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1. Técnica vocal, para quê?

Vamos começar nosso curso "Técnica vocal para coros infantojuvenis" com a
leitura de um trecho da tese de doutorado "Regência coral infantojuvenil no
contexto da extensão universitária: a experiência do PCIU", da maestrina Ana
Lúcia Gaborim-Moreira (2015). Nele, a autora busca contextualizar o que é
técnica vocal, a responsabilidade do (a) regente enquanto modelo vocal e a
importância do trabalho técnico-vocal no contexto coral, especialmente
infantojuvenil. 

Se a palavra “técnica” pode ser entendida em nossos dias como “saber fazer”,
podemos compreender a técnica vocal, de um modo geral e simplificado, como
“saber usar a voz”. Richard Miller (1996, p. xvi), em seu livro “The structure of
singing” (“A estrutura do canto”), de maneira mais precisa e aprofundada, nos
explana que

a técnica representa a estabilidade de uma coordenação desejável durante o


canto. A técnica pode ser “computadorizada” no cérebro e no corpo do cantor.
Nenhum cantor deveria ter dúvidas sobre o que irá acontecer, tecnicamente, em
uma performance em público – a menos que uma doença interfira. Saber como
o instrumento vocal funciona e saber como conseguir que ele trabalhe
consistentemente, é o cerne do conhecimento técnico  (MILLER, 1996, p. xvi).
[1]

Há inúmeras definições para o conceito de técnica vocal e igualmente, há


diversas maneiras de se conduzir o desenvolvimento saudável da técnica vocal
ao se preparar a voz para a performance  musical. Ao longo da história da
Música, foram sendo construídas as bases teóricas e práticas das chamadas
“escolas de canto”, voltadas, sobretudo, para o aperfeiçoamento do cantor
solista, na busca pela virtuosidade. Muitas dessas escolas perduram até hoje e
são a base do estudo do Canto em nível acadêmico, compreendendo também
aspectos estéticos e estilísticos. Não será possível, no âmbito desta tese, que
nos debrucemos sobre uma ou outra dessas escolas, buscando uma voz “ideal”
ou uma técnica restrita que seja o único referencial para o coro. Pelo contrário,
buscamos nos apoiar em uma literatura diversificada que oferece várias
possibilidades de construção sonoro-vocal e que apresenta um aporte teórico
para o entendimento da voz enquanto um processo fisiológico e cognitivo que
serve a propósitos musicais.  Essa posição que adotamos é também defendida
pela pesquisadora Heloísa Valente:

se os traços que determinam uma voz-padrão variam de acordo com a estética


de cada época, cultura, entre outros aspectos, existe, em contrapartida, um
referencial praticamente invariável. Referimo-nos aos fundamentos
psicofisiológicos e acústicos da emissão, ou em outros termos: como se
canta  (VALENTE, 1999, p.126).
 

As discussões em torno de como cantar  pressupõem o entendimento do


regente-cantor, ou seja, é imprescindível que o regente saiba como utilizar
tecnicamente a sua própria voz. Carlos Alberto Figueiredo (2006, p. 11) escreve
sobre esse híbrido papel do regente e as demandas de sua função:

ao ter que lidar com vozes, é necessário que o regente coral experimente em si
mesmo as várias técnicas existentes para uma emissão vocal consciente. Assim
sendo, um estudo de técnica vocal individual, de preferência com um professor
experiente e aberto a diferentes tendências, é absolutamente necessário para
um regente coral(FIGUEIREDO, 2006, p.11).

Nessa mesma perspectiva, Clos e Rose enfatizam que o regente coral

deve poder dar um exemplo tecnicamente preciso e musicalmente convincente;


ele deve ser capaz de transmitir aos coristas os meios técnicos para uma
fluência vocal necessária à interpretação (...). Ainda com relação a todos os
aspectos técnicos da transmissão da arte vocal – conhecimento da partitura,
técnica vocal, técnicas de aprendizagem – é necessário conhecer o
funcionamento dos indivíduos dentro do grupo e de suas relações
humanas  (CLOS; ROSE, 2000, p.105)
[2]

No entanto, muitos regentes participantes de nossa pesquisa afirmaram ter


dificuldades com relação à técnica vocal, relatando não saber “como
desempenhar um bom trabalho vocal no coro infantojuvenil” (regente de João
Pessoa, PB; apêndice, p.548), ou “como conseguir uma afinação melhor” (regente
de Natal, RN; apêndice, p.549), de forma que não se sentem capacitados em
relação ao trabalho que envolve “preparação (vocal) correta, conhecimentos
fisiológicos e vocais da criança em seu pleno desenvolvimento” (regente de Serra ,
ES; apêndice, p.533) ou ainda, “precisão rítmica, emissão sonora”(regente de São
Paulo; apêndice, p.546).

Diante dessas dificuldades apresentadas, torna-se necessário nesta tese refletir


sobre a importância da técnica vocal na prática coral, bem como discutir o
processo de ensino-aprendizagem dessa técnica para as crianças. Goetze,
Broeker e Boshkoff (2011, p. 53) afirmam que “encorajar uma produção vocal
saudável” é um dos objetivos da regência coral infantojuvenil. Sérgio Figueiredo
(1990, p.76) ratifica que “a técnica vocal é assunto de extrema importância para
a atividade coral e deve ser tratada cuidadosamente para não criar obstáculos
ao invés de resolvê-los”. O autor adverte que os grupos que não trabalham a
técnica vocal nos ensaios “correm sérios riscos de comprometer a realização
vocal”; outrossim, “a técnica vocal mal realizada também provoca sérios
problemas no funcionamento natural do aparelho fonador” (Ibid.,  grifo
nosso).  Com essa mesma visão, Gabriela Carnassale – em sua dissertação de
mestrado (1995) sobre o ensino de canto para crianças e adolescentes – ressalta
que a utilização equivocada da técnica vocal pode trazer prejuízos tanto
musicais quanto físicos para o indivíduo (p.13). Diante disso, Ramos sintetiza
que

para a realização de sua tarefa enquanto líder e enquanto músico, o regente


necessita ser reconhecido por sua competência, portanto deve
obrigatoriamente conhecer muito sobre vozes, eventualmente sendo ele
mesmo um cantor, e também necessita conhecer precisa e exatamente a voz de
cada um, poder ouví-las em separado mesmo quando o equilíbrio estiver
perfeito e acompanhar o estado vocal de cada um (RAMOS, 2003, p.99)

Portanto, podemos afirmar com segurança que o domínio da técnica


vocal também compõe o conjunto de competências e habilidades necessárias
ao exercício da Regência Coral.

(...)

É necessário considerar que, com exceção dos coros profissionais (que


representam um pequeno número no Brasil), o regente geralmente é
o modelo vocal a ser seguido, pois os coralistas não têm conhecimento sobre a
técnica vocal. No caso do coro infantojuvenil, essa responsabilidade é ainda
mais séria, pois as vozes ainda estão em formação e facilmente tendem à
imitação e reprodução. Nessa perspectiva, Elza Lakschevitz ressalta que

o modelo oferecido pelo regente, então, torna-se fundamental. Mais uma razão
pela qual o regente deve estar muito preparado. As crianças repetem
exatamente o que ouvem, não só em termos de texto ou alturas, mas também a
qualidade vocal, a postura etc. E aprendem com muita rapidez. Por isso sempre
procurei dar exemplos muito justos, mostrar logo o resultado musical aonde
queria chegar (LAKSCHEVITZ,2006, p. 45).

Nessa mesma perspectiva, o regente e cantor Angelo Fernandes (2009, p.199)


enfatiza que “o regente é, em geral, o primeiro e único ‘professor de canto’ dos
cantores de seu grupo”. Sendo assim, além de ser um profundo conhecedor de
sua voz, é preciso que o regente conheça a voz dos seus cantores, seja capaz de
avaliar suas condições e estabeleça os métodos e objetivos de um processo de
ensino-aprendizagem que visa ao pleno desenvolvimento vocal. Em outras
palavras, é fundamental que o regente se capacite e se desenvolva no âmbito
da pedagogia vocal, criando estratégias para que o ensino da técnica se dê de
maneira eficiente e conduza a uma melhor performance  cantada do coro. Nas
palavras de Fernandes, “conhecendo a pedagogia vocal, os regentes corais
podem trabalhar efetivamente para desenvolver nos cantores uma maior
habilidade vocal,facilitando a tarefa de interpretação de repertórios
diversificados”. (2009, p.197).

Goetze, Broeker e Boshkoff (2011, p.65) enfatizam que "um componente


essencial de qualquer proposta coral é o ensino vocal. Como muito poucos
jovens coralistas têm aulas particulares de Canto, o desenvolvimento vocal de
cada cantor é atribuído ao regente-educador – uma incrível responsabilidade,
de fato” . No caso do coro infantojuvenil, a pedagogia vocal é ainda mais
[3]

implícita no processo de construção da performance;  ela consiste em


desenvolver, com as crianças, noções básicas de técnica vocal, como:
reconhecer as diferenças entre a voz cantada e a voz falada; identificar os 
mecanismos respiratórios, bem como a relação desses mecanismos com a
produção vocal; estabelecer uma postura corporal que favoreça o canto; buscar
clareza na dicção e expressão do texto cantado, e experimentar diferentes
formas de emissão vocal, sentindo como as mudanças no posicionamento da
laringe interferem na qualidade sonora. Nesse processo, Bartle enfatiza que “os
regentes devem ser vigilantes e terem a certeza de que seus coralistas estão
sempre cantando com uma técnica vocal saudável”  (2003, p. 29). 
[4]

(...)

Algumas “instruções gerais” para a pedagogia vocal são apresentadas por


Carnassale (1995,p.94), entre as quais destacamos:

● formar hábitos saudáveis em relação ao canto;

● colocar as crianças a par dos objetivos de cada exercício para que elas
próprias estejam comprometidas na busca dos resultados almejados;

● repetir os exercícios várias vezes e em uma ordem de complexidade crescente,


para que elas se conscientizem a respeito de um padrão de comportamento e
desenvolvam o domínio muscular;

● levar a atenção das crianças ao ponto específico que está sendo trabalhado,
utilizando uma linguagem clara e adequada ao nível de conhecimento delas,
para que a comunicação seja efetiva.
Carnassale (1995, p.19) afirma ainda que “quando se trata de ensinar canto a
crianças isto significa, no mínimo, manter sua saúde intacta, e no máximo,
desenvolver suas potencialidades de forma a conseguir o maior resultado com
o menor esforço físico”. A autora ainda destaca a importância da técnica vocal
no ensino de crianças, advertindo que “as consequências podem ser
desastrosas” (id.,p.13) quando um indivíduo que não tem o conhecimento
devido do funcionamento do seu próprio aparelho vocal é responsável pela
condução de vozes infantis: “a maneira particular que elas adquirirão no
desempenho no canto pode não ser eficaz (não atingir às expectativas) ou pior,
não ser eficiente,danificando o aparelho fonador, o que resultará em prejuízo
artístico, psicológico, social e físico” (id.,  p.20). Para isso, é necessário que o
regente-professor de canto seja capaz de “julgar a necessidade e o grau de
maturidade das crianças, como também avaliar a necessidade de motivação de
cada grupo, a partir dos interesses deles” (id.,  p.94). Trata-se, portanto, de uma
tarefa complexa.

Nesse sentido, Thurman e Welch (2000, p.713) evidenciam que o


desenvolvimento do canto pode ser travado ou acelerado pelo professor, de
acordo com as estratégias que ele adotar. Para isso, é necessário criar um
ambiente que promova o compartilhar e o disseminar de conhecimentos de
fisiologia, acústica, produção e saúde vocal: “usando uma linguagem e um
método de ensino apropriados, é possível abordar as questões relativas à
produção da voz e ao canto em uma maneira honesta e intelectual para alunos
de todas as idades” (id., ib., p.713-714). (GABORIM-MOREIRA, 2015, p.223 a
229) 

 Technique represents the stabilization of desirable coordination during singing.


[1]

Technique can be “computerized” in the brain and the body of the Singer. No
Singer ever should be in doubt as to what is going to happen, technically, in
public performance, unless illness interferes. Knowing how the singing instrument
works, and knowing how to get it to work consistently, is the sum of technical
knowledge.

 Il doit être capable de transmettre aux choristes les moyes techniques pour une
[2]

aisance vocale nécessaire à l’interprétation (…) Outre ce qui concerne tous les
aspects techniques de la transmission de l’art vocal – connaissance de la partition,
technique vocale, techniques d'apprentissage - il est nécessaire de connaître le
fonctionnement des individus au sein du groupe et celui des relations humaines.
 

An essential component of any choral program is voice instruction. Since very


[3] 

few of our young choristers study voice privately, each singer’s vocal development
is left to the teacher-conductor – an awesome responsibility indeed.

Conductors must be vigilant to make sure their choristers are always singing
[4] 

with a healthy technique.

Alguns assuntos mencionados nesta primeira videoaula serão abordados,


detalhadamente, ao longo do nosso curso. De toda forma, para este módulo
inicial, vale reforçar algumas informações. A respeito do preparo vocal e sua
importância, Rheinboldt (2018) cita que:

O trabalho de preparo vocal, costumeiramente, acontece nos minutos iniciais do


ensaio e durante o trabalho com o repertório. Com base em Sesc (1997, p.35)
podemos dizer que sua importância se dá pelo aquecimento da musculatura
corporal e fonatória; pela manutenção da saúde vocal, com a prática de hábitos
saudáveis de canto; pelo auxílio ao estudo e montagem do repertório,
resolvendo possíveis dificuldades musicais e buscando a sonoridade coral
adequada à cada peça; e pelo aprimoramento da afinação e percepção auditiva.
(RHEINBOLDT, 2018, p. 31 e 32)

No tocante a como estruturar uma aula de técnica vocal, a autora sugere que:  

[O preparo vocal] é composto por exercícios de alongamento, conscientização e


postura corporal; respiração; e vocalises para aquecimento e desenvolvimento
técnico-vocal específico, que podem englobar aspectos como ressonância,
dicção, registração, afinação, musicalidade, dentre outros. (RHEINBOLDT, 2018,
p. 31 e 32)

(...) Recomendamos que [o preparo vocal] comece com exercícios de postura e


respiração, para preparar o corpo e a mente à prática coral. Os vocalises iniciais
têm a função de aquecimento e podem ser de ressonância e dicção. Os
exercícios que seguem visam o desenvolvimento técnico-vocal específico, como
dicção, extensão e registros vocais, musicalidade, afinação e/ou brincadeiras
cantadas, conforme as necessidades de cada coro. As necessidades são
delimitadas pelas exigências do repertório e pelos aspectos musicais e vocais
que precisam ser trabalhados. (RHEINBOLDT, 2018, p. 158)

Durante o ensaio do repertório, o preparo [vocal] também se faz presente no


aprimoramento da performance. Dessa maneira, a voz, o ouvido e a percepção
de si e do todo são constantemente abordados. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p.37).

Podemos sintetizar um roteiro de preparo vocal ou técnica vocal (aqui


entendidos como sinônimos) da seguinte maneira:

Tabela 1. Sugestão de roteiro de preparo vocal para coros infantis, com base
em RHEINBOLDT, 2018, p. 158 e 159.

Não é viável trabalhar todos estes aspectos técnicos em um mesmo ensaio.


Respeitando-se as etapas (alongamentos corporais, postura e respiração;
vocalises para aquecimento vocal; e vocalises para desenvolvimento técnico-
vocal específico), é possível variar exercícios e planejar o preparo vocal de
acordo com as necessidades vocais e musicais de cada coro. Por fim, 

 
vale lembrar que os vocalises de aquecimento devem ter melodias com
extensões vocais não muito amplas e que as modulações não necessitam
abarcar os extremos grave e agudo [da voz]. Inicialmente, privilegiar
[tonalidades médio-agudas], o uso da voz de cabeça e a boa administração da
respiração. Nos vocalises de desenvolvimento técnico-vocal específico, pode-se
ousar um pouco mais quanto às modulações e extensões, sempre respeitando
os limites vocais infantis e a qualidade da sonoridade. (RHEINBOLDT, 2018, p.
158)

 UNIDADE 2:

Material de Estudos: Voz infantil e especificidades da técnica vocal para


coros infantojuvenis
1. A voz

Você sabe o que é a voz e como ela é produzida?

No livro "Higiene vocal infantil: informações básicas" (1997), Mara Behlau, Maria
Lúcia Dragone, Ana Elisa Ferreira e Sandra Pela, explicam a produção vocal de uma
maneira bastante acessível ao público infantojuvenil. Vamos ler um trecho deste livro:

O que é voz?

A voz é um dos sons mais importantes do corpo humano. Com a voz nós choramos,
gritamos, rimos, cantamos, chamamos os amigos e pedimos coisas para os outros. 

A voz existe desde que nós nascemos até ficarmos bem velhinhos. E ela muda a vida
inteira. Você já reparou como a voz das pessoas grandes são diferentes das vozes das
crianças?

A voz é produzida na garganta. Fale um "a" e coloque sua mão na garganta. Sinta como
ela treme. É nesse lugar que estão as cordas vocais, só que o nome certo é "pregas
vocais".

Para "ligar" a garganta e produzir a voz, precisamos de um combustível. Esse


combustível é o ar. É melhor respirar pelo nariz porque ele limpa e esquenta o ar.
Quando conversamos rapidamente não dá tempo de respirarmos pelo nariz. Quando
falamos o ar também pode entrar pela boca. Quando não falamos, a boca deve ficar
sempre fechada.

O ar que você respirou está nos pulmões. Ao sair, vai "ligar" as pregas vocais que
precisam ficar juntinhas para o ar não escapar rapidamente, ou seja, elas vão vibrar e
produzir sua voz. Se você encher uma bexiga de ar, apertar o bico e deixar o ar sair aos
poucos, você vai perceber que sai um som. A voz da gente também sai assim. (...)
O som que sai das pregas vocais é bem baixinho, mas nós temos um alto-falante natural
que é a própria garganta, a boca e o nariz, funcionando como caixas acústicas. São
chamadas de cavidades de ressonância. 

Se você falar e não movimentar direito a boca, você vai ver que o som que vai sair é
bem baixinho, porque você não usou sua caixa acústica mais importante. 

Nas cavidades de ressonância temos várias estruturas que podem fazer movimentos e
mudar o som que as pregas vocais produzem. São os lábios, a língua, os dentes e o
palato mole (onde fica a úvula, conhecida como "campainha"). Eles são chamados de
articuladores dos sons da fala. (BEHLAU et al., 1997, p. 05 e 06). 

 A figura a seguir - retirada do livro "Higiene vocal infantil: informações básicas" -


sintetiza bem o processo de produção vocal, conforme acabamos de ler.

Figura 1. Ilustração sobre a produção da voz. (BEHLAU et al., 1997, p. 07)

As mencionadas autoras continuam falando sobre relevantes características da voz


humana:

Cada pessoa tem essas estruturas com tamanhos e formas diferentes, fazendo com que
cada um tenha a sua própria voz, como os instrumentos musicais que tocam [grave,
agudo], forte, fraco etc.

Se você ouvir uma música tocada em um violão e a mesma música tocada em uma
flauta, ou em um piano, você vai perceber a diferença. O nome "timbre" é usado para o
som dos instrumentos e "qualidade vocal" para as vozes das pessoas. 

Quando você fala com as pessoas ao telefone, consegue perceber com quem está
falando, pela "qualidade vocal" daquela pessoa. 
Você já reparou que a voz da sua mãe é diferente da voz do seu pai? E que a voz do seu
pai é mais grossa que a sua? 

Feche os olhos e procure lembrar de vozes que você conhece. Lembre da voz da sua
mãe e da sua professora. Quem na televisão você acha que tem voz bonita? E o monstro
do desenho animado, tem voz muito feia?

A voz é nossa identidade, assim como a impressão digital nos identifica. 

Da mesma forma que não existem duas impressões digitais, também não existe
nenhuma voz igual a outra no mundo. Até mesmo gêmeos têm vozes diferentes.

Portanto, use sempre a sua voz, lembre-se que a voz do artista e do super-herói podem
ser bonitas, mas a sua voz é muito especial! Ela é a voz de tudo o que você é, como
pessoa cheia de vida!

A voz conta quem você é e como você está. Por exemplo, se você está alegre, a voz é
clara e brilhante; se você está triste ela quase some, fica baixinha. (...)

A voz não esconde o que nós estamos sentindo de verdade. Podemos mentir com as
palavras, mas é muito difícil mentir com a voz.

Devemos cuidar da nossa voz porque ela é um sinal de saúde. Se ela não está bem pode
indicar que a estamos usando demais ou de modo errado. Pode ainda indicar que nosso
corpo pode estar com algum problema ou até uma doença. (BEHLAU et al., 1997, p. 06
a 09).

O vídeo "Fábrica da voz", de autoria desconhecida, também é um excelente recurso para


se ensinar sobre a produção da voz, sobretudo para crianças. Ele está em português de
Portugal, mas é possível compreendê-lo bem. Há apenas um pequeno erro na animação
do vídeo. Na inspiração (entrada do ar), o diafragma se contrai e abaixa.
Na expiração (saída do ar) ocorre o oposto, o diafragma relaxa e se eleva. Vamos
assistir ao vídeo:
Tocar Vídeo  
Antes de abordarmos especificidades das vozes infantojuvenis, é preciso dizer que a voz humana é um campo de pesquisa
complexo e fascinante. Aqui, explicamos a produção vocal de uma maneira simples e acessível, porém, incentivamos que
aprofundem seus estudos a respeito. Enquanto profissionais do Canto Coral, é primordial conhecermos bem o funcionamento e
as estruturas do corpo e da voz, para ensinar nossos coros a cantar com qualidade e saúde. Também é importante que, em
nossos ensaios, falemos sobre cuidados com a voz. A seguir, encaminhamos algumas dicas elaboradas pela Profa. Dra.
Juliana Melleiro Rheinboldt, as quais são usadas em suas aulas da graduação em Música da UFRJ. Sintam-se à vontade para
disponibilizar a seus coros!

2. Características da voz infantojuvenil

Com relação à fisiologia vocal infantojuvenil, Rheinboldt, no livro "Aprimorando meu


coro infantil: técnica e criatividade" (2021), aponta que:

(...) as pregas vocais das crianças são delicadas e pequenas, cujo comprimento total
varia de 6 a 8 mm. A laringe infantil é alta e, durante a infância e a adolescência, ocorre
o abaixamento da laringe e o crescimento das pregas vocais (em tamanho e espessura),
o que interfere no timbre e na extensão vocal, sobretudo após a mudança da
voz  (Sataloff, 2005, p. 50 e 51 apud Rheinboldt, 2018, p. 43).
[1]

(RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 36)

É possível dizer que a laringe de recém-nascidos costuma ser mais cefálica, já que se
posiciona na altura da segunda vértebra da coluna cervical (C2). No decorrer da vida,
ela pode baixar até a sétima vértebra cervical (C7). As cartilagens da laringe são mais
maleáveis e seus ligamentos, mais frouxos. Na infância, os pulmões também estão em
pleno desenvolvimento, portanto, o tempo máximo fonatório (tempo de sustentação do
som) é mais reduzido, se comparado a um adulto. 

Rheinboldt continua descrevendo outras especificidades vocais: 

A voz infantil costuma ser médio-aguda e, até a adolescência e consequente muda


vocal, meninas e meninos têm características vocais bastantes semelhantes, o que
justifica a presença de integrantes de ambos os sexos nos mesmos naipes do coro. Na
classificação vocal de coros infantis, nem sempre o timbre e a extensão vocal são
determinantes. Muitas vezes, o desenvolvimento vocal e a maturidade musical designam
o naipe que cada cantor integrará.

(...)

A voz de uma criança também não deve soar como a de um adulto. É inviável querer
que um coro de trinta crianças soe – em timbre e volume – como um coro de trinta
adultos. Isso não é natural nem, tampouco, saudável. Atualmente, percebemos um
aumento de crianças cantoras na televisão e nas redes sociais. Algumas delas ingressam
em coros infantis somente com a finalidade de aparecerem nestas mídias. Muitas delas
imitam seus ídolos adultos e acabam cantando em tonalidades inadequadas e com
recursos vocais inapropriados ao canto coletivo, como portamentos, melismas, ataques
vocais bruscos, emissões demasiadamente fortes etc. Tais imitações e abusos podem
lesionar, seriamente, essas vozes que ainda estão em formação e, como regentes, é
nosso dever alertar sobre o mau uso vocal e evitá-lo, dentro e fora de nossas salas de
ensaio. Por fim, vale frisar que, em alguns casos, tal aparição midiática é mais um
desejo das famílias que das próprias crianças, o que pode gerar grandes frustrações e
traumas futuros. (RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 36 e 37)

          Ao lidarmos com crianças e pré-adolescentes precisamos ter em mente que


estamos trabalhando com vozes em formação, por isso, é preciso zelar para que se
mantenham saudáveis. Conhecer e respeitar tais vozes, bem como saber extrair suas
potencialidades é fundamental!

 Embora a muda vocal seja mais perceptível nos meninos, ela também ocorre
[1]

nas meninas. Ambos os sexos sofrem alterações no timbre e na extensão,


durante e após a mudança das vozes.

3. Tessitura, extensão e registros vocais infantojuvenis


Podemos afirmar que:

Tessitura, extensão e registros vocais são aspectos variáveis, de acordo com a


idade, o desenvolvimento técnico-vocal e a estrutura fisiológica de cada
indivíduo. A tessitura “pode referir-se à extensão de notas que um cantor é
capaz de produzir com o maior conforto e sem preocupação com limitações
técnicas” (REID, 1983, p.372 apud CARNASSALE, 1995, p. 85) e pode determinar
a região em que se canta com maior qualidade. A extensão vocal pode ser
definida como “a quantidade de notas ou distância [intervalar] entre a nota mais
aguda e a nota mais grave que uma pessoa pode cantar” (PHILLIPS, 1992, p.55).
Extensão é mais ampla e engloba a tessitura, porém, nem todas as notas
alcançadas são cantadas com conforto e realçam as maiores potencialidades do
cantor. [A extensão] também pode ser dividida em três regiões ou registros:
agudo ou voz de cabeça; médio ou voz mista; grave ou voz de peito.
(RHEINBOLDT, 2018, p. 44)

Uma série de estudos mais recentes apontam que, ao invés destes três registros,
existem quatro mecanismos laríngeos. De maneira bastante resumida, pode-se
afirmar que o que antes era chamado de registro grave ou voz de peito, hoje é
denominado de M1 (mecanismo laríngeo 1). O registro agudo ou voz de
cabeça, de M2 (mecanismo laríngeo 2).  O vocal fry  de M0 (mecanismo laríngeo
zero) e o falsete de M4 (mecanismo laríngeo 4). Os estudos atuais não
consideram a existência do registro médio ou da voz mista. Embora muito da
literatura coral ainda aborde as nomenclaturas dos três registros, conhecer esta
atualização é bastante importante.

Em termos práticos, Rheinboldt destaca que:

Conforme autores revisados em minha pesquisa de doutorado, podemos


estimar que crianças tenham como parâmetros vocais: a tessitura de Sib 2 a Ré
4; a extensão de Sol 2 a Sol 4; o registro agudo de Lá 3 a Sol 4; o registro
médio  de Dó 3 a Dó 4; e o registro grave de Sol 2 a Mib 3 (Rheinboldt, 2018, p.
[1]

46). Vale lembrar que esses dados são variáveis entre indivíduos, faixas etárias,
coros e tempo de estudo de canto. Porém, eles nos mostram, por exemplo, que
o repertório para coro infantil não deve ter notas mais graves do que Sol 2.
Mostram-nos que um coro iniciante, que não tem o registro agudo bem
resolvido e usa demasiadamente o registro grave, talvez possa começar a se
desenvolver no registro médio – de Dó 3 a Dó 4 – para, gradativamente, ampliar
sua tessitura. Conhecendo estes dados, o regente poderá adequar melhor as
tonalidades dos vocalises e das peças trabalhadas.
(RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 36)
No capítulo "O regente educador" - que também está no livro "Aprimorando
meu coro infantil: técnica e criatividade" (FUNARTE e EM-UFRJ) - a Profa. Dra.
Maria José Chevitarese enriquece as informações a respeito da extensão, da
tessitura e dos registros vocais, relatando que: 

A extensão vocal varia com a idade e com as experiências musicais já


vivenciadas pela criança. Muitas crianças utilizam a voz de peito, próxima à
região da fala, quando começam a cantar, especialmente se o modelo vocal que
costumam ouvir faz uso predominante dessa voz. Phillips (2014) defende que,
desde cedo, incentivemos as crianças a explorar sua voz de cabeça e a
empregá-la o máximo possível. Ele sugere que procuremos explorar a região
mais aguda da voz, acima do Dó 3, e que o canto seja sempre realizado com
leveza, uma vez que, quando a criança canta forte, há a tendência de utilização
da voz de peito.

De acordo com Phillips devemos escolher o repertório levando em consideração


não somente a extensão vocal dos nossos cantores (extensão total da voz)
como também a tessitura (região onde se localizam as notas cantadas
confortavelmente). Essas regiões variam de acordo com a idade e vão sendo
ampliadas a partir do trabalho desenvolvido, podendo alcançar duas oitavas ou
mais. Em seu livro “Teaching Kids to Sing”, Phillips (2014) apresenta a relação
entre a extensão, a tessitura e o ano escolar no sistema educacional americano.
Nos Estados Unidos a criança inicia na escola aos 5 anos, no Kindergarten, e aos
6, no First Grade. Assim, fazendo-se a relação entre o ano cursado e idade
teremos:
 
É importante lembrar que a relação apresentada por Phillips (2014, p. 100-101)
é baseada na realidade dos Estados Unidos, em que a criança tem aula de
música durante todo o primeiro ciclo. Nem sempre, no Brasil vivemos esta
realidade e, portanto, para nós, essas extensões e tessituras podem ser
diferentes. Muitas vezes, recebo crianças aos 10 ou 11 anos com a extensão
bem diminuída, pois não tiveram a vivência do canto em suas vidas. Dessa
forma, precisaremos trabalhar os cantores a partir do lugar em que se
encontram, para que ampliem sua extensão vocal.

O trabalho de ampliação da extensão vocal passa pela necessidade de aprender


a cantar nos diferentes registros vocais e de dominar a técnica de passar de um
registro para o outro, sem que haja quebra de voz nem desigualdade da
qualidade vocal. De acordo com Phillips (2014) a voz infantil possui três
registros: a voz de cabeça ou registro superior, com uso dominante dos
músculos cricotireóideos – CT, que possibilitam o alongamento das pregas
vocais tornando-as mais finas; a voz de peito ou registro inferior, com
predominância dos músculos tireoaritenóideos – TA, que possibilitam o
encurtamento das pregas vocais tornando-as mais espessas; o registro médio,
onde se combinam os registros inferior e superior, em graus variados de ajustes
dos músculos – CT/AT. O registro médio é onde ocorre a transição entre a voz
de cabeça ou o registro superior e a voz de peito ou registro inferior.

De acordo com Phillips (2014, p. 91) os registros superiores – CT, inferior – AT e


médio – CT/AT da voz infantil ocorrem nas regiões abaixo definidas:

De acordo com o autor, o registro médio funciona como uma ponte entre os
registros inferior e superior. Por volta do Fá# 3 há um balanço entre o registro
inferior e superior. Phillips apresenta o seguinte esquema para explicar esta
transição (Phillips, 2014, p. 91).
O trabalho de ampliação da extensão vocal deve ser permanente, com todo o
coro. (CHEVITARESE, 2021, p. 25 a 27).

Aqui podemos entender o registro médio como região médio-aguda da voz. 


[1]

4. Especificidades do preparo vocal para coro infantojuvenil

Compreendido o funcionamento da voz humana e algumas das características


vocais infantojuvenis, é preciso refletir sobre como ensinar canto, de forma
eficiente, a crianças e jovens. Além do respeito às vozes em formação e da
escolha assertiva das tonalidades dos vocalises e do repertório, podemos ter
como aliados alguns recursos de aprendizagem, a ludicidade e as repetições
criativas, que contribuem com a concentração, a motivação e o envolvimento
do coro. A respeito disso, Rheinboldt afirma:

O ensino de canto, a qualquer faixa etária, tende a ser bastante subjetivo, pois a
voz é intangível. Enquanto em outros instrumentos musicais é possível, por
exemplo, ver e tocar as mãos dos estudantes, para corrigir tensões ou
posicioná-las melhor, com o aparelho fonador e, mais especificamente, com as
pregas vocais, isso é praticamente impossível. Desta forma, usamos diversas
metáforas e trabalhamos em prol da propriocepção corporal de nossos
estudantes.

Entender como cada faixa etária aprende e se desenvolve é de extrema


importância, em uma prática educativa. No caso das crianças, abordagens
lúdicas e criativas costumam ser muito eficazes. Para viabilizar o ensino de canto
a crianças e jovens, Henry Leck sugere que âncoras de aprendizagem sejam
utilizadas durante o preparo vocal. Tais âncoras podem ser auditivas, visuais e
cinestésicas (físicas e de movimento) (Leck, 2009, p. 20 apud Rheinboldt, 2014,
p. 27).

De acordo com Leck e outros autores, podem ser consideradas âncoras


auditivas: instruções faladas e cantadas, imitações de modelos vocais (regente,
cantores, convidados, gravações), histórias, poesias etc. Âncoras visuais podem
ser objetos, brinquedos, fantoches, tecidos, imagens, cartazes, cores, a partitura
e o próprio gestual de regência. Âncoras cinestésicas – físicas e de movimentos
– podem ser a manipulação e a sensibilização de partes do corpo, gestos,
movimentações, deslocamentos espaciais, danças, encenações do cotidiano
infantil etc. Somados às âncoras de Leck, também podem ser utilizados
metáforas, jogos, brincadeiras, improvisos, composições etc. Tudo isso auxilia a
compreensão de conceitos abstratos, a percepção sonora e corporal, a
memorização e a motivação dos cantores (...) (Leck, 2009, p. 29 e 31 e Smith e
Sataloff, 2006, p. 142 apud Rheinboldt, 2014, p. 27-30; Carnassale, 1995, p. 80 e
81 e Gaborim- Moreira, 2015, p. 54 apud Rheinboldt, 2018, p. 49).
(RHEINBOLDT in  CHEVITARSE, 2021, p. 34 e 35)

Ainda sobre as âncoras ou recursos de aprendizagem, Leck aponta que: 

Nós conseguimos ensinar com mais eficácia quando compreendemos como as


crianças aprendem. Aprender a cantar não é estritamente um processo auditivo.
Nós envolvemos o máximo de sentidos possíveis. Enquanto cantamos, nós
ouvimos, vemos e sentimos. Como professores, devemos dar instrução através
das seguintes âncoras: auditivas, visuais e cinestésicas (sensação física e
movimento corporal). (LECK e JORDAN, 2020, p.20)

Na figura a seguir, podemos observar alguns exemplos de âncoras de


aprendizagem, como a bolinha de tênis e a mola, que estimulam a abertura
vertical da boca; o boneco articulado e as flautas de êmbolo, utilizadas para
trabalhar a postura adequada ao canto; os prendedores de roupa e o brinquedo
de mandíbula para abordar o canto articulado; as bexigas e o catavento para
perceber e administrar a respiração; o dedoche de borboleta para cantar suave,
sem gritar; e os pios de pássaro para aprimorar a percepção auditiva e a
afinação. 

Figura 2. Exemplos de âncoras de aprendizagem. Elaborado pela autora. 

 
Sobre as repetições criativas, Rheinboldt menciona: 

Na prática coral infantil, geralmente, acontecem muitas repetições nas


modulações dos vocalises, na aprendizagem por imitação, no aprimoramento
do repertório e em outros tipos de exercícios. A respeito das repetições, a
maestrina Lucy Schimiti – uma referência em coro infantil, no Brasil – afirma que:
“a repetição por si, sem justificativa aparente ou expressa, é enfadonha e
desinteressante.” (Schimiti, 2003, p. 18), portanto, ela sugere que:

Façamos, então, desses momentos – da repetição de linhas melódicas –


momentos de prazer, em que as crianças repetem as linhas, ou ouvem o
professor cantá-las inúmeras vezes, com intenções diferenciadas:

-Vamos cantar agora como se estivéssemos muito gripados, com o nariz


trancado; desta vez, como se contássemos um segredo ao colega que está ao
nosso lado; imitando, agora, um lenhador [...] de voz grave e cheia...” (Schimiti,
2003, p. 18).

As explorações vocais descritas musicalizam, divertem, estimulam a imaginação


e fazem com que as crianças mal sintam o tempo passar. Repetições criativas e
lúdicas também auxiliam na manutenção da concentração, da predisposição e
do envolvimento dos cantores, fatores fundamentais para o sucesso de um
trabalho coral. Em vocalises, uma outra possibilidade de manter a atenção dos
cantores e desenvolver a afinação é realizar modulações ascendentes em
semitons e descendentes em tons inteiros. Isso é um excelente treino auditivo e
pode otimizar a duração dos exercícios. (RHEINBOLDT in  CHEVITARSE, 2021, p.
35)

Assim finalizamos mais uma Unidade do curso "Técnica vocal para coros
infantojuvenis". Após realizarem a atividade avaliativa da Unidade 2,
convidamos vocês a assistirem uma aula bônus sobre muda vocal, um assunto
pertinente e que está presente na realidade de muitos coros infantojuvenis
brasileiros. 

Façam um bom proveito!

5. Referências e materiais utilizados

 ● BEHLAU, Mara; DRAGONE, Maria Lúcia; FERREIRA, Ana Elisa; e PELA,


Sandra. Higiene vocal infantil: informações básicas. São Paulo: Editora Lovise,
1997.
● CHEVITARESE, Maria José. O regente educador. In: __________.
(org.)  Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade. Projeto Um
Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola de música, UFRJ, 2021.
p.16-31.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

● LECK, Heny e JORDAN, Flossie. Criando arte através da excelência do canto


coral. Tradução: Aderbal Soares. São Paulo: Editora Pró-Coral, 2020.

● RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Preparo vocal para coros infantis:


considerações e propostas pedagógicas. Orientador: Prof. Dr. Angelo José
Fernandes. 2018. 178f. Tese - Doutorado em Música, Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. 

Link para baixar a


tese:    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2018.1060715

● RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Construindo a sonoridade coral infantil. In:


CHEVITARESE, Maria José (org.). Aprimorando meu coro infantil: técnica e
criatividade. Projeto Um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola
de Música, UFRJ, 2021. p. 32-72.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

Vídeos:

https://youtu.be/SfhGbCjHA3w

https://youtu.be/EdoLqeAUigI

2. Alongamentos corporais
Complementando o vídeo assistido, a respeito da concentração do grupo e dos
alongamentos corporais, Rheinboldt (2021) aponta que: 

Na proposta pedagógica de Leck, recomenda-se que os cantores comecem o


ensaio “em silêncio, liberando suas preocupações diárias para se focarem na
arte do canto” (Leck, 2009, p. 13 apud Rheinboldt, 2014, p. 14). Tal silêncio
inicial pode otimizar a concentração e a produtividade do grupo. Por isso é tão
importante que sejam evitadas distrações como a chegada de cantores
atrasados e a interferência de ruídos externos.

Alongamentos preparam o corpo e a mente para o canto e promovem a


consciência corporal. No aquecimento, podem ser feitos alongamentos para
pescoço, ombros, tronco, quadril, cotovelos, pulsos, dedos, joelhos, tornozelos
etc. Para manter a concentração das crianças, durante os alongamentos,
músicas podem ser tocadas ou pode-se ficar totalmente em silêncio, de forma
que o regente dê poucas instruções verbais e os coristas não fiquem
conversando entre si. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 38)

Em 16/10/2021, aconteceu a Oficina "Técnica vocal para coros infantojuvenis",


no II Congresso de Música Coral Infantojuvenil (CIMUCI). Nesta oficina, as
professoras Juliana Melleiro e Ana Lúcia Gaborim (ao piano), tiveram a
oportunidade de trabalhar com o Coral Infantil da FAMES (Vitória-ES), cujo
regente é o professor Paulo Paraguassú. Vejamos uma prática de alongamentos
corporais com este coro:

3. Postura

Segundo Rheinboldt (2021): 

A postura corporal influencia o controle respiratório e a qualidade da emissão


sonora, por isso, ao cantar em pé ou sentado, o corpo deve estar bem alinhado.
Em pé, os pés devem ficar paralelos – em uma abertura da largura do quadril –
e virados para o regente; os joelhos devem ficar levemente flexionados; a
coluna vertebral, ereta e sem rigidez ou tensões desnecessárias; os ombros,
para trás e para baixo; o peito, aberto; a cabeça, erguida, com todo o cuidado
para não colocar o queixo e o pescoço muito para frente ou muito para trás; e
os braços e mãos, para baixo, ao longo do tronco. Quando nos sentamos “na
ponta” da cadeira, sem relaxar o corpo em seu encosto, devemos manter a
mesma postura e os pés devem tocar o chão completamente (Carnassale, 1995,
p. 97 e 98; Fernandes, 2009, p. 212 apud Rheinboldt, 2018, p. 58 e 59). 

Sobretudo em grupos iniciantes, a postura adequada ao canto precisa ser


constantemente relembrada no transcorrer do ensaio (...).
(RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 38)
Além do uso das âncoras visuais exemplificadas na terceira videoaula da série
"Construindo a sonoridade coral infantil" - boneco articulado, girafa e Pinóquio
- Rheinboldt propõe uma brincadeira para se trabalhar a postura, a qual foi
aprendida em cursos com o maestro americano Henry Leck:

Ao falarmos o número um, as crianças devem ficar em pé, com a postura


correta. Ao falarmos o número dois, elas devem se sentar ainda com a postura
correta. Ao falarmos o número 3, elas podem se sentar e relaxar com a postura
incorreta. Os números podem ser arranjados de diversas maneiras e as crianças
costumam apreciar bastante esta brincadeira. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p. 39)

No vídeo a seguir, podemos observar mais uma prática postural com o Coral
Infantil da FAMES (Vitória-ES), na mencionada oficina do II CIMUCI: 

4. Respiração

No tocante à respiração apropriada ao canto, Rheinboldt (2021) cita que: 

Além da postura, a administração da respiração deve ser outro ponto de


atenção do regente. Na fala, costumamos usar a respiração peitoral ou
clavicular, na qual os ombros e o tórax se elevam. Este tipo de respiração não é
recomendado ao canto porque ocasiona tensões na parte superior do tórax e os
pulmões tendem a armazenar pouco ar. Dessa forma, as inspirações e
expirações são curtas e ineficientes à maioria dos fraseados musicais que
interpretamos. A respiração adequada ao canto envolve músculos do abdômen,
do diafragma e da caixa torácica, possibilitando, assim, um maior
armazenamento de ar e um melhor controle do fluxo respiratório, para realizar
inspirações e expirações curtas ou longas, conforme as demandas do repertório
(Leck, 2009, p. 19; Phillips, 1992, p. 31; Carnassale, 1995, p. 110 apud Rheinboldt,
2018, p. 59). Naturalmente, crianças possuem um padrão respiratório superior
(Behlau, 2001, p. 58). Portanto, ensinar e priorizar a respiração abdominal-
diafragmática-intercostal pode ser um dos principais enfoques de trabalho do
regente de coro infantil.

Muitas vezes, dificuldades do coro com afinação, notas agudas, frases longas e
dinâmicas podem estar relacionadas à má administração do fluxo respiratório e,
mais especificamente, à intensidade da pressão colocada sob a coluna de ar. A
excessiva pressão de ar pode, por exemplo, machucar as pregas vocais e gerar
uma emissão vocal “gritada”, “apertada” e com afinação imprecisa (Phillips,
1992, p. 30 e 31; Davids e Latour, 2012, p. 23 apud Rheinboldt, 2018, p. 60). O
apoio ou suporte respiratório possibilita o controle ideal do fluxo respiratório,
evita a sobrecarga da laringe, preserva a saúde vocal dos cantores, influi na
construção das sonoridades e é um importante elemento técnico-vocal que
deve ser abordado em coros de todas as faixas etárias.

Em aulas de canto a que assisti e participei, ao longo de minha carreira, pude


notar que não há um consenso, entre professores, sobre como ensinar o apoio
ou suporte. Metáforas variadas são usadas. Há quem pense o apoio como uma
pressão que, na expiração, empurra o abdômen para baixo, para dentro ou para
fora. Há quem pense em manter a musculatura intercostal “aberta”, durante a
expiração. Há quem sequer fale sobre o tal apoio. Em minha prática com
crianças, mais do que teorizar o mecanismo respiratório, penso que seja ideal
percebê-lo e abordá-lo de forma lúdica e consciente.

Primeiramente, vamos entender o que, de fato, acontece ao inspirarmos e


expirarmos. Na inspiração, o diafragma pressiona as vísceras para baixo e
empurra a parede abdominal para fora, aumentando, assim, o espaço da caixa
torácica. A musculatura intercostal externa se contrai e o volume dos pulmões
aumenta. Na expiração, ocorre o relaxamento do diafragma e dos músculos
intercostais, e o volume dos pulmões diminui, conforme o ar é expelido
(Fernandes, 2009, p. 208). O apoio ou suporte é “a ação prioritariamente
muscular abdominal [que mantém] o diafragma e a musculatura intercostal
externa acionados, relaxando-os de forma mais lenta e gradativa, do princípio
ao fim da frase [musical cantada]” (Fernandes, 2009, p. 210 apud Rheinboldt,
2018, p. 60). (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 39 e 40)

Rheinboldt (2021) continua seu relato compartilhando estratégias para o ensino


da respiração a coros infantojuvenis: 

Quando começo a ensinar a respiração adequada ao canto e o apoio-suporte,


solicito aos meus cantores que toquem seus corpos e percebam o que acontece
em seus pulmões, diafragma, musculatura intercostal e abdômen, durante a
inspiração e a expiração. Para tornar as explicações menos abstratas, também
costumo apresentar âncoras de aprendizagem visuais, como a bola maluca e as
bexigas. Elas podem ajudar as crianças a entenderem a variação de volume dos
pulmões e a expansão das costelas, quando abrimos e fechamos a bola e
quando enchemos e esvaziamos a bexiga. Com a bola maluca, o regente pode
fazer um jogo de atenção, no qual os coristas devem seguir a movimentação da
bola, inspirando quando ele a abre e expirando quando ele a fecha. O jogo fica
mais divertido quando as durações de cada etapa respiratória são imprevisíveis
e variáveis. Ao encher a bexiga também conseguimos perceber bem toda a
musculatura envolvida no apoio-suporte respiratório.

Usando a imaginação, ainda é possível expirar imitando o som de um trem ou


de um spray (de desodorante, fixador de cabelo ou tinta), com os fonemas “ch”
e “s”, respectivamente. Também podemos assoprar nossos dedos, um a um,
feito velas de aniversário, no ritmo da canção “Parabéns a você” ou de outras
canções. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 40 e 41)

A bola maluca também pode ser chamada esfera de Hoberman e é um


excelente recurso de aprendizagem. Na oficina "Técnica vocal para coros
infantojuvenis" (II CIMUCI), as crianças do Coral Infantil da FAMES (Vitória-ES) a
utilizaram para trabalhar a respiração. Vamos assistir mais um trecho desta
oficina:

5. Aquecendo a voz: ressonância - Parte 1

Após preparar o corpo, podemos começar a aquecer a voz, através de


explorações vocais e vocalises que abordem a ressonância. Você sabe a
importância da ressonância? Conforme Juliana Melleiro Rheinboldt aponta no
livro "Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade": 

Em um coro, o trabalho de ressonância se faz importante para:

✔ Aquecer e preparar os ressonadores (cavidade nasal, boca, palato duro e


mole, laringe, faringe, traqueia e pulmões) para o canto;

✔ Auxiliar na transição da voz falada para a voz cantada, o que é bastante


importante de se ensinar, sobretudo, a cantores iniciantes;

✔ Projetar as vozes sem esforços e tensões desnecessárias; 

✔ Suavizar o ataque vocal;

✔ Homogeneizar os registros vocais (grave, médio e agudo) e suas passagens,


bem como a afinação e o timbre do coro;

✔ Possibilitar a variação de nuances de expressividade (dinâmicas, acentos etc.)


(Davids e Latour, 2012, p. 63 e 66 apud Rheinboldt, 2018, p. 65 e 66).

Após aquecer o corpo com alongamentos e exercícios de postura e respiração,


geralmente, proponho aos meus coros infantis explorações vocais com sons do
cotidiano (mosquito, aspirador de pó, secador de cabelo, carro, sirene de
ambulância, buzina, mastigação etc.); imitações de falas com diversos timbres
(grave, agudo, anasalado, de personagens de filmes e desenhos infantis etc.) e
intenções (exclamações, interrogações, cumprimentos, expressões de
sentimentos); e glissandos ascendentes e descendentes. O ioiô é um exemplo
de brinquedo que pode ser usado na exploração dos glissandos. O coro pode
emitir sons agudos e graves conforme a movimentação do ioiô.
(RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 41 e 42)
A nota de memória é um bom treino para coros infantojuvenis, que pode ser
realizado logo após a preparação corporal e as explorações vocais. O renomado
maestro americano, Henry Leck, em sua proposta de técnica vocal para coros,
contextualiza que:

A “nota de memória” ou pitch memory consiste em os alunos entoarem, sem o


apoio instrumental, a nota Dó 4, antes dos vocalises. Esse é um treino de
memória auditiva e física que permite o desenvolvimento do ouvido relativo e o
uso da voz de cabeça. A memorização da altura exata ocorre com a sensação
física, respiração, som oral, espaço na boca, uso dos ressoadores e mente
focada (LECK, 2009, p.20). Para o autor, 

Cantores têm a habilidade de lembrar uma nota musical específica, se esta for
repetida consistentemente, no início de todo ensaio. Uma boa escolha é a nota
Dó 4 (uma oitava acima do Dó central). Iniciando nessa nota, os cantores
começam a cantar, automaticamente, com a voz de cabeça e é dada uma
“âncora tonal”, que contribuirá muito para a formação musical dos coristas.
(LECK, 2009, p.3) (RHEINBOLDT, 2014, p. 24)

Com relação aos vocalises iniciais, Rheinboldt (2021) sugere: 

As melodias dos primeiros vocalises, bem como suas modulações, não precisam
abarcar uma ampla extensão vocal e tonalidades médio-agudas podem ser
priorizadas. Exercícios ideais para iniciar o preparo vocal podem conter
vibrações de lábios e língua (“Br”, “Tr” e “R”), consoantes fricativas (“V”, “Z”, “J”),
consoantes nasais (“Nh”, “N”, “M” e “Ng”) e vogais orais do português brasileiro
(“I”, “E”, “É”, “A”, “Ó”, “O” e “U”).

As vibrações de lábios e língua promovem a mobilidade das pregas vocais e a


coordenação equilibrada da respiração, da ressonância e da articulação, além de
reduzirem o esforço vocal e aquecerem a voz (Vasconcelos, et al., 2016, p. 582
apud Rheinboldt, 2018, p. 67). 

(...)

As consoantes fricativas “V”, “Z” e “J”, quando aliadas a um bom controle do


fluxo de ar e ao apoio respiratório, podem auxiliar a adução das pregas vocais,
evitando, assim, o escape de ar excessivo. Elas também podem suavizar ataques
vocais e aumentar a resistência dos cantores, durante a prática coral (D’Avila et
al., 2010, p. 916 apud Rheinboldt, 2018, p. 67). (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p. 42)
Na quarta videoaula da série "Construindo a sonoridade coral infantil", do
Projeto Um Novo Olhar (FUNARTE e EM-UFRJ), continuaremos a falar sobre
ressonância e a vivenciaremos em algumas atividades práticas:

A partitura do vocalise encontra-se a seguir. Além de estar presente na tese de


doutorado e no livro "Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade", o
vocalise do mosquito também faz parte do álbum "Cantando com os animais",
o qual Juliana Melleiro desenvolveu em parceria com o pianista Jefferson Sini
(São Paulo-SP). Este álbum está disponível em todas as plataformas
de streaming e apresenta faixas com versões vocais e instrumentais. 

6. Aquecendo a voz: ressonância - Parte 2

Além das vibrações de lábios e língua e dos sons fricativos, a ressonância da voz
também pode ser aprimorada em exercícios com sons nasais e vogais orais. De
acordo com Rheinboldt (2021): 
Consoantes nasais podem oportunizar a percepção física de alguns
ressonadores e a construção de sonoridades específicas. Por exemplo, quando
cantamos “Nh”, podemos sentir a ressonância atrás do nariz ou dos olhos.
Quando cantamos “M”, a língua fica em uma posição neutra dentro da boca –
em contato com o topo dos dentes frontais inferiores, os lábios ficam fechados
e podemos ter uma sensação vibratória na região da boca, dos seios nasais, do
nariz e da faringe. E quando cantamos “Ng” – presente na palavra “manga” – se
mantém uma abertura na região nasofaríngea e podemos ter sensações
vibratórias intensas na área frontal do rosto (a chamada “máscara”) (Miller, 1996,
p. 137, 138, 141 e 143; Fernandes, 2009, p. 250 e 251).

Do som mais claro e frontal ao mais “arredondado” e posterior, temos a


seguinte sequência de ressonâncias nasais: “Nh” – “N” – “M” – “Ng”.
Dependendo da peça e da sonoridade almejada, tais ressonâncias podem ser
abordadas no preparo vocal. Estas consoantes também podem anteceder
vogais, a fim de desenvolverem uma ressonância mais equilibrada, um som mais
consistente e uma melhor colocação das vogais. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p. 45)

A autora continua sua argumentação explicando sobre as vogais orais: 

No português brasileiro, há sete vogais orais: “I”, “E”, “É”, “A”, “Ó”, “O”, “U”,
seguindo a gradação da vogal mais frontal, “I”, à mais posterior, “U”. Na prática
coral, costumamos cantar as vogais com a abertura da boca mais vertical e os
lábios mais arredondados, diferentemente da fala, na qual boca, lábios e
mandíbula se configuram de forma mais horizontal. A verticalidade se faz
importante para a homogeneização do timbre e da afinação coral. Quando
escutamos o coro soando como um todo, sem a sobressalência de vozes
individuais, é sinal de que a sonoridade está uniforme. Particularmente, acredito
que a colocação vocal das vogais, a inteligibilidade do texto, a afinação e a
interpretação musical podem determinar a qualidade de um trabalho coral.
Todos esses aspectos são fundamentais para se construir “cores sonoras” e
devem ser trabalhados em todos os ensaios.

As vogais cantadas podem ser abordadas através da associação de metáforas,


gestos e brinquedos. Com base nos ensinamentos do maestro Henry Leck, o “U”
pode ser ensinado como se as crianças segurassem um grande copo de
milkshake na frente do corpo e tivessem um canudo na boca, para tomá-lo.
Esses recursos ajudam as crianças a manterem os lábios arredondados. As
vogais “I”, “E” e “É” podem ser executadas com os dedos indicadores nos cantos
dos lábios, para que eles permaneçam arredondados e abertura da boca seja
verticalizada. Às vezes, brincamos de cantar estas vogais com “biquinho” de
francês.
As vogais “O”, “Ó” e “A” também devem ser cantadas com os lábios
arredondados e uma maior abertura da boca. Colocar as mãos nas bochechas,
as unir em forma de “O”, em frente à boca, ou mover o dedo indicador do topo
da testa ao queixo, passando pelo nariz e boca, pode ser útil para conquistar a
abertura vertical de tais vogais. A manipulação da mola de brinquedo e da
bolinha de tênis customizada – que abre a “boca”, quando pressionada nas
laterais – também são excelentes âncoras visuais para os cantores imitarem e
praticarem a verticalidade das vogais. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p.
46 e 47)

Na unidade 2 do nosso curso, vimos imagens da mola de brinquedo e da


bolinha de tênis customizada, as quais acabaram de ser citadas.

Para praticarmos a ressonância vocal, vamos assistir à aula 5 da série


"Construindo a sonoridade coral infantil", do Projeto Um Novo Olhar (FUNARTE
e EM-UFRJ). As partituras dos vocalises desta aula estão no livro "Aprimorando
meu coro infantil: técnica e criatividade", no capítulo de mesmo nome da série
de videoaulas. Não deixem de cantá-los!

6. Aquecendo a voz: ressonância - Parte 2

6.1. Vocalise "Horizontal-Vertical"


Quando abordamos vogais com crianças brasileiras, uma dificuldade costumeira
é que entendam que a colocação vocal das vogais faladas pode ser diferente
das vogais cantadas.  Como lemos anteriormente, nas vogais faladas, a
articulação dos lábios pode ser mais horizontal e a mandíbula pode ficar mais
fechada. Nas vogais cantadas, a articulação dos lábios pode ser mais vertical e a
mandíbula pode ficar mais aberta. O canto das vogais de forma "verticalizada"
auxilia o coro a timbrar com mais homogeneidade, por isso é uma escolha
estética de muitos (as) regentes e preparadores (as) vocais. Para aprimorar tal
dificuldade, Rheinboldt criou o vocalise "Horizontal-Vertical" (figura 2). Vejamos
a aplicação prática deste vocalise com o Coral Infantil da FAMES, no II CIMUCI. 

 
Figura 2. Vocalise "Horizontal-Vertical" (RHEINBOLDT, 2018, p.57, com pequena
adaptação)

7. Referências e materiais utilizados

● RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Preparo vocal para coro infantil: análise,


descrição e relato da proposta do maestro Henry Leck aplicada ao "Coral
da Gente" do Instituto Baccarelli. Orientador: Prof. Dr. Angelo José Fernandes.
2014. 204f. Dissertação - Mestrado em Música, Instituto de Artes, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2014. 

Link para baixar a


dissertação:  https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2014.937375

●  RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Preparo vocal para coros infantis:


considerações e propostas pedagógicas. Orientador: Prof. Dr. Angelo José
Fernandes. 2018. 178f. Tese - Doutorado em Música, Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. 

Link para baixar a


tese:    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2018.1060715

●      RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Construindo a sonoridade coral infantil. In:


CHEVITARESE, Maria José (org.). Aprimorando meu coro infantil: técnica e
criatividade. Projeto Um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola
de Música, UFRJ, 2021. p. 32-72.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

Material de Estudos da Unidade 4


1. Dicção em português e idiomas estrangeiros

Na ponta da língua: dicção

Após a preparação do corpo e do início do aquecimento vocal com exercícios


de ressonância, é possível seguir o trabalho técnico-vocal de coros
infantojuvenis com a dicção. Você sabe qual a importância dela? Segundo o
professor de canto e maestro Angelo Fernandes (2009): 

Na música vocal, seja ela coral ou não, o trabalho para se alcançar uma boa
dicção é fundamental. Regentes e cantores tendem a concordar que o trabalho
de dicção é essencial para o sucesso de um grupo coral por permitir:

a)  Uma enunciação clara, capaz de proporcionar o melhor entendimento do


texto;

b)  A uniformidade sonora das vogais, essencial para uma afinação refinada e
para a maior homogeneidade sonora;

c)  A uniformidade de articulação consonantal,essencial para a precisão rítmica;

d) A flexibilidade dos lábios, da língua e da garganta, permitindo uma produção


vocal eficiente e saudável.

Para muitos regentes o trabalho de dicção se limita à melhor enunciação do


texto para que o público possa entendê-lo. Outros, preocupados com
homogeneidade, equilíbrio, afinação e precisão rítmica, entendem que o
trabalho de dicção se propõe a conscientizar os cantores a respeito da
produção correta e unificada dos sons vocálicos e da articulação eficaz das
consoantes. De fato, todas essas preocupações são essenciais e precisam ser
somadas. A fim de que o público entenda bem o texto que está sendo cantado,
é necessário, primeiramente, que se trabalhe a pureza dos sons vocálicos e a
clareza das consoantes. Entretanto, este trabalho de enunciação não é o
suficiente. Para atingir tal objetivo, é preciso combinar essas qualidades com a
prática insistente de se cantar as palavras com a acentuação adequada e dar
sentido ao conteúdo poético de cada verso do texto, adequando-o ao conteúdo
musical. Assim, os textos ganham em expressividade e seu significado é melhor
comunicado. (FERNANDES, 2009, p.236)

Corroborando com as ideias de Fernandes, Kenneth Phillips - estudioso da voz


infantil e juvenil - aponta que:

(...) a dicção envolve três áreas: a pronúncia, a enunciação e a articulação das


palavras. A pronúncia é a maneira como as palavras são ditas, em cada idioma e
requer do regente estudos de fonética e traduções do repertório, para que o
coro e a audiência compreendam o significado do que está sendo performado,
sobretudo, em idiomas estrangeiros. A enunciação aborda como as vogais e as
sílabas são pronunciadas e qual intenção será colocada para comunicar o texto.
Já a articulação, diz respeito a como as consoantes são utilizadas para projetar
as vogais e tornar o texto inteligível, expressivo e rítmico (Phillips, 1992, p. 305
apud Rheinboldt, 2018, p. 95). (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 48 e 49)

Na Unidade 3, falamos um pouco sobre a importância das vogais para o


trabalho de ressonância. No entanto, elas também são fundamentais para se
aprimorar a dicção de um coro. De acordo com Fernandes: 

Não se pode ignorar o fato de que em grande parte do tempo que se canta,
cantam-se vogais. Assim, um bom começo para se atingir um dicção coral
eficiente é a produção consciente e correta dos sons vocálicos puros. O alto
nível de enunciação das vogais é o primeiro componente da dicção a ser
atingido por um cantor. A falta dessa consciência é a base para muitos erros no
canto e para a dicção pobre. Moore ressalta que:

O ponto de refinamento da qualidade vocal e de unificação sonora do canto


grupal está na formação das vogais. Ela determina a qualidade e a maturidade
do som e constitui o fator primário na precisão e controle da afinação, além de
abrir o caminho para que um grande número de cantores possa cantar como
uma só voz. [...] Será necessário que o coro identifique e conheça a formação
das vogais básicas. (Moore, 1999, p. 51).

Ao regente, pois, compete o intenso trabalho de ensinar aos cantores a


produção adequada dos sons vocálicos. Segundo Miller, muitos problemas de
afinação nos grupos corais são consequência da inabilidade dos cantores em
diferenciar claramente as vogais. Depois de explicar sobre a formação dos sons
vocálicos, o autor incentiva o regente a aplicar exercícios de diferenciação das
vogais para que seus cantores adquiram domínio sobre sua produção:

Um pequeno número de exercícios de diferenciação das vogais, executados


individualmente ou em grupos, primeiro lentamente e depois rapidamente, traz
uma conscientização sobre como as vogais podem ser mudadas sem perda da
consistência necessária para se produzir um timbre vocal rico em ressonância.
Essa consistência do timbre pode ser mantida somente se o trato ressonador
tiver permissão para assumir formas que ‘rastreiem’ a vogal gerada na laringe. É
essa habilidade de mudar os contornos do trato ressonador que permite que o
timbre vocal permaneça constante quando as vogais são diferenciadas. (Miller,
1986, p.61).

Conscientes da produção dos sons vocálicos, os cantores devem desenvolver a


habilidade de articulação das consoantes. Se a pureza das vogais é fundamental
para a produção de um som esteticamente bonito, homogêneo e afinado, a
precisão rítmica e o significado do texto são dependentes de uma produção
consonantal eficaz. (FERNANDES, 2009, p.236 e 237)

1. Dicção em português e idiomas estrangeiros

1.1. Consoantes
Com relação às consoantes, Fernandes menciona que:

É fato que a boa enunciação das vogais é um aspecto fundamental da


sonoridade vocal. O trabalho eficiente e contínuo com elas garante, entre outros
aspectos do som coral, uma sonoridade esteticamente bonita, a
homogeneidade sonora e a execução refinada do legato. Entretanto, a
enunciação vocálica eficaz não é o bastante. Sem as consoantes, qualquer tipo
de som vocal, especialmente o som coral, tende a se tornar “insípido”,
monótono, sem forma e até ininteligível. “Temperar” e dar forma ao som das
vogais, dar sentido ao texto e fazer com que os ouvintes o entendam, e revelar
e expor o ritmo da música são os três principais propósitos das consoantes.

Evidentemente, as consoantes são excelentes ferramentas pedagógicas para o


aprimoramento do equilíbrio da ressonância vocal. Elas podem auxiliar os
cantores que tendem a cantar de forma “entubada” a experimentar a sensação
frontal da ressonância e, por meio disso, conseguir uma sonoridade mais clara e
brilhante. Por outro lado, elas também podem ajudar os cantores que possuem
vozes muito “focadas” a explorar os espaços de ressonância na região da
faringe a fim de “arredondar” o som. Contudo, apesar de sua eficiência
pedagógica, as consoantes devem, antes de tudo, ser utilizadas como uma
ferramenta de expressividade do texto a ser cantado, e ainda, contribuir para a
melhor execução e precisão rítmicas. É necessário conhecer e explorar as
características de cada consoante para que elas cumpram sua função na
execução de uma obra coral. (FERNANDES, 2009, p.249)

Rheinboldt (2018) complementa a argumentação de Fernandes, apontando que:

A articulação das consonantes se faz importante por elas serem mais numerosas
que as vogais e por propiciarem a precisão rítmica, a expressividade e,
principalmente, a inteligibilidade do texto (LECK, 2009, p. 33; FERNANDES, 2009,
p. 249). Sem o texto, precisão rítmica e expressividade perdem o sentido. Em
nossa prática docente, notamos que muitas crianças demonstram “preguiça”
para abrir a boca para cantar, o que compromete a projeção vocal, a qualidade
sonora e o entendimento do texto. Tal preguiça pode ser justificada pela
desmotivação e falta de identificação com o trabalho coral, as quais podem ser
melhoradas através de mudanças de repertório, de atividades didáticas e do
vocabulário empregado pelo regente, por exemplo. Outra justificativa também
pode ser a falta de domínio dos articuladores – lábios, dentes, língua, maxilar,
palato duro e mole, gengiva e glote (PHILLIPS, 1992, p. 307) –, pois, eles
dificultam “a passagem respiratória, a uniformidade da linha vocal e a
enunciação das vogais, [exigindo do coro] a busca por uma articulação clara,
rápida, flexível e sincronizada” (CARNASSALE, 1995, P. 140). Esta articulação
pode ser aprimorada no preparo vocal e deve ser uma prioridade.

Segundo Fernandes:

As consoantes são fonemas caracterizados pela obstrução ou constrição do ar


proveniente dos pulmões em um ou mais pontos do trato vocal. Tais obstáculos
podem ser totais ou parciais dependendo da posição e da movimentação dos
lábios e da língua. Os vários tipos consonantais são, pois, classificados e
descritos segundo os seguintes critérios: o ponto ou local onde a consoante é
articulada, o modo como a consoante é articulada e o comportamento das
pregas vocais durante a produção da consoante. (FERNANDES, 2009, p. 247)

Estas classificações de consonantes, junto com as vogais, estão descritas no


Alfabeto Fonético Internacional (IPA). Ele foi criado por volta de 1886, por uma
associação internacional composta por estudiosos de Fonética e sempre
objetivou associar um símbolo para cada som dos diversos idiomas e dialetos
existentes, mantendo uma constância de símbolos entre uma língua e outra
(FERNANDES, 2009, p. 238). O IPA e a proficiência em seu uso diminuem
fronteiras idiomáticas e culturais, possibilitando o canto de repertórios
estrangeiros com dicção apropriada. 

(...)
No português brasileiro cantado possuímos as seguintes consoantes (...):
[B; C; D; F; G; H; J; K; L; M; N; P; Q; R; S; T; V; W; X; Y; Z]. Conhecer suas
configurações de articulação e usos ajudam o regente a direcionar e otimizar
seu trabalho de preparo vocal. (RHEINBOLDT, 2018, p. 95 e 96)

Por fim, Rheinboldt (2021) sugere que o trabalho de dicção:

(...) pode ser feito através de vocalises que explorem consoantes específicas e
que aprimorem a pronúncia e a interpretação expressiva das palavras. Exercícios
que contém histórias, com elementos do universo infantil, costumam ser
estimulantes e muito efetivos. Trava-línguas, ditos populares e palavras do
repertório que o coro apresente dificuldade para cantar também podem ser
boas “matérias-primas” para vocalises de dicção, em português ou em outros
idiomas. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 49)

Vamos estudar um pouco mais sobre dicção e praticá-la na sexta videoaula da


série "Construindo a sonoridade coral infantil", do Projeto Um Novo Olhar
(FUNARTE e EM-UFRJ). Vale reforçar que as partituras dos vocalises estão no
livro "Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade", no capítulo de
mesmo nome da série de videoaulas.

6. Vocalise "Gatas e cachorro"

Conforme assistimos na sétima videoaula da série "Construindo a sonoridade


coral infantil" (Projeto Um Novo Olhar - FUNARTE e EM-UFRJ), cantar em outros
idiomas que não sejam o português pode ser um desafio a alguns coros
infantojuvenis brasileiros. Os (as) coristas podem apresentar dificuldades em
pronunciar alguns fonemas e palavras, e em entender o significado do texto a
ser cantado. Por isso, é bastante importante que regentes se preparem para
ensinar o canto em idiomas estrangeiros. Conhecer e lidar bem com o Alfabeto
Fonético Internacional (IPA), bem como estudar a particularidades da origem, da
pronúncia e da tradução dos vocalises e repertórios escolhidos pode ser
bastante efetivo. 

Na sétima videoaula, nos debruçamos sobre o vocalise "Pajarito", em espanhol.


Para finalizar o módulo 4 do nosso curso "Técnica vocal para coros
infantojuvenis", vamos aprender o vocalise "Gatas e cachorro", o qual traz
algumas palavras em alemão.

De acordo com Rheinboldt (2018):

No alemão, existem dois sons fricativos com “ch”, que se diferenciam conforme
as vogais que os antecedem. Após “i” e “e” o som é mais frontal e (...) após “a”,
“o” e “u” o som é mais fricativo (...). O principal propósito deste vocalise é
entender as diferenças dos sons fricativos com “ch”. Para pronunciar a
palavra ich  pedimos que as crianças imitem o som de um “gato bravo”, que
falem “i”, mantenham os articuladores usados na produção desta vogal e soltem
o ar, sentindo-o passar pelo palato duro, atrás dos dentes superiores frontais. O
mesmo princípio, de manter a articulação das vogais e soltar o ar, se aplica às
palavras ach e auch, porém, as sentiremos no palato mole, no fundo da boca. O
nome das gatas “Lili” e “Lala”, bem como o latido do cachorro (au au), ajudam a
formar a articulação das vogais e a realizar seus respectivos sons fricativos. É
importante notar que tais sons não são como “ch” em português, o que é um
erro de pronúncia recorrente em cantores brasileiros sem a devida instrução de
dicção. As palavras “ich”, “ach” e “auch” significam “eu”, “ó” (como uma
lamentação / exclamação) e “também”. (RHEINBOLDT, 2018, p. 127 e 128)

A seguir, está a partitura e um áudio "caseiro" que pode auxiliar a aprendizagem


e a compreensão deste vocalise. O acompanhamento escrito e ao piano (no
áudio) é do regente e pianista Otávio Piola (Jundiaí-SP). A voz e composição é
de Juliana Melleiro Rheinboldt. 

 Figura 4. Vocalise "Gatas e cachorro" (Composição: Juliana Melleiro.


Acompanhamento escrito: Otávio Piola. RHEINBOLDT, 2018, p. 128)

7. Referências

● FERNANDES, Angelo José. O regente e a construção da sonoridade coral:


uma metodologia de preparo vocal para coro. Orientadora: Profa. Dra.
Adriana Giarola Kayama. 2009. 483f. Tese - Doutorado em Música, Instituto de
Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. 

Link para baixar a tese:  https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2009.445387

● RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Preparo vocal para coros infantis:


considerações e propostas pedagógicas. Orientador: Prof. Dr. Angelo José
Fernandes. 2018. 178f. Tese - Doutorado em Música, Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. 

Link para baixar a


tese:    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2018.1060715

● RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Construindo a sonoridade coral infantil. In:


CHEVITARESE, Maria José (org.). Aprimorando meu coro infantil: técnica e
criatividade. Projeto Um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola
de Música, UFRJ, 2021. p. 32-72.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

2. Afinação vocal em coros infantojuvenis

Rheinboldt (2021) aponta que: 

(...) Antes de um coro cantar com abertura de vozes, ele precisa soar afinado e
timbrar em uníssono. Isso pode parecer elementar, mas não é. Além de
cantarem na mesma frequência sonora, as crianças precisam aprender a ouvir, a
respirar juntas e a usar os mesmos recursos vocais e expressivos. Primeiro em
uníssono, depois a duas ou mais vozes.

Silvia Sobreira e outros autores revisados sugerem que, dentre outras


justificativas, a desafinação possa estar relacionada: à percepção auditiva (de
estímulos sonoros, do modelo vocal, do coro e de si mesmo); à produção vocal
(respiração incorreta, extensão reduzida, inexperiência dos cantores, canto em
tonalidades inadequadas, comprometimentos de saúde); à memória e à
compreensão musical (dos esquema tonais, de instruções e estratégias
didáticas); e a fatores extramusicais (desatenção, timidez, ambiente pouco
musical, distúrbios orgânicos). Os autores também acreditam que, exceto em
casos de amusia (uma rara incapacidade de reconhecer, discriminar, memorizar
e executar tarefas musicais), com paciência, empatia, respeito ao
desenvolvimento individual e propostas pedagógicas adequadas, todos são
capazes de afinar e, portanto, ninguém deve ser excluído da prática coral.
(Sobreira, 2003, p. 171; Sobreira, 2013, p. 27; Sobreira, 2016, p. 131 e 136;
Sobreira, 2017, p. 72 a 74; Andrade, 2010, p. 77-80; Giga, 2004, p. 71-76; Sesc,
1997, p. 41 apud Rheinboldt, 2018, p. 142-144). (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p. 58 e 59) 

A Profa. Dra. Maria José Chevitarese (UFRJ), no capítulo "O regente educador",
do livro "Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade" (2021), detalha a
questão da afinação vocal no contexto coral infantojuvenil da seguinte maneira: 

(...) Dentre os cantores que ainda não reproduzem com exatidão uma linha
melódica, encontramos problemas que vão desde um leve desajuste vocal até o
total distanciamento da linha melódica, sem que esse fato caracterize
necessariamente, falta de musicalidade ou impossibilidade de emitir sons
afinados por parte da criança. Sobre esse aspecto concordo com a regente e
educadora Jean Ashworth Bartle que acredita que:

Todas as crianças podem ser ensinadas a cantar se começarem sua descoberta


vocal pessoal desde muito cedo e se forem ensinadas por alguém que não
apenas acredita que toda criança pode cantar, mas que também possui as
competências para ensiná-la a fazê-lo (Bartle, 2003, p. 8, tradução minha).

Assim como a canadense Jean Ashworth Bartle (2003), defendo que todas as
crianças tenham a oportunidade de aprender a cantar e participar de um grupo
coral. Para tanto, o regente deve ter conhecimento de pedagogia vocal que dê
suporte à essa tarefa. É possível trabalhar alguns minutos no início de cada
ensaio e desenvolver nos cantores uma maior habilidade vocal, melhorando a
sonoridade do grupo. 

3. Construindo a afinação de forma inclusiva

O trabalho junto a coros infantis amadores, na maioria das vezes é feito por
repetição. Mesmo quando os cantores recebem a partitura para acompanhar a
linha melódica, muitas vezes ainda não têm o solfejo desenvolvido o suficiente
para que possam ler as músicas. Por essa razão o regente precisa cantar a linha
melódica para que os cantores repitam o que ouviram.

Ao refletirmos sobre a voz infantil, somos imediatamente levados a separar as


crianças em dois grupos: aquelas que ao tentar reproduzir uma linha melódica
afastam-se substancialmente dela, e aquelas que já são capazes de emitir a
linha melódica com razoável precisão. O regente deverá estar preparado para
diagnosticar, com a maior brevidade possível, o que está levando a criança a
emitir o som de forma imprecisa. Um diagnóstico a tempo evitará o
aparecimento de situações mais complexas, como bloqueios emocionais que
poderão afetar o indivíduo por toda a vida. Defendo que todas as crianças
podem aprender a reproduzir uma linha melódica e que devem ser incluídas no
trabalho coral.

3. Construindo a afinação de forma inclusiva

3.1. Crianças com dificuldade de afinação


Para se reproduzir uma frase melódica é preciso ouvi-la, memorizá-la para, em
seguida, cantá-la. Se a reprodução está sendo feita de forma incorreta, o
problema poderá estar ocorrendo em qualquer uma destas três fases, por
razões fisiológicas, psicológicas, por falta de estimulação ou por má utilização
do aparato vocal.

3. Construindo a afinação de forma inclusiva

3.2. Problemas relacionados a ouvir


Percebemos as mensagens sonoras pela audição. Não ouvir poderá estar
relacionado a alguma deficiência auditiva, a hábitos como o de cantar junto
com o regente quando este está exemplificando ou ainda a falta de
concentração. Problemas relacionados com a perda auditiva devem ser tratados
com o otorrinolaringologista. Já problemas relacionados com o hábito de cantar
junto com o regente serão resolvidos apenas com a mudança desse hábito, que
na verdade é muito comum. Quando uma criança canta junto com o regente, o
que ela ouve, em primeiro plano, é a si própria. Como não sabe a linha melódica
que será cantada pelo regente, a criança inventa sua própria linha melódica.
Assim, quando vai reproduzir, canta aquilo que inventou, que poderá ser
completamente diferente da melodia apresentada pelo regente. (CHEVITARESE,
2021, p. 18 e 19) 

4. Exercícios iniciais para o aprimoramento da afinação

Chevitarese (2021) continua sua explanação sobre o aprimoramento da afinação


infantojuvenil, intercalando-a com sugestões de exercícios de fácil execução e
ideais, sobretudo, a cantores (as) pouco experientes. Vamos conferi-los! 

Para a falta de concentração sugerimos os exercícios seguintes:


(a) Repetir fragmentos variados

Em minha experiência, tenho percebido que repetir uma nota isolada é bem
mais difícil do que um pequeno fragmento melódico. Dessa forma, quando
trabalho com crianças que ainda não conseguem reproduzir uma linha
melódica, prefiro trabalhar com fragmentos variados. Uma vez que o fragmento
se modifica a cada intervenção do regente, a criança precisará estar sempre
atenta, o que facilitará a reprodução. É preciso começar por fragmentos simples,
que despertem o interesse da criança. Quando inventamos fragmentos
melódicos que utilizam como texto o nome do cantor, seu time de preferência
ou, ainda, sua comida predileta, temos resultados extremamente positivos. A
criança, ao ouvir uma palavra que desperte seu interesse, imediatamente se
concentra, facilitando a repetição com melhor precisão.

(b) Repetir fragmentos rítmicos variados

O regente propõe um fragmento rítmico batendo palmas ou percutindo em


diferentes partes do corpo e o coro repete o fragmento. Em seguida propõe
outro fragmento que deverá ser repetido. É interessante que os fragmentos
sejam variados para que o coro precise estar sempre atento ao novo estímulo.

(c) Repetir gestos

O regente se posiciona à frente do coro e move seus braços em diferentes


posições e o coro deverá reproduzir esses gestos.

(d) Exercícios do imã em dupla, em trio ou em conjunto, com todo grupo

Neste exercício, quando praticado em dupla, um dos cantores utilizará sua mão
como um imã que, ao se movimentar provocará o movimento do corpo do
outro cantor, que deverá acompanhar os movimentos sugeridos pela mão do
colega. É importante utilizar os diferentes planos para a movimentação.

Quando em trio, um dos cantores utilizará uma das mãos para movimentar um
cantor e a outra mão para movimentar o outro cantor. Será interessante que as
mãos do cantor, que trabalha na posição de ímã, se movimentem com
independência.
Quando em conjunto com todo o grupo, o regente utilizará suas mãos como
ímãs que guiarão a movimentação de todo o coro.

(e) Marionete (exercício feito em dupla)

Um dos cantores trabalhará como um boneco de marionete, repleto de fios


imaginários e o outro cantor o fará se movimentar puxando esses fios
imaginários, que poderão estar na cabeça, ombro, braço, mão, dedos, quadris,
pernas ou pé. Essa movimentação deverá ser feita em total silêncio.

5. Problemas relacionados à memorização

Normalmente são cantores que conseguem afinar, mas demoram mais que os
outros a conseguir reproduzir o som porque têm dificuldade de memorização.
Sugiro que se inicie o trabalho com trechos bem pequenos e aos poucos se vá
ampliando o tamanho dos trechos.

Problemas relacionados à emissão vocal

(a) Problemas ligados à saúde

Problemas nas vias respiratórias como sinusites, faringites, laringites, rinites


alérgicas, alergias com comprometimento do aparelho respiratório, insuficiência
respiratória, inflamação constante das amídalas, são doenças que
comprometem a emissão vocal, dificultando o canto, e que poderão acarretar
disfonias. Caberá ao médico decidir em cada caso se há necessidade ou não de
algum tratamento específico, a fim de que a diminuição do rendimento vocal
provocada por uma destas patologias não contribua para o aparecimento de
problemas nas cordas vocais do cantor no futuro.

(b) Problemas relacionados à saúde do aparelho fonador

Disfonia é a dificuldade na emissão da voz com suas características naturais.


Pode ocorrer por alteração orgânica ou por má utilização do aparelho vocal.
Normalmente, quando se tem uma alteração das pregas vocais perde-se em
extensão e a emissão vocal fica prejudicada. Alguns sintomas de problemas nas
pregas vocais são:

• Sensação de corpo estranho na garganta 

• Pigarro constante

• Ardor
• Voz soprosa

• Quebra na voz

• Extensão diminuída

Quando detectamos este tipo de problema devemos encaminhar o cantor para


tratamento junto a um fonoaudiólogo.

(c) Problemas de ordem emocional

Pessoa muito tímida - É comum as crianças muito tímidas falarem a letra da


música ao invés de repetir a linha melódica. Neste caso precisaremos trabalhar
este aspecto emocional. É preciso que a criança ganhe confiança e se sinta
segura para que consiga cantar. Vencida a barreira provocada pela timidez e
insegurança, a criança reproduzirá a linha melódica com precisão.

Pessoa extremamente extrovertida ou agitada - É comum que crianças


extremamente extrovertidas ou muito agitadas não prestem atenção na melodia
cantada pelo regente e, como consequência, cantem uma melodia inventada
por elas. Nesse caso precisaremos trabalhar a concentração. Muitas vezes o
problema se resume à falta de hábito de ouvir.

(d) Falta de estimulação do aparato vocal

Atualmente é muito comum chegar ao coro uma criança que possui todas as
condições físicas para cantar, mas que ainda não sabe como fazê-lo. São
crianças que no seu ambiente familiar ou escolar não foram estimuladas a
cantar. Na maioria das vezes, essa criança fala ao invés de cantar ou afina
apenas dentro de um intervalo bastante pequeno, geralmente na região da fala,
utilizando a voz de peito. Se o que está levando a criança a este
comportamento vem de uma total falta de hábito de cantar, certamente
conseguiremos resultados quase que imediatos trabalhando a partir de
pequenos fragmentos, da região que a criança já afina e fazendo exercícios com
glissandos, para ampliar a extensão vocal.

Concordo com a maestrina Lucy Schimiti (2003) que afirma que movimentos
associados aos vocalises auxiliam na compreensão de conceitos e podem
facilitar a fonação. A utilização de recursos visuais como gestos, movimento de
braços e mãos, para fixação de conteúdos trabalhados, são muito úteis, pois
esse tipo de estímulo promove uma compreensão mais concreta, contribuindo
para um resultado imediato.

Quando cantamos uma melodia para uma criança e essa a reproduz em região
diferente daquela que cantamos, devemos imediatamente caminhar para a
região sugerida pela própria criança verificar se nessa região ela é capaz de
reproduzir os sons com os intervalos corretos. Devemos sempre partir da região
em que a criança já afina para, a partir daí, ampliarmos sua extensão vocal. É
comum que crianças com vozes graves, que não possuem trabalho vocal
específico, apresentem uma pequena extensão vocal. Esse fato não representa,
de modo nenhum, pouca musicalidade. Sua extensão se ampliará à medida que
trabalharmos sua voz. Trago aqui alguns exercícios que permitem à criança
utilizar os registros grave, médio e agudo sem ter que sair ou chegar em uma
nota definida anteriormente. A criança irá explorar sua voz, experimentando as
diferentes sonoridades sem a preocupação de cantar uma linha melódica
previamente definida. Dessa forma será encorajada a brincar com a voz,
buscando alcançar notas cada vez mais agudas e notas cada vez mais graves.

Glissando, sair do som mais agudo que a criança consiga emitir para o som mais
grave e voltando para o agudo, utilizando as sílabas tra / tre / tri / tro / tru.

Glissando, sair do agudo para o grave, com as sílabas: hum; hum u; hum u o;
hum u o a. O cantor deverá emitir o som agudo com a sílaba “hum” e glissar
para a região grave. Na segunda vez que fizer o exercício, ao chegar no grave, o
cantor deverá transformar o “hum” na vogal “u”. Na terceira vez, transformar
nas vogais “u” e, em sequência, na vogal “o” e, na quarta vez, transformar na
vogal “u” seguida da vogal “o” e finalizar com a vogal “a”.
Glissar do agudo para o grave e do grave para o agudo, com os fonemas PR ou
BR. Procure caminhar do som mais agudo que a criança alcance para o mais
grave e vice-versa.
Glissar, continuamente, do grave para o agudo e do agudo para o grave, com
os fonemas PR ou BR.

Contar em diferentes regiões. Alternar a região grave e a região aguda.

Outra variante que pode ser adotada é usar o próprio texto da música que
estamos trabalhando, alternando as regiões aguda e grave da voz.

Utilizar as diferentes regiões da voz com interjeições como: Bom dia! Maravilha!
Que horror!

(e) Uso inadequado de registro vocal


A extensão vocal, assim como o timbre de uma voz, é função das características
físicas das pregas vocais e das cavidades de ressonância. Quando uma criança
adota para si um modelo vocal incompatível com suas pregas vocais, estas
sofrem um excesso de tensão, prejudicando sua saúde vocal. Às vezes, por
questões culturais, os meninos não querem cantar como soprano, por
considerarem ser uma voz de mulher e, por isso, forçam uma voz mais grave do
que realmente possuem. O preconceito poderá ser vencido e sua voz reeducada
se forem conscientizados de como se dá o processo fonatório; e
compreenderem que meninos e meninas possuem extensão e timbre vocal
semelhantes, que existem sopranos e contraltos tanto em um como em outro
sexo e que somente na puberdade, com o crescimento das pregas vocais de
forma diferenciada entre moças e rapazes, a extensão vocal e o timbre se
modificarão.

Existe ainda a possibilidade do regente se enganar na classificação vocal de uma


criança. Além disso, quando a criança entra em muda vocal, sua voz sofre
mudanças. Devemos estar sempre atentos a cada criança de nosso grupo e, se
for preciso, trocá-la de naipe.

6. Dicas para o trabalho com pessoas que ainda não afinam

(a) Pessoas com dificuldade de afinação devem estar nas fileiras da frente, entre
pessoas que afinam, para que recebam por todos os lados referenciais sonoros
com a altura correta dos sons.

(b) Pessoas com dificuldade de afinação não devem estar posicionadas nas


pontas das fileiras. Esse local deve ser reservado para crianças que já possuem
controle da emissão dos sons e, consequentemente, boa afinação.

(c) Pedir que cante mais baixo, ouvindo os colegas é muito importante. Se a


criança canta muito forte não tem como ouvir o conjunto nem os referenciais
que são emitidos pelos cantores ao seu redor.

(d) Trabalhar individualmente ou em pequenos grupos dá resultado mais


rápido. Esse treinamento deve ser feito em sessões curtas e ter caráter lúdico,
para que a criança se sinta à vontade e acolhida.

(e) Partir do som que o cantor já afina é muito mais eficiente e dá resultado
mais rápido. Se precisarmos que a criança chegue a uma determinada altura, é
mais eficiente partir do som que ela já emite e, em glissando, caminhar para a
nota desejada.
(f) Vocalizar fragmentos melódicos simples e interessantes, que despertem o
interesse da criança como por exemplo vocalizar utilizando o nome do cantor
ou seu time preferido, ou ainda uma comida que a criança goste.

(g) Repetir fragmentos melódicos simples é mais fácil do que uma nota isolada.
O exemplo abaixo mostra como transformar um único som em um exercício
mais dinâmico.

(h) Utilizar gestos e imagens que sugiram o movimento melódico.

(i) Trabalhar 10 a 15 minutos por dia já é suficiente.

(j) Fazer com que seu cantor sinta prazer no que está fazendo. Tenha paciência,
transmita confiança, alegria, busque novos caminhos e acredite que é possível.
Você não afinará uma pessoa em apenas um dia, mas a cada dia dará um passo
importante para a construção da afinação.

(k) Estimular, incentivar, aplaudir, mesmo que o progresso tenha sido mínimo. É


a partir deste estímulo que eu cantor irá, aos poucos, se desenvolvendo!
(CHEVITARESE, 2021, p. 19 a 25)

Além das valiosas dicas dadas pela maestrina Maria José Chevitarese, Juliana
Melleiro Rheinboldt (2021) ainda sugere o uso de duas âncoras de
aprendizagem, o sussurrofone e os pios de pássaros: 

Para aprimorar a afinação e, mais especificamente, a percepção auditiva,


sussurrofones e pios - apitos de pássaros podem ser utilizados. Os
sussurrofones são “telefones” feitos de PVC, com 15 cm de cano e dois “joelhos”
de 90°. Eles auxiliam as crianças a se ouvirem melhor e a perceberem detalhes
do que estão cantando. Os pios de pássaros têm timbres diferentes, alguns mais
graves, outros mais agudos. Com eles, pode-se brincar de “morto-vivo musical”,
de forma que ascrianças se abaixem quando ouvirem sons graves e fiquem em
pé quando ouvirem sons agudos. Essa brincadeira possibilita a discriminação de
alturas e timbres e, assim como os sussurrofones, também amplia a escuta dos
coristas. (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 59) 
Figura 1. Sussurrofones e pios de pássaros (RHEINBOLDT in  CHEVITARESE,
2021, p. 59).

10. Referências e materiais utilizados

●      CHEVITARESE, Maria José. O regente educador. In: CHEVITARESE, Maria


José (org.). Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade. Projeto
Um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola de Música, UFRJ, 2021.
p. 16-31.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

●      RHEINBOLDT, Juliana Melleiro. Construindo a sonoridade coral infantil. In:


CHEVITARESE, Maria José (org.). Aprimorando meu coro infantil: técnica e
criatividade. Projeto Um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Editora Escola
de Música, UFRJ, 2021. p. 32-72.

Link para baixar o livro:  https://umnovoolhar.art.br

●      SOBREIRA, Silvia. O canto na infância: alguns desafios. In: SOBREIRA, Silvia


(org.). Se você disser que eu desafino. Rio de Janeiro: UNIRIO, Instituto Villa-
Lobos: 2017. p. 70 a 99. 

Link para baixar o


livro:  http://www2.unirio.br/unirio/cla/ivl/publicacoes/livro-se-voce-
disser-que-eu-desafino…
1. Construção da sonoridade coral

Juliana Melleiro Rheinboldt inicia o capítulo 2 do livro "Aprimorando meu coro


infantil: técnica e criatividade" (2021) afirmando que: 

O som de um coro pode impactar, acalentar, alegrar e despertar uma série de


outras emoções em quem o escuta. Pode dizer muito sobre o grupo e sobre
quem o prepara. Pode demonstrar o desenvolvimento vocal e musical dos
cantores; a maneira como o repertório é concebido e comunicado; e, até
mesmo, a eficiência (ou ineficiência) de estratégias de trabalho adotadas por
regentes e demais profissionais que atuam frente ao coro.

Angelo Fernandes – estudioso da sonoridade coral, de quem tive a honra de


receber orientação em minhas pesquisas acadêmicas – afirma que “dos vários
desafios que o regente coral moderno enfrenta, a construção da sonoridade de
seu coro é um dos mais complexos e fascinantes” (Fernandes et al., 2006, p. 49).
Segundo ele, tal construção pode partir do desenvolvimento de um “som
básico”, que ensine os coristas a cantarem de forma saudável, com consciência
de seus recursos vocais, com ressonância equilibrada, dicção clara, afinação
precisa e controle respiratório adequado. Após a conquista deste “som básico”
e através de determinados ajustes vocais, é possível, então, explorar um amplo
espectro de “cores sonoras”, para aplicá-lo em repertórios variados (Fernandes,
2009, p. 204).

Em minha prática como regente e preparadora vocal de coros infantis


brasileiros, vejo que, na maior parte dos coros, há a preocupação com a
formação do “som básico” e com a criação de bons hábitos de canto. Porém,
noto que são poucos os que conseguem variar e contrastar as sonoridades,
conforme o repertório executado. Parece-me que, muitas vezes, falta intimidade
com as peças interpretadas. É preciso analisá-las com o olhar de quem quer
educar e com o desejo de quem quer fazer música com excelência artística.

É na pesquisa e estudo minucioso do repertório que as sonoridades começam a


ser concebidas. Em tal estudo, dentre outros aspectos relevantes, podemos
refletir sobre o contexto em que as peças foram compostas, a estética musical
em que estão inseridas, a forma, a harmonia, o contraponto, a rítmica, as
dinâmicas, os fraseados, os andamentos, as demandas vocais, as texturas das
vozes e dos instrumentos musicais, as sutilezas do texto e como elas se
relacionam com a música. Tudo isso influenciará o planejamento do preparo
vocal e a sonoridade a ser desenvolvida.

A fim de propiciar a multiplicidade de vivências estéticas e vocais, o maestro


americano, Henry Leck, recomenda a escolha de um repertório coral variado
quanto aos gêneros musicais e períodos históricos, e menciona que:
Uma vez que o regente tenha em mente um som e tenha preparado,
tecnicamente, seu coro para cantá-lo, parece que o trabalho está feito. Porém, a
verdadeira diversão começa com a interpretação expressiva e estilística da
música. [...] Muitos coros cantam todas as músicas com o mesmo “peso”, “cor” e
estilo. Isso não é apenas chato para os ouvintes, mas também é prejudicial à
autenticidade da música. [...] Obviamente, não é genuíno executar um canto de
liberdade africano da mesma maneira que se executa um madrigal ou um
moteto. Certamente não se canta uma peça folclórica húngara como uma
composição de Mozart, ou uma peça búlgara como uma composição de
Palestrina  (Leck, 2009, p. 101).
[1]

Para interpretar diversos repertórios, Leck sugere que coros infantis


desenvolvam uma matriz sonora com “pesos” e timbres contrastantes. Com
relação ao “peso”, as sonoridades podem ser consideradas “leves” ou “pesadas”,
e com relação ao timbre, “escuras” ou “claras”. Tais sonoridades também podem
ser combinadas de várias maneiras (Leck, 2009, p. 113-114). Por exemplo, em
um canto de liberdade africano, pode-se adotar um som “pesado” e “claro” e
em uma canção popular infantil, um som “leve” e “claro”. A administração do
fluxo respiratório e a configuração do trato vocal (posicionamento da laringe,
dos lábios, da língua, da mandíbula, do palato mole etc.) podem gerar tais
nuances sonoras.

A meu ver, integrar um coro é saber cantar, escutar e perceber o grupo e a si


mesmo. É aprender a cantar com e como o outro. É se comprometer em ser
“parte” e “todo”. Ainda no tocante à construção da sonoridade coral e
corroborando com estas ideias, Fernandes (et al., 2004, p. 46) menciona que “o
regente só alcançará bons êxitos com a sonoridade coletiva do coro, na medida
em que os cantores desenvolverem, individualmente, uma técnica vocal eficaz e
consciente”. Nesta citação, o autor nos convida a refletir sobre a
interdependência de aspectos individuais e coletivos que formam o som de um
coro.

Embasado em diversos autores, Fernandes elenca alguns desses aspectos. A


saber, são considerados aspectos individuais: a produção vocal (conscientização
dos processos de respiração, postura, fonação e emissão adequada ao canto); a
registração (como utilizar, ampliar e transitar, uniformemente, entre os registros
vocais grave, médio e agudo); a dicção (que promove inteligibilidade e
comunicação do texto, através do bem cantar das vogais e consoantes); o
timbre (habilidade de explorar a própria voz e produzir sonoridades diversas); e,
no caso de coros adultos, o vibrato (fenômeno natural da voz, cujo uso é
variável no canto coral). São considerados aspectos coletivos a homogeneidade
(padronização de recursos vocais, a fim de amenizar a heterogeneidade das
vozes); o equilíbrio (entre os naipes do coro, conforme as sonoridades de cada
repertório); a afinação do grupo (canto com frequências e timbres similares); e a
precisão rítmica (senso rítmico que influi na manutenção da pulsação, do
andamento, da duração dos sons, silêncios e fraseados) (Fernandes, 2009, p.
204; Fernandes et al., 2006, p. 43 a 49).

Podemos elucidar a relação de interdependência dos aspectos individuais e


coletivos de várias maneiras. Por exemplo, um integrante que canta demasiado
forte, por não saber usar e/ou controlar sua voz, provavelmente, desequilibrará
seu naipe e comprometerá a homogeneidade sonora do coro. Nesse caso,
através do preparo vocal, o regente pode oportunizar a melhora da produção
vocal e da percepção deste cantor e, certamente, isso reverberará no resultado
sonoro coletivo. Tudo está interligado e o regente deve estar bastante atento às
necessidades de cada cantor e de todo o grupo.

Além do que já foi mencionado, Fernandes também relata outros aspectos – até
mesmo extramusicais – que podem interferir na constituição do som almejado,
como o tipo de grupo coral, a faixa etária, a maturidade musical, a realidade
sociocultural dos membros do coro, a saúde geral dos cantores, o ambiente
acústico dos ensaios e das performances, a frequência e a duração dos ensaios
e o tipo de cantores que formam o grupo (se são profissionais ou amadores)
(Fernandes, 2009, p. 202 e 203). Conhecer bem as condições e o grupo de
trabalho ajuda a alinhar expectativas, a planejar e a desenvolver melhor a
complexa tarefa de se construir sonoridades corais.
(RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 32 a 34) 

 "Once the director has a sound in mind and has conveyed vocal techniques to
[1]

the choir, it would seem the job is done. But the real fun begins with
interpreting the music expressively and stylistically. (...) Many choirs sing all
music in the same weight, color, and style. This is not only boring to the listener
but detracts from the authenticity of the music. (...) It is obvious that would not
be authentic to sing an African freedom song the same as a madrigal or motet.
One would surely not sing a Hunga- rian folk song the same as a Mozart
composition or a Bulgarian piece the same way you would sing Palestrina” (Leck,
2009, p. 101, tradução minha).

3. Construção de sonoridades na prática

A respeito do vocalise "Sonoridades", no livro "Aprimorando meu coro infantil:


técnica e criatividade", Rheinboldt (2021) aponta mais algumas informações: 
O vocalise “Sonoridades” foi composto especialmente para este livro e viabiliza
a exploração da matriz sonora proposta pelo maestro Henry Leck. Nele, as
sonoridades “claro”, “escuro”, “leve” e “pesado” foram buscadas pelas
peculiaridades da escrita musical (andamentos, dinâmicas, ritmo, melodia,
estética etc) e de alguns fonemas que estimulam ressonâncias específicas, por
exemplo, o “I” frontal da palavra “clarinho” e o “U” posterior e com lábios
arredondados da palavra “escuro”. Conforme proposto no vocalise, o som
“claro” pode ser cantado com ressonância frontal, em modo maior, andamento
andante e dinâmica mezzo forte. O som “escuro”, com lábios arredondados,
ressonância posterior (com o cuidado de não “entubar” o som), em modo
menor, andamento adagio e dinâmica piano. O som “leve”, com agilidade vocal,
pressão de ar moderada, em modo maior, andamento allegretto e dinâmica
mezzo piano. Já o som “pesado”, com intensa pressão de ar (sem gritar nem
machucar as pregas vocais), em modo menor (picardia na última nota),
andamento adagio com rallentando e dinâmica forte. Todas essas nuances
sonoras podem ser combinadas e aplicadas de acordo com o repertório
escolhido.

Esse exercício pode ser desafiador a um coro que não tenha conquistado
elementos técnico-vocais fundamentais, como apoio respiratório, ressonância,
dicção e afinação apropriados. Coros que já tenham uma boa consciência de
tudo isso, certamente, poderão se beneficiar com a prática deste vocalise, pois
será possível variar o timbre do coro a cada peça, com muita musicalidade.
(RHEINBOLDT in  CHEVITARESE, 2021, p. 69   e 70)

Vamos praticar o vocalise "Sonoridades", percebendo as variações de sonoridades em


nossas próprias vozes? Conforme explicado, atente-se aos seus articuladores (lábios,
língua, palato etc), às suas cavidades de ressonância e ao seu fluxo respiratório. A
partitura do vocalise encontra-se abaixo. 

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