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1.1.

Análise do Conto «A MORTE DO VELHO KIPACAÇA»

A morte do velho Kipacaça é o terceiro conto que dá nome ao livro. Está


repartida em 4 partes e a sua narração tem inicio na página 31 e término na página 62.
a) Quanto à relevância

Tratando-se de um conto, apresenta uma única unidade de acção ou um só


conflito.
b) Quanto à estrutura

 Introdução:

Esta secção vai do 1º ao 5º parágrafo. Isto porque nestes parágrafos


encontramos as informações que correspondem a situação inicial da trama, ou seja,
informações concernente ao tempo, espaço, as personagens e sua situação.

Quanto ao tempo, identificamos marcas do tempo histórico. A trama que


ocorreu numa época chuvosa, embora que, não havia ainda ocorrencia de chuva e a
seca predominava naquela região.

«…Pombuiji caudaloso, riachando: (…) Plena época de chuvas, terra estala


ngó na secura. (…)»

Quanto ao espaço, a trama ocorreu na região do Bango Ya Coma.

«…Nos nossos dias tem coisas estranhas que estão acontecer aqui no Bango
ya Coma. (…)»

O conto nos apresenta várias personagens que são mencionadas ao longo da


trama. Porém, no início, temos algumas personagens mencionadas na fase
introdutória, nomeadamente: o Velho Bernardo Nikila e a Mana Kaxikela. A
situação inicial começa com um ar tenso e enigmático: a falta de chuva e a seca,
drama que envolve toda a história.Por isso, a comunidade, juntos do líder regional
(o Soba) e de outros anciãos e conselheiros, decidiram se reunir para poder encontrar
o causador e possíveis soluções do problema.

«…Eh. Onde é que já se viu, enh, desde Setembro, enh, que não tem chuva?
Os animais estão a morrer ngó, as lavras estão a secar ngó, a fome está a entrar
ainda nas nossas barrigas? Já viram isso?! (…)Nos nossos dias tem coisas
estranhas que estão acontecer aqui no Bango ya Coma. Temos que descobrir quem
fez isto!.»

 Desenvolvimento:

Sendo o desenvolvimento a sucessão das peripécias ou seja, onde ocorrem


factos imprevistos, incidente ou até mesmo aventura, tem início em:

«Eh. Velho Bernardo Nikila meneia cabeça afirmativamente...» e termina


em «..Homens e mulheres adormecidos pela maxaxa estão despertos: agora.
Amam’ééé» pois, aí encontramos a susseção das peripécias.

Nas comunidades tradicionais Angolanas, a presença das autoridades


tradicionais numa reunião deste caráter, justifica-se pelo facto dos mesmos serem os
detentores da sabedoria popular, das práticas ritualísticas e do misticismo.

No 5º parágrafo, nós identificamos Ngana Kapiapia a se levantar e a assumir a


palavra na reunião, e como sinal de respeito ele pede autorização ao líder regional (Man
Bernardo). Na sua explanação, ele fala a respeito de um sonho que teve, e que por sinal
possui uma ligação com o problema em questão. Percebe-se claramente a relevância que
os mais velhos atribuiam aos sonhos e que possuíam a sabedoria necessária para descobrir
a significância dos mesmos. Então, o velho Kapiapia explicou que ele sonhou com uma
Pacaça que estava a correr nas matas e nas montanhas, e que onde a Pacaça passava tudo
ardia em chamas. E, concluíu que de alguma forma o sonho estava relacionado com o
Velho Kipacaça, que até então encontrava-se desaparecido à seis meses.

«...Ngana Kapiapia, na boca dele tem sempre palavra, se levanta ngó assim
e fica claro para todos que ele, palavroso, vai palavrar. Eh! (…)Eu tive um sonho,
Man Bernardo, e no sonho sonhei uma pacaça estava a correr assim ngó à toa nas
matas e montanhas e onde a pacaça estava a passar estava a incendiar...(…) a
pacaça estava então a arder e a correr assim.Onde a pacaça estava a passar tudo
estava então a arder. Eh! E depois já tudo tinha fogo, muito fogo (…) Eu estive assim
a pensar, a pensar assim no meu pensamento a razão deste sonho. Eh. Pensei, pensei,
pensei ngó e vi a casa do Velho Kipacaça. Eh. Faz hoje seis meses que o Velho
Kipacaça foi e não veio…»

Então, a comunidade se apercebeu do sumisso do Velho Kipacaça, e não


sabiam se este desaperecimento devia-se a sua morte ou somente pela sua
peregrinação nas matas. Porém, na sabedoria dos mais velhos, havia muitas chances
de que o desaparecimento do velho Kipacaça devia-se a sua morte, visto que eles
alegavam que o desaparecimento de um caçador na comunidade, pode originar numa
desgraça (azar), sendo que a tradição confirma que quando um caçador morre, e o
seu corpo não for entregue no Pupangombe (deusa da caça e protetora dos caçadores),
a alma do caçador fica a perambular por aí e a aparecer na comunidade a pedir o
acerto de contas.

No entanto, fazendo uma análise do sonho que o velho Kapiapia teve,


conseguimos perceber que a Pacaça que corria à toa nas matas e nas montanhas,
tratava-se da alma do velho Kipacaça que estava a perambular por aí, e o fogo que
queimava todos os lugares onde a Pacaça corria, tratava-se então das chuvas que não
caíam na região, e que por conseguinte originou na seca que assolava a região. Então,
podemos concluir que possivelmente o velho Kipacaça estava morto.

«…Ngana Kapiapia falou mbora certo. Eh. Na nossa tradição é azar


quando um caçador vai ngó na caça e não volta da caça. Se caçador morre em
qualquer parte e corpo dele caçador não está aparecer para lhe entregar no
Pupangombe, eh! Eh! Eh!, a alma dele fica ngó sempre a passear, a passear, a
passear e alma dele nos aparece assim um dia a nos pedir contas! Eh! O Velho
Kipacaça foi e o Velho Kipacaça ainda não voltou…»

Neste caso, a comunidade já tinha uma ideia do que viria a ser a causa da
ausencia das chuvas na região, mas como último recurso, decidiram ir ter com o
Velho Kufula, que era o Kimbandeiro ou Adivinho da região, para dar o veredito
final, relativamente sobre o desaparecimento do Velho Kipacaça e se o seu
desaparecimento tinha ligação com a ausência da chuva. Sendo assim, o Velho
Bernardo, elegeu alguns anciãos para irem até a Lamanda, onde se encontrava
localizado o Velho Kufuca e as pessoas que o velho escolheu são: Kiuala, Kaxikela
e o Velho Kapiapia.

«…– Sim senhor. Eh. O Velho Kufuca é a única pessoa que pode nos
adivinhar onde é que está o velho Kipaca e também se é por causa do Velho Kipaca
não voltar que a chuva não tem mais chuva… (…) Vamos indicar quem vai ir lá no
velho Kufuca… (…) - Eh. Kiuala…-Eh. Kaxiquela…Ngana Kapiapia…»
Na segunda parte da trama, vimos percebe-se claramente que ordenaram alguns homens
para fazer uma busca nas matas, para encontrar o velho Kipacaça. E, na acomunidade,
que sofria no silêncio era a Mana Teresa, esposa do Velho Kipacaça que não conseguia
dormir faz sete noites aguardando os homens que fora a procura do velho Kipacaça, na
esperança de que o trariam de volta com vida. Porém, os homens não obtiveram sucesso
e quando regressaram, Mana Teresa pós-se a chorar e lembrou da última vez que viu o
seu marido, quando este foi a caça, lembrou também do sonho que teve.

«…Tinha sete noites que Mana Teresa não estava a dormir. (…) Mana
Teresa, eh, apesar da distãncia, tinha enxergado: os homens! Vinham em fila,
extenuados, tenuamente andando, passo lento, assim em silêncio. (...) Mana Teresa
despregou ngó passo e zás correu assm na direção dos homens.(…) Mais tarde:
contaram. Eh, Andaram todos caminhos, andarilharam sete partidas, montanharam
subidas e descidas, se banharam fugas desordenadas, se perderam sete vezes e sete
vezes se deram reencontro. Kipacaça, nada! Não lhe deram com ele. E as lágrimas
vieram então a desatar o nó: o choro.(…)Eh! Mana Teresa, toda lagrimosa, lembrou
ainda naquele dia quando Kipacaça foi na caça. (…) – Kipacaça! Sonhei um sonho!
»

Na terceira parte da trama, os velhos Kiuala, Kaxiquela e Kapiapia,


chegaram na casa do velho Kufuca, o suposto adivinho.

«…Cachimba lento, fumante: à sombra.(…)Repousando: o velho. Eh!


Respeitosamente a Velha Kaxikela se aproxima ngó, toma bênção e anuncia: viemos
te falrar. Os outros estão lá fora. Eh!»

Depois disso, o velho os recebeu e os congregou num círculo e lá começou


a fazer os seus rituais. Velha Kaxikela desconfiava do velho Kapiapia, e o mesmo já
se encontrava nervoso com a vontade de abandonar o espaço, dando indicativo de
que ele estava envolvido na morte do velho Kipacaça. Porém, o Velho Kufuca
ordenou que ninguém deveria sair enquanto não se descobrisse o responsável da
morte do Velho Kipacaça.

«Eh. Tem gestos lentos: o velho. Kufuca no centro do círculo, sereno,


acende o fogo, lhe deita pó, remexe ngó saquitos embrulhados. Olha no espelho e
abana a cabeça. Eh! Franze a testa e fala qualquer coisa imperceptível. E depois
percorre com o olhar todos presentes. (…) Todos se inquietam ngó. Eh! Kapiapia
está a pedir licença: quero ir lá fora desvaziar. –Ninguém pode sair sem eu falar
quem matou o Velho Kipacaça.»

Por fim, o velho descobriu quem matou o Velho Kipacaça. Tratava-se do


Velho Kipiapia. O velho Kipiapia tentou se defender alegando que não matou, mas
o velho Kufuca insistiu e lhe acusar. Então o velho Kipiapia recorreu numa última
alternativa que seria beber bulungo, todos concordaram em beber o bulungo.

O bulungo é uma espécie de pó feito de raízes, misturado com vários


ingredientes com poderes sobrenaturais que determinam a causa de certos males. É
dado a beber ao réu, ao queixoso ou àquele que for cúmplice ou culpado; quem não
for culpado começa a espirrar, sinónimo de inocência. Muitas vezes, para se evitar
qualquer má disposição das pessoas que o ingerem, o bulungo é dado a beber a duas
galinhas. A galinha do culpado morre imediatamente. Tento dado o bulungo ao réu,
no caso o velho Kipiapia e na queixosa, a velha Kaxikela, ambos espirram; sinal de
que ambos eram inocentes. Porém, sugeriram ainda que dessem os bulungos nas
galinhas; e assim que fizeram este procedimento, a galinha que pertencia a velha
Kaxikele não morreu, porém a galinha do velho Kipiapia acabou por morrer, dando
o indicativo de que o Velho Kipiapia era o culpado e verdadeiro assassino do Velho
Kipacaça. E, todos deram surra no velho Kipiapia que acabou por falecer.

«- Quem que matou o Velho Kipacaça foi você! – Kufuca martela palavras
em tom furioso. Kipiapia não estava a levantar a cabeça. Eh! Eh! Eh! (…) – Eu juro
mesmo na minha palavra d´honra eu estou inocente. Eu não matei ninguém. Eu, eu
não fui eu que matei o velho Kipacaça. Eu não matei ninguém nunca. Para a gente
saber quem que matou o Velho Kipacaça é melhor mesmo a gente beber bulungo.
(…) - Vamos ngó beber bulungo! – Kufuca toma voz. (…) Todos beberam. Todos
começam ngó a espirrar assim: atchim! atchim! atchim! Até Kapiapia também assim
fez atchim! Desconfiado, Kufuca se aproxima dele e Kapiapia, com toda força, assim
fez atchim. (…) – Bom, todos fizeram atchim. Agora vamos descobrir nas galinhas:
(…) Kufuca dá bulungo na galinha da Velha Kaxikela e dá ngó na galinha de
Kapiapia. Tem poucos minutos passados e galinha da Velha Kaxikela está a vivere
quem está a morrer é a galinha de Kapiapia. (…) – Quem que matou Velho Kipacaça
foi você mesmo Kipiapia! – vitorioso, Kufuca puxa anzol e vem o peixe. (…) – Noite
esá vir calma. Kapiapia, corpo dele ao relento. Os corvos levam para lá das
montanhas o sopro: soprante.»
Portanto, na quarta parte, vimos que estava a se realizar o óbito do velho
Kipacaça, onde tinha bebida, músicas, as pessoas vinham de outras aldeias pra poder
contemplar o óbido do malogrado caçador que era famoso por seu ofício. Alguns
amigos recordavam dos momentos que tiveram com o mesmo e entoavam canções
que traziam a memória as memórias do grande caçador que foi o Velho Kipacaça.
Então, o Velho Bernardo, fez um ritual, pedindo para que Pupangombe (a deusa da
caça), descesse no meio da roda de dança e para que trazesse os espíritos
propiciadores de força que acompanhavam o velho Kipacaça para entrar no filho
dele. Em pouco tempo, o ritu aconteceu conforme o esperado e o filho do Velho
Kipacaça se tornou no novo Kipacaça da aldeia. E, os habitantes de outras regiões
continuavam a aparecer no óbito, dançavam e cantavam.

«…Oh Pupangombe, eu Velho Bernardo Nikila aqui mesmo presente, filho


do grande soba Nikila, tenho a honra de no nome de todo este povo aqui presente,
parentes e amigos e companheiros de caça do finado Kipacaça, eu mesmo aqui
presente te peço oh Pupangombe que faças ainda descer os jihui do Velho Kipacaça
ausente e que desçam e entrem no espírito deste jovem que aqui está presente.
Katumbila, filho mais velho Kipacaça está ao lado do Vlho Bernardo Nikila, no
centro da roda. Traz tanga de pele de zebra, colares no pescoço descendo aonda até
no meio do peito, argolas artelhadas nos tornozelos e numa mão uma lança.
Katumbila, antes da cerimônia, foram lhe buscar no tambo do pai onde estava com
alguns velhos: orando. (…) Oh Pupangombe! Oh Pupangombe! Faça ainda dscer os
jihui do Velho Kipacaça e entrar no espírito do filho dele mais velho, Katumbila
nome dele, aqui está presente, que nós queremos seja ngó o continuador da obra do
grande Kipacaça, (…) Velho Bernardo Nikila, ainda em transe, tem lengue na
cabeça, Katumbila, agora com os jihui do pai, se levanta ngó de lengue na cabeça
empunhando um kua e canjavite, e transitando, sem transe, fala sereno e em voz alta:
- Eu sou o novo Kipacaça, Rei da Mata, caçador de todas as caçadas…»

 Conclusão:

A conclusão começa em «Inesperadamente surge fogueira grande se


alastrando » termina em «E o Velho Kipacaça entrou na roda dançante.».
Logo, depois de se resolver o enígma, no final, o espírito do Velho Kipacaça
a aparece para dar fim a toda história e confirmar a sua morte e o seu filho Katumbila
como o seu sucessor como o Rei das matas.

«Inesperadamente surge fogueira grande se alastrando. (…) Em cima da


pacaça está está um homem: é o Velho Kipacaça! Ehé! Ehé! Ehé! Mam´é! Tem na
volta dele auréola lizidia.(…) Cantem em memória do Kipacaça, Rei da Mata,
campeão de tiro caçante, dono da caçada, o Rei dos caçadores. Cantem e dancem!
Kuatiça ó ngoma! Eu estou morto!!! Katumbila é o novo Kipacaça! E o Velho
Kipacaça entrou na roda dançante.»

c) Quanto à organização

Apesar do conto estar dividido em 4 partes, o modo de organização das sequências


narrativas é por encadeamento, porque, o conto segue uma ordem cronológica linear em
que o final de um ponto é o ponto de partida do outro. Podemos constatar nos trecho
seguintes:

«Pombuiji caudaloso, riachando: tem riacho ngó.» ( 1° parágrafo) a sua sequência nos
parágrafos seguintes : «Respeitosamente. Na chegada dele todos se levantam, velho
Bernardo Nikila mira autoritário assistência e começa então:»

O final de cada parte do conto é o ponto de partida da outra, ou seja , A primeira parte,
apresenta a situação inicial onde o povo decide invertigar sobre o desaparecimento do
velho kipacaça, e termina onde o povo decide ir até ao soba para descubrir e
eventualmente velho Kapiapia é suspeito de matar o velho e vimos um pouco daquilo que
é o seu caracter. Na segunda parte, dá sequência mostrando o estado emocional da mulher
do velho Kipacaça com o seu desaparecimento relembrando do sonho que teve e alguns
momento antes dele partir. Na terceira parte, o povo vai até ao soba e lá descobre-se que
o velho kipacaça foi morto por velho Kapiapia e algumas atitudes são tomadas. A quarta
parte dá sequência ou seja, é o momento do funeral do velho Kipacaça

Quanto à delimitação

A acção é fechada porque ela foi totalmente solucionada. Visto que, segundo
a tradição, a escassez de chuva foi um fenómeno que ocorreu porque o corpo do
renomado caçador Kipacaça que estava morto, não tinha sido entregue à
Pupangombe (deusa da caça), e que por sinal isso se tornou uma maldição para aquela
toda região. Porém, a trama foi solucionada porque se descobriu que o velho
Kipacaça estava morto, fizeram o ritual à Pupangombe, descobriram o assassino, e
no final ainda vimos o velho a se manifestar e a encerrar a trama.

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