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41º Encontro Anual da ANPOCS;

GT20 – Os direitos dos povos indígenas e de outras populações tradicionais e as políticas


do Estado: eixos de desenvolvimento e resistências sociais na América Latina

O guarda e a cerca: projetos de energia eólica e regulação das condutas territoriais no


Litoral do Piauí

Francisco Raphael Cruz Maurício


1

O guarda e a cerca: projetos de energia eólica e regulação das condutas territoriais


no Litoral do Piauí

Francisco Raphael Cruz Maurício (PPGS/UFC)


CAPES

PRÓLOGO

A profecia1

“Como era a profecia?”. Perguntei para Eli. “Que os príncipes falsos vinham do
meio do mar trocando rosário bento por rosário de ouro. Era o dinheiro deles
comprando as nossas casas”. Contou-me e continuou. “Meu avô dizia essa profecia de
Frei Damião, né? Príncipes falsos comprando, vendendo e trocando. Rosário de ouro é o
dinheiro e o outro são nossas humildes casas”. Era um final de tarde de vento forte, já
estávamos nos despedindo quando Eli contou a profecia de seu finado avô que viu o
futuro da Pedra do Sal.
“E uma coisa que eu observo também Raphael, quando terminar tudo, quado eles
acabarem de destruir tudo, aí a gente também não vai entrar aí não. Tu sabia disso? A
gente também não vai entrar aí não”. Falou Eli com seu jeito de quem está segura do que
afirma. “Porque a ilha do caju, eu me criei com aqueles pedaços de camurupim, que eu
te falei, meu pai pegou foi lá. Eu fui criada com a ova do camurupim. Meu pai chegava e
dizia, olha aqui meus filhos, isso aqui é pra vocês. E cada qual com seu espeto naquele
fogo, aquela tranquilidade”. Seu pai era mencionado em nossas conversas quando um
tempo que não existe mais era evocado, um tempo de fartura, de camurupim, de
refeições em família ao redor da fogueira. Lembranças de uma vida de tranquilidade, que
ela compartilhou comigo.
“Hoje lá na praia é cercado. E cada guarda tem um rifle. Se entrar morre. E no
futuro aqui vai ser assim também”. Seu finado avô havia profetizado o futuro há muito
tempo, e, agora, Eli em frente a sua casa nesse lugar esquecido que é a Pedra do Sal,
apresentava-me sua própria profecia.
A vida de tranquilidade passou a encontrar dificuldade a partir de 2008 quando os

1 Expressões e categorias nativas aparecem em itálico durante o texto.


2

primeiros cataventos foram instalados no lado brabo da praia da Pedra do Sal, o lado em
que o mar se agita com ondas fortes que batem nos rochedos respingando água pro céu, o
preferido do surfista que frequenta o lugar. A partir de 2013, mais cataventos chegaram e,
além do lado brabo, passaram a ocupar o lado manso, onde a canoa do pescador
descansa e onde fica o banhista mais sossegado que vêm de Parnaíba no final de semana.
Também tem cataventos na área de mata, para onde Eli vai com o marido Fábio ou o
sobrinho Wanderson pegar caju de manhã cedo.
Em sua cozinha, que ela diz ser de pobre, porque fica do lado de fora da casa, é
onde Eli prepara o licor de caju que vende na comunidade e na cidade de Parnaíba.
Quando nos despedimos, deu-me uma garrafa e instruções para beber. “Você não beba
muito de uma vez. O licor não tem álcool, mas embriaga porque é fermentado”. Agradeci
pelo licor e disse que retribuiria o presente de alguma forma. Ela disse para eu não me
preocupar com isso.

Um “fato histórico”

Foram nesses termos, em 2016, oito anos após os primeiros cataventos chegarem,
que Eli falou-me sobre a Pedra do Sal, as cercas e os guardas, os empreendimentos e os
empresários das eólicas. Parecia que os príncipes falsos profetizados pelo seu avô
finalmente haviam chegado e que não estava mais ali a vida de tranquilidade e fartura do
tempo de seu pai. Aquela mulher criada com a ova do camurupim lida com uma situação
que para seu avô era apenas uma profecia, mas para ela é o presente e anuncia-se como o
futuro.
Uma central eólica começou a ser instalada na Pedra do Sal a partir de agosto de
2008 pela Engie, uma empresa franco-belga2. Em 2014, a Omega Energia iniciou sua
própria central geradora. Quase uma década depois, entre casas e lagoas, dunas e
mangues, carnaubais e cajueiros, vários aerogeradores de 90 metros com grandes hélices3
ocupam vasta área da porção Norte de Ilha Grande de Santa Izabel, bairro não continental
do município de Parnaíba, onde está localizada a Pedra do Sal.

2 Após negociações no mercado financeiro, a empresa Tractebel tornou-se Engie, mas continua integrando o grupo
Suez.
3 Para se ter uma ideia da altura dessas turbinas de produção de energia eólica localizadas na Pedra do Sal, seus 90
metros equivalem a altura de um prédio de 29 andares.
3

A Central Eólica Pedra do Sal e o Complexo Eólico Delta do Parnaíba 4 produzem


energia elétrica a partir da força do vento constante do lugar que é captado por
aerogeradores. Através de linhas de transmissão subterrânea de até 34 quilômetros, as
diferentes empresas fornecem energia para a Companhia Energética do Piauí, localizada
na cidade de Parnaíba.
Os empreendimentos de geração de energia eólica foram viabilizados por
incentivos legais e econômicos dos governos municipal, estadual, federal e pelo
arrendamento das terras do lugar às empresas de energia por uma família de políticos, os
Silva. Para se ter uma ideia da posição social desta família no estado do Piauí, basta
lembrar que a rede de parentesco dos Silva remonta a membros ocupando cargos
militares e administrativos nos períodos colonial e imperial na, então, Vila de Parnaíba
(MENDES, 1996) até cargos de prefeito, governador, deputado durante a atual fase da
República.
A Pedra do Sal foi o primeiro lugar do estado do Piauí a produzir energia elétrica
a partir de fonte eólica. O prefeito de Parnaíba José Hamilton Furtado Castelo Branco, do
Partido Trabalhista Brasileiro, agradeceu os apoios do governador Wellington Dias e do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ambos do Partido dos Trabalhadores, pela
viabilização da primeira usina eólica do estado. Para o governador, “a primeira usina
movida pela força dos ventos que produz energia limpa no Piauí” foi um “fato histórico”.
Mesmo sendo um local de produção de energia elétrica, falta luz durante alguns dias na
casa do morador da Pedra do Sal.

INTRODUÇÃO

A aquisição de terras por empresas multinacionais do ramo de energia a partir dos

4 A Central Eólica Pedra do Sal, pertencente a franco-canadense Engie, possui capacidade instalada de 18 MW, 20
aerogeradores Wobben Enercon E-44O e uma linha de transmissão de 24,5Km (Sítio eletrônico da Engie). O
Complexo da Omega é formado pelas Centrais Eólicas Porto Parnaíba (30MW), Porto das Barcas (20 MW) e
Porto Salgado (20MW) somando-se trinta e cinco Unidades Geradoras de 2.000 kW, totalizando 70.000 kW de
capacidade instalada e 15.000 kW médios de garantia física de energia (21,4%), sistema elétrico interno de média
tensão (34,5kV), Linha de Transmissão em 138 kV com cerca de trinta e quatro quilômetros de extensão em
circuito simples, interligando a Subestação Elevadora ao Barramento de 138 kV da Subestação 138kV Tabuleiros
II, de propriedade da CEPISA. Cada central é dividida em duas unidades, onde cada uma delas é composta de 04 a
09 aerogeradores de 2.000kW cada (totalizando 55 aerogeradores). Os aerogeradores instalados no Complexo
Eólico são da marca Gamesa, modelo G97, com potência nominal de 2MW. O equipamento capta a energia dos
ventos a partir de uma velocidade mínima (3 m/s), gerando energia mecânica, que é convertida em energia elétrica
e logo após transferida para a rede de média tensão do parque (NETO, 2016, p. 03).
4

anos 2000 na comunidade Pedra do Sal, localizada no litoral do Piauí, tem incidido sobre
a relação dos moradores com o território que tradicionalmente ocupam5. Após a
implantação dos empreendimentos, surgiram tentativas de regulação do uso comum da
terra realizado por pescadores, extrativistas e agricultores na referida comunidade.
Meu objetivo é compreender a interação entre essa regulação, as condutas
territoriais (LITTLE, 2002) e as moralidades (WOORTMANN, 1987) dos moradores. O
objeto de análise são as “formas de regulação das condutas territoriais”, representadas
pelo cercamento e vigilância de matas e lagoas em terras percebidas pelo morador como
de uso comum (ALMEIDA, 2008). Num contexto de açambarcamento de terras, os
moradores têm acionado “formas cotidianas de resistência camponesa” (SCOTT, 2002;
2013) como o corte de cerca e a pesca em lagoa localizada na área do empreendimento
para manter o acesso as terras e o uso comum dos recursos naturais.
A observação participante e as entrevistas com os moradores da Pedra do Sal,
durante o trabalho de campo entre os anos de 2015 e 2016, produziram os dados para a
discussão desse artigo. O processo de instalação dos empreendimentos, as formas de
regulação da conduta territorial e as formas cotidianas de resistência dos moradores são
descritas e analisadas a partir dos dados do trabalho de campo.
O locus do estudo é a comunidade Pedra do Sal, localizada no município de
Parnaíba, no litoral do Piauí e distante 340 km da capital Teresina. A comunidade é
constituída por cerca de 190 famílias que vivem da pesca artesanal no mar e em lagoas,
da agricultura de subsistência, do extrativismo vegetal, da criação de gado e da venda de
frutos e alimentos na praia.

CORRIDA GLOBAL POR TERRAS

Autores da economia política agrária tem usado termos como “land rush” e “land
grabbing” para caracterizar o fenômeno de açambarcamento de terras ocupadas por
camponeses e povos tradicionais em países da África, Ásia e América Latina por
investidores internacionais a partir da crise financeira de 2008. Em 2006, os bancos já se
preocupavam com os sinais da crise financeira que em breve eclodiria (SASSEN, 2016,

5 Para os fins desse artigo, optou-se por concentrar-se na interação entre os moradores do lugar com os
empreendimentos de energia eólica. Contudo, na área estudada existem empreendimentos imobiliários turísticos
(resort de luxo) de investidores espanhóis e canadenses. Sobre a presença de empreendimentos de turismo na área,
consultar MILANO (2015).
5

100).

Uma mudança importante teve início em 2006 e foi marcada por um


rápido aumento no volume e na expansão geográfica das aquisições
estrangeiras de terra, bem como na diversidade dos compradores.
Estima-se que mais de 200 milhões de hectares de terra tenham sido
adquiridos por governos e empresas estrangeiros entre 2006 e 2011.
Grande parte das terras compradas localiza-se na África, mas uma
porção cada vez maior está na América Latina e, pela primeira vez
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em vários países da Europa e
da Ásia, principalmente Ucrânia, Laos e Vietnã. Os compradores estão
cada vez mais diversificados: são originários de países que vão desde a
China até a Suécia, e são empresas de setores tão diferentes quanto a
biotecnologia e as finanças (SASSEN, 2016, p. 99).

White et al afirmam que em 2010, o Banco Mundial fez a uma avaliação sobre
“terras disponíveis” no mundo e concluiu que

A área atualmente não cultivada adequada para o cultivo que não é


florestal, não protegida e povoada com menos de 25 pessoas/km2
representa 446 milhões de hectares. Isso equivale a quase um terço da
terra mundialmente cultivada, que é de 1,5 bilhão de ha (WHITE et el,
2012, p. 632).

White et al afirmam ainda que a justificativa para investimentos em larga escala


em terras é apresentada em torno de uma série de “narrativas de crise”, ligadas à escassez
crescente e a uma catástrofe iminente. O pressuposto subjacente é que a solução de tais
“crises” alimentares, energéticas e climáticas consiste em capturar os potenciais das
chamadas terras “marginais, vazias e disponíveis” em todo o mundo (2012, p. 631). Com
maior frequência esse açambarcamento de terras ocorre em situações nas quais a
população local não tem direitos formais sobre a terra, mas também ocorrem em toda a
gama de regimes de direitos de propriedade: terras públicas, terras de uso comum e terras
privadas, inclusive em muitas terras de reforma agrária (WHITE et al, 2012, p. 637).

ENERGIA EÓLICA E AÇAMBARCAMENTO DE TERRAS

Dentre os desafios a serem superados pelos proponentes da energia eólica está o


que Dutra chama de “densidade energética”.

Densidade energética – A fonte natural de uma determinada Fonte


Alternativa Energia pode apresentar uma baixa densidade energética.
6

No caso da energia eólica, a massa de ar específica é muito baixa (1,25


kg/m3 contra cerca de 1.000 kg/m3 da água, por exemplo) acarretando
a necessidade de uma grande área para geração de energia além do
espaçamento entre elas para que o efeito de captação do fluxo de ar seja
o menos turbulento possível (2007, p. 02)

Quando mais baixa a densidade energética de uma fonte, maior é a área que ela
demanda para produzir energia. A geração de energia eólica demanda uma “grande área”,
como diz o autor. Além disso, é necessário um espaçamento entre os aerogeradores para
que não haja turbulência na infraestrutura durante a captação do fluxo de ar. Nesse
sentido, a implantação de parques eólicos demanda uma grande quantidade não só de
vento no lugar, mas também uma grande quantidade de terra disponível para a
implantação da infraestrutura de captação, geração e distribuição de energia.

Os parques eólicos (…) ganharam um imenso impulso nos últimos


anos, na medida em que se argumenta que é o mercado de crescimento
mais rápido em comparação com qualquer outra energia renovável. No
entanto, os requisitos variados de velocidade do vento, terra e
espaçamento tornam esta área de tecnologia renovável – intensiva e
irregular para a produção de eletricidade. Os moinhos de vento
terrestres geralmente ocupam 0,05 milhas por quilômetro quadrado em
média, enquanto o agrupamento de plantas em parques eólicos pode
aumentar até 9 milhas/km2 em média. Com uma densidade de potência
compreendida entre 0,5 e 1,5 W / m2 e uma ampla gama de previsões
de capacidade instalada, os requisitos são grandes. Com base em
previsões contemporâneas, estimativas mais elevadas exigiriam uma
cobertura de área para instalações de energia eólica que atinjam cerca
de 161 milhões de hectares. Isso corresponde a uma área seis vezes
maior que a da Grã-Bretanha (SCHEIDEL; SORMAN, 2012, p. 591).

A partir de uma perspectiva biofísica, Scheidel e Sorman (2012) exploraram a


relação entre a diminuição dos estoques fósseis e a transição global para as energias
renováveis como algo que demanda uma corrida por terra. Isso porque, a transição de um
sistema de energia baseado em estoques fósseis, com altas densidades de potência, para
um baseado em renováveis, com baixas densidades de energia, aumenta drasticamente a
demanda por terras (p. 588).
Segundo os autores, isso leva diretamente a corrida por terra através de aquisições
de terras para expansão de sistemas de energia. Embora atualmente os estoques fósseis
ainda sejam relativamente abundantes, as futuras quedas são esperadas para desencadear
a demanda por terrenos até maiores. Eles acreditam que a transição energética de fontes
7

fósseis para renováveis é inevitável, o que prolongará o fenômeno da corrida por terras
(land rush), com consequências para o uso da terra e para as lutas pelo acesso à terra
(SCHEIDEL; SORMAN, 2012, p. 588).

O PROINFA E A EXPANSÃO DA ENERGIA EÓLICA NO NORDESTE

O estabelecimento do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia


Elétrica (PROINFA), através da Lei de nº 10.438 (15 de abril de 2002), modificada pela
Lei 10.726 (11 de novembro de 2003) e regulamentada pelo decreto 5.025 de março de
2004 (DUTRA; SZKLO, s/d, p. 856), tem como objetivo aumentar a participação da
energia elétrica produzida por empreendimentos concebidos com base em fontes eólica,
pequenas centrais hidrelétrica (PCH) e biomassa, no Sistema Interligado Brasileiro6.
Outras metas almejadas pelo programa são diversificar a matriz energética nacional
através da instalação de 3.300 MW de capacidade de geração a partir das fontes
classificadas como renováveis citadas acima, e, em até 20 anos, atender a 10% do
consumo de energia elétrica do país (Eletrobrás, 2007, p. 02-03)7.
O PROINFA é um estímulo para investidores nacionais e estrangeiros iniciarem
projetos de geração de energia elétrica de fonte eólica (BEZERRA, 2016 p. 40). Entre os
fatores atrativos para investidores estão a compra de energia pela Eletrobrás para projetos
com contrato para 20 anos e os mecanismos de subsídios para investimentos ao
disponibilizar linhas especiais do BNDES para projetos selecionados pelo PROINFA
(DUTRA; SZKLO, s/d, p. 857)8. Outra fonte para empreendimentos de energia eólica foi
o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI). Para instalar-se no país o setor obteve

6 Na segunda edição do Atlas de Energia Elétrica do Brasil, encontra-se a seguinte denominação,


elaborada pela Agência Nacional de Energia Elétrica sobre o Sistema Interligado Nacional: “o Sistema
Interligado Nacional (SIN) é formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e
parte da região Norte. Com tamanho e características que permitem considerá-lo único em âmbito
mundial, o sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidrotérmico
de grande porte, com forte predominância de usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários”
(2005, p. 06).
7 O PROINFA foi antecedido pelo PROEÓLICA. Para mais informações, consultar Dutra (2007, p. 183).
8 Outros incentivos destinados a produção de energia eólica no país são: Isenção, até 2021, do Imposto Sobre
Circulação de Mercadorias (ICMS) para as operações com equipamentos e componentes para o aproveitamento
das energias solar e eólica (Convênio Confaz 101/97 e aditivos). Desconto de 80% na tarifa de uso do sistema de
transmissão/ distribuição (TUST/TUSD) para instalações com potência inferior a 30 MW (Resolução
ANEEL481/2012 e aditivos). Isenção de ICMS sobre a energia que o próprio consumidor gerar (Convênios
Confaz 16, 44, 52, 130 e 157 / 2015, firmados por vários estados). O ICMS incide somente sobre o excedente que
o consumidor demandar da rede. O mesmo vale para PIS e Cofins, mas para todos os estados (Lei 13.169, de
06/10/2015) (Ministério de Minas e Energia, 2016, p. 08).
8

140 milhões de reais em créditos subsidiados do programa9.


No documento “O investimento estrangeiro na América Latina e Caribe”, a
CEPAL afirma que no Brasil, em 2003, as empresas privadas não chegavam a responder
pela terça parte da capacidade de geração de energia, mas que em 2011, foram
responsáveis por mais da metade. O documento ressalta a chegada ao setor elétrico de
empresas especializadas em fontes de energia como eólica e solar na América Latina,
sendo o segmento das renováveis o de maior crescimento no mundo e na região,
destacando-se a energia eólica (CEPAL, 2011, p. 18).

Além da disponibilidade de recursos eólicos nestes países e das


melhoras técnicas (…), a América Latina tem sabido aproveitar o
desenvolvimento prévio destas energias na Europa. Em primeiro lugar,
por meio do investimento externo direto (IED) de empresas europeias
que desenvolveram suas aptidões nos mercados internos. Em segundo
lugar, a queda dos investimentos na Europa liberou capacidade
produtiva, o que fez diminuir notavelmente os preços dos componentes.
Como resultado, no Uruguai, Brasil e México iniciou-se a construção
de muitos projetos eólicos, oferecendo energia a preços comparáveis
com outras fontes energéticas (CEPAL, 2011, p. 19).

O Plano Decenal de Energia 2024 (PDE 2024), do MME, indica que a capacidade
instalada eólica brasileira chega a 24 GW em 2024. A Região Nordeste deverá ficar com
21,6 GW (90%). Naquele ano, a geração de energia de fonte eólica da região poderá
responder por 45% da sua geração total. Isso fará do Nordeste um exportador de energia
elétrica em 2024, diferente da atual situação de 10,4% de déficit. (MME, 2016, p. 08).
Esse prognóstico positivo da expansão do setor é resultado do crescimento da
geração de energia eólica nos últimos anos. A sua viabilidade no Brasil foi descoberta
através de um amplo processo de pesquisa do governo, do qual foi produto o Atlas do
Potencial Eólico Brasileiro, publicado em 2001 pelo Centro de Pesquisa de Energia
Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás.

o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro publicado pelo CEPEL em 2001


identifica localidades de grande potencial para o uso de energia eólica.
Grandes regiões tais como o litoral nordestino, apresentam velocidades
médias anuais superiores a 7 m/s (medidas feita a 50 m de altura)
possibilitando que projetos eólicos se tornem tecnicamente viáveis e

9 Folha de São Paulo. Subsídio do BNDES impulsionou setor de energia eólica e aérea Azul. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1725269-subsidio-do-bndes-impulsionou-setor-de-energia-
eolica-e-aerea-azul.shtml>. Acesso em 25 set 2017.
9

economicamente mais atrativos para sua implementação em grande


escala, principalmente aqueles conectados à rede elétrica (DUTRA,
2007, p. 12).

Desde o início do PROINFA, a Região Nordeste passou a receber a instalação de


empreendimentos de geração de energia eólica. Apesar de existirem parques instalados
no Sertão, o Litoral concentra a maior quantidade de aerogeradores. O Brasil possui 457
parques eólicos, com 80% deles no Nordeste. Conjuntamente, têm capacidade de
produzir 11,4 GW de energia eólica, o que equivale a uma usina de Belo Monte10.
Apesar do crescimento da geração de energia eólica na matriz energética, a
principal fonte de energia no País permanece sendo as usinas hidrelétricas de pequeno e
grande porte que durante o período de estiagem precisam do auxílio das usinas
termoelétricas. O Boletim de Monitoramento do Sistema Elétrico de junho de 2017,
registra que na matriz de produção de energia elétrica no Brasil, a fonte hidráulica
respondeu por 72,6 da produção, a fonte térmica por 19,8% (gás, carvão, petróleo,
nuclear, biomassa) e a eólica por 7,6%.
Até 2020, mais 287 parques entrarão em operação podendo gerar mais 7 GW de
eletricidade. Segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia
Eólica, o setor tem R$ 20 bilhões para investir em novos parques a cada ano. Contudo, os
investimentos serão feitos apenas quando houver necessidade de geração de mais
energia11. Existe então possibilidade positiva para a expansão da geração de energia de
fonte eólica no Brasil. Essa expansão no Litoral do Nordeste, implica um maior número
de parques eólicos nesta área tradicionalmente ocupada por populações que vivem da
pesca, do extrativismo artesanal e da agricultura familiar.
A partir de uma pesquisa no Litoral do Ceará, Gorayeb e Brannstrom, apontam
que implantação de parques eólicos tem produzidos impactos negativos sob o meio
ambiente e as populações que o habitam.
Apesar da energia eólica ser considerada uma matriz energética
“limpa”, estudos apontam que a implantação de parques eólicos no
Nordeste brasileiro está causando diversos impactos sociais e
ambientais negativos às populações que vivem no litoral. (…) Apesar

10 Jornal Nacional. Nordeste puxa a produção de energia eólica no Brasil, que bate recordes. Disponível
em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/nordeste-puxa-producao-de-energia-eolica-
no-brasil-que-bate-recordes.html>. Acesso em 25 set 2017.
11 Jornal Nacional. Nordeste puxa a produção de energia eólica no Brasil, que bate recordes. Disponível
em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/nordeste-puxa-producao-de-energia-eolica-
no-brasil-que-bate-recordes.html>. Acesso em 25 set 2017.
10

de ter sido forjado a partir de um discurso conservacionista e


regionalista, na realidade, direciona os benefícios da geração de energia
eólica para grupos externos, com ausência de retorno financeiro local e,
de forma mais agravante, causando prejuízos materiais e imateriais aos
moradores que vivem próximo às usinas instaladas. O estudo revelou
que as leis que regem o ordenamento da atividade no Brasil facilitam a
implantação dos parques eólicos em detrimento da boa aceitação
popular, sendo comumente utilizados mecanismos para “invisibilizar”
os moradores locais (2016, p. 101).

Em 2015, o Brasil assinou compromisso internacional na COP 21 de aumentar


para 33% o uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz total de energia
até 2030, aumentando a parcela de energias renováveis (além da energia hídrica) no
fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030, inclusive pelo aumento da
participação de eólica, biomassa e solar12.
A partir de um estudo no Litoral cearense, Araújo (2016) afirma que apesar de a
energia eólica ser comumente caracterizada por meios de comunicação, agências do
governo e por empreendedores do ramo de energia como uma fonte “limpa”,

A legitimidade construída no espaço público para essa fonte, que a


caracteriza como de “baixo impacto ambiental”, tem sido questionada
na escala local por populações afetadas pelos projetos de energia dita
limpa. Esses grupos sociais proferem no espaço público que a geração
de energia eólica tem sido marcada por conflitos e desigualdades
ambientais, através da distribuição desigual de benefícios e malefícios
dos projetos, bem como a sobreposição de práticas espaciais (2016, p.
344).

Existe uma vasta produção interdisciplinar de estudos na forma de artigos,


dissertações e teses que destacam as dimensões do impacto ambiental em territórios e
populações onde são instalados os empreendimentos de energia eólica, destacando-se
Meireles (2011) no estado do Ceará. Contudo, gostaria de relacionar essa expansão da
energia eólica ao território e as pessoas que o habitam por um outro ângulo. Como
tentarei demonstrar adiante, a partir da pesquisa desenvolvida na comunidade Pedra do
Sal, no Litoral do Piauí, a expansão da geração de energia eólica demanda uma grande
quantidade de terras para a instalação da infraestrutura. Nesse sentido, existe uma
demanda por território envolvida na expansão desse tipo de fonte energética.

12 Portal Brasil. Brasil é o maior gerador de energia eólica da América Latina. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2017/03/brasil-e-o-maior-gerador-de-energia-eolica-da-america-latina>.
Acesso em 25 set 2017.
11

No caso estudado, essa demanda por território produziu desapropriação de terras


no momento em que áreas tradicionalmente utilizadas pela população local passaram ao
controle e uso de empreendimentos de energia eólica. Ocorre na Pedra do Sal um novo
ordenamento do território, onde práticas costumeiras que organizavam o uso comum da
terra para atividades de subsistência são tensionadas ou transformadas pelo uso do
território para fins de geração de energia e acumulação de capital.
A seguir, destacarei a situação fundiária da área estudada como um dos “fatores
de atração” para investidores do ramo de energia eólica. O fato dos moradores não
possuírem títulos de propriedade de terra, acarretou uma situação em que os investidores
negociaram com uma família de políticos locais, os Silva, extensões do território
utilizada pelos moradores, gerando conflitos e resistências a apropriação privada das
terras e recursos de uso comum.

Empresas de energia eólica atuantes na Pedra do Sal


Engie13 Omega Energia14
Seu controle acionário é detido pela ENGIE A Omega Energia Renovável foi fundada em
Brasil Participações Ltda, que responde por 2008, é uma empresa que dedica-se à geração
68,71% do capital social da ENGIE Brasil de energia elétrica de fonte renovável. A
Energia. A ENGIE Brasil Participações Ltda é Companhia possui projetos em fase de
controlada pelo grupo franco-belga ENGIE, desenvolvimento, em fase de implantação e
maior produtor independente de energia, com fase operacional distribuídos por 15 estados
uma capacidade instalada de 117,1 GW. As brasileiros.
ações da ENGIE Brasil Energia encerraram o
primeiro trimestre de 2017 cotadas a R$ Seu portfólio é composto por Pequenas
35,37/ação, o que conferiu à Companhia valor Centrais Hidrelétricas (conhecidas como
de mercado de R$ 23,1 bilhões. PCHs), Usinas Hidrelétricas (conhecidas como
UHEs) de médio porte, e parques eólicos
A ENGIE obteve receitas de 66,6 bilhões de somando, aproximadamente, 3.600 MW
euros em 2016. Cotado nas bolsas de Paris e divididos em hidráulica (2.400 MW) e eólica
Bruxelas, o Grupo está representado nos (1.200 MW).
principais índices internacionais: CAC 40, BEL
20, DJ Euro Stoxx 50, Euronext 100, FTSE A Omega é controlada pela Tarpon – uma
Eurotop 100, MSCI Europe, DJSI World, DJSI gestora de recursos brasileira fundada em 2002
Europe e Euronext Vigeo (World 120, com, aproximadamente, R$ 8 bilhões de ativos
Eurozone 120, Europe 120 e France 20). A sob gestão atualmente – e pelo Warburg Pincus
ENGIE é signatária do Pacto Global desde seu – fundo de investimento americano com
lançamento pelo Secretário Geral das Nações investimentos superiores a US$ 40 bilhões em
Unidas, Kofi Annan, em 2000. mais de 650 companhias espalhadas por mais
de 30 países desde a sua fundação em 1966.

13 A companhia. Disponível em: <http://www.engieenergia.com.br/wps/portal/internet/a-companhia>. Acesso em: 16


de jul. 2017.
14 Quem Somos. Disponível em: http://www.omegaenergia.com.br/omega/quem-somos/. Acesso em: 23 mai. 2016.
12

BREVE PERFIL DA PEDRA DO SAL

A Pedra do Sal está localizada na porção Norte da Ilha Grande de Santa Isabel,
área não continental do município de Parnaíba, um bairro do qual comunidades como
Fazendinha e Vazantinha também fazem parte. O Litoral piauiense é classificado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como uma microrregião
pertencente a mesorregião Norte piauiense. Dentre os estados litorâneos brasileiros, o
Piauí possui o menor litoral, 66 km, ao qual pertencem os municípios de Cajueiro da
Praia, Ilha Grande do Piauí, Luís Correia e Parnaíba (IBGE, 2010).
A microrregião está inteiramente situada na Área de Proteção Ambiental do Delta
do Parnaíba. Criada no ano de 1996, a área possui 313.809 hectares e abrange os
municípios de Araióses, Água Doce, Paulino Neves e Tutóia no estado do Maranhão;
Chaval e Barroquinha no estado do Ceará; Luiz Correia, Ilha Grande, Cajueiro da Praia e
Parnaíba no estado do Piauí e, nas águas jurisdicionais dos rios Parnaíba, Timonha e
Ubatuba, além de 5 km de mar territorial (VIEIRA; LOIOLA, 2014, p. 64).
A Leste da Pedra do Sal, a uma distância aproximada de 30 km pela costa,
localiza-se o município de Luis Correia, antes chamado de Amarração. Nos rochedos a
beira mar da Pedra do Sal, está localizado o Farol, que funciona como um cartão-postal
do lugar. Ele foi inaugurado em 4 de março de 1873, é o primeiro farol do Piauí,
integrante de um plano de melhoria da iluminação costeira. Os equipamentos para o farol
chegaram em Parnaíba em 2 de maio de 1871, procedentes de Liverpool, Inglaterra
(MENDES, 1996, p. 76).
A Oeste da Pedra do Sal, na foz do Rio Parnaíba e localizada no estado do
Maranhão, está as Canárias. A construção de um farol automático naquele lugar, fez com
que em 1919 o Farol da Pedra do Sal fosse desativado. Sua lanterna foi desmontada e o
terreno, ocupado por duas casas foi vendido. Em conversas com moradores, são citadas
essas casas localizadas ao lado do farol como pertencente a uma das famílias mais
antigas do lugar, os Severo. Em 1923, atendendo à reivindicação dos pescadores da
região, o Farol foi reaceso. Em 21 de junho de 1973, foi inaugurado um novo farol na
ponta das Canárias, e o alcance do Farol da Pedra do Sal foi diminuído pela metade (5
13

milhas), mas reestabelecido pouco antes de sua eletrificação em 198715.


Há uma crônica em que o escritor maranhense Humberto de Campo (1886-1934)
relata uma visita a Pedra do Sal no século XIX e registra a presença no lugar de
pescadores e a forma que possuía suas habitações. Ela foi escrita a partir de sua visita
com a família materna durante um período de férias de três meses no ano de 1895. A
crônica chama-se Pedra do Sal e reconstrói alguns dos momentos vividos no local
quando o escritor tinha nove anos de idade. Ela compõe, com outros escritos, o livro
chamado Memórias (1983).
A seguir, apresento o trecho inicial da crônica de Campos, em que descreve
“panoramicamente” o lugar no final do século XIX.

Com a presença dos meus tios maternos ainda em Parnaíba, em 1895,


fomos passar alguns meses na Pedra do Sal, ponto desabrigado e
rochoso do estreito litoral piauiense em que fica situado o farol desse
nome, e que figura, nas cartas marítimas, sob o nome de Farol da
Amarração. Sobre uma pedra, que desafia o mar, levantava-se a torre de
ferro, cuja ascensão era feita por uma escada interior, em espiral. Sobre
outra pedra, coberta de telha, e caiada, a casa do faroleiro, cuja cozinha
era lavada, às vezes, pelas ondas mais fortes. Em frente ao farol, o
oceano largo e vário, raramente riscado por um navio costeiro, que se
arrastava pela superfície verde como uma lagarta escura e insignificante
sobre uma folha de bananeira. À direita e à esquerda as linhas de
rochedos altos, que orlavam a praia arenosa. E, para trás de tudo isso, as
dunas alvas, ligeiramente vestidas de cajueiros, e em cujas depressões
se agasalhavam pequenas casas de palha, humildes habitações de
pescadores (CAMPOS, 1983, p. 167).

O cronista faz menção as “pequenas casas de palha, humildes habitações de


pescadores”, localizadas em depressões de “dunas alvas, ligeiramente vestidas de
cajueiros”. A descrição é similar a realizada por moradores sobre o tipo de habitação
existente no passado, as casas construídas com palha de carnaúba e talo de madeira,
retirados da mata nativa. Mais do que o talento literário de Campos, interessa aqui o
registro de pescadores ocupando o território da Pedra do Sal ainda no século XIX.
Os dados do Sistema de Informação a Atenção Básica (SIAB), registram que em
2012 residiam 190 famílias e 980 habitantes entre adultos e idosos, jovens e crianças na
Pedra do Sal (BEZERRA, 2016, p. 78). A maioria da população do lugar desenvolve

15 Faróis. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=449139>.


Acesso em 23 jan 2017.
14

atividades ligadas a pesca artesanal, agricultura de subsistência e construção civil. Outras


atividades com menor participação da população são artesanato, comércio e profissões
liberais, existindo também os que dependem de aposentadoria (BEZERRA, 2016, p. 86).
Aqueles que vivem de salário mínimo, uma parte bastante reduzida da população,
recebem, em sua maioria até 1 salário mínimo (BEZERRA, 2016, p. 83).
No período de realização da pesquisa de campo na Pedra do Sal (2015-2016), os
materiais utilizados nas casas incluíam ainda a palha, mas também tijolos e telhas,
existindo casa de tijolo com cobertura de telha, casa de tijolo com cobertura de palha,
casa de taipa com cobertura de telha e casa de taipa com cobertura de palha. No mesmo
período existiam uma pré-escola, chamada pelos moradores de creche, uma escola de
Ensino Fundamental, um Posto de Saúde, comumente designado de posto, um Posto de
Atendimento Social, patrocinado pela Omega Energia, a Igreja Nossa Senhora dos
Navegantes, um cemitério comunitário, a Associação de Moradores e Pescadores da
Pedra do Sal, a Associação Comunitária da Pedra do Sal, Associação de barraqueiros, um
núcleo do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), 21 bares, 2
mercearias, e três pousadas que recebiam os turistas que pernoitavam no lugar ou
passavam o fim de semana na praia.
Em 10 de março de 1975, foi inaugurada a Ponte Simplício Dias pelo então
governador Alberto Tavares Silva (um dos donos das terras da Pedra do Sal) e pelo
ministro João Paulo dos Reis Velloso. Localizada sobre o Rio Igaraçu, um dos afluentes
do Rio Parnaíba, a ponte uni o continente a Ilha Grande de Santa Isabel, e ao município
de Ilha Grande do Piauí, anteriormente um distrito de Parnaíba chamado Morro das
Mariana O morador da Pedra do Sal vai para Parnaíba de ônibus, cuja a rota inclui as
comunidades de Fazendinha, Vazantinha e Labino. O percurso no transporte coletivo tem
duração média de quarenta minutos. O ponto final da linha de ônibus é na sorveteria O
pirata, localizada nas proximidades da Santa Casa de Misericórdia no Centro de
Parnaíba. Outros vão para a cidade de carro próprio ou moto. No passado recente, era
comum ir de bicicleta, como relatou-me Ananias e outros interlocutores.
A Praia da Pedra do Sal é dividida em dois lados por um rochedo sobre o qual se
assenta o Farol que leva o mesmo nome da praia. A Oeste do Farol está o lado manso e a
Leste está o lado brabo. É chamado de lado manso, o lado da praia no qual o mar não
possui ondas, é onde está ancorada a canoa do pescador e onde o banhista mais
sossegado vindo de Parnaíba e outros lugares permanece durante o final de semana. É por
15

este lado que os pescadores saem para o mar. O caminho pela orla do lado manso leva ao
lugar chamado de Pontal, onde não há habitações nem bares e é utilizado para pesca.
Alguns pescadores vão a pé pela orla até o Pontal e outros vão de moto ou bicicleta.
Neste lado estão instalados alguns aerogeradores da Omega Energia. O Pontal está ao
lado de foz do Rio Parnaíba e atravessando-o chega-se a cidade de Araioses no estado do
Maranhão. O lado brabo é aquele onde as ondas são agitadas e é o preferido dos
praticantes de esportes radicais como surfe e kitesurfe. Este lado da praia já sediou
campeonatos dessas modalidades de esporte. No lado brabo, está a maioria dos bares do
lugar. Eles são administrados pelos moradores. Quem caminha pela orla do lado brabo
passa pelas imediações do parque eólico da empresa Engie. Após o parque, a caminhada
leva a um braço do Rio Parnaíba que deságua no mar e do outro lado está o município
piauiense de Luis Correia.

SITUAÇÃO FUNDIÁRIA

Na Pedra do Sal existe uma complexa situação fundiária em que se combinam a


posse familiar, o uso comum de terras (nenhuma dessas duas modalidades de uso do
território possuem registro legal junto a cartórios ou ao Patrimônio da União), grandes
extensões de terras aforadas pela família Silva, terras arrendadas por esta família aos
empreendimentos de energia eólica e terras pertencentes a empreendimentos turísticos de
origem espanhola e canadense.
A chegada dos empreendimentos de turismo e energia deu origem a um mercado
de terras a partir da negociação das terras do lugar entre os Silva e os empreendedores.
Isso trouxe insegurança aos moradores que, em algumas situações, passaram a
comercializar os lotes em que moravam, mesmo sem ter a escritura da terra, para pessoas
provenientes de Parnaíba e Teresina. Como atesta as narrativas registradas durante o
trabalho de campo (2015-2016) e a crônica de Humberto de Campos sobre a Pedra do
Sal, desde, pelo menos, o século XIX existe ocupação do lugar por uma população de
pescadores. Contudo, os Silva passaram a pagar em 1921 uma taxa de ocupação, sendo
concedida a posse da terra a sete herdeiros de João Tavares de Carvalho e Silva somente
em 1989, ignorando a ocupação do território pela população local (ROCHA et al, 2015,
p. 05).
Assim, tem-se a situação em que as terras tradicionalmente ocupadas pelos
16

moradores da Pedra do Sal para moradia e atividades de subsistência como pesca,


agricultura e extrativismo vegetal foram legalmente reconhecidas como pertencentes a
família Silva, que nunca morou no local e que possuía apenas uma casa de veraneio
construída nos anos 1980.
Em 22 de abril de 1997, membros da família Silva abrem a Pedra do Sal Ltda-
ME, cuja a natureza jurídica é uma Sociedade Empresária Limitada destinada a atividade
econômica de “incorporação de empreendimentos imobiliários”, registrando um
faturamento anual de até R$360.000,0016. Em 1º de outubro de 2002, a empresa SeaWest
do Brasil Ltda foi autorizada pela ANEEL a estabelecer-se como Produtor Independente
de Energia Elétrica, mediante a implantação da central geradora eólica Pedra do Sal, com
capacidade instalada de 100.000 kW, constituída de 100 unidades aerogeradoras de 1.000
e uma linha de transmissão, com cerca de 25 km de extensão, para conexão à subestação
de Parnaíba da Companhia Energética do Piauí (CEPISA)17.
Por meio da descrição da atividade econômica envolvendo as terras da Pedra do
Sal, é possível afirmar que os Silva vem “comercializando” as terras do local desde a
segunda metade dos anos 1990. E que no início dos 2000 já haviam negociado com
empreendedores de energia eólica, ainda que a primeira Central Eólica na Pedra do Sal
viesse a funcionar apenas no ano de 2009.
Um morador relatou-me como os Silva arrendaram as terras que estão sob sua
posse legal, na forma de aforamento, para a instalação dos empreendimentos de produção
de energia eólica.
– Mas hoje a família Silva tem a renda dessas terras onde os cataventos
se instalaram?
Perguntei para Seu Ananias
– Foram eles que arrendaram para os empresários que apareceram.
Respondeu e continuou.
– É uma fortuna, é uma riqueza, Raphael, que pode se acabar porque
pra Deus nada é impossível, quando o Senhor quer ele acaba até com o
mundo dele, mas do contrário, nunca mais ele (os Silva) tem como
empobrecer. É uma fortuna o arrendamento desses cataventos aí. Muito
catavento, já que tem nas duas regiões que tem, daqui (lado manso da
praia) pra cá (lado brabo da praia) e pra cá (área de mata) e a renda é
altíssima de cada um (Entrevista com Seu Ananias, 62 anos, 3 de
setembro de 2016).

A seguir, tentarei demonstrar algumas categorias nativas dos moradores da área

16 Arquivo Empresarial. Pedra do Sal Ltda- Me Disponível em: <http://www.arquivoempresarial.com/cnpj/pedra-do-


sal-ltda-me/cw3D5gaG/>. Acesso em 02 set 2017.
17 Relatório. Disponível em: <http://www2.aneel.gov.br/cedoc/area20081329.pdf>. Acesso em 10 set 2017.
17

estuda que ordenam os usos do terreno e como a chegada dos empreendimentos de


energia eólico fez emergir um novo tipo de classificação do território.

TERRA, TERRENO E ÁREA DO EMPREENDIMENTO

As referências a terra e ao terreno, ajudaram-me a perceber como o morador da


Pedra do Sal ordena o território e organiza relações com ele. A palavra terra era
mencionada quando se falava de matas, morros, carnaubais, cajueiros, igarapés, lagoas e
mangues. A palavra terreno aparecia nas narrativas sobre a casa e seu entorno, como o
quintal, o sítio, a roça, o cercado para a criação de animal e local do estabelecimento
comercial.
O uso do terreno é regulado por relações de parentesco entre o pai e os filhos,
onde o pai é o dono do terreno e pode dividi-lo com o filho quando ele se casa ou tem
filhos. O filho ou a filha, então, estabelece moradia nas proximidades da casa do pai e
inicia um novo grupo doméstico. Em decorrência de dificuldade econômica, o pai pode
vender partes do terreno para pessoa que não é parente, geralmente parnaibano que
constrói casa de veraneio para utilizar no fim de semana ou no período de férias18.
Já a terra é percebida como da natureza, o que a aproxima da categoria teórica de
“terra de uso comum”, utilizada pelo cientista social quando refere-se a “sistemas de
posse” existentes em “terras tradicionalmente ocupadas” (ALMEIDA, 2008). A terra não
possui dono, como no caso do terreno. Ela é utilizada para colheita de fruto, pesca de
peixe na lagoa, caça de animal e retirada de madeira da mata e o banho de lagoa. Essas
práticas são organizadas por regras de convivência não possuindo regulação formal,
assemelhando-se a uma espécie de “direito consuetudinário” (ALMEIDA, 2008).
Surge na narrativa local uma reconstituição do “significado do passado no quadro
das tensões do presente” (TAUSSIG, 2010, p. 145). O passado é percebido como uma
vida tranquila – no que consiste ao uso da terra – quando comparado a atual perseguição
do empreendedor que busca regular o acesso do morador a matas e lagoas. Mas o

18 Aqui é preciso apontar que esse tipo de relação entre o pai e os filhos não se dá de maneira homogênea na área
pesquisada. Existe um fluxo de pessoas que migram em busca de trabalho em outros lugares, especialmente para a
cidade de Brasília. Nesse processo de migração, os homens trabalham na construção civil como mestre de obras,
pedreiro ou pintor de paredes, e as mulheres nas casas de família como empregada doméstica ou babá. Alguns
deles retornam a Pedra do Sal, alguns conseguem estabelecer-se com a esposa e iniciar um grupo doméstico em
terreno cedido pelo pai, outros tiveram que alugar devido a diminuição do terreno do pai e a falta de espaço para
iniciar um novo terreno devido a especulação imobiliária existente no lugar que têm atraído muitos parnaibanos e
teresinenses a comprarem terrenos na Pedra do Sal.
18

passado também é associado a pobreza e a dificuldade, um tempo em que o pobre não


possuía direitos sequer sobre sua própria casa, cujo o tamanho, a forma e os materiais
utilizados em sua construção eram regulados pela família Silva.
A referência ao presente possuí a mesma complexidade de sentidos daquela
observada nas narrativas sobre o tempo passado. O presente é narrado como o tempo de
destruição em que o empreendimento está destruindo aquilo que é da sobrevivência da
gente, como a mata, o mangue, a lagoa. Contudo, o presente também remete a chegada
dos direitos para o pescador e o lavrador, através do sindicato rural e da colônia de
pescadores, o que ajudou a afrouxar a dominação da família Silva sobre os moradores da
Pedra do Sal.
Quanto ao uso da terra e do terreno, no passado o acesso e o uso do terreno eram
regulados pela família Silva. Para aquele que buscava uma nova morada, era necessário
pedir permissão àquela família para construir uma casa, e àquele morador que possuía
alguma condição era proibido realizar bem benfeitoria, como construir uma casa de
alvenaria no lugar da casa de palha. Dessa forma, no passado, o terreno remete a um tipo
de relação de dominação exercida pela família Silva sobre o morador.

Maria: – A gente vinha de um histórico da Ilha que as pessoas não


faziam casa de telha nem de tijolo, que eles [os Silva] mandavam
queimar, derrubar, não se construía uma casa sem que se fosse pedir a
eles lá.
Raphael: – E onde é que se pedia a eles?
Maria: – Eles tinham uma casa lá na Ilha Grande de Santa Isabel, que
chamavam de Paraíso, que era uma casa do Alberto Silva, de não sei
quem, Roberto. Então as pessoas pra fazer uma casa ficavam indo dias
e dias pra lá pra pedir um lugar pra fazer uma casa (Entrevista com
Maria, 09 de abril de 2016).

Quando o morador refere-se a terra no presente, é comum falar de destruição da


mata, mangue e lagoa, causada pela instalação dos empreendimentos de energia.
Contudo, quando é narrada a relação com a terra no passado, seu uso é vinculado a uma
vida tranquila e a um viver liberto, no qual era possível andar por todo lugar sem ser
perseguido pelo empreendedor e em que a caça, a pesca, a retirada de frutos e madeira da
mata não possuía nenhuma forma de regulação exterior as práticas do morador.

Olha, uma ilha dessa é muito grande, eu num faço questão, eu num faço
não questão, dizer, vou querer esse pedaço de terra pra mim! Não quero
19

não, eu só quero viver liberto como eu comecei minha vida, só quero


viver liberto. Faço empenho de tomar terra de ninguém não, quero não.
“Vou cercar aqui essa grande área pra mim”, quero não. Eu só quero
viver liberto, sem a perseguição de nenhum empreendedor desses, só
queria viver minha vida tranquilo, liberto, podendo entrar e sair, como
se diz, toda hora que eu quisesse, podendo pescar nas minhas lagoas,
podendo pescar nos meus igarapés, podendo catar meu caranguejo, no
dia que eu quisesse meu caranguejo, nos mangues, podendo pescar na
minha praia tranquilo, podendo andar por todo lugar que eu nasci e me
criei andando tranquilo, podendo colher meus cajus, meus murici (José,
gravação da Oficina sobre regularização fundiária na Associação de
Moradores, 23 de Maio de 2015).

Essa aparente “confusão” quanto as referências ao passado e ao presente da


relação do morador com a terra e o terreno pode ser melhor compreendida quando se
analisa as relações de propriedade que existiram no lugar e os diferentes grupos que
outorgaram para si a posse legal da terra na Pedra do Sal, a família Silva no passado e os
empreendedores do ramo de energia eólica no presente.
No passado, a família Silva exercia regulação sobre o acesso e o uso do terreno –
como no caso da construção e benfeitoria da casa – mas não exercia regulação sobre a
relação do morador com a terra. Até em discurso em palanque durante o período
eleitoral, esse acesso à lagoa e frutos na Pedra do Sal era ressaltado como algo positivo
por membro da família Silva.

O pescador, a votação era deles. Eles ganhavam o voto do pescador, dos


moradores dele só em cima do poder das terras em que a gente morava.
(…) Quando ele subia no palanque, tinha os comícios,
– Povo da Ilha Grande, isso não é nosso, é de vocês. Tem o peixe.
Tinha os peixes nas lagoas, eles não mexiam nada, tirava palha, não
mexiam, nada! Aí com isso ele ganhava o teu voto. Não tinha outro pra
ganhar deles não. Era só a gente votando pra eles porque era ameaçado,
tinha medo de perder a morada (Entrevista com Seu Ananias em sua
casa, 03 de setembro de 2016).

No período da chegada dos empreendimentos, o morador já tinham controle sobre


o terreno que ocupava, não precisando da permissão dos Silva para construir ou realizar
benfeitoria na casa. Contudo, os empreendimentos passaram a tentar regular o acesso e o
uso que o morador faz da mata, lagoa e mangue. É nesse sentido que o presente das
relações com a terra é percebido como perseguição do morador e destruição daquilo que
é da sobrevivência da gente.
20

Categorias nativas de classificação do território da Pedra do Sal


Terra Terreno

Matas Casa
Lagoas Quintal/jardim/terreiro
Igarapés Roça
Mangue Sítio
Dunas Cercado para criação de animais
Pertence a natureza Estabelecimento comercial
Regulado por costumes locais Lagoa localizada nos fundos da casa
Pertencente ao grupo doméstico
Regulado por relações de parentesco

A expansão da infraestrutura de produção de energia eólica no território da Pedra


do Sal converte a terra em área do empreendimento. Isso quer dizer, o espaço de lagoa e
duna, mata e mangue utilizados pelo morador para pesca, caça e extrativismo passa a ser
um espaço ocupado por aerogeradores para a produção de energia. Nos termos de
Martins, podia-se dizer que deixam de ser “terras de trabalho” para serem “terras de
negócio”.
Essa “conversão” é operada através do cercamento e vigilância de terras
tradicionalmente utilizadas em regime de uso comum pelos moradores. As práticas de
cercar e vigiar que acompanham o funcionamento da infraestrutura de produção de
energia, buscam regular a área do empreendimento, para evitar que volte a ser utilizada
pelos moradores.
Com a “conversão” da terra em área do empreendimento, o morador é
“separado” de alguns dos seus “meios de vida”, como a mata e a lagoa. Essa separação
tem efeitos sobre o grupo doméstico, pois parte da alimentação das pessoas e dos animais
de criação provem das terras. Provem também daí os alimentos que são trocados entre os
moradores, como a troca do peixe pela fruta. E a matéria-prima para a fabricação do licor
de caju ou do artesanato que circula no comércio local (na comunidade) ou é vendido no
mercado em Parnaíba. Dessa forma, a expansão da infraestrutura de energia eólica
converte terra em área do empreendimento, retirando do morador o acesso a recursos
naturais, afetando a reprodução do pescador e do extrativista enquanto pescador e
extrativista.
Na área estudada, esse processo de separação do morador de seus “meios de
vida” não se apresenta de forma “apocalíptica”, pois ainda existem terras que não foram
21

convertidas em áreas do empreendimento. Contudo, é percebido pelo morador a


diminuição de terras disponíveis para caça, pesca e retirada de frutos. Pode-se falar de
um processo de espoliação de terras de uso comum do morador que acompanham a
instalação e a expansão da produção de energia eólica na Pedra do Sal.
Contudo, na “conversão” da terra em área do empreendimento, opera-se também
a destruição de dunas, lagoas, matas. Isso foi interpretado por um dos interlocutores
como “morte daquilo que é da sobrevivência da gente”. Assim, a desapropriação das
terras de uso comum na Pedra do Sal opera a separação do morador dos seus “meios de
vida” através do cercamento da terra e da destruição dos recursos territoriais. A
destruição ocorre na fase de instalação da infraestrutura de produção de energia,
diminuindo as terras e os recursos utilizados pelo morador. E o cercamento ocorre após a
fase de instalação, onde cercas e guardas regulam os movimentos do morador e restringe
o uso dos recursos na área do empreendimento.
Um empreendimento desse tem o quê pra mim? Como ele falou. Eu já
não tenho idade, já não sou uma pessoa bonita, já não sou uma pessoa
alta, já não tenho estudo, aí vai servir o quê? Vai ter o quê pra mim lá?
Não vai ter nada, né? Já tenho 56 anos, “rapaz esse negro já tá no fim
da vida, porque é que ele quer tá lutando?”. Mas é como ele falou, é
porque eu fico com pena. Eu fico com dó de ver destruindo aquilo de lá
de onde eu vim e daonde eu tô inté hoje, donde criei filho, neto, já
tenho até neto e ainda tenho até filho deste tamaim, mas foi de onde eu
vim. A gente fica cortado de ver que tá destruindo, né? Porque faz parte
da vida da gente. E aí tá destruindo assim por umas empresas dessas
que, cá pra nós, como disseram, não tem nada que nos interesse, não
tem nada. Até pras pessoas que tem idade, que tem estudo o suficiente
pra isso, num vai ter mermo nada. É uma pequena minoria, né? É três,
quatro, cinco. A gente vai ficar alegre com uma coisa dessas, num vai?
(José, gravação da Oficina sobre regularização fundiária na Associação
de Moradores, 23 de Maio de 2015).

O que os moradores nomeiam de área do empreendimento são porções de terras


de uso comum de onde provinham alimentos e materiais como a palha e a madeira que
passaram a ser cercadas e vigiadas, formas encontradas pelos empreendimentos de
controlar essa parte do território.

Eu já li um negócio lá, que foi encontrado um pescador no interior do


empreendimento. Da área do empreendimento. Mas só que não era no
interior não, porque a área de lagoa todos nós conhece, que a área daqui
tá demarcada lá. Tem várias lagoas pra se pescar lá. Então, isso aí vai
dar errado, porque tem é dentro e diz que é fora, e é dentro, nós prova
22

que os pés de murici tão é dentro (da área do empreendimento), porque


que não botaram fora? (Mário, gravação da Oficina sobre regularização
fundiária na Associação de Moradores, 23 de Maio de 2015).

No trecho acima, o morador contesta a existência de lagoas e muricizeiros dentro


da área do empreendimento. O que está em jogo na classificação do que está dentro e do
que está fora daquele espaço é a quem pertence o uso da terra e dos recursos, ao morador
ou ao empreendedor. O que está dentro e o que está fora da área do empreendimento
tornou-se um objeto de disputa (moral) entre moradores e empreendedores.

TERRITORIALIDADE E MORALIDADE
Alguns registros do campo sobre os diferentes usos que o morador e
empreendedor fazem da cerca, levaram-me a discussão sobre as moralidades envolvidas
na relação do morador com o território. O morador utiliza-se de cercas para delimitar o
terreno – o espaço da casa, quintal, sítio, roça – contudo, para ele não é moralmente
correto o cercamento da terra – o espaço da mata, lagos, mangue, duna, como vem sendo
realizado pelos empreendimentos de energia.
Torna-se compreensível para o observador externo os usos da cerca se tem em
mente que para o morador a terra não possui um dono, é da natureza, enquanto o terreno
é de uso apenas da família. Assim, é moralmente aceitável a derrubada de cerca posta em
área que é percebida como terra pelo morador, pois lá encontram-se recursos que são
tradicionalmente usados por ele, como peixe, frutos, madeira. Se a derrubada de cerca na
terra é uma ação legítima do ponto de vista moral, por outro lado, é legítimo pôr cerca
para delimitar o terreno de uma família em relação ao terreno do vizinho.
É somente referenciando o uso da cerca nos valores morais associados utilização
da terra e do terreno pelo morador que se compreende que, do ponto de vista nativo,
uma cerca pode estar no terreno, mas não deveria estar na terra.
Contudo, alguns moradores continuam utilizando os recursos localizados na área
do empreendimento. A seguir trago alguns relatos dessas formas de uso da área do
empreendimento pelo morador da Pedra do Sal.

As cercas, elas são mais lá. Só que aqui nessa área dos camarões, da
maricultura [atualmente ocupado por aerogeradores], tem uma cerca, só
que o pessoal [moradores] já cortaram. O pessoal não teve pena,
cortaram mesmo. Mas só que no futuro vai fechar de novo. E no
23

começo, eles [guardas] não queriam que a gente entrasse nessa segunda
etapa. Só que um dos vigias é daqui [Pedra do Sal] e falou com o chefe,
“olha chefe, é melhor o senhor aceitar [que possam passar pela segunda
etapa] porque a comunidade é muito carente, a comunidade foi criada
aqui, aqui é o lazer de todo mundo, e o senhor vai remar contra a
maré”. Aí foi que eles aceitaram a gente entrar. Mas você tá passando e
eles [guardas] estão lá (Entrevista com Eli, 03 de setembro de 2016).

Assim, mermo o ano passado [2014], viu? Eu tava fazendo ali o pé da


minha cerca, aí eu mais outro rapaz, né? Fomos atrás de talo. Aí, aí vem
uns cachorros latindo, aí eu reparei, e lá vem o guarda com uns
negócios.
– Ô rapaz, aqui é proibido tirar os talos.
Aí eu,
– Por que, senhor? Eu nasci aqui, cresci aqui e nunca foi proibido, por
que agora eu não posso tirar os talos? Eu não tô tirando nada nem seu,
nem de ninguém. Tô tirando da natureza. Isso aí é da natureza. Eu moro
aqui e eu tô tirando porque eu tô precisando fazer o pé da minha cerca.
– Não, mas você tem que pedir.
– Rapaz, mas quer dizer que eu nasci aqui e vou sair aqui da minha casa
pra ir lá em riba pedir pra tirar uns talos? Rapaz, uma coisa dessas eu
não faço não, nunca fiz e nem faço. Eu vou tirar meus talos e ninguém
vai me impedir (Bebeto durante oficina na Associação de Moradores,
24 de Maio de 2015).

Na primeira narrativa é retratada duas formas de interação do morador com o


cercamento das terras de uso comum. A primeira forma é a de cortar a cerca para acessar
uma determinada área. A segunda forma é “negociar” o acesso. Nessa negociação, um
vigia, que também é morador, representa uma espécie de “mediador” entre o chefe e o
morador da Pedra do Sal para negociar o acesso. Na segunda narrativa, tem-se um
diálogo entre um guarda e um morador. Ambos expressam diferentes moralidades acerca
do ato de tirar talos da mata. Para o morador aquele espaço é percebido como da
natureza. Para o vigia é uma área na qual é necessário pedir para entrar.
A seguir, apresento um trecho do diário de campo em que relato meu encontro
com um funcionário das eólicas. A partir dos trechos a seguir é possível aproximar-se do
ponto de vista do funcionário sobre o uso que moradores fazem de lagoas localizada na
área do empreendimento e os valores morais que organizam a perspectiva do funcionário.

Fui a entrevista com Tércio. Ele marcou comigo na usina em que


trabalha. Seu Ananias foi deixar-me lá de moto, pois é distante da
pousada onde estou. Ao chegarmos, havia um portão, uma guarita, uma
cancela, e uma placa que diz o nome da usina eólica. O guarda na
guarita nos recebeu com um sorriso, perguntou se sou de alguma
empresa. Expliquei que sou da universidade e vim conversar com o
24

Tércio. (…) O guarda fala pelo walk talk com alguém no prédio em que
o Tércio está. Depois de um tempo, recebi a autorização para ir ao
encontro. Subi na moto com Ananias e fomos até o prédio. Chegando
ao prédio, outro segurança nos recebeu. Ele me deu um capacete azul,
como aqueles usados em obras da construção civil, e um crachá no qual
estava escrito a palavra “visitante”. Agradeçi a Ananias a carona e nos
despedimos. O segurança me levou até uma porta. Abriu. Lá estavam
um homem e uma mulher de macacão sentados em mesas diferentes. A
mulher parecia monitorar algo pelo computador. Logo em seguida,
avistei Tércio. (…) A sala dele estava ao lado. Era uma sala espaçosa.
Tinha uma mesa grande, do tipo das que se pode fazer uma reunião.
Tinha ar-condicionado, boa iluminação, uma mesa pessoal grande com
um computador. Entramos e sentamos a mesa. (…)
Ele me contou um caso: resolveu fazer uma experiência. Colocar ração
para peixe numa lagoa [na área do empreendimento] que ele sabia que
podia dar peixe. Depois de um tempo os peixes começaram a aparecer.
O objetivo, segundo ele, era pegar esses peixes e distribuir entre os
funcionários. Mas ele reclamou que os moradores vinham pegar os
peixes antes deles se desenvolverem. Pegavam o peixe ainda pequeno
[com os dedos da mão ele compara o tamanho do peixe ao de uma
caneta]. Ele disse que ficou chateado com a situação e mandou cercar e
colocar um guarda no local. Ele disse que mesmo assim os moradores
iam lá e pegavam o peixe na troca de turno. Ele falou: “Como é que
eles não entendem que aquilo é uma propriedade privada, tem dono.”
(…) A uma certa altura, ele preferiu não pôr mais ração e deixar a lagoa
sem peixes. Ressaltou que além dos moradores não entenderem que
aquilo era uma propriedade privada ainda eram ousados, pois falavam
para o guarda que iriam pegar peixes mesmo assim, quando eles
dessem bobeira eles iam pescar (Trechos do diário de campo de 21 de
Setembro de 2016).

O ordenamento territorial pelo qual passa as terras da Pedra do Sal com a chegada
dos empreendimentos de energia, tensiona a ordem moral dos moradores em relação aos
usos e significados da terra. No contexto em que terras foram cercadas e vigiadas
passando a ser área do empreendimento, os moradores elaboraram estratégias para
acessar a terra, seja negociando a entrada com o guarda, seja o desafiando abertamente,
como no caso dos talos. O corte da cerca e a pesca na lagoa vigiada são formas de manter
práticas tradicionais com o território, que antecedem a implantação dos empreendimentos
de energia, e que na busca do morador por alimentos como frutas e peixes acaba
tensionando o ordenamento jurídico da propriedade privada.
O que é moralmente aceito pelos interlocutores nos relatos que apresentei (cortar
cerca, pegar madeira, pescar na área do empreendimento), não é legítimo do ponto de
vista legal. O que é justificado do ponto de vista legal, cercar e vigiar uma área, não é
moralmente aceito para alguns dos moradores do lugar. O que sustenta moralmente essas
25

ações nos relatos dos interlocutores é a percepção de que o cercamento de algo que
pertence a natureza não é correto. Do ponto de vista do morador, as terras localizadas na
área do empreendimento ainda não se apresentam (completamente) como uma
“propriedade privada”.

FORMAS DE REGULAÇÃO E FORMAS DE RESISTÊNCIA

Durante os primeiros anos da chegada das empresas, elas buscaram negociar a


saída dos moradores de suas casas, oferecendo um lugar distante da praia para assentar as
famílias, mas estas não aceitaram. A infraestrutura para produção de energia eólica
instalou-se, então, sobre matas, lagoas e dunas com redes subterrâneas de transmissão
elétrica que possuem vários quilômetros e aerogeradores com mais de 100 metros de
altura e um peso individual aproximado de 60 toneladas.
A instalação dos empreendimentos iniciou um processo de apropriação privada
das terras, o espaço das lagoas, matas, mangues e dunas, entendido, segundo a lógica
nativa do território, como um espaço de uso comum. Essa apropriação é visível pelo
cercamento e a vigilância, que podem ser entendidos como formas de regular a conduta
territorial do morador num contexto em que regras consuetudinárias de uso do território
entram em tensão e conflito com formas de apropriação privada da terra e dos recursos
naturais.
Little define a conduta territorial como “parte integral de todos os grupos
humanos”. “O fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade
de um grupo social implica que qualquer território é um produto histórico de processos
sociais e políticos” (2002, p. 03-04).
(…) A conduta territorial surge quando as terras de um grupo estão
sendo invadidas, numa dinâmica em que, internamente, a defesa do
território torna-se um elemento unificador do grupo e, externamente, as
pressões exercidas por outros grupos ou pelo governo da sociedade
dominante moldam (e às vezes impõem) outras formas territoriais.
(LITTLE, 2002, p. 4).

Na área estudada, após o estabelecimento da infraestrutura das empresas de


energia (momento da “invasão”), buscou-se regular os usos locais do território. Por outro
lado, os moradores desenvolveram formas de resistência a regulação de suas condutas
territoriais (momento da “defesa”).
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Formas de regulação e resistência da conduta territorial na Pedra do Sal


Formas de regulação Formas de resistência

Agentes dos empreendimentos de energia Morador


(empresário, funcionário do setor
administrativo, guarda)
Cortar cercas
Cercar terras
Pescar na lagoa cercada
Cercar lagoas
Desafiar anonimamente ou abertamente a
Vigilância de terras e lagoas vigilância
Entrar na área do empreendimento
Proibir a circulação de pessoas
Colher madeira na área cercada
Proibir a retirada de madeira

Apesar de fazerem revindicações ao poder público, ouvi de moradores que é


difícil barrar expansão das empresas no território da Pedra do Sal. Numa situação em
que as demandas territoriais dos moradores (regularização fundiária e criação da RESEX
Cajuí) não foram atendidas pelo poder público e a infraestrutura de produção de energia
expande-se sobre o território, privatizando-o, as formas cotidianas de resistência, essa
arma dos fracos (SCOTT, 2013) é uma estratégia que viabiliza alguns usos das antigas
terras comuns e seus recursos.
A noção de “formas cotidianas de resistência”, elaborada por Scott durante sua
pesquisa com camponeses do Sudeste Asiático, refere-se as “armas comuns dos grupos
relativamente sem poder: fazer corpo mole, a dissimulação, a submissão falsa, os saques,
(…) a fofoca, a sabotagem e outras armas dessa natureza” (2002, p. 12). Formas, muitas
vezes, anônimas e individuais que “requerem pouca ou nenhuma coordenação ou
planejamento; sempre representam uma forma de auto-ajuda individual; evitam,
geralmente, qualquer confrontação simbólica com a autoridade ou com as normas de uma
elite” (2002, p. 12).
A pesca, a colheita de frutos e a retirada de madeira em área cercada pelo
empreendimento para a produção de energia, aproximam essas práticas do morador da
Pedra do Sal das “formas cotidianas de resistência camponesa” (SCOTT, 2002, 2013).
Esse tipo específico de resistência é, na maior parte das vezes, anônima, individual e não
27

visa um confronto aberto com os empreendedores do ramo de energia, mas a garantia do


que os cientistas sociais costumam nomear de “subsistência”, pois a pesca e a colheita na
terra privatizada viabiliza o acesso a alimentos e materiais consumidos pelo grupo
doméstico ao qual o morador pertence.
Ao garantir alguma sobrevivência econômica, elas tensionam individualmente ou
através de pequenos grupos as “relações de propriedade”, sem, contudo, contestar
publicamente essas relações. Scott assinala que as “formas cotidianas de resistência
camponesa não produzem machetes de jornais”, “é muito raro que os produtores desses
micro-atos busquem chamar a atenção sobre eles mesmos. Sua segurança está no seu
anonimato” (2002, p. 13)19.

CONCLUSÃO

A implantação de parques eólicos na Pedra do Sal gerou um processo de


açambarcamento das terras utilizadas pelos moradores em regime de uso comum. Essas
terras passaram a ser ocupadas por aerogeradores e linhas de transmissão para a produção
de energia por empresas de capital internacional. Esse processo foi apoiado por agentes
do Estado desde o nível municipal ao federal, recebendo também incentivos financeiros
públicos pelo PROINFA e o BNDS.
A açambarcamento “transformou” a “terra de uso comum” em “terra de uso
privado”, de um valor de uso para o morador passa a ter um “valor de troca” para o dono
de terra, deixando de ser um espaço hegemonicamente de reprodução das práticas que
sustentam o modo de vida tradicional de pescadores, agricultores e extrativistas, para um
espaço de reprodução do capital, seja pela renda capitalizada da terra (paga pelo
empreendedor a família Silva), seja pela venda da energia ao governo (paga pelo governo
ao empreendedor) advinda do “capital fixo territorializado” que é a infraestrutura de
produção de energia eólica.
É para o chão que devemos olhar quando se fala sobre energia eólica e não para o
céu de onde vem seus ventos. Como foi descrito neste texto, a energia eólica é uma fonte
de baixa densidade, logo, demanda grande extensão de terra para produzir um volume de
energia que compense o seu investimento.

19 As formas cotidianas de resistência não as únicas formas de luta dos moradores da Pedra do Sal, como atestam as
manifestações de rua, bloqueio de rodovia entre outras modalidades coletivas e públicas de ação.
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Os prognósticos indicam uma expansão dessa fonte energética até 2030. Do ponto de
vista dos direitos de povos e comunidades tradicionais, a expansão da energia eólica pode
significar uma série de ameaças aos seus modos de vida e direitos territoriais. Iniciativas
como os Encontros de Impactados pela energia eólica tem trago a público uma
perspectiva crítica sobre um tipo de energia que é tratada como uma “fonte limpa” por
agentes do governo, dos meios de comunicação e do empresariado.
Nesse artigo, a partir de uma pesquisa de campo, busquei trazer a relação entre
energia eólica e açambarcamento de terras, explicitando que o avanço dessa fonte
energética implica uma grande demanda de terras, que na situação fundiária do Brasil
beneficia-se das históricas desigualdades em relação ao acesso e posse de terra. Situações
como as terras de uso comum são bastante frágeis frente a esse processo de
açambarcamento.
Outro objetivo desenvolvido neste texto é que além das formas públicas e
coletivas de luta por terra e reconhecimento, existem uma série de resistência que são
praticadas pelas pessoas comuns que passam a conviver com grandes “projetos de
desenvolvimento”. Muitas vezes, como já havia percebido James Scott (2002, 2013),
essas são as únicas “armas” disponíveis no momento.
Na área estuda, as formas públicas de ação coletiva e as formas cotidianas de
resistências ocorrem paralelas, demonstrando a versatilidade daquelas pessoas em resistir
a espoliação de terras e direitos.

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