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No alto da serra do Gandarela, onde uma estrada de terra pouco frequentada é a única
via de acesso, uma placa solitária avisa que a terra tem dono. “Propriedade Particular”,
lê-se abaixo do logo da Vale.
Criado por decreto em outubro de 2014, o parque, oficialmente, ainda não tem a posse de
nenhum dos 31 mil hectares previstos.
“Vamos receber as terras via compensação ambiental das empresas”, afirma Tarcísio
Nunes, diretor do parque nacional. Do total, 50% da área do parque ainda são da Vale e
20% são da mineradora AngloGold. Samarco e imobiliárias são donas do restante. “Há
pedidos de lavra por todo o território. Mas uma vez que a área virou parque, não se
pode mais minerar”, diz Nunes.
A Vale confirmou que 16 mil hectares – dos 22 mil que detém na serra do Gandarela –
estão dentro da área de proteção integral. “A destinação desse terreno ao parque
nacional encontra-se em fase de regularização fundiária, em acompanhamento direto
pelo ICMBio”, respondeu por e-mail.
Ademir Martins Bento, 72 anos, foi um dos primeiros a perceber que a serra estava
prestes a ser perfurada para extração de ferro. Em 2002, como funcionário da prefeitura
de Caeté, ajudou a administração pública a recusar um pedido que abriria caminho para
a mineração no local.
“Desde pequeno, caminhava na região com meu pai, guiei muitas expedições de
pesquisa também, conhecia toda a beleza e importância das águas que vinham do
Gandarela”, relembra.
Em resposta à investida da Vale, Bento pediu ajuda para o Projeto Manuelzão, da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais). Saulo Alvares de Albuquerque, gestor
ambiental que integrava o projeto à época, foi um dos primeiros a responder ao
chamado.
“Foi uma corrida contra o tempo. Nós tínhamos que mandar a proposta com pedido de
criação do parque antes que a Vale protocolasse o pedido da mina”, relembra
Albuquerque. “Percebemos que a proposta da Vale era interligar todas suas minas do
Quadrilátero Ferrífero. As comunidades ficaram apavoradas.”
Por enquanto, a Vale não tem autorização para minerar na área que ficou de fora do
parque. “O Projeto Apolo foi amplamente reformulado e a revisão do Estudo de Impacto
Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental foi protocolada em julho de 2018”, afirma a
empresa. A análise do processo ainda não foi retomada pelo governo estadual de Minas
Gerais.
A serra do Gandarela está inserida nos municípios de Caeté, Nova Lima, Raposos, Rio
Acima, Barão de Cocais, Itabirito, Ouro Preto e Santa Bárbara. Faz ainda divisa com
Mariana e está perto de Brumadinho – duas cidades afetadas recentemente por tragédias
causadas por barragem de rejeitos.
Serra do Gandarela 4K
“Fábrica” de água
Com áreas conservadas de Cerrado e Mata Atlântica, 270 cavernas localizadas, mais de
300 espécies identificadas entre onças parda e pintada, lobo-guará, veado campeiro e
anta, a serra do Gandarela abriga ainda um dos sistemas mais ameaçados do país: a
canga.
Essa formação é como uma crosta ferruginosa que fica por cima do solo, resistente à
erosão e porosa – permite que a água da chuva infiltre e forme grandes aquíferos. Ela é
encontrada em poucos lugares do país e corre o risco de sumir por, numa triste
coincidência, ocorrer em zonas de interesse da mineração.
“Daqui saem as águas que abastecem duas bacias hidrográficas importantes para o país,
a do Doce e do São Francisco, ambas já bem impactadas por rejeitos da mineração”, diz
Rodrigues.
É do rio das Velhas, afluente do São Francisco, que vem a água que abastece 70% da
população de Belo Horizonte, além de outras cidades da região metropolitana. “Já
pensou o que aconteceria caso esse rio, como aconteceu com o Paraopeba e o Doce, fosse
contaminado depois de um rompimento de barragem da Vale?”, questiona.
Ademir Martins Bento diz se tratar de “uma briga com gigantes”. “Depois desses crimes
todos, a Vale ficou numa situação mais delicada. E a população, espero, mais atenta”.
Foto: DW
Fonte: Carta Capital
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21/03/2019
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