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O JARDIM

”Era da Penha, a Nossa Senhora dos capixabas, aquele jardim feito de cajueiros, goiabeiras,
araçás, aroeiras, palmeirinhas e até bromélias e orquídeas, entre as piscinas de areia. Dezenas
de manilhas espalhadas denunciavam a primeira tentativa de urbanizar a região, nos anos 60.

De toda a parte dos mais de 1.139.934 metros quadrados, era possível ver o Convento
dedicado à Nossa Senhora. Era uma amplidão sem fim e, além do mar, aquela construção
colonial, uma das primeiras do Brasil. “É o Jardim da Penha”, dizia-se. E o nome pegou. E
permaneceu, mesmo quando a vegetação de Mata Atlântica e restinga foi substituída por
dezenas, centenas e milhares de prédios e, 30 anos depois das primeiras obras, Jardim da
Penha tornou-se um dos bairros mais populosos e cobiçados da capital, com mais de 30 mil
habitantes.

Em 1969, Vitória começava a experimentar uma expansão para além dos seus limites de ilha. O
centro ocupado, direcionava a população para a zona norte. Primeiro foi ocupada a Praia do
Canto e a tendência inevitável era o continente. A Universidade foi pioneira junto com os
armazéns de café e outros grãos, espalhados ao longo da Avenida Fernando Ferrari. Dali em
direção ao mar, um deserto de verde.

Obra mesmo foi o que chamou a atenção de dona Ivone de Souza moreira: em quadras
demarcadas sobre areia e restinga, os operários da CRC Guimarães levantaram sobrados e
geminados onde nada mais havia em volta. As casas grandes e confortáveis, o financiamento
pelo Banco Nacional de Habitação, e todo um bairro a ser criado entre a Avenida Fernando
Ferrari e a praia de Camburi. A decisão foi imediata: era ali que o casal iria morar. Em uma
daquelas 106 casas da Restinga de Camburi.

AS MEMÓRIAS

Serafim Derenzi, relata, em Biografia de uma Ilha, a época em que foram abertas as primeiras
estradas ligando a ilha Camburi, Carapebus e “Jacareípe”, na década de 20, pelo prefeito
Otávio Peixoto. Já existia então a Ponte de Passagem e, como continuação, foi aberta uma
estrada de rodagem para automóveis. Em Os dias Antigos, o professor Renato Pacheco conta
que na década de 40 havia o Victoria Country and Golf Club no terreno onde está a Ufes e que
as corridas de cavalo aconteciam na Praia de Camburi, “aprazível recanto”. O ex prefeito,
geólogo e historiador Adelpho Poli Monjardim, em 1950, achava belíssima a praia de Camburi:
“Tão grande quanto a de Copacabana e rica em monazita, recorta-se em semicírculo e termina
(...) quase junto à ponta de Tubarão”, escreveu ele vitória Física.

Nos livros de história, a região é pouco mencionada. Isso porque o bairro é recentíssimo
quando se consideram os cinco séculos de vitória. Também porque a área da Camburi, como
era conhecida, não era tida como parte da capital até os anos 60. Era uma praia erma, isolada,
selvagem até a década de 50. Fotos de 1957mostram quilômetros de mata, praia e, no Pontal
de Camburi, algumas dúzias de coqueiros e uma casinha de palha. Contam os antigos que se
falou em vender lotes ali, houve pouco interesse. Todos achavam Camburi distante,
intransponível.

A praia de Camburi, na década de 50 só era atingida pela antiga estrada que dava na Serra,
hoje Fernando Ferrari. A ponte da Passagem já existia desde o século passado, ligando a área
de Camburi à Bomba. Depois dela era uma boa caminhada pela mata. Ninguém ia ali para
tomar banho de mar. Atingia-se a praia de barco. Era uma aventura. “Pescadores ou
velejadores do Iate Clube chegavam à praia de pelo mar. Alguns vinham colher cajus e
Pitangas”, conta o Jornalista Cacau Monjardim. Do caju farto de Camburi misturado à boa
cachaça, lembra cacau, nasceu o ‘caju-amigo’, bebida que ficou famosa nacionalmente qunado
caiu no gosto do jornalista Ibrahim Sued.

FAZENDA MATA DA PRAIA OU SÍTIO QUEIROZ

Entre a praia de Camburi e a Avenida Fernando Ferrari, muitas camadas de memórias se


sobrepõem e se misturam. Memórias oficiais, afetivas, lendas, registros em livros públicos. No
início do século era área rural. A região que vinha das proximidades da Adalberto Simão Nader
até o canal de Camburi e da praia até a Ufes, era uma fazenda, o Sítio Queiroz ou Fazenda
Mata da praia. Uma enorme extensão de terra, com 1.139.934 metros quadrados, de
propriedade do capitão Justiniano Azabuja Meyrelles. Uma escritura de 1891 atesta os fatos.
Atualmente, toda essa área são os bairros de Jardim da Penha, Morada de Camburi e Mata da
Praia.

Conta Dona Maria Aristotelina da Silva Santos Ferreira Bastos, neta e herdeira do dono das
terras que, no tempo do seu avô, tudo ali funcionava como fazenda. Havia gado nas
proximidades da Ufes, uma pequena área plantada e, em direção ao mar, pura Mata Atlântica
e de restinga. Era mata cerrada e havia vários córregos, árvores e animais. No morro do Vai-e-
vem hoje a elevação ao lado da Pedra da Cebola- ficava a casa da fazenda. Num caminho de
terra entre a casa e a praia, a casa do encarregado.

O avô nunca quis vender. Achava que a área seria o pulmão de Vitória. Ele desenvolvia na
região um embrião de uma escola rural, chamada então de artes e ofícios, para educar
meninos. Justiniano morreu em 1922. A mãe, Sylvia Meyrelles da Silva Santos passou a infância
ali. Contava que tomava banho de mar na praia de Camburi com a família e nadava até a ilha
do socó. Brincava com a ‘Pedra do Sino’, como chamava a Pedra da Cebola. Isto porque
quando a garotada no início do século jogava pedras ali, fazia um barulho igual de um sino.

Casada com Aristóteles da Silva Santo, Sylvia ficou viúva cedo. Com duas filhas, Maria Sylvia e
Maria Aristotelina, foi trabalhar como professo de Francês na Escola Normal. Preferia não
vender a fazenda, embora os desmatamentos ali começassem a preocupar. No início da
década de 50 Sylvia doou suas terras, as filhas, que já estavam casadas, e mudou-se para São
Paulo com a filha Maria Sylvia. Casada com José Solano Ferreira Bastos, Maria Aristolina, dona
Telina, foi morar na casa sobre o morro do Vai-e-vem para cuidar da fazenda.

O LOTEAMENTO

São camadas de memórias que se sobrepõem. Veio de Ostilho Ximenes as primeiras tentativas
de criar ali um loteamento para veraneio, em 1928. Com o objetivo de divulgar seu negócio,
ele criou um jornal. Não conseguiu levar à frente o loteamento. O jornal foi vendido para
Thiers Velloso e tornou-se semente de A Gazeta. Durante décadas ninguém queria morar em
Camburi. Precisava ter espírito verdadeiramente desbravador para se arriscar morar por uma
região sem estradas, iluminação e habitantes.
Mas na década de 50, os sócios da Empresa Capixaba de Engenharia Civil, interessaram-se pela
área. A ideia do diretor administrativo, Creso Euclides, e do diretor técnico, Manuel Pinto, era
construir ali um loteamento planejado, inspirado na modernidade da cidade de Belo
Horizonte. Assinara um contrato com as herdeiras, comprometendo-se a implantar
imediatamente o loteamento, abrir ruas, praças e avenidas para facilitar a venda de lotes,
realizar planos de distribuição de água , luz e etc.

O projeto aprovado pela prefeitura de Vitória em 1952, dividia toda a região da Adalberto
Simão Nader ao Canal de Camburi em largas avenidas dia agonais que formavam 13 quadras.
Cada quadra completa era dividida em lotes de 380 a 400m quadrados. Eram cerca de 1400
lotes ao todo pela região que hoje é Jardim da Penha, Mata da Praia e Morada de Camburi. Os
primeiros a serem comercializados foram os lotes de Jardim da Penha. Mas quando o
loteamento progredia lentamente, começaram a haver invasões na divisa com o canal,
desfigurando o projeto inicial.

Os primeiros lotes foram vendidos para armazéns. O IBC, situado bem no centro de Jardim da
Penha, com cerca de 25 mil metros quadrados, e outros nas proximidades da avenida que liga
Vitória e Serra, onde também ficava o ‘pelames’. Houve alterações no loteamento. A principal
delas, na década de 70, quando outra empresa, a Sena Engenharia, se propôs a fazer o projeto
de Mata da Praia de uma forma diferenciada da ideia inicial. A antiga fazenda foi dividida na
área onde hoje é a Avenida Aristóbulo Barbosa Leão. O traçado de diagonais da região de
Jardim da Penha foi, em parte, alterado. Principalmente, das que ficavam nas proximidades de
Mata da Praia.

No final da década de 80, o contrato com a sena foi rescindido, a gestão dos negócios da
família passou para o Engenheiro Luiz do Carmo Bedran, marido da irmã mais velha de Telina,
Sylvia. Foi quando o grupo Mata da Praia/Dacaza foi criado e a empresa voltou-se para
construções na outra parte da antiga fazenda dos Meyrelles.

106 Famílias

Aos 80 anos, dona Ivone lembre feliz de sua mudança para uma das primeiras 106 casas de
Jardim da Penha, em 1969. A casa era grande, construída pela empresa CRC Guimarães. O
bairro, uma aventura de desbravadores. As famílias de Jadir Gobbi, Eri Vieira da Silva, Milton
Cots, Roberto Silva, Jorgina Negri Schmith, José Délio Barcellos também se mudaram na
mesma época. As ruas não tinham nome. As identificações era feitas por quadras e números e
ainda hoje podem ser vistas em algumas casas.

Os primeiros tempos foram muito difíceis. O pão era comprado em Goiabeiras. Ônibus, só na
Avenida Fernando Ferrari, em frente a Ufes. Iluminação pública, nem pensar. Os moradores
costumavam sair de casa ao entardecer com lanternas para enxergar o caminho. O caminho
até a praia era uma pequena trilha onde hoje é a Rua Eugenílio Ramos. Um quilômetro de
restinga, barro e areia a serem vencidos. E era perigoso. A região, usada para desova de
cadáveres.

As pessoas andavam em grupos. Havia também muita poeira – ou muita lama, quando chovia.
Os moradores tinham costume de sair de casa de chinelo e levar os sapatos na mão, para
trocá-los dentro do ônibus. Lama ou poeira manchava a barra das calças. A dificuldade dos
primeiros tempos criou entre os moradores forte solidariedade. E esta solidariedade , foi a
base das primeiras tentativas de organização comunitária do bairro.

Nas noites de 1969, o isolamento seria total, se os vizinhos não conversassem nos portões ou
se juntassem nas ruas. Para tornas a vida mais alegre, as 106 famílias de Jardim da Penha
decidiram criar um Clube, onde não havia mais nada. Numa manhã de sol na praia de Camburi,
dona Ivone e outra dúzia de mulheres das 106 casas começaram os projetos para entidade,
uma espécie de centro de convivência. Os homens não entusiasmaram. Foi necessário que
uma delas fossem de casa em casa, convencessem cada família para que se unissem. Fizeram
um livro de ouro e arrecadaram o dinheiro para comprar um terreno para o clube. Só aí os
homens aderiram e ajudaram no projeto.

O CLUBE

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