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OS DESAFIOS

ENFRENTADOS PELO
PRODUTOR DE
SEMENTES NO BRASIL
Edição XXVI | 02 - Mar . 2022

Silmar Teichert Peske - silmar@seednews.inf.br


Fabricio Becker Peske - fabricio@seednews.inf.br

    O negócio de sementes contempla, entre seus atores,


o produtor de sementes, que possui a função de
disponibilizar sementes de alta qualidade de cultivares
melhoradas ao agricultor. Os outros atores
basicamente são: o obtentor de cultivares, o obtentor
de biotecnologia (eventos biotecnológicos), o agricultor
e o governo.   
Neste artigo será destacado a essencialidade do
produtor de sementes no contexto de suas fortalezas,
oportunidades, desafios e ameaças.

    Adoção de tecnologia (cultivares e eventos)


    As tecnologias, uma vez criadas e desenvolvidas,
devem ser adotadas pelo agricultor para terem o
devido impacto na produção, seja de alimento, fibra ou
até produtos medicinais. Neste contexto, entra em
cena o produtor de sementes, que posiciona junto ao
agricultor as inovações tecnológicas, quanto a local de
produção, atributos agronômicos, entre outros
aspectos. Este posicionamento realizado pelo produtor
de sementes acelera a adoção de uma nova tecnologia,
com benefícios para o agricultor e a sociedade, pois
com aumento da produtividade ou atributos
agronômicos, todos se beneficiam por motivos óbvios.

    Tomando a cultura da soja como exemplo, o Brasil


possui mais de 300 produtores de sementes, que
anualmente distribuem gratuitamente toneladas de
sementes aos agricultores para comparação do
desempenho das inovações (novas variedades) recém-
criadas, em loco. Além desta iniciativa, os produtores
de sementes também realizam dias de campo para
mostrar as novidades.  A difusão de uma tecnologia é
essencial para o grau e rapidez de adoção de uma
inovação.

    Um produtor de sementes possui várias cultivares em


seu portifólio comercial, pois o desempenho de um
material é função de sua carga genética e do ambiente
em que é cultivado. Assim, como as condições
edafoclimáticas são bastante diversificadas (no Brasil
muito mais do que outros locais), o produtor de
sementes se prepara com várias cultivares para
atender a demanda do agricultor nas distintas regiões
de cultivo de uma determinada espécie. No caso de
soja, é comum um produtor de sementes possuir mais
de 15 cultivares à disposição do agricultor. Por outro
lado, em arroz, o número é inferior a 5 devido à menor
variação edafoclimática da região de cultivo.   

    Em relação aos benefícios da rapidez de adoção da


inovação tecnológica (colocação no mercado) e grau de
adoção (número de agricultores que adotam), pode-se
exemplificar com base no aumento de produtividade
devido ao uso de novas e melhores cultivares, como
sendo de 1,5 a 2,0%/ano, percentual este verificado
para a cultura da soja nos últimos 20 anos, com uma
taxa de uso de sementes comerciais (TUS) de 65%. Este
ganho em produtividade, e por consequência na
produção de um país, é válido para todas as culturas,
em maior ou menor grau. Entretanto, exemplificando
para soja, num cultivo de 40 milhões de hectares ao
ano, o ganho de 1,5%/ano em produtividade, que
atualmente é de 3,6t/ha, acarreta numa produção
equivalente a 2.160.000 toneladas de soja, ou 5,4
bilhões de reais/ano (1,0 bilhão de dólares).

    Por outro lado, se pode inferir que quanto maior o


número de produtores de sementes, melhor e maior
será a difusão de tecnologia referente aos atributos
agronômicos de uma determinada cultivar, e isto
promove e acelera a adoção das inovações
tecnológicas.

    Ressalta-se que o uso de sementes de uma nova


cultivar apresenta uma dispersão de adoção, mesmo
quando presente o produtor de sementes como um dos
atores do negócio. Em soja, por exemplo, a TUS é de
65%, enquanto para arroz é de 50%. Isto significa que
35% dos sojicultores e 50% dos orizicultores não estão
adotando as inovações tecnológicas em suas primeiras
oportunidades, deixando de usufruir dos benefícios,
produzindo menos grãos de soja ou arroz numa mesma
área, significando a geração de menos riqueza.

    Caso o produtor de semente reduza sua participação


como ator do negócio de sementes, alguns poucos
agricultores terão acesso as inovações tecnológicas
bem antes dos outros para usufruir dos benefícios.
Imaginem 65% dos sojicultores utilizando sementes de
alta qualidade das cultivares melhoradas em
contrapartida com o impacto de apenas 20%. Pode-se
considerar que a diferença na produtividade será
grande e acumulativa com o decorrer dos anos (ver
figura no texto).   

    Qualidade da Semente
    A semente é matéria prima na produção de grãos, e
como tal, possui qualidade física e fisiológica com
padrões estipulados por lei, a fim de assegurar o seu
desempenho. Apesar da qualidade física, sanitária e
genética serem também importantes, vamos nos ater
apenas na qualidade fisiológica (germinação e vigor)
das sementes.

    A qualidade da semente deve ser obtida, avaliada e


mantida e, neste sentido, técnicas especiais de
produção de sementes são adotadas, como a
descontaminação para remover misturas varietais e
invasoras, assim como a colheita com alta umidade para
minimizar a deterioração de campo das sementes.

    A semente, uma vez produzida, deve ser avaliada para


determinar se possui o padrão de comercialização (80-
90% de germinação e vigor) e caso positivo, é limpa e
classificada (soja e milho) para depois ser armazenada
em condições adequadas de umidade e temperatura
(principalmente). Uma vez armazenada, antes da
comercialização realiza-se o teste de germinação. Nos
casos de milho e soja, principalmente, também se
realiza um teste de vigor.  Existe uma relação estreita e
positiva entre a qualidade fisiológica das sementes e
produtividade, em que lotes de sementes de alta
qualidade produzem mais, alcançando normalmente
percentuais entre 10% e 20% de acréscimo de
produtividade.

    Merece registro a atitude de mais de 50% dos


produtores de sementes de soja de colocarem no
mercado uma marca de sementes cuja germinação
mínima é de 90% ou superior, tendo avaliação do vigor
(vários testes) do lote de sementes. No caso de milho,
100% dos lotes de sementes colocados à venda
possuem, no mínimo, 90% de germinação. No caso de
sementes de soja, este percentual é menor, entretanto,
mesmo assim, estima-se que 50% dos lotes de
sementes colocados à venda possuem 90% de
germinação, apesar da legislação contemplar 80%
como mínimo para comercialização.

    Este procedimento dos produtores de sementes


sobre a qualidade das sementes é recente (do início da
década de 2010), sendo fruto da profissionalização do
produtor de sementes em adotar as tecnologias de
última geração com auxílio de pessoal capacitado.
Produzir uma semente de alta qualidade é
relativamente fácil. Entretanto, produzir bilhões de
sementes de alta qualidade requer profissionalização,
ou seja, conhecimento, investimento e pessoal
capacitado.

     Garantia
    A semente possui pai, mãe, avós e bisavós e um
padrão de qualidade estipulado num atestado de
garantia fornecido por um produtor de sementes, ou
seja, alguém responsável pela semente que o agricultor
compra. Procedimento este reconhecido
internacionalmente. Assim, o agricultor pode rastrear o
histórico do lote de sementes que compra e, inclusive,
reclamar quando considerar que as informações não
estão corretas.

      Ressalta-se que, historicamente, a semente é a


primeira a levar a culpa em casos de falhas no
estabelecimento de uma cultura. Felizmente, com a
profissionalização do produtor de sementes em
atender as reclamações, esta conduta do agricultor em
culpar a semente pelo insucesso no estabelecimento de
sua lavoura está diminuindo acentuadamente, pois o
agricultor também evoluiu através do acesso às
informações e outros procedimentos. A falha na
emergência das sementes pode ter várias causas, sendo
raramente devido ao uso de semente comercial.

    Ameaça
    A grande ameaça na existência do produtor de
sementes é a “semente salva” pelo agricultor que não
vai ao mercado comprar sementes. Sem comércio,
alguns atores essenciais da cadeia de sementes deixam
de existir, como é caso dos produtores de sementes e
dos obtentores de novas cultivares.

    No atual modelo de negócio, o produtor de sementes


paga um royalty ao obtentor para licenciar a produção
e comércio de sementes de uma determinada cultivar,
cujo valor situa-se ao redor de 10% do valor da
semente. Este royalty é o reconhecimento do trabalho
do melhorista, contemplado universalmente pela
UPOV (União para Proteção das Obtenções Vegetais -
órgão internacional em que o Brasil é membro) e é o
ganho principal da empresa de melhoramento vegetal.

    No caso da “ausência” do produtor de sementes como


ator do negócio, a alternativa é o agricultor reservar
parte de sua produção de grãos para utilizar como
semente. Neste cenário, dois grandes inconvenientes
aparecerão, quais sejam: 1- A perda do aumento de
produtividade pela “lentidão e uso das inovações
tecnológica”, como ressaltado anteriormente, e 2- A
dificuldade em produzir sementes de alta qualidade em
quantidade.

    Veículo
    A semente se propicia para ser o veículo de várias
tecnologias, como os atributos agronômicos
superiores, eventos biotecnológicos, produtos
agroquímicos e biológicos, estimulantes, entre outros.

    Em relação aos produtos agroquímicos e biológicos


que são aplicados a sementes com o objetivo de
protegê-las em condições adversas para emergência,
assim como melhorar seu desempenho, enfatiza-se que
esta operação requer cuidados especiais quanto a
dosagem correta, distribuição e cuidados com a saúde
humana e ambiental. Este processo é conhecido como
Tratamento Industrial de Sementes (TIS), em que o
produtor de sementes é o mais indicado para realizá-lo.
Atualmente mais de 90% das sementes de soja, milho e
algodão são tratadas de alguma forma, enquanto para
trigo e arroz o tratamento já é em mais de 50% dos
casos.

    A semente necessita estar viável (germinação), forte


(vigor) e protegida (TIS). Para conseguir esta condição,
a participação do produtor de sementes como ator do
processo é essencial.

    A Soja como Exemplo  


    O Brasil é referência internacional no cultivo da soja,
pois conseguiu obter a maior produtividade da cultura,
começando o seu programa de melhoramento
praticamente do “zero”, pois o país é majoritariamente
tropical, enquanto a soja era cultivada em países de
clima temperado. Outro aspecto é que o Brasil possui
praticamente duas safras por ano, sendo com soja e
milho ou soja com algodão, requerendo que as
cultivares de soja sejam de ciclo precoce ou mediana,
em contrapartida de cultivares de ciclo medianas ou
tardias nos EUA e Argentina (tradicionais produtores
de soja em larga escala). Cultivares de ciclo precoce
tendem a produzir menos que as de ciclo tardio,
entretanto mesmo assim, os obtentores vegetais
conseguiram contornar esta característica.

    Atualmente o Brasil possui a maior produtividade


média de soja em termos globais, com 3,6t/ha (60
sacas/ha) e isto possui uma estreita relação com a
capacidade dos sojicultores adotarem as novas e
melhores cultivares, os obtentores colocarem no
mercado anualmente várias cultivares com
desempenho superior (essencial para atender as
diferentes regiões edafoclimáticas) e os produtores de
sementes disponibilizarem sementes de alta qualidade
em quantidade suficiente aos sojicultores. É uma
história bonita servindo de referência internacional.

    A obtenção de alta produtividade é essencial no


contexto da geração de riqueza pelo agricultor, assim
como da sustentabilidade ambiental. Isto envolve
vários atores, inclusive alguns com interesses distintos
que devem ser considerados, entretanto, não se
esquecendo de que todos possam usufruir dos
benefícios.   

    Os produtores de sementes de soja no Brasil se


abastecem com cultivares oriundas de 18 programas
de melhoramento vegetal. Considerando que cada
produtor de sementes faça um dia de campo para
promover e posicionar as novas cultivares junto ao
sojicultor, pode-se considerar que mais da metade dos
sojicultores do país, de praticamente 150.000, são
expostos a difusão de tecnologia promovida pelos
produtores de sementes. Este ator faz um bom e
reconhecido trabalho de difusão de tecnologia.

    Comentário Final
    O programa de sementes do Brasil, como
praticamente no mundo inteiro, movimenta como um
de seus atores o produtor de sementes, que possui a
nobre função de disponibilizar sementes de alta
qualidade e em quantidade suficiente de forma rápida
ao agricultor toda vez que uma cultivar é lançada por
um programa de melhoramento vegetal.

    O negócio de sementes no país movimenta 22 bilhões


de reais/ano, disputado por mais de 700 produtores de
sementes que adotam tecnologias de última geração
para a produção e beneficiamento das sementes.
Estima-se que o número de engenheiros agrônomos e
de outras profissões, como biólogos e engenheiros
agrícolas, seja superior a 8.000, os quais prestam seus
serviços profissionais ao produtor de sementes.
Também merece registro as unidades de
beneficiamento de sementes (UBS) cujo valor estima-
se em mais de 20 bilhões de reais. Estas infraestruturas,
necessitam de manutenção e atualizações rotineiras.

    O produtor de sementes realiza um trabalho


essencial em um programa de sementes, participando
de um ambiente com forte concorrência e atendendo
as normas de produção e os padrões de qualidade,
merecendo reconhecimento!

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