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Cassiano Terra
Rodrigues
Consciência
Negra
Dicionário da
Cidadania
Eduardo
Gudynas
Frei Betto
Sete dias após o rompimento da barragem de minério de ferro da Mina do Córrego do Feijão, Bru‐
madinho (MG), são 110 mortos (71 já encontrados) e 231 desaparecidos. Tal como em Mariana, em
2015, todos os atos desta peça dantesca se repetem, desde governos a empresas, passando por Fernando Silva
uma mídia regularmente alimentada pela publicidade da Vale, a maior mineradora do mundo. Sobre
o que muitos fazem questão de interpretar como crime ambiental, entrevistamos o sociólogo e
Gabriel Brito
agrônomo Raimundo Gomes da Cruz, que há décadas acompanha os empreendimentos da em‐
presa e seu histórico de depredação humana e ambiental.
Gabriel Perissé
“Entendemos que este modelo, nos moldes do sistema capitalista, não interessa à sociedade brasi‐
leira, apenas aos executivos das empresas que recebem vultosos salários e acionistas, que na sua
maioria estão fora do país. Aqui na região de Carajás nós (dos movimentos sociais em lutas) questi‐ Guilherme
onamos a exploração mineral, ainda pela Companhia Vale do Rio Doce, desde a década de 1980”,
explicou. Delgado
Também militante das Brigadas Populares no estado do Pará, onde vive e conhece melhor a atu‐ Joana Salém
ação da empresa, Raimundo chama o acontecimento de “Tragédia Monitorada”, pois há anos os
críticos da empresa denunciam bombas-relógio da mineração de larga escala e abusos sócioambi‐ Vasconcelos
entais.
“Na região de Carajás chamamos atenção, principalmente para a barragem do projeto Sossêgo e
Léo Lince
do projeto Salobo, no município de Marabá, que vai para sua terceira etapa de expansão”.
Luiz Eça
Dessa forma, Raimundo Cruz espera que finalmente o debate sobre o modelo de exploração mi‐
neral brasileiro seja encarado com profundidade pela sociedade e deixe de ser um assunto restrito
a interessados e afetados. Marcelo
“Outra situação, um pouco mais difícil, é a atuação junto aos trabalhadores e trabalhadoras da Vale, Castañeda
para que compreendam que seus trabalhos estão voltados para o saque de seu país e de seu povo.
E neste momento, em especial, precisamos ir à rua para denunciar a situação e mostrar que uma
outra realidade é possível e se faz necessária. Enquanto ainda há tempo”. Paulo Metri
Nós das Brigadas Populares estamos chamando de Tragédia Monitorada. Por quê? Porque os téc‐
nicos sabem como se encontram as precárias situações das barragens, as populações denunciam, Virgílio Arraes
mas a voz autoritária da empresa com o poder que tem sobre os governos e políticos canalhas
deste país faz calar todos os clamores.
Wladimir Pomar
No caso de Brumadinho fica muito claro o que afirmamos. Moradores relatam que representantes
da empresa “passaram avisando para ficarem atentos ao alerta”, só que não houve o alerta. Eles Ex colunistas
sabiam o perigo que as barragens ofereciam às populações e aos trabalhadores.
Fábio Luís
É difícil falar das reações patéticas deste governo, que um dia falava em rebaixar as exigências
para licenciamento e agora fala em rigidez. Além do resgate dos corpos não há uma agenda posi‐ Mateus Alves
Waldemar Rossi
Raimundo Gomes da Cruz: O discurso pode até desaparecer por algum tempo, mas na prática o
discurso estará presente, porque esta chamada flexibilização (não cumprimento da lei) faz parte das
ordens imperialistas para ampliar o saque do petróleo, do gás, das águas e das madeiras. Este é Achille Lollo
um governo a serviço dos imperialistas, principalmente a vertente norte-americana, não tenhamos
dúvidas. Portanto, podem até mudar o discurso, mas a intervenção nos territórios, concessões para
exploração mineral e plantio de soja vai continuar acelerada.
Raimundo Gomes da Cruz: As responsabilidades pelo ocorrido devem recair ao Estado e à Vale. O
Estado por não fiscalizar os projetos, permitindo todo tipo de absurdos que as empresas desejarem
fazer. No estado do Pará já vimos denunciando todos os projetos de mineração pelos descasos,
mas nada é feito pelo Estado.
Na verdade este apodrecido Estado há muito tempo não faz gestão dos territórios, quem faz é a
Vale. A Vale tem de ser responsabilizada por esta tragédia, a de Mariana e as tragédias anunciadas
em todos os estados que ela atua.
Correio da Cidadania: Não estamos perdendo tempo com o debate entre privatismo e esta‐
tismo na gestão de uma empresa/setor de tamanho porte e deixando de lado o que seria
mais importante, isto é, o modelo de extração de matérias primas em vigor?
Raimundo Gomes da Cruz: Em 2011 desencadeamos a Campanha Contra o Saque dos Nossos
Minérios, que tem como principal objetivo questionar o modelo mineral no país. Entendemos que
este modelo, nos moldes do sistema capitalista, não interessa à sociedade brasileira, apenas aos
executivos das empresas que recebem vultosos salários e acionistas, que na sua maioria estão fora
do país.
Aqui na região de Carajás nós (dos movimentos sociais em lutas) questionamos a exploração mi‐
neral, ainda pela Companhia Vale do Rio Doce, desde a década de 1980. Consideramos que o Es‐
tado a serviço da acumulação capitalista e dos imperialistas não tem capacidade para gerenciar
qualquer bem público. Tudo se torna propriedade privada dos capitalistas.
Raimundo Gomes da Cruz: Eu acho que não é só com a Vale. Este país precisa de uma profunda
revolução para colocar suas riquezas em beneficio da sociedade e não para um pequeno grupo de
sanguessugas. Porque a Vale representa interesses imperialistas, no sentido de realizar o saque dos
nossos minérios, sempre com custos de extração e transporte baixíssimos, sendo ela privada ou
estatal.
Países como a Bolívia, considerada um dos países da América Latina que mais avançou na estati‐
zação de suas riquezas naturais, continuam submissos às ordens do mercado internacional. Por‐
tanto, não se avançou o necessário para superar o modelo de dominação. Não vamos mudar o mo‐
delo somente impondo à Vale mais sanções, aumento de impostos e alíquotas da CFEM (Compen‐
sação Financeira para Exploração Mineral). Temos que transformar este modelo profundamente.
Correio da Cidadania: São muitas bombas relógios que a mineração brasileira tem pelo terri‐
tório? Como lidar com a grande quantidade de barragens espalhadas pelo país?
Raimundo Gomes da Cruz: Em um artigo que escrevi há dois anos com o companheiro Thiago
Martins, denominado Alerta para uma Tragédia em Curso, nós chamamos atenção para o caso da
barragem de rejeitos do projeto Sossêgo, da Vale, no município de Canaã dos Carajás, estado do
Pará. Porque estas barragens de rejeitos da exploração de cobre acumulam muito mais substân‐
cias tóxicas do que as de exploração de ferro.
Correio da Cidadania: São diversos os movimentos sociais de atingidos por barragens e pro‐
jetos mineradores, em especial da própria Vale. O que fazer para tornar essas lutas mais visí‐
veis e encampadas pela sociedade brasileira?
Raimundo Gomes da Cruz: Estamos apostando na Campanha Contra o Saque dos Nossos Miné‐
rios. Tornar visível as contradições geradas pela exploração mineral, tanto no que se refere à degra‐
dação ambiental em relação a outras atividades, como geração de pobreza, miséria, violência e
acumulação de riqueza por poucos.
Outra situação, um pouco mais difícil, é a atuação junto aos trabalhadores e trabalhadoras da Vale,
para que compreendam que seus trabalhos estão voltados para o saque de seu país e de seu povo.
E neste momento, em especial, precisamos ir à rua para denunciar a situação e mostrar que uma
outra realidade é possível e se faz necessária. Enquanto ainda há tempo.
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