Você está na página 1de 29

TÉCNICA VOCAL

AULA 3

Prof.ª Luciana Mendes da Silva


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, vamos examinar as diferentes características de naipes


vocais e procurar entender o que acontece com a nossa voz cantada em
diferentes registros. Se você ainda não descobriu o seu naipe vocal, poderá fazê-
lo com um simples teste vocal de reconhecimento.

TEMA 1 – TESSITURA E EXTENSÃO VOCAL

Cada pessoa tem a capacidade de cantar certo número de tons (pitches),


que faz parte de seu make-up vocal, dos graves aos agudos. Há duas
classificações para estas medidas: extensão e tessitura.

A sua extensão vocal é composta de todas as notas que você consegue


cantar: das mais graves (quando se ouve mais o ar do que um tom) até as mais
agudas, mesmo que não tenham uma qualidade bonita.
Já a tessitura vocal envolve aquelas notas que realmente soam com
claridade, podem ser afinadas, e são úteis no seu repertório.
Veja na figura abaixo as notas que podem fazer parte da extensão vocal
de cada classificação vocal: desde o soprano até o baixo.

2
Vale ressaltar aqui que cada parte está mostrando duas oitavas de
extensão, mas pode não ser o caso. Alguns cantores têm muito mais notas no
seu repertório, outros, muito menos. Veja outro exemplo dado por Daniel K.
Robinson – famoso professor de canto australiano, encontrado em seu website
Djarts Voice Coaching e seu canal do YouTube Dr. Dan Voice Essentials.
Nesta ilustração, Dr. Dan mostra uma classificação de notas um pouco
diferenciada:

Fonte: Robinson [s.d.].

3
Há uma categoria que não vamos examinar a fundo, mas que merece
consideração: os contratenores. O pedagogo vocal Ralph Appelman, da
Universidade de Indiana, ressalta o seguinte sobre eles:

Alguns homens cantam em voz falsette por escolha, devido à sua


capacidade ou como resultado de certas condições psicológicas raras;
estes cantam as mesmas notas que mulheres. Porém não são
classificados nas categorias femininas (soprano, contralto), e sim como
contratenores no âmbito da música clássica. Na música
contemporânea, entretanto, o uso do termo tenor é mais propício.
(Appelman, 1986)

Ao se familiarizar com a sua própria voz, você vai descobrir que naipe a
classifica, e dentro deste, quais notas são as melhores, médias, ou mais fracas.
A teoria serve para estimular a prática, que é a única forma de se realmente
aprender a cantar bem.
A seguir, vamos examinar cada extensão vocal como uma pequena lista
de cantores reconhecidos em cada naipe. Tome algum tempo para ouvir cada
artista, pois a melhor maneira de entender conceitos musicais é ouvindo música
de gêneros diversos, obtendo-se, com isso, um entendimento global da arte.

1.1 Sopranos: vozes femininas mais agudas

Sopranos são as vozes femininas que conseguem cantar as notas mais


agudas. Em geral, puros sopranos não conseguem cantar muito abaixo do dó
central (claro que há exceções).
Lembre-se: alguns sopranos podem cantar bem mais agudo do que a
última nota nesta figura; como também podem cantar mais grave. Isso também
pode valer para todas as classificações aqui apresentadas.
A seguir, veja uma pequena lista de recomendações para compreender
as distinções não só entre os diferentes naipes, mas entre cantores no mesmo
naipe.

4
SOPRANOS
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA DIANA DAMRAU QUEEN OF THE NIGHT ARIA - A FLAUTA
MÁGICA
ROCK ANN WILSON, HEART BARRACUDA; ALONE

POP BILLIE EILLISH WHEN THE PARTY’S OVER; OCEAN EYES


CELINE DION THE POWER OF LOVE; ALL BY MYSELF
BRASILEIRA ADRIANA CALCANHOTTO FICO ASSIM SEM VOCÊ; ESQUADROS
GAL COSTA BABY; MEU BEM MEU MAL
GOSPEL KARI JOBE YOU ARE FOR ME; REVELATION SONG

1.2 Mezzo-sopranos: vozes femininas médias

Mezzo-sopranos são as vozes femininas mais comuns. Não tão graves e


não tão agudas, elas apresentam extrema variedade no que conseguem cantar.
Às vezes fica até difícil classificá-las, pois podem parecer sopranos ou contraltos.
Começando no gênero de ópera, ouça o famoso dueto da ópera Lakme,
em que uma soprano e uma Mezzo cantam juntas. Observe as diferenças entre
as vozes, mesmo que cantem notas bem aproximadas.

MEZZO-SOPRANOS
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA ELINA GARANCA, MEZZO FLOWER DUET - LAKME
(COM ANNA NETREBKO,
SOPRANO)
ROCK BONNIE TYLER TOTAL ECLIPSE OF THE HEART

POP LADY GAGA BAD ROMANCE; SHALLOW


ALICIA KEYS NO ONE

5
BRASILEIRA MAIARA & MARAISA AÍ EU BEBO
ELIS REGINA ROMARIA
GOSPEL AMANDA COOK PIECES (SPONTANEOUS)

1.3 Contraltos (Altos): vozes femininas mais graves

Vozes femininas mais graves e profundas são mais raras entre os gêneros
não clássicos, porém há artistas que brilham em suas interpretações, mostrando
que não é somente a nota aguda que pode impressionar.
Em inglês, ainda existe mais uma divisão entre as vozes graves femininas,
de maneira que o que chamamos de contralto no Brasil é chamado de Alto, e
para vozes femininas tão graves que soam como vozes masculinas, o termo
Contralto é usado. Poderíamos dizer que nesse caso um Contralto seria a direta
contrapartida do Contratenor (Countertenor em inglês).

CONTRALTOS (ALTOS)
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA MARIANA PENTCHEVA WITCH’S SCENE – UN BALLO IN MASCHERA

ROCK ANNIE LENNOX, EURYTHMICS


SWEET DREAMS (ARE MADE OF THIS)

POP TRACY CHAPMAN BABY CAN I HOLD YOU TONIGHT; GIVE ME ONE
CARLY SIMON REASON
YOU’RE SO VAIN; COMING AROUND AGAIN
BRASILEIRA ANA CAROLINA É ISSO AÍ (THE BLOWER’S DAUGHTER)

GOSPEL KIM WALKER, JESUS HOLY


CULTURE

6
1.4 Tenores: vozes masculinas mais agudas

Tenores legítimos são vozes mais raras entre a população em geral. São
raros os casos de um coro ou outro grupo musical que dispõe de tenores de
sobra. Na indústria musical, entretanto, a maioria dos artistas mais conhecidos
são os tenores entre as bandas de rock, artistas pop, até corais e óperas,
provavelmente porque um excelente tenor não pode ser ignorado.
Certos cantores populares têm a capacidade vocal tão aguda que
poderiam ser classificados como quasi-contratenores.
Artistas que vêm à mente: Michael Jackson, Freddy Mercury, Bon Iver,
Bruno Mars, The Weeknd, Louis Cole.

TENORES
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA LUCIANO PAVAROTTI NESSUM DORMA - TURANDOT

ROCK FREDDY MERCURY, QUEEN LOVE OF MY LIFE; WHO WANTS TO LIVE


PAUL MCCARTNEY, THE FOREVER
BEATLES HEY JUDE; LET IT BE; GOT TO GET YOU INTO MY
LIFE
POP BRUNO MARS LOCKED OUT OF HEAVEN;
JUST THE WAY YOU ARE
BRASILEIRA DJAVAN OCEANO; MEU BEM QUERER

GOSPEL DAVID PHELPS YOUTUBE: DAVID PHELPS BEST


(porque não consigo escolher só uma música)

1.5 Barítonos: vozes masculinas médias

7
Barítonos são as vozes masculinas mais comuns. Assim como as Mezzo-
sopranos, muitos barítonos podem parecer mais com tenores, outros mais como
baixos.
Sua voz caracteristicamente mais aveludada e mais profunda também os
faz excelentes cantores de baladas rock e músicas românticas.
Existe todo um gênero que explora essas qualidades, o crooning; Frank
Sinatra, Tony Bennet e Michael Bublé fazem parte deste gênero. Por isso, aqui
você vai encontrar exemplos de crooners em vez de pop.

BARÍTONOS
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA BJÖRN BÜRGER LARGO AL FACTOTUM (FIGARO’S ARIA)

ROCK JIM MORRISON – THE DOORS BREAK ON THROUGH; RIDERS ON THE STORM
DAVID BOWIE SPACE ODITY; HEROES
CROONING FRANK SINATRA NEW YORK NEW YORK; COME FLY WITH ME
MICHAEL BUBLÉ (Crooner/Pop) FEELING GOOD; HAVEN’T MET YOU YET
BRASILEIRA RENATO RUSSO TEMPO PERDIDO; ÍNDIOS (ACÚSTICO MTV)
LENINE PACIÊNCIA; TODAS ELAS JUNTAS NUM SÓ SER
GOSPEL ANDRÉ VALADÃO SUA GLÓRIA (AO VIVO); MURALHAS

1.6 Baixos: vozes masculinas mais graves

A última classificação de vozes masculinas também é muito rara no


mundo pop/rock.
A banda The National, por exemplo, se destaca por seu vocalista,
Matthew Donald Berninger, pois sua voz tem profundidade e características de
um barítono em certas músicas – o que é raro em bandas populares
contemporâneas.

8
Isso também pode ser dito de Barry White, sua voz falada é de um basso
profundo, mas sua voz cantada pode ser classificada como qualquer outro
barítono de R&B, com uma profundidade e coloração de baixo.
Tim Storms é conhecido como o baixo, mantendo o Guiness record atual,
por cantar as notas mais ridiculamente graves do mundo.

BAIXOS
GÊNERO ARTISTA OUÇA
ÓPERA KURT MOLL COMMENDATORE ARIA – CON GIOVANNI

ROCK MATTHEW D. BERNINGER, THE BLOODBUZZ OHIO; ENGLAND; RUNAWAY


NATIONAL

R&B BARRY WHITE PRACTICE WHAT YOU PREACH;


CAN’T GET ENOUGH OF YOUR LOVE BABY
POP-FOLK FRED NEIL LITTLE BIT OF RAIN

BRASILEIRA ZÉ RAMALHO SINÔNIMOS

GOSPEL TIM STORMS YOUTUBE: A VOZ MAIS GRAVE DO MUNDO

1.7 Exceções para todas as regras

Como dito anteriormente, existem exceções para toda a regra. Você pode
ser classificado como mezzo-soprano, mas ainda assim conseguir cantar notas
graves, como contralto, e notas agudas, como soprano. Existem barítonos que
são chamados de bari-tenores por sua capacidade de cobrir os dois naipes. E,
assim, as exceções vão seguindo.
Existem outras subclassificações, como o sistema fach alemão para
vozes operáticas por exemplo. Veja a figura abaixo para classificações de fach:

9
TEMA 2 – DESCOBRINDO SUA TESSITURA E EXTENSÃO VOCAL

Se você não tem certeza de sua capacidade vocal no momento, você


pode fazer um pequeno teste para averiguar seus limites, graves e agudos, o
que vai lhe dar um ponto de partida em seu desenvolvimento vocal. Ao se dedicar
a aulas de canto e exercícios diários, você provavelmente vai expandir sua
capacidade vocal, não só em termos de qualidade, mas também de extensão. É
importante buscar auxílio de instrutores qualificados que possam lhe orientar,
para que você não cause danos à sua voz por usá-la incorretamente. Assim
como precisamos de personal trainers quando não sabemos nos exercitar no
início, é de suma importância que obtenhamos um instrutor de canto que pode
nos ensinar a exercitar corretamente a musculatura delicada de nosso trato
vocal.

10
2.1 Fatores a serem considerados

Se você, a este ponto, nunca teve treino vocal, seus resultados vão refletir
essa falta.
Seja realista e paciente: não force a sua voz acima ou abaixo das notas
que são confortáveis no momento.
Cante as notas com facilidade, utilizando apoio respiratório adequado, e
com o pescoço, ombros, mandíbula, língua, músculos faciais, peito e costas
relaxados.
À medida que as notas sobem, relaxe a mandíbula e abra mais a boca de
maneira relaxada. Não ignore sua respiração em momento algum. Elimine toda
a tensão. Cante como você fala, facilmente e sem tensão.

2.2 Explorando a sua extensão vocal

Neste teste, você vai cantar todas as notas possíveis, mesmo as graves
que quase não consegue ouvir até as agudas, mesmo que não sejam tão
atrativas. Se você sentir desconforto em qualquer momento, é porque chegou ao
limite. Não ultrapasse esse limite. Anote a última nota em cada lado que
consegue cantar sem desconforto.
Você vai precisar de um piano ou teclado – de no mínimo 61 teclas,
idealmente 88 teclas, o tamanho completo.
Também pode usar um metrônomo se quiser (existem aplicativos para o
seu smartphone) – tempo: entre 60 e 80 batidas por minuto (bpm).
Faça este teste num ambiente calmo e quieto.
VOZES FEMININAS

11
VOZES MASCULINAS

MINHA EXTENSÃO VOCAL


NOTA NOTA
MAIS GRAVE: MAIS AGUDA:

2.3 Explorando a sua tessitura vocal

Repita o teste, mas em vez de ir até as notas mais fracas, (graves e


agudas), pare nas notas que ainda têm qualidade sonora suficiente – não mais
fracas que as outras, não muito soprosas (com muito ar passando por elas).
Por exemplo, sua extensão pode ir até o DO 3, mas sua tessitura vai até
o MI 3.
Os resultados do teste de tessitura devem ser mais estreitos que a
extensão vocal.
MINHA TESSITURA VOCAL
NOTA NOTA
MAIS GRAVE: MAIS AGUDA:

DICA: Se você não tem certeza de que chegou a conclusões corretas,


grave cada teste e envie para um professor de canto, que pode auxiliá-lo com os
resultados.

12
TEMA 3 – REGISTROS VOCAIS

No seu livro Canto – Equilíbrio Entre Corpo e Som, Cláudia Pacheco e


Tutti Baê oferecem uma visão geral de o que registros vocais significam na
prática:

Você deve ter percebido que quando canta notas mais graves sua voz
soa de um jeito e ao cantar notas agudas ela parece ser diferente. Isso
se deve aos diferentes registros vocais. O termo registro vocal tem sido
definido como uma série de tons que fazem parte de um conjunto de
notas de diferentes frequências, mas que do ponto de vista de sua
percepção auditiva possuem características parecidas. A voz cantada
é dividida em vários registros: basal, modal (subdividido em peito,
médio e cabeça), falsete e flauta. (Baê/Pacheco, 63)

Recapitulando as diferenças entre extensão, tessitura e registro vocal:

3.1 Pregas vocais: como se movimentam e formam os registros

Registros vocais estão relacionados com o que está acontecendo nas


pregas vocais e nos músculos laríngeos envolvidos: sua densidade no momento
da vibração, sua aproximação, quais camadas estão ativas ou não etc.
Observe a figura a seguir.

13
Crédito: Smile Ilustras.

Nessa ilustração, podemos ver as pregas vocais vistas de frente, como


também de cima. Vamos examinar cada registro e entender o que ocorre na
musculatura das pregas vocais e na laringe. Resumidamente, entre a voz de
peito (modalidade 3) e a voz de cabeça, falsette, flauta etc. (modalidade 1), a
musculatura vai se afinando do corpo até o topo (cobertura) das pregas vocais.
Estas descobertas foram publicadas pelo renomado laringologista
japonês Minoru Hirano, MD, PhD – em 1974, em seu estudo pioneiro conhecido
como Cover-Body Theory (Teoria da Cobertura-Corpo).

Figura 13 – Modelo criado por Hirano, demonstrando quatro condições laríngeas

Fonte: Adaptado de Hirano (1974).

14
Imagine que, no registro de peito, suas pregas vocais vibram como um
todo, como suas palmas das mãos juntas, e no registro mais leve (cabeça),
somente o topo (cobertura) das pregas vocais estão engajados – como se
fossem os dedos indicadores juntos.

Fonte: Luciana Mendes.

Entre as posições iniciais e finais dos músculos das pregas vocais –


controlados pelos músculos da laringe (não ilustrados), estes tecidos se movem
gradualmente em direção ao topo e de volta em direção ao corpo, à medida que
cantamos ascendentes ou descendentes na nossa extensão vocal. Esse visual
é muito útil para entendermos por que há certos pontos da tessitura em que a
voz “quebra”, falha ou faz alguns ruídos estranhos: São os músculos e tecidos
negociando seus pontos fortes e fracos no processo muscular vocal. Vamos
discutir os vocal breaks mais adiante.
Regiões em que aproximadamente ocorrem as mudanças de registros:

15
Esta próxima ilustração mostra mais detalhadamente as camadas das
pregas vocais:

Crédito: Smile Ilustras.

3.2 Voz Basal – vocal fry

Este registro pode ser visto como uma pré-fonação, pois consiste em
vibrações tão baixas que não apresentam tonalidade reconhecível.
Andy Follin, em seu artigo “Vocal Registers Explained” (Registros Vocais
Explicados), apresenta resultados de pesquisas realizadas por Natalie Heinrich
e explica o mecanismo do vocal fry como M0 (mecanismo zero), em que “ambos
o corpo e a cobertura das pregas vocais estão soltos”. Como estão soltos e
completamente livres de qualquer tensão necessária para produzir sons, o
resultado são as frequências extremamente baixas, em que cada ciclo vibratório
é suavemente perceptível aos sentidos.
A sensação é de vibrações delicadas abaixo do pomo de Adão.

16
3.3 Voz de peito

O registro da voz de peito emprega o corpo e a cobertura das pregas


vocais, de acordo com Hirano. Baê e Pacheco notam em seus estudos que
“quando emito uma nota grave, tenho uma ação predominante do músculo vocal
ou Tireoaritenóideo (TA), o que dá às pregas vocais uma configuração mais
abaulada e encurtada.” (Baê; Pacheco, 64). Heinrich o identifica como M1
(mecanismo 1). A sensação é de vibrações na parte superior do peito, como
também na laringe e traqueia.
LEMBRE-SE: não confunda a percepção (sensação) das vibrações com
a verdadeira ressonância e áreas envolvidas na produção do registro. A
sensação é o que ajuda o cantor a saber se está aplicando a técnica
corretamente, mas a sensação não é anatomicamente correta em termos de
mecanismos ativados.

Figura 17 – Músculos das pregas vocais responsáveis pelos registros

Crédito: Smile Ilustras.

Figura 18 – Voz de peito: pregas vocais densas e curtas

Fonte: Luciana Mendes.


17
3.4 Voz de Cabeça

O registro de cabeça, identificado por Heinrich como M2 (mecanismo 2),


é caracterizado por vibrações do topo (cobertura). O corpo (vocalis) cessa de
vibrar nesse registro. Baê e Pacheco o descrevem:

À medida que subimos cantando a escala musical, o músculo


responsável pela tensão das pregas vocais, denominado
Cricotireóideo (CT), passa a ter participação mais efetiva e diminui a
atividade do músculo vocal (TA). As pregas vocais assumem uma
característica mais alongada e sua borda fica com um aspecto mais
retilíneo. (Baê/Pacheco, 64)

Crédito: Smile Ilustras.

Fonte: Luciana Mendes.

3.5 Voz mista/média/mix

Entre os registros de peito e cabeça, ocorre uma série de transições e


intersecções entre os músculos predominantes. Essas transições podem ocorrer
em distâncias de até uma oitava. O processo de menos atividade nos músculos
TA dando lugar à predominância dos músculos CT – em outras palavras, o
processo do corpo à cobertura das pregas vocais acontece gradualmente à

18
medida que as frequências vão subindo. Ou seja, a sensação não será de
puramente M1 ou M2.
A voz mista, ou o mix vocal, pode ser considerado um mix mais pesado
(TA predominante) até o mix mais leve (CT predominante). Nessa região, um
cantor bem treinado pode escolher utilizar o mix mais pesado ou o mais leve,
dependendo das demandas da peça musical cantada.
Andy Follin, em seu artigo “Mixed Voice Explained” (Voz Mista Explicada),
faz a seguinte comparação para auxiliar cantores a entender e utilizar o seu mix:

Imagine que seu som M1 é vermelho, e o seu M2 é amarelo. Durante


a transição, o seu som vai gradualmente se tornando laranja, do laranja
escuro (mais vermelho) até o laranja claro (mais amarelo). Em outras
palavras, na sua voz mista você deve reduzir a intensidade M1 e então
aumentar a intensidade à medida que faz a transição para o M2. Para
fazê-lo, você gradualmente diminui a pressão do ar no M1, e aumenta-
a no M2. (Follin, Mixed Voice Explained)

M2 = CABEÇA

M1/M2 = MIX

M1 = PEITO

3.6 Falsette (Falsetto)

Quanto à atividade muscular neste registro, Pacheco e Baê elaboram:

No registro de falsete, ocorre uma diminuição mais intensa da atuação


do músculo TA e demais músculos adutores. O músculo tensor (CT)
entra em maior atividade, dando à prega vocal um formato muito
alongado, com sua borda bem esticada. A diminuição da atividade do
músculo vocal (TA) resulta numa menor adução das pregas vocais e
dá origem ao aparecimento de uma fenda paralela entre elas.

3.7 Whistle Tone (voz de assovio/voz de apito)

Este é o registro mais agudo possível na voz humana, e o mais difícil de


descobrir e desenvolver. Heinrich descreve-o da seguinte forma: “No M3, as
pregas estão rígidas, pois se encontram bem finas e esticadas ao máximo;
somente a cobertura (topo) vibra, com um fechamento incompleto.” Apenas a

19
parte de trás das pregas vocais vibram nesse registro. O seu nome é em virtude
de o som ser como o de um assovio, ou apito.
A dificuldade em se reproduzir este registro é aparente, pois no início
sente-se a tensão e o ar pressionado passando pela fresta criada pelas pregas
esticadas, afinadas e rígidas.
Algumas cantoras famosas pelo seu domínio do whistle tone:

• Minnie Riperton;
• Mariah Carey;
• Heather Payne (ex-integrante do grupo Point Of Grace);
• Ariana Grande;
• Tori Kelly;
• Kelly Clarkson;
• Jessy J.

Desde que a cantora Mariah Carey popularizou essa técnica nos anos
1980 e 1990, muitos cantores buscam desenvolvê-la. Se este é o seu desejo,
encontre um instrutor de canto que entenda bem o mecanismo e possa orientá-
lo corretamente no processo.
CUIDADO: O uso excessivo do whistle tone pode causar danos à voz.
Podemos citar o caso da cantora Mariah Carey, que infelizmente, ao longo de
sua carreira, tem sofrido perda de sua elasticidade vocal, pois ela utiliza whistle
tones em praticamente todas as suas canções, no estúdio e ao vivo.

TEMA 4 – VOCAL BREAKS: ZONAS DE PASSAGEM OU TRANSIÇÃO

Como foi explicado no registro mix/voz média, vários grupos musculares


estão sempre em transição e sobreposição. Estas séries de negociações que
ocorrem em nossas pregas vocais e laringe nem sempre ocorrem de forma
homogênea naturalmente. Por este motivo, certas notas, em certos volumes,
vogais, ou dinâmicas podem falhar, ou soar bruscas, quebrando a linha
melódica. Essas são as chamadas zonas de transição, passaggios (passagens),
ou vocal breaks (quebras vocais).

4.1 Vocal Breaks (quebras na voz): por que ocorrem?

Existem vários fatores a serem considerados como a sua razão:

20
• Mudança de ressonância – diferentes ressonadores vibram/reverberam
em diferentes frequências;
• Mudanças de registro – diferentes partes da musculatura, mais fracas e
mais fortes, trabalhando em conjunto em constante justaposição e
sobreposição;
• Perda da conexão nos ressonadores – à medida que ocorrem
transições entre si, por falta de foco apropriado para certas notas e vogais.

Outros problemas que podem causar breaks e outros problemas


relacionados:

1. Puxando a voz de peito além do limite, sem treino – é como tentar


levantar um peso demasiado sem ter treinado e condicionado o corpo para
chegar lá. Muita pressão nas pregas vocais e laringe faz com que sua
musculatura não consiga sustentar o registro. Então, a voz quebra a
conexão para encontrar a próxima frequência que vai afinar as pregas e
diminuir a pressão. Não puxe a sua voz além dos limites atuais;
2. Cantando “na garganta” – cantando com o foco de ressonância no lugar
errado; cortando o ar na glote; falta de suporte abdominal/respiratório;
3. Cantando de forma muito “pesada” nos registros graves e médios –
forçando a voz demais e trabalhando muito mais duro do que necessário.
Muitos cantores não propriamente treinados, para compensar a voz de
cabeça/mix, acabam exagerando nos registros mais “fortes” de sua
tessitura, causando ainda mais discrepância entre os registros;
4. Utilizando muito ar no registro mais agudo – muito ar passando pelas
pregas vocais é muito prejudicial para a voz como um todo;
5. Falta de treino vocal – voz fraca; os músculos da laringe precisam ser
treinados. Leve a sua voz para a “academia.” Não negligencie os seus
exercícios;
6. Lesões vocais – resultados de abuso vocal, falta de treino e
aquecimento; pode ser que o cantor já desenvolveu nódulos ou pólipos
nas pregas vocais. Se você já tem problemas vocais crônicos há muito
tempo, ou percebe que certos sinais de fatiga e rouquidão nunca se
resolvem, mesmo com descanso, está na hora de visitar um
fonoaudiólogo para descobrir o que está acontecendo;

21
7. Problemas gástricos – Refluxo, acidez no estômago que sobe pelo
esôfago;
8. Alergias respiratórias – sinusite, rinite, todas as “ites”, que afetam a área
da garganta como um todo;
9. Desidratação – pouca água, muita cafeína, ou refrigerantes, álcool;
diuréticos que causam desidratação ao invés de hidratar o corpo;
10. Tensão – nervosismo, ansiedade, estresse etc. Quando o corpo está
tenso, a laringe está tensa. Tensão significa perda de flexibilidade; os
músculos da laringe não se movem livremente como devem, restringindo
também o movimento das pregas vocais, afetando os ressonadores e
articuladores (língua, mandíbula etc.).

4.2 Áreas de transição (passaggios) – vozes femininas e masculinas

Lembre-se: estas transições não são arbitrárias, mas sim generalizadas.


Cada pessoa precisa descobrir por si mesma onde suas áreas de transição se
encontram, e aprender como navega-las por meio de treino e condicionamento
vocal.

4.2.1 Meus vocal breaks – descubra na prática

Utilize a tabela abaixo para anotar as regiões em que os seus breaks


ocorrem. Esses breaks podem ocorrer entre duas ou três notas (ou até quatro,
em alguns casos), dependendo do dia, condicionamento vocal, idade e
maturidade vocal, estado de saúde, clima e temperatura, ciclo hormonal, nível
de estresse etc. Mas à medida que você se familiariza com exercícios e presta

22
atenção em certos problemas que ocorrem em músicas que canta, você vai
descobrir as áreas da sua tessitura, únicas para você e o seu make-up vocal.
Por exemplo, no momento os meus breaks variam entre 2 e 4 notas:

• Entre MI-FA-FA#-SOL acima do Dó 4 (Dó central);


• Entre Mib-MI-FA-FA# acima do Dó 5.

Talvez os seus breaks estejam apenas entre dois semitons (2ª menor).
Talvez estejam entre dois tons (2ª maior), ou em um intervalo de 3ª menor. Não
se preocupe nem se julgue no momento. Apenas descubra sua situação atual.
Preste atenção durante os exercícios vocais: quando ocorrer um break,
pare e anote a(s) nota(s). Quando cantar uma música, também anote qualquer
área problemática. Vá anotando cada vez que acontece. Depois de fazer vários
exercícios e lidar com vários breaks, veja quais se repetem nas mesmas
notas/regiões, e os anote aqui.

4.3 Como eliminar/estabilizar vocal breaks

Quebras na voz podem ser suavizadas e atenuadas. Depois de descobrir


onde as suas zonas de transição e breaks se encontram, o processo de conectar
essas transições e tornar a musculatura mais forte e segura se desencadeia a
longo prazo, com disciplina e repetição dos exercícios apropriados. Se você
seguir fielmente um regime de vocal fitness, vai perceber melhoras nessas áreas.
Os exercícios de vocalize demonstrados em todas as aulas dessa série
têm produzido grandes resultados nessa área. Observe uma lista de exercícios
produtivos:

• Técnica de canudo;

23
• 5as suaves – 3as menores suaves;
• Humming (Bocca Chiusa);
• Mí-ú-í-ú-í (a seguir – próximos conteúdos);
• Elvis (a seguir – próximos conteúdos);
• Caveman (a seguir – próximos conteúdos).

Estes exercícios são eficazes quando praticados por pelo menos 10


minutos ao dia. Em virtude deles, algumas pessoas conseguem cantar em até
quatro cultos seguidos, além de reduzir problemas de rouquidão ou perda de
certas notas; eles também me proporcionam uma voz plena mesmo às cinco da
manhã.
Pacheco e Baê apresentam uma analogia útil para entender os obstáculos
nessas áreas de passaggio e quebras:

Se usarmos como exemplo a troca de marcha de um carro sabemos


que é importante suavizar a pressão no acelerador, pisar na
embreagem e então trocar a marcha. O mesmo acontece quando
cantamos. Se quisermos manter um volume excessivo nas regiões de
passagem é como se quiséssemos trocar a marcha do carro mantenho
o pé no acelerador. O objetivo da prática do estudo do canto é, entre
outras coisas, proporcionar uma desenvoltura na emissão de notas da
tessitura de forma homogênea. (Baê; Pacheco, 65)

A seguir, as autoras oferecem ótimas orientações de como exercitar essas


áreas – controlando o seu volume e, portanto, a pressão do ar:

Ao realizar os vocalizes é importante que o aluno ou aluna emita um


som equilibrado dos graves até os agudos. Sugerimos que no início os
vocalizes sejam realizados com volume moderado e emissão suave.
Quando emitimos uma nota com muito volume, solicitamos uma ação
muito intensa do músculo vocal (TA) e isso dificulta a passagem para
as notas agudas, na medida em que estas solicitam maior ação do
músculo tensor (CT) das pregas vocais. (Baê; Pacheco, 65)

IMPORTANTE: Seja sempre paciente e gentil com a sua própria voz. Não
se machuque por causa de frustração, fisicamente ou, principalmente,
emocionalmente. Não se rotule só porque ainda não consegue fazer algo. A sua
atitude consigo mesmo também faz a diferença no aprendizado.

TEMA 5 – EXERCÍCIOS DE REGISTROS VOCAIS

Nesta sequência de exercícios, vamos nos concentrar em técnicas que


lidam com os registros, particularmente com as transições, passagios, ou vocal
breaks. Entretanto, vamos lidar com eles delicadamente, deixando para utilizar
mais energia vocal nos próximos conteúdos. A maneira como você controla a
24
pressão do ar pelas pregas vocais é tão crucial quanto o posicionamento de sua
laringe e ressonadores. Preste atenção no seu gerenciamento e pressão do ar.

5.1 Relaxamento das pregas vocais – vocal fry

Continue fazendo do vocal fry o seu hábito de relaxamento; não só todas


as manhãs ao acordar, mas durante o dia, quando perceber que está usando
muito a sua voz, e há sinais de tensão em qualquer área de sua laringe.

5.2 Técnica de Semioclusão – Canudo no copo d’água – 2ª Etapa

Se você já começou a fazer estes exercícios de canudo no copo,


provavelmente tem tido frustrações com as dificuldades. Tenha paciência, e
continue, etapa por etapa, até que sua musculatura adquira forma e habilidade
de executá-los. Não desista; descubra o seu trato vocal, pontos fortes e pontos
fracos.
Aqui está a segunda etapa: com o canudo na superfície, criando
ondulações.

25
5.3 Intervalos de 5ª – Deslizes suaves – Exercício de reabilitação

Os próximos dois exercícios exploram um processo delicado de


reconstrução e terapia em cada tom, semitom, e microtom de sua extensão
vocal. O exercício de quintas já examinamos em conteúdos anteriores. Continue
praticando-o, especialmente durante períodos de fatiga vocal, ou até doenças e
alergias. Ambos funcionam como terapia para a voz.

5.4 Intervalos de 3ª menor – Deslizes suaves – Exercícios de reabilitação

À medida que você repete este exercício com vogais mais abertas (Ô-A),
vai perceber áreas problemáticas. Quando encontrar problemas em um intervalo,
repita-o; pare, tome um gole de água, faça 10 segundos de vocal fry; tente
novamente. De fato, não faça todas as vogais de uma vez; pode começar
utilizando uma vogal diferente cada dia.
Comece na parte mais grave de sua tessitura, vá subindo vagarosamente
até a parte mais aguda.
Este exercício (assim como o anterior) não deve ser volumoso de forma
nenhuma. Utilize a sua voz mais suave, mas nunca “soprosa”, com muito ar
passando pelas pregas vocais. Procure um tom focado, como o menor ponto de
“lazer” que você consiga produzir, sempre pianíssimo.

26
5.5 Humming (Bocca Chiusa) – Intervalos de terças, quintas e oitavas

Neste exercício, você vai produzir um som irritante, como de uma criança
fazendo birra. Quanto mais irritante melhor. Comprometa-se completamente,
sem embaraço. Se precisar, enrugue o seu nariz e testa, fazendo uma careta;
isso ajuda a descobrir o som e a motivação por trás desse som.
Utilize o vocal fry para iniciar e terminar cada uma das repetições, pois
isso protege a sua laringe, para que você não inicie o som de forma agressiva
na sua glote.
Bocca Chiusa significa boca fechada. Dessa forma, você deve ter um
foco de ressonância localizado na região nasofaríngea, nos seios nasais e na
cavidade nasal.

• Comece em uma nota confortável na sua tessitura: Fá, Sol etc.


• Cante esta série de intervalos, deslizando por todos os intervalos:

(*apóstrofe = Nota uma 8va acima)


Veja a seguir, anotações de todas as 12 notas da escala cromática, de
DO a SI:

27
NA PRÁTICA

Descobrir áreas de “fraqueza” na sua tessitura vocal não deve ser motivo
de frustração e desânimo, pelo contrário: o conhecimento é o primeiro passo
para o melhoramento. Agora que você conhece a sua voz um pouco melhor,
pode aplicar as ferramentas necessárias para crescer em suas habilidades. Faça
aulas com um bom instrutor. Aprenda uma técnica que funciona para as suas
necessidades. Faça tudo com paciência e perseverança. Seja realista:
mudanças não ocorrem de um dia para o outro, mas elas ocorrem. Confie no
processo e não se deixe desanimar pela aparente falta de resultados. Isso se
aplica não só à fitness vocal, mas também a qualquer processo de melhoria
pessoal.

FINALIZANDO

Nós ainda não descobrimos o potencial realizado de nossas vozes. Pense


nas possibilidades de crescimento. Hoje em dia, na era da tecnologia e
comunicação, existem recursos revolucionários na palma das nossas mãos.
Aulas online com os melhores professores do ramo estão acessíveis via Skype,
FaceTime, WhatsApp vídeo etc.
Se você realmente se comprometer a se tornar um cantor excelente, você
pode chegar lá. Nada é impossível para aqueles que acreditam e nunca
desistem.

28
REFERÊNCIAS

APPLEMAN, D. R. The Science of Vocal Pedagogy: Theory and Application.


Indiana: University Press, 1986.

BAÊ, T.; PACHECO, C. Canto: equilíbrio entre corpo e som. São Paulo: Irmãos
Vitale, 2006.

FOLLIN, A. Voice Registers Explained. Vocal Skills, [s.d.]. Disponível em: <
https://www.vocalskills.co.uk/singing-voice-registers.html>. Acesso em: 21 jun.
2020.

_____. Mixed Voice Explained. Vocal Skills, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.vocalskills.co.uk/mixed-voice-explained.html>. Acesso em: 21 jun.
2020.

ROBINSON, D. K. Dj Arts, [s.d.]. Disponível em: <https://www.djarts.com.au/>.


Acesso em: 21 jun. 2020.

29

Você também pode gostar