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“ALÇA DO DIQUE” E “CAMINHO DA UNIÃO”

BAIRRO JARDIM SÃO MANOEL, SANTOS-SP


INVASÕES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE : UM ESTUDO DE CASO

Lélio Marcus Munhoz Kolhy∗

1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O Código de Obras de Santos, instituído em 1945,1 estabelecia como Zona Rural e
Agrícola – ZR, as áreas alagadiças que se localizavam as margens dos rios dos Bugres,
Casqueiro e São Jorge, se estendendo até uma linha imaginária paralela, distante 100 (cem)
metros a oeste da estrada de ligação entre Santos e São Vicente,2 atual avenida Nª Sª de
Fátima e ao sul da estrada dos Bandeirantes.3
Os terrenos passíveis de ocupação caracterizavam-se pelo lençol freático alto,
topografia plana e solo hidromórfico orgânico/mineral, formado de restos de vegetais em
vários graus de decomposição4 e de depósitos argilosos cinzentos, conhecidos
popularmente como “tabatinga”.
Possuindo uma fertilidade natural bastante variada, desde a década de 30 a região
era utilizada para atividades agrícolas em pequenas chácaras, que do bairro da Caneleira5
alcançavam o cemitério da Areia Branca.6 Encontrava-se também cortada pela rede de alta
tensão da canadense The São Paulo Light and Power Co., que através da sua usina


Arquiteto. Cursou as disciplinas de Mestrado em Administração e Planejamento Urbano, da Escola de
Administração de Empresas de São Paulo – FGV e de Mestrado em História, da PUC-SP. Pós-Graduado em
Avaliações e Perícias em Engenharia pela UNISANTA-Santos, atua profissionalmente desenvolvendo
diversos trabalhos em áreas ambientais.
1
Decreto-Lei nº 403/45.
2
Esse também era o caminho da velha Linha 1 de bondes.
3
Atualmente, Av. dos Bandeirantes, paralela a via Anchieta e Marginal Direita.
4
A turfa retém grande quantidade de água e forma um meio ácido e pobre.
5
Antigo local do Matadouro Municipal, instalado desde fins do século XIX.
6
Cemitério municipal santista, inaugurado em 1953.
hidroelétrica7, localizada na base da encosta da Serra do Mar, em Cubatão, produzia e
abastecia de força e luz os municípios de São Paulo, Cubatão e Santos.
Para fixar as bases das torres de transmissão elétrica no leito dos rios Casqueiro e
São Jorge, em direção ao topo do morro do Ilhéu, por volta do ano de 1939, foram aterrados
vários trechos das áreas de mangue. Foi necessário também, manter uma faixa de domínio
sob as linhas, com aproximadamente 40 (quarenta) metros de largura e atualmente,
fiscalizada pela Companhia Piratininga de Força e Luz – PIRATININGA.8
A partir de 1946, ocorrem novas e profundas alterações ambientais, em
conseqüência das obras de drenagem executadas pelo Departamento Nacional de Obras de
Saneamento – DNOS.
“Diques” de terra e “comportas”, com cotas em torno de 3,00 (três) metros, foram
construídos longitudinalmente às margens santistas dos rios dos Bugres, Casqueiro e São
Jorge, com o objetivo de controlar o fluxo natural das marés e drenar a superfície adjacente
ao manguezal, que na maior parte do tempo encontrava-se saturada com água.
Com o início em 1955/56 do loteamento do bairro da Caneleira, seguido pela
extensão do perímetro urbano a toda parte insular do município9 e a abertura dos canais da
avenida Jovino de Mello, em 1960 e da avenida Hugo Maia, em 1961, a urbanização da
Zona Noroeste de Santos se consolida.
É possivelmente dessa época, o aterro de um longo trecho de manguezal, sob o qual
encontra-se ainda a antiga adutora de abastecimento de água da região, além da atual
Adutora de Pilões e um recente ramal da rede de tratamento de esgoto da Cia. de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP. Essa obra provocou o
estreitamento da foz do rio São Jorge de maneira irreversível, comprometendo de forma
significativa o desempenho das funções ecológicas de uma parcela do trecho do estuário.
A situação do meio ambiente dessa região foi agravada, a partir de 1970, pela
instalação da área de destino final de lixo sólido do município de São Vicente, denominado
“Lixão de Sambaiatuba”, na margem esquerda do rio dos Bugres. Permanecendo em

7
A primeira unidade de geração de energia da Light entrou em funcionamento em 1926.
8
A PIRATININGA originou-se do desmembramento da Empresa Bandeirante de Energia – BANDEIRANTE
-, concessionária que sucedeu a ELETROPAULO no serviço de geração e fornecimento de energia.
9
Lei nº 1972/57.
atividade durante trinta e dois anos,10 chegou a receber cerca de 240 (duzentos e quarenta)
toneladas/dia de lixo, causando inúmeros problemas ambientais e sociais, promovendo mau
cheiro, incêndios e degradação dos manguezais.
Em 1973, a Cia. de Saneamento da Baixada Santista – SBS – apresentou um projeto
de construção de uma nova adutora, paralela a já existente, para o abastecimento de água de
Santos e parte de São Vicente. No trecho, a denominada Adutora de Pilões passava pela
Via Anchieta, percorria o bairro Jardim São Manoel, cruzava o estuário na confluência do
rio Casqueiro com a foz do rio São Jorge, sob parte do aterro já existente e seguia pela Av.
Jovino de Mello.
Quanto ao bairro Jardim São Manoel, sua ocupação se intensifica em conseqüência
da taxa de crescimento da população santista,11 da saturação da área da pequena parte
insular do município12 e da recessão econômica, que levou centenas de famílias a procurar
os bairros periféricos.13
A partir de 1994, a população que se desloca para o bairro avança sobre os terrenos
de marinha, mesmo quando esses estão sob domínio útil de particulares. Constroem sobre
as parcelas aterradas para a passagem das adutoras de água e sobre a faixa localizada entre
o canal de empréstimo do dique e a parte interna do manguezal.
A fiscalização municipal efetua a intimação para demolição e remoção das
primeiras habitações, porém, em pouco tempo, 74 (setenta e quatro) famílias se instalam em
aproximadamente 60 (sessenta) barracos assentados sobre a área denominada “Alça do
Dique”.14 Não dispondo de água encanada e luz elétrica,15 nem do serviço de esgoto e
coleta de lixo, lançados no leito do rio São Jorge, essas habitações passam a ser
regularmente visitadas pela Polícia Florestal e de Mananciais – PFM –, que procura

10
O “Lixão de Sambaiatuba” foi somente desativado em abril de 2002.
11
A taxa de crescimento da população Santista ficou próxima a 2,5% ao ano, comparando a evolução dos
censos demográficos desde 1950 a 1980.
12
A área insular do município de Santos corresponde a 39,4 quilômetros quadrados e nela se concentra mais
de 99% dos habitantes da cidade.
13
O processo de ocupação do solo em Santos reproduz as características da lógica capitalista de articulação
entre a estrutura social e localização espacial. Nas primeiras décadas do século XX, a população trabalhadora
procura se concentrar nas áreas contíguas ao porto (bairro do Macuco) e nos morros, principalmente naqueles
mais próximos ao centro da cidade (São Bento e Monte Serrat). A partir dos anos 50, a tendência de ocupação
se volta para a Zona Noroeste, quando são observadas as primeiras invasões de terrenos em torno do
Cemitério da Areia Branca, ainda em fase de construção.
14
Atualmente, também conhecida pelos moradores como Rua João Carlos da Silva.
15
As redes de água e de energia elétrica foram ligadas as habitações, respectivamente, em agosto e novembro
de 1994.
conscientizar os moradores acerca dos riscos e da proibição do corte de vegetação natural,
embora se constate a expansão da ocupação através de desmatamentos.16
As invasões prosseguem, sendo construídos novos 48 (quarenta e oito) barracos de
madeirite e muitos outros ainda por concluir17, na favela denominada “Caminho da União”,
prolongamento da rua Dr. Mario Graccho P. Lima, após a faixa sob a linha de alta tensão e
já no interior da faixa de domínio da SABESP. As habitações localizavam-se de ambos os
lados da área aterrada, obedecendo ao alinhamento de aproximadamente 10 (dez) metros de
distância, tomando como base o eixo de passagem das adutoras, tendo sido estimada a
vegetação de mangue suprimida em aproximadamente 1.000 (mil) metros quadrados.
Repetia-se no dique do bairro Jardim São Manoel o que já havia ocorrido no Dique
da Vila Gilda, junto ao rio dos Bugres, onde nessa época as favelas ocupavam por volta de
700.000 (setecentos mil) metros quadrados, numa extensão de 4 quilômetros, abrigando
mais de 4.200 (quatro mil e duzentas) famílias.18
Entre agosto e outubro de 1995, os técnicos da Prefeitura estimaram a área do
manguezal atingida em aproximadamente 27.150 (vinte e sete mil cento e cinqüenta)
metros quadrados, fragmentado em duas partes, assim descritas: 960 (novecentos e
sessenta) metros quadrados (+/- 30 barracos) sobre o mangue remanescente; 4.000 (quatro
mil) metros quadrados (+/- 100 barracos) sobre o limite de interface com o trecho aterrado;
7.080 (sete mil e oitenta) metros quadrados de faixa de domínio da ELETROPAULO
(atualmente, da PIRATININGA) e 5.675 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco) metros
quadrados de faixa de domínio da SABESP.19
Em fevereiro de 1996, o Município registrou e numerou todas as ocupações. Na
“Alça do Dique” foram identificadas: 86 (oitenta e seis) moradias, onde 20 (vinte) barracos
se encontravam sobre área de mangue e no “Caminho da União” contabilizou-se: 135
(cento e trinta e cinco) moradias, com 117 (cento e dezessete) barracos sobre manguezal.20

16
Entre 1994 e 1995, a Polícia Florestal e de Mananciais emitiu vários Autos de Infração por supressão de
mangue.
17
Muitos desses barracos estavam sendo erguidos sobre “palafitas”.
18
Somente do lado de Santos, são 3.000 (três mil) famílias e destas, 2.400 (duas mil e quatrocentas) com
habitações construídas sobre “palafitas”.
19
Relatório elaborado por técnicos da PMS a fim de subsidiar a Curadoria do Meio Ambiente da Comarca de
Santos, na instauração do Procedimento Preparatório de Inquérito Civil nº 05/95.
20
PMS-SEMAM. “Diagnóstico da ocupação irregular no Jardim São Manoel em relação as áreas de
mangue”.
No prolongamento do lado leste da ocupação da “Alça do Dique”, próximo as
empresas de armazenagem de “containers”, no local denominado como “Caminho do
Lagarto”, em fevereiro de 1997, o Município identificou mais 26 (vinte e seis) barracos de
madeira construídos e 23 (vinte e três) ainda em construção, numa área aproximada de
4.850 (quatro mil oitocentos e cinqüenta) metros quadrados. Essa invasão já havia
motivado abertura de processos junto a P.M.S., em outubro de 1996, tendo essas famílias
sido posteriormente removidas.21
Em abril de 1998, a BANDEIRANTE apresentou uma relação de 189 (cento e
oitenta e nove) pontos de ligação e citou mais 89 (oitenta e nove) ligações clandestinas no
“Caminho da União”, enquanto a Companhia de Habitação da Baixada Santista – COHAB-
ST – conjuntamente com a Prefeitura, davam início a uma nova etapa do Plano de Controle
e Congelamento de Favelas.22
Em levantamento econômico-habitacional realizado, apurou-se o total de 299
(duzentos e noventa e nove) moradias, somente no “Caminho da União”, em sua maioria de
uso residencial unifamiliar, construídas predominantemente com madeirite e abrigando uma
população superior a 900 (novecentas) pessoas. As famílias eram constituídas com 2 (duas)
até 5 (cinco) pessoas – predominando as crianças, em cerca de 40% –, com renda inferior a
5 (cinco) salários mínimos.23
Um ano após, os técnicos do município estimaram a área descaracterizada devido
aos diversos impactos antrópicos em 13.500 (treze mil e quinhentos) metros quadrados,
restando 13.650 (treze mil seiscentos e cinqüenta) metros quadrados com espécies de
mangue.24
A SABESP, ainda em 1999, implantou um ramal da rede de tratamento de esgoto,
que partindo da ETE – Jardim São Manoel se dirigia ao Jardim Rádio Clube, passando pela

21
PMS-SEMAM. “Relatório técnico informativo sobre a ocupação irregular na Alça do Dique e no Caminho
da União no Jardim São Manoel”.
22
O Plano de Controle e Congelamento de Favelas, também chamado de Programa de Selagem, foi criado
pela PMS para impedir a expansão das favelas. Foram colados na frente das casas selos de identificação azul e
branco, com os logotipos da Prefeitura e da COHAB-ST, com o nome do ocupante e o número da habitação.
Decorreu de um acordo feito pelo Município com o Ministério Público, após reuniões realizadas entre estes
órgãos, além das participações da BANDEIRANTE, SABESP, PFM e representantes das associações de
moradores, que manifestaram preocupações com a degradação do meio ambiente, ocasionado pelo
crescimento das submoradias.
23
COHAB-ST/PMS. “Relatório sobre as condições de moradia na favela do Jardim São Manoel”.
24
PMS-SEMAM. “Projeto de recuperação de área degradada”.
área aterrada do “Caminho da União”. No segundo semestre, instalou ligações da rede de
água nas moradias, atendendo solicitações da P.M.S. e da população, que até então se
abastecia de uma bica artificial na entrada do núcleo.
Através do Decreto nº 3.458, o Prefeito Municipal de Santos criou, em 24 de
novembro de 1999, junto ao seu gabinete, a Comissão Especial de Congelamento de
Favelas, incumbida da fiscalização de áreas públicas e particulares invadidas por terceiros,
com a finalidade de controlar a ocupação irregular das mesmas e adotar as medidas
cabíveis.
Em 14 de agosto de 2001, foi substituído pelo Decreto nº 3.773, que criou a
Comissão Especial de Controle para Assentamento Habitacional em Áreas não Urbanizadas
e Congelamento de Favelas, composta de maneira ampla por dezoito órgãos ou membros,
que incluem instituições como o Ministério Público, a Polícia Florestal etc.
Mantendo o monitoramento freqüente da área em questão, com fiscalização intensa
para impedir novas construções, no período de fevereiro de 2001 a agosto de 2002 foram
efetuados o desmanche de 11 (onze) barracos e intimação de outros 47 (quarenta e sete),
que geraram um processo encaminhado à Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania –
SEAC –, para que após a remoção dos moradores, ocorresse a demolição dessas habitações.

2. DOMINIALIDADE DA ÁREA
Os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da união25 e conceituados “em
uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da
terra, da posição da linha do preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na
costa marítima e nas margens dos rios e lagos, até onde se faça sentir a influência das
marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde ser faça sentir a influência das
marés”,26 sendo previsto que, quando não forem utilizados em serviços públicos, “poderão,
qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos”.27
O local em estudo portanto, enquadra-se como terrenos de marinha. Constitui-se
em bem imóvel da União e encontra-se parcialmente aforado, conforme pesquisas
dominiais realizadas junto aos Cartórios de Registro de Imóveis da Comarca de Santos.

25
CF, art. 20, VII.
26
Decreto-lei nº 9.760/46, art. 2º
27
Decreto-lei nº 9.760/46, art. 64º.
A propriedade e o domínio útil, do mesmo modo que qualquer direito real sobre
bem imóvel, estão sujeitos a limitações impostas pelo ordenamento jurídico, ditadas por
exigências do bem comum. É legítimo impedir que o particular ou até mesmo o Poder
Público deixe de observa-las e cause dano ambiental.
Configurando esses terrenos de marinha como Área de Preservação Permanente –
APP – e neles existindo parcelas sem vegetação, deve o particular ou o Poder Público
reflorestá-las e arboriza-las.28
O proprietário, titular de direito real sobre área de mangue, tem o encargo de cuidar
de sua preservação enquanto a União, igualmente, deve exercitar seu poder-dever de
polícia, no sentido de fiscalizar a dita área, para que não haja violação à incolumidade
daquela vegetação.
O art. 30 do Decreto-lei 3.438/4129 estipula que: “ninguém poderá explorar
manguezais existentes em terrenos de marinha e seus acrescidos que lhe estejam aforados
ou se sobre os mesmos não tiver título que o autorize”. Logo, compreende-se, claramente,
que a titularidade do domínio útil não confere, em caráter absoluto, a prerrogativa de
exploração e, via de conseqüência, de supressão indiscriminada da área de mangue, mas, ao
contrário, atribui ao foreiro o encargo de preserva-lo (SIQUEIRA FILHO, 1998).
No Estado de São Paulo, com a promulgação da Lei nº 9.989/98, a recomposição
vegetal das áreas de preservação permanente é obrigatória pelos proprietários, que devem
executá-la obedecendo a um projeto previamente elaborado, onde estará especificada a
técnica a ser utilizada e o prazo de conclusão, não superior a cinco anos.
O Poder Público, através do competente órgão estadual de proteção ao meio
ambiente, apreciará o projeto de recomposição florestal, no prazo máximo de noventa dias,
observando na sua avaliação a estrutura e função do ecossistema e prestará orientação
técnica para sua execução, caso seja aprovado.

28
Código Florestal – Lei nº 4771/65, art. 18º.
29
O Decreto-lei nº 3.438/41 esclarece e amplia o Decreto-lei 2.490/40, que estabelece novas normas para o
aforamento dos terrenos de marinha.
Sobre essa mesma área também incidem as faixas de domínio da SABESP e da
PIRATININGA, configurando servidões administrativas com o objetivo de assegurar a
realização e manutenção de serviços públicos de água, esgoto e energia elétrica.30
O deslinde da dominialidade da área do “Caminho da União” se faz necessária, para
se definir as responsabilidades em relação ao bem jurídico tutelado (meio ambiente).

3. FISCALIZAÇÃO E LICENCIAMENTO DA ÁREA


Embora seja competência do Poder Público municipal a política urbana,31 a rigor,
cabe a União, ainda que concedido ao particular o domínio útil do imóvel, zelar pela
preservação da fauna e flora integrante do ecossistema específico em apreciação, pelo fato
de permanecer como titular do domínio direto.
Argumenta-se de que é possível estabelecer analogia entre a competência da União
ao tratar da lesão a seus bens, serviços ou interesses próprios ou de suas autarquias ou
empresas públicas32 e a lesão em matéria ambiental (COSTA et al., 1999). Dessa forma, a
agressão aos bens da União, que são descritos no art. 20, alínea VII, da Constituição
Federal,33 demandariam a atuação administrativa da União.
Nessa questão, não existe no Direito Administrativo competência geral ou
universal: a lei preceitua, em relação a cada função pública, a forma, o momento e o limite
do exercício das atribuições do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode,
segundo a norma de direito. A competência é, sempre, um elemento vinculado,
objetivamente, fixado pelo legislador (TÁCITO, 1959).
Se um bem é da União por determinação constitucional, não pode o Estado e nem o
Município arvorar-se de competência para fiscalizá-lo.
Na esfera federal, o controle do uso da propriedade em áreas de preservação
permanente, nos termos do art. 19 do Código Florestal, é do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA –, criado pela Lei nº 7.735/89.

30
Não se têm informações se estas servidões foram realizadas por ato do Poder Público (lei ou decreto) ou por
convenção entre as empresas e o particular, identificando e delimitando as áreas servientes, declarando-as de
utilidade pública e as condições de utilização dessas propriedades.
31
CF, arts. 182 e 183.
32
CF, art. 109, IV.
33
Em tela: “os terrenos de marinha e seus acrescidos”.
Sendo uma autarquia federal de regime especial, dotada de personalidade jurídica de
direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente e Amazônia Legal, tem a finalidade de coordenar, executar e fazer executar a
política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e uso racional,
fiscalização e controle dos recursos naturais renováveis.
A fiscalização tem, em suma, dois objetivos distintos: em primeiro lugar, realizar a
prevenção da ocorrência de infrações, o que faz mediante observação dos comportamentos
dos membros da sociedade; em segundo, reprimir as infrações cometidas em detrimento do
meio ambiente, utilizando-se do aparelhamento estatal repressivo, desde a polícia
administrativa até a aplicação, pelo judiciário, de penalidades cabíveis aos infratores das
normas penais (PACIORNIK, 2000).
A Lei nº 9.605/98,34 no caput do seu art. 70 e no § 1o , deu forma na chamada
infração ambiental, como: “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso,
gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”, sendo “autoridades
competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os
funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente –
SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das
Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha”.
No Estado de São Paulo, a prevenção e coibição das infrações contra o meio
ambiente são executadas conjuntamente pelo Departamento Estadual de Proteção de
Recursos Naturais – DEPRN – e pela Polícia Florestal e de Mananciais – PFM –, a quem
também compete por força constitucional o policiamento ostensivo.
O principal instrumento da fiscalização é o Auto de Infração Ambiental do Estado –
AIA –, instituído em 1990. Trata-se de autuação administrativa, lavrada pela PFM no ato da
constatação da degradação ambiental, tendo o caráter de multa, notificação e suspensão das
atividades degradadoras.
Quanto ao licenciamento ambiental, na forma como é aplicado hoje, trata-se de um
procedimento administrativo através do qual o órgão competente verifica a adequação de
um projeto ao meio ambiente, licenciando assim, em etapas diferenciadas, sua localização,
instalação, operação ou ampliação.

34
Lei de Crimes Ambientais.
Dentro de toda a sistemática atual de aprovação de empreendimentos urbanos,
especificamente para os de caráter urbanístico habitacional, o licenciamento ambiental no
Estado de São Paulo fica a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SMA –, e
está incorporado nos trâmites de aprovação do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos
Habitacionais – GRAPROHAB –, criado pelo Decreto nº 33.499/91.
Fazem parte do Sistema Estadual do Meio Ambiente e também participam do
GRAPROHAB: um representante da CETESB, que analisa os aspectos relativos às fontes
de poluição35 e as questões relativas ao abastecimento de água e um representante do
DEPRN, a quem cabe aplicar o Código Florestal e encaminhar o processo aos demais
órgãos ambientais do Estado, se for o caso, ao IBAMA, quando há intervenção em Áreas de
Preservação Permanente.

4. PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO


O novo Plano Diretor do Município36 veio disciplinar o ordenamento do uso e da
ocupação do solo na área insular de Santos37, alterando a classificação do bairro Jardim São
Manoel, de Zona Mista-Noroeste – ZMNO –38 para Zona Noroeste III – ZNIII –, sendo
identificada como área residencial com características de baixa densidade, onde se pretende
incentivar conjuntos residenciais verticalizados em áreas passíveis de ocupação.
Posteriores a Lei Municipal 3.592/68 e a Lei Complementar nº 53/92, que criou as
Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS –, as áreas invadidas, denominadas “Caminho
da União” e a “Alça do Dique”, também não foram incluídas no novo Plano Diretor e nem
em sua alteração,39 bem como nas Leis Complementares nº 427/01 e nº 457/02, que
anexaram novas zonas especiais ao plano diretor.
Essas duas favelas foram ainda desconsideradas pela Comissão de Urbanização e
Legalização da Zona Especial de Interesse Social I do Jardim São Manoel – COMUL –,
criada pelo Decreto nº 2.939/96, por não se localizarem no interior da gleba de 1 (um)
hectare da ZEIS I desse bairro, delimitada em planta oficial do município.

35
Principalmente, as fontes de poluição originadas do esgoto e lixo.
36
Lei Complementar nº 311/98.
37
Lei Complementar nº 312/98.
38
Conforme a anterior Lei nº 3.529/68.
39
Lei Complementar nº 387/00.
Excluídos da política urbana, por não fazerem parte dos instrumentos municipais de
planejamento, esses assentamentos ficaram impossibilitados de regularizarem suas
situações, através da implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social.
De maneira insólita, embora a área se caracterize como um núcleo urbano, não está
localizada dentro da zona urbana disciplinada pelas leis municipais e nem inscrita na
P.M.S., carecendo de qualificações que possibilitem aferir o atendimento as
regulamentações urbanísticas.

5. ÁREA DE ESTUDO
Vistoriando e analisando os registros fotográficos atuais e anteriores da parte
adjacente aos rios Casqueiro e São Jorge, no bairro Jardim São Manoel e seu entorno,
observa-se que a degradação da área já se encontra há décadas bem definida, caracterizada
pelo assoreamento em parte do ecossistema, principalmente o lado voltado para o Largo da
Pombeba, com conseqüente diminuição da cobertura vegetal e provável alteração da fauna
a ela associada.
A origem dessa degradação ocorreu muito mais em função das alterações da
drenagem do sistema estuarino, a partir da construção do dique e posteriormente, agravada
pelo aterro por onde passam as adutoras e o ramal de tratamento de esgoto, atualmente, da
SABESP, do que pela recente ocupação por moradias.
Pode-se notar através de consulta a fotos antigas, a interferência no regime natural
de circulação das águas. Cita-se como exemplo: o estreitamento da foz do rio São Jorge,
que resultou em graves conseqüências para os sistemas naturais de deposição dos
sedimentos e na cobertura vegetal presente sobre esses depósitos, de uma parcela do trecho
do estuário.
O aterro da faixa de domínio da SABESP pode ter sido supostamente preparado,
através da remoção das camadas de solo vegetal40, vegetação e suas raízes e substituído por
solo de melhor qualidade para reforço da base e/ou ainda, através do processo de “gaiolas”
de arame galvanizado preenchidas com pedra britada ou seixos, que são colocadas
justapostas e costuradas umas as outras por arame.41

40
Identificado também como solo mole.
41
O gabião é utilizado para os mais diversos fins: estrutura de contenção, proteção, revestimento etc, em
função de estudos geotécnicos e hidrológicos realizados para cada caso.
Após essas marcantes intervenções, que mudaram a dinâmica e característica
ambiental da área, ocorridas bem antes de 1994, houve um processo natural de recuperação
da cobertura vegetal sobre as áreas de empréstimos e aterros “fora de obra”, onde
atualmente estão parte das construções do “Caminho da União” e “Alça do Dique”.
No caso presente, a vegetação do manguezal não está compreendida na definição de
floresta: grande concentração de vegetação arbórea e de outros tipos, em larga extensão de
solo, incluindo cursos d’água e lagoas, com acentuada diversidade de espécies e formando
considerável biomassa aérea e rico ecossistema; portanto, implicando grande biocenose
(PELLEGRINI FILHO, 2000).
Considera-se difícil uma avaliação precisa sobre o aumento ou diminuição dos
impactos negativos no ecossistema da região, levando-se em conta apenas como único fato
à consolidação da favela.
É certo, que somente no denominado “Caminho da União”, o núcleo urbano ocupa
uma área de 13.500 (treze mil e quinhentos) metros quadrados, onde aproximadamente 450
(quatrocentos e cinqüenta) famílias construíram suas moradias ao longo de um caminho de
terra batida preexistente, fincadas sobre palafitas ou erguidas a rés do solo,
convenientemente aterrado com os mais diversos entulhos de demolição, na forma a granel
ou “ensacado”.
Inicialmente, os barracos foram levantados de forma provisória em madeira, mas
hoje, a população já investe em materiais de construção duráveis, reformando e edificando
em alvenaria e erguendo “sobrados”. Destacam-se também, algumas ocupações mistas42 e
religiosas.
O abastecimento de água é de responsabilidade da SABESP e a energia domiciliar e
a iluminação pública, distribuída ainda de forma precária, são fornecidas pela
PIRATININGA. O local dispõe de um telefone público comunitário.
O lixo é coletado pelo serviço terceirizado contratado pela P.M.S., embora uma
parcela ainda considerável seja carregada pelo fluxo natural das marés, ora para o meio do
estuário, ora retornando as margens, onde a limpeza é feita periodicamente. As águas
pluviais e dejetos domésticos escoam diretamente para os rios, que margeiam as moradias.

42
Foram classificadas dentro do uso residencial/comercial 7 (sete) moradias. COHAB-ST/PMS. “Relatório
sobre as condições de moradia na favela do Jardim São Manoel”.
No estuário e no canal de empréstimo observou-se a presença de duas espécies da
avifauna: a Egretta thula (garça-branca-pequena) e o Coragyps atratus (urubu). Não foram
identificadas outras aves, nem mamíferos e répteis.
Em face de todas essas características, a área não tem status significativo para ser
considerada como “refúgio de fauna silvestre” – definido como área pequena que apresenta
condições favoráveis a sobrevivência de determinadas espécies, apesar das mudanças
bruscas que tenham ocorrido em áreas adjacentes, onde estas espécies já desapareceram ou
como área protegida, visando a preservação da biota (ACIESP, 1997) –, uma vez que os
atributos e as condições ecológicas encontram-se sob severa pressão antrópica, devido à
proximidade das áreas urbanizadas e consolidadas.
O corpo do aterro apresenta atualmente aspecto arenoso/argiloso, misturado a restos
de materiais de demolição e brita, compactado e parcialmente erodível em alguns trechos.

6. AVALIAÇÃO AMBIENTAL DO ECOSSISTEMA – DIAGNÓSTICO PARCIAL


Os principais aspectos que precisam ser investigados, da parcela dessa área que se
localiza no interior das águas do estuário são: os movimentos dessas águas, os processos de
mistura e distribuição da salinidade (BOWDEN 1967), pois o fluxo de água doce varia
grandemente e as condições neste ambiente mudam com a variação do volume de água
carreado.
São também considerados como importantes, os diversos aspectos ecológicos que se
relacionam à composição da flora e fauna:
• Análise da composição florística das espécies nativas do
manguezal que sofreram redução da cobertura vegetal, através de
estudo da densidade do bosque, área foliar, DAP, altura, área
pastoreada, altura de pneumatóforos;
• Análise da fauna séssil, que verdadeiramente sofre o estresse do
ambiente ou os estresses adicionais provocados por atividades
antrópicas, através do estudo das comunidades aderidas às raízes
(CAMARGO, 1986) e da fauna presente no sedimento,43
possibilitando a obtenção de Índices de Qualidade Ambiental; e
• Análise da alteração do sistema de aporte e deposição de
sedimentos e materiais sólidos transportados pelos rios.

Ante a escassez de trabalhos realizados nos manguezais da Baixada Santista sobre


esse assunto, utiliza-se a contribuição de MACHADO et al. (1993); MANÇO & al. (2001)
e estudos realizados pela CETESB em 1978 (CETESB, 1978), 1983 (CETESB, 1983) e
2001 (CETESB, 2001).

6.1. Flora
O Canal dos Barreiros, juntamente com a região formada pelos rios dos Bugres,
Casqueiro e São Jorge, faz parte de uma área isolada dentro do sistema estuarino, com
pequenas variações da salinidade, da temperatura e do pH ao longo do ano, que sugerem
comportamento fechado, com pequena renovação da massa líquida proveniente da baía e
maior mistura vertical.
O estudo de MANÇO et al. (2001) localizou-se no município de São Vicente, na
margem direita desse canal, num segmento próximo a ponte dos Barreiros, por onde passa a
linha da Estrada de Ferro Sorocabana. Na margem oposta, fica o bairro da Esplanada, onde
existem inúmeros barracos e casas simples de alvenaria, construídas em áreas de mangue e
sem rede de esgoto e coleta de lixo.
Ao longo do ano, dados físico-químicos foram medidos, como: a temperatura do ar,
da água e do solo na margem do canal, além do pH e salinidade da água empoçada na terra.
Para caracterizar a estrutura do manguezal, traçou-se aleatoriamente quatro
quadrados com 10 (dez) metros de lado, levantando-se os números de indivíduos por
espécie. Estimou-se a altura e circunferência das árvores e arbustos e altura das plântulas,
que possibilitou a obtenção da densidade, da freqüência e da dominância. Mediu-se, com o
auxílio de uma régua, o comprimento de 50 (cinqüenta) folhas expostas ao sol de Avicennia

43
Os invertebrados infaunais são os organismos melhor adaptados para viver em habitat sob rigorosas
características físicas, como é o caso do estuário.
schaueriana Stapf. & Leechman., Laguncularia racemosa (L.) Gaertn e Rhizophora mangle
L.. Das folhas senescentes destas três espécies, calculou-se o pastoreio aéreo.
Os resultados observados foram:
a) Dados físico-químicos
• temperatura do ar: 23,2 – 34,2 ºC
• temperatura da água: 23,4 – 27,6 ºC
• temperatura do solo: 24,1 ºC (*)
• pH: 6,74 – 7,76
• salinidade: 22,1 – 24,8 p.p.m.
(*) único dado, pois nos demais dias de coleta a maré estava alta.

b) Estrutura do manguezal
• A espécie A. schaueriana apresentou o maior número de árvores
(96 indivíduos) e arbustos (13 indivíduos). Obteve a maior média de
altura (1,32 m) para arbustos e pneumatóforos (14,7 cm) –
comparado com a L. racemosa – e as maiores densidades como
árvore (0,24 indivíduos/m2), como arbusto (0,033 indivíduos/m2) e no
bosque (0,256 indivíduos/m2), além da dominância (0,166) para
arbusto. As médias das medidas foliares no comprimento foram: 7,5
cm (inverno) e 8,1 cm (verão) e na largura: 3,9 cm (inverno e verão).
A área foliar variou entre 13,73 cm2 (inverno) e 17,56 cm2 (verão) e o
pastoreio 0,41% (inverno) e 2,37% (verão).
• A espécie R. mangle mostrou o maior número de plântulas (256
indivíduos) e se sobressaiu no total (284 indivíduos), como a espécie
melhor representada em número de indivíduos no bosque. Obteve a
maior média de altura (9,79 m), DAP (12,17 cm), área basal (116,90
cm) e dominância (8,18) para árvores e no bosque (8,183), além da
maior densidade de plântulas (0,640 indivíduos/m2). As médias das
medidas foliares no comprimento foram: 6,9 cm (inverno) e 9,8 cm
(verão) e na largura: 3,6 cm (inverno) e 4,7 cm (verão). A área foliar
variou entre 29,28 cm2 (inverno) e 25,75 cm2 (verão) e o pastoreio
1,74% (inverno) e 2,14% (verão).
• A espécie L. racemosa foi à espécie menos representada no
bosque (18 indivíduos), registrando a menor média de altura como
árvore (2,00 m), arbusto (1,10 m) e pneumatóforos (9,48 cm) –
comparado com a A. schaueriana – e também os menores valores de
DAP (3,03 cm), densidade (0,008) e dominância (0,058) no bosque.
As médias das medidas foliares no comprimento foram: 6,7 cm
(inverno) e 7,9 cm (verão) e na largura: 3,3 cm (inverno) e 4,0 cm
(verão). A área foliar variou entre 17,79 cm2 (inverno) e 16,56 cm2
(verão) e o pastoreio 3,12% (inverno) e 2,98% (verão).

Estudos têm demonstrado que existe uma tendência temporal para cada espécie
assumir uma dominância competitiva na zona preferida (SNEDAKER, 1982), resultado de
um ótimo ao longo de um gradiente físico-químico, onde variações no ecossistema podem
resultar em competição exclusiva ou dominância por uma espécie subordinada, levando a
substituição de espécies e/ou estabelecimento de zonas.
O comprimento e a largura das folhas de mangue podem ser indicadores de tensão
ambiental, como no caso de áreas sujeitas a tensores crônicos,44 quando as folhas tendem a
apresentar tamanho menor (LUGO & SNEDAKER, 1974 e CINTRÓN & SCHAEFFER-
NOVELLI, 1983a).
Já a porcentagem de pastejo registrada em um bosque é função das condições
ambientais, bem como das características foliares das espécies presentes (SCHAEFFER-
NOVELLI & CINTRÓN, 1986). As folhas de A. schaueriana parecem ser mais vulneráveis
ao pastejo e sob condições de rigor ambiental, parece haver um incremento na herbívora.
Em geral, os valores registrados em bosques saudáveis são menores que 10%. Existem
ainda outros fatores que influenciam, como por exemplo: a deposição de material
particulado e/ou substâncias sobre as folhas (CETESB, 1988).
Na discussão, para MANÇO et al. (2001), os manguezais do Canal dos Barreiros:

44
Os agentes crônicos causadores de tensão ambiental podem ser: hidrocarbonetos, hipersalinidade e altas
temperaturas.
• Não têm um padrão determinado de zonação, constituindo-se
num bosque monoespecífico ou misto, com a ocorrência das espécies:
A. schaueriana, R. mangle e L. racemosa;
• Houve uma redução de comprimento das folhas e no número de
árvores de R. mangle, comparado com dados obtidos por outro
relatório de 1994, elaborado pela própria UniSantos, o que pode
indicar uma suscetibilidade maior dessa espécie aos tensores;
• Os resultados apresentaram uma média de pastejo das três
espécies de mangue que não ultrapassaram a 8%, embora esse fato
não signifique que as agressões observadas não estão comprometendo
o vigor da vegetação.

6.2. Fauna
A fauna do manguezal é bastante diversificada. Em geral, apresenta desde formas
microscópicas até grandes peixes, aves, répteis e mamíferos, capazes de explorar o
ambiente em toda a sua extensão. Pode ocupar o sedimento ou a água, as raízes e troncos,
chegando até à copa das árvores e ainda migrar com o fluxo das marés (CAMARGO, 1986
e LEITÃO, 1995).
Poucas espécies são exclusivas dos manguezais (MACNAE, 1968). Na maioria, são
compostas de espécies oportunistas e de ampla distribuição, que procuram essas áreas para
a obtenção de alimentos45 ou ainda, dele se utilizam durante o desenvolvimento de
determinadas fases de sua vida.46
A estrutura das comunidades é determinada mais pelos fatores físico-químicos,47 do
que pelos bióticos. Assim, a baixa diversidade específica dos manguezais tende aumentar à
medida que diminuem as condições de estresse desses ambientes. Uma vez capazes de
invadir o ambiente, essas espécies oportunistas mostram grande capacidade de adaptação e
elevada biomassa orgânica (CAMARGO, 1986).

45
Comumente, mamíferos terrestres.
46
As aves utilizam essas áreas, preferencialmente, como local de acasalamento e nidificação; muitos
crustáceos e outros organismos marinhos.
47
Os principais fatores físico-químicos são: salinidade, inundação/dessecação e características do solo.
Contribuindo para o conhecimento da fauna típica de manguezal da região, em vista
da grande diversidade de organismos que depende desse ecossistema altamente complexo e
considerando a escassez de trabalhos sobre o assunto, o relatório parcial de MACHADO et
al. (1993) teve também como área de estudo as margens do Largo de São Vicente, próximo
à ponte dos Barreiros, onde foram coletados organismos sésseis presentes em raízes escora
de R. mangle e lodo sobre os pneumatóforos de A. schaueriana.
Os resultados foram:
• Moluscos do gênero Teredo (Família Teredinidae), bivalves
perfuradores que vivem em galerias escavadas em troncos;
• Os moluscos bivalves Crassostrea rhyzophorae (C. brasiliana) e
Mytella falcata, ambos de interesse comercial;
• Entre os invertebrados vágeis, principalmente o molusco
Littorina zic-zac em troncos e raízes escora e pelo menos três
espécies de caranguejos (Crustáceo Decapoda Brachyura), além de
espécies de aranhas (Ordem Araneae) nos troncos;
• Organismos sésseis, predominando as cracas dos gêneros
Balanus e Cthamalus, presentes em raízes escora de R. mangle;
• Presença principalmente de anelídeos poliquetas de diferentes
famílias, no lodo sobre os pneumatóforos de A. schaueriana.

Observaram-se também as presenças de algas, que são vegetais fotossintetizantes,


capazes de transformar a energia luminosa em química e por isto, fundamentais na cadeia
alimentar, onde funcionam como produtores primários. Rodofíceas das espécies:
Bostrychia calliptera, Bostrychia radicans e Catenella rapens foram identificadas,
misturadas aos sedimentos e nas raízes escora de R. Mangle.

6.2.1. Malacofauna
O filo Mollusca inclui uma variedade de animais invertebrados como: mariscos,
mexilhões, ostras, caracóis, lesmas, lulas polvos, sépias, dentre outros. Algumas dessas
espécies são muito comuns, facilmente coletáveis e explorados comercialmente como
alimento humano. O principal risco é a contaminação por metais pesados e esgoto,
associado a bactérias e vírus patógenos, especialmente quando consumidos sem serem
cozidos.
Distribuindo-se em agrupamentos relacionados com a profundidade, o tipo de
substrato, a salinidade da água e com os produtos primários, os moluscos encontrados se
agrupam nas classes: Gastropoda e Bivalvia.

a) Gastropoda
• Espécie: Litorina zic-zac

Esse molusco gastrópodo epifaunal encontrado em substrato rígido,48 suporta


ambiente de pouca umectação devido à retenção de água em seu interior, quando fecham o
opérculo e necessita de imersões periódicas, para realizar suas funções, inclusive a
liberação de gametas (MELLO & TENÓRIO, 2000).
Estão entre os moluscos que sofreram adaptações terrestres e cuja locomoção e
respiração são independentes da água, embora se alimentem em ambientes úmidos e
liberem suas larvas na água. A forma e ornamentação das conchas, além das adaptações
morfológicas, conferem a essas espécies a capacidade de viver sob condições de estresse
físico, ocasionado pelo ciclo de marés (MARCUS & MARCUS, 1965).

b) Bivalvia
• Família: Ostreidae
Espécie: Crassostrea rhyzophorae
Nome vulgar: Ostra de mangue

• Família: Mytilidae
Espécie: Mytella falcata
Nome vulgar: Sururu

A ostra do mangue Crassostrea rhyzophorae, epifaunal encontrada sobre raízes


escora de R. mangle, como todos os membros dos gêneros Ostrea e Crossostrea é

48
Troncos e raízes escora.
particularmente bem adaptada a uma existência estuarina, porque tolera amplas faixas de
temperatura (0ºC a 40ºC), salinidade (4% a 45%), turbidez e diminuição de oxigênio, além
de poder produzir seu próprio substrato duro (DAY et al., 1989). Sendo onívora, predomina
a microflora na sua dieta alimentar, sobretudo as diatomáceas (AZEVEDO, 1980).
A família Mytilidae, da espécie Mytella falcata, esteve fortemente associada com
ambientes eutróficos no ecossistema de Itamaracá, litoral do Estado de Pernambuco
(PARANAGUÁ et al., 1999).

6.2.2. Carcinofauna
O povoamento dos crustáceos, presentes nos substratos duros naturais, compreende
o grupo dos decápodos, encontrados nos troncos e dos cirrípedes, basicamente espécies das
famílias Balanidae e Chtamalidae, localizados nas raízes escora (R. mangle).

6.2.3. Zooplâncton
O zooplâncton é o conjunto de animais, geralmente microscópicos, que habita toda
a massa d‘água e cujos movimentos não são suficientes para vencer as correntes. Devido ao
seu curto ciclo de vida, responde rapidamente as modificações ambientais, sendo excelentes
bioindicadores (PARANAGUÁ et al., 2000).
Desempenha papel fundamental nas áreas estuarinas, servindo como elo entre o
fitoplâncton e muitos carnívoros, além da ciclagem dos nutrientes e transferência de energia
de um ambiente para o outro (DAY et al., 1989).
Foram registrados no lodo sobre os pneumatóforos de A. schaueriana os
representantes dos Filos:
a) Sipuncula;

b) Nemertinea; e

c) Anellida
c1. Classe Polychaeta
c1.1. Famílias Capitellidae, Maldanidae, Nereidae, Syllidae
e Sabellidade
c2. Classe Olygochaeta.

6.3. Poluição Hídrica


Entre fevereiro e maio de 1999, através de coletas em 26 pontos de amostragem
distribuídos por toda a região, a CETESB levantou a contaminação ambiental do sistema
estuarino de Santos e São Vicente (CETESB, 2001).
Os rios Casqueiro e São Jorge, adjacentes a área de estudo e abrangidos por esse
levantamento, podem ser incluídos na Zona Ecológica III – Estuário de São Vicente,
conjuntamente com os canais estuarinos e demais rios sob influência direta do regime de
marés e que recebem a drenagem dos municípios de São Vicente e Praia Grande, além das
contribuições de poluentes de áreas contaminadas por resíduos organoclorados e metais
pesados, bem como de esgoto in natura e do chorume do Lixão de Sambaiatuba,49 que
ainda se encontrava em plena atividade na época da pesquisa.
As águas salobras foram enquadradas na classe 7, conforme a Resolução nº 20/86,
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 1986), destinadas à: a) Recreação de
contato primário; b) Proteção das comunidades aquáticas; c) Criação natural e/ou intensiva
(aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.
As formas principais observadas de entrada de substâncias químicas no sistema
estuarino de Santos e São Vicente e na zona marinha adjacente foram:
1. Através da água de escoamento superficial;
2. Pelo lançamento de efluentes líquidos industriais, portuários e
domésticos;
3. Por vazamento e acidentes ambientais;
4. Por deposição atmosférica de poluentes;
5. Pela disposição inadequada de resíduos sólidos domésticos e
industriais em diversos locais das bacias de contribuição,
contaminando as águas superficiais e subterrâneas;
6. Através do lançamento de sedimentos contaminados resultante da
atividade de dragagem nos canais portuários.

49
Ponto de amostragem da coleta 11.
6.3.1. Esgoto Doméstico
O esgoto sanitário é constituído por uma enorme variedade de compostos orgânicos
e inorgânicos, resultantes da atividade humana. São detergentes, óleos e graxas, gorduras
animais e vegetais, sais solúveis e insolúveis, plásticos, sabões, proteínas, fibras animais,
sintéticas, vegetais e o produto do metabolismo humano.
Embora tenha uma degradabilidade alta, é normalmente lançado nos rios, córregos e
correntes d’água em enorme quantidade pelas cidades do mundo (BARBOSA, 1992).
Como exemplos, apenas para se restringir à região da Grande São Paulo, pode-se
citar o rio Tietê, que no final da década de 80 tinha um volume de esgoto da ordem de
30/40 metros cúbicos por segundo (SIMPÓSIO SOBRE ÁGUAS PÚBLICAS: O
PROBLEMA DA GRANDE SÃO PAULO-1989, 1992) e a previsão era de um
crescimento para 100 metros cúbicos por segundo, nos anos 2000 a 2005.
O rio Pinheiros também não apresenta melhores condições. Recebe a contribuição
do rio Tietê e o esgoto dos bairros Pinheiros e Santo Amaro, inexistindo no interior de suas
águas qualquer presença de oxigênio. Tudo isto vai para a represa Billings, o grande
depósito de esgoto, com mais de 120.000.000 (cento e vinte milhões) de metros quadrados
(MUSETTI, 2001).
O relatório técnico da CETESB (2001) descreveu que a poluição por contribuição
de esgoto doméstico ainda se constitui numa grande fonte de nutrientes, matéria orgânica e
microrganismos para o sistema estuarino e baía de Santos, levando a eutrofização do
ambiente aquático e o comprometimento da qualidade das águas para banho.
Pelo art. 26 da Resolução nº 20/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA, 1986), a balneabilidade das águas doces, salobras ou salinas, destinadas à
recreação de contato primário, pode ser classificada em quatro categorias: excelente, muito
boa, satisfatória ou imprópria, segundo o critério de concentração de coliformes fecais
(limite de NMP coli-fecal/1,00 ml), colhidos num conjunto de amostras obtidas em cada
uma das 5 (cinco) semanas anteriores.
Inclui-se na categoria: excelente, quando no máximo apresentar 250 (duzentos e
cinqüenta) coliformes fecais por 1,00 ml em 80% ou mais amostras; muito boa, quando no
máximo apresentar 500 (quinhentos) coliformes fecais por 1,00 ml em 80% ou mais
amostras; satisfatória, quando no máximo apresentar 1.000 (mil) coliformes fecais por 1,00
ml em 80% ou mais amostras.
Já a categoria imprópria, ocorre nas seguintes circunstâncias:
“1. não enquadramento em nenhuma das categorias anteriores, por terem
ultrapassado os índices bacteriológicos nelas admitidos;
2. ocorrência, na região, de incidência relativamente elevada ou anormal
de enfermidades transmissíveis por via hídrica, a critério das autoridades
sanitárias;
3. sinais de poluição por esgotos, perceptíveis pelo olfato ou visão;
4. recebimento regular, intermitente ou esporádico, de esgotos por
intermédio de valas, corpos d'água ou canalizações, inclusive galerias de
águas pluviais, mesmo que seja de forma diluída;
5. presença de resíduos ou despejos, sólidos ou líquidos, inclusive óleos,
graxas e outras substâncias, capazes de oferecer riscos à saúde ou tornar
desagradável a recreação;
6. pH menor que 5 ou maior que 8,5 ;
7. presença, na água, de parasitas que afetem o homem ou a constatação
da existência de seus hospedeiros intermediários infectados;
8. presença, nas águas doces, de moluscos transmissores potenciais de
esquistossomo, caso em que os avisos de interdição ou alerta deverão
mencionar especificamente esse risco sanitário;
9. outros fatores que contra-indiquem, temporariamente ou
permanentemente, o exercício da recreação de contato primário.

A contribuição difusa por áreas não servidas por coleta e tratamento de esgoto
diretamente para o estuário, revelou-se bastante significativa, aumentando ainda mais o
impacto, quando lançada em locais confinados, onde os poluentes se dispersam com
dificuldades.
Os efluentes domésticos também veiculam alguns contaminantes químicos, como
metais pesados,50 fenóis, clorofórmio e outros compostos presentes em produtos
domésticos ou hospitalares.

50
Um dos principias é o zinco, presente nas telhas e utensílios domésticos.
Predominantemente originários de atividade antrópica, foram encontrados nos
ambientes aquáticos:
• Compostos como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos
(PAHs), incluídos em efluentes industriais e esgoto doméstico,
incineração de lixo, derramamentos de petróleo, produção de asfalto,
óleo creosoto e queima de combustíveis fósseis; e
• Dioxinas, dibenzo-p-dioxinas cloradas (CDDs) e os furanos,
dibenzofuranos clorados (CDFs), que entram normalmente pela
deposição atmosférica, gerada pela incineração de resíduos
industriais e domésticos, mas também via esgoto e águas de
drenagem.

6.3.2. Resíduos Sólidos Domésticos


O mesmo relatório acrescenta, que a disposição irregular de resíduos sólidos
domésticos, constitui outra importante fonte de poluentes para o solo e para as águas
superficiais e subterrâneas, o que acaba contribuindo para a contaminação do sistema
estuarino.
Nesses resíduos, muitas vezes, são adicionados produtos e substâncias sem qualquer
controle51 e que podem constituir uma fonte significativa de poluentes perigosos, como o
mercúrio e outros metais presentes. A decomposição da matéria orgânica contida no lixo,
também pode contribuir com poluentes tóxicos, como cianeto e certos compostos fenólicos.
O risco de contaminação é tanto maior quanto mais precária for a forma de
disposição final do lixo. Assim, os lixões são fontes de poluentes mais expressivas do que
os aterros sanitários, os quais reduzem a lixiviação de poluentes e promovem o tratamento
do seu chorume.
O ponto de amostragem de coleta 11 – Largo da Pombeba / Lixão de Sambaiatuba –
foi o mais próximo da área do Jardim São Manoel, utilizado pela CETESB para avaliar a
evolução do quadro de contaminação ambiental, ampliar a área de estudo e agregar
poluentes até então não estudados de forma sistemática na região (CETESB, 2001).

51
Lâmpadas, baterias e outros resíduos de origem doméstica.
Nenhuma situação de poluentes por contribuição de esgoto doméstico, acima dos
níveis admitidos nos critérios estabelecidos pelo CONAMA (CONAMA, 1986) e por
agências ambientais canadense e americanas, foi observado nos quase quarenta mapas de
contaminação da água, organismos e sedimentos, que integram o relatório Sistema
Estuarino de Santos e São Vicente (CETESB, 2001).

6.4. Identificação e classificação dos tensores


No contexto ecológico, tensor é definido como qualquer condição ou situação que
implique na mobilização de recursos e aumento no gasto energético de um sistema, para
manter ou restaurar seu estado de equilíbrio dinâmico (CITRON & SCHAEFFER-
NOVELLI, 1983b).
Os tensores podem se classificar em cinco tipos (LUGO et al., 1980):
• Tipo “1” – Aqueles que alteram a natureza da fonte de
alimentação de energia;
• Tipo “2” – Aqueles que desviam porções da energia antes de ser
incorporada ao sistema;
• Tipo “3” – Aqueles que removem energia potencial antes do
armazenamento, logo após de ser fixada;
• Tipo “4” – Aqueles que removem biomassa;
• Tipo “5” – Aqueles que aumentam a taxa de respiração.
Os tensores “1”, “2” e “3” alteram o fluxo de energia, afetando a capacidade do
sistema para recuperar-se. Atuando de forma intensa, diminuem as possibilidades de
mitigação do impacto. O tipo “1”52 e o tipo “2” são os mais severos, pois modificam o
próprio ambiente.
O tensor “4”53 e o tensor “5”54 têm impacto menor no ecossistema, uma vez que não
impedem que este receba a contribuição de energias auxiliares, como a maré e uma
considerável gama de nutrientes.
Os tensores de origem antrópica no ecossistema analisado são antigos e estão
essencialmente relacionados à construção do dique e do aterro – tensor tipo “1” – por onde

52
Como exemplos de Tensor tipo “1”: canalizações, represas, diques etc.
53
Como exemplos de Tensor tipo “4”: desmatamento, furacões, nevada etc.
54
Como exemplo de Tensor tipo “5”: alterações térmicas.
passam as adutoras e o ramal de tratamento de esgoto, atualmente, da SABESP. Após essas
obras, ocorreram deposições de sedimento em torno do local e redução da contribuição da
maré, com aceleração da taxa de respiração do sistema – tensor tipo “5” – e de nutrientes,
envolvendo fatores de limitação para fotossíntese – tensor tipo “4”.
O desmatamento – tensor tipo “4” –, que removeu energia armazenada pelo sistema
e as parcelas aterradas de manguezal – tensor tipo “1” – estão relacionados a faixa de
domínio da PIRATININGA, além de ser a forma alternativa encontrada pela população
para construção de moradias nesses últimos oito anos.
Outro ponto importante é o lançamento de efluentes domésticos sem tratamento no
ambiente estuarino. Além da possibilidade de proliferação de vetores patogênicos, esse
despejo atua no bloqueio dos pneumatóforos e lenticelas, que permitem à respiração das
plantas, resultando na morte das espécies e da fauna associada ao mangue – nesse caso,
encontram-se tipificados como tensores “1” e “5”.
Quanto aos resíduos sólidos, o comprometimento da produtividade é menor, pelo
fato dos depósitos ocorrerem a céu-aberto e desde que sejam eliminados da área, as
espécies de mangue podem se recompor (CINTRÓN & SCHAEFFER-NOVELLI, 1992).
Em síntese, a ação de tensores vem comprometendo o desempenho das funções
ecológicas do manguezal muito antes de 1994, quando parte dos fluxos de matéria e energia
desse ecossistema já estariam sendo usados para restaurar seu equilíbrio dinâmico.
É necessário juntar esforços para o conhecimento e proteção desse ecossistema, bem
como melhorar a qualidade de vida da população local através de um programa de
saneamento ambiental, de modo a propiciar o desenvolvimento sustentável dos recursos
naturais a serviço da população do município e em especial, da comunidade da “Alça do
Dique” e do “Caminho da União”.

7. CONCLUSÃO
Nas duas últimas décadas vem se observando o crescimento das investigações sobre
o manguezal no Brasil,55 com características que permitem adequar os resultados dessas
pesquisas ao desenvolvimento de Estudos de Impactos Ambientais.

55
Embora a maioria dos trabalhos ainda se concentre nas regiões da Flórida e Porto Rico.
Esse instrumento técnico, que foi introduzido no sistema normativo brasileiro pelo
art. 10, § 3º, da Lei 6.803/80,56 tornou obrigatória a apresentação de estudos especiais de
alternativas e de avaliação de impacto para a localização de pólos petroquímicos,
cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares.
Com a Resolução CONAMA 001/86 estabeleceu-se a exigência de elaboração de
Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e respectivo Relatório de Impacto Ambiental –
RIMA – para o licenciamento de diversas atividades modificadoras do meio ambiente, bem
como as diretrizes e atividades técnicas para sua execução (IBAMA, 1995).
Existem inúmeras definições na literatura especializada do processo de avaliação de
impactos ambientais:
• Estudo destinado a identificar e interpretar – assim como
prevenir – as conseqüências ambientais ou os efeitos que
determinados projetos ou ações podem causar à saúde e ao bem-estar
do homem e ao entorno, ou seja, os ecossistemas em que o homem
vive e de que depende (BOLEA, 1984);
• Processo utilizado para prever os impactos ambientais potenciais
de um projeto de desenvolvimento, identificar e fixar medidas
mitigadoras para controlá-lo e auxiliar, com as informações geradas
no estudo, os tomadores de decisão na responsabilidade de permitir
ou recusar a aprovação do referido projeto (BAILEY et al, 1992).

Sobre a legislação que contempla a proteção do manguezal (POLETTE, 1995),


tanto a fauna quanto à flora encontram-se sob proteção ambiental de intervenções humanas
diretas.
Deve-se ressaltar porém, como foi anteriormente observado, que a vegetação de
manguezal encontrada na área de estudo, não está compreendida na definição de floresta.
Sua destruição, danificação ou corte, não se constitui numa infração penal, da modalidade
contravenção, definida no art. 26, “a” ou “b” do Código Florestal.

56
A Lei 6.803/80 instituiu as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição.
Não ficando demonstrado o enquadramento do manguezal em tela como floresta,
não há tipicidade penal em sua destruição, remanescendo tão-somente, se for o caso, a
responsabilidade nas esferas civil e administrativa (SIQUEIRA FILHO, 1998).
Sem entrar no mérito da polêmica levantada por SILVA (1994) e defendida por
CRUZ (1999), o art. 3º, § 1º da Lei 4.771/65,57 permite a supressão de vegetação de
preservação permanente, condicionada a prévia autorização do Poder Executivo Federal,
contanto que o terreno seja aproveitado em projetos de utilidade pública ou interesse social.
Esse entendimento é ainda maior (MUSETTI, 2001), após as seguintes publicações:
• Medida Provisória nº 1.956-47, que modificou o art. 3º;
• Projeto de Lei de conversão da Medida Provisória nº 1.885-43/99, que
alterou o art. 2º, § único e art. 3º; e ainda, posteriormente,
• Projeto de Lei de conversão da Medida Provisória nº 1.956-49, que
alterou o art. 1º e 4º, todas referentes ao texto do Código Florestal.

No momento, está em vigor a Medida Provisória 2.166-67, de 24 de agosto de 2001,


que modificou a redação original do artº 4º, do Código Florestal e incorporou à matéria
anteriormente disposta no art. 3º, §§ 1º e 2º, de modo a permitir, que a autoridade
competente, autorize a supressão de vegetação em área de preservação permanente, dentro
dos requisitos estabelecidos pela norma.
O caso de utilidade pública apresenta-se quando a transferência de bem de terceiros
para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. Já o interesse social,
ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da
propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da
coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público
(MEIRELLES, 1996).
Em ambos os casos são encontrados como finalidade: o atendimento a coletividade
administrada ou a uma grande parcela desta, condição primeira, que justifica a realização
de um projeto de urbanização e saneamento ambiental para a área em estudo.
Podendo em alguns casos, esse ecossistema apresentar-se vulnerável a interferências
externas e ocorrendo situações em que as alterações antrópicas nas proximidades venham a

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Código Florestal.
interferir negativamente, cumpre-se a Resolução CONAMA 001/86, para garantir a
preservação dessas áreas, através da realização de estudos dos impactos diretos e indiretos
causados sobre as mesmas.
Medidas mitigadoras e de compensação ambiental, quando forem necessárias, serão
encaminhadas aos competentes órgãos ambientais, que após analisa-las, poderão autorizar a
ocupação de Áreas de Preservação Permanente.
Essa compensação, de ordem jurídico-administrativa, visa equilibrar através da
substituição os danos ocorridos. As medidas mitigadoras devem se preocupar para que haja
uma efetiva compensação/equilíbrio entre a perda e o ganho ambiental, abrangendo toda a
área e o tipo de diversidade biológica afetada.

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