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POESIA É COISA DE GENTE: UMA AUTOETNOGRAFIA DE UM IMPROVÁVEL

ESCRITOR PERIFÉRICO.

Resumo: Este artigo é uma autoetnografia baseada no histórico pessoal de um escritor e produtor
cultural da periferia de São Paulo, relacionando essa trajetória com questões como: território;
violência social; racismo; ativismo cultural; e trabalho. Demonstrando como o hip hop, o rap, a
literatura e as coletividades artísticas promovem novas perspectivas teóricas e práticas para
reinventar o protagonismo e a forma de ser e estar nas periferias de São Paulo. O texto dialoga com
trabalhos que refletiram sobre movimentos culturais nas periferias (PEÇANHA, 2019 e 2021;
ALMEIDA, 2009 e RAIMUNDO, 2017); rap e hip hop (PLÁCIDO, 2019); sujeito periférico
(D'ANDREA, 2013); trabalho e ações coletivas (CORROCHANO; SOUZA; ABRAMO, 2019);
empreendedorismo e produção cultural nas periferias (DE TOMMASI; SILVA, 2020).

Palavras-Chave: Autoetnografia. Periferias. Cultura. Trabalho. Território.

POETRY IS A PEOPLE'S THING: AN AUTOETHNOGRAPHY BY AN


IMPROBABLE PERIPHERAL WRITER.

Abstract: This article is an autoethnography based on the personal history of a writer and cultural
producer from the periphery of São Paulo, intertwining this trajectory with issues such as: territory;
social violence; racism; cultural activism; and work. Demonstrating how hip hop, rap, literature and
artistic collectivities promote new theoretical and practical perspectives to reinvent protagonism and
the way of being on the outskirts of São Paulo. The text dialogues with works that reflected on cultural
movements in the peripheries (PEÇANHA, 2019 and 2021; ALMEIDA, 2009 and RAIMUNDO, 2017);
rap and hip hop (PLÁCIDO, 2019); peripheral subject (D`ANDREA, 2013); work and collective actions
(CORROCHANO; SOUZA; ABRAMO, 2019); entrepreneurship and cultural production in the
peripheries (DE TOMMASI; SILVA, 2020).

Keywords: Autoethnography. peripheries. Culture. Job. Territory .

Introdução

Este artigo foi construído como parte de um percurso de mestrado, que


venho realizando no Programa de Pós Graduação em Educação da UFSCar -
Campus Sorocaba, na linha de pesquisa que se dedica a estudar e produzir
conhecimento sobre Educação, Comunidade e Movimentos Sociais, na qual estou
exercitando uma escrita autobiográfica e etnográfica, baseada em minha trajetória
profissional e de vida, e de como esse histórica culmina em meu encontro e atuação
nos movimentos culturais das periferias de São Paulo, principalmente nas ações
voltadas para produção literária e organização de saraus de poesia falada, além do
forte diálogo com o movimento hip hop, em especial com a poética do rap (ritmo e
poesia) e com a literatura negra, que me possibilitou entrelaçar e somar repertório
sobre as discussões etnico-raciais com as questões periféricas e suburbanas.
Ainda que eu apresente discussões sobre arte, produção/trabalho cultural,
periferias, relações étnico-raciais e urbanidade, a base deste artigo está relacionada
com o método autoetnográfico, no qual descrevo minhas experiências pessoais
relacionando acontecimentos cotidianos da minha juventude em diálogo com as
letras de rap, literatura e teorias que refletem sobre as temáticas presentes neste
texto. A autoetnografia foi um dos presentes colhidos no percurso deste mestrado,
pois era uma metodologia que eu desconhecia, até então, mas ao apresentar um
texto descrevendo a minha trajetória, a orientadora Maria Carla Corrochano, sugeriu
a autoetnografia como metodologia, desafio que prontamente aceitei.
No início encontrei certa dificuldade em encontrar referências, principalmente
escrita em português, mas aos poucos recebi algumas indicações e ao revisar as
bibliografias me deparei com uma obra central que é o livro Autoetnografias -
conceitos alternativos em construção (VERSIANI, 2005). Antes, li um artigo da
autora intitulado Autoetnografia: uma alternativa conceitual (VERSIANI, 2002) e
encontrei uma alternativa para construção da minha dissertação e artigos que
dialogam com meu percurso de pesquisa. Outra fonte importante foi conhecer I
Congresso Brasileiro de Autoetnografia, organizado em julho de 2021, por
pesquisadores da UFMG e da UFRJ, com mesas de debates sobre o conceito, que
me ajudaram a ampliar a bibliografia e outras perspectivas sobre a utilização do
método autoetnográfico. Observei que a autoetnografia possibilita uma intersecção
de dois fazeres que tenho me dedicado atualmente, a literatura e a pesquisa
acadêmica, pois essa teoria permite:

uma interessante aproximação de perspectivas atuais nos campos da Teoria


Literária e da Antropologia em relação a processos de construção de
autobiografias e etnografias. A teórica da literatura Julia Watson e o historiador da
antropologia James Clifford, embora pertencendo a campos de conhecimento
distintos, fazem da crítica radical à noção de subjetividade estável, essencializada
e metafísica. Seu empenho teórico está em enfatizar alternativas discursivas nas
quais a subjetividade é compreendida como construção dialógica em processos
interpessoais que ocorrem em contextos multiculturais. (VERSIANI, 2002, p. 58)

No artigo citado acima, Versiani (2002) destaca em diversas passagens que


a autoetnografia pode ser interpretada como um “gênero coletivo’, que estabelece o
diálogo e a polifonia entre as memórias subjetiva e coletiva, de pessoas e grupos
considerados “minoritários” e “marginalizados” (ou seja: grupos que não compõem
a rigida hegemonia ocidental - masculina, cis, heteronormativa e branca),
tensionando (inclusive como ação politica) a dicotomia e o binarismo predominante
nas autobiografias e nas etnografias que estebelecem o “eu e o outro” como
parâmetro teórico (VERSIANI, 2002). Depois, lendo outros textos que fazem uso da
autoetnografia, encontrei essa passagem no artigo de Bossle e Neto (2009), que
define bem as premissas e possibilidades da autoetnografia:

Pensada a partir da aproximação com o interacionismo simbólico da Escola de


Chicago dos anos de 1930 e 1940, a autoetnografia surge como um tipo de
etnografia centrada nas vivências do próprio sujeito em seu contexto social.
Segundo Reed-Danahay (1997), a autoetnografia é uma forma de autonarrativa,
ou seja, o si-mesmo no interior de um determinado contexto social. Na
perspectiva apresentada por essa autora, o sujeito que expressa o significado é o
mesmo que interpreta e é autor. Esse aspecto apresentado concorda com o
pensamento de Chang (2008) quando afirma compreendê-la como uma análise
cultural e interpretativa com detalhamento autonarrativo. Avançando nessa
consideração de Reed-Danahay (1997) e Chang (2008), Ellis (2004) sublinha que
o termo autoetnografia sugere pensá-la como descrições narrativas de si-mesmo,
etnografia de si-mesmo, autobiografia etnográfica, etnografia autointerpretativa,
etnografia introspectiva e narrativa pessoal etnográfica. Entendemos que essa
diversidade de descritores representa a possibilidade de aproximação do sujeito
que pesquisa em lidar com os próprios impulsos, sentimentos e emoções em
relação ao objeto de pesquisa e sua própria cultura. (BOSSIE & NETO,
2009, .133).

Portanto, assumi a autoetnografia como método e proposta de produção de


conhecimento, pois me identifiquei com esses pressupostos que dialogam e gingam
lado a lado com aquilo que sou, escrevo, e me constitui como pessoa, artista,
trabalhador da cultura e pesquisador, nesse balanço entre o subjetivo e o coletivo,
da autoria individual e comunitária, já que mesmo durante o silêncio reservado da
escrita e na leitura de um livro a pergunta que fica é “como podemos conceber a
solidão em um mundo onde não há vazio algum?”, parafraseando Vassalo (2022),
ou mesmo pensando nas rodas de poesia falada que tanto vivencio nos botecos,
praças, cadeias, universidades, mídias e escolas da vida, pois nos saraus das
periferias de São Paulo todas as pessoas presentes são chamadas de poetas,
independente de falar ou escrever poesias, e nesses mais de 15 anos girando o
mundo com palavras, aprendi que poesia não é uma linguagem exclusiva de poetas,
poesia é mesmo coisa de gente. Então, partindo desse aprendizado, peço licença
pra contar e refletir a minha trajetória de encontros e desencontros nas ladeiras e
beiradas da vida pessoal, acadêmica, artística e cultural.

Anunciação: sobrevivências em um cotidiano marginalizado

"Vinte conto o dia/O sol no globo.

A chuva na moringa/Dava pro café.

Dava pra coxinha/Leite-moça, pão, farinha.

Daria pra motocicleta/Um dia.

Avózinha na janela/Cuidava de sua vida.

Ganhava 70 paus/O dia de faxina.

E a gente sonhava ser/Entregador de pizza".

Dinha, Contratado

Nasci em 1981 no bairro de Pirituba, zona Noroeste de São Paulo. Minha


família chegou na cidade vinda de outras localidades, a parte do meu pai veio de
Minas Gerais, da região de Toledo e Extrema, e de São João da Boa Vista, interior
do estado, por volta dos anos 40, e a parte da minha mãe da região Nordeste, do
sertão entre Paraíba e Pernambuco, no início dos anos 50. Minha mãe se chama
Maria Elisa, mais conhecida como Dona Maria ex-diarista, negra, nascida em 1956,
merendeira escolar e ajudante de confecção aposentada, filha de Seu Paulino,
homem negro, pernambucano que chegou em São Paulo como o retirante vindo de
pau-de-arara1, ex-gari aposentado e já falecido e Dona Elisa, mulher branca de
traços indígenas, paraibana, dona de casa, mãe de mais três filhos. Meu pai se
chama Milton, conhecido como Miltão, homem negro, ex-cobrador de ônibus e
bombeiro civil, nascido em 1958, filho de Sebastião Rodrigues, conhecido como
Seu Montanha, homem mestiço, motorista de ônibus aposentado e já falecido, que
também era cantador de viola, devido a herança que trouxe de Minas Gerais e de
Dona Rita, mulher negra, dona de casa, nascida em São João da Boa Vista, interior
de São Paulo, que teve mais cinco filhos e faleceu na cidade de Mogi das Cruzes.
No período que meus familiares chegaram, São Paulo cresceu de forma
exorbitante por conta da migração das populações negras e pobres, efeito de um
projeto urbanístico higienista e da especulação imobiliária executada entre o final do
século XIX e o início do século XX, que delimitou os territórios da riqueza e da
pobreza na cidade (ANGILELI, 2007; ROLNIK, 1997).

Nesse contexto, a distribuição espacial da população na cidade acompanha,


assim, a condição social e racial dos habitantes, denotando as desigualdades
efetivas. A deterioração das contradições que atingem a qualidade de vida da
população pobre e negra em São Paulo parece não ocorrer na cidade em geral.
Entretanto, nesse período, surgem e se expandem os bairros periféricos que,
juntamente com os tradicionais cortiços e favelas, acomodam a população
trabalhadora (PLÁCIDO, 2019, p.244).

Tenho poucas recordações do bairro de Pirituba até meus quatro anos. O


que ficou firme na memória eram as idas aos terreiros de Umbanda da região, já
que meu pai tocava atabaques, cantava e também organizava e atendia as pessoas
com seus guias espirituais nesses lugares, outras memórias marcantes era a feira
livre que acontece aos sábados na rua Jurubim, onde vivi mais de trinta anos. Essa
feira é o ponto de encontro dos moradores, circulantes, vendedores ambulantes,
feirantes e reúne uma grande diversidade de pessoas e costumes presente no
bairro em dia de feira. Trabalhei nesta feira quando criança, vendendo bolos e maria
mole para ajudar no sustento da casa e também carregando sacolas e olhando
carros.

1 Fonte :https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-acervo/post/vala-de-perus-descoberta-do-cemiterio-clandestino-onde-foram-enterradas-vitimas-da-ditadura.html . Acesso em 07/05/22


Outro fato marcante da minha infância eram as festas que aconteciam na rua,
nas quermesses e nas casas nos fins de semana, onde a música ditava o ritmo e
embalavam os encontros. As mais tocadas eram os sambas de Almir Guineto, Leci
Brandão, Fundo de Quintal, Dona Ivone Lara, Eliana de Lima e Royce do Cavaco,
além do samba-rock de Bebeto, Originais do Samba, Branca Di Neve e Jorge Ben e
as melodias funk-soul afro americanas, que eram sucessos entre os adultos desde
os Bailes Blacks que aconteciam em São Paulo na década de 1970. A casa da
minha família também era ponto de encontro dessas festinhas e pequenos bailes.
A partir daí fui compreendendo que nossa casa ficava de frente para o
córrego Ribeirão Vermelho e que poucas ruas no bairro eram asfaltadas. Havia
muitos terrenos baldios, quase sempre ocupados por cavalos, vacas ou meninos
descalços chutando bola ou empinando pipas. Era comum ver carroças disputando
espaço no trânsito. Também me recordo das andanças de trem, já que Pirituba é
um bairro cortado pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí.
Até meus quatro anos morei na casa dos meus avós maternos, no Jardim
Maristela, mas de lá me lembro muito pouco. Nosso segundo lar foi onde vivi a
maior parte da vida, primeiro em um barraco com dois cômodos, piso de terra batida
e banheiro externo e coletivo, que ficava no quintal da família paterna, onde
moravam minha mãe, meu pai, minha irmã e eu, meu avô com sua esposa, alguns
tios e outros agregados, que vira e mexe precisavam de um abrigo. Nós tínhamos
uma pequena horta, pé de goiabeira, poço de água, e um viveiro de bichos. Depois
mudamos para a casa maior e de alvenaria no mesmo quintal, onde meu avô viveu
até falecer em 1993, e onde minha mãe vive até hoje.
Minha agonia era sentir falta de ar, por conta da bronquite, principalmente
quando chegava o inverno, e ter que ficar na beira do Ribeirão Vermelho colhendo
mastruz para beber com leite. Meu pai preparava essa beberagem, enquanto minha
irmã e eu fazíamos caras e bocas nada amigáveis. Toda vez que colhia o mastruz,
aproveitava e colhia também a serralha, para fazer salada e dar comida às galinhas.
Os rios são as veias que carregam as contradições da cidade de São Paulo, das
mais belas às mais horrendas, em todas as regiões, como bem ilustra o escritor e
historiador Allan da Rosa, em sua Carta ao Rio, o Córrego, o Esgoto.

Com licença, Senhor Rio. Vou pisar leve e firme, vou sentir tua passada contínua
e também vou farejando, injuriado por tua condição. Deitado pertinho da janela do
meu quarto, nos fundos de minha morada, a que se abre ou se cerra por teu
aroma desgracento. Caminhando cotidiano em sua beirada e esforçando a boca
do estômago ao contrair a narina para aguentar o vapor das fezes e detritos que
há décadas te compõem, vou ofendido por esse avesso de encanto, mas ciente
que não és tu que me acutila com esse fedor estupendo e sim o desenho de
porqueira que foi e que é a história das escolhas urbanísticas de nossa cidade. A
São Paulo que decidiu tornar rios em bueiros, a que se habitua a anomalias. (...)
testemunhar e ser ainda resistência e anunciação, com a gana e a graça, com a
ira e a ternura de quem persiste em fluir, em desenhar seu curso, mesmo que
encalacrado e poluído em seu cerne (ROSA, 2021, p.16).

Eu me encantava quando, nos dias de temporal, o Ribeirão Vermelho enchia


até quase transbordar e meu vizinho, o Nego Ju, aproveitava para ficar
mergulhando da ponte que ligava a rua à entrada do barraco que ele morava, na
favela da Rua Saloá. Nego Ju nem ligava se o rio apresentava um aspecto de
podridão e nadava como se fosse a água mais cristalina e eu mirava suas braçadas
imaginando as memórias que meu pai, o Miltão, e outros vizinhos e familiares
contavam sobre pescarias e água limpa naquele córrego. Quando esse rio
transbordava, as enchentes, que acontecem ainda hoje, invadiam as casas e os
barracos das famílias nas favelas da Rua Saloá, Jardim Maristela e Rua 11.
Esse cenário meio bucólico, meio caótico acontecia pareado a um estado de
violência generalizada, onde no decorrer dos anos 1980 e 1990 o efeito de uma
cidade estruturada para formação de elites negligenciava uma série de serviços
básicos, “é preciso lembrar que a periferia é marcada muito mais pela precariedade
e pela falta de assistência e de recursos do que pela localização. Hoje há
condomínios de alta renda em áreas periféricas” (ROLNIK, 2010, p.?). O bairro do
Jardim Monte Alegre e seus arredores, onde eu cresci, contava com escolas
desabando, postos de saúde lotados, ausência de moradia digna, poucos espaços
de lazer e cultura, saneamento básico insuficiente e sob forte vigilância abusiva e
violenta da polícia.
Naquele momento, meu bairro era meu mundo e não tinha ideia do que se
passava nas demais regiões. O centro era chamado de “cidade” e alguns territórios
vizinhos eram conhecidos por determinadas características, por exemplo: o bairro
de Perus era relacionado ao cemitério Dom Bosco, o mesmo que em 1990 foi
encontrado diversas valas clandestinas onde a ditadura militar escondeu as
ossadas de vítimas da repressão2; o bairro do Jaraguá era conhecido por conta do
Pico, parque e mirante natural mais alto da cidade.
Os outros bairros como a Vila Brasilândia ou mesmo as localidades da zona
Leste ou Sul, conhecia das capas de jornal, principalmente pelo sangrento Notícias
Populares3, que as pessoas bairro do ficavam espiando as manchetes na banca de
revista ou pela televisão, em programas como o Aqui e Agora (SBT) e Cidade Alerta
(Record), que mostrava "reportagens policiais”, tiroteios e crimes como
assassinatos, sequestros, roubos e outras tragédias que também aconteciam em
Pirituba.
Assim eram conhecidos os bairros que hoje são chamados de periferia, mas
há outras versões invisibilizadas dessas histórias que apontam para a vivência
cultural desses lugares, desde a formação inicial desses territórios, localizados nos
arredores do centro (Brás, Bixiga, Barra Funda, etc.), até a dispersão para as
margens suburbanas, onde as pessoas levaram nas mudanças a esperança de dias
melhores e seus modos de vida, como o comunitarismo, o associativismo, o futebol,
o samba, o baile, o terreiro, a capoeira, etc.

O Estado não chegava no subúrbio. A Barra Funda de baixo era dos negros, dos
imigrantes, das enchentes. As pessoas que moravam lá ficavam sujeitas ao
regime do rio se auto organizavam pro lazer, criando clubes de futebol, clubes de
dança e festas como o carnaval ou festividades religiosas. Era uma espécie de
política no sentido primeiro, fazer uma mobilização por algo desejado, algo bom
para a comunidade. (Diana Mendes, autora do livro Futebol de Várzea em São
Paulo – A Associação Atlética Anhanguera (1928-1940), em entrevista para o

Portal Aprendiz, 2018)4.

E ainda que eu sentisse medo e receio de visitar outras periferias, aos


poucos fui percebendo que existia algo semelhante entre os bairros que estavam
longe da “cidade” e o grande revelador desse enigma foram as narrativas do rap,
que se tornou uma forma de expressão destacada entre os jovens daquele período.
Eu saía do bairro para jogar futebol com os times de várzea nos fins de semana e
2 Sistema Negro - Cada um por si (1994)

3 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/05/13/surgido-da-dor-maes-de-maio-se-tornam-


referencia-no-combate-a-violencia-do-estado/ Acesso em 07/05/22.
4 Texto publicado originalmente em 2014 em uma coluna para o Jornal Brasil de Fato.
percebia que as letras de rap me indicavam um denominador comum entre Pirituba
e as localidades que eu visitava.

Fui observando que, apesar da diversidade de características presente


nesses, territórios e outras características, há um eixo dessa encruzilhada onde “as
pessoas, às ruas, sei lá, pode crê/Mas só pra te lembrar/Periferia é periferia em
qualquer lugar“5, como canta o rapper GOG (Genival Oliveira Gonçalves), do Distrito
Federal, na música Brasília Periferia, lançada em 1994 6.

A expansão do rap paulistano foi resultado da ação de jovens oriundos da


segunda geração de migrantes nordestinos nos bairros tidos como periféricos, no
qual, durante a década de 90, passaram a vivenciar diversas formas de
supressão no âmbito do espaço urbano. De modo geral o conjunto dessa
experiência foi decodificada culturalmente por meio de ações e práticas
elaboradas por jovens periféricos desde os anos 70. A prática cultural desses
jovens via bailes blacks conseguiu se estender através do movimento hip hop e
interagir como uma rede de experiências e sociabilidades supostamente
desarticulada, que em diferentes instantes encontrou espaços nos salões de
bailes, nas ruas e praças da metrópole e essencialmente nos bairros periféricos
(PLÁCIDO, 2019, p.252-253).

A representatividade do rap passou a demonstrar a força dos movimentos


artísticos da periferia, pois “essas iniciativas quebraram as barreiras geográficas e
se difundiram no restante da cidade, em outras cidades e em outros países (...) (por
isso) a força da periferia, hoje, está muito mais nas questões culturais do que
políticas” (ROLNIK, 2010, p.?, grifo meu).
Na escola, meu interesse pelos estudos era mínimo, sonhava em ser jogador
de futebol e nada mais, também gostava de andar com os amigos do skate, porque
eles ouviam rap e conversavam sobre outros imaginários, como arte, e as vivências
em bairros onde eles disputavam os campeonatos de skate.
Certa vez, entre 1998/99, um amigo a quem chamo de Doug, morador da
favela da Rua Saloá, estava ouvindo seu walkman na quadra da escola e me
mostrou uma música que estava tocando na rádio. Ele disse que os locutores
estavam mandando um salve para pessoas conhecidas. Era o som do RZO, O

5 https://www.letras.mus.br/gog/339360 . Acesso em 07/05/22/


6 Disco “Dia a Dia da Periferia” (1994).
Trem, uma espécie de hino piritubano:

(...) E eu peço a Oxalá e então sempre vai nos guardar


Dai-nos forças pra lutar, sei que vai precisar
No trem, meu bom, é assim, é o que é
Então centenas vão sentados e milhares vão em pé
E em todas as estações, ali preste atenção nos PF's
O trem para e o povo entra e sai, e depois disso, o trem já se vai
Mas o que é isto? Esquisito. E várias vezes assisti
Trabalhador na porta tomando borrachadas
Marmitas amassadas, fardas, isso é lei?
Vejam vocês, são cães, só querem humilhar toda vez
Aconteceu o ano passado em Perus
Um maluco estava na paz, sem dever
Caminhava na linha assim, à uns 100 metros
Dessa estação, preste atenção, repressão
Segundo testemunhas dali, ouvi
Foi na cara dura assassinado, mas não foi divulgado
E ninguém está, não está, ninguém viu
As mortes na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (...)
(RZO, O trem)7.

Doug estava ouvindo a rádio Alpha FM, uma frequência organizada


clandestinamente, conhecida como “rádios piratas”, e organizada por moradores do
bairro.

Na década de 90 a Rádio Reversão, emissora clandestina em São Paulo que


operava com equipamentos que atingiam um raio de 10 km, teve seus
equipamentos apreendidos (...) sendo instaurado um Inquérito Policial,
posteriormente transformado em um processo que se arrastou por três anos. Em
1994 é proferida a sentença pelo Juiz Federal Casem Mazioum, a qual absolve os
responsáveis pela rádio Reversão. (...) Após essa sentença, houve uma
verdadeira explosão de rádios clandestinas na cidade de São Paulo (...)
(FURTADO, 2005). (ÁVILA, 2012, p.25-26)

Contei para o Doug que meu tio e meu pai eram locutores em outra rádio, a
7 https://www.letras.mus.br/rzo/70520/ . Acesso em 07/05/22
Elite FM, e dias depois o Doug me perguntou se era possível articular para ele
apresentar um programa lá, ou melhor, para nós fazermos um programa juntos. O
convite me surpreendeu, mas topei por confiar na nossa amizade e esse universo
das rádios comunitárias me levou a uma inserção nas atividades artísticas e
culturais que eu não imaginava vivenciar.
Nesse tempo o Ribeirão Vermelho estava mais poluído do que nunca, as
enchentes ficaram mais frequentes, e os sobrados de alvenaria foram substituindo
os barracos de madeira; as ruas foram todas asfaltadas e os campinhos, os cavalos
e as vacas foram sumindo, para dar lugar aos condomínios fechados ou as casas
amontoadas das favelas; surgiram mais pessoas, carros, motos, linhas de ônibus,
além de pequenos comércios, trabalhadores informais; assim como ficou nítido o
aumento do tráfico de drogas e da presença das igrejas evangélicas
neopentecostais na região.

Os anos 1990 podem ser vistos como a década que fez eclodir as esperanças da
de 1980, quando uma crise econômica persistente conviveu com um intenso
processo de mobilização popular, projetando as classes populares no centro da
cena política do país. Foram os anos das reformas neoliberais, que levaram à
fragilização de conquistas sociais dos anos anteriores do trabalho; o desemprego
aumenta, os salários se deterioram e o chamado mundo do trabalho se desfaz
sob impacto da precarização das relações de trabalho e do aumento do mercado
informal (D'ANDREA, 2013, p.13)

Pirituba cresceu, o subúrbio virou periferia e a “cidade” virou o centro. Minha


casa, assim como a de quase todas as famílias do bairro, não tinha mais quintal,
nem pé de fruta, tampouco horta e galinheiro; os poços de água foram proibidos nos
obrigando a consumir água privatizada. Todas as manhãs era comum saber de
algum assassinato, avistar uma poça de sangue na esquina ou um corpo coberto
por jornal na longa espera do IML; quando não um tiroteio, a sirene da viatura, as
portas dos comércios fechando, o corre-corre, o salve-se quem puder; quase
sempre envolvendo o assasinato de um conhecido, um amigo, um jovem negro e
periférico que, assim como muitos, não completou trinta e poucos anos de vida.
O rap do grupo Sistema Negro ensinava a nova ordem do dia “aqui meu
irmão é cada um por si, mesmo se sei, não sei, se sei digo não vi” 8. Em casa, eu

8 http://grupofiger.com.br/novosite/wp-content/uploads/2020/08/Impacto-do-Futebol-Brasileiro.pdf . Acesso em 07/05/22


ouvia os raps na surdina, quase escondido, porque na boca do povo e da mídia
hegemônica esse som era considerado “música de bandido”. Receber e ouvir a fita
k7 dos amigos, assistir Yo MTV Raps no canal UHF e sintonizar o dial na Rádio
Metrô FM para ouvir rap nacional fazia eu me sentir um pecador analógico. Esse
sentimento só melhorou quando topei fazer os programas na rádio comunitária com
meu amigo Doug e recebi incentivo do meu pai e meu tio pra tocar rap, raggae e
também o punk rock, que eram nosso acervo principal.
Lamentei a partida de muitos amigos, parentes e conhecidos que tomaram
bala de sumiço nessa época como: Bito, Marcelinho, Digão, Xandola, Vander, Tei-
Tei, Willian Pé de Milho, Marquinho, Mané, Lelo, Negão, Andorinha, Café, Carioca,
Guaru, Sabugão, Jorjão, Marcão, Cáca, Azulzinho, Bigu, Melk, Buiu… Quem viveu
essa época em alguma quebrada com certeza tem centenas de nomes para citar.

Desesperançada, pobre, desempregada e absorvida nas matanças corriqueiras


de jovens entre si e destes com a polícia, a população periférica empenhou-se em
construir mecanismos e inventar formas para contornar a violência e se manter
viva. Lutar pela própria sobrevivência foi a questão catalisadora que fez girar uma
engrenagem produtora de fatos e circunstâncias que afetaram a vida social, sob o
primado de soluções práticas para um contexto de morte (D'ANDREA, 2013,
p.28).

A repressão policial praticada nas periferias também resultou no


encarceramento em massa de pessoas, na maioria jovens homens negros, desses
territórios, contexto que não passou batido nas letras de rap.

o rap passou a ser o porta-voz das populaçoes mais afetadas pela onda punitiva,
ou seja, negros e pobres. No Brasil, começa a ocorrer o mesmo fenômeno de
aumento da população carcerária e, do mesmo modo, o movimento hip hop, mais
especificamente em sua vertente musical, o rap, denúncia e dá visibilidade ao

drama dessa população (D'ANDREA, 2013, p.22).

Isso aconteceu principalmente depois do lançamento da música Diário de um


Detento, dos Racionais Mcs, escrita pelo rapper Mano Brown em parceria com o
escritor Jocenir, ex-detento da Casa de Detenção do Carandiru. Essa música,
lançada em 1997 narra como foi o episódio conhecido como Massacre do
Carandiru, uma chacina que aconteceu em 1992, quando a Polícia Militar do Estado
de São Paulo invadiu a Casa de Detenção para conter uma rebelião e assassinou
111 presos (número oficial, contestado por familiares, sobreviventes e organizações
dos Direitos Humanos). Depois disso, surgiram grupos de rap dentro das
penitenciárias, como 509-E, Detentos do Rap e Comunidade Carcerária, formados
na Casa de Detenção, antes da sua implosão, finalizada em 2005.
Na minha casa o encarceramento também invadiu a porta, já que em 1996,
meu pai foi preso, acusado de tráfico de entorpecentes e foi sentenciado a três anos
e meio de prisão. Devido ao bom comportamento e trabalhos realizados no cárcere,
conseguiu uma diminuição da pena e ficou dois anos e meio preso. Pagou a maior
parte da pena na Penitenciária do Estado, que fica no mesmo complexo da antiga
Casa de Detenção, onde hoje é localizado o Parque da Juventude, enquanto a
Penitenciária permanece como um presídio feminino.
Lembro-me bem daquela madrugada em que levaram meu pai no camburão.
Eu vivia com a minha mãe, mas éramos vizinhos de porta com meu pai. A
madrugada estava tranquila, mas fomos acordados com um barulho de gente
invadindo o quintal, dando voz de prisão. Fiquei paralisado tentando entender.
Minha mãe ficou extremamente nervosa, pois pensamos que os policiais fossem
invadir nossa porta também, por sorte isso não aconteceu.
Apesar de saber que meu pai estava no erro e de saber de muitos vizinhos
que caíam em cana, e de um caso de um tio distante, daquela o preso era minha
maior referência.
As primeiras visitas foram na delegacia do 33º DP de Pirituba. Como eu era
menor de idade, não podia entrar nas visitas internas, então eu contava com a sorte
de alguns carcereiros fazerem vista grossa para falar alguns minutos com meu pai
através de uma janela cheia de grades.
A divisa era como um portal: Pra cá a vida comum, pra lá o inferno. Lugar de
meia-luz, corredor embolorado, uns sentados com a família, muitos sozinhos e os
andarilhos, que ficavam andando pareado de uma ponta à outra do pátio, pra
desbaratinar o tempo, mover o esqueleto e evitar a loucura.
Por conta da correria da família, principalmente da minha mãe, que
desconsiderou o fato deles estarem separados e deu apoio para meu pai receber a
visita semanal e o jumbo (envio de comida e cigarros), e assim possível conseguir a
transferência para Penitenciária do Estado, a “Penita”. Primeiro, meu pai ficou na
triagem, esperando o convite ou a proposta para comprar uma jega (cama de
cimento do “barraco’, a famosa cela). Lá a lotação por barraco era de duas pessoas,
um “luxo” nos anos 1990, onde cela para dois em qualquer prisão soava como
mentira.
Na Penitenciária do Estado havia médico, esporte, escola, trabalho. Parece
suave, né? Mas era tempo de decepar cabeças, de arrumar quiaca, de viver no fio
da famosa naifa, os facões feitos pelos próprios detentos. Naquela época, cada dia
de visita era uma treta pendente, um roxo na face, um temor de rebelião. “A cadeia
vai virar…” esse era o burburinho de medo nos corredores da galeria. Ao mesmo
tempo, a molecada, que vinha com as mães visitar os pais e os padastros aos
domingos, faziam daquele corredor gélido um exímio parque de diversões.
Havia até um popstar do crime por ali, o maior deles era um senhor, que
durante várias vezes que fui visitar meu pai, observei ele caminhando sozinho, com
suas histórias esquartejadas, que virou filme. Era o João Acácio Pereira da Costa, o
Bandido da Luz Vermelha, que parecia um velhinho inofensivo.
Na penitenciária, minha visita era liberada, desde que eu fosse com algum
responsável. Então eu visitava meu pai uma vez por mês aos domingos, junto com
meu tio, seu irmão mais velho, o tio Claudio Santista. Mesmo sbrevivendo sob
aquele estado de constante tortura, meu pai sempre nos recebia com um sorriso
estampado, e em meio aos desencontros contava uma novidade boa para partilhar.
Lembro-me que certa vez, andando com meu pai nos corredores da “Penita”,
ele me levou pra conhecer uma dupla de nigerianos. Nos cumpirmantamos e fiquei
olhando pra eles, sem pensar em crime, nem porque eles estavam preso fora do
seu país, só vinha na cabeça perguntar sobre o ataque de ouro da Nigéria na Copa
de 94: Yekini, Amokachi, Okocha, Finidi, Amuneke. Um time que fez história,
ganhando da Bulgária com um gol antológico de Yekini, que ao comemorar ficou
abraçado na rede chorando. Rashid Yekini parecia fazer uma prece fervorosa,
parecia pedir aos deuses “Liberte nosso povo, liberte nosso povo!”, mas eu não
disse nada, só fiquei ouvindo aquele sotaque meio inglês com português, talvez ibo
ou yorubá e pensando no orgulho que eles deviam ter de sua seleção de futebol.
Meu pai sabia que meu maior sonho naquele momento era o de ser um
jogador de futebol e que o meu mundo girava feito uma bola de capotão em terra
batida, e fazia de tudo pra alimentar essa magia. Como estava encarcerado, teve
que ser criativo e fez da palavra seu barco, da prosa sua vela e muitas cartas
navegaram por aí, endereçadas aos clubes profissionais. Uma dessas chegou às
mãos de seu Jurandir, respeitado olheiro do Nacional-SP, o descobridor do atacante
Dodô, o artilheiro dos gols bonitos. Um senhor negro, de olhar sereno e voz
pausada, que trazia nas suas histórias os calejos do futebol. Seu escritório ficava na
arquibancada do Estádio Nicolau Alayon, no bairro da Água Branca, em São Paulo.
Seu Jurandir respondeu a carta do meu pai e ligou em casa, queria me
conhecer. Marcamos um encontro e fui muito bem recebido, fiz testes no Nacional,
aprendi um bocado sobre a vida nos poucos encontros que tive com seu Jurandir e
nosso encontro acabou aqui. Não pense que aconteceu um final feliz, que virei
figurinha da Copa do Mundo, que meu pai ficou famoso pela história e seu Jurandir
virou meu empresário, isso deixa para o roteirista de Hollywood. O que ficou são as
palavras, a intenção, o exemplo que as cartas do meu pai deixaram.
O que vale aqui é o caminho e não a chegada. No Brasil, boleiro de renome
é um caminho para poucos, a maioria desiste ou passa dificuldades financeiras.
Uma pesquisa divulgada pela CBF 9 em 2019, intitulada "Impacto do Futebol
Brasiliero"10, demonstra que dos 88 mil jogadores profissionais registrados na
entidade, 55% ganhavam até R$ 1 mil, e apenas 11,6 mil tiveram contratos ativos
naquela temporada, ou seja, a maioria dos jogadores no país ganham mal ou estão
desempregados.
Anos depois, eu fiquei empolgado com o crescimento do rap nacional, passei
a tomar gosto pelos programas de rádio, entrevistas, eventos de rua e fui me
aproximando de músicos, artistas e ativistas, principalmente do rap e do movimento
anarcopunk. Por volta de 2004, o futebol não era mais um sonho e, por influência de
algumas pessoas que conheci na rádio (nesta época eu participava da Rádio
Urbanos)11 conciliei o trabalho em uma operadora de teleatendimento com o
cursinho pré-vestibular da Faculdade de Medicina da USP.
Antes, eu havia trabalhado na construção civil, como ajudante de serviços, e
na época do futebol sempre estava me virando como guardador de carros,
empacotador de mercado, balconista de bar, vendedor de maria-mole e bolo na
feira, também vendi doce e cachorro quente na porta de casa com a minha mãe,
entre outros bicos. A maioria dos meus amigos estavam quase sempre

9 meio de transporte irregular que foi utilizado no Nordeste do Brasil, ao adaptar caminhões para o transporte improvisado de passageiros, e que trouxe muitos retirantes nordestinos que
viajavam com destino às regiões Sul e Sudeste do Brasil durante o século XX.

10 Também conhecido como NP, foi um jornal que circulou em São Paulo entre 1963 e 2001 e era conhecido por suas manchetes violentas, sensacionalistas e sexuais.
11 Essa radio foi criada pelo meu pai, o Miltão,e seu irmão Claudio Santista,e hoje é uma frequência comunitária legalizada no bairro de Pirituba.
desempregados e sonhavam em ter uma moto pra dar um rolê e ser entregador de
pizza, sonho que também cultivei por um tempo.
Quando voltei a estudar eu estava morando com a minha mãe, Dona Maria
Elisa, porque ela havia se separado do meu pai e minha irmã havia se casado.
Minha mãe trabalhava como empregada doméstica, depois ela foi se arranjar como
merendeira escolar, ocupação que exerceu até chegar a sua aposentadoria. No
cursinho pré-vestibular conheci uma poeta, chamada Elizandra Souza, a Mjiba, que
escrevia fanzines. Ela contou que declamava poesias no Sarau da Cooperifa, na
Zona Sul e como eu também estava escrevendo zines e poemas, me interessei em
saber mais sobre a Cooperifa, mas só fui conhecer esse lugar depois, pois naquele
ano passei no vestibular para estudar Ciências Sociais na Universidade Federal do
Paraná e mudei de cidade.
Como não era comum pessoas como eu mudar de cidade para estudar (eu
mesmo fui o primeiro universitário da família), surgiu um burburinho no trabalho,
onde pedi demissão, e também entre meus vizinhos, suspeitando que eu “havia
aprontado alguma”, já que era mais comum as pessoas se mudarem sem a família
por ameaça de morte, para tratar de algum vício ou quando alguns homens
absurdamente “sumiam” para não assumir a paternidade de seus filhos,
contribuindo para um cenário crescente de mães solos nas periferias.
Minha primeira experiência universitária foi do céu ao inferno. Ingressei por
meio do sistema de cotas sociais, para estudantes da escola pública, pois por
desinformação eu temia que ao concorrer pelas cotas raciais eu poderia ter minha
vaga cassada por não ter a pele retinta. Fiquei nos primeiros seis meses vivendo
com a parcelas do seguro-desemprego, depois me tornei bolsista de uma programa
de iniciação científica e complementava a renda fazendo bicos temporários em
empresas de teleatendimento e também como monitor cultural no museu Oscar
Niemeyer, mais conhecido como Museu do Olho, em Curitiba.
Na faculdade, minhas notas eram boas, mas aos poucos me interessei em
participar do movimento estudantil e do Centro Acadêmico do curso e fui me
distanciando da sala de aula. Os debates de sociologia, ciência política e
antropologia me davam a sensação de repetição teórica e distância da ação
cotidiana, daquilo que na academia é chamado de trabalho de campo, empirismo ou
da práxis no sentido marxista.
O estopim do meu desânimo acadêmico foi em 2006, quando aproveitei uma
viagem para um congresso e fui visitar minha mãe em São Paulo. A cidade estava
aterrorizada com os “Ataques do PCC” ou “Crimes de Maio”, e como estava
acontecendo muitos toques de recolher achei melhor não voltar para Curitiba
naquele momento. Quando retornei fui cobrado pela tutoria da iniciação científica a
escrever uma análise sobre o que estava acontecendo em São Paulo, e escrevi
alguns contos que foram rejeitados, isso gerou um conflito e motivou minha saída
do curso.
Segundo dados oficiais, em maio de 2006 foram assassinadas centenas de
pessoas no estado de São Paulo, além das muitas que não foram encontradas. A
maioria das vítimas eram jovens negros e periféricos, mortos em chacinas,
emboscadas encapuzadas ou em ações policiais registradas como "Resistência
Seguida de Morte" ou "Auto de Resistência", sendo que nesse tipo de registro, o
policial era considerado vítima e o morto, culpado, sem necessidade de
investigação.

entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, pelo menos 564 pessoas foram mortas no
estado de São Paulo, segundo levantamento da Universidade de Harvard, a
maioria em situações que indicam a participação de policiais. A maior parte dos
casos, apontam pesquisadores, fazia parte de uma ação de vingança dos
agentes de segurança do Estado contra os chamados ataques da facção Primeiro
Comando da Capital (PCC), que se concentraram nos dois primeiros dias do
período.A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio, a maior do
século 21 e talvez a maior da história do país - para efeito de comparação, em
toda a última ditadura civil-militar, que durou 21 anos, 434 pessoas foram mortas
pelo Estado. Uma década depois do massacre de 2006, apenas um agente
público foi responsabilizado pelas mortes. Condenado, ele responde a recurso em
liberdade e continua atuando como policial militar. O gritante número de
assassinatos e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem
ao movimento Mães de Maio, formado principalmente por familiares das vítimas
do massacre. Mais do que justiça para os próprios filhos, as Mães construíram,
ao longo dos anos de atuação e luta, um movimento social de combate aos
crimes do Estado ocorridos durante o período democrático, e se transformaram
em referência para outras famílias preocupadas com a marcha fúnebre que vitima
milhares de pessoas todos os anos no Brasil (Jornal Brasil de Fato, 13/05/2016) 12.

12 Disponível em https://portal.aprendiz.uol.com.br/2018/06/29/o-futebol-de-varzea-em-sao-paulo-e-o-direito-cidade/ .Acesso em 07/05/22.


Outra pessoa que se correspondia comigo nessa época por conta do
fanzines era um escritor estreante, morador do bairro do Itaim Paulista na Zona
Leste de São Paulo, chamado Alessandro Buzo, que estava lançando um livro
chamado “O Trem - Baseado em Fatos Reais”. Conheci também um escritor do
Capão Redondo, chamado Ferréz, através do meu pai, que na época trabalhava
com materiais recicláveis e achou uma revista com uma entrevista desse escritor. A
partir daí comecei a ler sua coluna na Revista Caros Amigos, na biblioteca do CEU 13
Vila Atlântica, e antes de me mudar para Curitiba frequentei algumas de suas
palestras em livrarias e centros culturais.
Os textos dos escritores Alessandro Buzo e Ferréz me abriram uma
possibilidade de enxergar uma forma de escrever sobre minha vivência no texto em
prosa, pois eles apresentavam contos, romances e crônicas ambientadas na
periferia. Essa relação foi amadurecendo meu processo de escrita e me possibilitou
escrever diversos textos com a crônica Caboclo Palestino.

“Sabe mano,
Hoje, saí de casa na certeza que escreveria sobre o genocídio do povo palestino,
pesquisaria sobre a faixa de Gaza, sobre o histórico da região, pra compor
argumentos e me unir aos que me identifico nesse grito urgente. Bastou cem
metros de caminhada e encontrei seu irmão e de bate-pronto me lembrei de você,
da sua ausência e meu mundo voltou a apontar pra cá, pra quadra da rua de trás,
pro dia em que te conheci, pro dia em que conheci seu mano e me dei conta de
que ainda é preciso escrever muito sobre nóis. Sobre a linha de corte desse
balaio do caboclo-palestino.
Precisei apenas atravessar a rua pra encontrar a morte sendo entregue que nem
pizza na frente do portão, quentinha, sem importar o nome de quem fez, a cara
do indivíduo, o porquê. Assim: sem muita explicação, entregou, tchau, boa sorte!
E somos tantos iguais, né, mano? Parece ironia, mas você carrega o nome do
seu pai e seu pai, assim como você, não soube o que é ter trinta e poucos anos.
E eu que achava que esse medo já não me rondava, ficava me gabando da

nossa geração ainda tá vivona por aí… Ilusão” (...)14.

No final de 2006 retornei a São Paulo passei a me envolver nesta cena

13 Confederação Brasileira de Futebol.


14 Centro Educacional unificado.
literária e conhecer de perto os movimentos culturais das periferias, principalmente
os que atuam na Zona Sul. A denúncia proposta nas letras de rap e na literatura
revelaram as mazelas vividas nas periferias de São Paulo e do Brasil e temas como
desigualdade social, racismo, violência policial e a ausência das políticas públicas
vieram à tona nas narrativas dessa juventude.
Essa movimentação contribuiu para impulsionar, no início dos anos 2000, o
surgimento de coletividades, que são parceiras e foram inspiradas pelo hip hop
como os saraus, os/as escritores(as) da Literatura Marginal; grupos de teatro,
coletivos de cinema ou cine-clube, comunidades de samba, entre outras linguagens
que emergiram mesclando arte e ativismo cultural nos territórios da periferia, além
da possibilidade de profissionalização por meio do arte, algo que também
aconteceu na minha trajetória.
Para D'Andrea (2013), além de uma ética reguladora, impulsionada
principalmente pelo padrões de conduta do hip hop, do crime organizado e das
igrejas evangélicas (cada um agindo nas suas proporções) que motivaram atitudes
para superar o contexto violento dos anos 1990, foram quatro os motivos principais
que resultaram no crescimento de movimentos culturais nas periferias:

a possibilidade de fazer política em um momento de descenso dos movimentos


sociais e dos partidos políticos; a luta por pacificação; a necessidade de
sobrevivência material, da qual a produção artística se revelou como
possibilidade e; a arte como emancipação humana (D'ANDREA, 2013, p.16).

Trabalhadores da cultura na periferia: o improvável acontece

Pois neste grande momento


Expandimos conhecimento
Lendo nossos próprios livros
Que hoje tamo escrevendo

E esses mesmos livros


Que um dia nos foi proibido
Hoje nos dá o poder
De sermos reconhecido

Muda a real de figura


Fazendo literatura
Eleva nossa auto-estima
Renasce nossa cultura (...)

M.Y.I, Sentimentos.

Com tantas referências culturais e possibilidade de atuação em rede, a minha


participação na rádio foi estendida com outras parcerias, entre essas a mais forte
era com o grupo de rap Alerta ao Sistema, pois passei a apresentar programas na
Rádio Urbanos com esse grupo. Entre os integrantes, me aproximei da backing
vocal Raquel, hoje mais conhecida como escritora Raquel Almeida, com quem fui
casado por sete anos e também tive a honra de ter minha primeira filha, a Yakini,
em 2009.
Como Raquel e eu tínhamos em comum o interesse por literatura, logo
começamos a frequentar os saraus das periferias de São Paulo, e por influência
desse movimento criamos o Sarau Elo da Corrente, em 2007, no bar do meu tio
Claudio Santista em Pirituba. Isso aconteceu no contexto de ebulição de coletivos e
artistas das periferias, onde campo da arte e cultura passou a ser uma alternativa de
trabalho para os jovens das periferias brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro e
em São Paulo (TOMMASI; SILVA, 2020).

graças às políticas de editais que objetiva simplificar e tornar mais acessível o


acesso aos recursos públicos para a cultura (como o Edital dos Pontos de Cultura
no âmbito federal, do VAI e da Lei de Fomento às Periferias, em São Paulo e
Editais de Ações Locais no Rio de Janeiro (TOMMASI, 2018). (TOMMASI; SILVA,
2020, p.200).

No caso de São Paulo, o programa VAI (Valorização das Iniciativas Culturais)


tornou-se lei municipal em 2003 e passou a publicar um edital anual que tem como
objetivo contemplar projetos, principalmente, de grupos/coletivos representados por
pessoa física que atuam com arte/cultura nas periferias da cidade, com repasse
direto de recurso público (Programa VAI, 2008). Essa lei criou uma oportunidade até
então inédita na relação entre os jovens artistas das periferias e a gestão pública,
pois ao transferir recursos financeiros de forma direta ocorreu uma quebra de
paradigma em relação a crença de uma "suposta incapacidade" dessa juventude em
gerir recursos públicos e também da exclusividade institucional nesse tipo de gestão
(ALMEIDA, 2009).
Nosso coletivo, ao qual batizamos de Coletivo Literário Sarau Elo da
Corrente, foi contemplado pelos editais do VAI por três anos e com isso começamos
a dar uma melhor estrutura para nossos encontros e também possibilidades de
financiar nossas próprias publicações, além de abrir caminhos para novas ações,
seja via edital, prêmios ou contratação direta. Os grupos/coletivos e artistas
financiados por esse programa e por outros editais, normalmente já eram iniciativas
consolidada em seus territórios e inclusive tiveram participação direta na discussão
dessas iniciativas, como foi na elaboração do VAI, e principalmente na elaboração
da Lei de Fomento à Periferia, que foi instituída em 2016 no município, mas foi
elaborado pelos membros do Movimento Cultural das Periferias, formado por
integrantes de grupos/coletividades de diversos territórios que, entre 2013 e 2017,
realizaram um série de ações políticas, fóruns, manifestos e ocupações artísticas
reivindicando a promulgação desta lei (RAIMUNDO, 2017).

Hoje, vemos a apropriação da cidade e da metrópole por diferentes coletivos


culturais, artistas e trabalhadores da cultura que ocupam os espaços públicos e
ressignificando-os a partir de desejos e planos traçados por eles próprios. E como
em um jogo dialético, mudam e transformam-se a partir das experiências vividas
durante o processo de ocupação dos espaços públicos. (RAIMUNDO, 2017, p.
128)

Essa geração de trabalhadores da cultura, ao qual também me incluo,


ganhou visibilidade ao longo dos últimos anos em São Paulo, por conta de suas
atuações artísticas e ativistas, mas se diferenciam dos trabalhadores das camadas
populares que antes se organizavam politicamente por meio de movimentos
estudantis, partidos ou sindicatos (CORROCHANO; SOUZA; ABRAMO, 2019 e
ALMEIDA, 2009), isso acontece porque esses trabalhadores fazem valer a
"expectativa de estruturar uma experiência no mundo do trabalho em que não
percam de vista as especificidades de suas histórias e singularidades"
(CORROCHANO; SOUZA; ABRAMO, 2019, p.167).
Porém, mesmo com um desejo comum presente entre nós, artistas da
periferia, de "viver de arte" e ter maior autonomia na atuação profissional, na ação
política e na formação pessoal (CORROCHANO; SOUZA; ABRAMO, 2019), a
prática demonstra algumas contradições.

tem-se um quadro de tensões e desafios inerentes à relação entre arte/cultura,


trabalho e profissão no Brasil, onde se misturam: as dificuldades de acesso a
qualificação de talentos e vocações em diferentes camadas sociais; os problemas
relacionados à inserção e permanência no mercado de trabalho cultural; e as
dinâmicas desse mercado cada vez mais organizado por leis de incentivo fiscal e
editais públicos e não por uma estrutura de formalização das relações de
trabalho, o que dificulta que os artistas possam viver dignamente daquilo que se
sentem capacitados e gostam de fazer. (NASCIMENTO, 2021. p.26).

Tommasi (2020) relaciona a nossa "correria", como trabalhadores de cultura,


com a precariedade, que também marca boa parte das relações de trabalho na
contemporaneidade, ou mesmo na história social do trabalho no Brasil, marcado
pela escravidão, pela lenta transição para o trabalho livre, e pelas desigualdades
estruturadas em questões de raça, gênero e classe (CARDOSO, 2019).
Este fenômeno aconteceu em diversas periferias do Brasil, pois conforme
Nascimento (2019) aqueles “que sempre foram tema ou inspiração de criações
artísticas, passaram de objetos a sujeitos e seguem transformando suas
experiências sociais, visões de mundo e repertórios em linguagens específicas”
(NASCIMENTO, 2019, p. 2).
Movimentado por essas produções e possibilidades, o Coletivo Literário
Sarau Elo da Corrente se consolidou como um dos principais encontros de poesia
falada da cidade de São Paulo, desde de 2007 e vem somando força entre os
movimentos culturais da periferia, realizando saraus (mais de 500 edições),
publicações de livros (18 obras), atividades comunitárias e de arte-educação. Em
relação a minha trajetória pessoal, publiquei cinco livros autorais, participei de
dezenas de antologias, visitei nove países e conheci diversos estados brasileiros,
palestrando e divulgando minha obra.
Outro ponto forte que nos apropriamos foi o intercâmbio entre os grupos e
coletivos, prática já consolidada no hip hop, pois é comum entre esses coletivos
visitar e participar de iniciativas em outros territórios da cidade, assim como receber
a presença dessas pessoas em nossas atividades. Nos aproximamos
principalmente das ações do Sarau da Brasa (Vila Brasilândia), Comunidade
Cultural Quilombaque (Perus), Sarau da Cooperifa (Jd. Santana), Sarau do Binho
(Campo Limpo), Cia de Arte Negra Capulanas (Jd. São Luiz) e Livraria Suburbano
Convicto (Itaim Paulista), grupos que reivindicam pautas e projetos semelhantes
fortalecendo as redes parcerias entre coletividades, grupos e artistas, invertendo o
que é considerado desfavorável e improvável, para uma possibilidade de
resistência, anunciação e possibilidade profissional, mesmo em meio as
contradições,

surgem, então, no seio desse espaço periférico e em prol das necessidades


coletivas, organizações culturais e econômicas alternativas, bem como práticas
de solidariedade interna, ao passo que novas identidades são forjadas, visando
superar a exclusão e proteger-se das representações negativas do resto da
sociedade. Assim, o gueto acaba se tornando uma faca de dois gumes. Se por
um lado, constitui-se em instrumento de dominação, por outro, viabiliza a coesão
e a auto-organização daqueles indivíduos segregados, que se mobilizam e
alavancam um poder de resistência que converge para a implosão do próprio
gueto. Nesse sentido, o gueto deixa de ser gueto e passa a ser quilombo. (Eble,
2015, p.?)

Considerações do percurso

A trajetória aqui descrita, é uma escolha política de narrativa e pesquisa, pois


apesar de tomar subjetivo como ponto de partida, a intenção é fazer com que essa
subjetividade dialogue com trajetórias coletivas, que comumente são marginalizadas
nas produções artísticas e culturais, assim como na sociedade em geral, mesmo
quando realizadas e vivenciadas na cidade de São Paulo, considerada umas das
principais, senão a principal, capital cultural e econômica do Brasil.
A escolha desta metodologia também é uma forma de materializar a pesquisa
considerando que
o conceito de autoetnografia também me parece produtivo em estratégias de
leitura de discursos de construção de selves mais “tradicionais”, tais como
autobiografias e memórias, que enfatizam os processos de reflexão do sujeito
(auto) sobre sua própria inserção social, histórica, identitária em uma coletividade
(etno) ou coletividades. Nestes casos, o conceito de autoetnografia permite que o
subjetivo e o coletivo não sejam mais percebidos como noções opostas, mas em
continuidade, continuidade esta que vai estabelecendo através da identificação
parcial e pontual do sujeito com grupos identitários variados. (VERSIANI, 2005, p.
87-88).

Deste modo, a partir de uma trajetória artística e cultural que se mostra


improvável em meio ao contexto de violência social, desigualdades, trabalho
precário e invisibilidades, é possível reconhecer como as a ações coletivas podem
estabelecer outros cotidianos e a projeção individual de artistas e produtores
culturais nas periferias em conjunto ao desenvolvimento coletivo das pessoas
oriundas desses mesmos territórios, forjando uma nova visão de si e sobre si e de
seus contemporâneos.
Além disso, assim como a produção cultural e artística das periferias ainda é
vista de forma marginalizada nos meios hegemônicos, pois somos constantemente
questionados sobre a qualidade das nossas produções, principalmente por pessoas
e grupos que pouco nos conhecem e pouco conhecem nossas obras e atuações,
vale ressaltar que a autoetnografia também é questionada no meio acadêmico, pois
é comum ouvir dos pesquisadores que trabalham com esse conceito sobre a dúvida
colocada, por intelectuais que desconhecem o método, a respeito da validade da
autoetnografia como ciência, isso se dá porque,

esse desconhecimento também ocorre entre pesquisadores da mesma área, uma


vez que, embora o termo autoetnografia não seja novo para uma parcela de
estudiosos, definitivamente tem sido utilizado em redutos especializados e
pequenos nichos de pesquisa, não sendo um conceito que participe do
mainstream destas disciplinas. Além disso, a ausência de uma reflexão prévia
sobre o conceito também pode ser explicada porque, afinal, a autoetnografia é um
termo criado - construído - para tentar dar conta de uma percepção recentemente
intensificada, e que permeia não apenas o campo das ciências humanas: a do
reconhecimento da subjetividade como fator importante no processo de
construção de conhecimento (seja ele “cientifico”, seja ele ligado ao “senso
comum”). (VERSIANI, 2005, p. 100-101).

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