singular ocupa em um dado momento na
estrutura do campo científico é a resultante (objetivada nas instituições e
incorporada nas disposições) do conjunto de estratégias anteriores desse agente e de
seus concorrentes (as quais dependem da estrutura do campo, pois resultam das
propriedades estruturais da posição a partir da qual são engendradas). Por outro lado,
as transformações da estrutura do campo são o produto de estratégias de
conservação ou de subversão cujo princípio de orientação e eficácia situa-se nas
propriedades da posição ocupada por aqueles que as produzem no interior da
estrutura do campo. (Bourdieu, 1983, p. 123).

37
O campo, portanto, não é fruto nem do simples conjunto das interações dos indivíduos,
nem um reflexo direto da estrutura macro-social (Bourdieu, 1989). Sendo assim, “é a
estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e o que não
podem fazer” (Bourdieu, 2004, p. 23).
Isso significa que um campo é relativamente autônomo do espaço social global em que
se insere. Por mais que estejam em constante interação com os outros campos sociais, e por
mais que seja difícil diferenciar aspectos de origem interna ao próprio campo e aspectos
externos relativos ao espaço social em que se inserem, os agentes pertencentes a um campo
tendem a empreender suas atitudes com base nas particularidades do microcosmo social que
conformam. Deste modo, é possível falar no campo político, no campo econômico, no campo
artístico, no campo científico, enfim, diversos campos sociais que interagem entre si, mas
conservam maior ou menor autonomia a partir do momento em que são formados por lógicas
e princípios específicos que devem ser seguidos pelos agentes (Bourdieu, 1989; 2001; 2004).
Em um primeiro momento, pode-se pensar que a visão bourdieusiana sobre o campo
científico seria a mesma de Merton (1970) sobre o ethos da comunidade científica. Contudo, o
fundamental da noção de “campo” que a diferencia da noção mertoniana de “comunidade” é
que os agentes que o compõem não são homogêneos, visto que ocupam diferentes posições na
estrutura hierárquica em que estão inseridos e que contribuem para reproduzir (ou
transformar) através de suas práticas cotidianas. As relações hierárquicas entre agentes
dominantes e agentes dominados definem o leque de ações disponível aos agentes, pois nas
suas práticas cotidianas os dominantes lutam para conservar a sua posição, enquanto os
dominados procuram “ascender” na hierarquia (Bourdieu, 1989). De acordo com Bourdieu, as
diferentes posições dentro de um campo são o resultado da distribuição desigual de diferentes
espécies de capital entre os agentes que compõem esse campo. Cada campo possui seu
conjunto específico de capital, uma vez que são os diferentes capitais que constituem os
instrumentos das práticas dos agentes (Bourdieu, 1989).
A estrutura das relações objetivas entre os agentes de um campo e sua conseqüente
diferenciação hierárquica define as disposições específicas para a agência. Essas disposições
constituem o interesse incorporado pelos agentes em agir de alguma forma, ou seja, em
desempenhar determinadas estratégias para atingir seus fins. Isso resulta em princípios
agência e de concorrência específicos para cada campo. A internalização das disposições de
um campo ou do espaço social geral é abordada por Bourdieu (1989) a partir do conceito de
“habitus”, que remete ao conjunto de saberes tácitos na agência em um campo, saberes estes
implícitos nas práticas dos agentes. Esse habitus é adquirido através de vários fatores, como a

38
origem social, a formação escolar e o gênero – no espaço social geral – e as disciplinas ou
trajetórias científicas – no caso específico do campo científico.
Outra característica da noção de campo é que ela pode ser aplicada a diferentes
realidades. No caso da ciência, um campo pode ser tanto a ciência como um todo quanto os
seus “subcampos” científicos (laboratórios, disciplinas, universidades, áreas do conhecimento,
etc.). Do mesmo modo, o “agente” de um campo não é necessariamente um único indivíduo, e
pode ser também, por exemplo, uma instituição de pesquisa.
O referencial teórico-metodológico propiciado pelas noções de “campo” e “habitus”
possibilitou novas abordagens sobre a atividade científica, uma vez que focalizam a análise na
complexidade das práticas internas ao campo científico e incorporadas por seus agentes ao
mesmo tempo em que levam em conta as pressões de ordem externa. Tal abordagem constitui
a base dos trabalhos de Bourdieu (1983, 2001, 2004) sobre a ciência. Em tais trabalhos, o
olhar de Bourdieu sobre a ciência se baseia na análise das especificidades do campo
científico, a partir do qual os cientistas, assim como os agentes de outros campos, atuam de
acordo com suas posições e disposições. Nesse sentido, com base na teoria dos campos
sociais, o autor sintetiza sua visão acerca da atividade científica nas seguintes palavras:

A sociologia da ciência baseia-se no postulado de que a verdade do produto –


mesmo desse produto particular que é a verdade científica – reside numa espécie
particular de condições sociais de produção, num estado determinado da estrutura e
do funcionamento do campo científico. O universo “puro” da mais “pura” ciência é
um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios,
lutas e estratégias, interesses e lucros, mas no qual todas essas invariantes assumem
formas específicas (Bourdieu, 1983, p. 112).

O primeiro aspecto que remete às lutas específicas do campo científico diz respeito ao
interesse que motiva as ações dos cientistas. Bourdieu (1983; 2001; 2004) lembra que os
cientistas podem parecer desinteressados com relação a outros tipos de interesse presentes em
outros campos – como os ganhos econômicos, por exemplo – mas que, mesmo assim, não há
como negar intencionalidades nas ações dos pesquisadores e técnicos. O que é específico do
campo científico é o que o autor chama de interesse desinteressado, isto é, um interesse
consciente dos agentes desse campo em fazer parecer que suas ações são desinteressadas,
motivadas tão-somente pela busca de novos conhecimentos.
Entretanto, por mais que os cientistas se esforcem – portanto, se interessem – em fazer
suas ações parecerem desinteressadas, Bourdieu (1983; 2001) identifica um interesse
particularmente importante para os agentes do campo científico: a vontade de adquirirem

39
reconhecimento, prestígio e crédito diante de seus pares. Para comprovar essa constatação,
Bourdieu (1983) lembra que todos os pesquisadores procuram chegar primeiro que seus
concorrentes no momento de publicar uma nova descoberta ou patentear um novo produto,
pois é a novidade que garante o reconhecimento dos demais.
Uma segunda especificidade diz respeito ao conteúdo da concorrência no campo
científico, ou seja, àquilo que está em jogo nas lutas entre os agentes desse campo. De acordo
com Bourdieu (1983; 2001), como em todo campo social, o que está em jogo no campo
científico são as próprias regras do jogo, os próprios princípios que regulam a concorrência
entre os pesquisadores e, portanto, a dinâmica do campo científico. Mais precisamente, o
principal objeto da disputa entre os cientistas é a representação daquilo que cada agente
considera como “boa ciência”. Isso significa que as tensões entre os cientistas em seu
cotidiano se referem ao que esses agentes consideram como a boa prática científica – as
técnicas, os argumentos válidos, os métodos, os critérios de avaliação, etc. –, ou seja, aos
princípios e trajetórias que todos os cientistas devem seguir para se legitimarem no campo.
Logo, para Bourdieu, na dinâmica da ciência as representações quanto à atividade
científica não são consensuais, ao contrário do que faz crer a abordagem comunitária do
“ethos” científico mertoniano e da “ciência normal” kuhniana. Em suma, um campo é um
espaço de disputa justamente porque o que está em jogo são os pontos-de-vista dos agentes
acerca de suas atividades, que repercutem em diferentes estratégias para legitimá-los.
Ademais, outro fator interfere na atividade científica, inclusive nas disputas pela
representação legítima da boa ciência: as pressões externas ao campo. A dinâmica do campo
científico tende à autonomização das práticas dos cientistas, isto é, a eliminação de qualquer
interferência que se sobreponha aos padrões especificamente científicos de concorrência. No
entanto, nem sempre essa autonomização tem sucesso, seja na ciência como um todo, seja em
subcampos científicos (disciplinas, laboratórios, universidades, etc.). Para Bourdieu (2001;
2004), muitas vezes agentes e lógicas externas, pertencentes a outros campos, interferem na
dinâmica da ciência, chegando a se sobrepor aos princípios desse último – produzindo com
isso o que o autor chama de heteronomia. Campos não-científicos procuram impor suas
representações acerca da atividade científica de acordo com seus princípios e interesses,
anulando as tentativas de representação dos agentes do próprio campo científico. O mesmo
vale para subcampos científicos, como laboratórios e disciplinas: algumas são mais
autônomas que outras, o que significa dizer que em certas instituições ou áreas as pressões
externas são mais difíceis de impor, enquanto outras recebem maior interferência.

40
Exemplos desse fenômeno são as formas diferenciadas de interação entre o campo
científico e o campo político, por um lado, e entre o campo científico e o campo econômico,
por outro. De acordo com Bourdieu (2004), o poder de investimento e nomeação burocrática
do Estado garante uma espécie de independência dependente ao campo científico, pois se por
um lado as atividades de pesquisa dependem fortemente da entrada de recurso financeiros
públicos, o mesmo Estado garante certa independência às práticas dos cientistas através de
contratos estáveis de longo prazo, concursos públicos e títulos, gerando uma estabilidade
relativa muitas vezes utilizada pelo campo científico para se contrapor às ingerências do
próprio Estado. Todavia, a lógica universalista do Estado muitas vezes entra em choque com
os princípios estritamente científicos, gerando tensões quanto à representação da atividade
científica que interferem no relacionamento dos agentes desses campos.
Mas a partir do momento em que o Estado retira sua responsabilidade quanto ao
desenvolvimento da produção científico-tecnológica – conforme foi discutido no capítulo
anterior – o campo científico passa a depender cada vez mais da entrada de recursos
financeiros não-estatais para a manutenção de suas atividades. As implicações desse
fenômeno são um dos novos aspectos da atividade científica mais investigados pelo
paradigma neo-institucionalista. Segundo Lamy & Shinn:

Depois de mais de vinte anos, os sistemas nacionais de pesquisa e de inovação


sofreram profundas mutações, que coincidiram com um relativo afastamento do
Estado sobre a pesquisa acadêmica e uma pluralização dos agentes da pesquisa e da
inovação. À procura de novas formas de financiamento, e submissas à pressão das
demandas econômicas e sociais, as instituições científicas evoluíram na direção de
modelos mais próximos da indústria. Elas se mercantilizaram, tendendo a se
submeterem aos interesses comerciais e a se inscreverem em uma lógica de oferta
econômica substituindo ou se associando, dependendo do caso, a uma lógica de
oferta científica (Shinn & Lamy, 2006a, p. 23).

Deste modo, graças a dependência financeira do campo científico para manter suas
atividades, as necessidades imediatistas e utilitárias do setor produtivo industrial passam a
interferir em diversas características do campo – como a definição de problemas relevantes,
os critérios de seleção e avaliação de projetos, o prestígio e o reconhecimento dos
pesquisadores, o direcionamento das atividades de P&D, as políticas de fomento à CT&I, etc.
Com a crescente mercantilização das atividades de pesquisa, os agentes e princípios
especificamente científicos passam a concorrer com os agentes e princípios econômicos

41
dentro da dinâmica de produção científico-tecnológica 10. Tal perspectiva define o olhar do
paradigma neo-institucionalista sobre a questão da inovação tecnológica.
Por fim, talvez a mais importante especificidade a ser notada na dinâmica da ciência é
a existência do capital científico, uma espécie particular de capital simbólico que constitui o
princípio de hierarquização da atividade científica e define as posições a partir das quais os
pesquisadores agem. Para Bourdieu (2001; 2004), existem dois tipos de capital científico: o
capital científico “puro” e o capital científico “institucional”. O primeiro diz respeito ao
prestígio e o reconhecimento de um agente ou instituição do campo diante dos demais
agentes/instituições. Tal reconhecimento cresce na medida em que um pesquisador ou um
laboratório tem sucesso na atividade científica, como a descoberta de novos conhecimentos ou
tecnologias, e com isso adquire o respeito dos outros pesquisadores. Já o segundo, capital
científico institucional, diz respeito a ocupação de cargos formais importantes para as
atividades do campo, em geral ligados a administração científica, ao poder de distribuição dos
recursos financeiros ou títulos de prestígio, a avaliação das atividades de P&D, etc. Em outros
termos, o capital científico institucional é um capital político – mas com o termo “político” se
referindo ao poder específico do campo científico, e não do campo político.
Por ser de natureza simbólica, o capital científico se baseia no conhecimento e no
reconhecimento do agente que o controla. Isso quer dizer que um pesquisador ou instituição
que queira impor suas práticas para os demais deve fazê-lo seguindo os princípios
reconhecidos pelos demais agentes – ou seja, pelos princípios cientificamente aceitos. A
complexidade das relações entre os agentes do campo científico reside nesse caráter ambíguo
da sua concorrência: os pesquisadores ou instituições dominantes o são porque os agentes
dominados tendem a aceitar os princípios e representações legítimas do campo, a saber, os
princípios impostos pelos dominantes.
Logo, a concorrência entre os agentes científicos é a disputa por acumulação dos
capitais específicos do campo. A luta pela legitimidade da representação acerca da boa ciência
e os seus conseqüentes padrões de conduta teórica e de avaliação nada mais é do que a luta
pela autoridade e pela competência, representado na teoria de Bourdieu (1983; 2001) pelo
conceito de capital. Nesse sentido, as estratégias empreendidas pelos cientistas na dinâmica

10
Com base no paradigma neo-institucionalista, os sociólogos Terry Shinn e Erwan Lamy têm pesquisado as
mudanças recentes na atividade científica diante da mercantilização da ciência. Esses autores tomam por objeto
um novo tipo de agente, chamado de pesquisador-empreendedor, constituído pelos pesquisadores que
extrapolam o ambiente acadêmico para abrirem suas próprias empresas. O estudo das práticas desse agente
possibilita uma discussão crítica sobre as mudanças da ciência, uma vez que ele circula constantemente entre as
lógicas e estruturas do campo científico e econômico. Os autores identificam múltiplas estratégias pelas quais se
opera tal circulação (cf. Shinn & Lamy, 2006a; 2006b).

42
científica são tratadas pelo autor como “investimentos de capital”, tendo em vista uma maior
acumulação futura deste.
As duas diferentes formas de capital científico possuem estratégias de acumulação
distintas. O capital científico “puro” adquire-se pelas contribuições ao progresso do
conhecimento científico que são reconhecidas pelos pares; essas contribuições podem ser as
invenções teóricas ou técnicas, fruto das práticas de P&D ou das publicações. Já o capital
científico “institucional” é acumulado a partir de estratégias políticas nas instituições
científicas. Cabe lembrar que tais estratégias têm um sentido “político” específico para o
campo – como a participação em bancas de concursos, comissões, defesas, seminários,
congressos, premiações, formação acadêmica em instituições de maior prestígio, ou mesmo a
quantificação das publicações – e não devem ser confundidas com as mesmas estratégias do
campo político. Compreender essa distinção é fundamental para distinguir a forma como
Bourdieu (1983; 2004) aborda as estratégias políticas dos cientistas da forma como o
paradigma construtivista as trata.
Por essa perspectiva, o problema da concorrência científica e sua conseqüente
distribuição desigual de capital podem parecer bem distantes das abordagens construtivistas
apresentadas no item anterior, pois privilegiariam apenas os aspectos sociais da atividade
científica sem levar em conta seus aspectos cognitivos. No entanto, com base na teoria dos
campos de Bourdieu, a tentativa do paradigma neo-institucionalista é justamente analisar
como tal contexto social das pesquisas científicas se relaciona com o conteúdo cognitivo
dessas práticas.
Shinn (1988) analisa de que modo os diferentes capitais científicos, o “puro” e o
“institucional”, produzem padrões heterogêneos de atividade científica dentro de um mesmo
laboratório. Existe nesse ambiente uma marcante hierarquia social dos pesquisadores, relativa
às suas trajetórias de formação e profissionais: pesquisadores junior, seniores, professores
universitários e diretores do laboratório. Cada um desses agentes baseia suas práticas em
capitais distintos e, deste modo, ocupa um espaço bem definido dentro da dinâmica de
produção científico-tecnológica. No cotidiano do laboratório, os agentes com maior capital
institucional se dedicam às atividades mais importantes: os diretores do laboratório são
responsáveis pelas generalizações teóricas dos resultados das pesquisas, e os professores por
integrar diferentes modelos teóricos e os resultados de práticas distintas. Aos pesquisadores
formados ou em formação, restam os experimentos pontuais, os testes e a atenção às
anomalias encontradas nas pesquisas. Na análise do autor, mesmo que muitas vezes esses
agentes partam de atitudes e valores bem diferentes, é o respeito a essa espécie de divisão do

43
trabalho científico que contribui para o sucesso da P&D realizada no laboratório. Deste modo,
percebe-se uma relação entre as hierarquias científicas e as práticas de pesquisa dos seus
agentes, embora não seja possível confundir esses dois aspectos.
Por sua vez, cabe lembrar que a ênfase dada pelo paradigma neo-institucionalista ao
capital especificamente científico não quer dizer que inexistem interferências políticas ou
econômicas na dinâmica do campo científico. A questão das estratégias de acumulação de
capital se relaciona com o problema da autonomização e da heteronomia do campo científico.
Por causa da dependência de recursos que passam por outros campos, algumas das estratégias
que carreguem princípios não-científicos podem se impor ao campo científico. No caso do
campo político, por exemplo, o poder de financiamento e de nomeação pode fazer com que a
ocupação de cargos burocráticos interfira concorrência científica. Além disso, o campo
científico não é visto por Bourdieu como isolado do restante do espaço social; fatores como
origem familiar, classe social e gênero também interferem nas estratégias de seus agentes.
Em suma, a abordagem de Bourdieu sobre a atividade científica envolve diversos
elementos da ciência, como a autoridade e as hierarquias dentro do campo científico, as
estratégias de concorrência e legitimação dos agentes científicos, a gestão e a avaliação os
critérios de avaliação da ciência, e a relação do campo científico com os demais campos
sociais. Na visão do autor, todos esses aspectos da atividade científica estão interligados; por
exemplo, muitas vezes os critérios de avaliação da ciência correspondem aos critérios que
interessam aos agentes mais bem posicionados no campo, e que legitimam o poder destes
diante dos demais; da mesma forma, ocorre que as diferentes posições hierárquicas dos
agentes científicos e seus subseqüentes pontos-de-vista e representações da ciência definem o
modo como as pressões externas ao campo se refletem nas atividades dos pesquisadores.
Para Bourdieu (2001; 2004), o crescente aperfeiçoamento gerencial das instituições
científicas representa um desafio a ser enfrentado à medida que gestores e administradores
científicos acumulam um capital de prestígio no interior das instituições de pesquisa. Segundo
o autor, em alguns casos esses agentes são responsáveis pelo engessamento e pela
padronização das atividades de técnicos e pesquisadores, visto que esses últimos não detêm o
mesmo capital de prestígio no plano institucional e, dessa maneira, não são capazes de resistir
às determinações institucionais que afetam suas atividades. Nas palavras do sociólogo:

[...] alguns pesquisadores, às vezes convertidos em administradores científicos (mais


ou menos diretamente associados à pesquisa), podem, por intermédio do controle
dos recursos que lhe assegura o capital social, exercer sobre a pesquisa um poder

44
que se pode chamar de tirânico [...], uma vez que não encontra seu princípio na
lógica específica do campo (Bourdieu, 2004, p. 41).

O estudo de caso realizado pelo autor uma IPP francesa, o INRA (Instituto Nacional
de Pesquisa Agrícola, similar à Embrapa), exemplifica alguns aspectos de sua abordagem
sobre a atividade científica (Bourdieu, 2004). O autor afirma que, para se compreender a
dinâmica da atividade científica no INRA, é necessário analisar: i) as principais disputas,
representações e pontos-de-vista que norteiam as concorrências dos cientistas dentro da
instituição, e que terminam por definir a distribuição desigual de capital científico entre esses
agentes; ii) a relação entre o INRA e os agentes de outros campos, como o econômico e o
político; e iii) a posição dessa instituição no campo científico como um todo, isto é, diante das
outros agentes científicos que compõem o campo.
O INRA traz uma dualidade de funções em seus arranjos institucionais que está
presente na maioria das IPPs: a convivência por vezes problemática da lógica empresarial e da
lógica científica. Isso se reflete nas duas lógicas da atividade científica da instituição que,
segundo Bourdieu (2004), se encontram por demais afastadas e desintegradas no caso
particular do INRA: a pesquisa aplicada – aliada da lógica empresarial, voltada para a
aplicabilidade sócio-econômica dos resultados científicos – e a pesquisa básica – ligada à
lógica “puramente” científica, voltada para a criação de novos conhecimentos independente
de suas finalidades. Essas duas lógicas de pesquisa nada mais são do que formas diferenciadas
de atuação no campo científico, dois pontos-de-vista acerca da atividade de pesquisa que
implicam em diferentes estratégias de atuação, ou melhor, diferentes padrões de prática
científica.
Ora, na abordagem bourdieusiana, todos esses aspectos se vinculam diretamente a
questão das diferentes posições hierárquicas dos cientistas no campo. Segundo Bourdieu
(2004), o incremento da lógica administrativa e gerencial da instituição tem prejudicado o
exercício do diálogo entre os pesquisadores. Para ele, o que ocorre no INRA é que os
administradores científicos estão de tal modo preocupados em tentar integrar as lógicas de
pesquisa básica e aplicada que acabam por indiferenciá-las por demais: na visão dos gerentes,
todo pesquisador deve se preocupar com pesquisas ao mesmo tempo puramente científicas e
produtivamente aplicáveis. Uma vez que os administradores científicos possuem um poder
excessivo para a atribuição de cargos no instituto, para as políticas de P&D, para a
distribuição de recursos e, enfim, para a definição dos critérios de avaliação das pesquisas, a
verticalização das posições no caso do INRA estaria contribuindo para a ausência de papéis

45
bem definidos para cada agente, o que, segundo Bourdieu (2004), é um fenômeno prejudicial
para a produção de conhecimento.
Do mesmo modo, criam-se critérios de avaliação pouco eficazes, não condizentes com
os dois tipos de prática de pesquisa. Como já foi apresentado, se um campo é um espaço de
concorrência onde os agentes disputam os pontos-de-vista e representações legítimas de suas
práticas, os critérios de avaliação dessas práticas também estão em disputa. Isso significa que
nem sempre os mesmos princípios de avaliação podem ser aplicados a todos os agentes, pois
possuem representações distintas de suas práticas que implicariam em outros princípios de
conduta. Mas Bourdieu é cético quanto a capacidade e boa vontade dos administradores
científicos em incorporar critérios e mecanismos de avaliação diferentes dos seus:

Se penso que medidas administrativas visando melhorar a avaliação da pesquisa e


colocar em prática um sistema de sanções [...] próprias para favorecer as melhores
pesquisas e os melhores pesquisadores seriam as mais ineficazes e teriam como
efeito, mais provavelmente, favorecer e reforçar as distinções que aparentemente
deveriam ser reduzidas, é porque tenho sérias dúvidas e seriamente fundadas sobre a
capacidade das instâncias administrativas para produzirem avaliações realmente
objetivas e inspiradas. E isso, fundamentalmente porque o fim real de suas
operações de avaliação não é a da própria avaliação, mas o poder que ela permite
exercer e acumular controlando a reprodução do corpo (especialmente mediante a
composição de bancas examinadoras) (Bourdieu, 2004, p. 62-63).

Logo, Bourdieu (2001; 2004) argumenta que a real função das avaliações é a
manutenção dos princípios de hierarquia do campo, que visam o acúmulo de capital
institucional e a conseqüente definição das "regras do jogo" tal qual se apresentam no campo.
O resultado da análise de Bourdieu é uma possibilidade de crítica ao que tem ocorrido
no INRA ao longo dos últimos anos. O que Bourdieu (2004) faz é, identificados os
pressupostos e articulações dos agentes dentro de uma estrutura objetiva, estimular a reflexão
sobre aqueles procedimentos e seus efeitos na dinâmica dos campos. A proposta do autor para
o caso do INRA caminha nesse sentido.

Uma política que visa desenvolver as vantagens competitivas potenciais da


instituição ou, o que vem a dar na mesma, sua justificação social [...] deveria
trabalhar ao mesmo tempo, e sem contradição, para acentuar a diferenciação das
funções e das estruturas que, supostamente, as servem [...] e para a integração dos
diferentes agentes e instituições num projeto coletivo comum, mediante uma
organização sistemática da circulação da informação. [...] É evidente que para ser
um verdadeiro fator de integração numa definição clara e claramente aceita por
todos, portanto cientificamente eficaz e politicamente democrática da divisão do

46
trabalho científico, o reforço consciente da diferenciação das funções [...] supõe uma
profunda desierarquização dessas funções que deve ser operada por todos por todos
os meios e de início, nos cérebros (Bourdieu, 2004: 60).

Nesse sentido, as “inovações organizacionais” propostas por Bourdieu defendem a


horizontalização da prática de pesquisa, que permitiria um diálogo mais direto entre
pesquisadores. A distinção entre as competências de invenção e de inovação não deve ser o
centro do debate institucional, mas sim melhores formas de organização que permitam
potencializar essa distinção de forma a privilegiar essa situação ímpar, qual seja, a
oportunidade de conter as duas lógicas ao mesmo tempo em seu interior. Mais além, Bourdieu
argumenta que uma instituição científica que estimule o diálogo entre seus agentes seria capaz
de responder melhor as pressões externas e desenvolver padrões mais autônomos de trabalho
(Bourdieu, 2004).
O modo como se avalia ou se mensura as pesquisas também se alteraria a partir da
proposta reflexiva do autor. Segundo Bourdieu, avaliações cientométricas ou bibliométricas
são formas tecnocráticas de avaliação que não servem para avaliar a ciência em si, mas
acumulam o exercício de poder nas mãos dos administradores institucionais. É preciso que o
próprio campo tenha capacidade de julgar quem é legítimo para avaliar a pesquisa, pois, só
assim critérios de avaliação autônomos e reflexivos seriam capazes de julgar a prática
científica ao mesmo tempo em que respeitam as especificidades democráticas do campo. Essa
proposta passa por uma reformulação do agente administrador: este deve também se submeter
às avaliações sobre o caráter da inovação organizacional (Bourdieu, 2004).
Em suma, percebeu-se que a perspectiva de Bourdieu pode contribuir de três modos
para os objetivos dessa revisão: estabelecer um contraponto crítico a perspectiva
administrativa que submetam ciência e tecnologia aos imperativos econômicos, criticando os
efeitos na lógica científica; possibilitar outros aspectos do estudo sociológico sobre a CT&I,
que mesmo não incorrendo no erro de enxergar coesão e universalidade entre os agentes
científicos, não se afasta de discutir os condicionantes e implicações da CT&I e seu
relacionamento com a sociedade de forma mais crítica – como vem a ocorrer no caso da teoria
ator-rede; possibilitar uma perspectiva mais ampla e crítica sobre o aperfeiçoamento gerencial
em uma instituição de pesquisa.

47
Em todos esses tópicos, indentificam-se as distinções do paradigma neo-
institucionalista quanto ao construtivista. Na conferência diante dos pesquisadores do INRA,
Bourdieu faz uma crítica direta ao construtivismo e a teoria ator-rede11:

[...] contrariamente ao que leva a crer num construtivismo idealista, os agentes


fazem os fatos científicos e até mesmo fazem, em parte, o campo científico, mas a
partir de uma posição nesse campo – posição essa que não fizeram – e que contribui
para definir suas possibilidades e suas impossibilidades. Contra a ilusão
maquiavélica à qual alguns sociólogos da ciência sucumbem, talvez porque tomem
emprestado aos eruditos sua própria visão “estratégica”, para não dizer cínica, do
mundo científico, é preciso, primeiramente, lembrar que nada é mais difícil e até
mesmo é impossível de ‘manipular’ do que um campo. É preciso dizer, por outro
lado, que, por muito versado que possa ser na ‘gestão das redes’ (com que tanto se
preocupam aqueles que julgam servir-se de sua ‘ciência’ da ciência para promover
suas teorias da ciência e afirmar seu poder de especialistas no mundo da ciência), as
oportunidades que um agente singular tem de submeter às forças do campo aos seus
desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao seu capital de crédito
científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do
capital (Bourdieu, 2004: 25).

Evidencia-se que, enquanto a teoria ator-rede não leva em conta formas mais duráveis
de dominação (quando levam, essas relações são efêmeras, pontuadas na especificidade de
uma associação), o paradigma neo-institucionalista identifica formas de hierarquização (e
consequentemente, de desigualdade de condições) dentro do campo científico. Essas relações,
para Bourdieu (1983; 2004), são muito mais presentes e perpetuáveis do que a abordagem
construtivista permite perceber.

11
Levando em conta que, tempos antes, Latour havia se apresentado diante da mesma platéia de pesquisadores,
defendendo perspectivas da Teoria Ator-Rede na análise do INRA.

48
4 Gestão e avaliação na Embrapa (1985-2007)

4.1 A reorganização institucional da Embrapa: do modelo ofertista ao dinâmico

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973,


substituindo uma instituição anterior, o Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação
Agropecuária (DNPEA). Desde sua fundação a empresa se tornou uma referência no setor
agropecuário enquanto instituto público de pesquisa, destinada a sintonizar as novas
tendências de modernização agrícola aos padrões internacionais (Aguiar, 1986).
De 1973 a 1985, a Embrapa possuía a função de estabelecer a pesquisa agropecuária
como uma atividade bem estruturada e institucionalizada, em busca da superação de
problemas como a falta de sintonia nacional quanto à pesquisa agropecuária, escassez de
recursos, falta de políticas públicas para a C&T no campo, etc. A criação da Embrapa,
portanto, buscava promover a institucionalização da pesquisa agropecuária no Brasil,
objetivando a modernização da agricultura nacional e o “repasse” de tecnologias produzidas
em países desenvolvidos para serem aproveitadas no país.
Segundo Salles Filho et al., após esses problemas serem solucionados na década de
1980, a Embrapa enfrentará novos desafios, iniciando uma nova fase para a instituição que,

...a partir de 1985, caracteriza-se pelo ajustamento do modelo institucional, por meio
da reorganização as atividades-fim e da busca de maior vinculação dessas às
demandas externas (Salles Filho et al., 2000, p. 104-105).

A empresa tende a reconfigurar o aparato burocrático-administrativo que norteia as


suas atividades, buscando tanto inserir critérios de gerência que interfiram nas metas de
pesquisa quanto deixando-a mais aberta às demandas externas.
Analisando o trabalho de pesquisa desenvolvido na empresa na década de 80, Sousa
(1993) detecta uma situação em que os técnicos da Embrapa escolhiam seus projetos de
pesquisa de forma a privilegiar contatos pessoais e interesses próprios. Segundo ele, a política
científica e tecnológica tinha impacto muito restrito na escolha dos projetos de pesquisa por
parte dos técnicos da empresa. Os contatos com colegas da mesma instituição e com
produtores rurais tinham um poder de influência muito grande sobre os pesquisadores na
escolha de seus objetos de pesquisa.

49
Segundo avaliação de Sousa (1993), esse panorama exigia uma transformação
profunda por parte da empresa, para se adequar aos novos modelos de gestão tecnológica.

Nos anos 90 é impossível a manutenção de tal comportamento institucional.


Primeiro, os dirigentes das instituições de C&T agropecuária devem ter consciência
desta realidade insustentável. Segundo, todos os que ocupam função gerencial
nessas instituições devem internalizar a “intenção estratégica” de reverter tal
realidade. Terceiro, a alta administração dessas instituições pode optar por introduzir
um processo de planejamento estratégico para apoiar sua decisão política de mudar a
gravidade de tal realidade... (Sousa, 1993, p. 191).

É a partir de 1985 que se realiza, no caso da Embrapa, a passagem do Modelo


Ofertista para o Modelo de Pesquisa por Demanda, no qual a Empresa privilegia a imposição
vertical de projetos a cientistas e técnicos, de acordo com as demandas externas ao instituto
público (Salles Filho et al., 2000).

4.2 Novos formatos da gestão e da avaliação institucional na Embrapa

Entre o final da década de 1980 e o início da de 1990, foram criados novos setores
internos responsáveis por garantir o atendimento dessas demandas, a sustentabilidade da
Instituição e o alcance de metas previamente definidas. O primeiro passo nesse sentido é a
criação dos Planos Diretores da Embrapa (PDEs) que visam propor os princípios que norteiam
as atividades desenvolvidas pela Embrapa em determinados períodos de tempo. O I PDE
(1988-92) foi o primeiro documento com este intuito. Ele propunha uma ampla
reconfiguração institucional que, nessa época, representará uma profunda mudança nas rotinas
de P&D da Empresa.

Na seqüência, e após a elaboração do PDE, o segundo passo foi a reformulação do


modelo de pesquisa, o que, de acordo com a visão e a abordagem proposta pela
Instituição, permitiria criar condições para um salto qualitativo nas atividades-fim. A
criação do Sistema Embrapa de Planejamento (SEP), em 1992, representou uma
iniciativa voltada para a operacionalização de um modelo de programação de
P&D conectando o estratégico ao operacional. O estabelecimento de “o que
pesquisar e para quem” deveria estar subordinado ao Modelo de Pesquisa por
Demanda, sendo esse último o orientador do SEP. A reorganização da P&D contou
ainda com a ênfase na integração de conceitos norteadores das formas de execução
dos projetos, dentre os quais destacam-se a multidisciplinaridade e a parceria (Salles
Filho et al., 2000, p. 111-112).

50
O II PDE (1994-98) redefine a missão e os objetivos da Empresa, além de determinar
as diretrizes e as ações estratégicas que a Empresa deveria adotar. (Salles Filho et al., 2000).
Para os fins deste texto, o II PDE é importante por ser o primeiro a mencionar a necessidade
de controle das atividades e de avaliação do desempenho da Instituição.
Na passagem para o próximo PDE, apesar de nenhuma mudança estrutural profunda
ou de instrumentos de atuação, o refinamento do aparato institucional responsável pelo
gerenciamento das pesquisas atingiu seu auge. O III PDE (1999-2003), segundo Salles Filho
et al., renova o modelo de gestão:

De uma maneira geral, dando prosseguimento ao processo de atualização do modelo


de gestão, as ações institucionais têm sido concentradas em quatro aspectos. O
primeiro diz respeito ao estabelecimento de mecanismos internos de controle das
atividades e de avaliação dos resultados. O segundo aspecto refere-se à
instrumentalização da estratégia de aproximação com o ambiente externo (opinião
pública e agronegócio) por meio da Política de Comunicação Empresarial e da
Política de Negócios Tecnológicos. O terceiro concerne à elaboração de uma
Política de P&D. O quarto aspecto, ligado à revisão da vinculação da Empresa com
o Estado, diz respeito à definição do seu estatuto jurídico (Salles Filho et al., 2000,
p. 115).

Além disso, o III PDE merece especial atenção por inserir a questão ambiental do
desenvolvimento sustentável como uma das principais preocupações da Embrapa. A
preocupação ambiental deveria estar presente na prática institucional, sendo objeto de
gerenciamento da alta administração e objeto de estudo por parte dos pesquisadores. Não por
acaso, essa questão também será incorporada pelos mecanismos de avaliação de impactos
posteriores.
Ao mesmo tempo, a experiência acumulada na década de 90 permitiu que, no início do
novo milênio, a Embrapa refinasse seus mecanismos de gerenciamento e planejamento.
Segundo Bin (2004), em 2002 ocorre a passagem do Sistema Embrapa de Planejamento (SEP)
para o Sistema Embrapa de Gestão (SEG). Com isso foram introduzidos instrumentos para
operacionalizar a indução de projetos e a formação de redes e arranjos cooperativos
inovadores (por meio de editais), visando incrementar a priorização de atividades de pesquisa.
O quadro abaixo apresenta as principais diferenças entre os sistemas.

51
Quadro 1. Comparação entre o Sistema Embrapa de Planejamento (SEP) e o Sistema
Embrapa de Gestão (SEG)

SEP SEG
5 Macroprogramas (3 de P&D, 1
19 Programas Nacionais (16 de
de Transferência de Tecnologia e
P&D e 3 de Desenvolvimento
Comunicação Empresarial e 1 de
Institucional)
Desenvolvimento Institucional)
Instrumentos de
operacionalização Demanda espontânea de projetos Indução de projetos via editais
da programação Macroprogramas representando
de pesquisa Programas de P&D representando
caráter científico e tecnológico e
temas e linhas de pesquisa
forma de arranjo da pesquisa
Demandas prioritárias Demandas prioritárias
estabelecidas anualmente estabelecidas continuamente

Fonte: Bin, 2004, p. 96.

Nesse momento, a necessidade de critérios objetivos para a tomada de decisões


incentiva a adoção de mecanismos de avaliação de impactos. Diversas subdivisões
institucionais serão concebidas com a intenção explícita de avaliar a prática científica e
tecnológica da Empresa.

Destaca-se no SAPRE [Sistema de Avaliação e Premiação por Resultados] o


componente de avaliação de desempenho das unidades centrais e descentralizadas, a
partir do Sistema de Avaliação das Unidades (SAU). Esse último adota como
referência metas negociadas previamente com a Diretoria Executiva. Para a
avaliação das Unidades Descentralizadas são considerados o cumprimento de metas
(com base na comparação entre o realizado e o programado), a geração de receita
própria, a relação entre a produção e os gastos incorridos para realizá-la, o impacto
socioeconômico e a qualidade técnica dos resultados obtidos e, enfim, a imagem da
Unidade junto ao público externo. [...] A ponderação dos diversos critérios de
avaliação resulta em um Índice de Desempenho Institucional (IDI) (Salles Filho et
al., 2000, p. 115-116).

Esse momento é importante para a presente análise, pois é a partir de então que se
acentua o choque entre critérios administrativos de desempenho empresarial e os critérios
científicos de avaliação, do mesmo modo que Bourdieu (2004) havia identificado no INRA.
Por essa perspectiva, índices como o SAU e o IDI contribuem para a hierarquização da
Embrapa, pois estabelecem a concorrência entre pesquisadores e Unidades na luta por
recursos e prestígio institucional. Ademais, a quantificação das avaliações tem como objetivo
a adequação da IPP aos critérios de efetividade institucional, o que significa o atendimento às

52
metas colocadas pelas instâncias administrativas centrais – metas estas legitimadas pelo
discurso da “demanda social”. Isso ocorre porque o modo como se avaliam os resultados das
Unidades adquire um caráter mais gerencial do que científico. Um exemplo é a construção do
IDI, que privilegia muito mais o respeito às metas institucionais, a eficiência organizacional e
autonomia financeira do que os resultados da P&D em si, como mostra a tabela abaixo.

Quadro 2. Os critérios de avaliação da Embrapa e seus pesos na construção do Índice de


Desempenho Institucional (IDI)

Critério avaliado Peso


Eficiência Relativa 20
Metas Institucionais 39
Ações de Parceria 20
Não-conformidade da Auditoria 04
Melhoria Processos 04
Ações de Cidadania e Responsabilidade Social 02
Cumprimento de Prazos 02
Qualidade Relatório de Gestão 04
Construção e/ou Atualização da Árvore do Conhecimento 03
Receita Própria 15
Metas Técnicas (base: projeto PDU) 10
Satisfação do Cliente 03
Avaliação de Impacto Econômico, Social e Ambiental 05
Crescimento de Produtividade 08
TOTAL 100

Fonte: Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006.

Ao analisar toda a engenharia de programação da Embrapa, Salles Filho et al.


caracterizam a hierarquia burocrática na concepção de projetos de pesquisa:

Os principais critérios a orientar a programação são, em ordem decrescente de


importância: as recomendações do Conselho Assessor Nacional, as demandas de
parceiros/clientes/usuários, as demandas governamentais, as orientações da Diretoria
Executiva, as propostas das chefias das UDs, as demandas de equipes de pesquisa
internas e as decisões individuais de pesquisadores. Há um baixo grau de
flexibilidade para efetuar alterações na programação da P&D. No entanto, mudanças
podem ocorrer em decorrência das demandas emergenciais (Salles Filho et al., 2000,
p. 158).

A partir desse momento, a Embrapa verticaliza cada vez mais as suas atividades de
pesquisa. Comitês técnicos, gestores e consultores ad hoc são solicitados a avaliarem a
elaboração e os impactos possíveis dos projetos enviados. O Comitê Gestor da Programação é

53
a instância que decide ao final pela contratação dos projetos e aloca os recursos, a partir da
avaliação do chamado mérito estratégico dos projetos (Bin, 2004).

4.3 A construção dos instrumentos de avaliação de impactos tecnológicos

Com o avanço da reorganização institucional, a avaliação de impactos será utilizada


como mais um instrumento da gestão. Nesse contexto, uma parceria da Empresa com outros
institutos internacionais (como o IFPRI – International Food Policy Research Institute) desde
1999 inseria tentativas de avaliação de impactos específicas em cada Unidade Descentralizada
(as Unidades da Embrapa responsáveis por algum tipo de produto ou pesquisa). No período,
as avaliações de impactos econômicos foram as que mais se consolidaram.
A preocupação com o refinamento da gestão na Embrapa é confirmada com a criação,
em 2001, do primeiro documento que trata da questão da avaliação dos impactos tecnológicos
de maneira sistematizada e integrada (Avila, 2001). Com o documento coordenado por Avila,
os atores responsáveis pela avaliação ganham um referencial mais conciso e uniforme para
desenvolver esse tipo de atividade na Embrapa. Com ao passar do tempo, a questão da
avaliação dos impactos das tecnologias geradas pela Embrapa ganha destaque dentro da
proposta de gerenciamento e planejamento da pesquisa. A partir do ano 2000, surgem
diversos documentos e boletins informativos internos e externos resultantes de avaliações de
impactos. A questão do impacto é uma dimensão importante presente a partir do IV PDE,
devido à necessidade da avaliação dos resultados de pesquisa e à justificativa do repasse de
recursos públicos e privados para as atividades da Instituição (Borges Filho, 2005). O IV PDE
(2004-2007), vigente atualmente, demonstra a preocupação em ampliar e fortalecer as bases
científicas, promover a inovação tecnológica e os arranjos institucionais adequados para
vários níveis de seus objetivos estratégicos (Embrapa, 2004).
Uma das áreas que mais investiu na construção de métodos sofisticados de avaliação
de projetos foi a de meio ambiente. Na unidade sediada em Jaguariúna (SP), a Embrapa Meio
Ambiente, foi desenvolvido o Ambiente-agro, uma ferramenta de Avaliação de Impactos
Ambientais de projetos elaborados por técnicos da empresa e aplicados em propriedades
rurais. Através dela os gestores são capazes de avaliar e monitorar os impactos ambientais das
inovações tecnológicas oferecidas pela Empresa, estabelecendo indicadores e coeficientes.
Essas avaliações devem servir para apresentar os resultados da pesquisa agropecuária; e para

54
conscientizar pesquisadores e administradores sobre a relevância das avaliações de impactos
como instrumentos para a adequação tecnológica (Monteiro & Rodrigues, 2006).
Em 2006, surge uma nova metodologia de referência para a avaliação de impactos
tecnológicos na Empresa. O documento produzido por Avila, Rodrigues & Vedovoto (2006)
trata de quatro dimensões de impactos: econômicos, ambientais, sociais e político-
institucionais. O avaliador deve selecionar três inovações representativas da prática
tecnológica de sua Unidade Descentralizada, e com base na metodologia proposta, avaliar as
quatro dimensões no nível da cadeia produtiva.
A avaliação de impactos econômicos tem como objetivo avaliar os incrementos de
renda nos vários segmentos de uma cadeia produtiva, para comprovar a rentabilidade advinda
de uma inovação tecnológica. O principal método utilizado é o cálculo de excedente
econômico gerado pela inovação tecnológica, tendo em vista ter acesso a Taxa Interna de
Retorno (T.I.R.) ou a Relação Benefício/Custo (B/C) (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p.
8-23). Já a avaliação de impactos sociais procura revelar como a inserção de uma inovação
tecnológica em uma cadeia produtiva promove transformações sociais, isto é, interfere no
cotidiano dos trabalhadores de uma unidade, de uma propriedade ou empresa, ou de seu
entorno. No caso, é empregada a metodologia Ambitec-Social. Uma série de variáveis
relativas aos aspectos Emprego, Renda, Saúde, Gestão e Administração são lançadas na
planilha do programa, com base nos dados fornecidos pelo proprietário do local de
implantação da inovação (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 24-47). A metodologia
Ambitec também é empregada no caso dos impactos ambientais. O objetivo é avaliar os
impactos ambientais de inovações tecnológicas geradas/transferidas através da pesquisa da
Embrapa, identificando impactos positivos e negativos, municiando ações que visem o
desenvolvimento sustentável e a não-agressão do ambiente. O Ambitec-Agro se subdivide em
três tipos de localidades: Ambitec-Agricultura, Ambitec-ProduçãoAnimal e Ambitec-
Agroindústria. Os principais aspectos avaliados são o alcance da tecnologia, a eficiência
tecnológica e a conservação ambiental, além de variáveis específicas de cada um dos três
instrumentos (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 48-59).
A novidade presente no documento de 2006, não contida na metodologia de 2001, é a
avaliação dos impactos sobre o Conhecimento/Político-institucionais. Essa ferramenta procura
avaliar as inovações organizacionais da Empresa. No caso, avaliam-se os impactos da P&D
em capacitação, através da criação de conhecimentos tácitos – nas dimensões relacional,
organizacional e científico-tecnológica – e codificados – no caso da concepção de produtos e
subprodutos da P&D; em suma, avaliam-se os ganhos institucionais obtidos através de uma

55
ou diversas pesquisas. A metodologia utilizada – “ESAC” – foi desenvolvida pelo
GEOPI/UNICAMP, referente aos chamados impactos sobre Capacitação (o “C” do método
ESAC). Através dela são quantificados diversos aspectos da Capacitação: Relacional
(formação de redes de P&D e transferência tecnológica); Organizacional; Científico-
Tecnológica; Produtos e Subprodutos da P&D (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 60-
83).
Essas ferramentas têm sido utilizadas para os relatórios anuais da Embrapa de forma a
subsidiar as instâncias administrativas a alocarem recursos e priorizarem áreas e formas de
intervenção tidas como estratégicas pela empresa. A empresa elabora seus relatórios de gestão
(Balanço Social) tendo como base também as avaliações de impacto que são realizadas pelas
equipes de trabalho, atuando conjuntamente com os produtores rurais adotantes das
tecnologias.

4.4 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação nas práticas de pesquisa da


Embrapa

Foram entrevistados diversos agentes da Embrapa, nas Unidades Embrapa Pecuária


Sudeste, Embrapa Instrumentação Agropecuária e Embrapa Meio Ambiente. Os principais
entrevistados foram os pesquisadores-avaliadores, isto é, pesquisadores da Embrapa que a
partir das mudanças organizacionais do último PDE, receberam o encargo de aplicar o novo
sistema de avaliação da Empresa e enviar seus resultados à Sede.
Foi possível perceber que ocorreu uma certa resistência no período inicial de
estabelecimento dessas ferramentas de avaliação, pois os profissionais encarregados de
calcular a Taxa Interna de Retorno viam o estabelecimento dessas rotinas como um fardo.
Segundo um dos pesquisadores da empresa,

É lógico que esse tipo de movimento engendre um determinado nível de resistência


nas equipes. No início a resistência foi razoavelmente grande porque acontece o
seguinte: a Embrapa tem uma experiência de muito longa data, inclusive uma certa
liderança na literatura de avaliação de impacto econômico, taxa interna de retorno,
tem toda uma equipe bem consolidada e uma visibilidade na literatura internacional
nessa parte de avaliação de impacto, em termos de taxa interna de retorno, parte
econômica. A parte social e ambiental é bem mais recente. E como já havia a prática
de avaliações dessa parte econômica, era natural que os pesquisadores que são
denominados como aqueles de sócio-economia das unidades fossem a linha de

56
frente dessas avaliações, isso caiu sobre eles como uma responsabilidade a mais,
tinha uma linha de pensamento, uma temática de pesquisa ambiental especialmente,
social nem tanto, que não era da especialidade deles, e já chegando com uma
mecânica de avaliação que aparecia vindo da sede como a imposição de uma nova
função... então gerou mesmo uma certa resistência no começo (de um pesquisador-
avaliador da Embrapa).

Mas à medida que os resultados práticos foram aparecendo, o instrumento de avaliação


se mostrou eficaz e simples, e a preocupação ambiental entrou fortemente na agenda da
empresa as resistências tenderam a diminuir, e deu-se uma rotinização dessas práticas de
avaliação e o crescimento de sua importância no Sistema de Avaliação das Unidades. Mesmo
assim, pode-se identificar nos depoimentos dos pesquisadores boa parte das tendências e
dilemas dos novos critérios de avaliação da pesquisa científico-tecnológica, além do conflito
entre a especificidade científica e a quantificação dos impactos técnicos e as implicações dos
usos político-administrativos da avaliação.
Naquilo que se convencionou chamar de "ciência mertoniana" ou "Modo 1" de
produção do conhecimento (Gibbons et al., 1994), os próprios cientistas eram os responsáveis
pela avaliação de suas práticas, e o principal critério a ser utilizado na avaliação era o respaldo
do método científico e as normas institucionais. Entretanto, parece claro que surge um novo
tipo de agente na dinâmica do campo científico, responsável pela aplicação dos
procedimentos avaliativos. Ademais, os critérios e mecanismos de avaliação se
complexificam e se transformam de tal forma que é preciso ter um conhecimento específico
para se empreender a avaliação da ciência, não mais vinculado meramente ao método
científico. Muitas vezes, esse conhecimento específico diz respeito ao de caráter quantitativo
das avaliações e os métodos econométricos. Segundo alguns pesquisadores da Embrapa:

[...] eu não tenho formação em economia, sou agrônoma... dificulta trabalhar com
avaliação por não ser economista! (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Eu pretendo fazer doutorado agora. No edital da Embrapa tem os temas permitidos


pra gente poder sair pra fazer o doutorado. Eu queria fazer algo na área de
Economia... queria mexer com essa parte mais quantitativa da Economia, me
capacitar mais nisso, até porque é algo que é necessário pela questão da avaliação e
das outras atividades desse tipo (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Tampouco o usuário – no caso, os agentes do mundo agrícola – são capazes de


compreender e aplicar os complexos mecanismos de avaliação. Identifica-se, desta forma, a
legitimação de um tipo específico de pesquisdor-avaliador no campo científico:

57
[...] você não pode simplesmente pegar essa ferramenta assim e colocar para o
produtor rural aplicar, ele não conseguiria fazer isso, teria que alguém venha traduzir
esses indicadores da avaliação em linguagem mais simples... (de um pesquisador-
avaliador da Embrapa).

Mas os novos critérios avaliativos desses agentes passam ser questionados A


principal preocupação, no caso das ferramentas de avaliação de impactos tecnológicos, é
como lidar com a especificidade técnico-científica de diferentes inovações. Os critérios
quantitativos de mensuração muitas vezes são criticados por não apresentarem uma
maleabilidade que faça com que, por menos que ela possa ser considerada específica pra
analisar qualquer caso, seja suficientemente ampla para analisar todos os casos. E mediante o
ajuste de pesos de indicadores ou pesos de critérios para melhorar a especificidade de
determinada variação, ganha-se em especificidade mas há perda em comparabilidade.
Todavia, os pesquisadores defendem que haja a mesma mecânica, a mesma métrica e o
mesmo contexto para avaliar centenas de tecnologias por ano; a Empresa não pode estar presa
a avaliar determinadas intervenções, ela precisa de um instrumento que seja generalista e
permita uma visão de conjunto em termos de inovação tecnológica.
Ocorre que a especificidade de cada processo inovativo não pode ser levada em conta
em suas avaliações de impacto: os indicadores selecionados já estão preestabelecidos. Na
visão de alguns pesquisadores, isso significa que as avaliações muitas vezes subdimensionam
os impactos da tecnologia, restringem os objetos à sua funcionalidade restrita e
convencionada.

Essa tecnologia [microondas] é multiusuário, então você pode aplicar ela tanto com
o produtor no campo quanto no laboratório de controle de qualidade da área de
nutrição animal. E na entrada dos dados [...] não tem espaço pra inserir no Sistema
[de avaliação] esse benefício pra multiusuário, pelo menos com essa parte
quantitativa, né, que vê qual foi o benefício econômico, social, etc. Isso não tem
espaço dentro desse Sistema, então a gente faz de forma descritiva no texto; e isso a
gente passou pra quem é coordenador lá na Sede por e-mail, como sugestão (de uma
pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Mas a questão do impacto, ela depende muito da tecnologia que eu estou fazendo;
por exemplo, uma tecnologia aqui vai transformar calor em trabalho, agora qual é a
dimensão do impacto disso? È extremamente complicado ver isso aí. Se você ver só
o lado agrícola é evidente as implicações. Mas uma tecnologia que transforma calor
em trabalho teria desdobramentos em outros setores da economia brasileira, e eu não
consigo dimensionar isso. Você fica preso à questão agrícola, mas por exemplo, esse
caso do motor multicombustível, ele serviria para camping, gerar eletricidade em

58
outras situações, pessoal que vai pescar etc... será que serve para ter back up de
energia elétrica em sua casa? Ela partiria do ambiente agrícola mas pode se
expandir, e os tentáculos podem atingir toda a sociedade... A dimensão da tecnologia
é muito ampla, ela pode ser empregada vários ambientes e finalidades. Com a
avaliação ex ante, muitas vezes você corre o risco de subdimensionar os impactos da
tecnologia (de um pesquisador da Embrapa).

Outra questão presente da fala dos cientistas da Embrapa diz respeito aos critérios
"funcionalidade" e "relevância sócio-econômica" das pesquisas. Como alguns deles enxergam
os novos critérios de avaliação dos resultados de suas práticas? E quais os usos desses novos
critérios na gestão da P&D?
Em alguns depoimentos, sobressaiu a importância dos critérios econômicos de
desempenho das tecnologias. Isso significa que o retorno econômico e produtivo de uma
tecnologia passa a ser importante na validação de um novo produto ou processo, e não mais
apenas seu rendimento técnico. Alguns chegam a explicitar a hegemonia dos critérios
econômicos diante dos demais:

Os dados econômicos são importantes. São o centro disso tudo, pois é o que
interessa para quem quer adotar aquela tecnologia e ver os resultados acontecerem.
Os impactos sociais, ambientais, são todos importantes, mas não são o foco de
interesse do produtor, não são eles que levam alguém a se interessar ou não por uma
tecnologia (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Os resultados quantitativos das avaliações também são vistos como forma de se fazer
propaganda dos produtos oferecidos pela Embrapa, isto é, servem pra legitimar os resultados
da tecnologia diante do produtor rural. Nesse caso, o levantamento dos retornos econômicos
da pesquisa científico-tecnológica também é citado como fundamental:

Na parte de transferência, [...] a partir do momento que eu tenho resultados que eu


coloco ali os benefícios, você pode ta levando isso pro produtor. Então isso pode
facilitar, ajudar nessa comunicação, facilitar nesse caminho de transferência (de uma
pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Esse tipo de avaliação ajuda na hora de vender a tecnologia pro produtor.


Principalmente a ex ante, pois prevê a economia e os lucros que o produtor vai ter ao
adotar aquela tecnologia; a ex post também serve, nem tanto, mas ajuda porque os
resultados dessa tecnologia em outros contextos podem incentivar a adoção. Esses
métodos fornecem dados para a transferência, para o extensionista, que trabalha
direto com o produtor. Na verdade, é isso que interessa, né. É exatamente isso que o
usuário quer saber: quanto vou ganhar ao adotar isso, qual vai ser o meu retorno
econômico se eu implementar essa tecnologia. E a pecuária leiteira é uma

59
oportunidade que tem se mostrado lucrativa, mesmo pra quem não mexia com isso
antes (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Os pesquisadores já estão se adaptando às transformações dos critérios avaliativos e


incoporando as dimensões extra-científicas aos resultados esperados de suas pesquisas, o que
demonstra, conforme a visão de Knorr-Cetina (2005), a capacidade desses agentes de ajustar
suas práticas aos critérios pelos quais serão avaliados, ou ainda, conforme apontado por
Bourdieu (2001), a adequação dos agentes as "regras dos jogo" colocadas pela nova ortodoxia
do campo. Deste modo, os novos padrões de avaliação da Embrapa implicam em novas
expectativas quanto aos resultados da P&D:

Agora a Embrapa quer que seja feito um diagnóstico prévio dos prováveis impactos
ex ante, não só os impactos potenciais mas as dificuldades que possam surgir, riscos
e dificuldades; assim a gente faz uma previsão dos impactos potenciais que essa
tecnologia vai ter. Isso não era exigido antes... (de um pesquisador da Embrapa).

Ora, mas o principal aspecto dos usos gerenciais dos novos mecanismos de avaliação
da Embrapa diz respeito a tomada de decisões institucionais e a verticalização das Unidades.
A Embrapa vista sob o ângulo bourdieusiano, isto é, enquanto uma instituição vista como um
"subcampo" particular, englobado pelo campo científico, possui suas próprias hierarquias,
seus próprios princípios de ranqueamento e distribuição de capital. Nesse sentido, os novos
padrões e critérios de avaliação implicam em novos princípios de hierarquização interna, que
concorrem com os antigos. No caso da Embrapa, a avaliação de impactos tecnológicos possui
uma importância crescente:

Existe um ranqueamento entre as unidades da Embrapa, e nesse ranqueamento


existem vários critérios de avaliação, vários itens, e um deles é a avaliação de
impactos de tecnologias; é dada uma nota em cima desse relatório que a gente
encaminha pra Sede, e isso aí entra na avaliação da Unidade também (de um
pesquisador-avaliador da Embrapa).

No entanto, é interessante notar que a avaliação é realizada tendo por base o formato
do relatório, e não no processo de inovação tecnológica em si. Mais especificamente, as notas
de desempenho de P&D das Unidades estão vinculadas à qualidade do relatório, e não
necessariamente à qualidade da tecnologia.

[...] se a tecnologia teve um impacto de -10 e uma outra de +10, a nota que é dada
[no IDI da Unidade] não é em cima disso, da tecnologia, mas é dada é em cima do
relatório que a gente encaminhou. É feita uma avaliação em cima do relatório.
Então, eu recebo aqui um feedback da Sede sobre a minha avaliação de impactos do

60
ano passado, e lá eles colocam “olha, na parte de indicativo de impactos sobre a
cadeia produtiva você poderia melhorar, precisa dar uma estimativa melhor em cima
de número de empregos diretos gerados ou não”... então eu acho que é em cima do
relatório e não se a tecnologia é “boa” ou “ruim” (de um pesquisador-avaliador da
Embrapa).

Isso significa que a geração de índices quantitativos sobre os impactos tecnológicos


poucas vezes representa uma possibilidade de redirecionamento das práticas inovativas
específicas, pois não são os resultados tecnológicos que fazem parte do princípio de
ranqueamento das UDs da Embrapa, mas a qualidade do relatório. Quanta a esse ponto, cabe
lembrar o argumento de Pierre Bourdieu acerca do papel das avaliações para as instâncias
administrativas: “o fim real de suas operações de avaliação não é a da própria avaliação, mas
o poder que ela permite exercer e acumular controlando a reprodução do corpo...” (Bourdieu,
2004, p. 63).
Esse fato pode reforça a tese de que os mecanismos de avaliação muitas vezes
subdimensionam a especificidade de cada processo inovativo, de cada artefato tecnológico,
tendo em vista a generalização que facilite a tomada de decisões e a homogeneidade dos
critérios. Os usos gerencias da avaliação muitas vezes privilegiam os critérios de desempenho
institucional e respeito às metas econômicas e administrativas da Empresa, sem dar atenção
aos casos particulares. Como lembra Andrade (2007), tal fenômeno implica no engessamento
das práticas de pesquisa nos ambientes de produção tecnológica.
Contudo, existem reflexos indiretos da aplicação dos mecanismos avaliativos que tem
se revelado importantes na visão dos pesquisadores e avaliadores: o crescimento do contato
direto entre o cientista e o usuário, isto é, entre o pesquisador e o produtor. A necessidade de
se aplicar o questionário em campo tem levado os pesquisadores a empreenderem um diálogo
profícuo com aqueles que se utilizam dos resultados de suas atividades, e esse diálogo muitas
vezes se reflete em transformações positivas das práticas desses agentes.
Mas essa proximidade ainda precisa ser aprofundada para o sucesso do diálogo entre
pesquisadores e produtores, além do sucesso da própria dinâmica de avaliação das pesquisas.
A falta de proximidade entre a Embrapa e o mundo rural muitas vezes apontada como causa
do insucesso de alguns empreendimentos avaliativos (Primavesi et al., 2006); o interesse da
instituição em monitorar os resultados de suas pesquisas é bem recentemente, o que dificulta a
identificação das tecnologias já adotadas.

Quanto aos pontos que poderiam melhorar, tem um ponto que pode melhorar – e eu
não sei te falar como porque é uma dificuldade não só da Embrapa, mas de qualquer

61
um que trabalha com avaliação tecnológica hoje em dia – que é o momento de você
identificar o número de adotantes da tecnologia. Existia uma metodologia que foi
descrita pela Embrapa, mas exigia coisas como informantes no campo, e uma série
de coisas que eu não sei por que não foi implementada. Por exemplo, quando a
tecnologia é laboratorial e a transferência é pra dentro de laboratórios, é fácil você
controlar, você sabe dizer “olha, são 50 laboratórios no Brasil que estão usando”,
então você tem uma idéia do que representa no todo. Agora, a tecnologia que é pro
produtor, que nem a casinha tropical, é uma dificuldade que a gente resolve em cima
da experiência, a gente acaba conversando com os pesquisadores, com os
extensionistas, pra ter uma idéia de quem adotou e quantos adotaram. Mas isso é
uma coisa que a gente não noção... (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

[...] como você vai saber por exemplo de uma tecnologia que a pessoa viu na
internet, viu as fotos e resolveu copiar aquilo lá no interior do Mato Grosso? Você
não tem idéia, você não tem o controle de onde vai chegar essa informação. Se ela
foi adotada, se não foi... esse ponto aí eu acho complicado, porque fica muito
encima disso: uma conversa com quem desenvolveu a tecnologia, com quem tá na
ponta, com os extensionistas... mas é só uma estimativa. Então esse é um ponto que
deveria melhorar (de um pesquisador da Embrapa).

Logo, até que ponto os resultados das atividades científicas podem ser controlados?
Levando em conta a “incerteza” e “indeterminação” da construção de fatos e técnicas (Latour,
2000), como é possível monitorar as implicações das práticas de P&D com precisão?
Estas constatações guardam um outro aspecto da avaliação de inovações técnicas:
segundo pesquisadores e avaliadores, muitas vezes a experiência adquirida a partir do contato
com os produtores rurais que aplicam tais técnicas é muito mais rico do que a averiguação dos
critérios e indicadores das ferramentas avaliativas. Dito de outro modo, o resultado
quantitativo das avaliações de impacto não dizem muita coisa sobre o contexto de uma
inovação tecnológica, mas o simples contato com o usuário – o “adotante”, nos termos dos
pesquisadores da Embrapa – é uma experiência cientificamente mais rica que a quantificação
dos impactos, pois representa uma possibilidade de se identificar problemas e questões que
podem redirecionar as suas atividades de P&D.

[...] quando você vai a campo pra verificar a adoção, você acaba tendo um feedback:
quais pontos podem melhorar, o que as vezes não ta dando certo, o que que pode ser
feito? (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa)

Por fim, outro tema surgido nos depoimentos foi o conflito entre as velhas e novas
concepções de atividade científica, e o reflexo desse conflito nos novos mecanismos
avaliativos. Neste caso, foram ouvidos os pesquisadores-avaliadores, que apresentam um

62
ponto de vista bem definido quanto a essa questão: defendem que os pesquisadores não
alinhados ao novo contexto da atividade científica devem se enquadrar aos novos padrões de
atividade científica defendidos por ele, o que significa acompanhar todos os impactos de suas
práticas de pesquisa. Um entrevistado da Área de Comunicação e Negócios (ACN) da
Embrapa, organismo responsável pela ligação entre a P&D da instituição e o ambiente
externo, resume sua concepção sobre as mudanças necessárias na atividade científica
tradicional:

A primeira resistência que tem é a seguinte: eu sou pesquisador, não tenho que ir
para o campo. Ele realiza um projeto e passa para alguém executar no campo. Muita
gente nem vai ao campo acompanhar o experimento, pega os dados e escreve
alguma coisa... A concepção da Empresa sempre foi essa: o importante é gerar
resultado de pesquisa e não gerar inovação. Esse tipo de discussão dentro da
Embrapa de 5 anos para cá começou a ser feita. Passou a existir um discurso da
Diretoria Executiva que o que falta à Embrapa é fazer inovação. É levar o resultado
da pesquisa até o final e monitorar o impacto dessa pesquisa no setor produtivo. A
inovação precisa dessa aplicação, desse desenvolvimento no campo, precisa ser
transferida, ser monitorada, e isso acaba parando na fase da pesquisa (de um agente
da Área de Comunicação e Negócios).

Ora, com o desenrolar das transformações da atividade científica e, mais precisamente,


a crescente importância do tema da inovação tecnológica para as práticas do campo científico,
os critérios de avaliação passam a levar em conta a contabilização e mensuração das práticas
inovativas. Boa parte dos teóricos da Ciência Econômica considera que o principal
mecanismo pelo qual se pode mensurar a inovação tecnológica é o número de patentes de uma
empresa, uma universidade, uma região ou um país. Cada vez mais, a própria Embrapa tem se
preocupado com o aumento da geração de patentes que significaria, em tese, uma maior
capacidade inovativa da instituição.
Contudo, os pesquisadores, gestores e os próprios avaliadores reconhecem a
ambigüidade do novo cenário; no atual contexto da atividade científica, os novos mecanismos
de avaliação da P&D não suplantam os velhos, mas antes convivem com estes. A
preocupação com os índices inovativos é cada vez maior, mas a publicação de periódicos
continua a ser vista pelos cientistas como um meio fundamental de avaliação. Mais uma vez,
os relatórios de avaliação são utilizados como base para se produzir artigos científicos e, desta
forma, elevar o número de publicações dos pesquisadores:

[...] nós pesquisadores somos avaliados por isso daí, né? Publicação, currículo... até
pra poder conseguir aprovar projetos junto a Fapesp, CNPq, qualquer uma das

63
instituições de fomento, e a própria Embrapa, é claro. O que conta? Currículo. E o
currículo chega onde? Na publicação. O trabalho de chegar no campo depois não
entra. Então não é só a Embrapa, é o meio, né. Então por exemplo, o que a Fapesp
prioriza e valoriza na hora de você encaminhar um projeto? O que o CNPq valoriza?
Então o que acontece é que os resultados disso [das avaliações] eu acabei
publicando, então pra mim isso gerou publicação; foi um estímulo, porque trabalho
na área de pesquisa e preciso disso (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

[...] mas isso [relatório de avaliação] acaba contando muito pouco, né? Conta mais
uma publicação só. Pesa mais artigo em revista, periódico com um “Qualis” bom...
(de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Mas não há cobrança por parte das instâncias administrativas quanto a publicação dos
resultados das avaliações. São os próprios pesquisadores que, conscientes dos padrões de
avaliação tradicionais, tomam a iniciativa de transformar os relatórios técnicos internos em
publicações de periódicos. Segundo um dos entrevistados:

Não, não tem cobrança [da Embrapa para publicar os resultados das avaliações]. Foi
por iniciativa nossa, a gente resolveu encaminhar para certos lugares, mas não que a
instituição tenha exigido. O que a gente tem que cumprir é mandar a avaliação para
a Sede fazer aquele Balanço Social (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Mas este cenário começa a sentir os efeitos das transformações da atividade científica.
Cada vez mais as instituições científicas, o que inclui as IPPs, incorporam a necessidade de
produzir inovações tecnológicas, o que significa registrar um bom número de patentes. Altos
índices de retorno econômico e de registro de patentes significam maior legitimidade da
instituição para desenvolver suas atividades, o que pode implicar em uma propaganda positiva
da IPP diante dos órgãos de financiamento público e dos parceiros privados. Os
pesquisadores, por sua vez, sentem os reflexos desse novo contexto e percebem que as
instâncias administrativas da instituição passam a exigir retornos desse tipo. Fala-se
constantemente em “pressão” por inovação tecnológica como algo que os administradores da
Embrapa exigem das suas UDs. Deste modo, como Bourdieu (2004) havia identificado no
INRA, a administração científica implanta critérios de avaliação e direcionamento da P&D
não consensuais entre os pesquisadores. Nas palavras de uma das pesquisadoras:

Isso é um dilema importante, porque passa a existir mesmo uma verdadeira pressão
por inovação tecnológica, por patente. É uma coisa da ciência de hoje em dia
mesmo. Veio um pessoal de Campinas aqui uma vez, do Grupo Inova; eles vieram
checar o que estávamos desenvolvendo aqui, pra ver o que poderia virar patente.
Uma espécie de instrução pra isso mesmo. E patente significa segredo, que impede a

64
publicação em periódico. Mas como eu falei, é difícil, a gente que trabalha mais com
relatórios, com recomendações pro produtor; como é que vai patentear isso? Quando
você tem um produto, aí sim é possível. Mas com recomendações... E tem também
envolvida a questão de gerar receita própria pra Embrapa, que é algo importante.
Então eu acho que “pressão” é uma palavra que sintetiza bem isso, é um ambiente de
verdadeira pressão pra buscar a inovação (de uma pesquisadora da Embrapa).

Você é pressionado para publicar mas ao mesmo tempo não pode publicar para
patentear, então tem esses problemas (de uma pesquisadora da Embrapa).

Através desta fala, percebe-se que há ainda um outro dilema referente aos novos
critérios de avaliação: a tentativa de produzir certa homogeneidade e generalização das
variáveis e índices avaliativos ignora as especificidades de diferentes práticas de pesquisa.
Diversos pesquisadores afirmam que enquanto técnicas e componentes químicos podem se
transformar em novos produtos e processos, textos de relatórios e recomendações aos
produtores rurais, que constituem boa parte da produção bibliográfica da Embrapa,
dificilmente podem se traduzir em patentes.
As diferentes áreas do conhecimento também não são contempladas pela
homogeneidade dos novos critérios avaliativos. Os próprios agentes que aplicam mecanismos
de avaliação de impactos tecnológicos reclamam deste ponto, pois muitos, oriundos das
ciências humanas, econômicas e sociais, não estão aptos a “concorrer” nas avaliações – e
conseqüentes ranqueamentos e premiações – com os colegas das ciências naturais e
biológicas. Segundo uma avaliadora:

Mas na nossa área, de economia, sociologia, etc., a idéia de inovação, de patente, é


mais complicada. A Embrapa tenta fazer cada vez mais seus pesquisadores gerarem
patente, inovação... mas como a gente, das ciências humanas, pode ser avaliado por
esses critérios? É complicado, porque acabamos sempre “ficando pra trás” nas
avaliações e premiações internas... (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Partindo da perspectiva neo-institucionalista da sociologia da ciência e da tecnologia,


pode-se constatar que a homogeneidade de alguns critérios de avaliação, como a contagem de
patentes, perpetuam hierarquias dentro do próprio campo científico (Bourdieu, 2001).
Enfim, cabe lembrar que os efeitos negativos dos mecanismos de avaliação para a
dinâmica do campo científico – como a perpetuação das hierarquias do campo e os princípios
pouco adequados a complexidade das práticas dos agentes – convivem com efeitos positivos,
principalmente quanto ao maior interesse dos cientistas no acompanhamento dos resultados
sociais, econômicos e ambientais de suas práticas e um maior diálogo com os agentes extra-
científicos – seja este um diálogo para o bem (como o redirecionamento da P&D que leve em

65
conta os reflexos sociais das inovações tecnológicas) ou para o mal (como os efeitos da
crescente interferência de demandas econômicas na atividade científica).

Isso [avaliação de impactos tecnológicos] é uma ferramenta que pode motivar o


pesquisador a dar um passo adiante, e não somente uma publicação científica. [...]
Esse sistema de avaliação de impactos ajuda sem dúvida; [...] pelo menos tem uma
motivação de fazer a pesquisa deles fora da unidade, poder ter mais contato com o
setor produtivo, pensar em outras coisas e não ficar fechado naquele trabalho dele,
poder sair pra fora da caixa (de um agente da Área de Comunicação e Negócios).

Esta parece ser uma tendência do campo científico e de suas transformações recentes.
Segundo um dos agentes da Embrapa:

Nos próximos 4, 5 anos quase 70% dos pesquisadores vão se aposentar, é um


processo de renovação muito grande. A gente percebe que as pessoas que estão
entrando nos concursos, muito mais alinhados, muito mais fáceis de conversar e
convencer dessa idéia de inovação e transferência de tecnologia. Eu percebo uma
boa vontade maior do que o pessoal que está em final de carreira (de um agente da
Área de Comunicação e Negócios).

Este último depoimento confirma que o contexto da atividade científica passa por uma
importante transformação. De acordo com Bourdieu (2001), a aceitação de um agente em um
campo depende da aceitação deste último quanto as “regras do jogo”, isto é, os princípios de
concorrência específicos do campo. Nesse sentido, com o atual contexto da ciência e o
surgimento de possíveis novos princípios de concorrência, reconhecimento e avaliação, os
agentes recém-chegados ao campo – como pesquisadores recém-contratados e universitários –
parecem estar mais dispostos – no sentido bourdieusiano de “disposição” – a se enquadrarem
nas novas regras do campo científico.

66
5 Conclusões

O tema que constituiu o pano de fundo desta monografia foi o contexto de


transformações da atividade científica. Assiste-se atualmente a emergência de novos padrões
institucionais da atividade científica e tecnológica. Isso ocorre através de novas concepções
sobre a ciência e a tecnologia, novos atores relevantes na produção do conhecimento e
inovações, novos formatos de política científica e tecnológica, e novos meios de se gerenciar
e avaliar as práticas de pesquisa. Como apontaram os teóricos ligados a uma visão econômica
e gerencial sobre a inovação tecnológica (Dosi, 1988; Gibbons et al., 1994; Nelson & Winter,
2005, entre outros), as atividades de P&D são mais bem articuladas às demandas produtivas
das empresas. O processo de desresponsabilização do Estado também é fundamental, pois
incentivou as instituições científicas a procurarem novos parceiros que financiem a
manutenção de suas atividades. Além disso, as críticas a uma visão neutra e autônoma de
ciência levaram os pesquisadores a se preocuparem cada vez mais com os reflexos
econômicos, sociais e ambientais de suas atividades, o que repercutiu na internalização dessas
preocupações nos mecanismos de gestão e avaliação da pesquisa científica.
Neste trabalho, o enfoque foi dado ao problema dos mecanismos de gestão e avaliação
da CT&I. Autores como Salles Filho et al. (2000) identificam a importância dos mecanismos
institucionais de controle e acompanhamento das atividades de P&D no cotidiano de
cientistas e técnicos. As mudanças nas concepções acerca da atividade científica implicam em
mudanças nos critérios de avaliação de suas práticas. Essas mudanças nos critérios
avaliativos, por sua vez, apresentam alguns efeitos normativos para a atividade de cientistas e
técnicos que merecem maior atenção para que se compreenda as tendências das
transformações da CT&I. Alguns desses efeitos foram pesquisados neste trabalho, a partir do
estudo de caso da Embrapa. A Embrapa vivencia desde 1985 um contínuo processo de
reorganização institucional, tendo em vista sintonizar seu aparato de gestão e avaliação ao
contexto internacional da atividade científica. A queda do financiamento estatal representou
um momento de perigo para a instituição, no qual ela precisou se relacionar com diferentes
atores sociais. Este relacionamento possui reflexos diretos nas práticas de P&D da Empresa.
Por um lado, a pesquisa científico-tecnológica passa a incorporar cada vez mais as
dimensões extra-científicas à sua dinâmica, como as demandas econômicas e sociais, além da

67
atenção aos impactos ambientais. Os novos critérios e mecanismos de avaliação da CT&I são
parte fundamental desse processo, pois graças a eles, os cientistas deixam se basear apenas na
mensuração de seus produtos internos (artigos e relatórios) para avaliar também os seus
produtos externos. A democratização das práticas de produção do conhecimento científico,
conforme apontado por Bijker (2008), é uma realidade em boa parte das instituições
científicas internacionais, o que inclui as IPPs. O “ethos científico” nos moldes mertonianos
(Merton, 1970) parece dar lugar a um “ethos” renovado de compromisso público dos
cientistas para com a sociedade e com a lógica do mercado.
Por outro lado, uma perspectiva como a proposta pelo paradigma neo-institucionalista
permite perceber que existem problemas e dilemas importantes no momento em que o campo
científico se relaciona com outros campos sociais. O enrijecimento das relações hierárquicas
das instituições científicas como a Embrapa, e a entrada de novos critérios gerenciais de
rendimento e eficiência para se avaliar a pesquisa científico-tecnológica, representam aquilo
que Bourdieu (2001; 2004) considerou como “heteronomia”. Nesse sentido, a dificuldade de
se lidar com a especificidade das diferentes tecnologias e sua funcionalidade e a imposição de
padrões de rendimento externos à prática inovativa estabelecem uma agenda de atividades aos
pesquisadores que interfere fortemente em sua formulação de projetos e encaminhamento de
pesquisas e transferência tecnológica. A Embrapa considerada enquanto campo apresenta uma
tendência de aperfeiçoamento e afunilamento da gestão que impacta decisivamente o
cotidiano de seus agentes.
Os indicadores gerados pelos novos critérios de avaliação também possuem alguns
aspectos negativos para a pesquisa científica, uma vez que o monitoramento meramente
quantitativo da ciência não identifica as particularidades de processos inovativos, dinâmicas
de distintas áreas do conhecimento, etc. A questão dos mecanismos de avaliação da CT&I que
se baseiam em elementos quantitativos estava presente desde o chamado “modelo linear”, e
parece não ter sido superada no “modelo dinâmico” de produção científico-tecnológica.
Parece evidente que, a partir do momento em que a avaliação possui um papel de
instrumentalização das decisões gerenciais, os métodos e dados gerados pela avaliação devem
ser universais e generalizáveis o suficiente para permitir a tomada de decisões. No entanto,
percebe-se que a quantificação dos impactos científicos e tecnológicos é mais complexa e
menos consensual do que aparece na literatura gerencial e econômica sobre o assunto.
Não é o caso de diagnosticarmos uma total incapacidade de técnicos em levarem
adiante autonomamente suas intervenções tecnológicas; mas é necessário que se realize uma
reflexão mais aprofundada sobre os diversos impactos dessa cultura institucional sobre o

68
cotidiano das inovações técnicas. Segundo Bourdieu (2004), a Sociologia da Ciência teria
papel de destaque no estímulo a refletividade do campo científico e no auxílio dos rumos dos
processos de reorganização institucional que este campo tem realizado. Percebe-se, portanto,
que a Sociologia da Ciência pode contribuir para essa discussão, na medida em que possibilita
uma compreensão mais aprofundada dos aspectos institucionais e sociais que fazem parte da
criação de conhecimentos científicos e objetos técnicos.

69
Referências Bibliográficas

ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. (1985), Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Ed.
ANDRADE, T. (2007), O Problema da Experimentação na Inovação Tecnológica. Revista
Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 311, 329.
AVILA, A. F. (2001), Avaliação dos Impactos Econômicos, Sociais e Ambientais da
Pesquisa da Embrapa: Metodologia de Referência. Brasília: Embrapa/SEA.
AVILA, A. F.; RODRIGUES, G. S. & VEDOVOTO, G. L. (2006), Avaliação dos Impactos
de Tecnologias Geradas pela Embrapa: Metodologia de Referência. Brasília: Embrapa/SGE.
BIJKER, W. E. (1995), Democratization of Technology: Who are the Experts?. Disponível
em: < http://www.angelfire.com/la/esst/bijker.html >. Acesso em: 28 nov. 2008.
BIN, A. (2004), Agricultura e meio ambiente: contexto e iniciativas da pesquisa pública.
Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências,
Unicamp, Campinas.
BLOOR, D. (1998), Conocimiento e imaginario social. Barcelona: Gedisa.
BORGES FILHO, E. L. (2005), Da redução de insumos agrícolas à agroecologia: a trajetória
das pesquisas com práticas agrícolas mais ecológicas na Embrapa. Tese (Doutorado em
Economia) – Instituto de Economia, Unicamp, Campinas.
BOURDIEU, P. (1983), O campo científico. In: ORTIZ, R. (org.) Pierre Bourdieu:
Sociologia. São Paulo: Ática.

________. (1989), O Poder Simbólico. Lisboa: Difel.


________. (2001), Para uma Sociologia da Ciência. Lisboa: Edições 70.
________. (2004), Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Unesp.
BUSH, V. (1945), Science, The Endless Frontier: a Report to the President by Vannevar
Bush, Director of the Office of Scientific Research and Development. Washington: United
States Government Printing Office.
CALLON, M. (1987), Society in the making: the study of technology as a tool for
sociological analysis. In: BIJKER, W.; HUGHES, T. & PINCH, T. (eds.) The social
construction of technological systems. Cambridge: MIT Press.
________. (1992), The dynamics of techno-economic networks. In: COOMBS, R.;
SAVIOTTI, P. & WALSH, V. (eds.) Technological change and company strategies. Londres:
Academic Press, p. 72-102.
CALLON, M.; LARÉDO, P. & MUSTAR, P. (1995), La gestion stratégique de la recherche
et de la technologie: l’évaluaton des programmes. Paris: Economica.

70
CASSIOLATO, J. E. & LASTRES, H. (2000), Sistemas de Inovação: Políticas e
Perspectivas. Parcerias estratégicas, Brasília, n. 08, p. 237-255.

CASTELLS, M. (1999), A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra.

DAGNINO, R. (2007), Ciência e tecnologia no Brasil: o processo decisório e a comunidade


de pesquisa. Campinas: Unicamp.

DAVYT, A. & VELHO, L. (2000), A avaliação da ciência e a revisão por pares: passado e
presente. Como será o futuro?. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 7, n. 1, p. 93-116.

DOSI, G. (1988), The nature of the innovative process. In: DOSI, G. et al. (ed.), Technical
Change and Economic Theory. Londres/Nova York: Pinter Publishers.

DURKHEIM, E. (2007), As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes.

ELLUL, J. (1968), A técnica e o desafio do século. São Paulo: Paz e Terra.

EMBRAPA. Secretaria de Administração e Estratégia. (2004), IV Plano Diretor da Embrapa:


2004-2007. Brasília: Embrapa.

EMBRAPA. Assessoria de Comunicação Social. (2008), Ciência, gestão e inovação:


Dimensões da agricultura tropical. Brasília: Embrapa.

EMBRAPA. (2008), EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Disponível


em: <www.embrapa.br>. Acesso em: 23 abr. 2008.

FERREIRA, C. (2001), Tendências de reorganização da pesquisa: um estudo a partir de


experiências internacionais. Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) –
Instituto de Geociências, Unicamp, Campinas.

FREEMAN, C. (1987), Technology and economic performance: lessons from Japan. Londres:
Pinter Publishers.

FURTADO, A. T (Coord.). (2000), Políticas Públicas para a Inovação Tecnológica na


Agricultura do Estado de São Paulo: Métodos para Avaliação de Impactos de Pesquisa.
Campinas: GEOPI, DPCT, Unicamp (Revisão de literatura: Programa de políticas públicas –
Fapesp).

________. (2005), Novos Arranjos Produtivos, Estado e Gestão da Pesquisa Pública. Ciência
e Cultura, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 41-45.

GIBBONS, M. et al. (1994), The new production of knowledge: The dynamics of Science and
Research in Contemporary Societies. Londres: Sage.

KNORR-CETINA, K. (2005), La fabricación del conocimiento: Un ensayo sobre el carácter


constructivista y contextual de la ciencia. Tradução de Maria Isabel Stratta. Bernal:
Universidad Nacional de Quilmes.

KREIMER, P. (1999), De probetas, computadoras y ratones: la construcción de una mirada


sociológica sobre la ciencia. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes.

71
KROPF, S. P. & LIMA, N. T. (1998), Os valores e a prática institucional da ciência: as
concepções de Robert Merton e Thomas Kuhn. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 5,
n. 3, p. 565-581.

KUHN, T. (2005), A Estrutura das Revoluções Científicas. 9ª Edição. São Paulo: Perspectiva.

LATOUR, B. (1998), On Recalling ANT. In: LAW, J. & HASSARD, J. (Eds.), Actor
Network Theory and After. Oxford: Blackwell.

________. (2000), Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.
São Paulo: Unesp.

LATOUR, B. & WOOLGAR, S. (1997), A Vida de Laboratório: a produção dos fatos


científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

MATTEDI, M. A. (2007) A sociologia da pesquisa científica: o laboratório científico como


unidade de análise sociológica. Teoria & Pesquisa, São Carlos, Vol. XVI, n. 02, p. 51- 70.

MANHEIM, K. (1972), Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar.

MARCUSE, H. (1967), A Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

MARX, K. (2004) O Capital. Livro 1. Volume 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

MATIAS-PEREIRA, J. & KRUGLIANSKAS, I. (2005), Gestão tecnológica: a lei de


inovação tecnológica como ferramenta de apoio às políticas industrial e tecnológica do Brasil.
RAE eletrônica, São Paulo, v. 4, n. 2, Art. 18.

MERTON, R. K. (1970), Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou.

NELSON, R. & WINTER, S. (2005), Uma teoria evolucionária da mudança econômica.


Campinas: Unicamp.

OCDE. (1997), Manual de Oslo: diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre
inovação. Eurostat / Finep.

PRIMAVESI, O. et al. (2006), Análise e melhoria de processo: Avaliação dos impactos


econômicos, sociais e ambientais de tecnologias da Embrapa Pecuária Sudeste. São Carlos:
Embrapa Pecuária Sudeste (Documentos, 53).

RIP, A. (2001), Societal Challenges for R&D Evaluation. In: SHAPIRA, P. & KUHLMANN,
S. (eds.). Proceedings from the 2000 US-EU Workshop on Learning from Science and
Technology Policy Evaluation. Bad Herrenalb, Germany. Disponível em:
<http://www.cherry.gatech.edu/e-value>. Acesso em: 14 nov. 2007.

RODRIGUES, G. S.; CAMPANHOLA, C. & KITAMURA, P. C. (2003), Avaliação de


impacto ambiental da inovação tecnológica agropecuária: AMBITEC-AGRO. Jaguariúna:
Embrapa Meio Ambiente (Documentos, 34).

RODRIGUES, G. S. et al. (2005), Sistema de Avaliação de Impacto Social da Inovação


Tecnológica Agropecuária (Ambitec-Social). Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente (Boletim
de Pesquisa e Desenvolvimento, 35).

ROSSI, P. (2001), O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru: Edusc.

72
SALLES FILHO, S. et al. (2000), Ciência, Tecnologia e Inovação: a reorganização da
pesquisa pública no Brasil. Campinas: Komedi.

SANIDAS, E. (2004), Technology, technical and organizational innovations, economic and


societal growth. Technology in Society, v. 26, n. 1, p. 67-84.

SCHUMPETER, J. A. (1982), A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril


Cultural.

SHINN, T. (1988), Hiérarchies des chercheurs et formes des recherches. Actes de la


Recherche en Sciences Sociales, v. 74, n. 1, p. 2-22.

________. (1999), Prólogo. In : KREIMER, P. De probetas, computadoras y ratones: la


construcción de una mirada sociológica sobre la ciencia. Buenos Aires: Universidad Nacional
de Quilmes.

________. (2002), Nouvelle production du savoir et triple hélice. Tendances du prêt-à-penser


les sciences. Actes de la recherche en sciences sociales, n. 141, p. 21-30.

SHINN, T. & LAMY, E. (2006a), L’autonomie scientifique face à la mercantilisation: formes


d’engagement entrepreneurial des chercheurs em France. Actes de la recherche en sciences
sociales, n. 164, p. 22-49.

________. (2006b), Paths of commercial knowledge: Forms and consequences of university-


enterprise synergy in scientist-sponsored firms. Research Policy, n. 35, p. 1465-1476.

SOUSA, I. S. F. (1993), A sociedade, o cientista e o problema de pesquisa. Brasília:


Embrapa-SPI.

SOUSA SANTOS, B. (2005), Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez.

TIGRE, P. B. (2005) Paradigmas Tecnológicos e Teorias Econômicas da Firma. Revista


Brasileira de Inovação, v. 4, n. 1, p. 187-223.

TRIGUEIRO, M. G. (1997), O que foi feito de Kuhn? O construtivismo na sociologia da


ciência. In: SOBRAL, F et al. (orgs.) A alavanca de Arquimedes: ciência e tecnologia na
virada do século. Brasília: Paralelo 15.

VELHO, L. (2008), Ciência, Tecnologia e Sociedade e os Paradigmas da Política Científica


e Tecnológica. Aula Inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e
Sociedade da UFSCar. São Carlos: UFSCar (mimeo).

WEBER, M. (2002), Ciência e Política: duas vocações. 11ª edição. São Paulo: Cultrix.

________. (2006), A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. Tradução de


Gabriel Cohn. São Paulo: Ática.

ZACKIEWICZ, M. (2003), Coordenação e organização da inovação: perspectivas do estudo


do futuro e da avaliação em ciência e tecnologia. Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 17, p.
193-214.

________. (2005), Trajetórias e Desafios da Avaliação em Ciência, Tecnologia e Inovação.


Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências, Unicamp,
Campinas.

73
Anexos

Anexo 1: Modelo de entrevistas

A) Identificação do entrevistado
 Nome
 Cargo na Embrapa
 Tempo no atual cargo (em anos)
 Descrição das atribuições do cargo
B) Trajetória de formação e profissional
 Título(s)
 Instituição(ões) em que estudou
 Instituição(ões) em que trabalhou
 Tempo na Embrapa (em anos)
C) Os pressupostos da avaliação
 Na sua visão, para que se avaliam as atividades de P&D e as inovações tecnológicas?
 Como os resultados das avaliações de impactos tecnológicos atualmente aplicadas pela
Embrapa podem ser utilizados? Isso inclui o Balanço Social? E o SAU? E o SAPRE?
 Qual o peso das avaliações de impacto na avaliação institucional (ou no IDI) das
Unidades?
 O que se considera como uma boa ou uma má avaliação? Que decisões decorrem de uma
má avaliação?
 Quem (isto é, quais agentes) define os indicadores e variáveis presentes nos mecanismos
de avaliação? Os pesquisadores participam dessa definição?
 Como (isto é, por quais critérios) se definem os indicadores e variáveis presentes nos
mecanismos de avaliação?
 Qual o peso dos diferentes indicadores e variáveis no resultado final da avaliação?
 Qual é o público alvo da divulgação dos resultados das avaliações?
D) Os efeitos da avaliação na dinâmica de produção científico-tecnológica
 O que mudou na produção de conhecimentos e tecnologias da Embrapa após a
implantação das novas metodologias avaliativas?
 Qual dimensão da pesquisa é privilegiada pelos instrumentos avaliativos: os produtos
finais da P&D ou os próprios processos de P&D?
 Os resultados da avaliação geram publicações em periódicos científicos? Com que
freqüência?
 Em que medida os resultados da avaliação de impactos retornam para os pesquisadores?

74
 Os resultados da avaliação são técnica ou cientificamente relevantes para os
pesquisadores? Como os pesquisadores fazem uso desses resultados em suas atividades
cotidianas?
 O que mudou no relacionamento da Embrapa com outros agentes (econômicos, políticos
e sociais) graças aos resultados das avaliações?

Anexo 2: Organograma da Embrapa

75

Você também pode gostar