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O itãn de Ákùko – Porque lavamos as patas do bicho?

GALO*

Em tempos remotos, existiu num local próximo a cidade de Ówó, uma mata sagrada
denominada de Elékute, com suas árvore gigantescas, arbustos e folhagens utilizadas para
cerimônias e sacrifícios. Os sacerdotes utilizavam-na debaixo de máscaras e vestimentas
especiais, exercendo seus costumes. Por ser sagrada, os mais velhos da cidade tomaram
medidas especiais para preserva-la de uma destruição. Era costume os fazendeiros queimarem
seus campos antes de plantar suas sementes. A preocupação de que isso poderia atingir
Elékute fez o conselho dos mais velhos dar a penalidade de morte a quem queimasse a mata
sagrada.

Entre os homens do conselho encontrava-se uma pessoa chamada Ákùko, palavra que,
futuramente, viria significar galo. Era de uma família bem conhecida e muito respeitada por
suas ações e generosidade com todos. Seus campos eram bem conservados, mesmo dividindo
a responsabilidade de defesa da cidade. Certo dia, Àkuko estava andando por um caminho do
outro lado da cidade, quando observou dois meninos pequenos chorando juntos. Àkùko
perguntou o que havia acontecido. No início eles ficaram receosos de falar, mas diante da
insistência resolveram contar o que havia acontecido:

– Estávamos indo para Ówò, para fazenda de nossos pais, levando cinzas para que eles
pudessem ter fogo. De repente, um vento forte bateu em cima da gente, soprando cinzas para
dentro da mata de Elékute, provocando uma queimada. Agora, nós seremos punidos!

Àkùko ouviu atentamente e ficou preocupado. Eles não tinham intenção de queimar a mata
sagrada, mas isso não seria levado em consideração porque a penalidade não isenta ninguém,
nem mesmo crianças. E conclui: Será que estes meninos poderão suplicar sua inocência?
Após ter pensado muito, disse a eles que voltassem à cidade e não contassem nada a
ninguém. Pediu que lhe entregassem o que havia restado das cinzas em direção a fazenda de
seus pais. E em seguida, Ákúko voltou para a cidade.

A essa altura, a notícia de que a mata de Elékute havia sido queimada já tinha chegado aos
ouvidos de todos. Àkùko foi até a casa do chefe da comunidade e disse:

– Aconteceu uma coisa lamentável. Eu estava carregando as cinzas para os meus campos
quando um vento forte soprou as faíscas para a mata de Elékute. Eu não tinha intenção de
prejudicar a cidade.

O chefe respondeu:

– Isto é um assunto muito sério.

Convocou então todos os conselheiros para uma reunião, relatando o ocorrido.


Os conselheiros disseram:

– Deixem o próprio Akùko falar.

Tomando a palavra, Àkùko declarou:

– Todo povo de Òwò conhece minha família. Nós nunca causamos qualquer dano à
comunidade e ajudamos a todos que algum dia precisaram de nós. Eu estava saindo para os
campos coma as cinzas, quando um vento soprou de cima espalhando as cinzas. Eu sou o
senhor dos ventos? Não! Claro que não. O vento soprou as cinzas carrengando para mata. Eu
já fiz alguma coisa contra o bem estar de Ówò? Vamos esquecer este acontecimento e
continuar a nossa vida.

Um dos mais velhos replicou:

– Calma, vamos devagar. Deixe-nos considerar melhor o assunto.

Discutiram a situação e chegaram a conclusão de que havia sido um crime sério queimar as
matas sagradas. Decretou-se então, que quem quer que fosse deveria morrer pela forca.

– Você, Àkùko, não estava na reunião quando foi decidido isto? Agora você diz para
esquecermos tudo? Você carregava as cinzas, mas era sua a responsabilidade de que
nenhuma faísca escapasse. Quando concordamos sobre a penalidade, falou-se que a punição
seria somente para a espécie de pessoa e não para outra?

Alguns ponderaram a favor de Ákúko:

– Devemos considerar que ele tem sido generoso em nossa cidade. Muitos já receberam
sementes de seu celeiro para plantar nos campos. Quem não tem bebido vinho de palma com
Ákùko? Ele não tem distribuído donativos nos festivais? Quando o inimigo nos ataca ele não
pega suas armas e nos defende? O que existe para falar dele são somente as faíscas que
flutuam ao vento para a mata do Elékute? Propomos considerar esta questão com moderação.

Diante desta exposição, tomaram uma decisão: Em consideração ao bom nome de Ákúko,
estabeleceram uma multa de 2.400 búzios que deveria ser paga ata o quinto dia da semana
seguinte. Caso contrário, ele seria enforcado.

Àkùko ficou confuso:

– Onde poderei obter tantos búzios assim? Nem Oba teria condições de pagar semelhante
multa!
Não tendo alternativa, saiu procura de parentes e amigos. Alguns lhe deram todo o dinheiro eu
tinham, já outros pediram empréstimos. Houve aqueles que se recusaram achando que ele
deveria ser enforcado.

Diziam:

– Só porque você é de boa família, não quer dizer que não devo pagar pelo crime.

No quinto dia do prazo, Àkùko foi até o chefe:

– Minha família me deu a riqueza que possuía. Meus amigos também , mas não o suficiente.

O chefe respondeu:

– Neste caso, a sentença é a morte.

Ao ouvi-la, o povo agarrou Àkúko amarrou-lhe os braços para trás e conduziram–no até o local
da execução.

Àkùko percebeu que o povo o queria morto e disse:

– Todos vocês esqueceram a generosidade de meu pai e de meu avô ?

Elas responderam:

– Não implore por sua vida! Seja corajoso e enfrente a morte.

E o diálogo se estabeleceu durante todo o trajeto…

– Eu vejo que vocês desejam a minha morte, mas escutem o que tenho a dizer. Eu sempre fiz
coisas boas para Òwó e em troca estou recebendo isto de vocês. Se me executarem uma
grande desgraça cairá sobre Òwò! Não haverá colheitas nos campos e a cidade não
prosperará mais. As mulheres não terão mais filhos. Se eu morrer, vocês serão os primeiros a
morrer na próxima luta contra os inimigos.

Diante destas palavras , o povo respondia:

– Você está falando demais! Suas maldições não têm sentido. Enforquem-no!
O volume de pessoas acabou se tornando um grande cortejo, tendo a frente tocadora de
atabaques, que cantavam canções que diziam:

– Enforquem Àkùko!

Disse mais uma:


– Se eu morrer, o rio correrá para cima e retornará ao lugar em que ele nasce!

O povo gargalhava, dizendo:

– Os rios nunca correm para cima!

E para não mais ouvir Àkùko falar amarraram-lhe um pano na boca. O cortejo alcançou o rio, e
ao atravessá-lo, fizeram-no pela parte mais rasa. Foi quando Àkùko parou por instantes e lavou
suas mãos e seus pés. O povo admirou-se com a quilo, mas continuaram a arrasta-lo até o
local da execução. E, lá Àkùko, foi enforcado em uma árvore.

O povo dizia:

– Bem, o assunto esta encerrado. E retornaram para suas casas.

Mas o caso não encerrou aí, pois a maldição de Ákùkò para a cidade continuava viva…

Algum tempo mais tarde, os guerreiro de Òwò foram travar luta contra o inimigo. Oge, o chefe
dos tocadores de atabaques, que tinham dito: “Enforquem Akuko!” foi o primeiro a morrer. Nos
campos da cidade, as colheitas começaram diminuir. Os homens de Òwò tornaran-se
impotentes, e a população foi diminuindo. A cidade que era próspera tornou-se seca e sem
vida. As famílias ficaram pobres.e o mais incrível foi o rio Òwó que passou a correr para cima
conforme a maldição de Ákukó. Foram feitos sacrifícios e oferendas, implorando a inversão do
curso do rio, mas seus pedidos não foram atendidos.

Com respeito a Àkùko, ele reencarnou como um galo. Mesmo hoje, após muitas gerações
toma-se grande cuidado ao se lavar as partas do galo, antes que ele seja abatido. Isso é feito
em memória do enforcamento de Ákùko, que antes de atravessar o rio lavou suas pernas.

Conclusão: O oferecimento de um galo nos ritos de sacrifício se destina, de uma maneira geral,
aos Òrisas, que indicam atividades de luta e ação. Èsù, Ògun e Sàngó costumam receber
essas aves cujas tonalidades das penas procuram ser identificadas com as cores dos Orisas.
Se for oferecido juntamente com um animal de quatro patas, galos e galinhas serão
consideradas Íbòsè, ou seja, eles calçarão as quatro patas do animal. Bò-calçar, esè-pés..
Texto: José Beniste

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