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ENFERMAGEM EM DOENÇAS REUMÁTICAS E

MÚSCULO-ESQUELÉTICAS
ENFERMAGEM EM DOENÇAS REUMÁTICAS E
MÚSCULO-ESQUELÉTICAS
Um Guia Prático

Editores

Andréa Marques

Ricardo J. O. Ferreira
EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia (APPSReuma)

SRC Ordem dos Enfermeiros – Avenida Bissaya Barreto, 185 – 3000-076, Coimbra

NIF/NIPC: 513169393

Email: appsreuma@gmail.com

www.spreumatologia.pt/appsreuma/

PATROCÍNIO CIENTÍFICO

Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR)

Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR)

Copyright © 2021, APPSReuma

ISBN: 978-989-33-2144-7 (Versão e-book)

1ª edição: Outubro de 2021

Esta versão e-book integra correções à 1.ª edição impressa.

Coordenação: Andréa Marques e Ricardo J. O. Ferreira

Revisão de texto: Bárbara Lourosa e Salomé Nobre

Formatação: Bruno Silva (Qualinvest)

Direitos de capa: Joana Vicente

Este projeto foi financiado pela Novartis através de uma grant não solicitada. O seu conteúdo é da inteira
responsabilidade dos autores.

Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem
transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico,
fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de
informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.
Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

ÍNDICE

Pág.
Prefácios vii
Sobre este Livro xi
Agradecimentos xiii
Sobre os Editores xv
Autores xvii
Lista de Abreviaturas xxiii

1. DOENÇAS REUMÁTICAS E MÚSCULO-ESQUELÉTICAS 25


Joana Silva Dinis e Helena Canhão
2. INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PESSOA COM DRM: ESTRATÉGIAS 53
FARMACOLÓGICAS
Liliana Saraiva, André Saraiva e Cátia Duarte
3. INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PESSOA COM DRM: ESTRATÉGIAS 73
NÃO-FARMACOLÓGICAS
3.1. EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA 75
Catarina Martins e Andréa Marques
3.2. GESTÃO DA DOR 79
Catarina Vasconcelos e Joana Vicente
3.3. GESTÃO DA FADIGA 85
Eduardo Santos
3.4. PROMOÇÃO DA ATIVIDADE FÍSICA E EXERCÍCIO 91
Daniela Costa
3.5. REABILITAÇÃO 103
Rúben Duarte Fernandes e Isabel Dias
3.6. PREVENÇÃO E GESTÃO DE COMORBILIDADES 115
Sandra Miranda, Cláudia Paiva e Ricardo J. O. Ferreira
3.7. INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 129
Pedro Sousa Lé
3.8. ALIMENTAÇÃO 141
Alexandra Cardoso e Rita Fernandes
4. IMPORTÂNCIA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS DE ENFERMAGEM NO 149
APOIO À TOMADA DE DECISÃO
Cármen Nogueira e António M. Marques

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

5. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS CUIDADOS À 159


PESSOA COM DRM
5.1. CONSULTA EXTERNA 161
Georgina Pimentel e Bruno Máximo
5.2. HOSPITAL DE DIA 177
Iolanda Barbosa e Anabela Silva
5.3. UNIDADE DE TÉCNICAS 185
Lurdes Narciso, Sofia Barreira, Manuel Silvério António, Cristina
Ponte, Carla Macieira, Joaquim Polido Pereira, Rita Barros,
Fernando Saraiva e João Eurico Fonseca
5.4. ENSAIOS CLÍNICOS 205
Cláudia Paiva, Daniela Pais e Sara Rodrigues
5.5. INTERNAMENTO 215
Georgina Pimentel e Isabel Dias
6. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM 221

6.1. FUNDAMENTOS 223


Filipa Ventura
6.2. PROMOÇÃO DA AUTOGESTÃO 229
Lurdes Barbosa
6.3. PROMOÇÃO DA ADESÃO TERAPÊUTICA 237
Isabel Fidalgo
6.4. APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE MEDIDAS REPORTADAS 245
PELO DOENTE
Ricardo Trinca e Ricardo J. O. Ferreira
6.5. IMPORTÂNCIA DAS ASSOCIAÇÕES DE DOENTES 257
Rosário Morujão, Joana Vicente e Ana Pais
6.6. APOIO SOCIAL E LABORAL 263
Elsa Mateus
6.7. SEXUALIDADE E VIDA FAMILIAR 275
Hélder Lourenço e Ana Vieira
7. A IMPORTÂNCIA DO CUIDADO INTERDISCIPLINAR E INTERSECTORIAL 301
Ricardo Correia de Matos

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

PREFÁCIOS

De acordo com a Direção Geral de Saúde (2005) as doenças reumáticas são doenças
inflamatórias, infeciosas, metabólicas, degenerativas e outras que, de um modo agudo,
subagudo ou crónico, envolvem, predominantemente, os ossos, as articulações e as
estruturas peri-articulares, podendo, também, afetar o tecido conjuntivo em qualquer
parte do organismo e dar as mais variadas manifestações orgânicas (coração, pulmão,
tubo digestivo, rim e outras). Constituem a primeira causa de doença humana, são o
primeiro motivo de consulta médica e são a primeira causa de incapacidade para o
trabalho.

Quando comparadas com outros doentes crónicos, as pessoas com doenças


reumáticas e músculo-esqueléticas reportam pior qualidade de vida (EpiReumaPt). O
diagnóstico e tratamento atempado podem impedir lesões permanentes e melhorar a
qualidade de vida das pessoas afetadas (EULAR).

A doença crónica é no contexto atual, uma ameaça à saúde e à qualidade de vida


dos cidadãos, sendo em grande parte responsável pela mortalidade e morbilidade em
todo o mundo e Portugal não é exceção.

Neste contexto, a resposta em cuidados de saúde a pessoas com doença crónica é,


ainda, baseada nos episódios agudos, descontínua, reativa e apresenta défice nos
resultados obtidos, pelo que terá que ser pensada com uma proposta de modelo
integrado, que enquadre a prestação de cuidados à pessoa com doença crónica, com
recurso a trabalho de equipa multidisciplinar, em que é basilar o contributo de cada
profissional.

A necessidade e a exigência crescente de cuidados de saúde desafiam os


profissionais de saúde e os enfermeiros em particular, a reconhecerem e
compreenderem a problemática em torno da doença crónica. Neste sentido, o
enfermeiro assume um papel fulcral na concetualização e na tomada de decisão na
prestação de cuidados a estas pessoas. O aparecimento de doenças crónicas é de acordo
com Meleis, um evento stressante que exige que a pessoa frequentemente redefina
significados, altere estilos de vida, se adapte a novos comportamentos, aprenda a lidar
com as novas emoções, podendo originar mudanças profundas no seu projeto de saúde
e de vida.

Deste modo, torna-se imperioso o respeito pela individualidade da pessoa doente,


nomeadamente na ajuda ao controlo da sintomatologia da doença, promovendo a
saúde e o acesso ao SNS. Assim, facilitar a adesão ao regime terapêutico, avaliar as
necessidades da pessoa doente de forma holística e proceder ao planeamento da

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

prestação dos cuidados focados nessas necessidades, contribui para uma melhor
(auto)gestão da doença e consequente melhoria da sua qualidade de vida.

Esta dinâmica exigente deve ser efetivada nas diferentes dimensões da


pessoa/família com uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar, onde a
comunicação é fulcral no processo de cuidados, desde a admissão à alta, assegurando a
continuidade de cuidados e a articulação entre cuidados de saúde diferenciados e
cuidados de saúde primários.

O livro “Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas” transporta o


leitor para uma reflexão sobre a temática, ajudando-o a compreender de forma clara e
inequívoca o fenómeno da doença reumática e músculo-esquelética e o seu impacto na
qualidade de vida das pessoas, sendo em muitos aspetos transponível para outros
contextos de cuidados à pessoa com doença crónica.

Coimbra, 22 de Setembro de 2021

Áurea Andrade

Enfermeira Diretora do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), E.P.E.

Presidente da Associação dos Diretores de Enfermagem

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

O tratamento das doenças reumáticas, especialmente as inflamatórias, sofreu uma


extraordinária revolução ao longo dos últimos anos. Isto fica a dever-se ao
desenvolvimento de novos fármacos, mas também de novas estratégias terapêuticas
focadas no atingimento precoce e consistente da remissão do processo inflamatório.

Graças a este progresso, o prognóstico do doente que hoje inicia uma doença
reumática é incomparavelmente mais positivo do que há apenas algumas décadas: a
remissão tornou-se um alvo terapêutico plausível e até razoavelmente frequente. Em
paralelo evoluiu também positivamente o impacto das doenças sobre a vida quotidiana
dos doentes, a intensidade e persistência da dor, fadiga, depressão e perturbação do
sono, a deterioração a longo prazo da capacidade funcional e autossuficiência.

Estes anos de Treat-to-Target Therapy demonstraram de forma claríssima que a


remissão, definida como anulação completa (ou quase) do processo inflamatório,
constitui um alvo-guia muitíssimo valioso para atingir os objetivos centrais da
abordagem terapêutica: mitigar o sofrimento a curto e a longo prazo e prolongar a
sobrevida. A cooperação interprofissional desempenha um papel essencial na
otimização da taxa de remissão, como fica demonstrado em numerosos estudos.
Enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e técnicos de saúde
comunitária contribuem, nos centros referência, para garantir a adesão do doente à
terapêutica, o envolvimento positivo da família, a relação psicológica do doente com a
sua doença, a gestão das comorbilidades e as intervenções de reabilitação. Todos estes
aspetos são, entre muitos outros, essenciais para garantir que o doente recolhe um
benefício compaginável com a eficácia crescente dos fármacos.

Contudo, atingir a remissão, o todo-poderoso alvo terapêutico dos paradigmas


atuais não é garantia de anulação completa do impacto da doença sobre a vida do
doente. Com efeito, cerca de 60% de todos os doentes com artrite reumatóide em
remissão do processo inflamatório continuam a experimentar impacto significativo da
doença, refletido em Patient Global Assessment scores superiores a 1/ 10 e tão alto
como 10 em dez! Estes doentes, ditos em PGA-Near-Remission, não podem melhorar
por intensificação da terapêutica imunossupressora, como sugerido pelas
recomendações atuais. Na verdade, são colocados em sério risco de tratamento
excessivo se as recomendações forem estritamente respeitadas. O que estes doentes
precisam é de medidas coadjuvantes que possam mitigar as áreas de impacto
significativo, uma vez atingida a remissão biológica. Estas medidas poderão também
incluir fármacos (analgésicos, antidepressivos, por exemplo) mas estarão seguramente
focadas em intervenções personalizadas e subjetivas, da reabilitação e gestão do
exercício, ao reforço da resiliência e flexibilidade emocional. A natureza destas
intervenções sublinha a importância adicional do contributo multiprofissional no futuro

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

já que são bastante mais próximas ao húmus de outras profissões da saúde do que da
medicina.

Este livro representa um marco dessa colaboração frutífera, rumo ao futuro, pela
disseminação de formação e o contributo para o recrutamento de novos talentos e boas
vontades.

O facto de que resulta de uma cooperação aberta entre a SPR, a APPSReuma e a


LPCDR, com contributos formais dos Presidentes de todas estas entidades, enche-me de
sincero regozijo e também de esperança. Esperança em que os atuais e futuros líderes
destas sociedades científicas e profissionais se envolvam cada vez mais em cooperação
franca e empenhada, potenciando a complementaridade dos seus conhecimentos e
experiências e juntando-as aos contributos insubstituíveis dos doentes. Assim impõe, a
meu ver, o reconhecimento de que a razão de existir destas agremiações profissionais
reside em contribuir para o desenvolvimento da Reumatologia e para a otimização dos
cuidados prestados aos doentes reumáticos - não na defesa dos interesses circunscritos
das profissões que representam.

Coimbra, 22 de Setembro de 2021

José António Pereira da Silva

Professor de Reumatologia

Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.

Faculdade de Medicina. Universidade de Coimbra

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

SOBRE ESTE LIVRO

Este é o primeiro livro em língua portuguesa sobre Enfermagem na área da


Reumatologia, e visa facilitar o acesso ao conhecimento baseado na melhor evidência
científica produzida internacionalmente e, consequentemente, promover melhorias no
planeamento e prestação de cuidados à pessoa com Doença Reumática e Músculo-
esquelética (DRM). Este livro deve ser encarado como uma ferramenta de introdução
aos temas abordados, não dispensando outras formas de atualização, nomeadamente
através de ações de formação contínua e do acompanhamento das recomendações
produzidas na área.

Pelo seu carácter geral, este manual destina-se aos enfermeiros de diferentes
contextos de cuidados, nomeadamente de Serviços de Internamento, Consulta Externa,
Unidade de Técnicas, ou Hospital de Dia em Reumatologia, mas também aos que
trabalham em Cuidados de Saúde Primários e na Comunidade, em unidades de
reabilitação ou de Cuidados Continuados, entre outros. Porque a temática das DRM é
ainda muito despiciente nos cursos de formação pré- e pós-graduada em enfermagem,
este livro adequa-se também aos estudantes de enfermagem.

Consideramos ser especialmente relevante o facto de ter congregado o contributo


de autores com formação profissional diversa, que não apenas Enfermeiros,
nomeadamente Reumatologistas, Fisioterapeutas, Nutricionistas, ou Psicólogos, bem
como, de forma ainda mais distinta, a participação de representantes de associações de
doentes. Esta diversidade de perspetivas consigna o espírito interdisciplinar e centrado
na Pessoa com que a APPSReuma pretende subsidiar todas as suas iniciativas.

Por fim, convidamos o leitor a partilhar comentários e sugestões de melhoria para


appsreuma@gmail.com, bem como a divulgar a versão PDF deste livro, disponível
gratuitamente nas nossas plataformas digitais, e que de forma mais assídua poderá ser
atualizado com os seus contributos.

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

AGRADECIMENTOS

O projeto para este livro vinha sendo discutido há alguns anos, mas foi com o desafio
lançado pela Raquel Santos (Novartis) que se deu o pontapé de saída para esta iniciativa,
fruto da disponibilidade e empenho do Dr. Rafael Sousa e da Dr.ª Vânia Martins. A todos
o nosso muito obrigado.

Agradecemos também as organizações parceiras da APPSReuma, nomeadamente à


Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR) e à Liga Portuguesa contra as Doenças
Reumáticas (LPCDR), que acederam prontamente, como sempre, à proposta da
APPSReuma para facultarem a chancela científica a este documento. Essencial foi
também a colaboração de todos os elementos dos corpos sociais da APPSReuma, que
se uniu e esforçou de forma colaborativa.

Para este livro contribuíram 46 autores, cujas experiências e perspetivas pessoais


adicionaram riqueza ao projeto e o tornaram único. Vários deles são também elementos
ativos nas direções de associações profissionais ou de doentes, que muito valorizamos.

O nosso obrigado também à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC),


que nos facilitou o acesso aos seus laboratórios de formação e simulação para tirar
fotografias às ajudas técnicas usadas num dos capítulos.

Muito obrigado, também à Salomé Nobre e à Bárbara Lourosa pelo apoio na revisão
do texto e referências bibliográficas, ao Bruno Silva pelo apoio na revisão gráfica e ainda
o nosso muito sentido obrigado à Joana Vicente e à Georgina Pimentel pelo seu continuo
cuidado quer na elaboração da capa, quer na divulgação desta obra.

Expressamos ainda o nosso agradecimento à Sr.ª Enfermeira Diretora Áurea


Andrade, ao Sr. Professor Doutor José António Pereira da Silva e à Sr.ª Professora
Doutora Ainda Mendes pelas sugestões providenciadas, pelo carisma, autenticidade e
amizade com que nos brindam, impressos também nos seus prefácios e posfácio a esta
obra.

Por fim, deixamos uma palavra de enorme apreço e de agradecimento a todos os


Diretores de Serviço e demais responsáveis de unidades de saúde que apoiam e
promovem o desenvolvimento de competências dos enfermeiros e outros profissionais
de saúde em reumatologia, em estreita cooperação com toda a equipa multidisciplinar.

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

SOBRE OS EDITORES

A Enfermeira Andréa Marques e o Enfermeiro Ricardo Ferreira trabalham juntos


desde 2011, no Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra (CHUC), com percursos profissionais bastante similares desde então. Ambos
desempenharam funções de coordenação de ensaios clínicos, atividade clínica, de
investigação, educativa e formativa, bem como atividades de extensão à comunidade.

Concluíram o Doutoramento em Ciências da Saúde, ramo Enfermagem, na


Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em parceria com a ESENFC, com
teses nas áreas do cuidado à pessoa com Osteoporose e fraturas de fragilidade e à
pessoa com Artrite Reumatóide, respetivamente.

Alicerçados pelo apoio da equipa multidisciplinar e institucional têm cooperado para


a melhoria dos cuidados de enfermagem à pessoa com DRM.

Em termos associativos, têm contribuído para o desenvolvimento da APPSReuma


desde a sua fundação em 2014, participando também de forma ativa, desde 2013, nos
comités Educacional e Científico da Aliança Europeia de Associações em Reumatologia
(EULAR), na qual ocupam atualmente posições de liderança.

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

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Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

AUTORES

Alexandra Cardoso
Licenciada em Ciências da Nutrição e mestre em Nutrição Clínica. Nutricionista em diversas
clínicas médicas privadas, no Departamento de Nutrição do Instituto Português de Reumatologia,
docente no ISCS Egas Moniz e orientadora de estágios clínicos.

Ana Pais
Por via do diagnóstico de Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) aos 18 meses da sua filha, voluntariou-
se na ANDAI - Associação Nacional de Doentes com Artrites e Reumatismos da Infância, por se
sentir determinada em querer fazer parte da solução sobre estas temáticas. É a primeira
presidente de direção que é cuidadora, desde 2019, já que nos seus primeiros 23 anos de
existência a ANDAI teve sempre um médico à frente dos seus desígnios.

Ana Vieira
Diretora de Marketing, mãe de dois filhos e diagnosticada com Síndrome de Sjögren. Membro
do Núcleo de Sjögren e do conselho fiscal da LPCDR, da rede de patient research partners (PRPs)
e do comité de investigação da EULAR, da ERN ReCONNET e do comité científico da FOREUM. É
também ePAG (European Patient Advocacy Group) e alumni da EURORDIS, cofundadora e
membro da direção da federação Sjögren Europe e membro da direção da plataforma AGORA.

Anabela Silva
Enfermeira no Hospital Dia de Hematologia/Medicina Interna/Reumatologia no Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E..

André Saraiva
Interno de Formação Específica em Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra. Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira
Interior.

Andréa Marques
Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na área de Enfermagem à Pessoa
em Situação Crónica no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC); Doutorada em Ciências da Saúde, ramo Enfermagem;
Presidente da Direção e membro fundador da Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde
em Reumatologia (APPSReuma); Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem Coimbra
e Investigadora na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E).

António Marques
Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica, Mestre em Gestão e Economia da
Saúde. Enfermeiro Diretor CHUC 2011-2017, Enfermeiro Gestor com Funções de Direção.
Coordenador do Núcleo de Investigação em Enfermagem (NIE) do CHUC. Professor na Escola
Superior de Enfermagem Coimbra e na Coimbra Business School.

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Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

Bruno Máximo
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Comunitária, Pós-graduado em
Enfermagem de Esclerose Múltipla, com experiência na Consulta de Enfermagem em
Reumatologia do Hospital Beatriz Ângelo desde 2012. Presidente do Conselho Fiscal e membro
fundador da APPSReuma.

Carla Macieira
Reumatologista no Serviço de Reumatologista do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar
Universitário Lisboa Norte, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

Cármen Nogueira
Enfermeira da Unidade de Inovação e Desenvolvimento (UID) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra E.P.E. (CHUC). Elemento do Núcleo de Investigação em Enfermagem
(NIE) do CHUC. Mestrado em Ciências de Enfermagem. Pós-Graduação em Sistemas de
Informação em Enfermagem. Realizou percurso na assessoria à documentação da tomada de
decisão clínica junto dos enfermeiros da instituição.

Catarina Martins
Enfermeira Especialista em Enfermagem Comunitária, no Hospital Dia de Medicina
(responsável pela área da Reumatologia) do Hospital Sousa Martins, ULS Guarda. Mestre em
Enfermagem Comunitária. Pós-Graduada em Gerontologia Social. Associada da APPSReuma.

Catarina Vasconcelos
Enfermeira, Terapeuta Holística e Formadora, diagnosticada com Fibromialgia em 2015.
Membro integrante dos órgãos sociais da APJOF, onde também é voluntária. Autora de artigos
para diversas publicações de saúde e bem-estar.

Cátia Duarte
Reumatologista no Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Assistente convidada da disciplina de patologia músculo-esquelética do Mestrado Integrado em
Medicina da FMUC.

Cláudia Paiva
Enfermeira no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra E.P.E. (CHUC); Coordenadora de Ensaios Clínicos no Serviço de
Reumatologia (Consulta Externa); Licenciada em Enfermagem e Farmácia biomédica; Mestre em
Gestão e Economia da Saúde;

Cristina Ponte
Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação em
Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa,
Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

xx
Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

Daniela Costa
Fisioterapeuta, Mestre em Fisioterapia Músculo-esquelética; Estudante de Doutoramento em
Saúde Pública com projeto de investigação na área da Osteoartrose e bolsa FCT. Membro do
Comprehensive Health Research Center, com autoria e co-autoria de publicações científicas na
área das DRM.

Daniela Pais
Coordenadora de ensaios clínicos da Unidade de Inovação e Desenvolvimento do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra E.P.E. (CHUC): Unidade de Investigação Clínica do Serviço
de Cardiologia. Licenciada em Enfermagem. Especialista em Enfermagem Comunitária. Mestre em
Saúde Pública. Doutoranda em Ciências da Saúde.

Eduardo Santos
Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Doutorado em Enfermagem.
Professor Adjunto Convidado da Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viseu.
Investigador na Health Sciences Research Unit: Nursing (UICISA: E). Core Staff do Portugal Centre
for Evidence Based Practice: A JBI Centre of Excellence

Elsa Mateus
Diagnosticada com Artrite Idiopática Juvenil em 1977, preside à Direção da Liga Portuguesa
Contra as Doenças Reumáticas, à EUPATI Portugal e é Vice-Presidente da EULAR em
representação do PARE. É Doutorada em Antropologia (especialidade Antropologia da Saúde) e
membro da rede de Patient Research Partners da EULAR e EUPATI Fellow.

Fernando Saraiva
Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação em
Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa,
Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

Filipa Ventura
Enfermeira Especialista em Cuidados Oncológicos, Doutorada em Ciências da Saúde, Fellow
do Centre for Person-Centred Practice Research, Queen Margaret University, Edinburgh,
Investigadora Júnior na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E)
da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Georgina Pimentel
Enfermeira no Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Diretora Técnica na “Mãos que Cuidam, Lda” – cuidados domiciliários. Assistente Convidada da
Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

xxi
Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

Hélder Lourenço
Enfermeiro Especialista e Sexólogo Clínico, pela SPSC, a exercer no CHTViseu, E.P.E. e na Casa
Abrigo para Vítimas de Violência Doméstica para mulheres com problemas de Saúde Mental (CAD-
Viseu), Secretário da Mesa do Colégio da Enfermagem Especializada em Saúde Mental e
Psiquiátrica (2020-2023).

Helena Canhão
Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Reumatologia e Responsável Unidade
Reumatologia, CHULC-HSAC, Lisboa; Presidente Sociedade Portuguesa de Reumatologia;
Professora Catedrática Medicina, NOVA Medical School, UNL e Professora Catedrática Convidada
de Epidemiologia, ENSP; Coordenadora Comprehensive Health Research Center e Responsável
EpiDoC Unit; Líder e Responsável Médica Patient Innovation.

Iolanda Barbosa
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, no Hospital de Dia
Polivalente, do Hospital do Conde de Bertiandos da Unidade Local de Saúde do Alto Minho –
ULSAM.

Isabel Dias
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, Enfermeira de Referência na
Consulta Externa de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E..
Membro dos órgãos sociais e membro fundador da APPSReuma.

Isabel Fidalgo
Enfermeira Graduada a exercer funções no Hospital de São João, E.P.E. no Departamento de
CAM – Serviço Consulta de Reumatologia. Study Nurse em Ensaios Clínicos. Membro dos órgãos
sociais e membro fundador da APPSReuma.

Joana Silva Dinis


Assistente Hospitalar de Reumatologia na Unidade de Reumatologia do Hospital de Santo
António dos Capuchos, CHULC, Lisboa. Internato de formação específica em Reumatologia
realizado no Hospital de Santa Maria, CHULN, Lisboa. Fellowship em Reumatologia Pediátrica
realizada no Great Ormond Street Hospital, Reino Unido.

Joana Vicente
Diagnosticada na adolescência com Fibromialgia é a fundadora e atual presidente da APJOF -
Associação Portuguesa de Fibromialgia, Secretária-Geral da Liga Portuguesa Contra as Doenças
Reumáticas e está envolvida em vários projetos e organizações a nível nacional e europeu.

João Eurico Fonseca


Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação em
Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa,
Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

xxii
Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

Joaquim Polido Pereira


Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação em
Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa,
Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

Liliana Saraiva
Interna de Formação Específica em Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra. Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira
Interior. Pós-graduação em Curso de Especialização em Análise de Dados.

Lurdes Barbosa
Enfermeira responsável pelo Hospital de Dia do Serviço de Reumatologia do Hospital Garcia
de Orta em Almada. Membro fundador da APPSReuma. Presidente da Direção da APPSReuma
entre 2014 e 2019. Vice-Presidente da Direção da APPSReuma desde 2019.

Lurdes Narciso
Enfermeira Especialista em Saúde Comunitária, coordenadora na Unidade Técnicas de
Reumatologia (há 20 anos) no Centro Hospital Universitário Lisboa Norte. Membro fundador da
APPSReuma

Manuel Silvério António


Interno de Formação Específica em Reumatologia no Serviço de Reumatologia e Doenças
Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
Assistente convidado da disciplina de Introdução à Clínica do Mestrado em Medicina da FMUL.

Pedro Lé
Psicólogo com especialidade em psicologia clínica e da saúde acreditado pela Ordem dos
Psicólogos. A exercer no Serviço de Reumatologia e Oftalmologia no Hospital de Santa Maria.
Psicoterapeuta cognitivo comportamental e integrativo na APTCCI.

Ricardo Correia de Matos


Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria. Licenciado em
Contabilidade. Doutorando em Políticas Públicas no ISCTE. Presidente da Secção Regional do
Centro da Ordem dos Enfermeiros e Presidente da Delegação de Águeda da Cruz Vermelha
Portuguesa.

Ricardo J. O. Ferreira
Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na área de Enfermagem à Pessoa
em Situação Crónica no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC); Doutorado em Ciências da Saúde, ramo Enfermagem;
Investigador no Núcleo de Investigação em Enfermagem, pólo CHUC da Unidade de Investigação
em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E). Presidente da Mesa da Assembleia Geral e
membro fundador da APPSReuma; Chair do Comité de Profissionais de Saúde em Reumatologia

xxiii
Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

(HPR) da EULAR; Professor Convidado de Métodos Estatísticos na Escola Superior de Saúde Norte
da Cruz Vermelha Portuguesa.

Ricardo Trinca
Enfermeiro, com experiência na pessoa com doença reumática inflamatória e gestão de
terapêutica biológica, investigação e em ensaios cínicos, responsável como enfermeiro pela
gestão do serviço de Hospital de Dia do Instituto Português de Reumatologia desde 2009. Membro
da direção da APPSReuma.

Rita Barros
Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseo Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

Rita Fernandes
Nutricionista no Instituto Português de Reumatologia (IPR), orientadora de estágios em
Nutrição, e membro da Comissão de Ética para a Saúde do IPR desde 2011.

Rosário Morujão
Professora universitária, casada e mãe de dois filhos. Diagnosticada com Síndrome de Sjögren,
foi uma das fundadoras do Núcleo de Sjögren da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas,
que atualmente coordena. É também Tesoureira da Liga, depois de ter sido Vice-Presidente num
anterior mandato.

Rúben Duarte Fernandes


Enfermeiro Especialista em Reabilitação no Serviço de Reumatologia do CHUC e Mestre em
Saúde Pública, com experiência em gestão da doença Reumática na vertente de prevenção,
ensino, reabilitação e exercício físico; competência acrescida em reabilitação desportiva;
Responsável Técnico do Centro de Enfermagem da Clínica Reequilibra, em Coimbra.

Sandra Miranda
Enfermeira no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho E.P.E., no Hospital de Dia
Polivalente e no serviço de Consulta de Enfermagem de Reumatologia.

Sara Rodrigues
Coordenadora de ensaios clínicos da Unidade de Inovação e Desenvolvimento do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra E.P.E. (CHUC): Unidade de Investigação Clínica do Serviço
de Cardiologia. Pós-Graduação em Turismo de Saúde. Mestranda em Educação para a Saúde.

Sofia Barreira
Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa
Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação em
Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa,
Centro Académico de Medicina de Lisboa, Portugal.

xxiv
Enfermagem em Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

LISTA DE ABREVIATURAS

ACPA Anticorpos Antipéptidos Citrulinados Cíclicos


ACR American College of Rheumatology
ACT Terapia de Aceitação e Compromisso
ADM Amplitude de Movimento
AF Atividade Física
AI Autoridades de Integração
AIJ Artrite Idiopática Juvenil
AIM Autorização de Introdução no Mercado
AINE Anti-Inflamatórios Não-Esteroides
ANA Anticorpos Antinucleares
AP Artrite Psoriática
AR Artrite Reumatóide
AVAI Anos de Vida Ajustados por Incapacidade
AVD Atividades de Vida Diária
BIPQ Brief Illness Perception Questionnaire
CEIC Comissão de Ética para a Investigação Clínica
CMV Citomegalovírus
CRF Case Report Form
GPCC Centro da Universidade de Gotemburgo para o cuidado centrado na pessoa
CPcPR Centro de Investigação para a Prática Centrada na Pessoa da Universidade de
Queen Margaret
DALY Disability Adjusted Life Year
DDCPC Doença por Deposição de Cristais de Pirofosfato de Cálcio
DDR Doses Diárias Recomendadas
DII Doenças Inflamatórias do Intestino
DM Diabetes Mellitus
DMARD Fármacos Antirreumáticos Modificadores de Doença
bDMARD Fármacos Antirreumáticos Modificadores de Doença: Biológicos
cDMARD Fármacos Antirreumáticos Modificadores de Doença: Clássicos
DMT Dermatomiosite
DRI Doença(s) Reumática(s) Inflamatória(s)
DXA Densitometria Mineral Óssea
EA Espondilite Anquilosante
EC Ensaios Clínicos
EMS Electrical Muscle Stimulation
EOE Estatuto da Ordem dos Enfermeiros
EULAR European Alliance of Associations for Rheumatology
FM Fibromialgia
FODMAP Hidratos de Carbono Fermentáveis
GI Gastrointestinal
GCP Good Clinical Practice
IFD Interfalângicas Distais

xxv
Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia

IFP Interfalângicas Proximais


INFARMED Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde
ISF Investigator Study File
JAK Janus Associated Kinases
LES Lúpus Eritematoso Sistémico
MCF Metacarpofalângica
MMAS-4 Morisky Medication Adherence Scale
NPM New Public Management
OA Osteoartrose
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
OMERACT Outcome Measures in Rheumatology Clinical Trials
OMS Organização Mundial de Saúde
OP Osteoporose
PA Produtos de Apoio
PCR Proteína C-Reativa
PGA Patient Global Assessment
PM Polimiosite
PhGA Phisician Global Assessment
PROMs Patient-Reported Outcome Measures
PNV Programa Nacional de Vacinação
RCT Ensaio Clínico Randomizado e Controlado
RMN Ressonância Magnética Nuclear
RSE Registo de Saúde Eletrónico
RSL Revisão Sistemática da Literatura
SIADH Síndrome de Secreção Inapropriada de Hormona Antidiurética
SOPs Standard Operating Procedures
SpA Espondilartrites
SSc Sistemic Sclerosis
SSj Síndrome de Sjögren
SJC28 Swollen Joint Count 28
TCC Terapia Cognitivo Comportamental
TENS Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation
TJC28 Tender Joint Counts 28
T2T Treat-to-Target

xxvi
1

DOENÇAS REUMÁTICAS E MÚSCULO-ESQUELÉTICAS


(Voltar ao Índice)

1. DOENÇAS REUMÁTICAS E MÚSCULO-ESQUELÉTICAS*

Joana Silva Dinis1 e Helena Canhão2

As Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas (DRM) afetam o sistema músculo-


esquelético e atingem pessoas de todas as idades, causando incapacidade. Estas podem
envolver igualmente outros órgãos e sistemas e ter importante morbi-/mortalidade se
não forem atempadamente diagnosticadas e tratadas. São um grupo variado de
doenças que inclui doenças degenerativas como a osteoartrose; doenças metabólicas
como a osteoporose; doenças microcristalinas como a gota; as doenças dos tecidos
moles periarticulares como as tendinites; síndromes dolorosas como a fibromialgia; e
doenças inflamatórias como a artrite reumatóide, as espondilartrites, o lúpus
eritematoso sistémico ou a artrite idiopática juvenil nas crianças e adolescentes.

Palavras-chave: DRM, diagnóstico, prognóstico, terapêutica.

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer a repercussão das DRM a nível físico, psicológico, social e económico;


• Distinguir as características dos diferentes grupos de DRM;
• Identificar os principais sinais e sintomas e alterações nos exames complementares
de diagnóstico associados a DRM mais prevalentes na população;
• Conhecer a generalidade da abordagem terapêutica destas patologias.

1
Assistente Hospitalar de Reumatologia na Unidade de Reumatologia do Hospital de Santo António dos Capuchos,
CHULC, Lisboa.
2
Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Reumatologia e Responsável Unidade Reumatologia, CHULC-HSAC, Lisboa.
*Nota: Por questões regulamentares e em virtude do apoio financeiro recebido para este livro, neste capítulo não é feita
referência a substâncias ativas das terapêuticas abordadas. Agradecemos a sua compreensão.

27
J. S. Dinis & H. Canhão

As DRM são doenças e alterações funcionais do sistema musculosquelético de causa


não traumática.(1) Estas doenças, que podem afetar pessoas de todas as idades, causam
frequentemente incapacidade e, se não diagnosticadas e tratadas atempadamente,
podem ter repercussões físicas, psicológicas, familiares, sociais e económicas. As
doenças reumáticas e músculo-esqueléticas são um frequente motivo de recorrência
aos cuidados de saúde, causa de incapacidade temporária para o trabalho e de reforma
antecipada por doença ou invalidez.(2) Esta tendência tem aumentado nas últimas
décadas, em função dos atuais estilos de vida e o aumento da longevidade das
populações.

O estudo EpiReumaPt, um estudo epidemiológico que envolveu entrevistas a cerca


de 10 000 portugueses, permitiu estimar a prevalência das doenças reumáticas na
população portuguesa. As doenças mais prevalentes na população são a lombalgia
(26,4%), osteoartrose (19,1%), patologia periarticular (15,8%) e osteoporose (10,1%).
Dentro das doenças inflamatórias, as espondilartrites são as doenças mais prevalentes
(1,6%), seguidas da artrite reumatóide (0,7%). Este estudo demonstrou ainda que os
doentes com DRM têm menor qualidade de vida, pior função física e saúde mental, e
consomem mais recursos de saúde em comparação com os indivíduos sem DRM.(3)

Em Reumatologia, a história clínica e o exame objetivo são fundamentais para o


correto diagnóstico das DRM. É importante a pesquisa de sintomas e os sinais a nível do
aparelho locomotor, mas também de manifestações sistémicas. Os principais sintomas
em Reumatologia são a dor, a rigidez, a limitação da mobilidade e a diminuição da
capacidade funcional.(2) É fundamental caracterizar a distribuição anatómica dos
sintomas, a sua progressão (aditiva ou migratória) e a existência ou não de envolvimento
simétrico.(4) A dor é, na maioria dos casos, o principal motivo da consulta. Uma das pistas
diagnósticas mais importantes é a distinção entre as queixas do tipo mecânico e
inflamatório. As queixas são do tipo mecânico quando se agravam com o movimentos e
esforços, melhoram com o repouso (sobretudo o noturno) e são acompanhadas de
rigidez inferior a 30 minutos de duração. Pelo contrário, as queixas do tipo inflamatório
melhoram com os movimentos e agravam com o repouso (particularmente o noturno)
pelo que o doente refere agravamento durante a noite e pela manhã. Esta é
habitualmente acompanhada de tumefação articular e rigidez articular prolongada ao
acordar (superior a 30 minutos de duração).(2)

Artrite traduz inflamação articular, com a existência de dor associada a outros sinais
inflamatórios, como a tumefação articular. Esta é classificada em: monoartrite quando
apenas afeta uma articulação, oligoartrite quando estão envolvidas quatro ou menos
articulações, e poliartrite quando são atingidas cinco ou mais articulações. Outros
termos frequentemente usados em Reumatologia são: (2)

• Sinovite (inflamação da membrana sinovial; frequentemente associada a artrite);

28
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

• Tendinite (inflamação de um tendão);


• Tenossinovite (inflamação da bainha sinovial que envolve um tendão);
• Bursite (inflamação de uma bolsa serosa),
• Capsulite (inflamação da cápsula articular);
• Miosite (inflamação de um músculo);
• Ligamentite (inflamação de um ligamento);
• Entesite (inflamação de uma entese - local de inserção dos ligamentos);
• Espondilite ou espondilartrite (inflamação das articulações da coluna vertebral).

As DRM são variadas e são classicamente agrupadas em:

• Doenças degenerativas das articulações periféricas e da coluna vertebral, como a


osteoartrose;
• Doenças metabólicas ósseas e articulares, como a osteoporose; e as doenças
microcristalinas (por deposição de cristais), como a gota;
• Doenças dos tecidos moles periarticulares como as tendinites, tenossinovite ou
bursites; e síndromes dolorosos como a fibromialgia;
• Doenças inflamatórias do sistema musculosquelético, do tecido conjuntivo e dos
vasos, como a Artrite Reumatóide (AR), as Espondilartrites (SpA), o Lúpus
Eritematoso Sistémico (LES), outras conetivites e vasculites.

1.1. OSTEOARTROSE

A osteoartrose (OA) é a DRM mais prevalente a nível mundial, afetando 80% da


população acima dos 75 anos de idade. É uma doença crónica e progressiva que tem um
impacto muito significativo na funcionalidade e qualidade de vida dos doentes, mas não
está associada ao aumento da mortalidade.(5)

A OA pode ser classificada como primária (idiopática) ou secundária, ainda que esta
distinção não seja simples. A OA primária não tem causa identificada. A OA secundária
é consequência do dano causado por outras patologias: após trauma, doenças
congénitas, doenças microcristalinas (como a gota) ou mesmo doenças reumáticas
inflamatórias, como a AR. Adicionalmente, existem vários fatores que predispõem para
o desenvolvimento de OA como a idade, o género feminino, fatores genéticos e a
obesidade.(4)

A osteoartrose é uma doença crónica, mas a sua história natural é variável. Mais
comummente evolui lentamente durante vários anos. A sua forma de apresentação
mais frequente é uma monoartralgia de ritmo mecânico, inicialmente ligeira,
acompanhada de rigidez de curta duração (inferior a 30 minutos de duração) após
longos períodos de imobilização, fenómeno denominado por gelling. A dor pode ser

29
J. S. Dinis & H. Canhão

também acompanhada por crepitações à mobilização da articulação, limitação da


amplitude articular, deformação e tumefação óssea. Ocasionalmente, pode coexistir
inflamação articular que pode resultar em sinovite com acumulação de líquido articular,
principalmente a nível do joelho. As articulações tipicamente envolvidas são: joelho
(gonartrose), Interfalângicas Proximais (IFP) e Distais (IFD) da mão (osteoartrose nodal
da mão, com formação dos nódulos de Bouchard e Heberdeen), a 1.ª
carpometacarpiana (rizartrose), a 1.ª Metatarsofalângica (MTF) (associada a hallux
valgo), a coxofemoral (coxartose), a coluna vertebral lombar e cervical
(espondilartrose). (O envolvimento de múltiplas articulações é designado por
poliosteoartrose (Figura 1).(6)

A anamnese e a observação são fundamentais para o diagnóstico e, por vezes, o


quadro clínico é tão típico que permite o diagnóstico de OA. Os exames complementares
de diagnóstico são importantes nos casos com apresentação clínica não característica
ou suspeita de OA secundária a outras patologias. Analiticamente, não são expectáveis
alterações laboratoriais. No início do quadro, as alterações radiológicas podem ser
subtis, mas tornam-se evidentes com a progressão da doença.(4)

Atualmente, não existe nenhum tratamento que modifique a evolução natural da


doença. Assim, o tratamento tem como objetivos o alívio sintomático, a manutenção da
funcionalidade e melhoria da qualidade de vida do doente. As medidas não
farmacológicas são tão importantes quanto as medidas farmacológicas.(6)

As medidas não farmacológicas baseiam-se na educação do doente sobre a doença


e perda ponderal, dado que a obesidade é um fator de risco modificável para o
desenvolvimento da OA. É importante a manutenção da atividade física, principalmente
com realização de exercícios de baixo impacto (como a natação e hidroginástica), focado
no fortalecimento muscular, alongamentos e melhoria da amplitude articular. Deve ser
também ponderada a necessidade de programas de reabilitação individualizados e a
utilização de ortóteses para descarga parcial (bengala, andarilho, plantares de apoio). A
termoterapia pode ser igualmente tentada com aplicação local de calor nas fases
crónicas e gelo nas agudizações da dor, principalmente se existir inflamação
associada.(7–9)

Os fármacos condroprotetores apresentam resultados contraditórios, mas podem


ser tentados para a redução da dor e na melhoria funcional dos doentes. Pode ser
necessária a utilização crónica de analgésicos não narcóticos (como o paracetamol) ou
de fármacos de utilização tópica, como os Anti-Inflamatórios Não-Esteroides (AINE). A
utilização de AINE por via oral deve ser reservada para os quadros agudos. Os
analgésicos opióides estão indicados apenas em casos refratários a todas as outras
medidas. Adicionalmente, os tratamentos intra-articulares com corticosteroides ou
viscossuplementação demonstraram eficácia sintomática e funcional em alguns casos,

30
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

especialmente na gonartrose. O tratamento cirúrgico é reservado para casos mais


avançados da doença.(7–9)

Figura 1 – Poliosteoartose Figura 2 – Deposições de ácido úrico nos


tecidos moles (face dorsal dos dedos)

Figura 3 - Dedos em híper-extensão Figura 4 - Teste de Schöber


das Interfalângicas Proximais com uma
hiperflexão da Interfalângica Distal

Figura 5 – Dactilite Figura 6 – Eritema Malar

Figura 7 – Fenómeno de Raynaud

Fonte: Figuras 1 a 6: Sociedade Portuguesa de Reumatologia (2020). Reumatologia Geral e Familiar. Lisboa: SPR. Figura 7 – Hochberg
M, Gravallese E, Silman A, Smolen J, Weisman M. Rheumatology. 7th ed. Elsevier

31
J. S. Dinis & H. Canhão

1.2. OSTEOPOROSE

A Osteoporose (OP) é uma doença do metabolismo ósseo caracterizada por baixa


massa óssea resultando no aumento da fragilidade óssea e suscetibilidade a fraturas. É
a doença óssea metabólica mais prevalente a nível mundial, afetando mais
frequentemente mulheres no período pós-menopausa. As fraturas da anca acarretam
diminuição da qualidade de vida, perda de autonomia e aumento da mortalidade. Da
mesma forma, as fraturas vertebrais são uma causa importante de causa de dor crónica
e perda de mobilidade.(6)

O osso está em constante processo de remodelação, através da reabsorção do osso


existente e posterior formação de novo osso. A OP pode surgir por defeito na formação
óssea ou por desequilíbrio entre a formação e a reabsorção com predomínio da
segunda. Com o envelhecimento, principalmente na mulher após a menopausa, a
reabsorção óssea aumenta desproporcional à formação óssea.

A OP é classificada como primária, associada ao envelhecimento, ou secundária,


quando associada a uma doença (Tabela 1).(4)

Tabela 1 – Alguns fatores de risco e causas secundárias de osteoporose


Fatores
Doenças reumáticas inflamatórias (AR, LES, SpA)
Doenças endócrinas [Diabetes Mellitus (DM), hiper ou hipotiroidismo, hipogonadismo, menopausa
precoce, acromegália]
Doenças gastrointestinais (doença celíaca, gastrectomia ou resseção intestinal, doença hepática
crónica)
Doenças hematológicas (mielomas, linfomas, hemoglobinopatias)
Doenças renais (doença renal crónica)
Doenças genéticas ou metabólicas (osteogénesis imperfeita, síndroma de Marfan)
Fármacos (glucorticoides, antiepilépticos e antipsicóticos, antirretrovirais, quimioterapia)

A OP não origina sintomas, sendo que as manifestações clínicas resultam da


ocorrência de fraturas. As fraturas vertebrais podem resultar em raquialgias, cifose
dorsal e/ou perda de altura. As fraturas do esqueleto periférico ocorrem normalmente
após traumatismos de baixo impacto (como a queda da própria altura) e são mais
frequentes a nível da anca e do antebraço (denominada fratura de Colles). A radiografia
permite o seu diagnóstico. A avaliação laboratorial é frequentemente solicitada para
excluir doenças que possam contribuir para a osteoporose, sendo normal nos doentes
com osteoporose primária.(4,6)

A medição da massa óssea por absorciometria de dupla energia (DEXA ou


densitometria) é o exame padronizado para o diagnóstico de OP, através da

32
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

quantificação da densidade mineral óssea pelo T-score (Tabela 2). Contudo, o


diagnóstico de OP tendo apenas como base a DEXA subestima o risco de fratura, pelo
que o resultado deve ser complementado com avaliação de fatores de risco clínicos
(idade, peso, altura, hábitos tabágicos e alcoólicos, outras patologias e medicação, e
história familiar de fratura osteoporótica).(10)

Tabela 2 - Densidade mineral óssea pelo T-score

Critérios de diagnóstico da OMS* Classificação


T-score ≥ -1 Normal
-2,5 < T-score < -1 Baixa massa óssea (osteopenia)
T ≤ -2,5 Osteoporose
T-score: n.º de desvios padrão acima/abaixo da média da densidade mineral óssea do adulto jovem.

Todos os doentes devem ser aconselhados a seguir medidas gerais como a dieta rica
em cálcio e evicção do tabaco, álcool e café que agravam a osteoporose. O exercício
físico, nomeadamente o treino de postura e equilíbrio, é fundamental no ganho da
massa óssea, aumento da força muscular e na diminuição do risco de queda. A exposição
solar regular está recomendada para estimular a produção de vitamina D (essencial no
metabolismo do cálcio e formação de novo osso), devendo ser feita de forma moderada
(15-30 minutos diários na região dos braços e pernas, sem uso de protetor solar). A
avaliação do risco e a prevenção de quedas é essencial nestes doentes e consiste em
ajustar a medicação sedativa, remover obstáculos à deambulação (como fios elétricos
ou tapetes), garantir a iluminação adequada da habitação, aconselhar a utilização de
calçado adequado e corrigir défices de visão ou audição.(10)

Os fármacos eficazes na prevenção de fraturas osteoporóticas dividem-se em


antirreabsortivos e osteoformadores. Os bifosfonatos são fármacos eficazes e com um
custo acessível, pelo que são considerados fármacos de 1ª linha. Podem ser
administrados por via oral em regime semanal, mensal ou via endovenosa em regime
anual durante 5 a 8 anos. Está também disponível um anticorpo monoclonal, sendo um
fármaco mais dispendioso pelo que é reservado para os doentes com contraindicação
ao uso de bifosfonatos (como a doença renal crónica). Existem fármacos especialmente
indicados nos casos de OP fraturária da coluna vertebral.(10)

33
J. S. Dinis & H. Canhão

1.3. ARTRITES MICROCRISTALINAS

As artrites microcristalinas (ou por deposição de cristais) resultam da inflamação


causada pela deposição de microcristais nas articulações. As mais prevalentes são a gota
úrica (deposição de cristais de monourato de sódio) e a doença por deposição de cristais
de pirofosfato de cálcio (frequentemente denominada de condrocalcinose).
Caracteristicamente, a fase inicial de deposição de microcristais nas articulações e
tecidos moles é assintomática; sendo seguida de episódios agudos autolimitados e,
finalmente, evolução para um quadro de inflamação crónica.(4,6)

A gota úrica é a artrite microcristalina mais frequente, afetando principalmente os


homens após os 50 anos de idade, sendo a causa mais comum de artrite nesta
população.(4,6)

A formação e deposição de cristais resulta da disfunção no metabolismo do ácido


úrico que só é eliminado através do rim. Assim, a acumulação do ácido úrico
(hiperuricemia) pode resultar do aumento da síntese de ácido úrico e/ou da diminuição
da eliminação renal. Os cristais de monourato de sódio formam-se pela ligação do ácido
úrico em excesso ao sódio existente no organismo.(4,6)

A gota úrica pode ser classificada como primária ou secundária. A gota primária é a
forma mais frequente e está habitualmente associada a história familiar de gota. A gota
secundária está associada a doenças que aumentam a síntese de ácido úrico (como
doenças linfoproliferativas e tratamentos de quimioterapia) ou que levam à diminuição
da excreção renal de ácido úrico (como a insuficiência renal).(4,6)

Os cristais de monourato de sódio depositam-se nas articulações originando uma


crise gotosa aguda, mas também nas partes moles formando tofos gotosos, ou no rim e
vias urinárias resultando em nefropatia e litíase. A história natural da gota úrica inclui a
crise gotosa aguda, seguida de um período intercrítico (entre crises) assintomático e a
gota crónica. A crise gotosa aguda caracteriza-se habitualmente por um quadro de
monoartrite de início súbito que envolve as articulações dos pés, tornozelo ou joelhos.
Mais frequentemente, atinge a primeira articulação metatarsofalângica, quadro
designado por podagra. O quadro álgico da crise aguda é exuberante (classicamente
descrito como intolerância ao próprio lençol sobre a pele), com despertares noturnos e
sinais inflamatórios articular francos. Estas crises são autolimitadas, resolvendo num
período inferior a uma semana. Existem vários fatores que podem desencadear uma
crise gotosa (Tabela 3).(4,6)

34
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

Tabela 3 – Principais fatores desencadeantes da crise gotosa


Fatores
Traumatismos articulares
Alimentação rica em purinas (e.g. carnes vermelhas e marisco)
Desidratação
Ingestão alcoólica (principalmente cerveja)
Internamentos hospitalares ou intervenções cirúrgicas
Fármacos (e.g. ciclosporina, diuréticos, tuberculostáticos)
Introdução de inibidor da xantina oxidase durante a crise gotosa

No período intercrítico, que pode durar semanas ou anos, o doente encontra-se


completamente assintomático. Contudo, estes tornam-se progressivamente mais
curtos até resultarem na gota crónica após anos de evolução da doença não tratada. A
gota crónica caracteriza-se pela presença de articulações persistentemente dolorosas e
tumefactas, que podem sofrer agudização semelhante à crise gotosa. Nestes doentes, a
gota tem habitualmente um envolvimento poliarticular e simétrico das pequenas
articulações das mãos e pés, resultando em erosões e marcada destruição óssea, pelo
que pode ser confundida com a AR. Uma minoria dos doentes evoluiu para gota tofácea
crónica com formação de tofos gotos que resultam de deposição de ácido úrico nos
tecidos moles. Estes são nódulos duros e indolores, e localizam-se preferencial na face
extensora das articulações (e.g. cotovelo e face dorsal dos dedos), a nível tendinoso (e.g.
tendão de Aquiles).(4,6)

A hiperuricemia, que está na base da gota úrica, é definida como um valor elevado
de ácido úrico sanguíneo superior a 6 mg/dL na mulher e > 7 mg/dL no homem. Contudo,
apenas cerca de 10% dos doentes com hiperuricemia evoluem para gota úrica. Assim, a
presença de hiperuricemia não implica o diagnóstico de gota úrica e durante uma crise
de gota os valores de uricemia podem estar dentro dos valores de referência pelo que
o doseamento do ácido úrico deve ser feito duas ou mais semanas após resolução
completa da crise de gota. Durante uma crise de gota, pode ocorrer elevação dos
parâmetros inflamatórios que pode simular um quadro infecioso.(11)

O diagnóstico da gota úrica é, na maioria dos casos, realizado com base na


apresentação clínica do doente e determinação da hiperuricemia. Contudo, pode ser
necessário realizar artrocentese (drenagem de líquido sinovial de uma articulação
inflamada) com envio do líquido sinovial para exame bacteriológico para excluir
etiologia infeciosa; bem como pesquisa de cristais de monourato de sódio em
microscópio ótico com luz polarizada que permite confirmar o diagnóstico de gota. Os
achados na radiografia e ecografia podem corroborar o diagnóstico nos casos mais
avançados.(11)

35
J. S. Dinis & H. Canhão

O objetivo da terapêutica em doentes com crise aguda de gota é o alívio rápido da


inflamação, ainda que estes episódios sejam autolimitados. A longo prazo, pretende-se
diminuir os níveis de ácido úrico, reduzindo o número de crises e prevenindo a evolução
para artrite gotosa crónica. As medidas não farmacológicas contribuem para a
diminuição da hiperuricemia, ainda que possam ser insuficientes para a normalização
dos valores de ácido úrico. É recomendada uma dieta com restrição de purinas (marisco,
carnes jovens, carnes de caça, enchidos, bebidas açucaradas) e consumo limitado de
álcool (particularmente de cerveja). O tratamento da crise aguda de gota deve ser
instituído o mais precocemente possível. Este consiste em medidas que procuram
suprimir a inflamação articular como o repouso articular, aplicação local de gelo e
utilização de fármacos como os AINE, anti mitótico ou corticosteroides durante a
duração da crise. A hiperuricemia assintomática não tem indicação para tratamento
farmacológico, dado que apenas uma pequena percentagem de doentes evolui para
gota úrica. Assim, só é iniciada terapêutica hipouricemiante nos doentes com
hiperuricemia associada a crises gotosas. Para evitar o agravamento das crises, estes
fármacos não devem ser iniciados durante a crise de gota e não devem ser suspensos
durante a crise se já forem tomados regularmente. Os fármacos hipouricemiantes
devem ser mantidos indefinidamente com titulação progressiva da dose até
normalização dos valores de ácido úrico.(12–15)

A doença por deposição de cristais de pirofosfato de cálcio (DDCPC) é uma artrite


microcristalina que predomina nas mulheres após os 65 anos de idade. Nesta ocorre
condrocalcinose – deposição de cristais de pirofosfato de cálcio nas cartilagens hialinas
e fibrocartilagens. Habitualmente, a DDCPC tem uma etiologia desconhecida, mas pode
resultar de disfunção do metabolismo do cálcio (como no hiperparatiroidismo). A
DDCPC pode ser assintomática ou ter diferentes formas de apresentação clínica. Pode
resultar em artrite aguda induzida por cristais de pirofosfato de cálcio (quadro do mono
ou oligoartrite que afeta preferencialmente o joelho, o punho ou o ombro); artrite
inflamatória crónica que pode simular a AR; ou osteoartrose com deposição de cristais
de pirofosfato de cálcio (resultando num quadro semelhante à OA, mas mais grave e
com surtos inflamatórios). O estudo laboratorial é habitualmente normal, podendo
haver elevação dos parâmetros inflamatórias na presença de artrite. O diagnóstico
baseia-se sobretudo na presença de calcificações radiológicas típicas de
condrocalcinose e/ou na deteção no líquido sinovial de cristais de pirofosfato de cálcio
após realização de artrocentese. O tratamento na fase aguda é semelhante ao utilizado
na gota. Não existe num fármaco eficaz para evitar a formação e deposição destes
cristais, pelo que por vezes é utilizada a anti mitótico cronicamente que procura evitar
os surtos inflamatórios.(4,6,16,17)

36
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

1.4. PATOLOGIA PERIARTICULAR

A patologia periarticular ou dos tecidos moles é o grupo de doenças que mais


frequentemente origina sintomatologia a nível do aparelho locomotor. Estas patologias
resultam de alterações estruturais localizadas das partes moles que originam dor ou
impotência funcional. A maioria das situações resulta de processos crónicos de
microtraumatismo de repetição, muitas vezes relacionados com a atividade profissional
ou atividades de lazer. As artropatias inflamatórias podem também manifestar-se como
inflamação periarticular.(2)

Na avaliação da patologia periarticular é necessário caracterizar com precisão a dor


em termos de localização, a irradiação, o caráter, a forma de início, os fatores
moduladores e outros sintomas associados como sensação de bloqueio, parestesias e
fraqueza muscular. O exame físico deve ser complementado com a avaliação da
mobilidade e testes especiais para avaliação de envolvimento de certos tendões.(2)

Por vezes, quando a história clínica e o exame físico não são suficientes para o
diagnóstico, podem ser solicitados exames complementares de diagnóstico. A
radiografia simples é pouco útil nestas situações, mas a ecografia normalmente permite
o seu diagnóstico. Esta pode ser complementada com ressonância magnética nuclear
(RMN) ou eletromiograma (especialmente nas neuropatias compressivas).

De uma forma em geral, o tratamento destas patologias tem como objetivos:


diminuição da dor, de forma a promover a reabilitação; e mitigar a impotência funcional.
É frequente a combinação das várias abordagens terapêuticas.

O exercício é fundamental na abordagem terapêutica da maioria destas patologias.


Na fase aguda, este deve ser iniciado por um programa de exercícios isométricos,
favorecendo a recuperação. Posteriormente devem ser executados exercícios de
mobilização passiva no arco de movimento indolor. O aumento de intensidade do
exercício com mobilização ativa deve ser gradual, sendo que limitado pela dor. Existem
diferentes terapêuticas não farmacológicas que são úteis no tratamento destas
patologias, como os ultrassons e a laserterapia.(2,6)

Como adjuvantes na terapêutica, a utilização de AINE pode ser considerada


temporariamente para alívio sintomático. Existem outros fármacos que podem ser
utilizados em alternativa, como os analgésicos (paracetamol e/ou opióides fracos), ou
antiepiléticos. Estes últimos apenas são úteis como adjuvantes no caso de existir dor de
caráter neuropático (mais frequentemente parestesias). A infiltração com
corticosteroides é uma possível opção terapêutica. A sua eficácia é muito variável entre
cada doente e em cada patologia; contudo, de um modo geral, os resultados parecem
bons a curto prazo, mas mais modestos a longo prazo.(2,6)

37
J. S. Dinis & H. Canhão

O ombro é uma articulação complexa sujeita a grande amplitude de movimentos,


pelo que é comummente fonte de patologia periarticular. A omalgia é frequente,
apresentando uma prevalência na população adulta de 7 a 21%. As principais patologias
do ombro são a tendinite da coifa dos rotadores e a tendinite da longa porção do
bicípite.(2,4,6)

A tendinite da coifa dos rotadores origina omalgia com irradiação para a face súpero-
lateral do braço, que se exacerba com os movimentos. Esta tem geralmente etiologia
traumática, microtraumática ou inflamatória (como no caso das artropatias
inflamatórias, microcristalinas ou infeciosas). À observação, é frequente a dor com
abdução ativa do membro superior entre os 60 e os 120°. Esta agrava-se aquando da
pressão da inserção do tendão da coifa dos rotadores no troquiter e com o movimento
de abdução, rotação externa ou interna contra a resistência. A rotura do tendão da coifa
dos rotadores é especialmente frequente depois dos 50 anos de idade, sendo que
metade dos doentes com mais de 80 anos apresenta roturas parciais destes
tendões.(2,4,6)

A tendinite da longa porção do bicípite origina dor na face ântero-medial do ombro


(goteira bicipital) que se exacerba com a palpação e com a flexão-supinação do
antebraço sobre o braço contra resistência.(2,4,6)

A capsulite retrátil (“ombro congelado”) resulta da retração das fibras da cápsula da


articulação gleno-umeral e normalmente é a consequência de patologias tendinosas do
ombro não tratadas. Curiosamente, pode estar associada a doenças cardiovasculares,
doenças neurológicas (doença cerebrovascular e doença de Parkinson) e alguns
medicamentos (tuberculostáticos e anti-epilépticos). Clinicamente, manifesta-se por
dor e limitação de todos os movimentos ativos e passivos do ombro.(2,4,6)

As patologias periarticulares mais frequentes no cotovelo são a epicondilite e


epitrocleíte.

A epicondilite é a tendinite a nível da inserção no epicôndilo lateral dos músculos


extensores do punho e dos dedos das mãos. É secundária a microtraumatismos de
repetição, sendo frequente nas empregadas domésticas, nos jogadores de ténis
(“cotovelo de tenista”) e uso prolongado do computador. Esta caracteriza-se por dor no
epicôndilo lateral, que é exacerbada à pressão local ou com a extensão-supinação do
punho contra-resistência.(2,4,6)

A epitrocleíte é uma tendinite de inserção no epicôndilo medial (epitróclea) dos


músculos flexores do punho e dos dedos das mãos. É uma entidade muito mais rara que
a epicondilite, estando associada a microtraumatismos de repetição nas empregadas
domésticas e nos jogadores de golfe (“cotovelo de golfista”). A dor agrava-se quando se
pressiona a epitróclea e quando se contraria a flexão do punho.(2,4,6)

38
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

A dor ou impotência funcional na mão pode ter origem em múltiplas estruturas


articulares ou periarticulares da própria mão, por patologia da coluna cervical, ombro e
cotovelo.

A síndroma do canal cárpico é a neuropatia compressiva do nervo mediano a nível


do punho. É mais frequente no género feminino entre os 40 e os 60 anos de idade.
Associa-se a microtraumatismos, patologia reumática (OA, gota, AR), outras patologias
(diabetes mellitus, hipotiroidismo, acromegalia, insuficiência renal) e gravidez. Estes
doentes referem dor, parestesias e hipoestesia no território do nervo mediano (três
primeiros dedos e na metade do quarto dedo). As manobras de percussão do mediano
a nível do punho (sinal de Tinel) e a hiperflexão do punho durante um minuto (manobra
de Phalen) reproduzem frequentemente a sintomatologia.(2,4,6)

A tenossinovite estenosante de De Quervain resulta da estenose das bainhas do


curto extensor e do longo abdutor do primeiro dedo ao nível da apófise estiloide do
rádio. Origina dor na face lateral do punho que se intensifica com a abdução e a
extensão contrariadas do primeiro dedo e com a manobra de Finkelstein: flexão da
primeira metacarpofalângica (MCF) e a pronação e inclinação cubital do punho
simultaneamente.(2,4,6)

A tenossinovite dos extensores do punho origina tumefação do dorso do punho e


mão e está frequentemente associada a microtraumatismos e diversas doenças
reumáticas como a AR ou gota.(2,4,6)

O “dedo em gatilho” é causado por tenossinovite dos flexores profundos dos dedos
e resulta de um bloqueio da passagem do tendão aquando da extensão do dedo que
cede com um ressalto quando se efetua a extensão do dedo com a outra mão. Esta
patologia é mais frequente em doentes com AR, diabetes mellitus e gota.(2,4,6)

A dor na anca é um sintoma comum com diversas causas, muitas das vezes de origem
periarticular. A trocanterite (dor a nível do grande trocânter) é um dos quadros mais
frequentes e resulta da inflamação da bolsa trocantérica (situada entre o médio glúteo
e o grande trocânter) ou da tendinite do médio glúteo. Origina a dor a nível do grande
trocânter, na face lateral da coxa, que se com o decúbito homolateral e pressão digital
a nível do grande trocânter.(2,4,6)

O joelho também é vulgarmente sede de patologia periarticular. A bursite anserina


consiste na inflamação da bolsa serosa localizada na extremidade súpero-medial da
tíbia, na pata de ganso (inserção conjunta dos músculos reto interno, semitendinoso e
costureiro), que se exacerba com a pressão local e a flexão contrariada do joelho. A
bursite pré-patelar resulta da inflamação da bolsa serosa pré-patelar localizada entre a
pele e a face anterior da rótula. A etiologia microtraumática (indivíduos que

39
J. S. Dinis & H. Canhão

permanecem ajoelhados durante longos períodos) é a mais frequente, seguida da


patologia reumática inflamatória e infeciosa.(2,4,6)

O quisto de Baker é um quisto sinovial da face posterior do joelho, que se origina por
um processo de degenerescência e perda de resistência da cápsula articular do joelho,
associada a processos que aumentam a pressão intra-articular. É frequente na AR,
podendo também surgir na OA e nas lesões mecânicas do joelho (ligamentares ou
meniscais). Origina dor e desconforto na região poplítea, podendo romper e simular
uma tromboflebite.(2,4,6)

A dor no pé pode ter origem nos ossos, articulações ou estruturas periarticulares. As


patologias da estática do pé são motivo frequente de queixas e estão associadas a
diferentes tendinites. Clinicamente, estas causam dor, tumefação e dor à pressão no
trajeto tendinoso respetivo. Na face anterior do tornozelo pode decorrer da
tenossinovite envolvendo qualquer um dos seus tendões. No lado medial do tornozelo,
pode existir tenossinovite do tibial posterior que está geralmente associada a défice no
suporte da arcada plantar interna, que pode evoluir para o pé plano valgo adquirido do
adulto. Os tendões do lado lateral, os peroneais, podem ser alvo de patologia que
cronicamente pode evoluir para rotura, com perda da eversão do pé.(2,4,6)

A talalgia (dor no calcanhar) pode ser posterior como na tendinite aquiliana ou


inferior como na fasceíte plantar, que consiste num processo inflamatório da inserção
da aponevrose plantar no calcâneo. Estas podem ser causadas por: calçado
inapropriado, alterações da estática dos pés e a diversas patologias reumáticas como a
OA, as SpA ou AR.(2,4,6)

As metatarsalgias são muito frequentes nas artropatias inflamatórias ou alterações


estruturais como hallux valgus. Dor de tipo neuropático sugere a existência de
neurinoma de Morton, habitualmente localizado no segundo ou terceiro espaços
interdigitais. As alterações da estática subjacentes à metatarsalgia provocam
geralmente calosidades nas zonas de maior carga ou em locais de conflito com o
calçado.(2,4,6)

1.5. FIBROMIALGIA

A fibromialgia (FM) é uma síndroma de dor músculo-esquelética generalizada e


crónica. A FM pode atingir até 10% da população mundial, sendo mais frequente em
mulheres entre os 40 e os 60 anos de idade. É uma doença que causa importante
diminuição da qualidade de vida dos doentes, ainda que não esteja associada a aumento
da mortalidade.(4,6)

40
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

A sua etiologia é desconhecida, mas sabe-se que não cursa com inflamação articular,
óssea ou dos tecidos moles, nem com alterações morfológicas ou com distúrbios
metabólicos objetiváveis. Vários estudos demonstraram que há um desequilíbrio entre
os fatores pró-nociceptivos e antinociceptivos, em favor dos primeiros. Isto leva a uma
potenciação das vias de sensibilidade dolorosa, com hiperalgesia (sensibilidade
exagerada à dor) e alodinia (dor causada por um estímulo que normalmente não
provoca dor como o toque).(4,6)

O aparecimento desta patologia associa-se habitualmente à presença de fatores de


stress, sejam eles psicológicos ou biológicos. Morte de familiares próximos na infância,
abuso sexual ou hospitalização prolongada são fatores de risco para o desenvolvimento
de fibromialgia. Adicionalmente, quase 10% dos indivíduos com infeções por doença de
Lyme, Epstein-Barr, parvovirus e febre Q desenvolvem posteriormente síndroma de dor
generalizada. A história familiar parece ser igualmente um fator contributivo, dado que
existe um risco quase oito vezes superior quando a doença afeta um familiar direto.(4,6)

Clinicamente, a manifestação clássica da FM é a dor músculo-esquelética


generalizada, especialmente aquando da pressão digital. Concomitantemente, a
maioria dos doentes apresenta ainda fadiga e sono não reparador. Frequentemente, a
FM está a associada a outras manifestações clínicas: enxaqueca, perturbações do humor
(principalmente a ansiedade e depressão), disfunção da articulação
temporomandibular, dismotilidade esofágica, síndroma do cólon irritável, hipotensão
neuromediada, toracalgia inespecífica e cistite intersticial. A FM é agravada por fatores
como o stress e a ansiedade.(4,6)

O exame objetivo não apresenta, geralmente, alterações de relevo. O único achado,


quando presente, consiste na dor à pressão digital de pontos anatómicos específicos
designados por “pontos fibromiálgicos”. No entanto, não é incomum que o doente
apresente alodinia à pressão de outras regiões dos tecidos moles. Contudo, a
observação é importante para exclusão de outras patologias, principalmente músculo-
esqueléticas e neuro-musculares. Os exames complementares são normais e devem ser
solicitados para exclusão de outras patologias, se necessário.(4,6,18)

Previamente, o diagnóstico de fibromialgia era baseado na presença de um quadro


de dor musculosquelética difusa e fadiga, associada a dor à palpação de 11 a 18 pontos
selecionados (“pontos fibromiálgicos”). Atualmente, foram desenvolvidos novos
critérios de diagnóstico da fibromialgia que incluem outras manifestações (fadiga, sono
não reparador, depressão e cefaleia) e eliminam a pesquisa de pontos fibromiálgicos.(18)

A terapêutica da FM baseia-se em métodos não farmacológicos e farmacológicos.


Na terapêutica não farmacológica é fundamental o exercício aeróbico. A identificação
de doentes com comorbilidade psiquiátrica (depressão, ansiedade) é fulcral, pois estes

41
J. S. Dinis & H. Canhão

têm pior prognóstico e habitualmente beneficiam de apoio psiquiátrico e de terapêutica


cognitivo-comportamental. É essencial a educação do doente, gestão de expectativas e
reforço da importância das medidas não farmacológicas dado que estas revelaram ser
mais benéficos e eficazes do que o tratamento farmacológico.(19)

A terapêutica farmacológica assenta na utilização de fármacos relaxantes


musculares, antidepressivos e antiepiléticos. Por vezes, é necessária a associação de
diferentes classes de fármacos, conforme o quadro clínico do doente. Os fármacos
habitualmente mais utilizados são: relaxantes musculares de ação central
antidepressivos tricíclicos; inibidores seletivos da recaptação de serotonina e
noradrenalina; inibidores seletivos da recaptação da serotonina; antiepiléticos. A
terapêutica analgésica deve ser reservada para situações pontuais, não estando
recomendado o seu uso crónico na FM. Os AINE e o paracetamol poderão ser úteis para
tratar triggers periféricos (como a patologia periarticular que pode agravar a dor), mas
devem ser usados durante um curto período de tempo. O uso de opióides não está, de
uma forma geral, recomendado nestes doentes.(19)

1.6. ARTRITE REUMATÓIDE

A AR é uma doença imunomediada inflamatória crónica de etiologia desconhecida e


que afeta principalmente as articulações, mas também pode originar variadas
manifestações sistémicas. Envolve principalmente as mulheres entre os 30 e os 50 anos
de idade. O tabaco é um importante fator de risco modificável, pois aumenta o risco de
desenvolver AR grave em 2 vezes.(4,6)

O quadro clínico característico é a presença de poliartrite que envolve as pequenas


articulações das mãos e dos pés de uma forma simétrica. O seu início é geralmente
insidioso, mas pode ter uma forma de apresentação aguda, com grande repercussão
funcional a curto prazo. As articulações mais frequentemente afetadas são as MCF e as
IFP das mãos e as MTF dos pés. Progressivamente, o quadro evolui para deformações
características desta patologia com desvio cubital dos dedos (mão em “rajada de
vento”), dedos com hiperflexão das IFP e à hiperextensão das IFD (“dedos em
botoeira”); dedos em hiperextensão das IFP e uma hiperflexão da IFD (“dedos em
pescoço de cisne”), “polegar em z”; desvio peroneal dos dedos do pé, subluxação das
MTF com hiperflexão das IFP (“dedos em garra ou em martelo”) e o antepé triangular
em consequência da associação de hallux valgus a quinto metatarso varo.(4,6)

Podem surgir manifestações extra-articulares como os nódulos reumatóides,


envolvimento pulmonar (pleurite, pneumonite intersticial, fibrose e nódulos
pulmonares), envolvimento ocular (esclerite, episclerite ou queratoconjuntivite seca
secundária à síndroma de Sjogren), serosite (miopericardite), linfadenopatia;

42
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

hepatomegália; esplenomegália ou vasculite reumatóide. Estas manifestações surgem


frequentemente nas AR graves com vários anos de evolução, sendo um fator de mau
prognóstico.(4,6)

Laboratorialmente, é frequente a presença de anemia e elevação dos parâmetros


inflamatórios. O fator reumatóide está presente em 70 a 80% dos doentes. Contudo,
este não é específico para a AR, podendo estar presente em indivíduos saudáveis ou
com outras doenças reumáticas ou infeções crónicas. Os anticorpos antipéptidos
citrulinados cíclicos (ACPA) estão presentes em 60% dos doentes, com elevada
especificidade para AR, sendo incomuns noutras doenças. Os doentes com ACPA têm
uma doença mais grave e erosiva, com envolvimento multiorgânico.(4,6)

As radiografias podem ser inicialmente normais porque as suas alterações demoram


meses a anos a serem visíveis. A ecografia permite detetar precocemente alterações
sugestivas de AR como a presença de erosões e sinovite. O diagnóstico precoce é
fundamental, pois a AR diagnosticada na fase inicial e corretamente tratada tem melhor
prognóstico.(20)

O tratamento da AR tem por objetivo aliviar a dor, prevenir as deformações e


melhorar a função e a qualidade de vida dos doentes. Dentro das medidas não
farmacológicas é de realçar a cessação tabágica e a reabilitação física com o
desenvolvimento de ortóteses individualizadas. O tratamento farmacológico deve ser
precoce e agressivo. A terapêutica da AR assenta na utilização de DMARD (fármacos
antirreumáticos modificadores de doença). Pode haver necessidade de terapêutica
concomitante com AINE e corticosteroides. As terapêuticas biotecnológicas são
utilizadas geralmente em combinação com os DMARDs clássicos nos casos mais graves.
Atualmente, estão já aprovados vários fármacos para utilização subcutânea ou
endovenosa. Recentemente foram também aprovados os inibidores da JAK de toma oral
e diária, semelhante aos DMARD clássicos, mas com eficácia e riscos comparáveis aos
biotecnológicos.(21–23)

1.7. ESPONDILARTRITES

As SpA constituem um grupo de doenças reumáticas que inclui as espondilartrites


axiais como a espondilite anquilosante (EA), a artrite psoriática (AP), a artrite reativa, as
artrites associadas às doenças inflamatórias do intestino (DII) e as formas de
espondilartrite indiferenciada. Estas doenças apresentam uma importante componente
genética, associada à presença do antigénio HLA-B27.(4,6)

43
J. S. Dinis & H. Canhão

As SpA caracterizam-se por um quadro de inflamação que envolve


predominantemente o esqueleto axial (articulações sacroilíacas e da coluna vertebral).
Tal evolui com fusão das articulações e ligamentos, resultando em anquilose da coluna
frequentemente denominada “coluna em cana de bambu”, com rigidez e perda de
mobilidade. O envolvimento da coluna axial, denominado espondilite, resulta em
raquialgias de caráter inflamatório, com exacerbação durante a noite, despertares
noturnos, rigidez matinal prolongada, que beneficiam com o exercício físico e agravam
com repouso. Quando há inflamação a nível das sacroilíacas, denominada sacroileíte,
pode ocorrer dor referida à região glútea que pode irradiar para os membros inferiores,
mas não ultrapassa o nível dos joelhos, não tem trajeto radicular típico, não se
acompanha de alterações neurológicas e não se exacerba com as manobras de Valsalva.
Pode também ocorrer envolvimento das articulações periféricas, principalmente com
oligoartrite assimétrica dos membros inferiores. A entesite ocorre principalmente a
nível do tendão de Aquiles ou fáscia plantar.(4,6)

A EA é a forma clássica de espondilartrite, envolvendo as articulações sacroilíacas e


o esqueleto axial. Esta afeta predominantemente homens, com início entre os 20 e os
30 anos de idade. Nas fases evoluídas da doença surge a anquilose da coluna com
hiperlordose cervical, hipercifose dorsal e retificação lombar. A limitação da mobilidade
do esqueleto axial é avaliada através da avaliação do teste de Schöber (medição da
variação do comprimento da coluna aquando da flexão anterior) e das medições da
expansão torácica, da flexão lateral, da distância tragus ou occipital à parede, bem como
da rotação cervical (Figura 4). Esta patologia pode ser acompanhada de manifestações
extra-articulares como a uveíte anterior aguda.(4,6)

A AP é um subtipo de espondilartrite que está associada a psoríase cutânea e


ungueal. A psoríase afeta cerca de 1% da população e cerca de 30% destes doentes
desenvolvem artrite psoriática. Em 65% dos casos, a psoríase precede a doença
articular. É mais frequente depois dos 40 anos de idade. A AP pode apresentar-se de
formas muito heterogéneas, nomeadamente: oligoartrite predominante dos membros
inferiores (mais comum); poliartrite simétrica semelhante a AR, espondilartrite idêntica
à EA, envolvimento predominante das articulações IFD ou artrite mutilante. Outras
manifestações clínicas frequentes são a tenossinovite e a dactilite (inflamação da
articulação e dos tendões flexores e extensores do dedo) resultando num aspeto de
“dedo em salsicha” (Figura 5).(4,6)

A artrite reativa constitui uma forma de artrite desencadeada habitualmente quatro


semanas após uma infeção genito-urinária ou gastrointestinal, apesar de não haver
infeção direta das articulações. Classicamente, esta comporta-se como uma oligoartrite
assimétrica com predomínio nos membros inferiores, dactilite e entesite, associadas a
um episódio prévio de uretrite, cervicite ou a diarreia aguda. A maioria dos doentes tem

44
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

um quadro agudo e autolimitado, mas alguns evoluem para a cronicidade,


principalmente se apresentarem o antigénio HLA-B27.(4,6)

As doenças inflamatórias do intestino (doença de Crohn e a colite ulcerosa) podem


associar-se a artrite periférica ou a espondilite em 20 a 30% dos doentes. A inflamação
articular pode evoluir de forma independente do curso da doença intestinal.(4,6)

Do ponto de vista laboratorial, nas SpA pode surgir anemia bem como elevação dos
parâmetros inflamatórios. O antigénio HLA-B27 é mais comum na EA (80%) e na artrite
reativa (60 a 80%), enquanto na artrite psoriática (AP) e associada a DII a sua prevalência
é de cerca de 50%. Contudo, este antigénio pode estar presente na população saudável,
não servindo de diagnóstico. Na fase precoce da doença, as radiografias podem não
detetar alterações. A ressonância magnética e a ecografia são essenciais para detetar
inflamação precocemente.(4,6,24)

O tratamento das SpA varia consoante as manifestações presentes. Deve ser dada
ênfase à educação do doente e reforçada a importância da prática de exercício físico
adaptada às limitações do doente. Habitualmente, as manifestações axiais respondem
bem aos AINE. Caso os doentes não respondam, deve ser iniciada a terapêutica
biotecnológica. No envolvimento periférico, os DMARD ou as injeções locais de
corticosteroides devem ser tentadas antes do início da terapêutica biotecnológica. A
instituição de antibioterapia no tratamento da artrite reativa está reservada para os
casos com infeção genito-urinária documentada, não sendo necessária nas
gastroenterites já resolvidas.(24–26)

1.8. LÚPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO

O LES é uma doença do tecido conjuntivo multissistémica, crónica, caracterizada


pela produção de anticorpos contra células do próprio organismo. A sua etiologia não
está totalmente esclarecida, mas na sua base estão estes auto-anticorpos que causam
inflamação e lesão de diferentes órgãos. O LES é 9 vezes mais comum no género
feminino, principalmente em mulheres entre os 15 e os 50 anos. Ainda que menos
prevalente, o LES é normalmente mais grave nos homens e crianças.(4,6)

As manifestações clínicas do LES são múltiplas e não específicas, afetando mais


comummente os aparelhos cutâneo e músculo-esquelético (Tabela 4). As artralgias são
frequentes nos doentes com LES, contudo a artrite é um achado raro que envolve
principalmente punhos, pequenas articulações das mãos, e não é erosiva. A lesão
cutânea mais habitual do LES é o eritema malar (Figura 6) (em “asa de borboleta”) que
afeta as regiões frontal e periorbitária. O rim é o órgão major mais comummente
envolvido no LES, sendo que cerca de 50% dos doentes com LES desenvolvem nefrite

45
J. S. Dinis & H. Canhão

lúpica. Este quadro pode ser assintomático ou pode cursar com proteinúria, hematúria
ou mesmo insuficiência renal. Nestas situações é habitual a realização de biópsia renal,
dado que os achados histológicos são importantes para definir o seu tratamento e
prognóstico.(4,6,27)

Tabela 4 – Envolvimento multiorgânico nos doentes com LES


Sistema envolvido Exemplos de manifestações clínicas nos doentes com LES
Geral Fadiga, febre, perda de peso
Mucocutâneas Eritema malar, úlceras orais, alopécia, fenómeno de Raynaud, lúpus
discóide
Músculo-esquelético Artralgias, artrite, mialgias, miosite
Renal Síndrome nefrótico, síndrome nefrítico, insuficiência renal
Cardíaco Doença coronária isquémica, valvulopatia, miocardite, pericardite
Pulmonar Pleurite, pneumonite, doença intersticial pulmonar, hipertensão
pulmonar
Gastrointestinal Peritonite, hepatite, pancreatite, isquémia mesentérica
Nervoso Estado confusional agudo, cefaleia, psicose, défice cognitivo,
mielopatia ou convulsões, neuropatia periférica, mielopatia
Hematológico Citopénias (anemia, leucopenia, trombocitopenia), linfadenopatia,
hepatomegália, esplenomegália

O diagnóstico do LES é baseado na anamnese, exame físico e exames laboratoriais e


outros meios complementares de diagnóstico. Os anticorpos antinucleares (ANA) estão
presentes em mais de 98% dos doentes, mas não são específicos para LES e podem estar
presentes em indivíduos saudáveis em títulos baixos (<1:160) ou noutras doenças
imunomediada reumáticas ou não reumáticas (e.g. tiroidite autoimune). Os anticorpos
DNA de cadeia dupla (anti-dsDNA) e os anti-Smith (anti-Sm) são os mais específicos para
LES. Outros anticorpos, como anti-SSA, anti-SSB, anti-RNP podem igualmente estar
presentes, mas não são específicos para o LES. Os níveis de complemento (C3 e C4)
podem estar diminuídos em cerca de 70% dos casos e, tal como o aumento do título do
anti-dsDNA, acompanham a atividade da doença.(4,6,27)

O tratamento do LES depende das suas manifestações clínicas e o seu prognóstico


melhorou nos últimos anos. A evicção da exposição solar (com uso de protetor solar
durante todo o ano), a abstinência tabágica e o controlo dos fatores de risco
cardiovasculares são importantes medidas não farmacológicas. Os antimaláricos estão
recomendados a todos os doentes com LES. Os corticosteroides quando necessários
devem ser usados na menor dose necessária e no menor tempo possível. Nos doentes
que não respondem ao antimalárico deve ser ponderada a introdução de fármacos
imunomoduladores. Os fármacos biotecnológicos ou agentes quimioterápicos devem
ser utilizados nos casos graves, nomeadamente em doentes com envolvimento renal
e/ou neuropsiquiátrico ou refratários às restantes terapêuticas.(28–31)

46
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

1.8. OUTRAS DOENÇAS DO TECIDO CONJUNTIVO

A síndrome de Sjögren (SSj) é caracterizada pela disfunção imunomediada das


glândulas exócrinas, resultando na presença de síndrome sicca e disfunção de outros
órgãos. Esta síndrome pode ser primária ou secundária quando ocorre
concomitantemente com outra doença imunomediada (como o LES, tiroidite, cirrose
biliar primária). É mais frequente no sexo feminino, entre os 40 e os 60 anos de idade.
Clinicamente, estes doentes apresentam a síndrome sicca, caracterizada por secura das
mucosas. A xerostomia (sensação de secura da boca) resulta da produção diminuída de
saliva e pode complicar com cáries e perdas dentárias. A realização de biópsia das
glândulas salivares minor do lábio é útil no diagnóstico. A xeroftalmia (sensação de
secura da boca) é causada pela produção diminuída de lágrima e origina
queratoconjuntivite seca. À semelhança do LES, podem também surgir sintomas
resultante de envolvimento de outros órgãos. Laboratorialmente, estes doentes
apresentam anticorpos anti-SSA/Ro e/ou anti-SSB/La (frequentemente acompanhados
de FR e ANA positivos). A terapêutica da SSj é essencialmente sintomática, com
administração de lágrimas artificiais, fármacos secretagogos como a pilocarpina
(estimulantes das glândulas salivares), e eventualmente fármacos DMARD. A
corticoterapia e outros fármacos imunossupressores ou biotecnológicos podem ser
necessária nos casos mais graves. Estes doentes apresentam um risco de desenvolverem
linfoma não Hodgkin que é 20 vezes superior ao da população geral.(4,6,32–34)

A esclerose sistémica é uma doença rara, de etiologia desconhecida, que se


caracteriza por alterações da circulação, do sistema imunitário e dos fibroblastos com
deposição excessiva de colagénio a nível da pele e dos órgãos internos, resultando em
espessamento cutâneo (escleroderma) e disfunção multiorgânica. É uma doença que
afeta mais comummente o sexo feminino entre os 30 e os 50 anos de idade. As principais
manifestações são o fenómeno de Raynaud e a esclerodermia que podem ser
acompanhados de envolvimento de outros órgãos e são muito incapacitantes. A
esclerodermia evoluiu em três fases: na primeira surge o edema, seguido de
espessamento e endurecimento da pele e, posteriormente, há atrofia cutânea. O
fenómeno de Raynaud (Figura 7) consiste na alteração da coloração dos dedos por
vasoconstrição periférica e posterior vasodilatação compensatória em resposta a
estímulos como o frio ou stress. Este faz com que as extremidades fiquem pálidas ou
cianóticas, podendo ulcerar e infetar. O envolvimento do trato digestivo resulta na
cavidade bucal progressivamente pequena (microstomia), disfagia e refluxo
gastroesofágico, obstipação e má absorção intestinal. O envolvimento pulmonar pode
resultar em fibrose pulmonar e a hipertensão pulmonar, que são atualmente a principal
causa de morte destes doentes. O envolvimento renal pode ser fatal devido à crise renal
escelerodérmica caracterizada por início súbito de hipertensão arterial maligna e
insuficiência renal. Laboratorialmente, é comum a presença de ANA e os anticorpos anti-

47
J. S. Dinis & H. Canhão

centrómero, anti-Scl70 ou anti-topoisomerase-1. O tratamento desta patologia é


individualizado conforme o seu envolvimento, apesar de nenhum fármaco ser eficaz em
modificar a sua evolução natural. (4,6,35)

As miopatias inflamatórias ou miosites são caracterizadas pela diminuição da força


muscular e infiltração inflamatória do músculo esquelético e outros órgãos. As suas
formas mais comuns são a polimiosite e a dermatomiosite. A polimiosite (PM) é mais
frequente nos adultos entre os 40 e 60 anos. A dermatomiosite (DM), distinguida da PM
por também apresentar envolvimento cutâneo, é mais frequente nas crianças. O
envolvimento muscular é caracterizado pela fraqueza muscular proximal simétrica,
elevação das enzimas musculares, bem como alterações típicas no eletromiograma,
biópsia muscular ou ressonância magnética muscular. O envolvimento cutâneo, só
presente na DM, consiste comummente no eritema heliotrópico periorbitário e pápulas
de Gottron localizadas na superfície extensora das articulações dos dedos das mãos ou
membros. Tanto a DM como a PM podem originar disfagia, manifestações pulmonares
ou cardíacas. Estas podem igualmente estar associadas à presença de neoplasia na
população adulta, pelo que o seu rastreio é essencial. Além da elevação das enzimas
musculares (creatinina quinase, aldolase, aspartato aminotransferase, alanina
aminotransferase e lactato desidrogenase) que frequentemente acompanha a atividade
da doença, a presença de anticorpos não específicos como os ANA é frequente.
Adicionalmente, existem alguns anticorpos específicos das miosites como o anticorpo
anti-sintetase e anti-Mi2. O tratamento destas patologias baseia-se na corticoterapia
em doses altas, juntamente com DMARD. Outras terapêuticas, como por exemplo a
imunoglobulina humana, são reservadas para os casos mais graves.(4,6)

As vasculites são um grupo vasto e heterogéneo de doenças caracterizadas por


inflamação da parede dos vasos, causando isquemia tecidual, dilatação aneurismática
e/ou rotura dos vasos com hemorragia. São doenças raras e graves que podem causar
dano irreversível de órgão se não forem atempadamente diagnosticadas e tratadas. A
sua etiologia pode ser primária ou secundária a outras patologias, incluindo doenças
imunomediada (como o LES e a AR), infeções crónicas (vírus da hepatite B e C) ou
neoplasias. Conforme o tamanho dos vasos e os mecanismos imunopatogénicos
envolvidos, as manifestações clínicas das vasculites são muito variadas e qualquer órgão
ou sistema pode estar envolvido. Os sintomas inespecíficos são comuns a quase todas
as vasculites, como a fadiga, febre ou perda ponderal. Outros órgãos podem ser
envolvidos dependendo do calibre dos vasos afetados e podem incluir: cutâneo
(hemorragias, púrpura ou petéquias, nódulos ou úlceras), sistema nervoso central ou
periférico (convulsões, hemorragia, parésia, parestesias), trato gastrointestinal
(isquémia intestinal), sistema cardiovascular (hipertensão, síndromes coronárias
agudas, miopericardite), sistema renal (insuficiência renal) e músculo-esquelético
(miosite, artrite). Analiticamente, é frequente a elevação dos parâmetros inflamatórios

48
1. Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas

e, em alguns casos, podem estar presentes os anticorpos anti-citoplasma dos neutrófilos


(ANCA). O seu tratamento é baseado na resolução da doença de base e
imunossupressão.(4,6,36,37)

A síndrome de anticorpos anti-fosfolípidos (SAAF) caracteriza-se pela associação de


eventos trombóticos e/ou obstétricos com a presença de anticorpos anti-fosfolípidos. A
SAAF pode ser primária ou secundária, conforme esteja ou não associada a outra doença
como o LES. Clinicamente, estes doentes apresentam tromboses de repetição (arteriais
ou venosas) e/ou complicações obstétricas como abortos de repetição, eclâmpsia ou
restrição de crescimento intra-uterino. Analiticamente, apresentam persistentemente
anticorpos anti-fosfolípidos: anticardiolipina, anticoagulante lúpico e/ou anti-β2
glicoproteína I. O tratamento desta patologia é baseado na antiagregação e/ou
anticoagulação.(4,6,38)

1.9. DRM EM IDADE PEDIÁTRICA

As crianças e adolescentes podem também ser afetados por doenças reumáticas


que, ainda que apresentem algumas semelhanças com a população adulta, apresentam
características distintas. Além disso, é também importante considerar nesta população,
o impacto destas patologias e do seu tratamento no seu desenvolvimento físico e
mental.

A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é, na sua globalidade, a doença reumática crónica


mais comum na infância e adolescência, com uma prevalência de cerca de 1 em cada
1000 crianças. A AIJ é definida pela presença de artrite com uma duração superior a seis
semanas e que surge antes 16 anos de idade. Este diagnóstico implica a exclusão de
outras causas de artrite: febre reumática, LES, artrite infeciosa, doenças
linfoproliferativas, vasculites, entre outras.

A AIJ é classificada em diferentes subtipos conforme as manifestações clínicas nos


primeiros seis meses de doença: forma sistémica; forma poliarticular (quando estão
envolvidas cinco ou mais articulações); forma oligoarticular (quando estão envolvidas
quatro ou menos articulações); artrite psoriática; artrite associada a entesite, e artrite
indiferenciada.

A AIJ sistémica apresenta-se como um quadro de oligoartrite ou poliartrite


acompanhada de febre alta com um ou dois picos diários (quotidiana ou biquotidiana),
com apirexia nos seus intervalos. Frequentemente, os picos febris são acompanhados
de eritema macular cor de salmão no tronco e membros. A AIJ sistémica pode ainda
estar associada à presença de sintomas constitucionais (sudorése, perda ponderal,

49
J. S. Dinis & H. Canhão

anorexia, prostração), linfadenopatias, hepatomegália, esplenomegália e serosite


(pericardite, pleurite ou peritonite). Estes doentes têm um risco elevado de
desenvolverem síndrome de ativação macrofágica que é uma emergência médica com
mortalidade de 30%.

A AIJ oligoarticular é o subtipo de AIJ mais frequente e afeta principalmente


raparigas, com início habitualmente antes dos seis anos de idade. É frequentemente
acompanhada de uveíte anterior crónica, principalmente se os ANA forem positivos.
Nestes casos, a uveíte é assintomática pelo que o rastreio oftalmológico periódico é
obrigatório.

A AIJ poliarticular com FR positivo (5% dos casos) é mais comum no género feminino
e pode ser considerada como fazendo parte do espectro da AR. Mais de metade dos
casos desta forma de AIJ apresentam também ACPA positivos. Neste subtipo, a artrite é
tipicamente mais agressiva, com um padrão de envolvimento articular semelhante a AR
dos adultos. Contudo, pode existir também AIJ poliarticular sem a presença de FR.
Tipicamente, estes doentes são mais jovens, podem ter ANA positivos e uveíte.

A artrite relacionada com a entesite apresenta algumas semelhantes com as


espondilartrites do adulto. Este subtipo ocorre mais frequente em rapazes com mais de
6 anos. A artrite associa-se a entesite, com predomínio nos membros inferiores. O
envolvimento axial ocorre mais tarde, ao contrário do que ocorre nos adultos. É
frequente a associação com uveíte anterior sintomática e o antigénio HLA-B27 está
presente em mais de metade dos casos.

A AIJ psoriática apresenta-se normalmente com a artrite assimétrica que envolve


grandes e pequenas articulações e dactilite. A psoríase surge tipicamente depois da
artrite, ao contrário da AP com início no adulto.

Se houver artrite em apenas 1 ou 2 articulações, como na AIJ oligoarticular, o


tratamento inicial baseia-se em AINE e/ou infiltração intra-articular com
corticosteroides. Contudo, se a doença persistir e/ou existir poliartrite, são iniciados
DMARD, sendo habitualmente escolhido o metotrexato. Em casos refratários à
terapêutica, deve ser considerada o uso de fármacos biotecnológicos aprovados para
uso em idade pediátrica.

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52
2

INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PESSOA COM


DRM: ESTRATÉGIAS FARMACOLÓGICAS

53
54
(Voltar ao Índice)

2. INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PESSOA COM


DRM: ESTRATÉGIAS FARMACOLÓGICAS*

Liliana Saraiva1, André Saraiva1 e Cátia Duarte2

A intervenção terapêutica farmacológica nas DRM é feita com recurso a um vasto


leque de fármacos que visam para além do alívio sintomático controlar a progressão da
doença, sempre que possível. Ao longo deste capítulo iremos abordar os principais
grupos farmacológicos que visam modificar a evolução da doença, focando as suas
indicações, contraindicações e cuidados especiais na sua administração. Iremos ainda
focar um conjunto de fármacos utilizados no tratamento das doenças reumáticas e
músculo-esqueléticas, que visam essencialmente o controlo dos sintomas, com
particular destaque para os fármacos usados no tratamento da dor.

Palavras-chave: terapêutica farmacológica, terapêutica modificadora de doença,


analgésicos e anti-inflamatórios.

Objetivos de aprendizagem:

• Identificar os principais fármacos utilizados no tratamento das DRM;


• Conhecer as principais indicações terapêuticas;
• Reconhecer as principais contraindicações e efeitos secundários dos fármacos;
• Identificar necessidades de ensino adequadas a cada fármaco.

1
Interno de Formação Específica em Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
2
Reumatologista no Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
*Nota: Por questões regulamentares e em virtude do apoio financeiro recebido para este livro, neste capítulo não é
feita referência a substâncias ativas das terapêuticas abordadas. Agradecemos a sua compreensão.

55
L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

As doenças reumáticas inflamatórias (DRI) caracterizam-se por uma reação


inadequada do sistema imunitário contra antigénios do próprio indivíduo. Nesse
sentido, as principais estratégias farmacológicas têm como objetivo suprimir o processo
inflamatório articular e sistémico, diminuir os sintomas do doente, nomeadamente a
dor, preservar a estrutura, evitando deformidades, manter a função dos órgãos
envolvidos, melhorando a qualidade de vida dos doentes. Na maioria das situações, é
adotada uma estratégia terapêutica que visa atingir a remissão clínica ou um baixo nível
de atividade de doença, com recurso a escalonamento terapêutico sempre que
necessário.

Ao longo do tempo surgiram inúmeros fármacos imunossupressores com indicação


em diversas DRI permitindo melhorar os cuidados de saúde prestados a estes doentes
e reduzir alguns efeitos adversos associados às terapêuticas mais antigas.

A par da terapêutica com imunossupressores nas DRI outros fármacos, como


analgésicos ou anti-inflamatórios, são utilizados no sentido de aliviar a dor associada a
estas patologias. Noutras doenças reumáticas e músculo-esqueléticas, não
imunomediadas, como as doenças metabólicas ou a doença degenerativa, outros
fármacos assumem particular relevância no controlo e evolução da doença, assim como
no alívio dos sintomas.

No dia-a-dia, a escolha da melhor terapêutica farmacológica pode ser um processo


desafiante e complexo, uma vez que, não depende apenas da doença que se pretende
tratar, mas, também, das características individuais de cada doente. É, por isso,
fundamental ter em conta a presença de comorbilidades e a possibilidade de interações
medicamentosas que possam contraindicar a utilização de determinados fármacos,
assim como, outras características como a idade, o sexo ou peso corporal. Seja qual for
a escolha terapêutica esta deve resultar de uma tomada de decisão conjunta com o
doente, respeitando as suas preferências.

Não será demais relembrar que, respeitando o modelo biopsicossocial, qualquer


intervenção deverá ser levada a cabo por uma equipa multidisciplinar, complementando
a terapêutica farmacológica com a não-farmacológica.

2.1. MEDICAMENTOS MODIFICADORES DA ATIVIDADE DE DOENÇA (DMARDs)

Os fármacos imunossupressores mais utilizados atualmente têm a capacidade de


modificar o a história natural da doença, razão pela qual são designados genericamente
por Disease Modifying Anti-Rheumatic Drugs – DMARD, clássicos (cDMARD) ou
biológicos (bDMARD).

56
2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

As recomendações nacionais e internacionais das diversas sociedades científicas e


grupos de trabalho na área da Reumatologia estabelecem as principais orientações
terapêuticas para cada doença, mas genericamente, a terapêutica é escalada, de forma
progressiva, de cDMARDs para combinações de cDMARDs e posteriormente para
bDMARDs quando o doente não atinge a remissão clínica ou um baixo nível de atividade
de doença dentro de 3 a 6 meses.

Ao interferirem com o sistema imune, os imunossupressores aumentam o risco de


infeção, reativação de infeções latentes, neoplasias “de novo” e progressão neoplásica.
Nesse sentido, qualquer doente que seja candidato a uma destas terapêuticas deve ter
uma avaliação global, com interrogatório clínico e exame objetivo, complementada com
alguns exames complementares de diagnóstico. É recomendado que todos os doentes
que iniciem DMARDs sejam sujeitos a uma avaliação analítica – hemograma, função
renal, função hepática, marcadores inflamatórios, avaliação de tuberculose latente
(IGRA), serologias da hepatite B, C e HIV, e radiografia do tórax. Além deste rastreio, os
doentes devem ser aconselhados a manter o plano nacional de vacinação atualizado,
realizar a vacina anti-pneumocóccica e sazonal da gripe. A indicação para outras vacinas
deve ser ponderada caso a caso, mas em situações em que o doente necessite de
realizar alguma vacina viva deve fazê-lo antes de iniciar o tratamento imunossupressor,
pois posteriormente estão contraindicadas.

Dada a cronicidade destas doenças e o potencial risco de efeitos adversos das


terapêuticas imunossupressoras, estes doentes devem ser acompanhados de forma
regular e monitorizados com análises – hemograma, função renal e hepática.

Os cDMARD – anti-palúdicos, inibidores da calcineurina, antimetabólicos (inibidores


das purinas, análogos do acido fólico, inibidores das pirimidinas...) ou anti-neoplásicos
(alquilantes) – têm mecanismos de ação diferentes, alguns dos quais ainda não
completamente esclarecidos, mas que na generalidade interferem com a função dos
linfócitos – através da inibição da proliferação celular, ou com a mobilidade e
quimiotaxia dos granulócitos.

As principais indicações para uso destes fármacos são: AR, AP, SpA, LES, Esclerose
Sistémica, Vasculites, Dermatomiosites e Polimialgia Reumática.

Estes fármacos apresentam diferentes formulações e posologias, mas são


maioritariamente administrados por via oral com boa absorção, ou via intravenosa.
Dependendo do fármaco em causa, sofrem amplo metabolismo hepático, eritrocitário,
gastrointestinal ou renal, pelo que em situações de doença renal crónica ou hepática
devem sofrer ajuste da dose.

Entre os principais efeitos adversos destacam-se as reações infusionais, reações no


local da administração, sintomas gastrointestinais – náuseas e vómitos, elevação das

57
L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

enzimas hepáticas, erupções cutâneas, aumento do risco de infeções e citopenias. Este


último efeito adverso é cada vez menos frequente quando associado ao uso dos
antimetabólicos análogos do ácido fólico desde que exista suplementação concomitante
com este. Os anti-maláricos, além de efeitos gastrointestinais, podem aumentar o risco
de retinopatia, miopatia e neuropatia. Os inibidores da calcineurina podem associar-se
a hirsutismo, hipertensão arterial e diminuição da função renal. Os agentes alquilantes
administrados por via intravenosa, com diferentes protocolos de indução e
manutenção, de acordo com a patologia de base, podem desencadear citopenias
graves, infertilidade e cistite hemorrágica, pelo que a hidratação vigorosa durante e
após o tratamento é um cuidado fundamental. Atendendo ao risco de infertilidade o
reumatologista deve informar e auscultar o doente quanto às suas expectativas em
relação a este ponto e quando necessário procurar alternativas terapêuticas ou
acautelar a criopreservação de células reprodutoras. É importante salientar que estes
fármacos podem ter múltiplas interações medicamentosas e no caso dos inibidores das
purinas deve evitar-se a conjugação com alopurinol pelo risco de falência hepática. As
mulheres em idade fértil devem ser aconselhadas a manter um método de contraceção
eficaz durante o tratamento com cDMARD dado que a maioria destes, com exceção dos
inibidores das purinas, são teratogénicos e por isso contraindicados durante a
fecundação, gravidez e amamentação, por serem excretados no leite materno. Na
Tabela 1 estão descritos outros efeitos adversos menos frequentes dos cDMARD.

Tabela 1 - Efeitos adversos menos frequentes dos cDMARD por sistema de órgãos.

Sistema de órgãos Efeitos adversos com cDMARD


Hematológico Leucemia (agentes alquilantes)
Gastrointestinal Úlceras gástricas (agentes alquilantes)
Fibrose e Cirrose hepática (análogos do ácido fólico)
Pulmonar Pneumonite intersticial (análogos do ácido fólico)
Mucocutâneo Mucosite e dermatite (análogos do ácido fólico)
Endocrinológico SIADH
Imunológico Reativação de Vírus Herpes-Zoster
Infeção por Vírus da Varicela
Infeção por CMV
Aumento do risco de neoplasias

O aparecimento dos bDMARD e pequenas moléculas veio revolucionar ainda mais a


face das doenças reumáticas, contrariando alguns resultados pouco encorajadores dos
cDMARD, melhorando o prognóstico dos doentes e reforçando a necessidade de intervir
precocemente com o objetivo de atingir a remissão clínica. Os primeiros fármacos
biológicos – anti-TNF – eram moléculas grandes e complexas, por ex. anticorpos

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2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

monoclonais ou recetores solúveis, sintetizados a partir de organismos vivos. No


entanto, o constante desenvolvimento tecnológico levou ao aparecimento de fármacos
biossimilares dirigidos aos mesmos alvos imunológicos, mas produzido para ser similar
a um medicamento biológico existente (“medicamento de referência”), e ao surgimento
das pequenas moléculas, estruturalmente muito diferentes e dirigidas a novos alvos
imunológicos, fundamentais do processo inflamatório.

Os anti-TNF ligam-se ao Fator de Necrose Tumoral – alfa (TNF-α), uma molécula que
tem particular relevância na patofisiologia destas doenças, inibindo-a e em
consequência ao processo inflamatório. Podem ser administrados em monoterapia ou
em associação com cDMARD, quando o tratamento com estes últimos não permitiu
atingir a remissão ou pelo menos, a baixa atividade. A via de administração pode ser
endovenosa ou subcutânea, sendo os protocolos de administração distintos para cada
um dos fármacos – administrações semanais, quinzenais, mensais, ou a cada 6-8
semanas, mas previsivelmente prolongadas no tempo.

Constituem indicações dos bDMARD anti-TNF as seguintes: AR, AIJ, EA,


Espondilartrite não radiográfica e AP.

Os anti-TNF estão contraindicados em doentes com Insuficiência Cardíaca moderada


a grave, infeção ativa ou neoplasia nos últimos 5 anos. Estão contraindicados de forma
relativa em doentes com infeções de repetição e prolongadas, tuberculose latente,
hepatite B, esclerose múltipla ou outra doença desmielinizante, que realizaram
vacinação recente, nomeadamente com vacinas com vírus vivos, ou que estão a realizar
outros imunossupressores (à exceção dos cDMARD). A utilização dos anti-TNF durante
a gravidez dever ser ponderada a nível individual, tendo em conta o grau de atividade
da doença e o fármaco anti-TNF em causa. Se for estritamente necessário o seu uso para
o controlo da atividade inflamatória, os anti-TNF podem continuar a ser utilizados nos
primeiros meses ou mesmo durante toda a gravidez (apenas um deles). Se a mulher
receber terapêutica anti-TNF durante a gravidez, deve ser dada particular atenção à
vacinação do recém-nascido, já que vacinas vivas (ex. BCG) estão contraindicadas.
Idealmente, a conceção só deve acontecer após o controlo da doença inflamatória, e a
suspensão pelos meses recomendados dos bDMARDs.

Embora os anti-TNF sejam, ainda hoje, os fármacos biotecnológicos mais utilizados,


existem outras alternativas terapêuticas.

Os inibidores da IL-6, administrados de forma intravenosa, a cada 4 semanas, ou via


subcutânea semanalmente, estão indicados na AR e Doença de Still. Têm a vantagem de
apresentar uma elevada eficácia mesmo quando administrados em monoterapia.

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L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

Os inibidores da IL-17A, com indicação na AP com psoríase concomitante, na EA ou


na espondilartrite axial não radiográfica, após falência a terapêutica convencional, são
administrados por via subcutânea mensalmente.

Os inibidores da IL-12/23 indicados na AP são administrados também via subcutânea


a cada 12 semanas.

Os inibidores da IL-1 são particularmente úteis na Doença de Still do Adulto e nos


Síndromes Auto-inflamatórios, mas têm a desvantagem de ser administrados
diariamente por via subcutânea, sendo pouco utilizados na prática clínica.

As pequenas moléculas, são medicamentos que surgiram mais recentemente, e que


são assim designados pelas suas reduzidas dimensões e atuação a nível intracelular,
inibindo as enzimas da família Janus Associated Kinases (JAK) que são responsáveis pela
transdução dos sinais intracelulares dos recetores da superfície celular, envolvidos na
hematopoiese, inflamação e função imunitária. Estes fármacos são administrados
diariamente, 1 ou 2 vezes por dia e estão indicados na AR e na AP.

Existem ainda os inibidores da molécula de co-estimulação, administrado


intravenosamente a cada 4 semanas, na AR, AIJ forma poliarticular ou AP; o anti-CD20,
indicado na AR e na Granulomatose com Poliangeíte, administrado em duas tomas
espaçadas de 15 dias; e o anticorpo anti-BLyS, administrado por via intravenosa a cada
28 dias ou via subcutânea semanalmente, que está indicado no LES, com envolvimento
cutâneo ou articular grave.

Dada a maior imunossupressão subjacente ao uso destes fármacos, estes devem ser
suspensos na presença de abcessos dentários, outras infeções graves e de forma
antecipada nas cirurgias programadas. A suspensão deve ser realizada com
antecedência igual ao intervalo entre tomas, isto é, semanalmente, mensalmente, a
cada 28 dias, etc… com exceção de cirurgias com elevado risco infecioso, em que a
suspensão deve ir até 3-5 semividas do fármaco. A reintrodução do fármaco só deve
acontecer após a completa cicatrização, sem sinais inflamatórios, da ferida cirúrgica.

Os efeitos adversos mais comuns descritos para os bDMARD são: reação infusional,
reação no local da administração, citopenias, alteração do perfil lipídico, reativação de
infeções virais e tuberculose, agravamento de Insuficiência Cardíaca, Lúpus induzido por
fármacos, aumento do risco de neoplasias cutâneas e linfoproliferativas, e doenças
desmielinizantes. Na Tabela 2 encontram-se outros efeitos adversos menos comuns.

60
2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

Tabela 2 – Efeitos adversos menos frequentes dos bDMARD e pequenas moléculas por
sistema de órgãos.

Sistema de órgãos Efeitos adversos com anti-TNF

Hematológico - Leucocitose, hiper ou hipoeosinofilia


- Purpura Trombocitopénica Trombótica
- Hemorragia ou trombose, aumento do tempo de coagulação
Gastrointestinal - Hemorragia Gastrointestinal
- Distúrbios de absorção
- Refluxo Gastro-Esofágico
- Pancreatite
- Estetatose hepática
- Colescistite, colelitíase
- Hiperbilirrubinémia, prurido, icterícia
- Úlceras, perfuração intestinal, estenose intestinal, diverticulite
- Hepatite, reativação de HBV, hepatite autoimune, falência hepática
- Hipermotilidade intestinal
- Gastrite, colite
- Estomatite, queilite
Pulmonar - Pneumonia, sinusite, faringite, nasofaringite, bronquite
- Tosse, dispneia
- Embolia pulmonar
- Pneumonite, doença pulmonar intersticial, fibrose pulmonar
- Doença pulmonar Obstrutiva Crónica, Asma
- Derrame pleural
- Odinofagia, epistáxis
Cardiovascular - Bradicardia, taquicardia
- Hipo ou hipertensão
- Palpitações, precordialgia, síncope
- EAM, arritmias, oclusão arterial, aneurisma da aorta
- Morte súbita
- Pericardite, derrame pericárdico
- Aterosclerose, trombose venosa profunda ou aórtica
Mucocutâneo - Agravamento de psoríase, urticaria, dermatite, eczema, úlceras cutâneas, acne,
fotossensibilidade, eritema multiforme, rosácea, seborreia, papiloma cutâneo,
hiperqueratose, furunculose, alteração da pigmentação da pele, alteração das
unhas, alteração da pilosidade
- Alopécia
- Alterações da cicatrização
- Síndrome Stevens-Johnson, necrólise epidérmica toxica, edema angioneurótico
- Vasculite cutânea, petéquias, paniculite
- LE cutâneo subagudo e crónico
- Celulite, abcessos
Reumatológico - Artralgias, mialgias, rabdomiólise, aumento de CK, aumento de LDH
- Sarcoidose e vasculite sistémica
- LES
- Agravamento de dermatomiosite
- Fenómeno de Raynaud, livedo reticularis, telangiectasias

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L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

Reumatológico - Artrite séptica, bursite


(continuação) - Fraturas ósseas
- Dor axial
- Xerostomia
Genitourinário - Lesão renal aguda
- Hematúria, nictúria
- Disfunção sexual
- Alterações menstruais, do útero e da mama
- Cistite, pielonefrite, candidíase, vaginite
Endocrinológico - Hipocaliémia, hipofosfatémia, hipocalcémia, distúrbios do sódio, desidratação,
retenção de líquidos
- Hiperglicémia
- Hiperuricémia
- Sudorese
- Distúrbios da tiróide, hemocromatose
Neuropsíquico - Cefaleias, vertigem, alteração da sensibilidade, parestesias, espasmos
musculares, radiculopatia
- Alterações do paladar, do apetite e do peso
- Alterações visuais e da secreção de lágrimas
- Alterações de humor, ansiedade, insónia, perda de memoria, agitação, confusão,
sonolência
- Tremor, AVC, neuropatia, surdez
- Delírio, epilepsia, alteração da coordenação do equilíbrio, ideação suicida
- Meningite
- Mielite transversa
Oftalmológico - Diminuição da acuidade visual, diplopia
- Edema periorbitário e palpebral
- Conjuntivite, uveíte, esclerite, endoftalmite
- Inflamação da córnea
- Xeroftalmia
Imunológico - Septicémia, infeções de tecidos moles, dos ouvidos e da boca
- Influenza, infeções oportunistas
- Aumento do risco de cancro da pele não melanoma
- Carcinoma de células pavimentosas ou nevos melanociticos
- Linfoma, leucemia, neoplasias da mama, pulmão, tiroide, GI e melanoma
- Linfoma hepatoesplénico de células T e carcinoma de células de Merckel
- Esplenomegalia, linfadenopatia
- Doença do soro
- Choque anafilático
- Alteração do complemento, surgimento de anticorpos anti-fármaco

2.2. OUTRAS TERAPÊUTICAS FARMACOLÓGICAS

Abordaremos agora outras terapêuticas muito importantes em reumatologia,


nomeadamente os analgésicos, os relaxantes musculares, os anti-inflamatórios, os anti-
osteoportóticos e os hipouricemiantes.

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2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

2.2.1. Analgésicos

Os analgésicos são medicamentos usados para eliminar ou diminuir a sensação de


dor. Incluem uma grande variedade de grupos farmacológicos que se distinguem pela
sua via de administração, pelo seu mecanismo de ação ou potência analgésica.

2.2.1.1. Não opióides

Paracetamol

É um fármaco frequentemente utilizado em situações de dor leve a moderada,


sendo um dos analgésicos mais usados a nível mundial. Apresenta propriedades
analgésicas e antipiréticas, embora não apresente propriedades anti-inflamatórias a
nível periférico. Apesar da sua grande utilização, o mecanismo de ação ainda não é
totalmente compreendido. Tem sido usado como fármaco de primeira linha na dor
músculo-esquelética, contudo, a evidência existente no que toca à sua eficácia é
limitada. Por esse motivo, tem vindo a ser relegado para segunda linha em detrimento
dos anti-inflamatórios não esteroides (AINES). Não obstante, continua a ser uma opção
válida em situações de intolerância ou contraindicação a AINES, ou como adjuvante de
outros fármacos, nomeadamente opióides, razão pela qual é frequentemente
encontrado em formulações combinadas com outros princípios ativos.

É um fármaco geralmente bem tolerado, cujos principais efeitos adversos são a


hepatotoxicidade (quando administrados em doses superiores ao recomendado ou em
caso de doença hepática prévia) e em casos mais raros o desenvolvimento de doença
renal crónica, hipertensão, cefaleias ou doença ulcerosa péptica.

A dose máxima recomendada em adultos, sem doença hepática pré-existente, é


geralmente de 3000mg/dia

Antidepressivos

Representam um grupo heterógeno de fármacos aprovados para o tratamento de


síndromes depressivos, contudo, alguns têm, também, efeitos analgésicos
independentes dos efeitos antidepressivos. São eficazes no tratamento da dor,
sobretudo em casos de dor neuropática, e revelam-se especialmente úteis na
abordagem de situações de dor crónica primária, tais como as síndromes de dor crónica
primária generalizada, nas quais se integra a fibromialgia. Melhoram não só a dor, mas
também a qualidade de vida, a capacidade funcional e a qualidade do sono. A sua
utilização requer, usualmente, tratamentos prolongados, uma vez que, o seu efeito
máximo, pode levar um período mínimo de 2-4 semanas até ser atingido. Cuidados
especiais são necessários na sua introdução e na sua suspensão, pois, a suspensão de
forma abrupta pode conduzir ao aparecimento de sintomas como agitação, ansiedade,

63
L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

calafrios, diaforese, fadiga, irritabilidade, náuseas ou tremores. A introdução do


fármaco deve incluir um período de titulação de 2-4 semanas.

O perfil de efeitos adversos é extenso e variável com o grupo farmacológico em


questão, salientando-se o prolongamento do intervalo QT, bloqueios
auriculoventriculares, tremor, sedação, hipotensão ortostática, náuseas, obstipação,
xerostomia, xeroftalmia, retenção urinária, disfunção sexual.

Em doentes com antecedentes de patologia cardíaca ou insuficiência renal o seu


início deve ser ponderado após avaliação cuidada do perfil de risco/benefício.

Antiepiléticos

Alguns fármacos antiepiléticos foram aprovados para o tratamento da dor, em


patologias em que há um claro predomínio de dor de características neuropáticas, tal
como é o caso das síndromes de dor regional complexa. Estão, também, descritos
ligeiros benefícios na fadiga, na capacidade funcional e na qualidade do sono. Como
acontece com os antidepressivos, a sua dose deve ser lentamente titulada até se
conseguir o efeito analgésico desejado ou até que ocorram efeitos adversos não
tolerados. Estes fármacos podem provocar tonturas ou sedação de forma dose-
dependente, que podem ser minimizadas por uma titulação lenta. Em doentes idosos
podem despoletar depressão respiratória, principalmente se associados a outros
fármacos sedativos. Existe, ainda, evidência que os associa ao desenvolvimento de
perturbações psiquiátricas, como depressão, podendo mesmo levar ao aumento do
risco de suicídio, e ao potencial de abuso, dados os seus efeitos psicoativos, em
indivíduos suscetíveis.

2.2.1.2. Opióides

Os opióides são analgésicos fortes que atuam em recetores existentes no sistema


nervoso central. Não são, geralmente, considerados fármacos de primeira linha, mas
podem ser usados em situações de dor moderada a severa, refratária a analgésicos não
opióides. Pese embora a sua eficácia em determinados tipos de dor, não são usados
muito frequentemente em reumatologia, sobretudo devido ao seu perfil de efeitos
adverso, dos quais se destacam: obstipação, náuseas, vómitos, sonolência, tonturas,
cefaleias, depressão respiratória, insónia, depressão, ansiedade, retenção urinária,
disfunção sexual

Para além dos efeitos adversos referidos existe um risco considerável de


desenvolvimento de tolerância, com necessidade de doses progressivamente maiores
para obtenção do efeito analgésico desejado, e de dependência, tanto física como
psicológica, pelo que a sua utilização deverá ser limitada à menor dose eficaz e durante
o menor período possível.

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2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

2.2.2. Relaxantes musculares

Os relaxantes musculares, constituem, também, um grupo muito heterógeno de


fármacos, com diferentes mecanismos de ação, mas agrupados em conjunto devido às
indicações similares para a sua prescrição. São frequentemente prescritos em
síndromes loco-regionais, como lombalgia ou cervicalgia, e em situações de dor aguda,
mas também em doentes com fibromialgia. A sua utilização em doentes com
fibromialgia deve-se sobretudo ao benefício que estes podem ter na qualidade do sono,
ainda que exista pouca evidência acerca da sua real eficácia. De igual forma, apesar do
seu nome, não existe evidência que estes atuem diretamente sobre os músculos. Alguns
destes fármacos foram inicialmente aprovados como antidepressivos, pelo que a
eficácia reportada pode, provavelmente, dever-se aos seus efeitos sobre o sistema
nervoso central, nomeadamente à sedação que condicionam. Relativamente ao perfil
de efeitos adversos, por apresentarem efeitos anticolinérgicos (obstipação, xerostomia,
xeroftalmia, retenção urinária, taquicardia, alteração da função cognitiva) devem ser
evitados em doentes idosos.

2.2.3. Anti-inflamatórios

2.2.3.1. Esteróides

Os corticosteroides são potentes fármacos anti-inflamatórios que contam já com


várias décadas de utilização. Representam uma das pedras basilares do tratamento em
reumatologia e são usados na supressão da cascata inflamatória e na modificação da
resposta do sistema imunitário. Dada a sua potência e eficácia são, por vezes, utilizados
em situações “life saving” (salva-vidas) perante doença grave e ameaçadora de vida.

Os glucocorticoides estão indicados num vasto leque de doenças reumáticas


inflamatórias, como artrite reumatóide, artrite psoriática, polimialgia reumática, outros
tipos de artrite, lúpus eritematoso sistémico, miosites inflamatórias ou vasculites. Têm,
ainda, lugar no tratamento da sarcoidose, uveíte, psoríase, doença inflamatória
intestinal, entre muitas outras.

Quando utilizados de forma racional, regrada e, idealmente, por períodos curtos, são
geralmente fármacos bem tolerados. As doses e a duração da utilização são muito
variáveis e ajustadas à gravidade do quadro. Quando utilizados por períodos
prolongados, superiores a duas semanas, não devem ser suspensos de forma abrupta
pelo risco de insuficiência da supre-renal. Além disso na utilização prolongada deve ser
ponderada a profilaxia da osteoporose com suplementação de cálcio e vitamina D, assim
como a profilaxia para doença ulcerosa péptica com inibidores da bomba de protões.
Dado o efeito modulador do sistema imunitário cuidados especiais com a vacinação

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L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

podem aplicar-se, dependendo da dose utilizada. Em situações suspeitas de infeção


podem ser desaconselhados, pelo risco de mascararem sinais suspeitos de sépsis ou
mesmo agravá-los. Os programas de exercício físico devem ser promovidos entre os
doentes sob corticoterapia crónica, para melhorar o seu controlo metabólico e peso
corporal (ver Capítulo 3.4.). São fármacos seguros na gravidez e amamentação, embora
não sejam inócuos, pelo que o seu emprego nestas situações deverá ser discutido com
o médico reumatologista. Doses superiores a 15 mg/dia não estão recomendadas.

Existem várias vias de administração adaptadas à situação clínica em causa, podendo


ser administrados por via endovenosa, intramuscular, tópica, intra-articular ou oral.
Idealmente, deve ser administrado em toma única, pela manhã embora em algumas
situações possa ser considerada a administração fracionada em duas tomas diárias
(sendo 2/3 da dose administrados de manhã). Seja qual for a via selecionada, o seu uso
deve ser limitado à menor dose eficaz e pelo menor período possível.

Os efeitos secundários (Tabela 3) são dependentes da dose e duração do


tratamento.

Tabela 3 – Efeitos secundários associados à corticoterapia sistémica.


Sistema de órgãos Efeitos secundários
Metabólicos Obesidade e redistribuição de gordura
Intolerância à glicose / DM
Desequilíbrio hidroeletrolítico
Dislipidemia
Aterosclerose
Suscetibilidade a infeções
Músculo-esqueléticos Osteoporose
Miopatia
Osteonecrose
Gastrointestinal Úlcera péptica
Pancreatite
Oculares Cataratas
Glaucoma
Cutâneos Estrias
Atrofia
Equimoses fáceis
Acne
Sistema nervoso central Ansiedade e depressão
Psicose
Adaptado de Pereira da Silva J.A. Reumatologia Prática. 3rd ed. Coimbra: Diagnósteo, 2016. 30.9p

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2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

Considerando os efeitos secundários referidos, recomenda-se uma monitorização


regular do peso, do metabolismo da glicémia e da tensão arterial. É, também,
fundamental vigiar possíveis sinais de infeção e implementar medidas que reduzam o
risco de osteoporose.

2.2.3.2. Anti-inflamatórios não esteróides

Os anti-inflamatórios não esteroides ou AINEs, são uma família muito numerosa de


fármacos, sendo, atualmente, os mais prescritos na Europa e nos Estados Unidos da
América. Diariamente, mais de 30 milhões de pessoas tomam AINEs nos países
desenvolvidos.

Os AINEs apresentam, não só, propriedades anti-inflamatórias, mas também


analgésicas, antipiréticas e como antiagregantes plaquetares, contudo as duas primeiras
são, sem dúvida, as propriedades mais relevantes em reumatologia.

Os AINEs são utilizados maioritariamente como tratamento sintomático e não como


tratamento da patologia de base, sendo, por isso, úteis, sobretudo no tratamento da
dor, do edema e da incapacidade funcional. São usados num grande número de doenças
reumáticas, tais como como artrite reumatóide, outras doenças do tecido conjuntivo,
artrite psoriática, artrites microcristalinas, ou em patologia loco-regional articular e peri-
articular, como tendinites ou entesites.

Apesar da sua eficácia e uso disseminado, a sua utilização deve ser cautelosa. Podem
agravar diversas comorbilidades, como a asma ou a doença renal crónica e têm um
grande potencial de interações medicamentosas às quais se deve prestar especial
atenção. São exemplo disso as interações com os anticoagulantes, ou com os fármacos
modificadores de doença. Perante a presença das referidas comorbilidades ou de risco
de interações medicamentosas, os AINEs podem estar contraindicados ou obrigar a um
ajuste de dose. Não são recomendados em grávidas ou durante o aleitamento. Alguns
destes fármacos são vendidos sem prescrição médica o que reforça a necessidade de
uma educação adequada do doente, que deve estar alerta para as precauções a ter na
sua utilização. Por apresentarem efeito antiagregante plaquetar, a toma deste tipo de
medicação deverá ser revista previamente à realização de procedimentos invasivos, tais
como extrações dentárias ou cirurgias.

Entre o grande número de AINEs disponíveis, a escolha do fármaco ideal depende


das propriedades deste, nomeadamente o seu perfil de eficácia, tolerância, segurança,
posologia e custo, assim como das características do doente – idade, comorbilidades,
possibilidade de interações medicamentosas e da patologia que se pretende tratar. A
maioria é administrada por via oral, contudo existem formulações administradas por via
retal, intramuscular, endovenosa ou tópica. Esta última merece especial destaque pela
menor incidência de efeitos adversos devido a menor efeito sistémico. Dados os seus

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L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

efeitos secundários deverão ser usados na menor dose eficaz e pelo menor período de
tempo possível.

A maioria dos efeitos adversos associados à toma de AINEs são ligeiros a moderados.
Os mais importantes e frequentes incluem perturbações gastrointestinais,
cardiovasculares, renais, hematológicas e respiratórias. Os principais efeitos
secundários por sistema estão sumariados na Tabela 4.

Tabela 4 – Efeitos secundários associados aos AINEs


Sistema de órgãos Efeitos adversos
Gastrointestinais Pirose
(Maior risco se consumo simultâneo de Dor abdominal
bebidas alcoólicas, toma concomitante de Hemorragia
outros AINEs ou Corticosteroides) Doença ulcerosa péptica
Cardiovasculares Aumento do risco cardiovascular
(independentemente do fármaco escolhido)
Evitar se insuficiência cardíaca
Mucocutâneos Eritemas urticariformes
(Geralmente ligeiros-desaparecem após
suspensão do fármaco)

Respiratórios Descompensação em doentes com antecedentes de


asma

Neurológicos Cefaleias
(Geralmente ligeiros) Vertigem
Sonolência
Adaptado de Pereira da Silva J.A. Reumatologia Prática. 3rd ed. Coimbra: Diagnósteo, 2016. 30.9p

Perante um doente medicado com AINE é importante manter monitorização da


função renal, hepática e tensão arterial, assim como sintomas sugestivos de doença
cardiovascular ou gastrointestinal

Considerando a sua elevada ligação às proteínas plasmáticas, as interações


medicamentosas com outros fármacos que o doente está a tomar deve ser sempre
considerada no momento de prescrição de um AINE.

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2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

2.2.4. Tratamento da osteoporose

A osteoporose é uma doença caracterizada pela perda de massa óssea e fragilidade


do osso, o que leva ao aumento do risco de fraturas. Estas podem ocorrer após quedas
da própria altura ou até mesmo com o reflexo da tosse. O principal objetivo do
tratamento da osteoporose passa por evitar a progressão da doença e prevenir fraturas.

Existem essencialmente duas categorias de fármacos anti-osteoporóticos: anti-


reabsortivos, utilizados mais frequentemente, e agentes anabólicos, mais raramente.

Estes fármacos estão indicados em doentes com fratura de fragilidade prévia, em


doentes com o diagnóstico de osteoporose estabelecido através da realização de uma
densitometria óssea ou quando existe um elevado risco fraturário a 10 anos, calculado
através da ferramenta FRAX.

Antes de iniciar estes fármacos é fundamental realizar um estudo analítico prévio,


para avaliação da função renal e dos níveis de cálcio e vitamina D. Uma deficiência
importante de cálcio ou uma função renal comprometida podem contraindicar a sua
toma. Deve ser garantido um aporte satisfatório de cálcio e vitamina D através do ensino
de medidas higieno-dietéticas, recomendando adequada exposição solar, uma
alimentação saudável e variada, com consumo de lacticínios, fonte natural de cálcio e
suplementação adicional caso o aporte de cálcio pela dieta seja deficitário. Deve,
também, ser avaliada a presença de doenças do esófago, uma vez que estas podem
contraindicar a utilização das formulações orais. Estes fármacos estão contraindicados
na gravidez ou amamentação

Existem várias classes de fármacos utilizados como anti-reabsortivos. Os mais


usados, os bifosfonatos, podem ser administrados por via oral ou injetável e podem ser
administrados de forma diária, semanal, mensal ou anual. Há algumas precauções a ter
em conta na sua administração oral na forma de comprimidos – o doente deve tomá-
los em jejum, engolindo o comprimido inteiro juntamente com um copo cheio de água
de pelo menos 200ml e durante, pelo menos meia hora, deve manter-se em pé a andar
ou sentado, evitando dobrar-se, só passados 30 a 60 minutos deve comer a primeira
refeição do dia. Independentemente da forma de administração uma hidratação oral
adequada é essencial.

Um fármaco mais recente, um anticorpo monoclonal, mas de utilização crescente,


existe apenas sobre a forma injetável subcutânea e é administrado a cada 6 meses. Um
outro fármaco, o único agente anabólico utilizado, existe apenas na forma injetável,
contudo este é de administração diária e pode apenas ser utilizado por um período
máximo de 2 anos.

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L. Saraiva, A. Saraiva & C. Duarte

A maioria dos doentes não apresenta efeitos adversos graves. Existem, contudo,
efeitos adversos raros, mas graves, tais como a osteonecrose da mandíbula, que ocorre
mais frequentemente em doentes sob bifosfonatos que são submetidos a
procedimentos dentários invasivos, e fraturas atípicas do fémur. Outros efeitos
adversos mais leves e frequentes são, a dor abdominal, a pirose, os sintomas gripais
transitórios ou as reações alérgicas locais, nas formas injetáveis. Estão, também,
relatados casos de sintomas oculares, tais como uveíte, queratite ou neurite ótica.
Especial atenção deverá ser dada a sintomas que possam sugerir níveis baixos de cálcio
sérico, como espasmos, contrações e cãibras musculares, parestesias em redor da boca
ou nos dedos, ou mesmo convulsões, que poderão indicar necessidade de cuidados
médicos urgentes.

2.2.5. Hipouricemiantes

Estes fármacos são usados, desde há mais de 40 anos, em doentes com gota com o
objetivo de normalizar os níveis séricos de ácido úrico, com grande eficácia. Apresentam
diversos mecanismos de ação, alguns diminuem a produção de ácido úrico e outros
aumentam a sua espoliação.

A hiperuricemia está associada a crises recorrentes de artrite gotosa, que podem ser
destrutivas a longo prazo, conduzir à formação de tofos gotosos e ao desenvolvimento
de nefrolitíase por cálculos de ácido úrico. Para além disso, parece ser um fator de risco
cardiovascular.

O fármaco mais usado a nível mundial para o tratamento da hiperuricemia é um


inibidor da xantina oxidase.

Estes fármacos estão indicados quando o doente apresenta dois ou mais episódios
de gota por ano, apresenta tofos gotosos ou evidência imagiológica de dano articular
atribuível à gota. Podem ainda ser ponderados em doentes jovens, com um único
episódio de gota, mas que já tenham doença renal crónica, níveis elevados de ácido
úrico, antecedentes de litíase renal ou elevado risco cardiovascular.

Seja qual for o fármaco selecionado, este deverá ser iniciado na menor dose possível
e progressivamente aumentado até se atingirem os objetivos terapêuticos desejados, o
que permitirá não só uma melhor eficácia, mas também uma redução significativa nos
efeitos adversos. Os que são administrados por via oral devem ser tomados numa toma
única diária e após as refeições. Quando se inicia a toma de um fármaco
hipouricemiante é recomendada a toma concomitante de um anti-inflamatório, de
forma profilática, durante pelo menos 3-6 meses, uma vez que os hipouricemiantes

70
2. Intervenção Terapêutica na Pessoa com DRM: Estratégias Farmacológicas

podem estar, inicialmente, associados a um aumento do risco de crises de gota por


alteração da solubilidade dos cristais de ácido úrico.

Antes de iniciar a toma de hipouricemiantes deve ser avaliada a existência de doença


renal crónica ou de patologia cardiovascular significativa, uma vez que estas poderão
contraindicar a sua utilização. Apresentam, também, um risco considerável de
interações medicamentosas, nomeadamente com diuréticos e imunossupressores, e a
eficácia pode ser substancialmente reduzida pelo consumo concomitante de álcool. Não
estão recomendados na gravidez e aleitamento. A terapêutica farmacológica da
hiperuricemia deve ser complementada com terapêuticas não farmacológicas,
sobretudo alterações dietéticas.

Na sua maioria são bem tolerados, contudo em alguns doentes, foram descritas
reações como eritemas cutâneos, intolerância gastrointestinal, elevação das enzimas
hepáticas ou crises de gota. Mais raramente podem ser objetivados efeitos secundários
mais graves como reações de hipersensibilidade, supressão da medula óssea ou lesão
renal.

Controlos analíticos regulares são essenciais para avaliação da eficácia terapêutica,


de forma a perceber se os valores alvo de uricemia foram atingidos, mas, também, para
monitorização de possíveis efeitos adversos.

Bibliografia

1. Ambrósio C, Cunha I, Barcelos A. Saiba mais sobre: fármacos biotecnológicos e pequenas moléculas em
reumatologia. 2.a ed. 2019.
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12. National Institute for Health and Care Excellence. Chronic pain: assessment and management. [Internet].
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15. Shaheed C, Maher C, Williams K, McLachlan A. Efficacy and tolerability of muscle relaxants for low back
pain: systematic review and meta-analysis. Eur J Pain. 2017;21(2):228–37.
16. Silva J. Reumatologia Prática. 3.a ed. Coimbra, Portugal: Diagnósteo; 2016.
17. Sociedade Espanhola de Reumatologia. Analgésicos. [Internet]. [citado 15 de Janeiro de 2021]. Disponível
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18. Sociedade Espanhola de Reumatologia. Antiinflamatórios no esteroides: tratamientos. [Internet]. [citado
15 de Janeiro de 2021]. Disponível em: http://inforeuma.com/tipos-de-tratamientos
19. Sociedade Espanhola de Reumatologia. ármacos modificadores de la enfermedad: tratamientos.
[Internet]. [citado 15 de Janeiro de 2021]. Disponível em: https://inforeuma.com/tratamientos/tipos-de-
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21. Xie J, Turkiewicz A, Collins G, Al E. Temporal trends of opioid use: among incident osteoarthritis patients
in Catalonia 2007-2016: a population based cohort study. Ann Rheum Dis. 2020;79:174–5.

72
3
INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA NA PESSOA COM DRM:
ESTRATÉGIAS NÃO-FARMACOLÓGICAS

3.1. Educação terapêutica

3.2. Gestão da dor

3.3. Gestão da fadiga

3.4. Promoção da atividade física e exercício

3.5. Prevenção e gestão de comorbilidades

3.6. Intervenções Psicossociais

3.7. Reabilitação

3.8. Alimentação

73
74
(Voltar ao Índice)

3.1. EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA


À PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Catarina Martins1 e Andréa Marques2

A educação terapêutica é recomendada como parte integrante das recomendações


estabelecidas para a gestão da patologia reumática e músculo-esquelética e deve incluir
várias atividades educativas, incluindo aspetos de educação terapêutica, educação e
promoção e literacia em saúde.

Nos dias de hoje o principal objetivo da educação à pessoa, centra-se em permitir a


gestão da sua doença, capacitar para a sua condição e manter a qualidade de vida.

Palavras-chave: educação, literacia em saúde, estratégias, doença reumática e


músculo-esquelética

Objetivos de aprendizagem:

• Identificar as principais estratégias de educação a utilizar nas pessoas com DRM;


• Identificar as principais necessidades de educação das pessoas com DRM.

1
Enfermeira, Hospital Dia de Medicina, Hospital Sousa Martins, ULS Guarda.
2
Enfermeira, Consulta Externa de Reumatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Professora Adjunta,
Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

75
C. Martins & A. Marques

A educação para a saúde (ou terapêutica) da população, de forma respeitosa, justa,


rigorosa e independente, é um dos maiores desafios que diariamente os profissionais
de saúde enfrentam. Porém, a educação para a saúde deve ser considerada como uma
cultura de cidadania, exigindo uma participação ativa do cidadão. Falar de cidadania,
atualmente, remete para o conceito amplo da Literacia para a Saúde, desempenhando
um papel determinante na manutenção e melhoria das condições de saúde, ocupando
um espaço privilegiado nas políticas de saúde, pois a sua exclusão poderá ter efeitos
nefastos nos sistemas de saúde. Em contrapartida, o investimento na educação para a
saúde produzirá efeitos positivos e benéficos na saúde da comunidade, motivando e
desenvolvendo no indivíduo a capacitação e um papel ativo na sociedade, promovendo
comportamentos e estilos de vida saudáveis. Um inadequado nível de literacia em saúde
pode ter implicações significativas na saúde individual e coletiva, podendo estar perante
um contexto de desigualdades em saúde, com implicações na gestão de recursos e nos
ganhos em saúde. (1–6)

Melhorar os níveis de literacia em saúde na população com patologia reumática


implica desenvolver e implementar um conjunto de estratégias que permitam o acesso
efetivo à educação.

A natureza multifacetada das doenças reumáticas e músculo-esqueléticas requer


uma combinação de terapias farmacológicas e não farmacológicas. A educação para a
saúde do doente pode melhorar significativamente o seu autocuidado, facultando
informação específica para a gestão das DRM, ajudando-o assim, a reduzir os efeitos dos
sintomas da doença e, consequentemente, na melhoria da qualidade de vida, o que
torna a educação para a saúde, nesta tipologia de doentes, uma componente essencial
no tratamento das doenças reumáticas.(7,8) Atualmente considera-se que terapias não-
farmacológicas, como a educação para a saúde, devem ser implementadas o mais
precocemente possível, promovendo a capacitação e a tomada de decisão do
doente/família sob a gestão da doença e a prevenção de complicações, não devendo o
tratamento não-farmacológico apenas ser instituído, quando o farmacológico se revela
insuficiente. A combinação das terapias farmacológicas e não-farmacológicas visa
potenciar as possibilidades de intervenção e assim, reduzir/retardar o aparecimento de
sintomas, incapacidades, minimizar sequelas e reduzir o impacto dos sintomas sobre a
funcionalidade que o doente reumático sente no seu dia a dia.(9,10)

Neste contexto, torna-se primordial o profissional de saúde preocupar-se em


capacitar o doente/família para a gestão da sua saúde, disponibilizando um conjunto de
conhecimentos e informações adequadas sobre a sua doença e as diversas
possibilidades terapêuticas. Por se tratar de situações clínicas crónicas, a primeira
abordagem do profissional de saúde para com o doente/família é essencial, para o
doente aceitar de bom modo a doença e submeter-se com agrado a um conjunto de

76
3.1. Educação Terapêutica à Pessoa com DRM

tratamentos que se prolongam ao longo dos anos, bem como para os familiares
conseguirem compreender o doente e ajudá-lo.(11,12)

As alterações verificadas nas doenças reumáticas provocam diversas dificuldades e


incapacidades na realização das atividades de vida diária dos doentes. A diminuição da
força, restrição de movimentos e amplitudes articulares, deformações articulares e a
dor, são exemplos de alterações que provocam a diminuição gradual da independência
do doente reumático. Atividades como andar, vestir, alimentar, higiene pessoal, bem
como, as suas atividades profissionais podem ser comprometidas devido às limitações
físicas referidas, criando dificuldades evidentes na realização de tarefas, por vezes
consideradas de simples execução. Apesar dos sintomas articulares e músculo-
esqueléticos referidos, as doenças reumáticas podem, ainda, conduzir ao aparecimento
de outros sintomas muito relevantes, como a fadiga e a diminuição da qualidade do
sono, que contribuem para as limitações das atividades pessoais, profissionais e sociais,
afetando o bem-estar biopsicossocial.(11,12)

Tendo por objetivo melhorar o desempenho do doente na satisfação das suas


necessidades, é essencial fornecer meios que previnam limitações funcionais,
promovam a adaptação e as modificações necessárias no seu quotidiano e mantenham
ou melhorem o seu estado emocional, psicológico e social. O ensino ao doente/família
deve ter por base as suas necessidades de informação e a capacidade individual de
aprendizagem, devendo responder plenamente a duvidas e esclarecer as suas
limitações e alternativas possíveis para as contornar. Alterar atitudes e
comportamentos em diferentes domínios, como por exemplo a gestão da dor, o
repouso, o exercício, o uso do calor ou frio, o suporte psicológico e o estado emocional,
pode ser essencial na gestão do problema, permitindo melhorar a qualidade de vida do
doente. Para tal, a identificação das necessidades educacionais do doente reumático
permite aos profissionais de saúde, elaborar programas educacionais uteis e dirigidos
ao doente/família, podendo ser suscetíveis de avaliação e readaptação, de acordo com
a sua eficácia, contribuindo para uma melhoria dos cuidados de saúde prestados ao
doente numa visão holística e integrada do tratamento da doença.(7, 9–11)

A educação para a saúde deve ter como objetivo a mudança voluntária de atitudes,
comportamentos e hábitos em todas as atividades de desempenho do doente e não
somente nas atividades afetadas por dor ou desequilíbrios biomecânicos provocados
pela doença. Porém, considerando a dor crónica e a diminuição da atividade funcional
os fatores que determinam no doente o stress emocional, torna-se primordial elaborar,
juntamente com o doente, programas de educação personalizados, planeando-os de um
modo cuidado no intuito de, para além de o levar a compreender a sua doença, lhe
permita modificar a sua vida presente e futura, para minorar os efeitos da doença. Estes
processos educativos devem procurar ajudar o doente a compreender e aceitar a perda

77
C. Martins & A. Marques

da capacidade funcional que está interligada com a doença, sendo que a participação e
cooperação do doente neste processo é determinante para uma melhoria efetiva da
autonomia e qualidade de vida do doente reumático. A educação para a saúde deve
incidir na orientação e educação do doente, modificando hábitos para lidar com a
doença, na proteção articular e conservação de energia, renovando atividades e
ambientes de trabalho, bem como, se necessário, a utilização de tecnologias adaptadas,
como o uso de ortóteses e outros instrumentos de adaptação.(7,9,10,13)

Sendo a doença reumática e músculo-esquelética um paradigma das doenças


crónicas, o enfermeiro assume um papel central na educação para a saúde, bem como
na articulação entre a equipa multidisciplinar e o doente/família. Desenvolver
programas educacionais e estratégias para otimizar a educação para a saúde é essencial
e contribui para uma intervenção mais qualificada, melhorando a qualidade de vida do
doente. A perceção por parte do doente que os programas desenvolvidos lhe permitem
satisfazer as suas necessidades, não lhe sendo negado a oportunidade do estado de
felicidade e de realização pessoal, vai ao encontro da definição de saúde da OMS, como
sendo um estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
doença.

Referências Bibliográficas

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European Health Literacy Survey em Portugal. Rev Port Saúde Pública. 2016;34(3):259–75.
5. Direção Geral da Saúde. Programa nacional de educação para a saúde, literacia e autocuidados. Lisboa,
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10. Ryan S. Nursing Older People with Arthritis and other Rheumatological Conditions. Cham, Suíça: Springer;
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11. Cruz A, Apóstolo J, Campos M, Machado P, Malcata A. Necessidades educacionais dos doentes com artrite
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http://www.ipr.pt/index.aspx?p=MenuPage&MenuId=276

78
(Voltar ao Índice)

3.2. GESTÃO DA DOR


NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Catarina Vasconcelos1 e Joana Vicente2

Viver com dor crónica é um desafio diário para as pessoas com doença reumática e
músculo-esquelética (DRM) e nem sempre as estratégias farmacológicas para o alívio da
dor são suficientes. Assim sendo, é necessário recorrer a estratégias não-farmacológicas
que ajudem no alívio da dor física e que atuem também a nível mental e emocional.

Desta forma, cabe ao enfermeiro a missão de intervir no sentido de ensinar e treinar


o doente para o uso destas estratégias, de forma a minimizar a sua condição de dor e
melhorar a sua qualidade de vida.

Palavras-chave: dor, estratégias não-farmacológicas, papel do enfermeiro,


abordagem holística.

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer o enquadramento físico, psicológico e emocional da dor crónica;


• Identificar as estratégias não-farmacológicas que podem ser utilizadas
• na gestão da dor;
• Aconselhar, treinar e empoderar o utente para a utilização das estratégias não-
farmacológicas;
• Reafirmar a importância do papel do enfermeiro na gestão não-farmacológica da
dor.

1
Enfermeira, Terapeuta Holística e Formadora, diagnosticada com Fibromialgia, membro dos órgãos sociais da APJOF -
Associação Portuguesa de Fibromialgia.
2
Diagnosticada na adolescência com Fibromialgia é a fundadora da APJOF e sua Presidente.

79
C. Vasconcelos & J. Vicente

Hoje em dia, e apesar dos largos avanços da ciência médica, a dor crónica continua
a ser um desafio, quer para as pessoas com este quadro clínico, quer para a equipa
multidisciplinar que acompanha o doente, quer para todo o serviço nacional de saúde.
Os dados apontam para que cerca de 37% da população adulta portuguesa sofra de dor
crónica, sendo esta a segunda doença mais prevalente em Portugal. Em termos de
custos, estima-se que, anualmente, sejam gastos 4610 milhões de euros
(correspondente a 2,7% do PIB nacional), o que acaba por ser uma fatia significativa do
orçamento para a saúde.(1)

Mas nem só os números são importantes quando falamos de dor crónica. Um dos
aspetos mais importantes é a dimensão psicológica e emocional da dor. A ansiedade é
uma das consequências mais recorrentes na dor crónica sendo, por si só limitativa e
agravando em larga escala o quadro de dor. Níveis elevados de ansiedade fazem com
que o doente tenha uma perceção aumentada das sensações corporais que definem a
dor, o que faz com que, efetivamente, o nível da mesma aumente. Estamos, assim,
perante um círculo vicioso que pode conduzir a quadros depressivos graves, a uma
diminuição da autoestima e ao isolamento social.(2)

Por tudo isto, é imperativo que seja feita uma abordagem holística do doente com
dor crónica com o objetivo de lhe restituir a qualidade de vida e de trabalhar o seu
empoderamento. Um doente com dor crónica sente que perde o controlo sobre a sua
vida, sentindo, muitas vezes, que nada pode fazer para melhorar o seu estado. Assim,
empoderar o doente é de extrema importância e aqui o enfermeiro assume um papel
relevante dada a sua proximidade no acompanhamento do doente, pelo que deverá
munir-se de uma série de estratégias que visem todo este processo e a melhoria da sua
qualidade de vida.

Perante este quadro, torna-se cada vez mais urgente encontrar tratamentos
complementares, não farmacológicos, que possam ajudar estes doentes a terem uma
qualidade de vida superior, empoderando-os, e que, ao mesmo tempo, possam
contribuir para um SNS mais sustentável. Aqui, uma vez mais, o papel do enfermeiro é
de suma importância, pois cabe-lhe participar na educação para a saúde do doente,
apoiando-o e empoderando-o em cada fase do processo, aconselhando e estando
presente e disponível na sua jornada.

Estratégias não-farmacológicas para o controlo da dor

Cada vez mais, o tratamento da dor passa por reduzir a prescrição e toma de
analgésicos para doses mínimas e apostar noutros tratamentos e estilos de vida. Os
analgésicos utilizados no controlo e tratamento da dor crónica são, por norma, opióides.
Estes fármacos aliviam a dor, é um facto, mas provocam dependência, o que faz com

80
3.2. Gestão da Dor na Pessoa com DRM

que a sua dose tenha de ser constantemente reajustada e o seu eventual desmame seja
um processo longo e difícil.

Assim sendo, é importante encontrar outros métodos e estratégias não


farmacológicas que possam ajudar a controlar a dor e evitar o aumento constante da
dose de analgésicos. Além de atuarem na dimensão física da dor, estas intervenções
atuam a nível psicológico e até emocional, nomeadamente na perceção e na
resignificação da dor em si, contribuindo para uma restruturação a nível cognitivo e
minimizando emoções e reações de ansiedade e medo face ao quadro álgico.(2)

De seguida, apresentamos algumas estratégias não farmacológicas que têm um


significativo impacto no controlo da dor e que o enfermeiro deve integrar na sua prática
profissional de prestação de cuidados ao doente com dor.

Terapias Complementares

As terapias energéticas têm sido a escolha de primeira linha para o tratamento


complementar da dor crónica. São terapias que fazem uma abordagem integral e
holística da pessoa, tendo em conta o seu plano físico, mental, emocional e energético.
No plano físico, trabalham o desbloqueio energético de pontos dolorosos, bem como o
seu reequilíbrio. No plano mental e emocional, permitem a diminuição do stress e
ansiedade que tanta influência têm no controlo da dor. Algumas das terapias mais
indicadas para o tratamento da dor crónica são a terapia Reiki, a terapia Sacro-Craniana,
a Acupunctura, a Reflexologia e a Massagem Terapêutica. Sempre que considerar
oportuno, o enfermeiro pode e deve fazer este aconselhamento junto do doente e com
ele encontrar a(s) terapia(s) que mais se adequam às suas necessidades presentes.

Exercício Físico

O exercício físico é benéfico para a grande maioria dos casos de dor crónica. Uma
vez que há um subcapítulo dedicado em exclusivo a esta temática (ver Capítulo 3.4.),
deixamos apenas a ressalva de que a prática de exercício físico deve ser adequada e
personalizada a cada caso e sempre com o acompanhamento de uma profissional
especializado.

Fisioterapia/Reabilitação

A fisioterapia pode ser uma ferramenta útil no alívio da dor, principalmente para
quem tem contracturas ou tensões musculares que agravam ainda mais a situação (ver
Capítulo 3.4. e 3.7.). Contudo, há que ter em atenção, uma vez mais, a situação de cada
doente e o acompanhamento por um profissional especializado na área e com
experiência no acompanhamento de doentes com dor crónica.

81
C. Vasconcelos & J. Vicente

Hidroterapia

A hidroterapia (diferente de hidroginástica) é outra terapia com inúmeros benefícios


no alívio da dor. Estes exercícios terapêuticos devem ser realizados mediante avaliação
prévia e com acompanhamento de um profissional especializado (por norma, um
fisioterapeuta).

Yoga e Pilates

Yoga e Pilates são duas modalidades com cartas dadas na melhoria da condição de
dor crónica. Uma aula de Yoga ou Pilates envolve posturas, alongamentos e exercícios
de respiração, permitindo aumentar a flexibilidade do corpo, relaxar os músculos e
aliviar tensões, aumentar a consciência corporal, aprender a respirar de forma mais
eficaz, acalmar a mente e reduzir os níveis de stress e ansiedade.

Caminhada

Caminhar é uma opção mais do que válida para quem não gosta ou não consegue
fazer exercício físico mais intenso. Além de ser extremamente relaxante, a caminhada
tem inúmeros benefícios, entre os quais a melhoria da resistência muscular, o alívio da
fadiga e da dor. Cada pessoa deve fazer uma caminhada à sua medida, ao seu ritmo e
durante o tempo em que se sentir bem (ver Capítulo 3.4.).

Apoio psicológico

A dor crónica pode condicionar a vida de uma pessoa de tal forma que é necessária
intervenção a nível psicológico. E é preciso desmistificar tudo o que envolve esta
necessidade. Desta forma, o enfermeiro deve encorajar o doente a pedir apoio
psicológico, inclusive encaminhá-lo para profissionais da área (ver Capítulo 3.6.).

Meditação

Meditar tem inúmeros benefícios, quer no plano físico, mais concretamente a nível
da libertação de tensões musculares, quer no plano mental, permitindo acalmar a
mente, relaxar e trabalhar a nível da nossa consciência. No seu todo, a meditação ajuda
no controlo da dor e, acima de tudo, no processo de integração da mesma ou da doença
que a provoca. Hoje em dia, há também vários profissionais credenciados nesta área
que podem ser encontrados através da Sociedade Portuguesa de Meditação e Bem-
Estar.

Musicoterapia

A terapia através da música tem sido cada vez mais utilizada no tratamento e
controlo da dor crónica. A música desencadeia processos complexos que, além de

82
3.2. Gestão da Dor na Pessoa com DRM

induzirem o relaxamento, potenciam, tal como o exercício físico, a libertação de


endorfinas (responsáveis pela sensação de bem-estar).

Em suma, podemos verificar que as estratégias não farmacológicas, quando


aplicadas de forma consciente e por profissionais certificados nas diferentes vertentes,
têm um impacto positivo na qualidade de vida do doente com dor crónica, não só a nível
físico, mas também, e principalmente, a nível mental e emocional. Cabe ao enfermeiro
estar presente neste processo, como um elo de ligação e como um apoio constante.

Referências Bibliográficas

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numeros-da-dor/
2. Gomes A. Abordagem psicológica no controlo da dor. Lisboa, Portugal: Permanyer; 2008.

83
84
(Voltar ao Índice)

3.3. GESTÃO DA FADIGA


NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Eduardo Santos1

A fadiga é um sintoma comum e importante para as pessoas com doenças


reumáticas e músculo-esqueléticas, impondo um elevado impacto e redução
significativa da qualidade de vida. Contudo, existe uma grande lacuna na sua atual
gestão, pois a fadiga não é fácil de medir e de conceptualizar. Várias intervenções não-
farmacológicas, tais como o exercício físico e as intervenções psicossociais,
demonstraram eficácia a curto e longo prazo em ajudar as pessoas a gerir a fadiga.

Palavras-chave: Fadiga; Intervenções não-farmacológicas; Avaliação do Impacto na


Saúde; Revisão.

Objetivos de aprendizagem:

• identificar as principais intervenções não-farmacológicas e suas condições de


implementação.

1
Enfermeiro. Professor Adjunto Convidado da Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Viseu.

85
E. Santos

O IMPACTO DA FADIGA E OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO E GESTÃO

A fadiga é um sintoma comum, persistente e com impacto em diversas doenças


reumáticas e músculo-esqueléticas, de que são exemplo a artrite reumatóide, a
espondilite anquilosante e a osteoartrite.(1-4) Afeta cerca de 40 a 80% das pessoas(5, 6) e
é definida como grave em cerca de metade dos casos,(5, 7-9) tendo um impacto negativo
na qualidade de vida relacionada com a saúde.(10) A fadiga é sentida como sendo
esmagadora, imprevisível, extrema, não restaurada pelo sono, multidimensional e parte
de um círculo vicioso onde a fadiga se alimenta e se fomenta.(11, 12) É por estes motivos
que a fadiga é considerada como um dos mais importantes outcomes/resultados
reportados pelas pessoas.(10, 13, 14)

Devido a estas implicações na vida das pessoas, a fadiga tem recebido uma atenção
crescente durante a última década passando a ser recomendada pelo grupo Outcome
Measures in Rheumatology Clinical Trials (OMERACT) como um importante outcome
que deve ser avaliado em todos os estudos,(15) e definida como outcome principal dos
ensaios clínicos pelo American College of Rheumatology (ACR) e pela European Alliance
of Associations for Rheumatology (EULAR).(16)

A fadiga pode ser medida e avaliada facilmente através da aplicação de diversas


escalas ou instrumentos de medida.(3) Ainda assim, na prática clínica, a fadiga não é
regularmente avaliada ou abordada(17) e as pessoas relatam uma perceção de falta de
apoio dos profissionais de saúde porque o ênfase tende a ser colocado nos problemas
físicos e na atividade da doença.(4, 17-19) A fadiga deve ser medida regularmente para fins
de investigação, mas sobretudo na prática clínica pelas implicações que impõe à vida
das pessoas bem como ao seu processo de gestão da doença.(19)

Existem várias escalas ou instrumentos validados para este fim, mas não existe uma
definição consensual de qual é a mais recomendada.(19-21) Se por um lado existem
escalas ou instrumentos curtos e de rápido preenchimento e que permitem realizar um
screening do problema, por outro existem outras escalas ou instrumentos
multidimensionais, mais extensos, o que os torna de difícil implementação na prática
clínica mas que, ainda assim, focam todas as facetas da fadiga, o que pode ser essencial
para o seu tratamento dirigido. Uma maneira prática e exequível de conciliar os
benefícios de ambos é utilizar inicialmente uma escala ou instrumento simples e de fácil
aplicação, que caso identifique níveis de fadiga relevantes deve ser complementado
com a utilização de uma escala ou instrumento multidimensional para melhor
entendermos a natureza da fadiga. É possível encontrar um resumo das escalas ou
instrumentos de avaliação e respetivas propriedades psicométricas nas seguintes
referências:(19-21)

86
3.3. Gestão da Fadiga na Pessoa com DRM

TRATAMENTO

Ao longo dos anos, vários tratamentos foram propostos para a gestão da fadiga,
contudo ainda não existe tratamento padrão recomendado, e muitas intervenções que
demonstraram eficácia comprovada para reduzir o seu impacto têm tamanhos de efeito
pequenos e provêm de pequenos ensaios clínicos.(3, 22)

O tratamento da fadiga integra a aplicação de intervenções farmacológicas e não-


farmacológicas, que se pretendem complementares e ajustadas às necessidades e
especificidades das pessoas.(3, 4, 22)

Embora não se pretenda neste capítulo explorar as intervenções farmacológicas,


importa salientar que o controlo da atividade da doença e/ou tratamento da dor são
considerados como um meio privilegiado para melhorar a fadiga.(3, 4) Atingir
rapidamente um estado de remissão da doença ou de baixa atividade prediz uma menor
fadiga precoce e tardia (mesmo após 5 anos).(23) Contudo, um tratamento eficaz só
reduzirá a fadiga se estiver relacionado com a atividade da doença. O controlo
“apertado” da atividade da doença por si só não melhora totalmente a fadiga, o que
justifica a implementação de intervenções adjuvantes não-farmacológicas.

As intervenções não-farmacológicas incluem qualquer tratamento que não


contemple a utilização de um medicamento registado,(24) de que é exemplo a atividade
física e diversas intervenções psicossociais.

Relativamente à realização de atividade física e o exercício, vários estudos mostram


que melhora eficazmente a fadiga.(22, 24-27) Contudo, é de referir que estes dois conceitos
têm diferentes implicações e que muitas vezes são confundidos. A atividade física é
entendida como todo o movimento produzido pelos músculos esqueléticos com gasto
energético acima dos níveis de repouso. Neste sentido, a atividade física inclui todo o
movimento que realizamos no dia-a-dia (como por exemplo, nadar, correr, entre
outros). Por outro lado, considera-se o exercício físico como uma sequência
sistematizada de movimentos de diferentes segmentos corporais, executados de forma
planeada e com um determinado objetivo a ser atingido. Importa referir que o
“verdadeiro” benefício comprovado pelos estudos é demonstrado pelo exercício físico,
que usualmente tem carater prescritivo e exige a supervisão de um profissional de saúde
(exemplo, enfermeiros de reabilitação, fisioterapeutas, entre outros), e pode incluir
exercícios simples ou com vários componentes, envolvendo resistência, exercícios
aeróbicos e flexibilidade, ou outros.(22, 24-27) Ainda assim, reconhecidamente, a atividade
física também tem benefícios mas menos evidentes quando comparado com o exercício.

Os benefícios da atividade física e do exercício sobre a fadiga são mais frequentes a


curto prazo (definidos como inferiores a 12 semanas).(26) Isto exige que sejam mantidas

87
E. Santos

regularmente e integradas nas “rotinas” das pessoas para que o efeito sobre a fadiga
seja mais “duradouro”.

O tipo de exercício, a frequência e a intensidade devem ser ajustados às preferências


das pessoas porque estas apenas as vão aceitar e integrar eficazmente na sua rotina, se
gostarem do que praticam (ver Capítulo 3.4). Isto é um dos principais fatores preditores
de adesão e de manutenção eficaz dos programas de exercício a longo prazo.(24)

Também as intervenções psicossociais, que incluem a escrita expressiva, o treino de


competências cognitivas, a terapia cognitiva comportamental, o mindfulness, a gestão
dos estilos de vida, a conservação de energia, a autogestão, a educação para saúde e
aconselhamento em grupo, o relaxamento, o estabelecimento de objetivos, o coping, e
a técnica de imaginação guiada, melhoram eficazmente a fadiga.(22, 24, 28)
Maioritariamente, estas intervenções são proporcionadas por psicólogos e psiquiatras
embora, e após o desenvolvimento de competências específicas, possam ser
proporcionadas por médicos, enfermeiros ou outros profissionais.

Apesar das intervenções psicossociais incluírem uma oferta grande de terapias,


importa referir que também à semelhança do exercício as técnicas propostas devem ser
ajustadas à pessoa e podem ser usadas complementarmente. Por outras palavras, pode
ser proposto à pessoa um programa que integre diversos componentes, como por
exemplo, a educação para saúde, a escrita expressiva, a terapia cognitiva
comportamental, o mindfulness e o relaxamento (ver Capítulo 3.6.). Por outro lado, as
taxas de adesão e aceitação de exercício e atividade física também podem ser
melhoradas através da utilização de intervenções psicossociais, e vários estudos
sugerem que a sua utilização combinada pode proporcionar melhores resultados globais
na redução dos níveis de fadiga.(24)

Manter uma vida laboral saudável, bem como as atividades de lazer, também deve
ser promovido. Os resultados de um estudo apontam que as pessoas que mantiveram
a sua capacidade de trabalhar tinham menos fadiga em comparação com aqueles que
eram incapacitados para o trabalho (ver Capítulo 6.5.), e estas diferenças pareciam estar
relacionadas com uma melhor saúde mental, e não com a saúde física.(29)

Por fim, importa referir que existem outras intervenções não-farmacológicas


descritas e que têm sido testadas quanto ao seu efeito na fadiga. Estas incluem
principalmente diferentes suplementos alimentares (como por exemplo, os ácidos
gordos Omega-3, a andrographis paniculata, entre outros), dietas (como por exemplo,
a dieta mediterrânica) (ver Capítulo 3.8.), contudo nenhuma revelou ser eficaz e a
maioria do estudos tem baixa qualidade.(24) A seleção e decisão partilhada das
intervenções não-farmacológicas a implementar deve ter por base a melhor evidência
disponível sobre a sua eficácia e segurança, integrar os gostos e a opinião da pessoa,

88
3.3. Gestão da Fadiga na Pessoa com DRM

bem como uma equipa multidisciplinar capaz de identificar a fadiga precocemente e


propor as intervenções. Na impossibilidade de fornecer as intervenções, por ausência
de profissionais com formação específica e/ou treino adequado, a equipa deve ser capaz
de realizar um encaminhamento efetivo no sentido de suprir a necessidade de
tratamento da fadiga, não colocando em causa o processo de gestão da fadiga.

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89
E. Santos

(BRAF NRS) for severity, effect, and coping, Chalder Fatigue Questionnaire (CFQ), Checklist Individual
Strength (CIS20R and CIS8R), Fatigue Severity Scale (FSS), Functional Assessment Chronic Illness Therapy
(Fatigue) (FACIT-F), Multi-Dimensional Assessment of Fatigue (MAF), Multi-Dimensional Fatigue Inventory
(MFI), Pediatric Quality Of Life (PedsQL) Multi-Dimensional Fatigue Scale, Profile of Fatigue (ProF), Short
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90
(Voltar ao Índice)

3.4. PROMOÇÃO DA ATIVIDADE FÍSICA E EXERCÍCIO


NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Daniela Costa1

A promoção da atividade física (AF) segundo as recomendações internacionais é uma


das intervenções centrais nos cuidados em saúde de pessoas com doenças reumáticas
e músculo-esqueléticas (DRM). Os benefícios da AF prendem-se não só com a melhoria
da funcionalidade e qualidade de vida, mas também na fadiga e dor, com possíveis
efeitos na atividade da doença e parâmetros inflamatórios, comorbilidades associadas
e saúde mental. A colaboração dos profissionais de saúde de forma integrada e como
elementos-chave na promoção da AF neste contexto é fundamental, de forma a guiar
as pessoas com DRM a ultrapassar barreiras e maximizar a adesão à AF.

Palavras-chave: atividade Física, exercício Físico, colaboração Interdisciplinar, estilo


de Vida

Objetivos de aprendizagem:

• Conhecer a diferença entre atividade física, exercício e exercício terapêutico e as


recomendações atuais para a atividade física em pessoas com DRM;
• Reconhecer a importância da promoção da atividade física de acordo com as
necessidades individuais, tomada de decisão partilhada e centrada na pessoa;
• Identificar os benefícios da atividade física tanto no controlo de sintomas e atividade
da doença, como na saúde mental e outras comorbilidades;
• Reconhecer a importância da colaboração interdisciplinar e da individualização na
educação e planos de atividade física;
• Descrever algumas barreiras, facilitadores e estratégias para promover a adesão à
atividade física a longo prazo em pessoas com DRM.

1
Fisioterapeuta, Mestre em Fisioterapia Músculo-esquelética; Estudante de Doutoramento em Saúde Pública com
projeto de investigação na área da Osteoartrose e bolsa FCT

91
D. Costa

No passado, o repouso e a imobilização fizeram parte das recomendações para o


tratamento da sintomatologia associada às doenças reumáticas e músculo-esqueléticas
(DRM). A atividade física (AF) era percecionada como prejudicial, principalmente por
potenciar a exacerbação da atividade da doença. Com a evolução do conhecimento
científico das últimas décadas, a promoção da AF é atualmente apontada como uma das
abordagens centrais nos cuidados de pessoas com DRM.(1,2) Estas são importantes
causas de anos vividos com incapacidade em todo o mundo, representando um
problema major de saúde pública.(3)

A inatividade física está associada ao risco de doenças crónicas e incapacidade,


sendo por si só responsável por mais de 9% das mortes prematuras anuais ocorridas em
todo o mundo, ascendendo aos 14% em Portugal. Apenas um quarto da população
portuguesa cumpre as recomendações mínimas de AF preconizadas pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). O impacto económico consequente está estimado em cerca
de 900 milhões de euros, 9% do orçamento do Ministério da Saúde para 2017. (4,5)

Atividade física: definições atuais

A AF é definida pela OMS como “qualquer movimento do corpo produzido pelo


sistema músculo-esquelético que resulta num dispêndio de energia acima dos níveis
basais”. A AF engloba assim o exercício, desporto e todas as atividades motoras
realizadas no quotidiano, incluindo atividades profissionais, de lazer ou deslocações
ativas. O exercício físico é uma subcategoria da AF, sendo este uma atividade planeada,
estruturada, repetitiva e com o objetivo final, ou intermédio, de melhorar ou manter
uma ou mais dimensões da capacidade física. Por outro lado, o exercício terapêutico é
ainda uma subcategoria do exercício, o qual é programado de forma especializada para
intervir em problemas de saúde com impacto funcional, através de exercícios
específicos.(6)

Recomendações para a Atividade Física

As normas da OMS para a prática de AF recomendam que todos os adultos ou


adultos mais velhos com doenças crónicas realizem regularmente AF dentro dos
parâmetros seguintes (6):

Acumular por semana pelo menos de 150-300 minutos de AF aeróbia de intensidade


moderada, ou 75-150 minutos de AF aeróbia vigorosa, ou uma combinação de ambas;

Atividades de fortalecimento que envolvam a maioria grandes grupos musculares,


pelo menos duas vezes por semana;

92
3.4. Promoção da Atividade Física e do Exercício na Pessoa com DRM

Como parte da AF semanal, devem realizar multiactividades focadas no equilíbrio


funcional e fortalecimento com intensidade pelo menos moderada, em mais de 3 dias
da semana, para ganhos na capacidade funcional e prevenção de quedas;

Caso não seja contraindicado, a AF aeróbia de intensidade moderada pode ir além


dos 300 minutos semanais, de intensidade vigorosa além dos 150 minutos, ou uma
combinação de ambas, para benefícios em saúde adicionais.

A intensidade da atividade pode ser medida pela perceção de esforço da mesma


(através da escala de Borg, por exemplo). São exemplos de AF moderada, atividades que
requeiram algum esforço e que aumentem notoriamente a frequência cardíaca, como
caminhada ritmada, dançar, a jardinagem ou tarefas domésticas, passear animais de
estimação, carregar ou mover objetos relativamente pesados e o envolvimento ativo
em jogos ou desportos com crianças. As atividades de intensidade vigorosa envolvem
um aumento da frequência respiratória e um aumento considerável da frequência
cardíaca. São exemplos: corrida, caminhada ritmada em montanha, ciclismo, ginástica
aeróbica, desportos ou jogos de competição, atividades agrícolas pesadas, transportar
ou mover objetos pesados.(6)

Apesar dos eventos adversos da AF serem raros, deve ser realizada uma avaliação
estruturada para determinar precauções ou possíveis contraindicações à AF por um
profissional de saúde, devidamente habilitado em pessoas com condições de saúde
específicas. A AF deve ir ao encontro das capacidades individuais, ainda que a pessoa
não consiga inicialmente realizar AF de acordo com as recomendações apresentadas.
Nestes casos, a AF deve ser iniciada por pequenos períodos de atividade, mesmo que
de baixa intensidade, sendo progressivamente aumentados ao longo do tempo em
frequência e intensidade. Estes pequenos períodos de atividade podem incluir ficar de
pé, subir escadas ou caminhadas curtas.(1,6)

As normas de orientação clínica da EULAR (Liga Europeia contra as Doenças


Reumáticas) seguem as recomendações da OMS na promoção da AF em pessoas com
osteoartrose e artrite inflamatória. É referido ainda que as intervenções baseadas na
promoção de AF são recomendadas, efetivas e seguras e devem fazer parte do
tratamento standard nestas populações. A AF deve ser planeada, requerendo uma
tomada de decisão partilhada entre os profissionais de saúde e as pessoas com DRM,
que deve ter em conta as preferências capacidades da pessoa e recursos disponíveis. Os
Fisioterapeutas são maioritariamente, em todo o mundo, os profissionais de saúde
responsáveis pelo planeamento de exercício e AF nas pessoas com DRM. No entanto,
todos os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados destas populações devem ter
responsabilidade na educação e promoção de AF, dentro do seu âmbito de
competências, e trabalhar em colaboração interdisciplinar, com a pessoa e cuidadores,
de forma a contribuir para a adequada gestão da doença. Tal como os restantes

93
D. Costa

cuidados, as intervenções de promoção de AF física devem ser baseadas nos objetivos


individuais das pessoas, e serem avaliadas de forma regular e apropriada.

Sendo o objetivo final a adesão a longo prazo e a integração da AF segundo as


recomendações descritas no quotidiano das pessoas, é recomendado adicionar
simultaneamente estratégias de mudança comportamental. Estas estratégias podem
incluir, e não são limitadas a, auto-monitorização, estabelecer objetivos, planeamento
de ação e resolução de problemas.(1)

Benefícios da atividade física nas DRM

Tem sido demonstrado e recomendado, de forma consistente, que intervenções


baseadas na promoção da atividade física são efetivas na diminuição da intensidade da
dor, diminuição da rigidez e fadiga, melhoria da capacidade funcional e qualidade de
vida em pessoas DRM.(7,8) Parte destes efeitos é explicável pela otimização da
capacidade cardiovascular, melhoria da força muscular e comportamento associado à
atividade física, observado em programas de treino aeróbio e/ou treino resistivo,
principalmente quando combinado com estratégias de mudança comportamental.(9)

No entanto, o benefício em todo o espectro das DRM vai além dos ganhos funcionais.
O estudo dos efeitos da atividade física nos marcadores inflamatórios, atividade da
doença, controlo endógeno da dor e nos efeitos radiológicos das estruturas articulares
têm sido importantes linhas de investigação dos últimos anos.(8)

Inflamação e atividade da doença

A AF tem benefícios na resposta inflamatória em pessoas com DRM tanto pelos


efeitos a curto como a longo prazo, de uma forma dose-dependente (intensidades mais
elevadas de exercício parecem demonstrar efeitos mais pronunciados). A revisão
sistemática de Sveaas et al. (2017) incluiu mais de 1200 sujeitos com doenças
reumáticas inflamatórias de estudos clínicos randomizados com intervenções baseadas
na promoção da atividade física segundo as recomendações internacionais descritas.
Concluiu-se que existe benefício destas intervenções nos marcadores inflamatórios,
nomeadamente: taxa de sedimentação de eritrócitos, níveis de creatina fosfoquinase
(marcador inflamatório do tecido muscular), redução da concentração de interleucina
(IL) 17-A e IL-18 (mediadores pró-inflamatórios), diminuição da expressão dos recetores
de necrose tumoral-alfa (TNF-α) (mediador pró-inflamatório) e aumento da
concentração de IL-6 (que induz uma resposta anti-inflamatória com o exercício, em
conjunto com outros mediadores). Este estudo corrobora a hipótese de que o exercício
promove um fenótipo anti-inflamatório a curto prazo. Para a osteoartrose, a literatura

94
3.4. Promoção da Atividade Física e do Exercício na Pessoa com DRM

ainda é controversa, não estando verificada a influência do exercício aeróbio sobre os


marcadores anti-inflamatórios de forma aguda, nesta população.(8,10-12)

A longo prazo a AF tem benefícios principalmente pela otimização da composição


corporal. Dadas as manifestações sistémicas das doenças reumáticas inflamatórias, e a
prevalência de pessoas com DRM com comorbilidades do foro cardiovascular e
metabólico, a otimização da composição corporal através do exercício é de extrema
importância. Pessoas com excesso de peso ou obesidade demostram uma carga
inflamatória mais elevada que a população com peso saudável. Em pessoas com DRM,
os adipócitos têm um papel importante na mediação da resposta pro-inflamatória. A
obesidade está associada a uma fraca resposta a fármacos antagonistas do TNF-α em
pessoas com doença reumáticas autoimune; em pessoas com espondilartrite axial, à
formação de novo osso e aumento de inflamação entésica; e à progressão e severidade
da doença em pessoas com osteoartrose (10, 11, 13-15).

A literatura vigente revela que o exercício não é prejudicial na atividade da doença,


podendo ter pequenos benefícios na mesma, em pessoas com doenças reumáticas
inflamatórias. Tem sido demonstrado que o exercício é uma intervenção segura no que
toca à frequência de picos inflamatórios e scores de atividade da doença em pessoas
LES, artrite reumatóide e espondilartrite axial, mesmo em programas de alta
intensidade devidamente personalizados e planeados.(16–19)

Comorbilidades e Saúde Mental

Os benefícios da AF não se verificam apenas diretamente na patologia reumática,


mas também nas manifestações sistémicas das DRM inflamatórias e nas comorbilidades
associadas e bastante prevalentes nesta população (Ver Capítulo 3.5.). Exemplo disso, é
o efeito da AF na melhoria da resistência à insulina, controlo da tensão arterial e no
perfil lipoproteico, sobejamente importantes na diminuição do risco de doença
cardiovascular. A AF é uma intervenção segura no aumento da massa muscular em
pessoas com caquexia reumática, e tão efetiva como a medicação (anti-TNF α), sem
efeitos secundários associados.(10, 20)

A ansiedade e a depressão são também comorbilidades associadas às pessoas com


DRM. Existe evidência robusta de que programas de exercício têm um efeito
clinicamente importante na melhoria de sintomas de depressão e ansiedade em pessoas
com doenças reumáticas, nomeadamente em pessoas com fibromialgia, dor lombar,
osteoartrose, AR e LES. Este efeito pode ser comparável ou mais benéfico que a toma
de ansiolíticos e, mais uma vez, sem efeitos adversos.(20-23)

95
D. Costa

Fadiga

A fadiga é um dos principais sintomas das DRM, principalmente nas doenças


reumáticas inflamatórias e fibromialgia (Ver Capítulo 3.3.). Apesar da redução dos níveis
de fadiga se revelar consistentemente um benefício do aumento da AF é, ao mesmo
tempo, uma das principais barreiras para adesão a programas de exercício. (24, 26, 27–30)
Este facto levanta questões quanto à necessidade de desenvolver estratégias que
promovam a adesão à AF a longo prazo, e coloca desafios quanto ao sucesso da
implementação de programas de exercício em larga escala, para estas populações.(31)

Controlo da dor

A dor, seja aguda ou crónica, é um sintoma predominante na apresentação clínica


das pessoas com DRM (Ver Capítulo 3.2.). Além dos ganhos de força muscular e
capacidade cardiovascular com a AF, que explicam a melhoria funcional e qualidade de
vida nesta população, os efeitos do exercício na dor não recaem apenas sobre a
componente biomecânica e estrutural músculo-esquelética.(7,8)

De uma forma aguda, o exercício tem sido associado a um aumento da tolerância à


dor em sujeitos saudáveis, fenómeno denominado de hipoalgesia induzida pelo
exercício, e que acontece como resposta imediata ao mesmo por processos de
modulação endógena da dor. Em pessoas saudáveis, o sistema de opiáceos endógenos
é ativado em consequência do exercício pela ativação dos baroreceptores arteriais, com
o aumento da frequência cardíaca e da tensão arterial pelo exercício, com uma dose-
resposta associada.(32,33)

Muitas das pessoas que vivem com dor crónica por DRM têm crenças mal-adaptadas
ao exercício, relativas à pioria da sintomatologia e, consequentemente, medo do
movimento e comportamentos de evitamento. Vários processos de modulação da dor
ao nível do sistema nervoso central controlam a resposta ao medo, nomeadamente
através da inibição da via descendente de controlo nociceptivo inibitório. Assim, as
memórias anteriores mal adaptativas relativas à atividade, ao nível cerebral
desencadeiam respostas neurofisiológicas que associam o stress tecidular e a carga
articular, mesmo em movimentos de baixa intensidade, como perigos e ameaças para o
corpo. Isto significa que as pessoas ao longo do tempo vão diminuindo os seus níveis de
atividade e, consequentemente, a sua capacidade física. Por outro lado, estudos com
Ressonância Magnética Funcional que avaliaram a resposta imunitária e do sistema
nervoso central durante a indução de stress psicológico, demonstram um aumento de
atividade na amígdala e aumento consequente dos marcadores inflamatórios. Assim, é
necessário que haja uma reconceptualização em relação à dor durante a atividade, e
não o seu evitamento, sendo a otimização da autoeficácia um fator chave para
promoção da AF em pessoas com medo do movimento. Outros fatores psicossociais,

96
3.4. Promoção da Atividade Física e do Exercício na Pessoa com DRM

como a catastrofização, estão também associados à experiência de dor, sendo


imprescindível explorar as perspetivas da pessoa relativamente à atividade física e à
condição de saúde, educá-la e capacitá-la para que a mesma consiga gerir a sua
condição.(33)

A osteoporose

Especificamente na osteoporose, a AF assume um papel de importância


fundamental na prevenção de fraturas de fragilidade. Estas são prevalentes
principalmente em adultos mais velhos e podem levar à perda de independência
funcional, risco de morbilidade e mortalidade acrescidos. Apesar das alterações na
densidade óssea induzidas pelo exercício serem modestas no pós-menopausa, o
exercício pode retardar as perdas de densidade óssea tanto por efeito direto na
remodelação óssea, como pela diminuição do risco de quedas. Estudos com programas
de exercício têm demonstrado uma diminuição em cerca de 40% do risco de fraturas
por queda em adultos com 50 ou mais anos. Dado que cerca de 90% das fraturas são
provocadas por quedas, introduzir um programa de exercícios em pessoas com
osteoporose é recomendado. Estes programas devem ser específicos e estruturados
segundo as recomendações para esta população, e direcionados para o ganho de força
e massa muscular, equilíbrio e desempenho na marcha.(34-36)

Dado o risco de fraturas de fragilidade, principalmente ao nível da coluna vertebral,


poderão ser levantas questões sobre a segurança de intervenções baseadas na
promoção da AF nesta população. No entanto, as normas de orientação clínica
internacionais, referem que: as intervenções de promoção da AF são apropriadas para
pessoas com osteoporose sem fraturas vertebrais; a AF de intensidade moderada é
preferível após fratura vertebral; o treino resistivo e treino de equilíbrio é recomendado
para todas as pessoas; a adaptação de algumas atividades para a capacidade e
problemas individuais destas pessoas é preferível em detrimento de recomendações
estandardizadas (por exemplo, não levantar mais de 5 kg ou não rodar o tronco). No
entanto para pessoas com história de múltiplas fraturas o risco da atividade física pode
ser maior que o seu benefício e, por isso, é recomendada uma avaliação específica por
um fisioterapeuta.(37)

Barreiras, Facilitadores e estratégias para adesão à AF

Apesar de todo o conhecimento sobre os benefícios e importância da atividade física


em pessoas com DRM, estas são, na maioria, menos ativas que pessoas sem DRM. Um
desafio que se coloca aos serviços de saúde é a eliminação de barreiras e promoção de
estratégias facilitadoras para a adesão à AF a longo prazo.(10)

97
D. Costa

A falta de tempo, de recursos apropriados e os sintomas como a dor, fadiga, rigidez


e perceção de limitações na capacidade física têm sido apontadas como barreiras para
adesão à AF em pessoas com DRM. No que toca aos sintomas, desencadeia-se um ciclo
vicioso ao longo do tempo, sendo que o medo de sintomatologia diminui a AF,
promovendo o sedentarismo e a obesidade que, conjuntamente, pioram a
sintomatologia e torna o processo de recuperar a capacidade física mais difícil. A
resiliência é um fator intrínseco importante, bem como o apoio dos
familiares/cuidadores. Por outro lado, as crenças das pessoas de que a AF pode
deteriorar ou piorar a sintomatologia, de os benefícios não serem imediatos, e as
experiências anteriores negativas com a AF, resultam numa descredibilização desta
intervenção. Contudo, os benefícios da AF na diminuição dos sintomas são
percecionados, assim como os benefícios relativos à saúde mental que são referidos
como igualmente importantes, e cruciais na motivação para AF, em dados de estudos
qualitativos. Crenças estruturalistas ou biomecânicas sobre a própria doença
(associadas ao desgaste articular, inflamação articular persistente, por exemplo) leva a
que as pessoas associem a AF a uma pioria da condição.(27–29)

Na perspetiva das pessoas com DRM, terem uma boa informação e aconselhamento
sobre a segurança e benefícios da AF, terem acesso a um programa estruturado segundo
as preferências, capacidades e necessidades individuais, são estratégias importantes
para a adesão. São também facilitadores, crenças robustas sobre os benefícios e a
“normalização” de qua a AF deve fazer parte do quotidiano. Atividades com
envolvimento social, passear animais de estimação, a bicicleta ou caminhada como
forma de transporte, yoga, ginásio e a hidroterapia são exemplos de estratégias para
aumentar a AF referenciadas por pessoas com AR.(30)

Ao nível comunitário, a promoção sustentada da AF pode ser realizada através de


projetos de inovação social. São exemplos, a capacitação da comunidade, através de
associações de doentes ou grupos na comunidade, de forma a apoiar a referenciação
ou implementação de projetos de promoção de AF na comunidade para nestas
populações. A promoção da atividade física não deve ser limitada ao ambiente clínico,
nem realizada de forma esporádica ou segmentada em pessoas com DRM. A introdução
da AF no quotidiano, devidamente planeada, quer em serviços da comunidade quer em
programas em casa ou de forma digital, a motivação para a sua continuação e a
otimização da adesão, devem ser objetivos centrais de qualquer plano de
intervenção.(10,38)

Para uma implementação efetiva de estratégias de AF como parte do tratamento


das pessoas com DRM, é necessário que todos os profissionais de saúde que trabalham
diretamente com estes utentes tenham formação nesta área, de forma que o
aconselhamento e diretrizes dadas às pessoas seja uniforme em todos os níveis de

98
3.4. Promoção da Atividade Física e do Exercício na Pessoa com DRM

cuidados. A educação sobre a AF deve ser uma capacidade base em todos os


profissionais de saúde que trabalham em Reumatologia, introduzida rotineiramente na
sua prática clínica, e fazer parte dos standards de qualidade dos serviços de saúde.(39)

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100
3.4. Promoção da Atividade Física e do Exercício na Pessoa com DRM

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101
102
(Voltar ao Índice)

3.5. REABILITAÇÃO
NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Rúben Duarte Fernandes1 e Isabel Dias2

As DRM causam alterações quotidianas de elevado impacto na vida dos doentes.


Para além dos sintomas como dor, rigidez articular e fadiga, muitos podem experienciar
limitações nas Atividades de Vida Diárias (AVD), Laborais e Sociais.

O Especialista em Enfermagem de Reabilitação desempenha um papel fundamental


na identificação, intervenção (conceção, implementação e avaliação) de planos e
programas especializados com vista à melhoria e manutenção da função e da qualidade
de vida dos utentes, a reintegração e a participação na sociedade. Atuando em parceria
com a restante equipa multidisciplinar, as suas intervenções autónomas são concebidas
e direcionadas para ajudar a pessoa a atingir o seu melhor nível funcional, maximizando
e desenvolvendo capacidades.

Palavras-chave: reabilitação, função, capacidade, gestão não farmacológica; doença


reumática, programa de reabilitação.

Objetivos de aprendizagem:
• compreender a importância da reabilitação na gestão da DRM;
• adquirir conhecimentos que possibilitem o correto aconselhamento e
encaminhamento da pessoa no processo de autogestão;
• reconhecer o processo de enfermagem de reabilitação (plano de reabilitação)
enquanto estratégia baseada em diagnósticos de enfermagem, que visa maximizar
o potencial da pessoa;
• identificar intervenções de enfermagem de reabilitação no âmbito da educação,
manutenção, melhoria ou recuperação da independência das AVD na pessoa com
DRM.

1
Enfermeiro no Serviço de Consulta Externa de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.
2
Enfermeira no Serviço de Consulta Externa de Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário Cova da Beira, E.P.E.

103
R. D. Fernandes & I. Dias

A reabilitação tem um papel primordial(1) na gestão da doença reumática, ao tornar


a pessoa o mais autónoma e independente possível dentro das suas próprias
limitações.(2,3) Visa o diagnóstico e intervenção precoce na pessoa ao longo do seu ciclo
vital para evitar ou minimizar incapacidades, gerando ganhos em saúde(13).

Segundo Costa et al (2018)(4) é prioritário “encontrar e avaliar tratamentos


farmacológicas e não farmacológicos que promovam o bem-estar e aumentem a
qualidade de vida destes utentes”, minimizando a morbilidade, prevenindo
incapacidades e reduzindo a gravidade e a recidiva de episódios dolorosos, melhorando
a funcionalidade, garantindo mais autonomia e independência, e consequentemente,
recuperar e promover uma melhoria da qualidade de vida. Exige uma avaliação precisa
e minuciosa, sistemática e holística de cada utente, assim como uma abordagem
personalizada tendo em conta a sua individualidade e subjetividade enquanto ser
biopsicosocioespiritual, constituindo o sustentáculo entre o estado funcional e a
dignidade humana, a qualidade de vida e a socialização da pessoa. Tem como foco de
atenção a manutenção e promoção do bem-estar e da qualidade de vida, a recuperação
da funcionalidade, tanto quanto possível através da promoção do autocuidado, da
prevenção de complicações, da maximização das capacidades e de reforço de
comportamentos de adaptação positivos. Conferindo melhoria dos sintomas, da função,
da capacidade física, da qualidade de vida e satisfação pessoal. (2)

A reabilitação é um processo dinâmico e contínuo, dirigido ao ser humano ao longo


do ciclo vital, de forma a corrigir, conservar, melhorar ou recuperar as suas aptidões e
capacidades. Exige uma relação de empatia/confiança entre o utente e profissional de
saúde e multidisciplinariedade.(2) O sucesso do tratamento e a otimização dos resultados
depende das opções, estratégias e dos objetivos realistas estabelecidos com cada
utente e da aceitação/ adesão aos mesmos.(4)

O utente deve ter um papel ativo, cooperante e deve ser co-responsabilizado pelo
seu tratamento e colocado no centro da decisão, explorando ao máximo as suas
potencialidades, tendo em vista o melhor ajustamento à sua vida futura. (3) Por
demasiadas vezes constatamos no dia-a-dia laboral que tal papel ativo não acontece,
pelos mais diversos motivos: exige literacia em saúde, empenho, motivação e
dedicação, agentes facilitadores de mudanças positivas. Daí constituir um foco de
atenção privilegiado e um dos pilares da reabilitação em reumatologia a educação do
utente.(5) Uma educação terapêutica que possibilite capacitar e fazer com que o utente
aprenda a autogerir e a autocontrolar-se perante os sintomas e as restrições/limitações
impostas pela condição física, viabiliza a adoção de comportamentos e estilos de vida
saudáveis e coadjuva nas escolhas e tomadas de decisão importantes ao seu projeto de
vida e saúde.(6)

104
3.5. Reabilitação na Pessoa com DRM

A reabilitação e os programas associados devem ser instituídos precocemente e a


sua avaliação e periodicidade de acompanhamento deve ter em consideração o tipo e
as características da doença reumática, idade do utente e a sua saúde no geral (quadro
clínico, tipo e grau de incapacidades físicas, psíquicas e sociais remanescentes e suas
repercussões), o estadio da doença, as comorbilidades associadas, a própria
performance do utente(4) e o tipo de apoio familiar. Cada programa deve ser único e
ajustável, estruturado e compatível com cada utente, moldado às suas necessidades
específicas,(2) criando estratégias de motivação e empenho indispensáveis para alcançar
o maior grau de independência e autonomia pessoal possíveis, podendo ser realizado
individualmente em ambiente domiciliário com apoio e supervisão de um profissional
de saúde.

O Programa de Reabilitação a implementar tem como objetivos gerir/minimizar a


dor e a incapacidade, prevenir a cronicidade, recuperar a função motora, promover a
autonomia, restaurar a mobilidade, a força e a flexibilidade, maximizar a resistência,
prevenir complicações (atrofias e deformidades), avaliar o grau de dependência e
promover a independência nas AVD’S, capacitar para o uso de ajudas técnicas que
permitam a sua independência, orientar utente e família para grupos de autoajuda e
para os recursos na comunidade (Ver Capítulo 6.4.) necessários/facilitadores de uma
readaptação/reinserção social e melhorar a saúde mental, numa procura de focos
alternativos de satisfação pessoal.(3)

Especificamente o Enfermeiro de Reabilitação deve atuar como elo de ligação entre


os utentes e outros membros da equipa multidisciplinar. As suas intervenções
autónomas devem ser concebidas para ajudar o indivíduo a atingir o seu melhor nível
funcional, promovendo o projeto de saúde da pessoa, a readaptação e a capacidade
para o autocuidado,(13) contribuindo para um objetivo geral e comum de toda a equipa
de saúde que acompanha a pessoa.

Um plano de reabilitação deve ser implementado gradualmente no que à


intensidade, dificuldade e duração das atividades diz respeito. Direcionando o mais
possível para a simulação das AVDs, a reabilitação pelo exercício necessita de
intervenções que visam:

- o ganho de Amplitude de Movimento (ADM), mediante mobilizações


passivas ou ativas (quer assistidas, quer resistidas);
- o Reforço Muscular das estruturas musculares envolventes, baseado em
• exercícios isométricos (força sem movimento, contra uma resistência);
• exercícios isocinéticos (velocidade constante);
• exercícios excêntricos (mais exigentes, mas muito eficazes, pois
realizam contração das fibras musculares com aumento da tensão

105
R. D. Fernandes & I. Dias

externa na fase de alongamento das mesmas, pelo que devem ser


realizados com auxílio de profissionais habilitados).

A gestão não farmacológica de muitas doenças reumáticas passa pela realização de


uma atividade física planeada, estruturada e repetitiva, com o intuito de manter ou
melhorar uma ou mais componentes da aptidão física e, assim, conseguir dar resposta
às necessidades quotidianas(7) e também laborais.

As pessoas com doença reumática que permanecem ativas mantêm habilidades


funcionais durante mais tempo(8), nomeadamente força muscular e capacidade
aeróbica. O exercício tem efeitos globais positivos na maioria das condições reumáticas,
sobretudo exercícios supervisionados e realizados em segurança, cuja eficácia e efeito
benéfico sobre a inflamação e risco cardiovascular tem vindo a ganhar cada vez mais
ponderação.

Quando se concebe, implementa e monitoriza um programa de reabilitação


diferenciado deve ter-se em atenção a subjetividade de cada pessoa e os meios ao
dispor (tanto físicos como recursos humanos), combinando todos os elementos na
procura da resposta às necessidades/dificuldades dessa pessoa, procurando envolver a
família/cuidador ao longo do processo, dos quais salientamos:

- os objetivos (melhoria ou manutenção da capacidade aeróbica, força


muscular, amplitude de movimento e/ou atividades ou funções específicas
tais como equilíbrio, caminhar, subir escadas e/ou realização ou manutenção
de um nível de atividade física de acordo com as recomendações de saúde
pública);
- a intensidade necessária - número de repetições, duração e frequência para
cada tipo de exercício:
• deve ser contratualizada de acordo com os objetivos iniciais e
monitorizado esforço (com recurso, por exemplo, ao Índice de
Karvonen);
• inicialmente 2 séries de 10 a 12 repetições e aumentar gradualmente
conforme a evolução da situação;
• deveremos ter o cuidado de não realizar sessões demasiado extensas,
não só pelo componente de cansaço, mas também para manutenção
do foco e interesse da pessoa na correta realização dos exercícios;
- a postura, correto alinhamento corporal e distribuição de peso pelas
articulações, pelo que o treino de equilíbrio e o propriocetivo são
imprescindíveis, assim como o treino de musculatura de suporte ao controlo

106
3.5. Reabilitação na Pessoa com DRM

motor (recorrendo, por exemplo, a dissociação de cinturas, reforço do core e


da musculatura das cadeias posteriores);
- as limitações e riscos dos exercícios relacionados com a condição reumática
subjacente de cada paciente e estado de saúde, incluindo, por exemplo,
inflamação das articulações locais, danos articulares locais, instabilidade
articular, a presença de próteses articulares ou comorbilidade cardiovascular
ou pulmonar;
- a gestão do esforço/fadiga e a ocorrência de efeitos secundários, tais como
dor persistente no esforço ou após as sessões de exercício;
- o acompanhamento regular por um profissional de saúde credenciado que
efetua uma avaliação regular da prescrição de exercício e resultados
decorrentes (benefício e efeitos adversos) versus os objetivos estabelecidos;
- o aumento geral dos níveis de atividade física diária durante a vida
quotidiana é importante, para além de exercício estruturado, reduzindo o
comportamento sedentário (Ver Capítulo 3.4.);
- realizar o reforço muscular das estruturas necessárias à obtenção de um
determinado movimento e mobilizar estruturas articulares para ganho de
ADM recorrendo a objetos e tarefas do quotidiano da pessoa são estratégias
que cativam e mantêm o foco nos objetivos;
- o recurso a terapêuticas não farmacológicas. Esta é uma abordagem
multidimensional em que podemos recorrer a diversas estratégias que
auxiliam a uma determinada finalidade:
• Hidroterapia (proporciona um ambiente húmido e de suporte geral ao
corpo, com efeito relaxante e sensação de bem estar, potencia a
melhoria da postura, proporciona resistência aos movimentos e
consequente reforço muscular);
• Massagem e Mobilização Miofascial de Tecidos, com todas as suas
virtudes terapêuticas e funcionais (pode ser associada à aplicação
tópica de anti-inflamatórios), libertação e alongamento dos tecidos e
melhoria da circulação;
• Meios Físicos (termoterapia) e Eletroterapia com aparelhos
específicos deve ser reservada a profissionais treinados (TENS, EMS,
diatermia, ultra-sons, e laser, por exemplo);
• Calor e Frio, o recurso a estes meios deve ser feito de forma
ponderada. De um modo geral, as lesões inflamatórias agudas (como
traumatismos, gota e periartrites) melhoram com a aplicação de Frio
(gelo, água fria, sprays) por um período de 8 a 10 minutos, pelo seu
efeito vasoconstritor e analgésico. Por outro lado, a aplicação de calor
superficial (parafina, parafango, placas de argila, imersão em água)
durante 15 a 20 minutos promove a vasodilatação e consequente

107
R. D. Fernandes & I. Dias

relaxamento muscular e facilitação da mobilização articular, sendo


especialmente indicado para situações degenerativas e/ou crónicas e
bastante apreciado em doentes com artroses, contraturas e
fibromialgia. Em ambos a proteção da pele é obrigatória para evitar
possíveis queimaduras provocadas tanto pelo frio como pelo calor;
• Os Auxiliares de Marcha beneficiam as pessoas com dificuldades na
deambulação. Podem ser bengalas, canadianas e andarilhos,
reguláveis em altura e com diversos tipos de pegas adaptadas. Devem
ser selecionados tendo em conta todos os fatores e especificidades da
pessoa, realizados ensinos e treino de adaptação até à correta
utilização em segurança;
• O tipo de Calçado é um elemento ao qual deve ser dada a devida
atenção pois as dores e deformidades podem constituir um foco
importante de incapacidade e consequente sofrimento; deve ser
fechado, adaptado, confortável, maleável, com um arco interno
elevado e com largura suficiente para evitar zonas de pressão
desnecessárias. A sola deve ser antiderrapante, maleável e espessa,
de modo a absorver o contacto ao solo, e a palmilha interna
personalizada, sempre que possível. Os exercícios de
propriocetividade, equilíbrio e reforço da musculatura envolvente da
articulação tibiotársica são um valioso recurso e devem ser
incorporados nos planos de reabilitação;
• A utilização de Produtos de Apoio (PA), respetivas indicações e modo
de utilização é um recurso que deve ser abordado de forma criteriosa.

Por “Produto de Apoio” (PA) entende-se qualquer artigo, instrumento, equipamento


ou sistema técnico especialmente produzido e adaptado à pessoa, de forma que a sua
utilização ajude a prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar a limitação funcional
decorrente de fraqueza muscular, limitação articular e/ou tegumentar. A sua utilização
visa a redução do sofrimento (dor) e consequente aumento da segurança e
independência funcional. Existe uma grande variedade de PA de acordo com cada
necessidade individual e em quase todas as áreas de atividade. São exemplos diversos
tipos de órteses, ortóteses, pinças, alargadores, utensílios do lar, de comunicação,
recreação e mobilidade, entre outros (Ver Capítulo 5.1.). A seleção e prescrição deste
tipo de PA deve ser feita após criteriosa avaliação individual, adaptando perfeitamente
o produto às necessidades e patologia de cada pessoa e realizado por profissionais
habilitados, que testam/moldam e ensinam como utilizar. Todos estes passos, objetivos
e efeitos devem ser claramente explicados, sem negligenciar os cuidados de
manutenção do PA. Especificamente no que concerne a utilização de talas, estas devem

108
3.5. Reabilitação na Pessoa com DRM

ser periodicamente removidas para a realização de exercícios de ganho de amplitude


articular, mobilização fascial, massagem e cuidados à pele.

Uma das patologias com maior expressão de incapacidade é a Esclerose Sistémica


(SSc), não só pelo envolvimento multissistémico, mas, especificamente, na vertente
músculo-esquelética. De seguida apresentamos uma hipotética e generalizada situação
de um doente com SSc, onde se enquadra uma perspetiva ampla de reabilitação,
podendo incluir, para além das mencionadas, intervenções de uma equipa de cuidados
multidisciplinar compreensiva: intervenções psicoeducacionais, exercícios terapêuticos,
modalidades físicas, dispositivos auxiliares e ortóteses, proteção das articulações,
conservação de energia e intervenções dietéticas.

Relembramos a importância de uma correta sequência de atuação:


1) Avaliação Inicial
a. estado de consciência/capacidade de aprendizagem;
b. tegumentos;
c. dor;
d. sinais vitais;
e. cálculo de índice de Karvonen e respetiva percentagem de esforço alvo;
f. ADM;
g. coordenação motora;
h. marcha e equilíbrio;
i. parâmetros respiratórios;
j. avaliação de capacidades de AVDs;
k. outras avaliações/escalas específicas.
2) Planeamento de objetivos
3) Diagnósticos de enfermagem
4) Intervenções (prescrição)
a. ensinar, instruir e treinar
5) Avaliação periódica da evolução
6) Reformulação do plano consoante evolução

Com mensuração e registo sistematizado dos parâmetros avaliados, de forma a


poder ser realizada avaliação e adequação ou reformulação do plano inicialmente
delineado.

109
R. D. Fernandes & I. Dias

Figura 1 – Exemplo de registo fotográfico para Avaliação Inicial, Intervenções e


Reavaliação periódica da mobilidade da mão em utentes com SSc.

Fonte: Rúben Fernandes

As intervenções na reabilitação da mão (e especificamente na pessoa com Esclerose


Sistémica) englobam modalidades variadas e centram-se, sobretudo, na melhoria da
função física, alongamento e exercício individualizado. Esta variabilidade dificulta a
criação de um padrão de cuidados específico,(9) mas, de modo geral, as intervenções vão
desde os ensinos, a aplicação de calor (banhos de parafina/cera), a movimentos de
ganho de ADM articular de punho e dedos e alongamento e massagem dos tecidos
moles(9)(14) com a eficácia de resultados a ser comprovada no recurso a programas que
incluíam não só sessões presenciais, mas também a continuidade do programa de
reabilitação da mão e da face no domicílio(10,14,15) apoiados pelos familiares.

A título de exemplo, apresentamos um programa de reabilitação para a pessoa


realizar em contexto de domicílio, após o adequado ensino e treino presencial. O

110
3.5. Reabilitação na Pessoa com DRM

programa de exercícios deve ser realizado de acordo com a avaliação prévia e


capacidade de cada pessoa, como previamente referido. Recomendamos iniciar 2 vezes
por dia, com cinco repetições, mantendo cada uma durante 10 segundos, evoluindo
progressivamente para três vezes por dia, com dez repetições, mantendo cada uma
durante 10 a 15 segundos.

Figura 2 – Exemplo de plano de exercícios de reabilitação a realizar no domicílio, para


utente com SSc.

Fonte: os autores

Alguns exemplos de exercícios orofaciais a realizar em frente ao espelho:

- automassagem com creme hidratante para o rosto;

- mímica facial;

- exercícios de fortalecimento e relaxamento muscular (contração-


relaxamento);

111
R. D. Fernandes & I. Dias

Figura 3 – Exemplo de plano de exercícios de reabilitação orofaciais a realizar no


domicílio, para utente com SSc.

Fonte: https://www.academia.edu/4059549/Exercicios_Faciais (11)

Figura 4 – Exemplo de plano de exercícios de reabilitação orofaciais a realizar no


domicílio, para utente com SSc.

Fonte: Cüzdan N, Türk İ, Çiftçi V, Arslan D, Doğan M, Ünal İ. The effect of a home-based orofacial exercise program on oral aperture of
patients with systemic sclerosis: A single-blind prospective randomized controlled trial. Arch Rheumatol. 2021;36(2):176–84.(10)

112
3.5. Reabilitação na Pessoa com DRM

Entender as intervenções habitualmente realizadas em reumatologia pelos


profissionais de saúde, deter os conhecimentos necessários para ensinar e apoiar nas
estratégias de promoção da saúde, prevenção de complicações, gestão da doença
(medicamentos, exercícios, uso de PA e outras medidas não farmacológicas) e
maximização do potencial da pessoa são pontos cruciais no processo de reabilitação.

O panorama de inovação tecnológica atual indicia uma tendência crescente de se


iniciarem programas de ensino e reabilitação à pessoa com patologia reumática por via
de canais de comunicação e informação tecnológicos que aproximam as pessoas aos
profissionais de saúde (12), facilitando a observação, acompanhamento e esclarecimento
de dúvidas, melhorando a acessibilidade e adesão a programas de reabilitação.

Referências Bibliográficas
1. Lange U, Rehart S. Physical therapy options in rheumatic diseases: what is evidence-based? Orthopade.
2018;47(11):928–34.
2. Stucki G, Kroeling P. Physical therapy and rehabilitation in the management of rheumatic disorders.
Baillieres Clin Rheumatol. 2000;14(4):751–71.
3. da Silva J. Reumatologia Prática: Tomo I. 4.a ed. Diagnósteo; 2017.
4. Costa T, Falcão S, Branco J. O Papel do Exercício Físico no Tratamento das Doenças Reumáticas: Revisão
Narrativa. Rev da SPMFR. 2018;30(1):17–32.
5. Nunes A, David H. Os desafios da enfermagem reumatológica: uma perspectiva emergente no cuidado.
Rev Enferm UERG. 2014;22(6):853–7.
6. Faller H, Ehlebracht-König I, Reusch A. Empowerment by patient education in rheumatology. Z Rheumatol.
2015;7:603–7.
7. Liem SIE, Vliet Vlieland TPM, Schoones JW, de Vries-Bouwstra JK. The effect and safety of exercise therapy
in patients with systemic sclerosis: a systematic review. Rheumatol Adv Pract. 2019;3(2):1–13.
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in the osteoarthritis initiative: A graded relationship. Arthritis Rheum. 2011;63(1):127–36.
9. Willems LM, Vriezekolk JE, Schouffoer AA, Poole JL, Kwakkenbos L, Stamm TA, et al. Effectiveness of
Nonpharmacologic Interventions in Systemic Sclerosis : A Systematic Review. 2015;67(10):1426–39.
10. Cüzdan N, Türk N, Çiftçi I, Arslan V, Doğan D, Ünal M. The effect of a home-based orofacial exercise
program on oral aperture of patients with systemic sclerosis: a single-blind prospective randomized
controlled trial. Arch Rheumatol. 2021;36(2):176–84.
11. Exercícios faciais [Internet]. academia.edu. Disponível em:
https://www.academia.edu/4059549/Exercicios_Faciais
12. Ritschl V, Ferreira RJO, Santos EJF, Fernandes R, Juutila E, Mosor E, et al. Suitability for e-health of non-
pharmacological interventions in connective tissue diseases: Scoping review with a descriptive analysis.
RMD Open. 2021;7(2):1–11.
13. Ordem dos Enfermiros. Regulamento dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em
Enfermagem de Reabilitação - aprovado na Assembleia do Colégio a 26 de Janeiro de 2018. Ordem dos
Enfermeiros. Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação.
14. Piga M, Cangemi I, Mathieu A, Cauli A. Telemedicine for patients with rheumatic diseases: Systematic
review and proposal for research agenda. Semin Arthritis Rheum. 2017 Aug;47(1):121-128. doi:
10.1016/j.semarthrit.2017.03.014. Epub 2017 Mar 22. PMID: 28420491.
15. Piga M, Tradori I, Pani D, Barabino G, Dessì A, Raffo L, Mathieu A. Telemedicine applied to kinesiotherapy
for hand dysfunction in patients with systemic sclerosis and rheumatoid arthritis: recovery of movement
and telemonitoring technology. J Rheumatol. 2014 Jul;41(7):1324-33. doi: 10.3899/jrheum.130912. Epub
2014 Jun 1. PMID: 24882841.

113
114
(Voltar ao Índice)

3.6. PREVENÇÃO E GESTÃO DE COMORBILIDADES


NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Sandra Miranda1, Claúdia Paiva2 e Ricardo J. O. Ferreira2

A pessoa com Doença Reumática e Músculo-esquelética (DRM), em especial com


doença inflamatória crónica (DIC) apresenta maior risco de desenvolver comorbilidades
em relação à restante população. Algumas comorbilidades surgem associadas à própria
doença e aos efeitos da inflamação sistémica, enquanto outras surgem associadas aos
efeitos da terapêutica farmacológica direcionada à doença. Entre as mais comuns e
impactantes, nas quais os profissionais de saúde podem ter uma intervenção mais
importante, surgem as comorbilidades cardiovasculares, a osteoporose e a depressão.

A equipa multidisciplinar de reumatologia deve participar ativamente na


identificação, prevenção, registo e gestão das diferentes patologias e comorbilidades
(ou multimorbilidades), intervindo sobre os fatores de risco modificáveis, motivando a
pessoa para a autogestão dos mesmos.

Palavras-chave: Doença cardiovascular, depressão, osteoporose, prevenção,


instrumentos de avaliação.

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer a importância de avaliar o risco de comorbilidades associadas às DRM;


• Conhecer alguns dos principais instrumentos de avaliação do risco cardiovascular,
depressão e osteoporose que podem ser utilizados na pessoa com DRM;
• Conhecer as principais estratégias de intervenção e prevenção de doenças
cardiovasculares, osteoporose e depressão, na pessoa com DRM.

1
Enfermeira no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, no Hospital de Dia Polivalente e no serviço de
Consulta de Enfermagem de Reumatologia.
2
Enfermeira/o no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra E.P.E.

115
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

O risco acrescido de comorbilidades tem sido descrito nas Doenças Reumáticas e


Músculo-esqueléticas (DRM).(1) Uma 'comorbilidade' é a ocorrência de uma ou mais
condições coexistentes com a doença de base.(2) Nas DRM, as comorbilidades podem
ter impacto individual na evolução da doença e levar à limitação das opções
terapêuticas. Se a comorbilidade for diagnosticada precocemente, tratada e
monitorizada adequadamente, o impacto negativo no curso da DRM inflamatória
crónica, pode ser significativamente reduzido, com reflexo no prognóstico.(3)

Mais recentemente, surge o conceito de multimorbilidade que considera o doente


como um todo, tendo em conta fatores biológicos, psicológicos e sociais integrados nos
seus cuidados. No contexto da DRM, o conceito da multimorbilidade sugere
inerentemente uma abordagem mais holística dos cuidados.(2)

Na figura 1A está representada a comorbilidade numa das DRM, a Artrite


Reumatóide (AR). A AR é a doença índex e todas as outras condições coexistem e são
entidades secundárias tratadas em separado, muitas vezes por outras especialidades.
Condições como a ansiedade e a depressão podem ser facilmente negligenciadas, a
menos que sejam rastreadas (como indica a seta a tracejado). Na Figura 1B que diz
respeito à multimorbilidade na AR, o foco está na pessoa e todas as condições coexistem
de forma igual. O tratamento e resultados são abordados de forma holística, mantendo
a pessoa no centro de toda a avaliação e tomada de decisão.

Considerando o processo fisiopatológico inflamatório, o risco aumentado de


doenças, tais como: doenças cardiovasculares, osteoporose, depressão, é
significativamente maior do que na população em geral. Supõe-se que o processo
inflamatório com libertação de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias desempenhe
um papel importante nesse fenómeno. Outros fatores, como: a redução da atividade
física, em alguns casos extremos até imobilização total (felizmente, cada vez menos
comuns), a obesidade, a fraqueza muscular, a depressão e os fármacos, principalmente
os glucocorticoides, são considerados fatores importantes para a ocorrência de outras
doenças além da DRM.(3)

As comorbilidades também são fatores de “mau prognóstico” e correlacionam-se


com uma pior resposta ao tratamento e deterioração da capacidade funcional e da
qualidade de vida.(4) Além disso, associam-se a custos socioeconómicos elevados, tais
como: internamentos frequentes, maior tempo de internamento, repetição de
consultas de especialidade, complicações peri operatórias e aumento dos custos
indiretos e diretos dos cuidados de saúde.(3)

116
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

Figura 1 – Comorbilidade vs Multimorbilidade na Artrite Reumatóide

Fonte: Mrinalini Dey, Amanda Busby, Helen Elwell, et al. The use and context of the term ‘multimorbidity’ in rheumatoid arthritis: a
systematic literature review, Rheumatology, Jul 2021. 60 (7). 3058–3071 (2)

As recomendações do grupo EULAR 2016(5) padronizaram a necessidade de avaliar a


frequência de ocorrência de comorbilidades no curso da DRM, fazer o rastreio das
doenças mais comuns coexistentes com as doenças inflamatórias articulares,
determinar o risco da sua ocorrência e prevenir comorbilidades. Os princípios foram
formulados nos seguintes pontos:

1. As comorbilidades (doenças do sistema cardiovascular e do trato


gastrointestinal, osteoporose, depressão ou cancro) devem ser
cuidadosamente avaliadas e tratadas em doentes com DRM.

2. Os reumatologistas, os profissionais de saúde em reumatologia e os doentes


desempenham um papel significativo no rastreio e monitorização de

117
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

comorbilidades. Recomenda-se que seja preenchido pelos doentes um


questionário individual, desenvolvido pela task force EULAR.

3. As comorbilidades devem ser contempladas por um programa especialmente


desenvolvido, que deve ser sistematicamente atualizado a cada cinco anos.

Num estudo realizado, recentemente, que avaliou a prevalência e padrão de


comorbilidades em doentes com DRM seguindo os princípios da task force acima
referida,(5) foram identificados três eixos de prevalência: cardiovascular, osteoporose e
depressão.(1) Seguindo esta linha orientadora, neste capítulo abordaremos estas
comorbilidades, assim como o seu rastreio e as medidas preventivas.

1. DOENÇAS CARDIOVASCULARES

As doenças cardiovasculares são a primeira causa de morte no Mundo (6), com as


estimativas a apontar para os 40 a 48% de todas as causas de morte.(6,7)

Estudos clínicos mostraram que as comorbilidades mais comuns em pessoas com


DRM são: a hipertensão (53%), a hipercolesterolemia (47%), as doenças
cardiovasculares (24%), a obesidade (36%) e a diabetes (16%).(3)

As doenças cardiovasculares devem ser cuidadosamente monitorizadas. A história


de enfarte agudo do miocárdio, angina de peito e colocação de stent, são pontos
importantes a considerar e que devem ser documentados na abordagem das doenças
cardiovasculares, bem como os antecedentes de acidente vascular cerebral, acidente
isquémico transitório, insuficiência cardíaca e doença arterial periférica dos membros
inferiores. Os fatores de risco associados à doença cardiovascular tais como tabagismo,
índice de massa corporal, diabetes, hipertensão, dislipidemia e insuficiência renal
crónica devem ser devidamente documentados.(5)

Avaliação do risco cardiovascular

O risco cardiovascular (CV) consiste na probabilidade de a pessoa desenvolver um


evento cardiovascular aterosclerótico num determinado período de tempo
(habitualmente 10 anos). Estudos indicam que as pessoas com DRM apresentam risco
acrescido de desenvolverem problemas cardiovasculares, em relação à população em
geral, sendo este um dos principais motivos de mortalidade precoce.(8–10)

O risco CV em pessoas com AR e outras doenças inflamatórias articulares, em


particular a espondilite anquilosante (EA) e artrite psoriática (APs), é substancialmente

118
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

elevado em comparação com a restante população. Em 2009 com atualização em 2016,


a EULAR emanou recomendações específicas para o rastreio e identificação dos fatores
de risco para a doença cardiovascular e a implementação da gestão do risco.(11)

A gestão de risco CV envolve a determinação de um perfil de risco cardiovascular do


doente de forma individual, tendo em conta variáveis que são utilizadas em algoritmos
de estimativa de risco, como por exemplo, o SCORE (Systematic Coronary Risk
Evaluation).

O SCORE é o instrumento recomendado em Portugal, pela DGS, para avaliação do


risco cardiovascular em doentes entre os 40-65 anos. A tabela SCORE conjuga cinco
fatores: a idade, o sexo, a pressão arterial sistólica, o colesterol e o tabagismo, para
determinar o risco de morte nos 10 anos seguintes devido a doença cardiovascular
(Figuras 2 e 3). Segundo a Norma nº 005/2013 da Direção Geral da Saúde (DGS)
(atualizada 21/01/2015) considera-se significativo um risco superior a 5% e, por isso,
merecedor de maior atenção e intervenção.(12)

A ferramenta de cálculo do risco cardiovascular SCORE está disponível através da


inserção das variáveis necessárias no programa SAM ou através de www.heartscore.org.

No caso da AR, considera-se a indicação de multiplicar o valor do score por 1.5 para
ajuste do risco para utentes que apresentassem dois destes três critérios: duração da
doença superior a 10 anos; ter positividade para fator reumatóide e/ou para anticorpo
anti-cíclico de peptídeo citrulinado; presença de manifestações extra-articulares.(10) Esta
indicação consta em alguns documentos mas existe muito debate sobre a sua
necessidade. As evidências, no caso da APs e EA não existiam para sugerir a
multiplicação deste fator.

119
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

Figura 2 - Algoritmo clínico Risco cardiovascular (risco CV)

Fonte: Norma nº 005/2013 da DGS (atualizada 21/01/2015) (12)

Figura 3 – Tabela de SCORE para populações de baixo risco

Fonte: Norma nº 005/2013 da DGS (atualizada 21/01/2015) (12)

120
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

Podemos referir outros instrumentos de avaliação do risco cardiovascular como o


Framingham, o QRISK, o ACC/AHA ASCVD e o PREDICT, que englobam outras variáveis
(Figura 4). Na ferramenta Framingham – uma das mais validadas e utilizadas -
apresentada na Figura 4 é possível visualizar de forma simples a influência que os fatores
modificáveis, como o tabagismo e a atividade física, podem ter no risco cardiovascular.
O instrumento de avaliação QRISK inclui a AR como um dos fatores de risco acrescido.
O rastreio sistemático permite identificar fatores de risco que exigem
acompanhamento médico ou apoio para iniciar alterações no estilo de vida, de forma a
reduzir o risco cardiovascular e a mortalidade.(10) Os fatores modificáveis como a
manutenção do peso corporal, a cessação tabágica , a moderação do consumo de álcool,
o exercício físico e uma dieta equilibrada, são a base de prevenção do risco
cardiovascular.(14)

A equipa de enfermagem desempenha um papel fundamental ao nível da


motivação, educação para a saúde e no planeamento de estratégias individualizadas,
nomeadamente na adesão ao regime terapêutico e no rastreio dos fatores de risco
cardiovasculares em pessoas com DRM.(14) A referenciação para a nutricionista, para
consulta de cessação tabágica ou programas de atividade física e, sobretudo, para a
equipa de cuidados de saúde primários é essencial para a continuidade e sucesso da
intervenção.

A realização de programas de informação e sensibilização, tais como como a


distribuição de folhetos informativos sobre como prevenir as doenças cardiovasculares
podem ser uma estratégia para sensibilizar, educar e motivar para a saúde.

2. OSTEOPOROSE

A osteoporose é uma doença silenciosa que cresce mundialmente, a par do aumento


da longevidade da população, do consumo de tabaco e de álcool e da generalização do
sedentarismo devido alterações no estilos de vida.(15)

É um problema que afeta centenas de milhares ou milhões de pessoas em todo o


mundo, sendo predominante em mulheres na pós-menopausa. Uma em cada duas
mulheres e um em cada cinco homens com idade superior a 50 anos vão sofrer pelo
menos uma fratura de fragilidade ao longo da sua vida.(15,16)

121
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

Figura 4 – Outras ferramentas de cálculo do Risco Cardiovascular

Legenda: No topo deste website pode ser escolhida qual a ferramenta que se pretende usar ou inserir dados
e trocar de ferramenta para avaliar diferenças no nível de risco. É interessante o facto de na parte direita ser
disponibilizado um gráfico de risco relativo (100 pessoas/faces) que permite com maior facilidade discutir com
o doente o que esse risco representa, permitindo ver como a alteração de um hábito de vida ou a adição de
um medicamento influencia esse mesmo nível de risco. É possível imprimir diretamente o relatório e entregar
à pessoa, por exemplo, para que esta entregue à sua equipa de cuidados de saúde primários

Fonte: https://cvdcalculator.com/ (13)

122
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

Uma fratura de fragilidade consiste numa fratura de baixo impacto (resultante de


queda da própria altura) após os 50 anos, na anca, coluna, punho e úmero. Deve-se à
perda progressiva da densidade mineral óssea.(15)

As fraturas osteoporóticas representam um importante problema de saúde pública,


devido à sua incidência crescente, aos custos diretos e indiretos resultantes do
tratamento das fraturas e das suas consequências, e ainda pelos custos sociais
resultantes da elevada morbilidade e mortalidade (10% no primeiro mês e 30% no
primeiro ano após fratura da anca) que lhe estão associadas.(16)

As pessoas com DRM apresentam maior risco de desenvolvimento de osteoporose,


não somente devido à própria doença, como também devido aos efeitos da terapêutica
farmacológica, nomeadamente os glucocorticoides. Num recente estudo de 2020, a
osteoporose foi a segunda comorbilidade identificada em doentes com DRM, com uma
prevalência de 20,7%.(1)

A EULAR recomenda que a história clínica de fraturas osteoporóticas seja


documentada; e que os fatores de risco para osteoporose, tais como índice de massa
corporal inferior a 19, o sedentarismo, a toma de glucocorticoides, a ingestão de álcool,
a história familiar de fratura do colo do fémur, a osteoporose secundária e a densidade
mineral óssea, sejam recolhidos. Também devem estar documentados a existência de
tratamentos atuais ou anteriores para a osteoporose.(5)

O diagnóstico de osteoporose nas mulheres pós-menopáusicas é efetuado através


de densitometria mineral óssea (DXA). No entanto, a densitometria tem como limitação
o fato de avaliar apenas a quantidade de osso, não dando informações sobre a sua
qualidade ou estrutura.

Avaliação de Risco de Fratura (FRAX)

A ocorrência de fraturas osteoporóticas depende de fatores, tais como a massa


óssea, a idade, o sexo, o índice de massa corporal, fratura prévia, história familiar de
fraturas, terapêutica com corticoides, hábitos etílicos, entre outros. Estes fatores estão
integrados em instrumentos de avaliação do risco de fratura osteoporótica, como o
FRAX que também permite incorporar o valor da densidade mineral óssea.(17)

O FRAX®Port é uma ferramenta utilizada para avaliar a probabilidade de risco de


fratura óssea nos próximos 10 anos. É composta por um conjunto de fatores de risco
(11 necessários + 1 opcional) que aumentam a probabilidade de ocorrência de fratura
de fragilidade. Todos os homens e mulheres portugueses com mais de 50 anos de idade
devem submeter-se a uma avaliação de risco a dez anos de fratura osteoporótica,
através desta ferramenta, com ou sem DXA (Figura 5).

123
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

Figura 5 – FRAX: Ferramenta de Avaliação do Risco de Fratura

Fonte: https://www.sheffield.ac.uk/FRAX

A abordagem da osteoporose deve incluir medidas farmacológicas e medidas não


farmacológicas, que podem ser consultadas nas recomendações multidisciplinares
portuguesas sobre o pedido de DXA e indicação de tratamento de prevenção das
fraturas de fragilidade.(18)

Na prevenção de fraturas osteoporóticas é fundamental a avaliação e a correção de


fatores de risco para quedas e outros traumatismos mínimos, nomeadamente o uso de
pantufas em vez de chinelos, evitar tapetes soltos, o uso de tapetes antiderrapantes na
banheira/poliban e o uso de barras de apoio.

As medidas não farmacológicas para toda a população, que visam a manutenção da


massa óssea ao longo da vida incluem uma alimentação equilibrada que assegure o
aporte alimentar adequado de cálcio e de vitamina D e o consumo proteico adequado
às necessidades; Evicção do consumo excessivo de sódio, cafeína, álcool e tabaco; Deve
ser fomentada a prática de atividade física com exercício/desportos com impacto em
crianças, em adolescentes e em adultos ao longo da vida. Nas mulheres pós-
menopáusicas e nos idosos, além destas medidas gerais, deve-se ainda avaliar o risco
de queda (usando a escala de Morse) e promover a realização de programas de exercício
adaptados individualmente tais como marcha, fortalecimento muscular, treino de
postura e equilíbrio.

124
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

Outro aspeto importante na prevenção da osteoporose e das fraturas de fragilidade


consiste em avaliar a adesão à terapêutica e em motivar as pessoas relativamente à sua
importância. Devem ainda ser ensinados sobre os benefícios da exposição solar (mínimo
de 15 minutos por dia, nos braços e nas pernas, sem protetor solar), devendo também
ser providenciada informação escrita sobre as medidas gerais de prevenção.(15,19)

Em 2019 e 2020 a Unidade Coordenadora Funcional em Reumatologia do Centro


(UCF.RC)3 iniciou a implementação do projeto “Osteoporose, Risco de fraturas e
Quedas”.(20) Este projeto teve como objetivo a implementação de um programa de
rastreio de osteoporose e de risco de fratura e posterior encaminhamento para o
médico de família e/ou outro profissional/serviço de saúde especializado, no sentido de
se avaliar e instituir um tratamento farmacológico e/ou não farmacológico aos doentes
em risco. Na Figura 6 é possível visualizar o algoritmo do rastreio e tratamento da
osteoporose e da prevenção de fraturas e quedas que foi desenvolvido para orientar as
intervenções dos profissionais de saúde, neste projeto piloto (entretanto “pausado”
pela Pandemia).

3. DEPRESSÃO

A depressão é a terceira comorbilidade mais prevalente nas pessoas com DRM, com
uma percentagem de 18,1%, sendo mais elevada nas pessoas com LES, e mais baixa na
SpA.(1,21) Esta comorbilidade é duas vezes mais comum em pessoas com AR do que na
população em geral, sendo que o risco é superior em idades mais jovens.(21)

A qualidade de vida de quem sofre de uma DRM é, significativamente menor tendo


em conta a dor, a fadiga, a incapacidade e as alterações da autoimagem que contribuem
para o desenvolvimento de ansiedade e depressão.(22) Estudos recentes sugerem uma
relação bidirecional, em que por um lado a depressão e outros transtornos psiquiátricos
podem contribuir para a inflamação sistémica e para o risco de doenças crónicas, e por
outro a inflamação crónica prejudica as respostas fisiológicas ao stress e reduz os
mecanismos de coping.(23)

Um recente estudo refere que as pessoas com sintomas de depressão quando


iniciam terapêutica biológica, podem ter uma resposta menos satisfatória ao
tratamento e manter uma atividade da doença moderada a elevada.(22,23) É ainda claro
que os problemas de saúde mental podem permanecer apesar da redução da
inflamação sistémica/articular.(23)

3
A Unidade Coordenadora Funcional em Reumatologia do Centro (UCF.RC) é uma rede de cooperação entre os Cuidados
de Saúde Primários (CSP) e os Serviços de Reumatologia dos hospitais participantes, na área de abrangência da Administração
Regional de Saúde do Centro (ARSC), aprovada oficialmente em novembro de 2017. Esta rede visa a promoção e otimização
da prestação de cuidados de qualidade à pessoa e à família com doença reumática e à respetiva comunidade.

125
Figura 6 – Algoritmo de operacionalização do programa de rastreio e tratamento da osteoporose e prevenção de fraturas e quedas.
S. Miranda, C. Paiva & R. J. O. Ferreira

126
Fonte: Projeto “Osteoporose, Risco de fraturas e Quedas” (20)
3.6. Prevenção e Gestão de Comorbilidades na Pessoa com DRM

A depressão deve ser avaliada como parte dos cuidados de rotina para otimizar os
resultados do tratamento.(22) O questionário HADS (Escala de ansiedade e depressão
hospitalar) está disponível no Reuma.pt para autopreenchimento pelas pessoas com
DRM e tem sido aplicado na prática e investigação clínica.

A EULAR recomenda que a história de depressão, a depressão atual e o rastreio


prévio da depressão devem ser documentados, bem como a terapêutica antidepressiva,
através de perguntas abertas.(5)

A comorbilidade psiquiátrica tem, assim, efeitos negativos sobre a doença


inflamatória, a qualidade de vida, a dor e até a mortalidade, devido à possibilidade de
suicídio. Torna-se por isso fundamental, enquanto profissionais de saúde, estarmos
atentos à saúde mental de quem cuidamos e avaliar sintomas como tristeza,
irritabilidade, diminuição da alegria de viver, entre outros, que ocorram por um período
prolongado, e garantir o acesso aos recursos de saúde mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em súmula, as comorbilidades têm uma elevada prevalência em DRM e devem ser


consideradas no acompanhamento do doente e integradas numa abordagem holística.
Além do rastreio cardiovascular, deve ser promovida a cessação tabágica, o rastreio de
osteoporose, das neoplasias malignas e da depressão, assim como, a implementação da
vacinação adequada.(1)

Uma das funções da equipa multidisciplinar de reumatologia é colaborar na deteção


precoce das comorbilidades, usando as ferramentas para o rastreio sistemático,
aplicando medidas preventivas e, muito importante, promovendo a interligação com
outras equipas de saúde, nomeadamente com os cuidados de saúde primários.

De relembrar a importância do valor que a pessoa atribui a cada um dos seus


problemas de saúde e o impacto emocional da doença na sua vida familiar, profissional,
de lazer ou outra. Não será suficiente ter a DRM “medicamente controlada” e não
“olhar” para as dimensões da saúde e da doença que a pessoa valoriza (ver Capítulos
6.1. e 6.4.). A respeito das “comorbilidades” é cada vez mais consensual o imperativo de
uma abordagem holística da pessoa, designada de “multimorbilidade”.

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128
(Voltar ao Índice)

3.7. INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS


NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Pedro Sousa Lé1

As DRM representam um problema de saúde pública com impacto social e


económico. As estratégias não farmacológicas ajudam a pessoa com doença
reumatológica a melhorar qualidade de vida, autonomia e adaptação à doença. Neste
capítulo, o leitor vai conhecer, entre as estratégias não farmacológicas, as intervenções
psicossociais com mais eficácia, em que a psicoterapia cognitiva comportamental tem
mais suporte empírico, em pormenor.

Palavras-chave: doença reumatológica; estratégias não farmacológicas;


intervenções psicossociais; psicoterapia cognitivo comportamental

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer as principais estratégias não farmacológicas e as intervenções


psicossociais nas doenças reumáticas

1
Psicólogo no Serviço de Reumatologia e Oftalmologia no Hospital de Santa Maria.

129
P. S. Lé

As DRM representam um problema de saúde pública, social e económico.(1) Reduzir


esse impacto e melhorar a qualidade de vida do utente e sua autogestão, tem sido vista
como uma intervenção chave.(2) As intervenções psicossociais promovem a
independência, a adaptação e impacto psicológico da doença no utente.(3) Para ajudar
esses utentes na melhoria da qualidade de vida são indicadas as seguintes intervenções:

1) Intervenções psicoeducacionais e psicossociais;

2) Intervenções no estilo de vida;

3) Intervenções na adesão ao tratamento (Figura 1).

Figura 1 – Intervenções para promover a autogestão na pessoa com DRM

Fonte: Lorig KR, Holman H (2003) Self-management education: history, definition, outcomes, and mechanisms. Ann Behav Med
26(1):1–7.

A psicoeducação deve constituir o passo inicial na autogestão da doença reumática


e, sempre que possível, devem ser combinados com intervenções psicossociais para
mudar o comportamento/atitude e induzir a perceção de autoeficácia.(4) A perceção de
autoeficácia é essencial para reduzir o impacto da depressão/ansiedade presente em
utentes com doença reumática.(5)

As perturbações afetivas refletem-se em preocupação, tensão, comportamentos de


evitamento, e em sentimentos de tristeza e desespero. As perturbações afetivas podem

130
3.7. Intervenções Psicossociais na Pessoa com DRM

ter impacto no controlo da doença, na motivação à atividade física e no


pessimismo/desconfiança na adesão à farmacologia.(6)

A atitude do utente face à doença pode levar ao aumento do consumo de cuidados


de saúde, recurso aos serviços de urgência, atestados médicos (absentismo laboral) e
perda de emprego. As intervenções educacional e psicossocial têm-se mostrado eficazes
na melhoria da qualidade de vida dos utentes, perceção da autoeficácia e na adesão aos
tratamentos.(7)

As intervenções no estilo de vida são de grande importância, pois devido a dor e


outros sintomas como a fadiga, os utentes com doença reumática são mais sedentários
do que a população em geral.(8) O estilo de vida saudável (dieta, exercício físico, higiene
do sono) promove a autoestima, controlo da dor eficaz, autoeficácia e melhora a
qualidade de vida.(9)

A taxa de não adesão ao tratamento é de cerca de 50% em doentes com patologia


reumática e podem ser de dois tipos - intencionais ou não.(10) A não adesão intencional
reflete um processo de tomada de decisão racional do utente para não tomar a
medicação ou fazer uma dosagem diferente conforme as instruções, de que a
medicação não vai aliviar sintomas, ou vai causar reações secundárias graves ou
dependência.(11) Por outro lado, não intencional, o não cumprimento envolve a intenção
de tomar um medicamento como instruído, mas falhando em fazê-lo por algum motivo
(por exemplo, esquecimento ou descuido).(12)

A não adesão é influenciada pelas características do utente (por exemplo, traços de


personalidade, educação, nível socioeconómico, literacia) e do tratamento (por
exemplo, doença crónica, consumo de medicação, comorbilidades).(13) Isso contribui
para o fracasso do projeto terapêutico, maior número de internamentos relacionadas
com agravamento do estado clinico, e custos mais elevados em serviços de saúde
(medicação/ consultas/exames.(14) A avaliação da adesão deve ser monitorizada para
garantir a eficácia da utilização do medicamento, evitar alterações da dosagem e
horários.(15) Atualmente, tem havido intervenções especificas para melhorar a adesão,
sobretudo com base na educação do utente, aconselhamento, reuniões familiares,
apoio psicológico, e acompanhamento por telefone.(16)

131
P. S. Lé

Terapia Cognitivo Comportamental nas Doenças Reumáticas

Existem fatores psicossociais e emocionais (por exemplo, ansiedade, depressão e


traumas), de cognição (por exemplo, crença na capacidade de controlar a dor) e
ambientais (por exemplo, relação aprendida entre estímulos e dor) que podem
contribuir tanto para a persistência da dor como para as perceções dos utentes com
doença reumática sobre a intensidade e experiência de dor.(17)

A terapia cognitivo-comportamental tenta promover pensamentos e


comportamentos adaptativos. Embora existam variações entre as intervenções de
terapia cognitivo-comportamental, todos elas incluem componentes de intervenção
envolvendo educação para a saúde, aquisição de competências, treino cognitivo e
comportamental, manutenção e prevenção de recaídas.

Esses componentes podem variar consideravelmente embora as técnicas de


relaxamento sejam frequentemente incluídas como um componente
comportamental.(18)

A terapia cognitivo-comportamental é eficaz no tratamento da dor em doenças


como artrite reumatóide, ensinando os utentes a gerir suas experiências de dor e
angústia e manter a melhoria na capacidade funcional.

Pessoas com artrite incapacitante e avançada podem ter falta de confiança em lidar
com a doença, por medo ou ansiedade, tendo impacto na adaptação à doença. (19)O
papel do psicólogo clínico na gestão da doença reumática é ajudar o utente e família em
lidar com o sofrimento emocional e psicológico decorrente da própria doença. Com base
na avaliação, o psicólogo clínico adapta um plano de tratamento adaptado às
necessidades do utente.

A terapia cognitivo-comportamental tem por base ajudar os utentes a identificar,


avaliar e corrigir padrões comportamentais desadaptativos e crenças disfuncionais
sobre a doença e como lidar com ela.(20) Utentes com doenças reumatológicas têm
experiências de desespero e impotência porque acreditam não ter controle sobre sua
dor. O principal objetivo das intervenções cognitivo-comportamentais é reduzir esses
sentimentos de impotência, de não ser capaz de controlar a dor e promover a
autonomia do utente.

A abordagem da intervenção é promover uma maior sensação de autoeficácia,


ajudar os utentes a reformular sua situação e seu próprio papel na melhoria do seu
funcionamento físico, bem como na adaptação às limitações impostas pela sua
incapacidade.(21)

132
3.7. Intervenções Psicossociais na Pessoa com DRM

Abordagem Psicológica no Controlo da Dor

A dor associada às doenças reumáticas são de significativa importância para a saúde


pública com impacto a nível psicológico, economia e qualidade de vida. A dor é um
fenómeno complexo influenciado por conjunto de fatores biológicos, psicológicos e
sociais. O tratamento da dor é mais eficaz quando se utiliza uma abordagem
multidisciplinar que consiste na escolha de estratégias farmacológicas e não
farmacológicas com base no diagnóstico médico, características da dor, estratégias de
coping e de estilo de vida. Há um reconhecimento crescente de que fatores como a
capacidade de lidar com a dor, pensamentos catastróficos sobre a dor, escolhas de estilo
de vida, fatores familiares e sociais desempenham um papel importante na experiência
da dor.(22,23)

É provável que esses fatores tenham um grande impacto na dor e no funcionamento


dos utentes, e talvez até mesmo na evolução da doença em si. Assim sendo, a
abordagem de intervenção não farmacológica é uma intervenção essencial no
tratamento integrado para utentes que sofrem de doença reumática. Dentro das
estratégias não farmacológicas, a psicoterapia cognitivo-comportamental é uma
intervenção estruturada que ajuda o utente com doença reumática a adquirir um
conjunto de técnicas cognitivas e comportamentais para melhorar a relação com a
doença, autonomia e controlo da dor em indivíduos com doenças reumáticas.(19)

O Quadro 2 fornece recomendações para o uso de TCC.

Quadro 2 – Elementos/técnicas a considerar


Common Elements Specific Diagnosis
Considerations
OA/RA FMS Back pain
Rationale for behavioral Realistic pacing and Pacing to increase Realistic pacing to
coping skills training priority setting to participation in daily prevent over/under
prevent over-exertion activities exertion
Cognitive techniques: Cognitive reframing Problem solving to Problem solving to
• Distraction related to coping and anticipate barriers address work-related
• Guided imagery setting personal goals to active coping function and disability
• Cognitive restructuring
• Problem solving
Behavioral techniques: Cognitive reframing
• Relaxation related to
• Activity pacing mood/fatigue
• Pleasant activities management
Fonte: Turk DC. A cognitive-behavioral perspective on treatment of chronic pain patients. In: Turk DC, Gatchel RJ. Psychological
Approaches to Pain Management. New York: The Guilford Press, 2002: 138-158

133
P. S. Lé

Os Componentes específicos do tratamento cognitivo-comportamental para o


controlo da dor na doença, são quatro:

1) Reestruturação cognitiva: A reestruturação cognitiva baseia-se na identificação de


respostas comportamentais padronizadas, automáticas, rígidas mas ineficazes,
ajudando o utente na mudança para a aquisição soluções alternativas (flexíveis) e no
controlo das emoções mais adaptativas;

Pensamentos desadaptativos típicos na experiência de dor são os seguintes:


• “Eu não aguento mais” (desespero);
• “Esta dor nunca vai passar” (pessimismo);
• “Esta dor no joelho significa que minha doença está a agravar”
(catastrofização);
• “Eu não posso fazer nada quando minha dor é forte” (impotência).

2) Estratégias cognitivas e comportamentais:

• Imagética (imaginação de acontecimentos agradáveis como forma de


transformar da dor numa imagem alternativa, menos ameaçadora);
• Utilização de afirmações como “Tem o controlo da situação”; “Sinto me
ansioso, o que é natural, mas isso não é razão para desistir”; “Inspira e relaxa”
(melhora a capacidade de lidar com a dor);
• Explorar formas de tornar menos desagradável a experiência da dor,
modificando os termos que os utentes usam para descrever a dor. Por
exemplo: queimadura por calor;
• Atenção / Distração (focar a atenção longe da experiência dolorosa);
• Relaxamento / Mindfulness (através da concentração em imagens relaxantes
e do controlo respiratório).

3) Consolidação de competências

4) Prevenção das recaídas e manutenção.

Uma vez que associações específicas de pensamentos, emoções e dor são


identificadas como inadequadas, o utente aprende a usar pensamentos alternativos e
estratégias que podem ser usadas para resposta adaptativa a problemas associado à
dor.

O segundo componente da TCC para o controle da dor são as estratégias de coping.


A terapia inclui um conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais de confronto
com a dor, são usados para ajudar os utentes a controlar a dor e o sofrimento emocional
associado. As técnicas de relaxamento podem ser usadas em qualquer situação no qual
a estratégia de coping adaptativa é necessária e não apenas para controlo da dor.

134
3.7. Intervenções Psicossociais na Pessoa com DRM

Existem diferentes técnicas de relaxamento (por exemplo, relaxamento muscular


hipnose, imagética, mindfulness) e elas podem ser usados para diminuir a tensão
muscular (reduzir o sofrimento emocional, desviar a atenção da dor e aumentar a
sensação de controle do utente e autoeficácia.

Além disso, o relaxamento inclui esforços ativos que envolvem o utente em numa
variedade de atividades prazerosas que são consistentes com as necessidades do
utente.

As estratégias de coping cognitivo incluem vários meios de distração do foco da dor.


Pessoas com dor persistente muitas vezes tentam distrair-se lendo livros, assistir
televisão, praticar atividades de lazer ou ouvir música. Um dos meios mais utilizados
para desviar a atenção de um estímulo desagradável (dor) é imaginando uma situação
agradável.

Quanto mais envolvente a imagem, menos atenção que o utente pode dar a outros
eventos, portanto, menos dor ele sentirá. A aplicação de técnicas de distração como
imagens agradáveis e a focalização ajudam os utentes a aprender a desviar a atenção
dos seus sintomas corporais e episódios de dor intensa. Finalmente, a aprendizagem de
competências de comunicação e assertividade podem modificar consequências
relacionais adversas que a dor e incapacidade podem ter nos utentes: isolamento
relacional e social, conflitos interpessoais.

O terceiro componente envolve a aplicação e ensaio dessas competências recém-


aprendidas nos utentes no ambiente profissional, familiar e pessoal. Uma característica
importante do processo de reabilitação é a capacidade do utente de fazer uso de
competência aprendidas durante o tratamento em seu ambiente natural.

Assim, os utentes devem ser solicitados a registar quaisquer problemas (resistência


à mudança) que possam interferir nas atividades de vida diária e nas competências de
aprendidas durante a terapia.

A última fase da terapia envolve a prevenção da recaída e manutenção dos ganhos


do tratamento. É útil para ajudar os utentes a antecipar problemas futuros, de stress
através de simulação de situações/acontecimentos.

O objetivo durante esta fase é ajudar os utentes a desenvolver uma perspetiva de


resolução de problemas na qual eles acreditam que têm as competências para
responder eficazmente aos acontecimentos de vida.

Todos esses componentes são necessários para ensinar os utentes a gerir sua
doença, a experiência de dor, sofrimento emocional e manter a melhoria funcional /
autonomia.

135
P. S. Lé

A terapia cognitivo-comportamental é terapia eficaz para lidar com a dor crônica de


doença reumática, aumentando a confiança dos utentes nas suas próprias capacidades,
desenvolvendo estratégias para lidar com situações estressantes.

Além disso, a utilização da intervenção cognitivo-comportamental facilita a


adaptação no início da evolução da doença, desde o diagnóstico à incapacidade.

Esta intervenção tem por finalidade ajudar os utentes a lidar com os desafios
impostos pela doença, melhorando não apenas adaptação psicológica, mas também a
funcionalidade / autonomia a longo prazo.(24)

Ansiedade e Depressão nas Doenças Reumáticas

A prevalência de ansiedade e depressão clínica nas doenças reumáticas é cerca de


duas vezes a observada na população em geral. As doenças reumáticas aumentam o
risco de desenvolver ansiedade e depressão.

A ansiedade traduz -se em preocupação e tensão, associada ao comportamento de


evitamento, sendo estas desencadeadas pela presença de dor e fadiga.

A depressão inclui sentimentos de tristeza e impotência interferindo com as


atividades de vida diária.(25)

Ansiedade e Doença Reumática – Intervenção Psicossocial

As pessoas com doenças reumáticas apresentam quadros de ansiedade devido à


incerteza sobre a evolução da doença.(26)

Das estratégias não farmacológicas disponíveis, a terapia cognitivo-comportamental


é a intervenção mais eficaz para as perturbações da ansiedade.(27)

A terapia cognitivo-comportamental inclui uma variedade de técnicas, incluindo


reestruturação cognitiva, exposição e terapia comportamental.(28)

Através da reestruturação cognitiva, (a) identificam se as cognições desadaptativas


que estão por trás do sofrimento de uma pessoa com doença reumática; (b) avalia-se a
utilidade dessas cognições; e (c) reformulam-se essas cognições com objetivo de aliviar
sofrimento e facilitar a mudança de pensamento / atitude (alternativo).

Na intervenção de uma pessoa com doença reumática, sofrendo de ataque de


pânico a reestruturação cognitiva foca-se na alteração de interpretações distorcidas
catastróficas de sintomas corporais específicos (receio de ter um ataque cardíaco),

136
3.7. Intervenções Psicossociais na Pessoa com DRM

basicamente benignos. A exposição envolve o confronto passo a passo com os


comportamentos de evitamento.(29)

Depressão e Doença Reumática – Intervenção Psicossocial

A prevalência de depressão na artrite reumatóide é estimada entre 10% e 20%,


aproximadamente o dobro da taxa observada na população em geral.(30,31)

Os fatores psicológicos, como a baixa autoestima, padrões cognitivo-


comportamentais desadaptativos, como evitamento, impotência, catastrofização e
estratégias de coping de dor passiva contribuem para o desenvolvimento da depressão
na doença reumática.(32–34)

A doença reumática, descrita como dolorosa, incapacitante e, até certo ponto,


incontrolável e imprevisível pode contribuir para a depressão.(35)

Tanto na depressão grave quanto na leve, para prevenir recaídas ou recorrência, um


psicólogo clínico pode oferecer psicoterapia cognitivo-comportamental ou
interpessoal.(36)

O modelo da terapia cognitivo-comportamental tem por base pensamentos


negativos e disfuncionais que agravam depressão, enquanto a psicoterapia interpessoal
é baseada no modelo de que a depressão ocorre no contexto de relações interpessoais.
A capacidade de reduzir o risco de recaída após a interrupção gradual da medicação é
considerado um dos principais benefícios proporcionados pela intervenções cognitivo-
comportamentais, para o tratamento da depressão, bem como para as perturbações da
ansiedade.(36)

Mais recentemente, outras abordagens terapêuticas também estão a ser aplicadas


no tratamento da dor crónica, como a terapia de aceitação e compromisso (ACT). A
abordagem ACT transmite uma vontade ativa de ter a dor presente sem tentativas de
controle ou evitamento enquanto continua a participar nas atividades de vida
diária.(37,38) ACT foca a redução do impacto do sofrimento/ angústia sobre a dor através
da exposição.(39)

Conclusão

A qualidade de vida para pessoas com DRM pode ser melhorada combinando a
prática médica com intervenções não farmacológicas com suporte empírico. No geral,
uma série de abordagens de tratamento não farmacológico, incluindo TCC, exercícios e

137
P. S. Lé

educação do utente, mostraram efeitos benéficos, sobretudo quando combinadas e em


pessoas com níveis mais elevados de sofrimento psicológico e incapacidade.(39)

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with rheumatoid arthritis: prevalence rates based on a comparison of the Depression, Anxiety and Stress
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139
140
(Voltar ao Índice)

3.8. ALIMENTAÇÃO
NA PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA E MÚSCULO-ESQUELÉTICA

Alexandra Cardoso1 e Rita Fernandes1

As pessoas com patologia reumática têm tendência para um mau estado nutricional.
Para além disso, alguns dos fármacos utilizados na sua terapêutica aumentam as
necessidades de alguns nutrientes, quer por redução da sua absorção, quer por
aumento da sua excreção. Neste capítulo apresentamos algumas sugestões nutricionais
para pessoas com algumas das DRM mais comuns.

Palavras-chave: Dieta, nutrição funcional, doença reumática, nutrientes

Objetivos e aprendizagem:

• Reconhecer as principais vantagens de uma dieta adequada ao tratamento das


diferentes doenças reumáticas
• Descrever as principais vantagens de uma dieta adequada, nomeadamente a
redução do risco de doença cardiovascular e aterosclerótica, redução dos
parâmetros inflamatórios e maximização dos processos imuno-protectores.

1
Nutricionista no Departamento de Nutrição do Instituto Português de Reumatologia (IPR)

141
A. Cardoso & R. Fernandes

A alimentação e os cuidados nutricionais são, porventura, uma das terapêuticas não


farmacológicas mais importantes e, ainda assim, menos incluídas no plano terapêutico
global das pessoas com doenças reumáticas e músculo-esqueléticas (DRM). Não
cabendo aqui discutir as razões para esta menor preponderância do nutricionista no seio
da equipa multidisciplinar, nem sendo possível abordar toda a especificidade que estas
intervenções podem ter, apresentamos, de seguida, alguns dos principais aspetos a ter
em consideração nos planos nutricionais em algumas das mais comuns DRM. Convém
sublinhar que, na maior parte das vezes, uma mesma pessoa possui várias alterações ou
comorbilidades, bem como contingências pessoais e contextuais, que precisam de ser
ponderadas no plano individualizado.

Artrite Reumatóide

A Artrite Reumatóide (AR) é caracterizada como uma doença autoimune


inflamatória crónica, envolvendo principalmente as articulações, mas que pode atingir
qualquer órgão.(1,2) Uma vez que as pessoas com AR podem apresentar um estado
nutricional comprometido pela dificuldade na aquisição de alimentos e/ou sua
preparação/confeção, bem como pela evolução da própria doença, os efeitos adversos
de dietas demasiado restritivas podem tornar-se mais prejudiciais que benéficas. De
todos os padrões alimentares analisados, a dieta mediterrânica é a que, até ao
momento, demonstra benefícios na sua recomendação a indivíduos com AR. Contudo,
ainda não é claro, que aspeto desta dieta é responsável por tais efeitos observados.
Estes benefícios podem estar associados ao baixo consumo de carne vermelha ou à
inclusão de frutas e vegetais, naturalmente ricos em antioxidantes. (3) Outro ponto de
destaque, é o facto de estes doentes apresentarem um risco acrescido no
desenvolvimento de doenças cardiovasculares, sendo a dieta mediterrânica capaz de
prevenir o desenvolvimento deste tipo de doenças.(4) É possível verificar igualmente, os
efeitos benéficos aquando da ingestão de doses moderadas a altas de ácidos gordos ω-
3 (EPA e DHA), em vários parâmetros da atividade da doença4. Os ácidos gordos ω-3
têm demonstrado efeitos protetores contra as doenças cardiovasculares, podendo
apresentar efeitos positivos secundários nestes doentes, e uma ação anti-inflamatória,
podendo diminuir a atividade, sintomatologia e progressão da doença na AR.(5)

Osteoartrose

A relação entre a obesidade e a osteoartrose (OA), principalmente a do joelho, está


bem documentada em vários estudos, tanto transversais como longitudinais.
Relativamente a outras articulações, como as da coluna lombar, anca, tornozelos e pés,
é menor o número de estudos relacionando a obesidade e a Osteoartrose, e os seus

142
3.8. Alimentação na Pessoa com DRM

resultados revelam existir uma menor associação entre elas. (6) A obesidade, além de
provocar agravamento dos sintomas, pode ser a causa da Osteoartrose, por provocar
rutura mecânica, incluindo a compressão da articulação e alterações do alinhamento.
Contudo, esta associação entre a obesidade e a osteoartrose vai para além da
sobrecarga mecânica causada pelo excesso ponderal, o que é evidente no caso da
Osteoartrose das mãos, cujas articulações não estão sujeitas a sobrecarga e, apesar
disso, são geralmente afetadas pela doença, sugerindo ser o estado inflamatório crónico
presente na obesidade um dos seus fatores etiológicos. Para utentes com sobrecarga
ponderal, a redução de peso é fundamental. A associação entre a síndrome metabólica,
diabetes tipo 2 e risco ou progressão de OA pode explicar parcialmente o benefício da
correção da dislipidemia, aumentando o consumo de ácidos gordos ω-3 ou suplementos
de óleo de peixe. Uma forte associação entre OA e colesterol sérico elevado, juntamente
com efeitos clínicos em usuários de estatinas, sugere um benefício potencial da redução
do colesterol por meio da dieta.(7)

Fibromialgia

A fibromialgia é uma doença reumática crónica caracterizada por dor generalizada


de etiologia desconhecida, com grande impacto na qualidade de vida. Uma das
preocupações na abordagem é melhorar o bem-estar geral do utente e a sua qualidade
de vida. As recomendações para a fibromialgia passam por uma abordagem
multidisciplinar, na qual a nutrição pode desempenhar um importante papel.(8–11) Uma
comorbilidade frequente na fibromialgia é a Síndrome do Intestino Irritável (SII),
reportada em cerca de 70% dos utentes com fibromialgia.(8,9) A SII é uma alteração
gastrointestinal crónica funcional, que se caracteriza por dor abdominal e alterações do
trânsito intestinal. A dieta baixa em FODMAPs (hidratos de carbono fermentáveis:
oligossacáridos, dissacáridos, monossacáridos e polióis) tem sido estudada com bons
resultados em utentes com SII10,11. Os estudos mostram que os utentes com
fibromialgia e SII que fazem uma dieta baixa em FODMAPs apresentam uma melhoria
significativa dos desconfortos gastrointestinais, acompanhada por uma melhoria das
queixas gerais da fibromialgia com diminuição na escala da dor. (5,11) Esta dieta poderá
ser uma terapia promissora na abordagem nutricional da fibromialgia. A nutrição pode
desempenhar ainda um papel importante na gestão do peso, uma vez que a obesidade
é um fator comum nos utentes com fibromialgia. Ainda não é claro, se a obesidade
ocorre como consequência das limitações físicas que tornam estes utentes mais
sedentários, ou se existe algum contributo da obesidade para o desenvolvimento da
fibromialgia. No entanto, já se verificou que o excesso de peso pode ter implicações nos
sintomas da fibromialgia. A composição corporal, nomeadamente o Índice de Massa

143
A. Cardoso & R. Fernandes

Corporal (IMC) e percentagem de massa gorda estão correlacionados com a qualidade


de vida e com a severidade dos sintomas dos utentes com fibromialgia.(8–11)

Figura 1 – Tabela de exemplos de alimentos com alto e baixo teor de FODMAP

Osteoporose

A alimentação desempenha um papel fundamental na aquisição da massa óssea e


na constituição dos tecidos de suporte, desde o nascimento até atingir o seu pico na
idade adulta, sendo que depois é essencial na manutenção dos nutrientes necessários
ao metabolismo ósseo para a prevenção da Osteoporose.(12,13) Entre os nutrientes mais
importantes na prevenção da osteoporose, destacam-se os minerais como o cálcio, o
magnésio, a sílica, o manganês, o cobre, o zinco e o ferro, e as vitaminas D, C e K16,17.
No entanto, há ainda outros fatores que podem afetar o balanço do cálcio, como o
exercício (podendo haver necessidades acrescidas e essencial para a irrigação dos
nutrientes ao osso), a ingestão excessiva de proteínas e de sódio, que podem promover
a excreção urinária elevada de cálcio).(14–16) A presença excessiva de antinutrientes na
dieta presentes nos cereais integrais, como os fitatos ou os oxalatos, limitam a absorção
de minerais, tendo um impacto desfavorável na absorção do cálcio e magnésio. O tipo
de fibra alimentar, como os prebióticos presentes em frutas, verduras e alimentos
industrializados enriquecidos, aumentam a absorção de cálcio no intestino.(14,17) A baixa
exposição solar, é crucial na ativação da vitamina D por forma a ser funcional. As doses
diárias recomendadas (DDR) variam consoante a idade e situação clínica. As
recomendações para a ingestão de cálcio variam entre 700 e 1300 mg nos grupos de
maior risco (crianças, gravidas e idosos).(18) A DDR de cálcio nos adultos é de
1000mg/dia, sendo que a partir dos 50 anos, aumenta para os 1200mg/dia.(18–20) A DDR
para a vitamina D encontra-se entre os 200-800 UI diárias.(18) As crianças e adultos

144
3.8. Alimentação na Pessoa com DRM

necessitam entre 200 a 400 UI de vitamina D, por dia, sendo que a partir dos 50 e 70
anos estas necessidades aumentam para 400 e 600 UI/dia, respetivamente, atingindo
as 800 UI em situações de Osteoporose identificada.(18–20)

Gota/Hiperuricemia

A gota é uma doença microcristalina provocada pela deposição de cristais de ácido


úrico nas articulações. As recomendações atuais baseiam-se principalmente no
tratamento farmacológico, enquanto a intervenção dietética tem sido menos
enfatizada. Contudo, a intervenção nutricional têm demonstrado eficácia na redução
dos níveis de ácido úrico, podendo ser um importante coadjuvante no tratamento
destes doentes.(21) A gota está intimamente relacionada com o síndrome metabólico,
sendo que a prevalência desta síndrome nos utentes com gota é de 62,8%. Modificações
dietéticas podem impactar positivamente na hiperuricemia e nas crises de gota, bem
como na síndrome metabólico.(21) As atuais diretrizes dietéticas no tratamento da gota
recomendam uma redução de carnes vermelhas, vísceras e mariscos (≤1x/sem).(21–23) Os
ovos e a carne de aves são fontes proteicas de baixo risco, quando usadas com
moderação.(21) Por outro lado, as purinas derivadas de carnes animais conferem maior
risco de crises agudas de gota recorrentes do que aquelas derivadas de fontes
vegetais.(23) É recomendada também uma redução dos alimentos ricos em frutose
(incluindo bebidas açucaradas), dado que a frutose aumenta a produção de ácido úrico
e reduz também a sua excreção.(21–24) O risco de gota difere com o tipo e a quantidade
de álcool ingerido, sendo que o vinho não parece ser associado com o aumento dos
uratos, enquanto a cerveja e licores parecem aumentar o urato sérico.(21) No âmbito dos
alimentos cujo consumo deve ser promovido no tratamento da gota, os peixes gordos
devem ser considerados, pois apesar da sua ingestão contribuir para os níveis de urato
sérico, o seu conteúdo rico em ácidos gordos omega-3 promove a redução da
inflamação induzida pelos cristais de urato monossódico.(21,23) Produtos à base de cereja
poderão ser benéficos na redução do risco de crises de gota em 35-45%.(21,23,25) A
suplementação com vitamina C (>500 mg/d) poderá ser útil, tendo-se verificado uma
diminuição do risco de incidência de gota pelos seus efeitos uricosúricos, com maior
impacto em doses mais elevadas.(23,26) O consumo de 4 a 6 chávenas de café diárias
(incluindo descafeinado) mostrou contribuir para a redução do ácido úrico sérico,
contudo a iniciação da toma de café poderá exacerbar as crises de gota.(21,23) Um correto
aporte hídrico (8 a 16 copos/d) é essencial para garantir a excreção úrica. (21,23,27) A
evidência aponta ainda que deve existir uma preferência por produtos lácteos com
baixo teor em gordura, proteínas vegetais, frutos secos, vegetais, leguminosas, cereais
integrais, frutas com pouco açúcar e óleos vegetais.(21–24) A obesidade é reconhecida
como um fator de risco para a incidência de gota26, existindo forte evidência que a

145
A. Cardoso & R. Fernandes

perda de peso é uma mudança necessária em utentes com gota, reduzindo a frequência
das crises agudas, melhoria dos sintomas, alívio da dor, função física e qualidade de
vida.(21,23,24)

Em suma, o aconselhamento nutricional direcionado ao doente reumático deve


focar-se em assegurar uma alimentação completa, equilibrada e variada, com inclusão
de alimentos com características anti-inflamatórias, imunomodeladoras, e restrição de
alimentos com propriedades pró-inflamatórias envolvidos em processos oxidativos,
degenerativos e apoptóticos. A alimentação deve portanto garantir o equilíbrio do
aporte proteico, glucídico, lipídico e vitamínico-mineral e ser rica em antioxidantes,
fitoesteróis, fibra, ácidos gordos polinsaturados ω-3, prébióticos naturais, próbióticos,
alimentos funcionais, e se necessário recorrer à suplementação alimentar, de forma a
reduzir a severidade da sintomatologia, a evolução da própria doença e o
desenvolvimento de patologias associadas. A educação individualizada do doente, com
foco na alteração do estilo de vida, visando os fatores de risco, suas consequências e
opções de tratamento, aumenta a compliance às terapêuticas, tanto nutricional como
farmacológica.

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147
148
4

IMPORTÂNCIA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS DE


ENFERMAGEM NO APOIO À TOMADA DE DECISÃO

149
150
(Voltar ao Índice)

4. IMPORTÂNCIA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS DE


ENFERMAGEM NO APOIO À TOMADA DE DECISÃO

Cármen Nogueira1 e António M. Marques2

As pessoas necessitam de respostas específicas de enfermagem; se os enfermeiros


não se apropriarem de um enquadramento concetual que enforme as suas práticas os
cidadãos serão prejudicados na obtenção de ganhos em saúde.
A teoria de Afaf Meleis reúne dimensões que orientam a prática profissional do
enfermeiro com vista a ajudar a pessoa a viver transições saudáveis.
Dorothea Orem parte da premissa de que a pessoa é capaz de cuidar de si.
Sistematiza o exercício de enfermagem partindo das ações de autocuidado, o défice de
autocuidado, até ao nível de intervenção dos enfermeiros.
Os referenciais de cuidados assumem-se como fulcrais para orientar a prática
profissional, garantindo qualidade com obtenção de resultados em enfermagem e em
saúde.

Palavras-chave: Mandato social, tomada de decisão, teoria das transições, teoria


do autocuidado.

Objetivos de aprendizagem:
• Reconhecer o enquadramento conceptual como imprescindível para o
cumprimento do mandato social dos enfermeiros;
• Compreender o enquadramento conceptual como estruturante da abordagem à
pessoa, nomeadamente com doença crónica.
• Compreender qual o enquadramento conceptual relevante para a resposta à
pessoa com doença crónica e as principais orientações que proporciona para o
exercício profissional.

1
Enfermeira da Unidade de Inovação e Desenvolvimento (UID) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra E.P.E.
(CHUC).
2
Enfermeiro Gestor com Funções de Direção e Coordenador do Núcleo de Investigação em Enfermagem (NIE) do CHUC

151
C. Nogueira & A. M. Marques

Durante décadas, decorrente de razões históricas e do conhecimento disponível, a


formação, quer inicial quer contínua, centrava-se nas doenças e em listas de cuidados
associados à doença, e, por isso, na resposta a problemas ao nível da função física,
enfim, numa perspetiva biomédica.
Deste enquadramento, apesar da tão propalada abordagem holística, resultava uma
resposta de enfermagem profundamente incompleta, ao não considerar as diversas
necessidades da pessoa, rematando invariavelmente as listas de afazeres com uma frase
tão batida quanto vazia de sentido: apoio psicológico. Enfim, uma espécie de
medicagem, ou outra aragem dominante nos contextos da prática, capaz de arrastar a
enfermagem por não dispor de raízes arraigadas no solo seguro da sua disciplina
própria.
Felizmente, desde o início do século, que a enfermagem portuguesa tem refletido e
explicitado o seu enquadramento conceptual e dele temos recebido um conjunto de
clarificações estruturantes relativamente ao escopo e modo de ação dos enfermeiros:
- A da singularidade, dignidade e autodeterminação da pessoa. Dado que é um ser
social e agente intencional de comportamentos baseados em valores, crenças e desejos
individuais, o que torna cada pessoa única, com dignidade própria e direito a
autodeterminar-se. Na medida em que cada pessoa, na procura de melhores níveis de
saúde, desenvolve processos intencionais, baseados nos seus valores, crenças e desejos,
cada uma vivencia um projeto de saúde, transformando e integrando as alterações da
sua vida quotidiana no seu projeto de vida.(1)
- A da dinâmica e subjetividade individual da saúde. Dado ser o estado e,
simultaneamente, a representação mental da condição individual, do controlo do
sofrimento, do bem-estar físico e do conforto, emocional e espiritual (idem).
- A das características únicas do cuidar em enfermagem como, o seu carater
essencialmente interpessoal, a sua dependência da parceria com a pessoa cuidada como
estratégia estruturante para a proatividade na consecução do seu projeto de saúde, a
abordagem científica sistémica e sistemática da tomada de decisão, desde a
identificação das necessidades de cuidados de enfermagem ao planeamento das
intervenções e sua avaliação, abrangendo, ao longo de todo o ciclo vital, a prevenção da
doença e a promoção da majoração da saúde; procurando a satisfação das necessidades
humanas fundamentais e a máxima independência possível na realização das atividades
da vida; nomeadamente através da adaptação funcional aos défices e a múltiplos
fatores – frequentemente através de processos de aprendizagem do cliente, no seu
enquadramento familiar e comunitário.(1)
Ora este enquadramento conceptual vem deixar clara a grave insuficiência da
abordagem centrada nas funções físicas, alienada da pessoa na sua complexidade e
diversidade de necessidades, e demandar a procura de modelos teóricos que
proporcionem orientações para um exercício profissional competente de acordo com o
mandato social amplo e exigente para profissão.

152
4. Importância dos Referenciais Teóricos em Enfermagem no Apoio à Tomada de Decisão

1. Teoria das Transições


A Teoria das Transições de Afaf Meleis centra-se nas respostas humanas aos
processos de vida, de saúde e de doença,(2) constituindo-se um guia conceptual na
abordagem à pessoa com doença crónica. A transição pressupõe a passagem ou
movimento de um estado, condição ou lugar, para outro (Idem). As transições entram
no domínio da enfermagem ‘quando se relacionam com a saúde ou doença ou quando
as respostas da transição se manifestam em comportamentos relacionados com a
saúde’(3) (p. 37).
A transição não é entendida enquanto evento, mas a reorientação e autodefinição
vivenciada pelas pessoas para incorporar mudança nas suas vidas.(4)
Abordando os conceitos metaparadigmáticos da disciplina na Teoria das Transições
de Afaf Meleis, vemos incorporados sete conceitos centrais: a interação, o cliente, as
transições, o processo de enfermagem, o ambiente, as terapêuticas de enfermagem e a
saúde.(5)
A Teoria das Transições reúne seis componentes, a citar: tipos e padrões de
transições, propriedades das transições, condições da transição, indicadores de
processo, indicadores de resultado e terapêuticas de enfermagem. (4)

Figura 1 - Relações entre os seis componentes da teoria

Fonte: Brito M. A reconstrução da autonomia após um evento gerador de dependência no autocuidado – uma teoria explicativa.
Universidade Católica Portuguesa do Porto; 2012. (p. 48) (6)

As componentes da Teoria das Transições constituem-se definidores da direção na


abordagem dos enfermeiros à pessoa que vivencia transições, neste contexto de

153
C. Nogueira & A. M. Marques

reflexão, na pessoa que vivencia uma transição de saúde doença que se manterá ao
longo do tempo.
A utilização desta teoria ‘na descrição das necessidades em cuidados de enfermagem
facilita a identificação de padrões, das propriedades, das respostas, dos contextos, dos
significados e dos resultados, com a finalidade de planear e implementar cuidados de
enfermagem efetivos’ (6) (p. 48).
Quando nos centramos na natureza das transições, esta estrutura permite a
identificação do tipo e padrão da transição que está a ocorrer e ainda as suas
propriedades. A consciencialização, o envolvimento, a mudança e diferença, o tempo e
pontos e eventos críticos - as propriedades das transições - são condições
determinantes para o processo de transição.
O enfermeiro tem um papel preponderante enquanto promotor e motivador da
integração sucessiva destas dimensões, desenvolvendo ações de promoção da
consciencialização, de incentivo ao envolvimento, de apoio na análise e transformação
dos eventos críticos, minimizando resultados negativos no decurso da experiência de
transição. Sem que a pessoa tenha consciência da mudança que está a acontecer não é
possível falarmos em transições, sendo que o tempo é também um fator determinante.
Outra componente da teoria é: condições facilitadoras e inibidoras, a saber:
significados, volição, crenças culturais e atitudes, status socioeconómico, preparação e
conhecimento. A ação do enfermeiro será no sentido de potenciar as condições
facilitadoras e minimizar as inibidoras, nomeadamente no apoio à identificação dos
significados e crenças dificultadoras, no incremento dos níveis de preparação e
conhecimento, na mobilização de recursos, quer pessoais, quer da comunidade.
Os padrões de resposta constituem-se indicadores de processo e de resultado e
revelam o sentido da transição. O enfermeiro assume uma ação de facilitador para a
obtenção de resultados nestes domínios conducentes a uma transição saudável,
promovendo a melhor adaptação à condição de doença crónica.
Agregando todo o tipo de componentes da estrutura surgem as terapêuticas de
enfermagem. As terapêuticas de enfermagem implicam a ação intencional dos
enfermeiros no assistir as pessoas a lidarem com as transições, na antecipação de
respostas, na orientação, na melhoria de sintomas, na promoção da saúde e do bem-
estar e no suporte ao desenvolvimento de ações de autocuidado;(14) incorporam os
objetivos e as intervenções.
Em síntese podemos considerar que ‘A compreensão das propriedades e das
condições inerentes aos processos de transição conduzem ao desenvolvimento de
terapêuticas de enfermagem congruentes com as experiências individuais dos clientes e
das famílias, promovendo respostas saudáveis à transição. As experiências de transição
são multidimensionais, sendo consideradas processos cognitivos, comportamentais e
interpessoais que fluem ao longo do tempo, numa trajetória saudável ou não saudável’(7)
(p. 59).

154
4. Importância dos Referenciais Teóricos em Enfermagem no Apoio à Tomada de Decisão

2. Teoria de Enfermagem do Défice de Autocuidado

O autocuidado impõe-se como um conceito central da disciplina de enfermagem.


Dorothea Orem desenvolveu uma teoria, com múltiplas dimensões, integrando
enquanto elementos-chave: autocuidado e agente de autocuidado, défice de
autocuidado e sistema de cuidados de enfermagem,(8) incorporando vários conceitos
centrais que desenvolveremos ao longo do texto.
A Teoria de Enfermagem do Défice de Autocuidado engloba três teorias
interrelacionadas: Teoria do Autocuidado – ‘exprime o objetivo, os métodos e o
resultado de cuidar de si próprio’, Teoria do Défice de Autocuidado – ‘estabelece a razão
para uma pessoa poder beneficiar da enfermagem’, Teoria dos Sistemas de Enfermagem
– ‘teoria unificadora e inclui todos os elementos essenciais’ (9) (p. 217).

Figura 2 – Representação esquemática da Teoria de Enfermagem do Défice de


Autocuidado

Fonte: Taylor S. Dorothea E. Orem: Teoria do Défice de Auto-Cuidado de Enfermagem. Em: Tomey A, Alligood M, editores. Teóricas de
Enfermagem e sua Obra: Modelos e Teorias de Enfermagem. 5.a ed. Loures, Portugal: Lusociência; 2004. p. 214 (adaptado,
responsabilidade dos autores). (9)

Orem toma a pessoa enquanto um ‘ser funcionando biológica, simbólica e


socialmente, e que apresenta exigências de autocuidado universais, de
desenvolvimento, e ligadas aos desvios de saúde’ (8) (p. 52) - é um agente de autocuidado;
os cuidados de enfermagem são definidos enquanto ‘campo de conhecimentos e serviço
humano que visa satisfazer os limites da pessoa no exercício do autocuidado, ligado à
sua saúde, e reforçar as suas capacidades de autocuidado (Idem).
O Autocuidado é definido como ‘atividade executada pelo próprio com as seguintes
características definidoras: tratar do que é necessário para manter, manter-se

155
C. Nogueira & A. M. Marques

operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e íntimas e as atividades de


vida’(10) (p. 41). Orem (2001)(11) refere-se ao autocuidado enquanto uma ação
deliberadamente realizada pelas pessoas para regularem o seu próprio funcionamento
e desenvolvimento, ou dos seus dependentes; denota a capacidade da pessoa iniciar e
executar ações voltadas para o cuidado de si.
A Teoria do Autocuidado explicita como e porquê as pessoas cuidam de si.(9) No
contexto de doença crónica alguns dos pressupostos desta teoria relevam, cito (Orem,
1991, cit. Bastos, 2012, p.45) (3):
‘- Todos os seres humanos têm o potencial para desenvolver
conhecimentos e competências e de manter a motivação necessária para
o autocuidado e para o cuidado com os membros dependentes;
- A forma de satisfação das necessidades de autocuidado tem uma
componente cultural, social e individual;
- As ações de autocuidado são planeadas em função do que se
pretende e requerem intencionalidade. São condicionadas pelo
conhecimento, habilidades e baseadas na premissa que os indivíduos
sabem quando precisam de realizar ações específicas e quando
necessitam de pedir ajuda;
- Os indivíduos procuram saber e desenvolvem formas de satisfazer as
necessidades de autocuidado.’
Um dos conceitos centrais da teoria são os Requisitos de Autocuidado, onde se
inserem os Requisitos Universais, os Requisitos de Desenvolvimento e os Requisitos de
Autocuidado no Desvio de Saúde. Na condição de doença crónica referimo-nos aos
requisitos de desvio de saúde. Estes não são indissociáveis entre si e por tal, o
comprometimento de um tipo de requisitos tem implicações nos outros tipos, exigindo
da pessoa novos ajustes ao seu projeto de saúde.
Orem identifica os domínios importantes para a pessoa cuidar de si: habilidades
cognitivas; capacidade física; atitude, valores, desejo, motivação, perceção da
competência; habilidade para executar os comportamentos de autocuidado. Estes
domínios são determinantes para orientar a ação do enfermeiro. A intervenção tem que
ser efetiva e centrada nos domínios da pessoa que estão a condicionar o autocuidado.
A condição de doença crónica tem impacto nas atividades, expectativas, desejos e
projetos de vida da pessoa, podendo perturbar o seu quotidiano de vida.(12)
A Teoria do Défice de Autocuidado descreve e explica por que razão as pessoas
podem ser ajudadas através da enfermagem. O défice de autocuidado reporta-se à
relação entre a necessidade de autocuidado terapêutico da pessoa com a ausência de
capacidade para a sua execução, com o objetivo de manter a vida, a saúde e o bem-
estar.(11) Este é um conceito central e fundamenta-se sobretudo nos requisitos de
autocuidado; são necessários cuidados de enfermagem quando existe um hiato entre o

156
4. Importância dos Referenciais Teóricos em Enfermagem no Apoio à Tomada de Decisão

que a pessoa consegue realizar e o que necessita de ser realizado para manter o
funcionamento desejado.
A ação dos enfermeiros consubstancia-se na incapacidade da pessoa para manter a
quantidade e a qualidade de autocuidado necessário, acrescendo-se os momentos em
que a pessoa tem de incorporar medidas prescritas de autocuidado que exigem
conhecimento e habilidades especializadas.(11)
Orem identifica cinco métodos de ajuda: agir ou fazer por outra pessoa, guiar e
orientar, proporcionar apoio físico e psicológico, proporcionar e manter um ambiente
de apoio ao desenvolvimento pessoal; ensinar. (13)
Por fim, a Teoria dos Sistemas descreve e explica as relações que têm que ser criadas
e mantidas para que se produza enfermagem.
Orem(11) define três sistemas de enfermagem: Sistema Totalmente Compensatório
(a pessoa não consegue envolver-se nas ações de autocuidado, tornando-se
socialmente dependente de outros para o autocuidado), Sistema Parcialmente
Compensatório (o enfermeiro compensa as limitações da pessoa no autocuidado;
ambos – pessoa ou enfermeiro – podem ter um papel principal na realização das tarefas
de autocuidado) e Sistema de Apoio-Educação (a pessoa tem capacidade para o
autocuidado, necessitando de apoio, orientação e instrução do enfermeiro para o
exercício e desenvolvimento da atividade de autocuidado).
Esta teoria vincula a intervenção de enfermagem objetivando a forma como o
enfermeiro dá resposta às necessidades de autocuidado (reias ou potenciais) e
capacidade de execução da pessoa na concretização do autocuidado. Fundamenta-se
numa ação deliberada, que incorpora a intencionalidade e dimensões de diagnóstico,
prescrição e regulação.(9)
Na pessoa com doença crónica com DRM, a ação do enfermeiro será centrada em
muni-la de conhecimentos e habilidades de modo a responder às necessidades que
emergiram com a doença. É o enfoque no sistema de enfermagem de apoio- educação,
integrando todos os domínios que contribuem para a gestão do autocuidado.

Nota final
Podemos sintetizar a importância do enquadramento conceptual para a tomada de
decisão clínica dos enfermeiros, citando: ‘Através da identificação da necessidade de
cuidados é possível nomear o que se pretende fazer, para de seguida se explicar, de
acordo com a intenção do enfermeiro, como fazer, quando fazer e de que modo
desenvolver essas ações’(12) (p. 48).
Compreendemos que uma visão centrada na função física é extremamente redutora
das respostas específicas de enfermagem (que mais nenhum profissional pode
proporcionar) às necessidades da pessoa com doença crónica. Focos de atenção da
prática de enfermagem como a aceitação do estado de saúde, os comportamentos de
adesão e a gestão do regime terapêutico, não têm resposta resumida a intervenções do

157
C. Nogueira & A. M. Marques

tipo ensinar, que até podem ser inglórias se a pessoa nem sequer tem consciência da
sua condição de saúde e das implicações desta para a sua vida.
Desta visão, efetivamente holística, dependem os ganhos em saúde da pessoa com
doença crónica (sem aceitação do estado de saúde comprometido, adesão ao regime
terapêutico, ganhos em conhecimentos e capacidades para a gestão do regime
terapêutico, sem gestão do regime terapêutico comprometido, etc). Ganhos estes, que
sendo da pessoa, são também estruturais para o sucesso do papel de outros grupos
profissionais.

Referências bibliográficas

1. Ordem dos Enfermeiros. Conselho de Enfermagem – Padrões de Qualidade. Lisboa, Portugal: Ordem dos
Enfermeiros; 2001.
2. Chick N, Meleis A. Transitions: A Nursing Concern. Em: School of Nursing Departmental Papers [Internet].
Pennsylvania; 1986. Disponível em: http://repository.upenn.edu/nrs/9
3. Bastos F. A pessoa com doença crónica: uma teoria explicativa sobre a problemática da gestão da doença
e do regime terapêutico. Universidade Católica Portuguesa do Porto; 2012.
4. Meleis A, et al. Experiencing Transitions: An Emerging Middle Range Theory. Adv Nurs Sci. 2000;23(1):12–
28.
5. Nunes L. Para uma Epistemologia de enfermagem. 2. a ed. Loures, Portugal: Lusociência; 2018.
6. Brito M. A reconstrução da autonomia após um evento gerador de dependência no autocuidado – uma
teoria explicativa. Universidade Católica Portuguesa do Porto; 2012.
7. Melo E, et al. Tomada de Decisão em Enfermagem no CHUC: O percurso da mudança 2012-2016. Coimbra,
Portugal: CHUC; 2017.
8. Lopes M. Concepções de Enfermagem e Desenvolvimento Sócio-Moral: alguns dados e implocações. 2.a
ed. Lisboa, Portugal: Associação Portuguesa de Enfermeiros; 2001.
9. Taylor S. Dorothea E. Orem: Teoria do Défice de Auto-Cuidado de Enfermagem. Em: Tomey A, Alligood M,
editores. Teóricas de Enfermagem e sua Obra: Modelos e Teorias de Enfermagem. 5. a ed. Loures, Portugal:
Lusociência; 2004. p. 211–35.
10. International Council of Nurses. Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem. Ordem dos
Enfermeiros, editor. 2011.
11. Orem D. Nursing: concepts of practice. St. Louis, Missouri: Mosby; 2001.
12. Pereira I. Do hospital para casa: estrutura da ação de enfermagem. Uma teoria de médio alcance.
Universidade Católica Portuguesa do Porto; 2011.
13. George J, et al. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4.a ed. Artmed; 2000.
14. Meleis A. Transitions Theory: Middle range and situation specific theories in nursing research and practice.
New York, USA: Springer Publishing Company; 2010.

158
5
CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS
CUIDADOS À PESSOA COM DRM

5.1. Consulta Externa

5.2. Hospital de Dia

5.3. Unidade de Técnicas

5.4. Ensaios Clínicos

5.5. Internamento

159
160
(Voltar ao Índice)

5.1. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS


CUIDADOS À PESSOA COM DRM:

CONSULTA EXTERNA

Georgina Pimentel1 e Bruno Máximo2

A necessidade de viver com uma DRM é um desafio enorme, exigindo ao doente e


família um processo de transição saudável.

A consulta de enfermagem em reumatologia constitui-se como um serviço


hospitalar, estruturado e coordenado numa equipa multidisciplinar empenhada nesta
problemática, que visa garantir que todos os doentes com diagnóstico de doença
reumática são avaliados e orientados da forma mais eficaz para minimizar as
complicações associadas à doença.

O enfermeiro na consulta externa de reumatologia distribui-se pela atividade


assistencial, ensaios clínicos, formação, investigação e atividades de extensão à
comunidade.

Palavras-chave: consulta de enfermagem, DRM, capacitação, autogestão.

Objetivos: de aprendizagem:

• Identificar as intervenções de enfermagem ao doente com doença reumática;


• Reconhecer os processos de transição associados ao doente com doença reumática;
• Aconselhar e apoiar adequadamente os doentes em relação a estratégias de
autogestão da sua doença crónica;
• Saber quando encaminhar um doente para outro profissional de saúde.

1
Enfermeira no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E..
2
Enfermeiro com experiência na Consulta de Enfermagem em Reumatologia do Hospital Beatriz Ângelo.

161
G. Pimentel & B. Máximo

O serviço de Reumatologia integra enfermeiros na sua equipa de consulta externa,


que trabalham em cooperação próxima com a equipa multidisciplinar. Os enfermeiros
devem ter formação na área e podem atuar como elemento de ligação entre os doentes
e outros membros da equipe multidisciplinar, onde assumem um papel de coordenação
dos cuidados de forma eficaz e segura.(1)

A EULAR emanou, na última década, várias recomendações que enfatizam a


importância do seguimento do doente pelos enfermeiros, integrados na restante equipa
multiprofissional.(2) Estas recomendações focam-se na necessidade de proporcionar ao
doente e família educação, sobre a doença e o processo terapêutico, prevenção de
complicações, promoção da atividade física, proteção articular e a promoção da
autogestão da doença e da sintomatologia, como a dor, entre outros focos de atenção
e intervenção.

Pretende-se com a consulta de enfermagem melhorar a adesão dos doentes ao


plano terapêutico individualizado, farmacológico e não farmacológico, de forma a
atingir tão rapidamente quanto possível o estado de remissão da doença e do seu
impacto na vida da pessoa, maximizando a felicidade e bem-estar individuais (que não
se resume apenas ao estado inflamatório reduzido ou mesmo, à “não doença”).

CONSULTA DE ENFERMAGEM

Existe forte evidência de que os enfermeiros, com formação acrescida em


reumatologia, são eficazes no atendimento a utentes com artrite reumatóide (AR).(3)
Nesta interação, o enfermeiro incentiva o doente para o autocuidado, através de
técnicas que têm como objetivo promover no doente a aprendizagem e a mudança
comportamental face à situação.

Para operacionalizar uma consulta de enfermagem é necessário:

• Criar um espaço físico


• Definir horários de funcionamento
• Criar normas de atuação do enfermeiro na consulta
• Elaborar um plano de atividades de enfermagem
• Divulgar à equipa e ao doente o objetivo da consulta de enfermagem
• Definir critérios de referenciação para a consulta de enfermagem
• Elaborar/adquirir material de informação e educação sobre a doença
reumática
• Elaborar um guia de acolhimento para os doentes/prestador de cuidados
• Existência de um sistema informatizado de registos da instituição,
parametrizados para a consulta de enfermagem de reumatologia.

162
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Intervenções de enfermagem:

• Avaliação para elaboração de um plano de cuidados:


 Dor (EVA)
 Capacidade funcional (HAQ, BASFI, etc.)
 Risco cardiovascular - SCORE
 Risco de depressão – HADS
 Risco de fraturas e quedas - FRAX e MORSE
 Risco de infeção – validar o Plano Nacional de Vacinação, cuidados de higiene
básicos
• Ensinos sobre a doença e o processo terapêutico
• Ensinos sobre a autoadministração de medicação subcutânea
• Preenchimento ou capacitação para preenchimento de PROMS
• Ensinos sobre o autocuidado
• Estratégias não farmacológicas (dor, capacidade funcional, fadiga, sono e
repouso, bem-estar físico e emocional).

Pretende-se educar o doente e/ou prestador de cuidados para:

• Gestão do regime terapêutico (medicamentoso/exercício/alimentação)


• Adesão ao regime terapêutico
• Conhecimento sobre a mensuração da atividade da doença (para mais
informações consultar o capítulo da Metrologia)
• Promover o autocuidado
• Promover o processo de aceitação da doença
• Integrar e capacitar o prestador de cuidados para o processo de cuidados
• Promover o bem-estar e qualidade de vida do doente e família/prestador de
cuidados.

Estratégias a utilizar

Os cuidados de enfermagem podem ter diversas abordagens na prática,


dependendo da subjetividade do doente, da sua condição, das suas necessidades
específicas e da organização e disponibilidade de profissionais de saúde da instituição.
Múltiplos profissionais de saúde podem estar envolvidos nos cuidados ao mesmo tempo
ou posteriormente, com modos informais de comunicação. Por conseguinte, temos à
disponibilidade várias estratégias para o acompanhamento do doente/prestador de
cuidados.

Consultas individuais, que privilegiam a adaptação ao estado de saúde, a realização


de ensinos a promoção da gestão e adesão ao regime terapêutico, o ensino e apoio ao
processo terapêutico, prevenção de complicações, entre outros; quando a consulta de

163
G. Pimentel & B. Máximo

enfermagem é realizada de forma programada, deve ser realizada no mesmo dia da


consulta médica, para que esteja disponível toda a informação para a decisão clínica.

Consultas em interdisciplinaridade, onde o doente tem a oportunidade de usufruir


de uma consulta com o enfermeiro e outro profissional de saúde (médico, psicólogo,
etc.) no mesmo momento, para a elaboração do plano de cuidados individualizado;

Sessões grupais, que abordarão um conjunto nuclear de temas identificados como


relevantes para aquele grupo de doentes; a maioria das intervenções educacionais,
dentro do contexto dos cuidados de saúde, são realizadas por profissionais de saúde,
embora utentes treinados também podem estar envolvidos na realização de algumas
intervenções educacionais.(4)

Teleconsultas (telefone e videochamada), tendo em atenção os princípios


fundamentais na prática da teleconsulta, no sentido de respeitar a relação entre o
profissional de saúde e o doente, mantendo a confiança mútua, a independência de
opinião do profissional, a autonomia do utente e a confidencialidade.(5) A atual
tecnologia de informação e comunicação oferece oportunidades para modelos
inovadores de educação dos utentes, como comunicação online interativa, telefones e
computadores em dispositivos portáteis.

A linha de apoio telefónico funciona como uma ferramenta de informação e


aconselhamento, permite um melhor atendimento, eficácia e segurança dos
tratamentos. Pode ser gerido por enfermeiros e já demonstrou que proporciona ganhos
importantes para a saúde, além de conforto para o doente.(6)

CUIDADOS DE ENFERMAGEM

As intervenções não farmacológicas e não cirúrgicas têm evidência no


acompanhamento ao doente com doença reumática.(7) Nelas inclui-se os cuidados de
enfermagem centrados no doente, com o objetivo de o capacitar, oferecendo o
conhecimento e a compreensão suficientes para que faça escolhas informadas e
participe ativamente em seus próprios cuidados.

A tomada de decisões partilhada

Os princípios da tomada de decisão partilhada permitem aos doentes e aos


profissionais de saúde tomar decisões em conjunto, com base na melhor evidência
científica disponível, bem como nos valores e preferências do doente, estão a tornar-se
a norma na gestão das doenças crónicas.(8)

164
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Promoção da saúde

Na definição da promoção de saúde somos conduzidos, antes de mais, para


um conceito muito importante que é o conceito de saúde. Para melhor percebermos o
seu conceito, olhemos para a definição dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta define saúde, como “o bem-estar físico, mental e social, mais do que a mera
ausência de doença…”. Esta definição vai, por isso, contra os conceitos de saúde, muitas
vezes, enraizados nos indivíduos, que assumem que estar saudável é apenas não
apresentar qualquer doença. Portanto, a abordagem da doença crónica através da
prevenção permite promover a qualidade de vida das pessoas, das famílias e das
comunidades.

Na consulta de enfermagem é importante promover hábitos de saúde saudável, de


forma a combater as comorbilidades, controlar a atividade da doença, evitar a sua
progressão.

• Dieta e controlo do peso


• Higiene oral
• Evitar sedentarismo
• Atividade física regular
• Ergonomia e conservação articular
• Descanso físico e mental
• Uso correto de fármacos
• Abandono do consumo de tabaco, álcool e substâncias ilícitas
• Adotar uma atitude positiva na vida.

Autogestão

Define-se como a gestão das consequências clínicas e psicossociais, a par das


mudanças de estilo de vida inerentes a viver com uma condição crónica (Ver Capítulo
6.2.). Ajudar o doente a gerir a sua doença reumática, significa capacitá-lo para
compreender como os seus pensamentos influenciam o seu comportamento e humor e
explorar diferentes formas de ver e lidar com a sua doença. Um das estratégias é
estimular os doentes a estabelecer os seus próprios objetivos, com a ajuda dos
profissionais de saúde.(9)

O apoio à autogestão pode ser fornecido através da educação do utente (Ver


Capítulo 3.1.) que é oportuna e relevante para suas necessidades individuais. A
educação dos utentes é, portanto, uma parte considerável do gerenciamento de
doenças da maioria das condições reumáticas.(10)

165
G. Pimentel & B. Máximo

Educação para a Saúde

A educação dos doentes foi definida como: "um processo de aprendizagem


interativo planeado concebido para apoiar e permitir às pessoas gerir a sua vida com
artrite e otimizar a sua saúde e bem-estar".(4) É um processo que ajuda utentes e
familiares/prestadores de cuidados a participarem ativamente nos seus cuidados de
saúde, fornecendo-lhes informação sobre a sua condição, o seu tratamento e os serviços
de saúde disponíveis e a sua utilização. A participação ativa nos cuidados de saúde e a
autogestão eficaz implicam comportamentos específicos, tais como o uso de
medicamentos, regimes de exercício diário, a aplicação de técnicas de proteção das
articulações e o uso de dispositivos adaptativos e órteses, que são aprendidos através
da informação, ensino e treino.

Na avaliação das necessidades, o profissional de saúde deve também ter em mente


os determinantes óbvios das necessidades educativas, tais como o contexto educativo,
as dificuldades de aprendizagem, o tipo de apoio necessário e o estágio na trajetória da
doença, uma vez que estes são suscetíveis de influenciar os objetivos e a realização da
educação dos doentes.(11) As necessidades educacionais dos utentes são variadas e
podem estar nos domínios do conhecimento, psicossocial, da comunicação e do
comportamento.

A educação centrada no utente precisa ser sistematicamente planeada e adaptada


para atender às necessidades específicas dos utentes. As metas estabelecem o
propósito geral da educação do utente e estabelecem a base para a avaliação
subsequente.(12) A participação dos utentes no estabelecimento dos objetivos é
suscetível de os motivar e ajudar a aderir ao plano de cuidados.(13)

No que diz respeito ao conhecimento, os utentes precisam entender os conceitos


básicos de anatomia e inflamação ou processos degenerativos, como pré-requisito para
entender os objetivos, limites e riscos da terapia medicamentosa e estratégias não-
farmacológicas. Deve ser dada atenção aos sintomas comuns das DRM, incluindo dor,
fadiga e distúrbios do sono e do humor, resultando em limitações nas atividades diárias
e na participação social.(14) Os doentes precisam de compreender as várias intervenções
para aliviar estas consequências, tais como exercícios, proteção articular ou redução de
peso. Além disso, devem ser discutidos os papéis dos vários prestadores de cuidados
envolvidos na gestão da sua condição e, especialmente, o seu próprio papel na gestão
da sua doença. A tradução dos conhecimentos é melhorada se for utilizada uma
linguagem simples e não ameaçadora e se houver informação escrita disponível para
revisão posterior.

166
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Na área psicossocial, a forma de lidar com a doença relaciona-se com a confiança


sentida na gestão da sua condição reumática, podendo reduzir os sentimentos de
ansiedade e impotência.

A documentação das intervenções educativas é extremamente importante, uma vez


que ajudará a facilitar a comunicação com outros profissionais de saúde para assegurar
a continuidade dos cuidados e ajudar na avaliação futura da educação.

Investigação

Na era dos cuidados de saúde baseados em evidências, a enfermagem deve


demonstrar que os cuidados prestados estão associados a resultados ideais para o
utente e a um alto grau de qualidade e segurança. Os registos de enfermagem podem
auxiliar no desenvolvimento da prática baseada em evidências.(15) Por conseguinte, o
uso de terminologias de enfermagem padronizadas é uma das formas de otimizar a
documentação de enfermagem para gerar evidências relacionadas à prática dos
cuidados.(16)

Por outro lado, é importante a colaboração da equipa de enfermagem em projetos


de investigação e ensaios clínicos desenvolvidos pelo serviço de reumatologia.

TEMÁTICAS ABORDADAS NA CONSULTA DE ENFERMAGEM

Proteção das articulações e conservação de energia

Proteção conjunta e conservação de energia são intervenções educativas para


ajudar o utente a planear, acompanhar e realizar atividades de tal forma que a dor seja
minimizada e seu nível energético maximizado. A divisão das tarefas em períodos de
tempo mais pequenos, com períodos de descanso entre elas, posições corporais
adequadas, adaptação do ambiente de trabalho e utilização de dispositivos de
assistência, podem ter um enorme impacto na carga de trabalho.(4) Tais medidas
podem dar uma contribuição muito importante para reduzir a fadiga e a dor e
aumentar a produtividade e a satisfação do utente.

• Mudar de posição frequentemente e manter uma postura correta


• Evitar o esforço, a sobrecarga e a pressão das articulações afetadas
• Equilíbrio entre os períodos de descanso e atividade durante o dia
• Dividir as tarefas pesadas ao longo da semana (ex: passar a ferro, limpezas)
execução de tarefas a um ritmo mais lento, se for necessário

167
G. Pimentel & B. Máximo

• Utilizar as articulações maiores e mais fortes dos membros superiores para


pegar em objetos pesados, servir-se das duas mãos, com a palma das mãos
abertas e evitando o movimento de preensão dos dedos para esse efeito
• Evitar levantar objetos pesados. Se for absolutamente necessário, devem ser
seguradas junto ao corpo e não se devem elevar acima da cintura
• Se passar longas horas sentada, deve evite posturas incorretas. Usar cadeira
com a altura adequada, com apoio de cabeça e de braços
• Numa viagem longa, o condutor deve sair do veículo ao fim de meia hora e
permanecer em pé durante alguns minutos
• Evitar flexão e torção da coluna, mantendo um correto alinhamento do
esqueleto axial (bancadas de trabalho devem estar numa altura apropriada
para evitar flexão da coluna, aparelhos com cabos ajustáveis).

Ambiente físico adaptado

Ajudas técnicas, dispositivos e adaptações do ambiente físico podem ser usados para
aliviar a dor, superar limitações articulares, compensar a fraqueza muscular e aumentar
a segurança. Os objetivos finais são aliviar o sofrimento e aumentar a função e a
independência.

• Vestuário simples e prático (ex: colocar argolas nos fechos de correr, utilizar
roupa larga, de apertar à frente e de fácil vestir, evitar botões pequenos e
utilizar agasalhos tipo capa)
• Calçado confortável e resistente. Não usar chinelos. Salto ideal será entre os 2
a 4 cm. Preferir biqueira larga e palmilha para diminuir o impacto
• Não utilizar cadeiras baixas e colocar um elevador de sanita
• Carrinho de transporte de compras e aparelhos elétricos para abrir latas
• Adaptar os utensílios (ex: talheres, pentes e canetas mais leves e com pega ou
adaptador largo, antiderrapante e/ou com fixador)
• Puxador das portas e torneiras devem ser manípulo longo
• Tesouras com molas
• Barbear com máquina.

168
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Figura 1 - Adaptador para garrafas Figura 2 - Tábuas de apoio

Figura 3 - Talheres com cabo flexível Figura 4 - Faca com pega

Figura 5 - Rolo antiderrapante Figura 6 - Copos com pegas

169
G. Pimentel & B. Máximo

Figura 7 - Adaptadores para manusear Figura 8 - Adaptadores para vestir

Figura 9 - Adaptação para higiene pessoal Figura 10 - Calçadeiras

Figura 11 - Pinça de pressão para Figura 12 - Adaptação para banho


apanhar objetos

Fonte: os autores. Fotografias tiradas no laboratório de formação e simulação da ESEnfC.

170
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Evitar as quedas:

• Acessos com corrimão e degraus mais baixos


• Iluminação suficiente para clarear toda a superfície de marcha
• Armários: baixos, sem necessidade de uso de escada
• Evitar tapetes ou utilizar antiderrapantes para os fixar
• Áreas de locomoção desimpedidas
• Chão em bom estado de conservação com pavimento nivelado, sem
reentrâncias nem desníveis
• Área do chuveiro: antiderrapante
• Zona de banho com barras de apoio laterais e prateleira acessível para os
artigos de higiene.

Sono e repouso:

• Dormir 8 horas diárias


• Fazer períodos de repouso ao longo do dia
• Utilizar almofadas nas pernas e fletir ligeiramente as coxas e os joelhos
• Todavia, o descanso prolongado pode levar à atrofia dos músculos e diminuição
da mobilidade articular.

Atividade física:

Objetivo: diminuir a rigidez articular matinal e aumentar a amplitude dos


movimentos, melhorar a condição física, flexibilidade, força e resistência. Diminui as
dores e a tumefação das articulações (Ver Capítulo 3.4.).

• Pode recorrer aos banhos quentes antes de iniciar uma atividade física
• Recomendar a prática de atividade física, como natação, hidroginástica,
marcha e ginástica de manutenção. Estes podem ser contraindicados nas
lesões articulares das ancas e joelhos.

Suporte nutricional e alimentar:

• Realizar várias refeições por dia (5/6) e diversificar os alimentos saudáveis


• Aumento do consumo de alimentos com cálcio
• Doentes com corticoides: evitar o sal e doces, diminuir o consumo de hidratos
de carbono e ingerir mais legumes
• Controlar os excessos de peso, devido ao stress mecânico das articulações
(Ver Capítulo 3.8.).

171
G. Pimentel & B. Máximo

Sexualidade:

• Promover um diálogo esclarecedor e sem constrangimentos, sobre a


possibilidade de manter a atividade sexual
• Pode haver desconforto, dores, fadiga e limitações da mobilidade articular, que
podem ser ultrapassadas com uma boa comunicação e compreensão entre o
casal
• Utilização de lubrificantes em caso de secura das mucosas
• Banho quente, ambiente aquecido, massagens, alongamentos de modo a
assegurar conforto durante a atividade sexual
• Dar abertura para encaminhamento para um profissional especializado, se
necessário (Ver Capítulo 6.7.).

Gravidez e Amamentação:

• A gravidez deve ser sempre planeada com antecedência


• Uma contraceção eficaz é requerida durante o tratamento com Metotrexato
ou Biológico e algum tempo após a sua suspensão. Deve ser suspenso 4 meses
antes. Se engravidar enquanto estiver a fazer metotrexato, esta é indicação
para aborto
• Durante a gravidez há uma melhoria dos sintomas gerais, mas deve ficar
marcada uma consulta no pós-parto, para ajuste da medicação.

Vacinação:

As pessoas com doença reumática são propensas a infeções devido à doença


autoimune subjacente, bem como à utilização de medicamentos que funcionam através
da supressão do sistema imunitário. A prevenção de infeções é importante na gestão da
sua doença e a vacinação é uma das formas de se proteger. As vacinas incluídas no
Programa Nacional de Vacinação (PNV) têm como objetivo obter a melhor proteção, na
idade mais adequado e o mais precocemente possível e são gratuitas.

Recomendações da EULAR:(17)

• As vacinas não vivas podem ser administradas com segurança,


independentemente da terapia subjacente, enquanto as vacinas vivas
atenuadas podem ser consideradas com cautela
• A vacinação contra influenza e pneumococo deve ser fortemente considerada
para a maioria dos utentes
• A vacinação com o tetânico e o vírus do papiloma humano deve ser fornecida
aos utentes, conforme recomendado para a população em geral
• A vacinação contra hepatite A, hepatite B e herpes zoster deve ser
administrada aos utentes de risco;

172
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

• Como medida adicional de proteção, os conviventes com o doente também


devem estar vacinados de acordo com o PNV e anualmente com a vacina da
gripe.

As vacinas, como qualquer outro medicamento, podem ter reações adversas e


reações anafiláticas após a sua administração. Por conseguinte, é importante orientar o
utente para que se certifique que o local onde são vacinados dispões de meios para lhe
prestar assistência nestas situações, como é o caso dos Centros de Saúde. Além disso, o
registo da administração da vacina terá de ser realizado numa plataforma informática
do Sistema Nacional de Saúde e, deste modo, é possível aceder ao boletim de vacinas
eletrónico do utente através do Registo de Saúde Eletrónico (RSE).

Terapêutica Biológica:

Os medicamentos biológicos tornaram-se parte do arsenal terapêutico no


tratamento de indivíduos portadores de doenças reumáticas. Oferecem possibilidade
real de modificação do curso e da progressão da doença: com resultados significativos
na melhoria das manifestações clínicas, atividade da doença, diminuição do dano
estrutural e consequentemente da qualidade de vida.

Dado que são fármacos que podem alterar a resposta imunitária, é importante o
ensino dos utentes de forma a prevenir o aparecimento de infeções. O enfermeiro dever
rever o esquema vacinal e a programação de algum ato cirúrgico, antes de iniciar o
tratamento imunossupressor.

Por conseguinte, pode haver necessidade de interromper o tratamento nas


seguintes situações:

• Tem alergias conhecidas (ex: latex)


• Estiver grávida
• Vigilância de sinais e sintomas de alarme para possíveis intercorrências
infeciosas (febre, tosse, expetoração, queixas urinárias, feridas, herpes, etc.).
• Tiver necessidade de fazer vacinas vivas (Ex: BCG, febre amarela, varíola, pólio
e sarampo-papeira-rubéola)
• Fizer algum tratamento dentário/cirurgia prolongados.

Estes tratamentos podem reativar a doença tuberculose. É fundamental antes de


iniciar o tratamento realizar o respetivo rastreio e seguir todas as orientações do centro
de diagnóstico pneumológico (BCG) bem como incentivar ao cumprimento do plano
terapêutico caso tenha sido necessário.

173
G. Pimentel & B. Máximo

Na Tabela 1 apresentam-se orientações gerais para o ensino de autoadministração


de medicamentos subcutâneos. Estas orientações não dispensam a consulta das
orientações específicas de cada medicamento específico (DMARD ou outro).

Tabela 1 - Orientações de ensino de autoadministração:

1) Para uma injeção mais confortável, o medicamento à temperatura ambiente durante


15 a 20 minutos.
• Não agitar o dispositivo
• Não aquecer numa fonte de calor
• Não remover já a tampa
2) Lavar as mãos, com água e sabão.
3) Numa superfície limpa e bem iluminada, colocar todo o material que precisa:
• Medicamento (caneta pré-cheia ou seringa)
• Algodão/compressas com álcool
• Contentor próprio para eliminação do medicamento
4) Inspecionar o medicamento: prazo de validade, o aspeto do líquido, observar se a
caneta/seringa está partida ou rachada. Se alguma das situações se verificar, não
utilizar.
5) Escolha o local da injeção
• Abdómen, a 2 dedos da área em volta do umbigo (5 cm)
• Braço, na face externa
• Coxa, na face anterior
6) Limpar o local com uma compressa com álcool e deixe secar
7) Não tocar novamente na área antes de administrar a injeção
8) Evitar o local da última administração
9) Evitar zonas doridas, vermelhas, com nódulos, cicatrizes ou estrias
10) Descartar em contentor apropriado, que pode ser cedido ao doente no hospital
11) Ter a atenção as orientações do laboratório.

Reações no local da injeção: provocam desconforto e podem ser tratadas com


aplicação de gelo local, corticoides tópicos, anti-histamínicos orais ou paracetamol,
raramente levam à interrupção do tratamento.

A utilização de um Cartão do Utente é aconselhado, de modo a informar qualquer


profissional de saúde acerca da sua condição, da medicamento que toma e quais as suas
implicações.

174
5.1. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Consulta Externa

Referências Bibliográficas

1. Garner S, Lopatina E, Rankin J, Marshall D. Nurse-led Care for Patients with Rheumatoid Arthritis: A
Systematic Review of the Effect on Quality of Care. J Rheumatol. 2017;44(6):757–65.
2. Bech B, Primdahl J, Tubergen A, Voshaar M, Zangi H, Barbosa L, et al. 2018 update of the EULAR
recommendations for the role of the nurse in the management of chronic inflammatory arthritis. Ann
Rheum Dis. 2020;79(1):61–8.
3. Lempp H, Baggott R, Scott D, Parker L, Bosworth A, Georgopoulou S, et al. The value, impact and role of
nurses in rheumatology outpatient care: critical review of the literature. Ann Rheum Dis. 2020;18(3):245–
55.
4. Zangi H, Ndosi M, Adams J, Andersen L, Bode C, Boström C, et al. EULAR recommendations for patient
education for people with inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis. 2015;74(6):954–62.
5. Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros. Guia de Recomendações para as consultas de
enfermagem à distãncia/telenfermagem [Internet]. 2020 [citado 14 de Fevereiro de 2021]. p. 1–26.
Disponível em: https://www.ordemenfermeiros.pt/media/20833/recomendac-o-es-telenfermagem-src-
oe_emcp.pdf
6. Ferreira R, Marques A, Mendes A, da Silva J. Rheumatology telephone advice line - experience of a
Portuguese department. Acta Reum Port. 2015;40(2):163–8.
7. Santos E, Duarte C, Marques A, Cardoso D, Apóstolo J, da Silva J, et al. Effectiveness of non-
pharmacological and non-surgical interventions for rheumatoid arthritis: an umbrella review. Rev
Implement Rep. 2019;17(7):1494–531.
8. Hoving C, Visser A, Mullen P, Borne B. A history of patient education by health professionals in Europe
and North America: from authority to shared decision making education. Patient Educ Couns.
2010;78(3):275–81.
9. Barlow J, Turner A, Wright C. A randomized controlled study of the Arthritis Self-Management Programme
in the UK. Health Educ Res. 2000;15:665–80.
10. Ndosi M, Johnson D, Young T, Hardware B, Hill J, Hale C, et al. Effects of needs-based patient education
on self-efficacy and health outcomes in people with rheumatoid arthritis: a multicentre, single blind,
randomised controlled trial. Ann Rheum Dis. 2016;75(6):1126–32.
11. Ndosi M, Bremander A, Hamnes B, Horton M, Kukkurainen M, Machado P, et al. Validation of the
educational needs assessment tool as a generic instrument for rheumatic diseases in seven European
countries. Ann Rheum Dis. 2014;73(12):2122–9.
12. Albano M, Quintrec J, Crozet C, D’Ivernois J. Characteristics and development of therapeutic patient
education in rheumatoid arthritis: analysis of the 2003-2008 literature. Jt Bone Spine. 2010;77(5):405–10.
13. Bode C, Taal E, Emons P, Galetzka M, Rasker J, Van de Laar M. Limited results of group self-management
education for rheumatoid arthritis patients and their partners: explanations from the patient perspective.
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14. Boutaugh M, Brady T. Meeting the needs of people with arthritis: quality of life programs of the Arthritis
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15. Østensen E, Hardiker N, Bragstad L, Hellesø R. Introducing standardised care plans as a new recording tool
in municipal health care. J Clin Nurs. 2020;29(17–18):3286–97.
16. Garcia T. ICNP ®: a standardized terminology to describe professional nursing practice. Rev Esc Enferm
USP. 2016;50(3):376–81.
17. Furer V, Rondaan C, Heijstek M, Agmon-Levin N, Assen S, Bijl M, et al. 2019 update of EULAR
recommendations for vaccination in adult patients with autoimmune inflammatory rheumatic diseases. ,
D’Amelio R, Dougados M, Kapetanovic MC. Ann Rheum Dis. 2020;79(1):39–52.

175
176
(Voltar ao Índice)

5.2. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS


CUIDADOS À PESSOA COM DRM:

HOSPITAL DE DIA

Iolanda Barbosa1 e Anabela Silva2

Como membro da equipa multidisciplinar em reumatologia, o enfermeiro é


responsável pelo cuidado à pessoa com patologia reumática, utilizando um enfoque
integrado e centrado no utente e nas suas particularidades, envolvendo também família
e comunidade.

As especificidades de atuação dos enfermeiros variam de acordo com os serviços de


saúde e seus contextos. Assim sendo para melhor compreensão das intervenções do
enfermeiro como membro da equipa multidisciplinar no serviço Hospital de Dia de
reumatologia, recomenda-se a leitura atenta deste capítulo.

Palavras-chave: Hospital de Dia; Reumatologia; Enfermeiro; Relação terapêutica;

Objetivos de aprendizagem:

• Conhecer as intervenções de enfermagem em Hospital de Dia de reumatologia.

1
Enfermeira no Hospital de Dia Polivalente, do Hospital do Conde de Bertiandos da Unidade Local de Saúde do Alto
Minho – ULSAM.
2
Enfermeira no Hospital Dia de Hematologia/Medicina Interna/Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra, E.P.E..

177
I. Barbosa & A. Silva

“O Hospital de Dia é uma estrutura organizacional de uma instituição de saúde com


um espaço físico próprio onde se concentram meios técnicos e humanos qualificados,
que fornecem cuidados de saúde de modo programado a doentes em ambulatório, em
alternativa à hospitalização clássica, por um período normalmente não superior a 12
horas, não requerendo estadia durante a noite”.(1)

O conceito de Hospital de Dia surgiu no Canadá em 1946 com a finalidade de permitir


a alta precoce dos utentes hospitalizados.(2) Em Portugal o primeiro Hospital de Dia
iniciou o seu funcionamento em Abril de 1967, integrado no Hospital Júlio de Matos.(3)

Desde então, os Hospitais de Dia tiveram um grande desenvolvimento e alargaram-


se a várias áreas médicas incluindo a Reumatologia, diminuindo assim a pressão nos
internamentos, os gastos globais a nível hospitalar, minimizando o isolamento social e
familiar associado ao internamento bem como a taxa de absentismo laboral.

O Hospital de Dia de Reumatologia é um serviço que se posiciona, cada vez mais,


como uma alternativa ao chamado internamento hospitalar, tendo como principal
objetivo fornecer aos utentes um atendimento especializado e tecnicamente
qualificado em regime de ambulatório.

O avanço em termos terapêuticos, sobretudo dos fármacos biotecnológicos na área


da reumatologia, dos instrumentos de avaliação nas doenças reumáticas inflamatórias
crónicas e o apoio aos ensaios clínicos, faz com que o Hospital de Dia tenha um papel
de relevo no funcionamento de um serviço de Reumatologia.

Em Portugal não existe a especialidade de enfermagem em reumatologia ao


contrário de alguns países europeus, exemplo disso, o Reino Unido. Assim sendo, os
profissionais de saúde devem por isso possuir qualificação, conhecimento e treino
específico para o desempenho pretendido. Devem ser integrados por enfermeiros já
experientes na área da reumatologia. As atualizações e treino contínuo são importantes
garantindo máxima segurança, melhores práticas e elevados padrões de qualidade
assistencial.

Deste modo, mais do que o seu saber e saber-fazer, o enfermeiro deve também
desenvolver o saber ser e o saber estar, tanto com ele mesmo, como na relação com o
utente/família, indispensáveis à prática do cuidar em reumatologia.

178
5.2. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Hospital de Dia

CUIDADOS DE ENFERMAGEM EM HOSPITAL DE DIA DE REUMATOLOGIA

Acolhimento e admissão

A admissão poderá dizer-se que é basicamente um processo burocrático da


instalação do utente no serviço, no entanto, o acolhimento representa o início de um
processo de integração que permite ao utente conhecer as instalações, os profissionais
e as rotinas do serviço, sendo a oportunidade que o enfermeiro dispõe para no primeiro
contacto promover o início da relação terapêutica.

O acolhimento é um cuidado autónomo de Enfermagem, inserido no contexto do


cuidar e ligado à competência relacional do Enfermeiro.(4)

A postura adotada pelo enfermeiro no acolhimento do utente promoverá a


vinculação afetiva entre estes, diminuindo a angústia e a ansiedade, assim como
desenvolver com o utente uma relação de confiança e ajuda.

Figura 1 – Exemplo da informação no acolhimento

179
I. Barbosa & A. Silva

Entrevista de colheita de dados

É através da entrevista que o enfermeiro procura fortalecer o desenvolvimento da


relação terapêutica iniciada no acolhimento. Assim sendo, a objetividade é um ponto
crucial: dever-se-á evitar mostrar surpresa ou duvidar dos sintomas referidos,
permitindo à pessoa expressar as emoções dolorosas; evitar perguntas que envolvam
mais de que um tema em simultâneo; evitar interromper o relato do utente ao solicitar
informações sobre tópicos em falta que podem ser obtidos em sessões subsequentes.

A entrevista permite-nos conhecer o utente num contexto biopsicossocial,


identificar o que conhece da sua condição de saúde, em que fase se encontra em relação
à aceitação do seu estado, o que sabe acerca da natureza do tratamento, os objetivos,
a duração, os riscos e benefícios do mesmo, quais as contraindicações à sua realização,
histórico de alergias/intolerâncias.

O processo de screening, identifica a capacidade de aquisição de conhecimento por


parte do utente (cognição) e transtornos emocionais e/ou físicos, tais como (dor, fadiga,
sono comprometido, ansiedade, depressão, incapacidade funcional, etc.).

Assegurar a máxima eficácia e segurança dos tratamentos

Depois da entrevista ao utente segue-se o seu tratamento. É fundamental que este


seja efetuado num ambiente acolhedor, proporcionando o maior conforto possível. É

180
5.2. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Hospital de Dia

crucial que o enfermeiro tenha linhas orientadoras para a segurança do tratamento,


assim sendo deve:

• Garantir que o utente tenha conhecimento sobre o objetivo do tratamento a


efetuar.
• Orientar e encorajar o utente a participar ativamente e a colocar questões e
discutir qualquer ansiedade ou objetivo.
• Despistar qualquer contraindicação à sua realização, nomeadamente infeções
ativas, (febre, queixas urinarias, dor abdominal, vómitos/diarreia, herpes,
feridas infetadas, …), extrações dentárias, cirurgias programadas, gravidez,
reações alérgicas prévias ao medicamento, alterações hematológicas
(petéquias, hemorragias), alterações cardíacas, alterações cutâneas.
• Informar acerca de possíveis efeitos secundários imediatos ou tardios e de
como atuar caso surjam.
• Validar que o utente percebeu as informações e esclarecimentos efetuados,
fazendo-o sentir a necessidade de um papel ativo/participativo.
• Instruir e encorajar o utente para notificar imediatamente eventos
relacionados com a perfusão ou reações de hipersensibilidade.
• Monitorizar sinais vitais periodicamente e vigiar o utente durante a sua estadia
no serviço
• Instruir o utente de como atuar no domicílio caso surjam efeitos adversos
tardios.
• Realizar ensino quanto à terapêutica adjuvante.
• Fornecer o contacto telefónico da linha de apoio (para contactar o serviço caso
surjam reações tardias, dúvidas quanto ao tratamento e reportar recurso ao
serviço de urgência caso ocorra).
• Entregar o Cartão de segurança (permite informar qualquer prestador de
cuidados (enf.º, médico, dentista…) acerca da sua condição de saúde, que
medicamento toma e suas implicações)
• Fornecer material educacional;
• Entregar carta de transferência de cuidados de enfermagem para os cuidados
de saúde primários

A relação terapêutica deve ser utilizada como uma ferramenta crucial para dar ao
utente um maior poder e controlo sobre a sua vida, proporcionando um ganho de
conhecimento e desenvolvimento de competências, que lhe permitam a tomada de
decisão e uma participação efetiva no seu projeto de saúde.

A adesão aos tratamentos implica uma atitude ativa com envolvimento voluntário e
colaborativo do utente, é “sinónimo de concordância, compreendendo a aceitação e
intervenção ativa e voluntária do utente que partilha a responsabilidade do tratamento

181
I. Barbosa & A. Silva

com a equipa de Profissionais de saúde que o segue” (Bugalho e Carneiro, 2004, citados
por Cabral e Silva, 2010, p.2) (5).

Os Enfermeiros têm um papel fundamental junto do utente no sentido de


promoverem um processo relacional que permita ao mesmo garantir sucesso no
tratamento proposto.

Promover competências para lidar com a doença – Empowerment

Os enfermeiros possuem uma posição privilegiada na proximidade com o utente


sendo fundamental na:

• Educação sobre a doença e sobre a importância da adesão ao plano


terapêutico;
• Promoção da autonomia nas atividades de vida diárias;
• Promoção de competências para lidar com a doença, ajudar os doentes a
controlar e minimizar o impacto dos problemas psicológicos causados pela
doença;
• Divulgação dos recursos da comunidade da área geográfica onde se situam
(associações de doentes, ginásios, ajudas técnicas, apoio domiciliário,
assistente social, …);
• Manutenção de um estilo de vida saudável (alimentação, exercício físico, ...);
• Prevenção do isolamento social.

Em suma é um elemento de interligação entre o utente e a restante equipa


multidisciplinar.

Tratamentos mais comuns em Hospital de Dia de reumatologia

Os tratamentos disponíveis são diversos e os enfermeiros responsáveis pelo seu uso


devem estar familiarizados com todos de forma a melhorar a sua eficácia e reduzir ao
máximo os potenciais efeitos adversos que lhe podem estar subjacentes, como já foi
referido nos capítulos anteriores.

No Hospital de Dia de reumatologia administram-se variadas terapêuticas por via


endovenosa. São de preparação e administração específica e de acordo com os
protocolos estabelecidos para cada fármaco.

Apresentamos em seguida, nas tabelas 1 e 2, um quadro com os fármacos mais


utilizados em Hospital de Dia de reumatologia

182
5.2. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Hospital de Dia

Tabela 1 – Fármacos não-Biotecnológicos

Fármaco Utilizações em Reumatologia


Citostático Formas graves de LES, Esclerose Sistémica,
Vasculite, Miosite
Vasodilatadores e Úlceras cutâneas de difícil cicatrização no contexto
inibidores da agregação de esclerose sistémica, Fenómeno de Raynaud
plaquetária Hipertensão pulmonar
Bisfosfonatos Osteogénese Imperfeita
Osteoporose
Doença Óssea de Paget
Osteoporose, Doença Óssea de Paget
Fonte: As autoras. Por razões de compliance apagou-se a coluna que indicava o nome do fármaco

Tabela 2 – Fármacos Biotecnológicos

Fármaco Indicações aprovadas


Anti-TNF AR, AP, EA
Inibidores de células B AR, Poliangeíte microscópica e granulomatose com
poliangeíte
LES
Inibidores da IL-6 AIJ sistémica e poliarticular
Inibidores de moléculas AR, AIJ poliarticular
de co-estimulação
Fonte: As autoras. Por razões de compliance apagou-se a coluna que indicava o nome do fármaco

Além dos fármacos administrados, o enfermeiro colabora na realização de:

• Técnicas de diagnóstico, tais como: artrocentese, biópsia de glândulas salivares


minor;
• Técnicas terapêuticas tais como: infiltração intra-articular, infiltração peri-
articular, viscossuplementação,

Em suma, o Hospital de Dia de reumatologia é por excelência um local ideal para o


estabelecimento de uma relação terapêutica eficaz com o utente.

O doente reumático como doente crónico, necessita de um longo período de


supervisão, observação e cuidados por parte da equipa multidisciplinar, de forma a

183
I. Barbosa & A. Silva

minimizar todo o seu sofrimento. Os enfermeiros devem por isso possuir qualificação,
conhecimento e treino específico para o cabal desempenho das suas funções.

A equipa multidisciplinar deve trabalhar em conjunto para assim se atingir um


objetivo comum que é a remissão da doença e o bem-estar da pessoa.

Referências Bibliográficas

1. Direção Geral da Saúde. Hospital Dia: recomendações para o seu desenvolvimento. Portugal; 2005.
2. Furtado T. Hospital-Dia, Passageiro para a Vida: O Jogo da Identidade e da Diferença. Rio de Janeiro, Brasil:
Revinter; 1994.
3. Machado A. Hospital de dia: estudo da sua implementação no Hospital Distrital de Matosinhos. Escola
Nacional de Saúde Pública, Lisboa; 1990.
4. Goes M. Acolhimento de Enfermagem na unidade de Quimioterapia: o acolhimento como forma de
cuidar. [Internet]. Instituto Politécnico de Beja, Escola Superior de Saúde.; 2011. Disponível em:
http://hdl.handle.net/20.500.12207/586
5. Cabral, M. V., Silva, P. A. da (2010). A adesão à terapêutica em Portugal: atitudes e comportamentos da
população portuguesa perante as prescrições médicas, os hábitos de saúde e o consumo de
medicamentos. Lisboa: ICS. Imprensa de Ciências Sociais ISBN: 978-972-671-257-2

184
(Voltar ao Índice)

5.3. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS


CUIDADOS À PESSOA COM DRM:

UNIDADE DE TÉCNICAS

Lurdes Narciso1, Sofia Barreira2, Manuel Silvério António 3, Cristina Ponte2, Carla Macieira2,
Joaquim Polido Pereira2, Rita Barros2, Fernando Saraiva2 e João Eurico Fonseca2

A pessoa com doença reumática músculo-esquelética pode necessitar, ao longo do


seu percurso assistencial, da realização de técnicas ou procedimentos diagnósticos ou
terapêuticos. Estes deverão ser realizados por um Reumatologista, com apoio de um
Enfermeiro dedicado, e preferencialmente numa Unidade de Técnicas de Reumatologia.

O Enfermeiro participa ativamente nas várias etapas do procedimento, desde o


acolhimento ao doente, verificação das condições de segurança e assepsia,
posicionamento, preparação do material e medicação necessária, realização de penso
com contenção e ensino dos cuidados pós-procedimento acompanhado de entrega de
folheto informativo.

Palavras-chave: Acolhimento, Cuidar, Doente, Procedimento, Ensino.

Objetivos de aprendizagem:

• Conhecer alguns dos procedimentos/técnicas mais importantes que são efetuadas


diariamente na Reumatologia.
• Saber qual o acolhimento que é feito ao doente antes da técnica, com a explicação do
procedimento, esclarecimento de dúvidas e verificação da assinatura no Consentimento
Informado.
• Descrever o material utilizado em cada procedimento técnico.
• Conhecer de forma pormenorizada a técnica, assim como as suas indicações, contraindicações
e efeitos adversos.
• Descrever os gestos e cuidados executados com o objetivo de assistir o doente e o médico
durante o procedimento.
• Conhecer os cuidados que devem ser transmitidos ao doente, que deverão ser acautelados
nas 48 horas seguintes ao procedimento.

1
Enfermeira Coordenadora na Unidade Técnicas de Reumatologia no Centro Hospital Universitário Lisboa Norte.
2
Reumatologista no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa Maria, Centro
Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
3
Interno de Formação Específica em Reumatologia no Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas,
Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte.

185
L. Narciso et al.

O Enfermeiro deve conhecer as técnicas mais frequentemente realizadas de forma


a otimizar a execução do procedimento.

As principais técnicas realizadas na Unidade de Técnicas de Reumatologia são:

• Infiltrações de partes moles;


• Artrocentese com ou sem sinoviortese;
• Viscossuplementação;
• Biópsia sinovial;
• Biópsia de glândulas salivares minor;
• Biópsia da gordura abdominal.

1) Infiltração de partes moles

As infiltrações de partes moles consistem na infiltração de um corticosteroide local


para o tratamento dos principais reumatismos de abarticulares, com o objetivo de
melhorar a dor e função do aparelho locomotor. Poderá também ser adicionado 1 cc de
lidocaína a 1% para minimizar a dor pós-procedimento.

As principais indicações são:

• Tendinopatias
• Bursites
• Ligamentites
• Quistos sinoviais
• Fasceítes
• Neuropatias de compressão (ex: síndrome de túnel cárpico)

As principais contraindicações são: diagnóstico impreciso, infeção local ou sistémica,


distúrbios da coagulação ou terapia anticoagulante, rotura tendinosa, e má colaboração
do doente.

Embora raros, podem existir eventos adversos após o procedimento,


nomeadamente: atrofia e/ou despigmentação cutânea, equimose, lesão granulomatosa
no tecido mole, lesão tendinosa ou ligamentar, trauma/lesão de nervo periférico,
transitória (diabéticos), infeção iatrogénica, e reação alérgica.

Material necessário:

• Luvas não esterilizadas (opcional), podendo o médico optar pela técnica – “no
touch” em que faz a marcação do local de entrada da agulha antes da
desinfeção, não voltando a tocar no doente (Figura 1 – Final do Capítulo)
• Compressas

186
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

• Solução cutânea alcoólica: 2% de clorohexidina + 70% álcool isopropílico


• Seringa descartável volume variável
• Agulha descartável (tamanho e calibre variável de acordo com o procedimento)
• Corticosteroide injetável (40 mg/1 ml de acetato de metilprednisolona)
• Lidocaína a 1% (opcional)
• Penso
• Ligadura

Após qualquer procedimento, fazer o ensino para as próximas 48h:

• Repouso e imobilização do local


• Suspensão do membro superior ou uso de apoio de marcha para o membro
inferior
• Aplicação de gelo 2/2h, durante cerca de 10 min (exceto procedimentos sobre
o esqueleto axial)
• Retirar ligaduras 2h após o tratamento
• Não massajar nem aplicar creme/loção cutânea no local infiltrado
• Recorrer a terapêutica analgésica prescrita em caso de necessidade

Exemplo prático: infiltração de tendinose do supra-espinhoso.

Uma das infiltrações mais frequentemente realizada é para tratamento da


tendinite/tendinose do supra-espinhoso, realizada em topografia inferior ao acrómio e
lateral à goteira bicipital (Figura 2).

No início da técnica é explicado ao doente todo o procedimento e esclarecidas as


dúvidas existentes. Após realização de penso e colocado o membro superior em
suspensão são feitas as recomendações para o período pós-procedimento.

2) Artrocentese com ou sem sinoviortese

A artrocentese é um procedimento comum que consiste na aspiração evacuadora


do líquido sinovial de uma articulação, com objetivo diagnóstico ou terapêutico. No
mesmo procedimento pode ser feita a infiltração de corticosteroide intra-articular
(sinoviortese).

As principais indicações para realização de artrocentese são:

• Suspeita de artrite séptica


• Drenagem de hematomas
• Alívio sintomático de monoartrite
• Primeiro passo de uma sinoviortese

187
L. Narciso et al.

• Suspeita de artropatias induzidas por cristais


• Surto inflamatório de osteoartrose
• Lesão mecânica no joelho

Sendo excluída etiologia infeciosa, poderá ser realizada a infiltração intra-articular


com corticoide de longa ação (ex: hexacetonido de triancinolona).

As principais contraindicações são idênticas às referidas para as infiltrações


periarticulares, com destaque para a necessidade de suspensão de anticoagulação oral
24 horas antes do procedimento (novos anticoagulantes) ou alteração para enoxaparina
5 dias antes do procedimento (varfarina), hipersensibilidade à Lidocaína.

Os efeitos adversos são também comuns aos verificados para as infiltrações de


partes moles.

Material necessário:

• Luvas esterilizadas
• Compressas
• Solução cutânea alcoólica: 2% de clorohexidina + 70% álcool isopropílico
• Campo com óculo
• Seringa descartável para artrocentese diagnóstica ou evacuadora (capacidade
de acordo com a articulação, de 10 ml ou 20 ml)
• Seringa descartável para sinoviortese (2 a 5ml)
• Agulha descartável (tamanho e calibre variável de acordo com a articulação
• Corticosteroide injetável (hexacetonido de triancinolona, habitualmente de
acordo com o diagnóstico e peso do doente)
• Penso esterilizado
• Ligadura elástica

Após qualquer procedimento, fazer o ensino para as próximas 48h:

• Repouso e imobilização do local


• Suspensão do membro superior ou uso de apoio de marcha para o membro
inferior
• Aplicação de gelo 2/2h, durante cerca de 10 min
• Retirar ligaduras 2h após o tratamento
• Não massajar nem aplicar creme/loção cutânea no local infiltrado
• Recorrer a terapêutica analgésica prescrita em caso de necessidade
• Nunca colocar dispositivos (almofadas) sob os membros inferiores (nos
joelhos).

Exemplo prático: artrocentese / sinoviortese do joelho

188
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Uma das artrocenteses mais frequentemente realizadas em contexto convencional,


não ecoguiado, é a da monoartrite do joelho (Figura 3), realizada habitualmente por
abordagem suprapatelar externa (Figura 4).

Após a técnica o líquido aspirado deve ser colocado em 2 tubos secos e 1 de


hemograma, devidamente rotulados com a identificação do doente assim como o
impresso (para ser enviado para o laboratório para análise citoquímica e
microbiológica), sendo protocolado.

Poderá ainda ser feita observação do líquido no microscópio ótico de luz polarizada,
para pesquisa de cristais de monourato de sódio ou pirofosfato de cálcio.

As artrocenteses e infiltrações intra-articulares de outras articulações (ombro,


cotovelo, punho, anca, tibiotársica, pequenas articulações das mãos e pés) são
habitualmente realizadas guiadas por ecografia.

3) Viscossuplementação

A viscossuplementação é uma opção terapêutica principalmente realizada em


doentes com osteoartrose e consiste na injeção intra-articular de um produto
elastoviscoso, habitualmente derivado do ácido hialurónico (ex: Synvisc-One® 6 ml ou
Monovisc® 4 ml). O principal objetivo é promover uma melhoria da biomecânica
articular ao aumentar a viscosidade do líquido sinovial.

Embora estejam descritos resultados contraditórios relativamente à sua eficácia,


existe evidência que esta alternativa terapêutica pode retardar a necessidade de
tratamento cirúrgico na osteoartrose, ajudando a lubrificar a articulação e reduzindo a
dor.

As principais indicações são a osteoartrose do ombro, anca, joelho, trapezo-


metacárpica.

Habitualmente apenas a viscossuplementação do joelho é efetuada sem controlo


ecográfico.

As contraindicações para realização de viscossuplementação são:

• A existência de sinovite
• Artrite infeciosa
• Coagulopatias
• Infeção sistémica ou local
• Hipersensibilidade à Lidocaína

189
L. Narciso et al.

Material necessário (para realização de procedimento ecoguiado):

• Luvas esterilizadas;
• Compressas esterilizadas;
• Solução cutânea alcoólica: 2% de clorohexidina + 70% álcool isopropílico;
• Campo com óculo;
• Seringa com lidocaína a 1% (10ml);
• Seringa com o medicamento
• Agulha descartável (tamanho e calibre 25 G 0,5 mm x 16 mm ou 23 G 0,6mm x
25 mm para anestesiar a pele)
• Agulha PL 19 G 1.1mm x 88 mm no caso da anca
• Gel esterilizado;
• Capa de sonda esterilizada;
• Penso esterilizado compressivo

Exemplo prático: viscossuplementação da anca ecoguiada

A viscossuplementação da anca, tratando-se de uma articulação profunda e próxima


de estruturas neuro-vasculares importantes, deve ser realizada de forma ecoguiada
(Figura 5).

No início da técnica é explicado ao doente todo o procedimento e esclarecidas as


dúvidas existentes.

Durante o procedimento (Figura 6) deve ser posicionado o doente em decúbito


dorsal e expor a zona inguinal.

Após a técnica colocar penso no local, fazer o ensino ao doente para as 48 horas
seguintes, e entregar o folheto informativo.

4) Biópsia sinovial

A biópsia sinovial tem como principal indicação o esclarecimento diagnóstico de uma


monoartrite, por exemplo, monoartrite punho (Figura 7) quando os restantes exames
complementares de diagnóstico não são suficientemente esclarecedores.

Para além dos motivos clínicos que permitem a avaliação histológica, pesquisa de
cristais e exame microbiológico, pode também ser realizada para fins investigacionais.

A utilização da ecografia para realização das biopsias, permite individualizar a lesão


e controlar em tempo real o movimento da agulha; reduz riscos de infeção e permite
escolher a zona mais representativa da lesão.

190
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Relativamente a outros métodos imagiológicos a ecografia tem fácil acessibilidade e


boa razão custo / benefício sem desconforto ou efeitos nocivos significativos para o
doente.

A biópsia sinovial pode ser realizada em qualquer articulação periférica.

As contraindicações:

• Infeção local ou sistémica;


• Distúrbios da coagulação ou terapia anticoagulante,
• Má colaboração do doente, ou ao ler o Consentimento Informado não estar de
acordo
• Hipersensibilidade à Lidocaína

Os efeitos adversos relatados são:

• Reação vasovagal
• Perturbação da sensibilidade pós-biopsia
• Lesão nervosa, vascular, tendinosa, muscular ou ligamentar
• Hemartrose, equimose ou hematoma local
infeção articular ou da pele
• Formação de trajeto fistuloso à pele
• Fratura da agulha de biopsia
• Material necessário (para realização de procedimento ecoguiado):
• Toca ou barrete
• Máscara
• Bata esterilizada
• Luvas esterilizadas
• Campos esterilizados - 3
• Campos com banda adesiva - 2
• Compressas 10 x 10
• Compressas 20 x 40
• Solução cutânea alcoólica: 2% de clorohexidina + 70% álcool isopropílico
• Agulha de guilhotina G16 de 6 ou 10 mm (Figura 8)
• Kit (contém 1 embalagem de gel esterilizado + capa de proteção de sonda e
cabo do ecógrafo)
• Pinça coração para desinfeção da pele
• Frascos de 20 ml de lidocaína a 1%
• Taça de inox
• Agulha para anestesiar a pele e posteriormente a de 0,8 x 50 mm, para retirar
da agulha de biopsia

191
L. Narciso et al.

• Penso esterilizado
• Ligadura elástica

Nas biopsias sinoviais guiadas por ecografia anestesia-se o local já previamente


definido com Lidocaína a 1%. Posteriormente é feita a recolha de membrana sinovial
com agulha de guilhotina calibre G16 (tendo incorporada uma pinça de biopsia de 6 cm
ou 10 cm) que será introduzida várias vezes no local.

No início da técnica, é explicado ao doente todo o procedimento e esclarecidas as


dúvidas existentes. O médico fornece o Consentimento Informado que o doente lê e
assina.

Todo o procedimento é de cirurgia segura como no bloco (Figura 9). É obrigatório o


uso de touca e máscara, lavagem correta das mãos e desinfeção com Sterillium® prévia
à colocação de bata e luvas esterilizadas.

A enfermeira fornece todo o material estéril necessário para o procedimento que o


médico coloca na mesa operatória.

É feita a desinfeção do local (onde se vai fazer a biópsia) com solução antisséptica e
colocados os campos estéreis necessários. O doente fica protegido também com campo
esterilizado para evitar o risco de infeção.

O procedimento é realizado com apoio de ecografia com sonda ecográfica revestida


com capa estéril que protege todo o cabo, assim como com gel estéril.

Anestesia-se localmente a articulação, inicialmente a pele e posteriormente o


trajeto, sendo bem visível a distensão da cápsula articular.

A introdução e movimentação da agulha são visualizadas no monitor do ecógrafo


durante todo o procedimento. Posteriormente será feita a biopsia com agulha G16, que
será introduzida no mesmo orifício inicial várias vezes, para recolha de membrana
sinovial. Esta membrana poderá ser enviada para os laboratórios de bacteriologia e
anatomia patológica em frasco com formol ou para o biobanco caso seja realizada para
fins investigacionais.

Todos os produtos são identificados com os dados do doente em sacos de plásticos


individuais e protocolados de acordo com o local a que se destinam.

No final do procedimento é feita a colocação de penso estéril e ligadura elástica para


imobilização da articulação e suspensão do membro superior fletido, num ângulo de
90º, com lenço ou apoio de braço.

É feito o ensino e entregue o folheto informativo ao doente com as indicações para


as 48 horas seguintes.

192
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Recomendações para as próximas 48 horas:

• Repouso e imobilização do local


• Suspensão do membro superior (Figura 10)
• Aplicação de gelo no local durante 10 minutos com intervalos de 2 horas
• Em caso de dor, fazer terapêutica analgésica prescrita pelo médico assistente
• Retirar a ligadura 2 horas após a técnica

5) Biópsia das Glândulas Salivares minor

A biópsia das glândulas salivares minor tem como principal indicação a suspeita de
Síndrome de Sjögren (SS). A SS é uma patologia imunomediada, que pode surgir
isoladamente (SS primário), ou associada a outras doenças reumáticas inflamatórias ou
doenças difusas do tecido conjuntivo (SS secundário), sendo a associação à artrite
reumatóide a mais frequente.

Os sintomas – chave da SS são a boca seca (xerostomia) e olhos secos (xeroftalmia).


Além disso, a SS pode causar secura da pele (xerodermia) e de outras mucosas (árvore
respiratória, tubo digestivo, genitais).

Nesta patologia são produzidos auto anticorpos que inibem a secreção salivar, e para
além disso existe uma invasão das glândulas salivares por linfócitos que podem formar
agregados que se assemelham estruturalmente a folículos linfóides e que podem
distorcer a arquitetura das glândulas envolvidas.

O diagnóstico de SS pode ser difícil e a biopsia das glândulas salivares é um dos


exames que pode contribuir para a clarificação de casos mais duvidosos.

Esta técnica de biopsia das glândulas salivares minor é habitualmente efetuada no


lábio inferior

Material necessário:

• Máscara
• Luvas
• Campo esterilizado para a mesa cirúrgica
• Campo com óculo
• Compressas 10 x 10
• Digluconato de clorohexidina 0,2% (colutório)
• Pinça de disseção
• Mosquito ou porta agulhas
• Lâmina esterilizada N. 11
• Linha de sutura 3/0 reabsorvível

193
L. Narciso et al.

• Seringa 5 ml
• Lidocaína 1% + Adrenalina 1/100 000 ampola 20 ml (frigorifico)
• Agulha de diluição
• Agulha 25 G 0,5mm x 16 mm (para anestesiar a mucosa labial)
• Frasco com formol para colocar a biopsia e entregar na Anatomia Patológica,
devidamente identificado e protocolado

Procedimento

O doente deve lavar bem as mãos e posteriormente desinfetar bem a boca com
antisséptico bucal (clorohexidina a 0,2%), não esquecendo de antes retirar a prótese
dentária (caso utilize).

No início da técnica é explicado ao doente todo o procedimento e esclarecidas as


dúvidas existentes.

O médico desinfeta as mãos com Sterillium®, calça luvas esterilizadas e coloca o


material necessário na mesa operatória enquanto a enfermeira posiciona o doente em
decúbito dorsal confortável, desinfetando posteriormente as mãos,

Durante o procedimento (Figura 11) deve ser desinfetado o local (região peri bucal
e lábio inferior), com solução antisséptica e colocado o campo estéril com óculo.
Seguidamente é feita a infiltração com anestésico (lidocaína 1%+adrenalina 1/100 000,
ampola de 20 ml) no local escolhido para a incisão, próximo da área em que se observam
as saliências das glândulas na mucosa (fazendo um pequeno botão). Posteriormente é
realizada a incisão de 1 cm na face mucosa do lábio inferior paralela ao eixo do lábio e
lateral á linha média, seguida de disseção e remoção individual de 4 a 7 glândulas
salivares minor. A sutura é feita com geralmente apenas 1 ponto simples de fio de sutura
3/0 absorvível.

Após o procedimento devem ser monitorizadas possíveis complicações (hemorragia


durante o procedimento, infeção ou alterações da sensibilidade local posteriores ao
procedimento).

O produto biopsado é colocado em frasco com formol identificado e protocolado,


indo seguidamente para o serviço de anatomia patológica.

Deve ser feito o ensino ao doente e recomendações respetivas.

Recomendações para as próximas 48 horas:

• Aplicação de gelo no local (lábio inferior) durante 10 minutos com intervalos


de 2 horas

194
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

• Iniciar alimentação de dieta mole 30 minutos após procedimento


• Em caso de dor, fazer terapêutica analgésica de acordo com a prescrição do
seu médico
• Bochechar sempre com o colutório gengival após as refeições
• Os pontos acabam por cair após 6 – 10 dias, todavia se os mesmos não caírem
ao fim de 12 dias contactar a Unidade de Técnicas

As principais complicações deste procedimento são:

• Formação de granuloma
• Infeção local
• Hemorragia
• Alterações da sensibilidade

6) Biópsia da Gordura Abdominal

A biópsia de gordura abdominal é um procedimento cirúrgico que envolve a


remoção de uma pequena parte da gordura subcutânea da parede abdominal.

O procedimento é feito na maioria das vezes para diagnosticar amiloidose.

As principais contraindicações são: hipersensibilidade à lidocaína, toma de


anticoagulantes e infeção local ou sistémica.

Material necessário:

• Máscara
• Luvas
• Capo esterilizado para a mesa cirúrgica
• Campo com óculo
• Compressas 10 x 10
• Solução cutânea alcoólica: 2% de clorohexidina + 70% álcool isopropílico;
• Pinça de disseção
• Mosquito ou porta agulhas
• Lâmina esterilizada N. 11
• Seda de sutura 3/0
• Seringa 10 ml
• Lidocaína 1% + Adrenalina 1/100 000 ampola 20 ml (frigorifico)
• Agulha de diluição
• Agulha 23 G 0,6mm x25 mm (para anestesiar a pele da região abdominal)
• Frasco com formol para colocar a biopsia e entregar na Anatomia Patológica,
devidamente identificado e protocolado

195
L. Narciso et al.

Procedimento

A enfermeira faz o acolhimento ao doente e esclarece as dúvidas existentes.

Todo o procedimento é de cirurgia segura semelhante ao bloco operatório (Figura


12).

O médico desinfeta as mãos com Sterillium ® e calça luvas esterilizadas coloca o


material necessário na mesa operatória enquanto a enfermeira posiciona o doente em
decúbito dorsal, posição confortável (com o membro superior direito bem fletido) de
modo que a região abdominal direita fique livre para fazer a biopsia da gordura
abdominal.

É feita a desinfeção local (peri-umbilical e flanco direito), com solução antisséptica e


colocado o campo estéril com óculo.

O tecido celular subcutâneo e pele são anestesiados com lidocaína 1% + adrenalina


1/ 100 000. Com a lâmina é realizada uma incisão de aproximadamente 1,5 cm, que
permite expor o tecido adiposo; a localização da incisão não é consensual, mas pode ser
feita no ponto de McBurney ou lateralmente ao umbigo (5 -7 cm).

São retirados pequenos fragmentos de gordura, utilizando a pinça e a lâmina e


seguidamente feito o encerramento da incisão com linha de sutura seda 3/0

No final do procedimento deve ser desinfetada novamente a pele e utilizada tintura


de benjoim para melhor aderência do penso estéril compressivo.

Colocar as amostras de gordura (Figura 13) em recipiente com formol, identificar,


protocolar e enviar para o serviço de anatomia patológica.

Recomendações para as próximas 48 horas:

• Repouso não fazendo esforços físicos


• Aplicação de gelo no local 10 minutos com intervalos de 2 horas, durante o
dia
• Em caso de dor, fazer terapêutica analgésica em SOS prescrita pelo seu
médico
• Evitar molhar e retirar o penso pelo risco de infeção
• Realizar o penso ao fim de 2/3 dias no Centro de Saúde da sua área de
residência
• Retirar pontos ao fim de 6 dias
• Vigilância de hemorragia e sinais inflamatórios

196
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

As complicações associadas a este procedimento são raras, consistindo na infeção


ou hemorragia locais.

Bibliografia

1. Béliveau P. Local Steroid Injections : how and when : 40 Techniques : All You Should Know about Local
Steroid Injections for the Treatment of Musculoskeletal Disorders. Science and Culture Press; 1992.
2. Vicente J. Técnicas de infiltração articular e de tecidos moles no aparelho locomotor. Grupo Barcelona de
Medicina Ortopédica e Manual; 2009.

197
L. Narciso et al.

Figura 1 - Agulhas recomendadas Figura 2 - Infiltração de tendinopatia do


para cada localização supra-espinhoso

Figura 3 - Monoartrite do joelho Figura 4 - Artrocentese do joelho

Figura 5 - Ecografia da coxofemoral - face anterior

198
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Figura 6 – Viscossuplementação da coxofemoral guiada por ecografia

Legenda:
A. Anestesia da pele sobre a anca
B. Trajecto da viscossuplementação
C. Injeção articular do produto

Figura 7 – Monoartrite do punho Figura 8 - Agulhas de biópsia

199
L. Narciso et al.

Figura 9 - Biópsia sinovial do punho guiada por ecografia

Legenda:
A. Anestesia do local a biopsar;
B. Introdução da agulha na articulação;
C. Recolha da membrana sinovial;
D. Retirar a membrana da agulha de biópsia;
E. Confirmação da localização da agulha pelo ecógrafo;
F. Retirar a membrana da agulha de biópsia;
G. / H. Colocação da membrana em frasco com formol e tubo de RNA a enviar.

200
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Figura 10 – Imobilização e suspensão do


membro superior

201
L. Narciso et al.

Figura 11 - Biópsia das glândulas salivares minor

Legenda:
A. Exposição da mucosa labial inferior;
B. Anestesia do local a biopsar;
C. Demostração do local anestesiado;
D. Incisão da mucosa com lâmina bisturi;
E. Retirar pequenos de glândulas salivares;
F. Sutura com linha absorvível 3/0;
G. Finalização da sutura sem hemorragia;
H. Porções de glândulas salivares que serão colocadas em formol e enviadas.

202
5.3. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Unidade de Técnicas

Figura 12 - Biópsia da gordura abdominal

Legenda:
A. Desinfeção da pele
B. Incisão com lâmina de bisturi
(após anestesia local)
C. Retirada de pedaços de
gordura
D. Realização de sutura
E. Finalização com pontos
F. Colocação de penso estéril
G. Amostras de gordura retiradas

Fonte de todas as fotografias: os autores.

203
L. Narciso et al.

204
(Voltar ao Índice)

5.4. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS


CUIDADOS À PESSOA COM DRM:

ENSAIOS CLÍNICOS

Cláudia Paiva1, Daniela Pais2 e Sara Rodrigues2

Nas últimas décadas, a Reumatologia tem sido uma das áreas em que se verificou
um considerável avanço em termos terapêuticos, sobretudo de fármacos
biotecnológicos. Para o seu desenvolvimento tem contribuído a realização de ensaios
clínicos a nível hospitalar, componente fundamental para a melhoria dos resultados em
saúde. Esta atividade permitiu integrar enfermeiros em equipas multidisciplinares, e aos
enfermeiros integrar a investigação clínica na prática de enfermagem. É atualmente
reconhecido o importante contributo destes profissionais para garantir a segurança do
participante na investigação, assim como a implementação de boas práticas clínicas ao
longo do ensaio clínico.

Palavras-chave: ensaios clínicos, enfermeiro de ensaios clínicos, papel do


enfermeiro, coordenador de ensaios clínicos

Objetivos de aprendizagem do capítulo:

• Contextualizar o que é um ensaio clínico;

• Conhecer a visão do doente como participante de um ensaio;

• Identificar o papel do enfermeiro que integra uma equipa de investigação;

• Explorar as funções/atividades do enfermeiro nos ensaios clínicos.

1
Enfermeira e Coordenadora de Ensaios Clínicos no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra E.P.E. (CHUC)
2
Coordenadora de ensaios clínicos da Unidade de Inovação e Desenvolvimento do CHUC: Unidade de Investigação
Clínica do Serviço de Cardiologia.

205
C. Paiva, D. Pais, & S. Rodrigues

Este capítulo surge da necessidade de contextualizar a intervenção dos enfermeiros


na investigação clínica. O serviço de Consulta Externa de Reumatologia, com uma
vertente de investigação, integra na equipa enfermeiros com funções de coordenadores
de ensaios clínicos (EC).

A investigação clínica é inegavelmente uma atividade imprescindível para a melhoria


da qualidade de vida dos doentes, trazendo também benefícios aos profissionais de
saúde, às instituições e à comunidade científica em geral.

ENSAIOS CLÍNICOS

A realização de EC de medicamentos para uso humano é regulada a nível nacional


pela Lei n.º 21/2014, de 16 de abril (Lei de Investigação Clínica), alterada pela Lei n.º
73/2015, de 27 de julho.(1) Ao nível comunitário, foi aprovado o Regulamento (UE) n.º
536/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril, relativo aos ensaios
clínicos de medicamentos para uso humano e que veio revogar a Diretiva 2001/20/CE.(2)
Segundo a Lei n.º 73/2015, os EC são definidos como “qualquer investigação
conduzida no ser humano, destinada a descobrir ou a verificar os efeitos clínicos,
farmacológicos ou outros efeitos farmacodinâmicos de um ou mais medicamentos
experimentais, ou a identificar os efeitos indesejáveis de um ou mais medicamentos
experimentais, ou a analisar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a eliminação
de um ou mais medicamentos experimentais, a fim de apurar a respetiva segurança ou
eficácia”. (1)
Vale (1998)(3) simplifica, referindo que são “qualquer estudo que implique
intervenção clínica envolvendo seres humanos, doentes ou voluntários saudáveis,
realizada de acordo com um protocolo destinado a gerar conhecimento científico” (p.
1).
O novo medicamento que surge é sujeito a várias fases de investigação, desde a sua
descoberta em laboratório, até à comercialização, bem como a um pormenorizado
processo de aprovação por parte das autoridades competentes.
Numa fase pré-clínica, com duração de 3 a 6 anos, os testes são feitos em laboratório
e realizados em animais. Posteriormente, os testes clínicos passam a ser concretizados
em humanos, cujos participantes são voluntários.(4,5)
Os EC classificam-se em quatro fases distintas:(3–5)
Fase I - nesta fase é feita a avaliação inicial do novo medicamento, na qual, pela
primeira vez, o fármaco experimental é testado em humanos, num reduzido grupo de
voluntários saudáveis (duração de cerca de 1,5 anos). Avalia-se a sua biodisponibilidade,
farmacocinética e farmacodinâmica;
Fase II - o EC tem como objetivo, nesta fase, determinar a dosagem e posologia mais

206
5.4. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Ensaios Clínicos

adequadas a uma amostra mais alargada de doentes, rigorosamente selecionados


(duração de cerca de 2 anos). Iniciam-se os tipos de ensaios aleatorizados, controlados
e cegos;
Fase III – nesta fase, nos ensaios participam milhares de doentes. É nela que se
determina a segurança, monitoriza os efeitos secundários, verifica eficácia e benefício-
risco terapêutico do novo medicamento por comparação com um medicamento padrão
e/ou placebo;
Fase IV - são efetuados EC em medicação com aprovação de autorização de
introdução no mercado (AIM) para comercialização. Nesta fase, pretende-se reunir
informação adicional que permita avaliar os riscos e os benefícios de utilização do
fármaco a longo prazo e comportamento do fármaco utilizado na prática clínica normal,
num número variável de doentes.
Os mesmos autores mencionam que os EC de fase I a III são essenciais para a
aprovação do novo medicamento pelas autoridades reguladoras.
Rocha e Serras (2019)(5) apresentam as vantagens de um indivíduo participar num
EC. Para o doente, a participação em EC permite-lhe ter acesso precoce e gratuito a
novos tratamentos, ainda não aprovados e, como tal, não disponíveis no mercado;
contribui para aumentar o conhecimento médico, garantindo que futuros doentes
possam vir a beneficiar de novos tratamentos e haja melhoria dos cuidados
assistenciais, e tem um potencial para aumentar a sua qualidade e/ou tempo de vida.
A participação do doente num EC permite-lhe ter um papel ativo na gestão da sua
doença, contribuindo assim para o progresso da sociedade e do conhecimento
científico.(4)
No que se refere à comunidade científica, os EC permitem: um aumento do
conhecimento científico; um estabelecimento de redes de investigação, nacionais e
internacionais; um desenvolvimento de equipas de investigação, e retenção de
talento.(5)
Numa perspetiva económica, a realização de EC permite: a redução da despesa
pública e contributo para a sustentabilidade do SNS; a criação de valor para outras
indústrias; a criação de emprego, e atração de investimento. Atente-se que o impacto
económico total da atividade de ensaios clínicos na economia portuguesa em 2017 foi
estimado em cerca de 87 milhões €; cada euro investido gera um retorno de 1.99 euros
na economia nacional; a poupança de despesa pública (valor suportado pelos
promotores com medicamentos e meios complementares de diagnóstico) gerada por
esta atividade ascende a cerca de €11 m em 2017. (5)
Estes benefícios associam-se aos deveres do enfermeiro plasmados na alínea c), do
artigo 103.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (EOE) “o Enfermeiro assume o dever
de participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida” e na
alínea c) do artigo 112.º do EOE “o enfermeiro assume, como membro da equipa de
saúde, o dever de integrar a equipa de saúde, em qualquer serviço em que trabalhe,

207
C. Paiva, D. Pais, & S. Rodrigues

colaborando, com a responsabilidade que lhe é própria, nas decisões sobre a promoção
da saúde, a prevenção da doença, o tratamento e recuperação, promovendo a
qualidade dos serviços.”(6)
Seja em que área for, a investigação clínica é um procedimento fundamental para
um progresso científico e médico contínuo, tendo por objetivo melhorar as condições
clínicas e de vida da população em geral, revestindo-se de especial importância, na
condução da investigação, o estabelecimento de códigos de conduta éticos e
regulamentação para a mesma, por forma a garantir a proteção dos sujeitos
participantes. Casos passados são testemunho desta realidade.(7)
Para assegurar a boa conduta todo o estudo é rigorosamente monitorizado, através
de uma comissão de ética, em cada uma das suas etapas: testes em laboratório, onde
são analisados os novos compostos; testes pré-clínicos, onde é avaliada a segurança e
eficácia, estudos de toxicidade in vivo em animais; ensaios clínicos, para avaliar a
segurança e a eficácia do novo medicamento em seres humanos; submissão às
autoridades; aprovação do fármaco; registo; comercialização, e estudos pós
comercialização.(8)
Quando um EC é realizado em Portugal, já passou pela aprovação de vários órgãos
reguladores oficiais, como:(7)
- a Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC): assegura a proteção dos
direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes nos ensaios clínicos, emitindo
um parecer ético sobre os protocolos de investigação que lhe são submetidos;
- Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED): garante
que se cumprem todas as regras aplicáveis à autorização de um ensaio clínico com
medicamentos e assegurar que a realização de um ensaio é controlada sob as normas
das boas práticas clínicas;
- a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD): garante o direito à privacidade
e à proteção dos dados pessoais dos participantes, de acordo com os respetivos regimes
jurídicos.
Nos EC é necessário assegurar que os membros constituintes da equipa
multidisciplinar tenham treino em Boas Práticas Clínicas (Good Clinical Practice - GCP),
uma medida-padrão internacional a nível ético e científico, que assegura que os dados
e resultados relatados são confiáveis e precisos, e que os direitos, integridade e
confidencialidade dos participantes do ensaio são respeitados e protegidos.(9–11)

O DOENTE COMO PARTICIPANTE INSERIDO NO ENSAIO CLÍNICO

Quando falamos em EC devemos abordar o papel crucial do participante, pois sem a


sua colaboração não era possível recolher todos os dados que sustentam a evidência da
nossa prática clínica.

208
5.4. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Ensaios Clínicos

Os participantes são, assim, o elemento que nos leva a refletir e a delinear quais as
estratégias que devemos utilizar nas nossas consultas para que este se sinta mais seguro
e que retire, da sua participação no ensaio, a experiência mais enriquecedora possível,
não só por poder ser o primeiro a usufruir de novas terapêuticas inovadoras mas,
também, caso esteja no braço de placebo, se sinta de tal forma acompanhado e vigiado
que reconheça os benefícios em ter participado no ensaio.

O que sabemos em relação à satisfação dos participantes face aos EC é que, na sua
maioria, os indivíduos consideram que o acompanhamento rigoroso por parte das
equipas multidisciplinares é um fator importante para a entrada e participação num
EC.(12–15)

Especialmente em faixas etárias mais elevadas, vigoram motivações de caráter


altruísta (oportunidade de se beneficiar a humanidade/beneficio da ciência/ou de
outros). São ainda apontados como motivações para a participação, a gratidão pelos
bons cuidados, os benefícios pessoais a nível de melhores cuidados, a oportunidade de
ocupação do tempo livre, a oportunidade de conviver com a equipa do estudo e a
oportunidade de conviver com os demais participantes.(13,14)

O enfermeiro de Investigação, quando envolvido no recrutamento e colaboração


com a equipa multidisciplinar na educação do doente e família, na monitorização dos
doentes, nos cuidados ao doente, nos procedimentos específicos de cada EC e na
colheita de dados, é uma mais-valia na relação doente-instituição de saúde no âmbito
da investigação clínica. Só desta forma se consegue alcançar um grande número de
doentes recrutados para os EC e, ao mesmo tempo, se garante a qualidade dos dados
retirados e satisfação por parte do doente, independentemente do braço terapêutico a
que está alocado.

A INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS ENSAIOS CLÍNICOS

No contexto atual dos cuidados de saúde, a realização de investigação clínica


rigorosa requer uma equipa diversificada de profissionais, onde se inclui o investigador
principal e sub-investigador(es), bem como outros profissionais com formação
específica em investigação clínica, como enfermeiros, coordenadores de EC,
farmacêuticos, técnicos de laboratório, entre outros.(16)

O enfermeiro, nos EC, é um membro integrante da equipa que contribui para a


ciência com o foco no cuidado ao participante no ensaio e nas atividades de
coordenação que envolvem a prática de investigação clínica.(17) McCabe et al.(16)
definiram enfermeiros de ensaios clínicos como enfermeiros especialmente treinados
responsáveis pela proteção dos sujeitos de investigação e pela manutenção da

209
C. Paiva, D. Pais, & S. Rodrigues

integridade do estudo de investigação em ambientes que vão desde o ambulatório ao


internamento com sujeitos saudáveis a doentes. Estes estão preparados não só para
prestar cuidados de qualidade aos doentes, mas também para dar importantes
contribuições à investigação clínica.

Várias são as designações encontradas para identificar o profissional de enfermagem


que exerce a sua atividade profissional nesta área: enfermeiro de estudo (study nurse),
enfermeiro de investigação clínica (clinical research nurse), coordenador de
investigação clínica (clinical research coordinator).(18,19)

Com a participação dos enfermeiros na investigação clínica, é internacionalmente


reconhecida a prestação de cuidados seguros e éticos aos participantes do ensaio, bem
como uma recolha eficiente e de qualidade dos dados de investigação, contribuindo
para tal a compreensão completa da metodologia, das questões éticas e do processo de
investigação.(16,20,21)

Neste âmbito, emergem três principais papéis do enfermeiro na investigação clínica:


(a) o enfermeiro de estudo como prestador direto de cuidados aos participantes na
investigação antes, durante e após a participação na investigação clínica, (b) o
enfermeiro como gestor do estudo, coordenador, ou enfermeiro de EC que trabalha em
estreita colaboração com o investigador principal que recruta os participantes na
investigação e supervisiona a gestão de dados e a conformidade com o protocolo, e (c)
o enfermeiro investigador, que é o investigador principal num estudo de investigação.(18)

A consulta do Enfermeiro de Ensaios Clínicos

Uma equipa de investigação que integre enfermeiros, cuja formação é diferenciada


de outros profissionais da área da saúde, permitirá ter uma abordagem mais eficaz no
atendimento de doentes inseridos em consulta de EC, uma vez que potencia e promove
o estabelecimento de uma relação de maior confiança, empatia e proximidade com cada
participante. Nesta interação, o enfermeiro tem um papel crucial na implementação e
condução do EC, incentivando o doente a participar ativa, livre e conscientemente no
protocolo de investigação. Através de uma linguagem clara e direcionada a cada
participante, o enfermeiro consegue fomentar a entrada de novos doentes nos vários
protocolos de EC, promovendo, dessa forma, a aprendizagem e a mudança
comportamental destes no que concerne à sua própria doença.

No âmbito da consulta de enfermagem de EC devem ser registados e avaliados todos


os dados quantitativos e qualitativos que permitam obter feedback constante acerca da
qualidade do trabalho de enfermagem prestado e da eficácia dos ensinos transmitidos
ao participante. No quadro 1, destacamos as principais funções do enfermeiro de EC.

210
5.4. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Ensaios Clínicos

Quadro 1 – Principais funções do Enfermeiro de Ensaios Clínicos

Informar/complementar a informação Administração do produto de


ao doente sobre o consentimento investigação
informado: objetivos, qual o Monitorização da adesão ao protocolo
tratamento, n.º de deslocações ao Identificação/Monitorização de eventos
centro de investigação, procedimentos adversos
em cada visita, benefícios e riscos Colaboração com o investigador
Colaborar no principal na condução do EC
recrutamento/identificação de doentes Implementação do protocolo
em cooperação com os investigadores Comunicação com Promotor
Avaliação de sinais vitais Nacional/Internacional
Avaliações físicas Treino de equipas/elementos de
Proteção do sujeito de investigação investigação
Recolha de dados Treino de Boas Práticas Clínicas
Inserção de dados em plataformas Gestão de stock do material dos
específicas (CRF - Case Report Form) ensaios
Preenchimento do dossier do Apoio e acompanhamento em todas as
investigador (Investigator Study File, fases do processo do EC
ISF) e dos arquivos de estudo Educação do doente e família
Colheita de amostras biológicas Linha de apoio telefónico através de um
Envio de amostras para laboratório contacto direto para a equipa de
central enfermagem – enfermeiro de
Ensinos sobre a correta administração referência
do produto de investigação Contribuir para a construção de
procedimentos internos de qualidade -
standard operating procedure (SOPs)

O ENFERMEIRO COMO COORDENADOR DE EC

Na equipa multidisciplinar de EC existe a figura de coordenador de estudo que é


descrito como sendo o coordenador de investigação clínica. Este é um profissional de
investigação especializado que trabalha com e sob a direção do investigador principal.
Enquanto o investigador principal é o principal responsável pela conceção global,
condução e gestão do ensaio clínico, o coordenador apoia, promove e coordena as
atividades diárias do ensaio clínico, desempenhando um papel crítico na condução do
estudo.(22)

Este profissional tem, entre outras, as seguintes as funções no EC:


• Apoio regulamentar na submissão dos estudos;
• Gestão financeira em articulação com os serviços financeiros;
• Acompanhamento de auditorias externas e inspeções;
• Acompanhamento de monitorizações;

211
C. Paiva, D. Pais, & S. Rodrigues

• Agendamento de consultas no período protocolado;


• Preenchimento de CRFs através dos processos dos doentes e resolução de
discrepâncias;
• Avaliação de exequibilidade, novos protocolos e aspetos financeiros ainda em
fase de submissão;
• Arquivo, gestão e atualização de documentos;
• Elaboração de documentos-fonte para orientação em cada visita do ensaio;
• Comunicação de problemas e violações ao protocolo;
• Esclarecimento de dúvidas por parte do monitor e equipa internacional;
• Gestão do envio de amostras para o laboratório central;
• Gestão de stocks;
• Arquivo, gestão e atualização de documentos.

O coordenador de investigação clínica, quando é um elemento de enfermagem,


atendendo às suas competências técnicas e científicas, presta cuidados ao doente e
garante a implementação correta do protocolo do EC.

As suas competências para avaliar, interpretar e sintetizar a informação, enquanto


garante a segurança dos sujeitos da investigação, a qualidade dos dados e a fidelidade
ao protocolo, fazem deste profissional um elemento imprescindível na investigação.(16)

Referências bibliográficas

1. Assembleia da República. Diário da República n. o 144/2015, Série I de 2015-07-27. p. 5027–8.


2. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. Regulamento europeu n o 536/2014. Jornal Oficial da
União Europeia. 2014.
3. Vale M. Ética Clínica: Conceitos de Moral, Ética e Bioética. 4. a ed. 1998. 192–201 p.
4. Associação Portuguesa de Familiares e Amigos de Doentes Alzheimer. Ensaios Clínicos: por um maior
envolvimento do cidadão. Alzheimer Port. 2019;71:8–10.
5. Rocha C, Serras R. Ensaios Clínicos em Portugal. Price water house Coopers/AG – Assessoria de Gestão,
Lda; 2019.
6. Ordem dos Enfermeiros. Estatutos da Ordem dos Enfermeiros [Internet]. 2015. Disponível em:
https://www.ordemenfermeiros.pt/media/8594/repe_estatuto2016_versao03-05-17.pdf
7. Afonso R. Ensaios clínicos: evolução regulamentar e seu impacto na competitividade em Portugal.
Universidade de Lisboa; 2017.
8. Serviço de Investigação Epidemiologia Clínica e Saúde Pública Hospitalar. Centro de Ensaios Clínicos
[Internet]. [citado 31 de Agosto de 2021]. Disponível em: http://www.ulsm.min-
saude.pt/servicos/centro-ensaios-clinicos/servico-de-investigacao-epidemiologia-clinica-e-saude-
publica-hospitalar/
9. Food and Drug Administration. Good Clinical Practice 101: An Introduction. [Internet]. [citado 31 de
Agosto de 2021]. Disponível em: https://www.fda.gov/files/medical devices/published/Presentation--
Good-Clinical-Practice-101--An-Introduction-%28PDF-Version%29.pdf
10. National Institute for Health Research. Good Clinical Practice [Internet]. [citado 31 de Agosto de 2021].
Disponível em: https://www.nihr.ac.uk/health-and-care-professionals/learning-and-support/good-
clinical-practice.htm
11. Vijayananthan A, Nawawi O. The importance of Good Clinical Practice guidelines and its role in clinical
trials. Biomed Imaging Interv J. 2008;4(1).
12. Sood A, Prasad K, Chhatwani L, Shinozaki E, Cha S, Loehrer L, et al. Patients’ attitudes and preferences

212
5.4. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Ensaios Clínicos

about participation and recruitment strategies in clinical trials. Mayo Clin Proc. 2009;84(3):243–7.
13. Aitken L, Gallagher R, Madronio C. Principles of recruitment and retention in clinical trials. Int J Nurs Pract.
2003;9(6):338–46.
14. Marcantonio E, J A, R J, Al E. Maximizing clinical research participation in vulnerable older persons:
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15. Robiner W, Yozwiak J, Bearman D, Strand T, Strasburg K. Barriers to clinical research participation in a
diabetes randomized clinical trial. Soc Sci Med. 2009;68(6):1069–74.
16. McCabe M, Behrens L, Browning S, Vessey J, Williams M. The Clinical Research Nurse: Exploring Self
Perceptions About the Value of the Role. Am J Nurs. 2019;119(8):24–32.
17. Kahl K. The Nurses’ Role in Clinical Trial: Everyone is Involved. [Internet]. 2019 [citado 31 de Agosto de
2021]. Disponível em: https://www.oncnursingnews.com/view/the-nurses-role-in-a-clinical-trial-
everyone-is-involved
18. Castro K, Bevans M, Miller-Davis C, Al E. Validating the clinical research nursing domain of practic. Oncol
Nurs Forum. 2011;38(2):72–80.
19. Thomas C, Hastings C, Wilson L. Research nurse manager perceptions about research activities performed
by non-nurse clinical research coordinators. Nurs Outlook. 2015;63(3):474–83.
20. Brinkman-Denney S. An international comparison of the clinical trials nurse role. Nurs Manag.
2013;20(8):32–40.
21. Green L. Explaining the role of the nurse in clinical trials: nursing standart. R Coll Nurs. 2011;25(22):35–9.
22. Washington University in St. Louis. Clinical Research Coordinator Roles and Responsibilities. [Internet].
2009. Disponível em: https://research.wustl.edu/about/roles-responsibilities/clinical-research-
coordinator

213
214
(Voltar ao Índice)

5.5. CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO DO ENFERMEIRO NOS


CUIDADOS À PESSOA COM DRM:

INTERNAMENTO

Georgina Pimentel1 e Isabel Dias2

O internamento, imprescindível em muitos casos, é reservado para o controlo dos


processos agudos que reuniram uma intervenção diagnóstica e terapêutica que não
possa ser tratada de forma ambulatória. É uma medida de custo elevada, que se
carateriza por uma importante deterioração das atividades pessoais, laborais e sociais
do utente.

O enfermeiro, devido às caraterísticas inerentes à profissão – a relação de


proximidade, a permanência junto do utente 24h, por dia, a necessidade crescente dos
cuidados de enfermagem – será, neste contexto, o elo de ligação da restante equipa
prestadora de cuidados de saúde ao utente e/ou prestador de cuidados.

Palavras-chave: enfermeiro de referência, internamento.

Objetivos de aprendizagem:

• Identificar as intervenções do enfermeiro de referência no internamento;


• Compreender em que medida o internamento tem impacto sobre o utente com
doença reumática.

1
Enfermeira no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E..
2
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, Enfermeira de Referência na Consulta Externa de
Reumatologia no Centro Hospitalar e Universitário Cova da Beira, E.P.E.

215
C. Pimentel & I. Dias

As DRM exigem uma abordagem multidisciplinar e multidimensional no processo de


cuidar, tendo em conta a sua complexidade. São doenças crónicas que tornam os
utentes e famílias mais vulneráveis, afetando várias dimensões das suas vidas: física,
psíquica, familiar, social, profissional e económica que requerem um acompanhamento
especializado e continuo ao longo de muitos anos.(1)

Como nos refere Silva(2), “raramente as doenças reumáticas têm cura, mas todas têm
tratamento útil e eficaz”. Para isso devem ser oferecidos cuidados continuados, que
necessariamente exigem competências na gestão de tratamento, vigilância e adaptação
às atividades de vida diária (AVD), bem como uma intervenção rápida, diferenciada e
multiprofissional.(3)

O internamento de um utente com patologia reumática, está indicado nos períodos


de agudização e descompensação multissistémica da mesma, para um diagnóstico e
tratamento de complicações infeciosas oportunistas ou outras, e ainda para tratamento
das consequências que estas acarretam, podendo levar a incapacidades severas, que
necessitam de intervenção médica e terapêutica imediata.(1,4) No entanto, também
podem existir devido à necessidade de introdução de um novo fármaco para o qual se
exija vigilância minuciosa dos seus efeitos ou ainda para realização de exames médicos
complexos, cuja preparação e pós exame exigem uma vigilância cuidadosa. Vários
estudos apontam, que uma gestão inadequada da doença e uma baixa adesão ao regime
terapêutico e comportamental recomendados, são causas que mais frequentemente
motivam o internamento.(4)

Durante o internamento são experienciados muitos sentimentos contraditórios,


pelos utentes, se por um lado aceitam esta fase com uma esperança, com vista à
melhoria do seu estado de saúde, por outro lado existem sentimentos de culpa (pela
negligência com a própria saúde), ansiedade, medo do que possa vir acontecer,
sofrimento, angústia face a resultados eventuais dos exames, ao prognóstico da doença,
pela perda de autonomia/ capacidades de desempenho e controlo da situação, pelo
medo perder o emprego, pela preocupação com familiares. É um momento sempre
delicado, assustador e perturbador condicionado por várias variáveis.(5)

E o papel do enfermeiro será sempre de proximidade, de apoio e cooperação para


com o utente e com equipa médica, no sentido de prevenir ou adiar estados de saúde.
Exigindo um processo de cuidar precoce, abrangente, holístico, diferenciado e
personalizado enquanto modelo assistencial, essencialmente educativo e preventivo.

O enfermeiro que acolhe o utente deve estabelecer desde logo, uma relação de
empatia, ajuda e confiança, tornando-se o profissional de saúde de referência
(responsável por gerir toda a informação obtida, desde a sua admissão até à data da sua
alta), que o ajudará na capacitação para a gestão da sua saúde, vida e bem-estar. Implica

216
5.5. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Internamento

um compromisso de ambas as partes, onde a promoção da saúde e a qualidade de vida


assumem-se como prioridades na prestação de cuidados.

Neste sentido, o enfermeiro deve apresentar-se pelo nome, mostrar as instalações


do internamento, falar sobre rotinas do serviço e horários refeições/visitas, apresentara
restante equipa, fazendo com que este se sinta acolhido e membro ativo e a chave deste
processo. Posteriormente deve realizar uma avaliação inicial, procurando envolver
sempre utente/ cuidador informal no seu plano de cuidados e tratamentos.

A ação do enfermeiro exige uma abordagem minuciosa e cuidada do utente em


todas as suas dimensões, avaliando a reação do utente à mudança instalada pela
doença, pela incapacidade/limitação, trabalhando com ele, ouvindo-o, encorajando-o,
partilhando os seus problemas e conquistas e, sobretudo incentivando-o a assumir e a
coresponsabilizar-se pelo seu tratamento, explorando ao máximo as suas
potencialidades tendo em vista o melhor ajustamento à sua vida futura.(6)

Silva(2) acrescenta que é “imperioso ajudar o utente a focar a sua energia nos triunfos
e aspetos positivos do tratamento, apesar das limitações ou incapacidades”.

As intervenções de enfermagem são delineadas segundo as necessidades que cada


um apresenta, projetando objetivos realistas e individuais (mas negociados exigindo
uma participação ativa), tendo em consideração o contexto pessoal, familiar e
profissional do utente. Procurando avaliar os resultados tendo sempre em conta o
potencial de recuperação e a continuidade dos cuidados.

O enfermeiro deve realizar de forma sistemática a avaliação do doente.

Assim deve proceder à observação e exame físico detalhado e conhecer


antecedentes pessoais e familiares, histórico de alergias, cirurgias realizadas,
sintomatologia presente, extensão das lesões/sequelas/limitações, hábitos e estilos de
vida, terapêuticas utilizadas, tendo em conta as características da própria doença, ao
conhecimento e capacidade de colaboração do utente, não esquecendo o ensino ao
utente/cuidador informal estabelecendo novas metas terapêuticas, de forma a
estimular o autocuidado, a máxima independência, promover habilidades de
autogestão para melhorar o controlo e autoeficácia, a adesão ao regime terapêutico,
prevenção de comportamentos de risco e/ou prevenir complicações, promovendo
mudança de comportamentos e estilos de vida saudáveis.(7,8)

O utente reumático é um ser humano com muitas particularidades. São pessoas que
na sua maioria, transportam consigo uma carga psicológica negativa muito grande, (não
só pelo sofrimento/dor e/ou pela perda progressiva da funcionalidade, alteração da
imagem e do papel na sociedade), e que por arrastamento, levam a bordo os que o
rodeiam, também eles emocionalmente e fisicamente desestabilizados muitas vezes. (1,9)

217
C. Pimentel & I. Dias

Transportam consigo situações muito complicadas e por isso são mais exigentes,
requerem mais atenção e cuidados mais pormenorizados, abrangentes, dirigidos e
especializados. Muitos apresentam já sequelas (muitas vezes irreversíveis), e a
consciencialização dessa realidade transforma-os em pessoas deprimidas, tristes,
frágeis com tendência ao isolamento e solidão. O apoio psicológico e a educação para a
saúde são fundamentais e essenciais em todas as fases da doença e do tratamento,
permitindo ao utente tomar decisões livres e esclarecidas, essenciais para
compreender, aceitar e conviver com a doença.(10,11)

Segundo as recomendações da EULAR “a educação em saúde/capacitação do utente


é fundamental para melhorar o conhecimento sobre a doença e saber como agir em
cada fase e para controlar a atividade da doença, reduzir os sintomas e melhorar os
resultados”.(12,13)

É durante o internamento e passando a fase aguda da condição que determinou a


hospitalização (com instituição de terapêutica dirigida, com estabilização
hemodinâmica, com acompanhamento multiprofissional, com incentivo à autonomia e
realização de AVD, com determinação estratégias preventivas e o planeamento de
programas de reabilitação….), que o enfermeiro inicia a preparação para a alta,
planeando e articulando procedimentos com a restante equipa, quer intra-hospitalar,
quer na comunidade, identificando os recursos existentes na comunidade, de forma a
salvaguardar a continuidade de cuidados. É durante este período, que o enfermeiro vai
informando/educando constantemente o utente sobre o que fazer, como e quando agir
e de que forma, para evitar recaídas, agudização do seu estado de saúde, novos
internamentos, incentivando a adoção de habilidades e estilos de vida saudáveis, (como
o repouso, o exercício físico, a alimentação saudável…), que levem à mudança de
comportamentos e atitudes que facilitam a integração social e interação deste com o
meio.

Referências Bibliográficas:

1. Sociedade Portuguesa de Reumatologia. Manual do Interno. 2. a ed. Lisboa, Portugal; 2016.


2. Silva J. Reumatologia Prática. 4.a ed. Portugal: Diagnósteo; 2017.
3. Batalha L. Doença crónica e hospitalização: implicações no desenvolvimento da criança e cuidados a
prestar. Coimbra, Portugal; 2017.
4. Bastos F. A pessoa com doença crónica - Uma teoria explicativa sobre a problemática da gestão da doença
e do regime terapêutico. Universidade Católica Portuguesa, Porto; 2011.
5. Sá M. Perceções da condição de saúde, da autonomia e do autocuidado entre pessoas com doença
reumática. Universidade Católica Portuguesa, Porto; 2015.
6. Nunes A, David H. Os desafios da enfermagem reumatológica: uma perspetiva emergente no cuidado.
Rev Enferm. 2014;22(6):853–7.
7. Eijk-Hustings Y, Tubergen A, Boström C, Braychenko E, Buss B, Felix J, et al. EULAR recommendations for
the role of the nurse in the management of chronic inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis.
2012;71(1):13–9.

218
5.5. Contextos de Intervenção do Enfermeiro nos Cuidados à Pessoa com DRM: Internamento

8. Rodrigues M, Martins L, Silva D, Meirelles B, Arruda C, Reckziegel J. Perception of people with chronic
diseases about hospitalization. Rev Enferm. 2017;11(6).
9. Soares E. Os familiares e o processo de internamento de um membro da família no hospital: vivenciar
uma transição. Universidade do Porto; 2013.
10. Direção Geral da Saúde. Manual de Boas Práticas - Literacia em Saúde. 2019.
11. Trindade I, Teixeira J. Aconselhamento psicológico em contextos de saúde e doença - Intervenção
privilegiada em psicologia da saúde. Análise Psicológica. 2000;18(1):3–14.
12. Zangi H, Ndosi M, Adams J, Andersen L, Bode C, Boström C, et al. EULAR recommendations for patient
education for people with inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis. 2015;74(6):954–62.
13. Bech B, Primdahl J, Tubergen A, Voshaar M, Zangi H, Barbosa L, et al. 2018 update of the EULAR
recommendations for the role of the nurse in the management of chronic inflammatory arthritis. Ann
Rheum Dis. 2020;79(1):61–8.

219
220
6
CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM

6.1. Fundamentos

6.2. Promoção da autogestão

6.3. Promoção da adesão terapêutica

6.4. Aplicação e interpretação de medidas reportadas pelo doente

6.5. Importância das associações de doentes

6.6. Apoio social e laboral

6.7. Sexualidade e vida familiar

221
222
(Voltar ao Índice)

6.1. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA:


FUNDAMENTOS

Filipa Ventura1

Os cuidados centrados na pessoa representam uma mudança no paradigma de


prestação de cuidados e organização dos serviços de saúde. Tal mudança passa por
considerar a pessoa como perita na sua experiência de saúde/doença, tal como a equipa
multidisciplinar é perita no conhecimento científico e melhor evidência disponível para
o cuidar.

Para uma prática de cuidados centrados na pessoa sistemática e sustentada importa


compreender o conceito de pessoa à luz da filosofia do personalismo e os modelos
teóricos atuais: o modelo do Centro da Universidade de Gotemburgo para o cuidado
centrado na pessoa (GPCC); e o modelo do Centro de Investigação para a Prática
Centrada na Pessoa da Universidade de Queen Margaret (CPcPR).

Palavras-chave: cuidados centrados na pessoa, personalismo, parceria, narrativa.

Objetivos de Aprendizagem:

• Reconhecer os elementos de personalidade que caracterizam a pessoa;


• Reconhecer os referenciais teóricos europeus para os cuidados centrados na pessoa;
• Identificar as rotinas para implementação do cuidado centrado na pessoa;
• Identificar os domínios principais ao nível micro, meso e macro promotores da
prática centrada na pessoa.

1
Enfermeira. Investigadora Júnior, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E), Escola
Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC).

223
F. Ventura

Em 2001 o Institute of Medicine, atual National Academy of Medicine, nos Estados


Unidos da América (EUA) veio referir a prática centrada na pessoa como uma
intervenção essencial para a adaptação dos sistemas de saúde às necessidades das
sociedades atual e futura.(1) Esta referência, viria a ser o gatilho impulsionador do
movimento internacional para a mudança de paradigma de prestação de cuidados no
sentido da sua centralidade na pessoa.(2)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) veio reforçar a importância de integrar as


perspetivas dos indivíduos, famílias, e comunidades, tanto como participantes no co-
desenvolvimento dos serviços, como enquanto utilizadores, de acordo com as suas
expectativas, preferências e necessidades de forma humana e holística.(3) Na sua
definição de Cuidados Centrados nas Pessoas (ie. people-centred care), a OMS enaltece
que esta abordagem deverá estender-se para lá do encontro clínico, primando pelo foco
na saúde da pessoa na sua comunidade. Neste contexto, a educação e o apoio são
pilares essenciais para que a pessoa possa participar em processos de tomada de
decisão partilhada de modo informado, livre e esclarecido, bem como nos seus próprios
cuidados. Do ponto de vista das organizações e contextos de prestação de cuidados, a
OMS refere a importância de um ambiente de trabalho que permita ao prestador de
cuidados alcançar um funcionamento pleno. A organização dos serviços de saúde
deverá ser estruturada de forma integrada num continuum de promoção da saúde,
prevenção da doença, diagnóstico, tratamento, gestão da doença, reabilitação e
cuidados paliativos, em torno do cidadão e não das organizações ou contextos de
prestação de cuidados e ao longo do ciclo vital.(4)

Na Europa, os países escandinavos e o Reino Unido têm sido pioneiros no


desenvolvimento de recomendações para a prática de cuidados centrados na pessoa
com impacto nas políticas de saúde,(2) bem como de modelos teóricos promotores da
sua implementação sistemática e sustentada.(5) Neste âmbito, importa referir os dois
centros de investigação de referência Europeia para a prática, investigação e ensino dos
cuidados centrados na pessoa: a) Centro da Universidade de Gotemburgo para o
cuidado centrado na pessoa (GPCC), Gotemburgo, Suécia e b) o Centro de Investigação
para a Prática Centrada na Pessoa da Universidade de Queen Margaret (CPcPR),
Edimburgo, Escócia.

Em Portugal, o ‘SNS + Proximidade’ ancorado nos princípios emanados pela OMS,


representa o acompanhamento da mudança de paradigma para ir ao encontro das
necessidades e expectativas do cidadão, reconhecendo o papel central da pessoa na
gestão dos seus processos de saúde.(6)

Assentando numa perspetiva regularmente designada de psicossocial, a


centralidade dos cuidados na pessoa procura distanciar-se da orientação biomédica, em
que paradigmas como o reducionismo objetificam a pessoa à sua doença, a um

224
6.1. Cuidados Centrados na Pessoa: Fundamentos

diagnóstico, a um conjunto de sinais e tratamento.(7) Aquela perspetiva psicosssocial


assenta necessariamente no paradigma holístico em que, nas palavras de Sir William
Osler considerado o pai da medicina moderna, “tão importante quanto conhecer a
doença que a pessoa tem, é conhecer a pessoa que tem a doença”. Neste contexto,
importa refletir no conceito de pessoa que alicerça os atuais modelos teóricos para a
prática de cuidados centrados na pessoa.

O personalismo é uma corrente ideológica particularmente impulsionada pelo


francês Emmanuel Mounier no contexto Europeu. Na sua essência, o personalismo de
Mounier representa o respeito máximo pelos direitos humanos e pela personalidade: a
pessoa não pode ser reduzida a um objeto, i.e. a uma aglomeração de matéria, a um
corpo; é também um ser espiritual posicionado numa história e constitutivamente
social; tem de ter garantida a sua liberdade; e é um ser responsável pelas suas ações.(8)
Ao procurar o afastamento da dicotomia ontológica cartesiana entre corpo e a mente,
também Merleau-Ponty refletiu sobre a intersubjetividade da pessoa, reconhecendo
que existe uma consciência e um corpo unos, os quais são condição da abertura ao
mundo envolvente, da sua perceção e da interação com esse mesmo meio.(9) A mesma
perspetiva de construtivismo social é reforçada por Paul Ricœur, para quem uma pessoa
não pode existir (ie. ser, estar, transformar-se) sem o outro.(10) Ricœur acresce à
perspetiva de Merleau-Ponty o foco na reciprocidade deste processo de ser, estar e
transformar-se: é da interação autêntica entre as pessoas que emerge uma relação
simétrica para benefício construtivo dos envolvidos. Através desse processo de
interação cada pessoa contribui para que a outra também o seja.(11) Nesta linha de
pensamento, John Dewey refere o desenvolvimento de um espaço facilitador da
expressão e interação.(12) espaço esse em que de acordo Charles Taylor as pessoas
interagem com autenticidade de forma reflexiva, partindo dos seus hábitos,
expectativas, perceções e preconceitos.(13) No que respeita à autenticidade, Taylor
reconhece a necessidade dos agentes nesse espaço de expressão estarem atentos um
ao outro e dispostos a desafiar os seus horizontes pessoais do que lhes é significativo,
para ir ao encontro do que é significativo para o outro.(14)

No âmbito da objetificação, Ricœur acresce a Merleau-Ponty a perspetiva de que a


pessoa será inevitavelmente constituída tanto por fragilidades e vulnerabilidades, como
por capacidades e recursos (ie. Homo capax).(15) Com particular interligação às ciências
humanas e sociais, Ricœur reflete sobre a identidade pessoal expondo ainda a
autonomia como uma característica da personalidade deste ser capaz. Por conseguinte,
a capacidade de tomar decisões e ser responsabilizado pelos seus atos e intervenções,
irá sempre emergir num contexto de interdependência e reciprocidade com o(s)
outro(s) e com o meio que rodeia a pessoa. Este Homo capax ativo e participativo é
concomitantemente um ser frágil e em sofrimento. Ser-se pessoa é, de acordo com
Ricœur, reconhecer que as capacidades são em si limitadas.(15)

225
F. Ventura

Os modelos teóricos para a prática de cuidados centrados na pessoa partilham na


sua génese os princípios filosóficos do personalismo, construtivismo e realismo, e da
ética sobre o respeito pela singularidade da pessoa, importância das relações e
responsabilidade pelos seus atos.

O Modelo do GPCC assenta na premissa de centralidade do cuidado na pessoa como


a operacionalização de um dever ético do profissional de saúde, fundamentalmente
guiado pela ética de Paul Ricœur que visa ‘a procura de uma vida boa, com e para os
outros, em instituições justas’.(16) Para os serviços de saúde e o cuidado centrado na
pessoa, tal ética poderá traduzir-se no objetivo de alcançar a saúde e o bem-estar, com
e para a pessoa-doente, familiares e profissionais de saúde em instituições justas. No
contexto clínico e de interação com a pessoa/família o Modelo do GPCC caracteriza-se
pela implementação de três rotinas associadas aos cuidados: escuta da narrativa,
estabelecimento de uma parceria de peritos e salvaguarda dessa parceria através da
documentação de um plano de saúde.(17) A implementação destas rotinas tem vindo a
ser estudada com o objetivo de alcançar sistemas de saúde mais sustentáveis.(5) Deste
Modelo emana a norma europeia EN 17398:2020 para o envolvimento do doente nos
cuidados de saúde: requisitos mínimos para os cuidados centrados na pessoa,
desenvolvida pelo comité técnico CEN/TC 450 e publicada em Junho 2020.(18)

O modelo do CPcPR reforça que uma sustentação clara nos princípios emanados do
personalismo é o elemento diferenciador entre uma qualquer estratégia de melhoria de
qualidade de cuidados de saúde (por exemplo, promoção da tomada de decisão
partilhada), e um foco contínuo e sistemático na essência da humanidade da pessoa.
Seguindo o Modelo do CPcPR, a prática centrada na pessoa é uma abordagem
estabelecida através do desenvolvimento e promoção de relacionamentos saudáveis
entre todos os prestadores de cuidados, utilizadores dos serviços de saúde e outras
pessoas que lhes sejam significativas. Tal abordagem é ancorada em valores de respeito
pela pessoa, o direito individual à autodeterminação e compreensão mútua. Para que a
prática centrada na pessoa ocorra é ainda essencial uma cultura institucional de
empoderamento que promova abordagens contínuas para o desenvolvimento da
prática.(19) O modelo concetual da abordagem para a prática centrada na pessoa (PCPF)
foi originalmente desenvolvido no domínio da enfermagem, mas a evidência mais
recente demonstra uma utilidade e adequação transversais à categoria profissional e
até ao contexto de cuidados (por exemplo cuidados primários e cuidados diferenciados).
A PCPF é constituída por cinco domínios essenciais: o contexto macro, os pré-requisitos,
o ambiente da prática, os processos de centralidade na pessoa e os resultados. Desta
forma, a PCPF mapeia circularmente a complexidade associada à articulação dos vários
construtos contextuais, de atitude e morais que caracterizam a dimensão humana dos
cuidados de saúde. Cada um deles e a sua articulação aos vários níveis, serão necessários
para que se consiga alcançar o resultado final de uma prática centrada na pessoa, ie.

226
6.1. Cuidados Centrados na Pessoa: Fundamentos

uma cultura saudável nos cuidados de saúde. O atributo saudável associado à cultura
pretende, nestas circunstâncias, refletir o benefício para todos os envolvidos,
contrapondo com o atributo terapêutico originalmente escolhido, o qual direcionava o
benefício da PCP apenas para o utente. Por conseguinte, a cultura saudável deverá ser
percecionada tanto pelos utentes como pelos colaboradores e observada em processos
de tomada de decisão partilhada, relações profissionais eficazes e colaborativas, formas
de liderança que apoiam a transformação e inovação.(19)

Referências Bibliográficas

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Quality of Health Care in America. To err is human: building a safer health system. Wash DC Natl Acad.
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4. World Health Organization. (2016). Framework on integrated, people-centred health services. Disponível
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Disponível em https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2017/11/20171120_LivroSNsProximidade-
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8. De Tavernier, Johan. The Historical Roots of Personalism. Ethical Perspect. 2009;(3):361–92.
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10. Ricoeur P. Oneself as Another. University of Chicago Press; 1994.
11. Ricœur P. The Course of Recognition. Harvard University Press; 2005.
12. Dewey, John. Människans natur och handlingsliv. Göteborg Daidalos AB. 1936;
13. Taylor C. Philosophical Papers: Volume 2, Philosophy and the Human Sciences. Cambridge University
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14. Taylor C. The Ethics of Authenticity. Harvard University Press; 1992. 164 p.
15. Uggla, BK. Homo Capax: texter av Paul Ricœur om etik och filosofisk antropologi (Homo Capax: textos de
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16. Ekman I, Swedberg K, Taft C, Lindseth A, Norberg A, Brink E, et al. Person-centered care--ready for prime
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18. EN 17398:2020 - Patient involvement in health care - Minimum requirements for person-centred care.
[citado 27 de Setembro de 2021]. Disponível em:
https://standards.iteh.ai/catalog/standards/cen/4dca7988-e569-4845-a72a-26a51f5a3c29/en-17398-
2020
19. McCormack B, McCance T, Bulley C, Brown D, McMillan A, Martin S. Fundamentals of Person-Centred
Healthcare Practice. John Wiley & Sons; 2021.

227
228
(Voltar ao Índice)

6.2. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM :

PROMOÇÃO DA AUTOGESTÃO

Lurdes Barbosa1

A pessoa com doença reumática inflamatória e sua família vivem momentos de


grande exigência, necessitando e beneficiando de acompanhamento especializado por
parte dos profissionais de saúde, de forma a conseguirem ultrapassar as dificuldades
que serão específicas de cada individuo.

O cuidado de enfermagem desenvolvido à luz da teoria do cuidado centrado na


pessoa do cliente, como dizem McCormack e McCance(1), da teoria da individualização
da intervenção como defendem Suhonen et al.(2) e da teoria do autocuidado de
Dorothea Orem,(3) tem como objetivo capacitar a pessoa para o autocuidado e ajudá-la
a conviver melhor com a sua condição de saúde.

Palavras-chave: doença reumática inflamatória; intervenções de enfermagem;


autocuidado.

Objetivos de Aprendizagem:

• Identificar, planear e descrever as intervenções de enfermagem que favoreçam a


adaptação, recuperação e autocuidado da pessoa com doença reumática
inflamatória.

1
Enfermeira responsável pelo Hospital de Dia do Serviço de Reumatologia do Hospital Garcia de Orta em Almada.

229
L. Barbosa

A pessoa com doença crónica necessita de um acompanhamento regular por parte


de uma equipa multidisciplinar, onde está inserido o enfermeiro. Este
acompanhamento, na pessoa com doença reumática e músculo-esquelética (DRM), terá
como possível objetivo prevenir e controlar a lesão articular/estrutural, prevenir a perda
de capacidade funcional, diminuir e controlar a dor e melhorar a qualidade de vida da
pessoa e sua família.(4-6) Segundo Primdahl e Esbensen(7), os enfermeiros de
reumatologia precisam de efetuar uma avaliação multidimensional da saúde e funcional
do doente. O enfermeiro inserido na equipa multidisciplinar assume intervenções
autónomas e de elo de ligação dentro da equipa, na gestão global do cuidado
prestado.(8)

INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM À PESSOA COM DOENÇA REUMÁTICA


INFLAMATÓRIA, PARA A PROMOÇÃO DO AUTOCUIDADO

A enfermagem é a arte de cuidar baseada na ciência e que produz conhecimento


específico. Este conhecimento específico traduz-se nas intervenções de enfermagem
que direcionamos à pessoa de quem cuidamos. Intervenções essas que devem obedecer
ao código deontológico da profissão e que devem ser “realizadas com a preocupação da
defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana”, e quando são delineadas o
enfermeiro deve “conhecer as necessidades da população e da comunidade em que está
profissionalmente inserido” (pág. 80-82).(9)

As competências do enfermeiro passam pela identificação das necessidades da


pessoa, família e cuidadores, assegurando a deteção precoce, estabilização,
manutenção e a recuperação decorrentes da doença reumática inflamatória.

Para além de termos em conta o papel do enfermeiro, qualquer intervenção que a


enfermagem tenha para com a pessoa e família de quem cuida, tem de ter sempre em
mente os modelos de enfermagem com os quais as intervenções mais se coadunam (ver
Capítulo 4.). Um dos modelos que a enfermagem deverá ter sempre em consideração,
é o modelo que defende o cuidado centrado na pessoa do cliente, como sustentam
McCormack e McCance(1) (Ver Capítulo 6.1.), e a individualização da intervenção como
defendem Suhonen et al.(2)

O modelo de cuidados centrados na pessoa(10) diz que são cuidados que incorporam
o respeito pelos valores da pessoa e as suas preferências; oferecem informação clara e
em termos adequados; promovem autonomia na tomada de decisão e atendem as
necessidades de conforto e suporte emocional. Segundo esta teoria é pedido aos
prestadores de cuidados que escutem as pessoas; que respeitem a dignidade e
privacidade; que reconheçam as diferenças e necessidades específicas, incluindo
necessidades culturais e religiosas; que habilitem e possibilitem as pessoas a efetuar

230
6.2. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Autogestão

escolhas, proporcionando a informação possível, envolvendo-as em todas as decisões


sobre as suas necessidades e cuidados.

A pessoa com DRM e sua família necessitam de tempo para estar com um
profissional de saúde que lhes promova momentos onde haja partilha de informação e
onde a pessoa possa questionar sobre as suas dúvidas e receios. As respostas a essas
questões, dadas por um enfermeiro, deverão ter sempre em conta as crenças e valores
da pessoa. Os cuidados centrados na pessoa são uma atitude e não um procedimento.

Ao estabelecer intervenções de enfermagem, estas devem ser individualizadas,


como defende Suhonen et al.(2) Só assim, a pessoa que é alvo destas intervenções
poderá aumentar o grau de adesão ao cuidado recomendado.(2) Esta individualização do
cuidado prestado vai promover o compromisso entre o enfermeiro e a pessoa e sua
família, ajudando-a no seu percurso de vida.

Segundo Grady(11), à medida que as doenças crónicas emergem como uma grande
preocupação de saúde pública, a autogestão continuará a crescer como uma abordagem
crucial para gerir estas condições, prevenir a doença e promover o bem-estar.

As intervenções que passaremos a descrever estão baseadas no conceito de


autocuidado, que Orem define como “prática de atividades que os indivíduos iniciam e
realizam em seu próprio benefício, para a manutenção da vida, da saúde e do bem-
estar” (p. 19)(12) e nas recomendações da European Alliance of Associations for
Rheumatology (EULAR). A EULAR é uma organização europeia que representa a pessoa
com doença reumática, os profissionais de saúde que fazem parte da equipa
multidisciplinar (não médicos e onde se inserem os enfermeiros) e as sociedades
científicas de Reumatologia. Uma das funções desta organização é a de fomentar o
apoio aos profissionais de saúde que se dedicam a esta área, para definirem
recomendações baseadas na melhor evidência científica e unificarem os procedimentos
de avaliação e tratamento da pessoa com doença reumática e sua família.

CONHECIMENTO SOBRE A DOENÇA E PROCESSO TERAPÊUTICO

A educação para a saúde é muito importante para a pessoa com uma doença crónica.
Se esta pessoa não entender a doença (ver Capítulo 1) e não souber gerir a mesma,
dificilmente aceitará os tratamentos (ver Capítulo 2), que serão uma constante ao longo
da sua vida.

Bech et al.(13) e Zangi et al.(14), publicaram recomendações sobre o papel do


enfermeiro na gestão da artrite inflamatória crónica e sobre a educação ao doente para
a pessoas com artrite inflamatória (ver Capítulo 3.1.) respetivamente. Nestes

231
L. Barbosa

documentos, é recomendado que os enfermeiros: promovam educação individualizada


e direcionada à pessoa com patologia reumática inflamatória, para que esta melhore o
seu conhecimento sobre os sintomas e saiba o que pode esperar em termos de evolução
da patologia.

Primdahl e Esbensen(7) referem que no caso da pessoa com artrite, a educação deve
incidir sobre a própria doença, controlo de sintomas e prevenção de complicações
associadas à doença (ver Capítulo 3.6.). Este ensino deverá incluir a família/cuidador,
porque a dor e a incapacidade funcional que a artrite provoca, vão obrigar a pessoa a
necessitar de apoio de quem lhe está mais próximo.

Intervenções de enfermagem:

a) Explicar a natureza da doença, tendo a certeza que a pessoa e sua família


compreenderam que se trata de uma situação crónica e que esta poderá provocar
alterações significativas no estilo de vida.

b) Explicar os exames de diagnóstico que possam ser necessários fazer.

c) Explicar os tratamentos farmacológicos e não farmacológicos que serão prescritos


para a sua condição.

CONHECIMENTO SOBRE ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEL

Manter uma alimentação saudável e variada; não fumar; praticar atividade física
dentro das capacidades da pessoa (ver Capítulo 3.4.) e ter um sono reparador, fazem
parte de um conjunto de atividades que promovem um estilo de vida saudável, que irá
ser benéfico para manter a qualidade de vida da pessoa com artrite.

Intervenções de enfermagem:

a) Explicar a importância de uma boa alimentação e hidratação, evitando o excesso


de açúcares e o excesso de sal (ver Capítulo 3.8.).

b) Explicar os malefícios dos hábitos tabágicos.

c) Promover uma prática de exercício físico, que a pessoa esteja apta a praticar. Se
necessário referenciar ao especialista.

d) Ensinar hábitos para a pessoa ter uma boa higiene do sono.

232
6.2. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Autogestão

CAPACIDADE FUNCIONAL / ROBUSTEZ E VIGOR

Para que a pessoa mantenha a força muscular e a amplitude de movimentos


articulares, devemos aconselhar o doente a manter a mobilidade possível, dentro dos
seus próprios limites. O exercício físico reduz a dor e a rigidez e promove o bem-estar.(15)

Intervenções de enfermagem:

a) Ensinar a pessoa a manter uma postura correta quando estiver de pé, a andar e
quando estiver sentado.

b) Aconselhar a pessoa a sentar-se numa cadeira alta, evitando sofás baixos, para
mais facilmente se levantar. Em relação à sanita, poderá indicar a aquisição de assento
de sanita mais alta, para mais facilmente se conseguir levantar.

c) Aconselhar a pessoa a alternar períodos de atividade física com períodos de 5 a


10 minutos de repouso, a cada hora.

d) Reforçar a importância da correção da postura enquanto dorme. Aconselhar a


dormir em decúbito dorsal, evitando a colocação de almofada sob os joelhos, para evitar
a flexão dos mesmos.

e) Ensinar a pessoa a usar a maior articulação possível para determinado


movimento, com o intuito de “poupar” as articulações que estejam afetadas pela artrite.
Sempre que possível evite levantar objetos pesados, preferindo empurrá-los.

f) Alertar para a importância do controlo de peso para poupar na carga imposta às


articulações.

g) Informar o cuidador para dar tempo suficiente à pessoa para realizar as AVD, tais
como vestir-se ou alimentar-se.

h) Instruir a pessoa sobre a existência de ajudas técnicas como por exemplo, o uso
de fechos com pega grossa, em toda a roupa, em substituição de botões; o uso de
atacadores de velcro ou de elástico; o uso de calçadeiras de cabo comprido; o uso de
talhares com cabos grossos; dispositivo facilitador de abertura de frascos ou uso de
pinças de preensão para apanhar objetos do chão (ver Capítulo 5.1.).

DOR

A dor é uma característica da patologia reumática inflamatória e deve ser incluída


na avaliação à pessoa com artrite (ver Capítulo 3.2.).(16) Quando avaliamos uma pessoa
e queremos saber sobre a sua dor, devemos reservar um tempo na consulta para que o
doente fale sobre a sua experiência de viver com dor. Só assim o enfermeiro consegue

233
L. Barbosa

obter informação sobre como a dor começou, possíveis fatores desencadeantes,


tratamentos prévios, quais as crenças do doente e quais as suas expectativas.(16)

Intervenções de enfermagem:

a) Ensinar a pessoa a utilizar as escalas de avaliação de dor, com que avaliamos a


intensidade da dor.

b) Informar da importância de seguir um programa de exercícios, regular, para


diminuir a rigidez e a consequente dor, fora do período agudo de doença.

c) Ensinar a pessoa a evitar o uso das articulações que estejam afetadas pela artrite,
ou seja que estejam dolorosas e com edema.

ESTADO EMOCIONAL / ESTADO MENTAL

Bech et al.(13), nas recomendações sobre o papel do enfermeiro na gestão da artrite


inflamatória crónica recomendam que os enfermeiros identifiquem, avaliem e abordem
questões psicossociais (ver Capítulo 3.7.), com o intuito de minimizar o aparecimento
de ansiedade e depressão.

Intervenções de enfermagem:

a) Proporcionar apoio emocional à pessoa, estimulando para que a pessoa fale sobre
o que a preocupa. As suas preocupações podem estar relacionadas com a dependência
de outros para realizar as AVD ou mesmo pela incapacidade para as realizar. Podem
estar relacionadas com a alteração da sua imagem corporal e autoestima.

b) Utilizar questionários de avaliação da depressão.

c) Encaminhar, se necessário, para aconselhamento apropriado com um especialista.

Muito mais há a dizer sobre a capacitação para o autocuidado da pessoa com doença
reumática inflamatória. De todas as dimensões existentes, física, cognitiva, psicológica,
sociodemográfica, social/saúde, espiritual/cultural e económica, optámos por escolher
aspetos das três primeiras dimensões, por considerar que num primeiro contacto serão
as escolhidas na abordagem a esta pessoa. Só com o decorrer do processo de cuidar e
em sucessivas avaliações, as restantes dimensões serão avaliadas.

234
6.2. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Autogestão

Este capítulo pretende dar a conhecer que a capacitação para o autocuidado da


pessoa com doença reumática inflamatória e sua família é um possível caminho para
avaliação do trabalho autónomo que a enfermagem pode desenvolver.

Referências Bibliográficas

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7. Primdahl J, Esbensen B. Rheumatoid Arthritis. Em: Ryan S, editor. Nursing Older People with Arthritis and
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9. Ordem dos Enfermeiros. Estatuto da Ordem dos Enfermeiros alterado e republicado pela Lei n o 156/2015
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11. Grady P, Gough L. Self-management: A comprehensive approach to management of chronic conditions.
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16. Ryan S. Pain management. Em: Ryan S, editor. Nursing Older People with Arthritis and other
Rheumatological Conditions. Switzerland: Springer Nature; 2020. p. 97–111.

235
236
(Voltar ao Índice)

6.3. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM :

PROMOÇÃO DA ADESÃO TERAPÊUTICA

Isabel Fidalgo1

Os grandes avanços verificados no tratamento das DRM nas últimas décadas,


debatem-se, como nas restantes doenças crónicas, com a falta de adesão à terapêutica.

Cerca de 30 a 80% dos doentes com DRM não cumprem o plano terapêutico
prescrito, com consequente agravamento da doença, aumento das comorbilidades,
perda da qualidade de vida, e sobrecarga financeira dos sistemas de saúde.

A identificação de fatores de risco preditivos de não-adesão, embora difícil, e a


elaboração de estratégias práticas a adotar são os objetivos e o constante desafio para
os profissionais de saúde vocacionados para a gestão de todo o complexo processo de
educação, ensino e monitorização do plano terapêutico dos doentes reumáticos.

Palavras-chave: adesão; doenças reumáticas e músculo-esqueléticas; estratégia


terapêutica.

Objetivos de aprendizagem:

• Compreender a importância crucial do cumprimento terapêutico e as suas


implicações na evolução favorável da doença;
• Identificar potenciais fatores de não- adesão (intencional/não-intencional), bem
como desenvolver procedimentos de intervenção, nomeadamente com a realização
de questionários simples e reprodutíveis na prática clínica, de forma a otimizar e a
responsabilizar o doente pela adesão ao regime terapêutico.

1
Enfermeira no Hospital de São João, E.P.E. no Departamento de CAM – Serviço Consulta de Reumatologia.

237
I. Fidalgo

A abordagem terapêutica das doenças reumáticas imunomediadas, graças ao


desenvolvimento de fármacos inovadores denominados de biotecnológicos (bDMARD),
melhorou drasticamente nas últimas décadas. Os benefícios terapêuticos com estes
fármacos refletem-se em melhor controlo da atividade da doença, melhoria do
prognóstico funcional e da qualidade de vida dos doentes (ver Capítulos 1 e 2).

A eficácia do tratamento depende, contudo, da adesão por parte do doente. Sabe-


se que 30-80% dos doentes com patologia reumática não cumpre adequadamente a
terapêutica prescrita, o que comporta um impacto negativo na relação custo-
efetividade destes fármacos.(1, 2)

No entanto, não existe ainda uma definição consensual de adesão terapêutica.


Vários termos têm sido utilizado na literatura, como compliance, adherence e
concordance, como sinónimos de adesão.(2) A não-adesão, de acordo com a Organização
Mundial de Saúde, é definida como todo o espetro do comportamento do doente que
não corresponde à prescrição farmacológica ou não-farmacológica acordada com os
profissionais de saúde. Pode ser intencional ou não-intencional, ocorrer no início do
tratamento (não-aceitação inicial) ou no decorrer do mesmo.(3)

Torna-se, pois, pertinente desenvolver estratégias que permitam prevenir,


monitorizar e avaliar de forma contínua fatores de não-adesão, possibilitando, assim, a
otimização dos resultados clínicos.(3, 4)

Este trabalho tem como principais objetivos identificar potenciais fatores de não-
adesão (intencional/não-intencional) e desenvolver procedimentos de intervenção, de
forma a promover a adesão ao regime terapêutico.

Identificação de potenciais fatores de não-adesão

Os determinantes para a não-adesão terapêutica são variados e influenciam-se


mutuamente, sendo, por isso, difíceis de avaliar.(5) Apesar de vários questionários
existentes para avaliar a adesão nas artrites inflamatórias, estes são utilizados
sobretudo na investigação clínica.(6)

A adesão terapêutica varia nas diferentes doenças reumáticas e no tipo de


tratamento prescrito. Numa revisão sistemática da literatura a adesão variou de 34-93%
na artrite reumatóide, 45-75% na artrite psoriática e 75% na espondilite anquilosante.(7)

As taxas de adesão diferem entre os vários fármacos biotecnológicos e respetivos


regimes terapêuticos.(8) Está demonstrado, por exemplo, que as administrações dos
fármacos por via intravenosa e subcutânea efetuadas por profissional de saúde parecem
aumentar a adesão terapêutica.(9)

238
6.3. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Adesão Terapêutica

A adesão é um reflexo de múltiplos fatores, incluindo as expetativas do doente


acerca da necessidade de tratamento e receios de efeitos adversos.(10-13) De facto, a
perceção do doente relativamente à sua doença crónica influencia o padrão
comportamental de adesão.(14) A Organização Mundial da Saúde, através do seu Modelo
Multidimensional de Adesão, discrimina estes fatores em cinco itens: (2, 15)

• Fatores socioeconómicos;
• Terapêutica;
• Indivíduo;
• Patologia;
• Serviços/profissionais de saúde.

Fatores não-modificáveis como a idade, o género e a etnia não parecem ser fatores
preditivos isolados, no entanto, o sexo masculino parece ter melhor adesão à
terapêutica. (5, 16-17) A causa desta diferença entre sexos não é clara, mas pode envolver
fatores psicossociais como relação eficácia/segurança do fármaco, bem-estar
emocional, relação com os profissionais de saúde.(18)

Existem várias definições de não-adesão, nomeadamente primária ou secundária,


repetida ou esporádica, embora a mais utilizada na literatura pela maioria dos autores
seja a de intencional e não-intencional, tal como descritos na Tabela 1. (19-23)

Tabela 1 – Tipos de não-adesão e exemplos

Intencional (70%) Não-intencional (30%)


Decisão ativa Processo passivo
Dificuldade de adaptação ao regime Esquecimento (alterações da memória ou
terapêutico descuido)
Crenças relativas à doença Perfil cognitivo
Perceção de não-eficácia dos fármacos Nível educacional
Receio de efeitos adversos Fatores socioeconómicos
Falhas de comunicação Polimedicação
Informação insuficiente do regime Défices funcionais
terapêutico

Estratégias para a Promoção da Adesão Terapêutica

A implementação de estratégias para prevenir ou minimizar a não-adesão são


essenciais para o sucesso terapêutico dos doentes com doenças reumáticas,
sumarizadas na tabela 2.(13, 24)

239
I. Fidalgo

Tabela 2 – Resumo de estratégias para prevenir não-adesão(4)

Estratégias Exemplos
Educação/Informação - Fármacos
- Fisiopatologia da doença
- Exercício físico
- Proteção articular
- Controlo da dor
- Estratégias de coping
- Estilos de vida saudável
Educação/Informação facultada - Verbal (de forma presencial ou não-
presencial)
- Escrita (panfletos ou mensagens de texto)
- Gráficos
Sugestões Ligar a toma da medicação a outro
comportamento de rotina (por exemplo
escovar os dentes)
Monitorização Uso de um calendário de medicação
Reforço da motivação Elogiar e recompensar o cumprimento
terapêutico
Facilitação da comunicação Possibilidade de expressar questões e
dúvidas
Revisão de planeamento estratégico Revisão frequente do plano terapêutico e
dar feedback/respostas
Tratamento individualizado De acordo com a preferência e objetivos do
doente

Educação do doente

Processo de aprendizagem interativa, planeada para apoiar e capacitar o doente a


gerir a sua doença reumática de forma a otimizar os resultados e o seu bem-estar.(25) A
importância deste aspeto já foi estabelecida, sendo parte integrante das
recomendações EULAR na abordagem de algumas doenças reumáticas. (26-28) As
intervenções educacionais em pessoas com AR demonstraram significativa melhoria a
curto prazo na dor, incapacidade funcional e depressão, relacionados com a doença.(25)

Intervenção individualizada

A adesão deve ser suportada por uma intervenção individualizada de acordo com os
objetivos pré-definidos e preferenciais do doente.(29, 30) As estratégias bem sucedidas
dependem não só da capacidade e motivação individuais mas também de fatores

240
6.3. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Adesão Terapêutica

contextuais relativos a outros intervenientes no processo de adesão terapêutica, como


o cônjuge ou cuidadores, aspetos comuns sobretudo na não-adesão intencional.(31)

Decisão terapêutica partilhada

O envolvimento do doente e a sua concordância na decisão partilhada da gestão


terapêutica (posologia, via de administração, custo, sinais de alerta de eventuais efeitos
secundários, e os benefícios expetáveis) é crucial para a adesão e eficácia
terapêuticas.(32) Esta decisão partilhada entre os profissionais de saúde e o doente, deve
ser feita de forma individualizada e adaptada ao perfil de cada doente, permitindo,
assim, uma informação clara e eficiente.

Monitorização

A monitorização da adesão terapêutica deverá ser feita em intervalos regulares,


questionando o doente acerca de alguns parâmetros que avaliem o cumprimento
terapêutico prescrito. Estas questões deverão ser colocadas de forma a que o doente se
sinta confortável a reportar alguns aspetos de não-adesão e perceba a importância da
monitorização constante do seu plano terapêutico, sem nunca se sentir culpabilizado.(33)

A aplicação de questionários simples poderá também ser muito útil e mais objetiva
na monitorização. A título de exemplo, a aplicação do Brief Illness Perception
Questionnaire (BIPQ), que consiste sumariamente em oito perguntas, para aceder a
aspetos cognitivos e emocionais da perceção, por parte do doente, relativamente às
consequências, duração, tratamento, preocupações e resposta emocional, à sua
doença, utilizando para esse efeito uma escala de 0-10.(7, 34)

Um outro questionário é o Morisky Medication Adherence Scale (MMAS-4), que


poderá ser útil, reprodutível e válido para medir a adesão, com boa sensibilidade e
especificidade moderada. Tem por base quatro perguntas simples, às quais são
aplicadas os valores de 0 e 1 consoante a resposta for afirmativa e negativa,
respetivamente, obtendo-se, de seguida, um score que varia entre 0 e 4:(35, 36)

• “Alguma vez se esquece de tomar a sua medicação?”


• “Alguma vez tem dificuldade em lembrar-se de tomar a medicação?”
• “Quando se sente melhor, por vezes não toma a medicação?”
• “Quando se sente pior ao tomar a medicação, deixa de a tomar?”

A validação, no entanto, de questionários mais vocacionados para avaliar a adesão


terapêutica nas doenças reumáticas, é necessária.

A adesão terapêutica é crucial para a eficácia dos fármacos instituídos para o


tratamento das doenças reumáticas. A intervenção individualizada, com decisão

241
I. Fidalgo

terapêutica partilhada pelo doente e profissionais de saúde, parece ser fundamental na


promoção da adesão terapêutica.

Apesar do grande número de estudos e de diversas questões relacionadas com a


não-adesão, identificadas pelos profissionais de saúde na área da Reumatologia, faltam
ainda recomendações gerais, assertivas e exequíveis de utilizar.

O recurso a ferramentas metrológicas (questionários), aplicáveis de forma simples


na prática clínica, poderão ajudar a objetivar com maior precisão fatores de não-adesão,
permitindo implementar estratégias individualizadas que promovam o cumprimento do
plano terapêutico.

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6.3. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Promoção da Adesão Terapêutica

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243
I. Fidalgo

244
(Voltar ao Índice)

6.4. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM :

APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE MEDIDAS


REPORTADAS PELO DOENTE

Ricardo Trinca1 e Ricardo J. O. Ferreira2

As medidas reportadas pelos doentes (Patient-Reported Outcome Measures –


PROMs) são instrumentos que auxiliam na avaliação de aspetos relacionados com as
características da doença na pessoa, o impacto que tem nas diferentes dimensões e
qualidade de vida, fornecendo uma perspetiva única e favorecendo tomadas de decisão
partilhadas entre o doente e o profissional de saúde.

Palavras-chave: Medidas reportadas pelo doente; Impacto da Doença; Decisão


partilhada; definição de targets/alvos

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer o que são medidas reportadas pelo doente, e a sua importância e


relevância na prática clínica, investigação e desenvolvimento;
• Conhecer as bases para a sua seleção;
• Encarar e dissolver os desafios inerentes à sua implementação com positivismo de
forma a legitimar os benefícios para o doente.

1
Enfermeiro no Serviço de Hospital de Dia do Instituto Português de Reumatologia (IPR)
2
Enfermeiro no Serviço de Reumatologia (Consulta Externa) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.

245
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

As doenças crónicas são as principais causas de morte e incapacidade em todo o


mundo. A Organização Mundial de Saúde descreve a doença crónica como sendo “de
duração prolongada e progressão lenta,” requerendo um tratamento continuado.(1)
Como doenças crónicas, as doenças reumáticas e músculo-esqueléticas (DRM) seguem
este padrão e, neste sentido, afetam a pessoa nas suas diferentes dimensões de Vida.

O paradigma dos cuidados centrados na pessoa cuidada leva a encarar o doente


como um parceiro dos cuidados, incluindo-o no processo de saúde/doença, dando-lhe
conhecimento e capacitando-o para a gestão do processo de vivência da sua doença
crónica (ver Capítulo 6.1). Para “ser com” o doente é relevante conhecê-lo nas suas
diferentes dimensões e quem melhor que ele nos informar e para se cuidar?

Utilização de medidas reportadas pelo doente na investigação e prática clínica

As medidas reportadas pelos doentes (Patient-Reported Outcome Measures -


PROMs) são um grupo de questionários validados para preenchimento pelo doente, que
tendo por base determinada patologia, ajudam o clínico a avaliar aspetos relacionados
com as características dessa doença, nessa pessoa e o impacto que tem em diferentes
dimensões físicas, psicológicas e sociais, bem como na sua qualidade de vida.

Começaram a ser utilizadas há várias décadas no âmbito de ensaios clínicos e


pesquisas clínicas, ajudando a mudar o cuidado de doenças crónicas de um modelo
biomédico mais estreito para um modelo biopsicossocial mais amplo de saúde.
Atualmente, existe um uso crescente no atendimento clínico de reumatologia de rotina,
com mais de 250 escalas validadas e confiáveis e a abordagem da medição continua a
ser refinada.(2) Esta realidade associa-se com as recomendações internacionais, nas
quais para uma avaliação abrangente do impacto da doença e do tratamento, os utentes
fornecem uma perspetiva única e o tratamento deve ser baseado numa decisão
partilhada.(3,4) A EULAR possui uma biblioteca com informação detalhada sobre todas
medidas reportadas pelo doente que estão validadas para aplicação em pessoas com
DRM, que pode ser acedido em https://oml.eular.org/. Esta biblioteca permite realizar
pesquisa de instrumentos por língua, por patologia e por domínio (por exemplo: fadiga)
(Figura 1)

Embora os aspetos positivos do uso de questionários de autopreenchimento, como


PROMs sejam já reconhecidos em muitos estudos e o seu uso seja crescente, estas
medidas são aplicadas sobretudo com fins de investigação, permanecendo a sua
aplicação para fins de orientação clínica ainda muito limitada. Podem ser necessárias
algumas mudanças de protocolo ou rotina em muitos centros. Uma abordagem
multidisciplinar com inclusão do enfermeiro pode facilitar e usufruir dos benefícios na
sua implementação. Vários estudos apontam que as consultas de enfermagem são

246
6.4. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Aplicação e Interpretação de Medidas Reportadas pelo Doente

eficazes no controlo da atividade de doença, na redução do impacto sentido e na


satisfação em pessoas com artrite reumatóide.(5)

Figura 1 – Biblioteca EULAR de medidas reportadas pelo doente

Fonte: https://oml.eular.org/

Através dos PROMs, o profissional de saúde foca a sua atenção na perspetiva do


mesmo sobre a sua doença, compreendendo os seus sintomas específicos, conhecendo
os seus comportamentos, estilo de vida e impacto que estas variáveis têm na sua
qualidade de vida.(6) Desta forma, torna-se mais fácil ajustar os objetivos do tratamento
à pessoa cuidada, procurando uma decisão partilhada, tendo em conta as suas
preferências relativas aos tratamentos farmacológicos ou não farmacológicos. (7) Como

247
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

resultado, contribui para uma ajuda efetiva, orientação e melhoria no atendimento ao


utente.

Níveis mais elevados de confiança e a participação ativa do utente na consulta


médica estiveram ligados à menor atividade da doença, melhor saúde global, menor
dano estrutural ou de órgão, maior satisfação com o tratamento, menos efeitos
colaterais da medicação, crenças mais positivas sobre o controle da doença e sobre a
saúde atual e futura.(8)

Entre os centros que utilizam este modelo de consulta, a forma como os utentes
realizam estes questionários pode diferir de acordo com o próprio centro e seus
recursos, mas também com o doente. A Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR)
possui uma plataforma de registo nacional de doentes reumáticos (Reuma.pt;
www.reuma.pt), que inicialmente foi utilizada para estudos clínicos, principalmente
para avaliação planeada, padronizada e contínua de doentes que iniciavam terapêuticas
biológicas. Através deste sistema, com a observação clínica em consulta e tendo em
conta as medidas reportadas pelo doente, utilizando por base critérios internacionais
como os do ACR, EULAR, ASAS e ASDAS, é possível avaliar a resposta a este tipo de
medicação em doentes e os impactos nas suas atividades de vida, dimensões físicas,
psicológicas, sociais e de qualidade de vida. O sucesso deste modelo levou a ser cada
vez mais utilizado como método de orientação da consulta, foi alargado a várias doenças
reumáticas (protocolos), procurando uniformizar a prática clínica. No dia 7 de junho de
2021 foi registado o doente número 26.000 neste registo, que pode ser acedido
diretamente pelos doentes, pelos médicos (e também enfermeiros) e por farmacêuticos
(nomeadamente para gestão de ensaios clínicos) (Figura 2).

Figura 2 – Ecrã inicial do Reuma.pt

248
6.4. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Aplicação e Interpretação de Medidas Reportadas pelo Doente

O número de PROMs incluídos neste registo vai sendo adaptado de acordo com as
normas internacionais e com as sugestões dos clínicos, sendo apreciadas por uma
comissão científica. Para cada protocolo (ex. AR, LES, etc.) estão disponíveis os PROMs
mais adequados, tal como para outras avaliações a reportar pelo reumatologista ou
profissional de saúde. Neste acompanhamento, foram sendo validadas versões digitais
dos questionários em touch-screen,(9) o que facilitou a realização dos questionários em
casa, nos momentos anteriores à consulta. Não sendo universal, contribui, anda assim,
para uma diminuição dos tempos de consulta, mantendo os objetivos intactos. Um dos
últimos instrumentos a ser adicionado foi o International Physical Activity Questionnaire
(IPAQ) no protocolo das espondilartrites (Figura 3).

Figura 3 – Ecrã do Reuma.pt, do questionário IPAQ, no protocolo das espondilartrites

Fonte: www.reuma.pt

249
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

A International Society for Quality of Life Research (ISOQOL) define uma série de
perguntas-chave que o profissional de saúde deve ter em conta ao considerar o uso de
PROMs na sua prática: quais são as metas para a colheita de dados através de medidas
reportadas pelo doente? Quais utentes devem ser avaliados? Quais questionários
devem ser utilizados, quando e com que frequência? Como é que o questionário deve
ser administrado e pontuado? Quem verá os resultados e como serão abordados os
problemas decorrentes? Quais barreiras ao uso de medidas repostadas pelo doente
precisam ser abordadas? Como o valor do uso de medidas reportadas pelo doente será
avaliado? Isto nunca esquecendo que as informações recolhidas devem ter relevância
para o doente e que no futuro contribuirão para uma melhoria do estado de saúde e
bem-estar do mesmo e não meramente descritivas.(10)

Para facilitar a inclusão dos PROMs na prática clínica, estes devem ter um conjunto
de características para serem aplicáveis. Devem ser curtos, fáceis de compreender e
interpretar, estar disponíveis em diferentes línguas, gratuitos e (des)carregáveis através
da internet.(10)

Mudança de paradigma: o dual-target utilizando medidas reportadas pelo doente

Como foi referido acima, a utilização de PROMs foi tendo um uso crescente.
Podemos dar como exemplo o caso da AR, cujo tratamento atual é orientado pela
avaliação clínica quantificada da atividade da doença e visa alcançar um estado de
remissão o mais precoce possível. Esta estratégia é conhecida como treat-to-target
(T2T), sendo o target (ou "alvo" terapêutico) principal a "remissão". A definição de
remissão é baseada na contagem de 28 articulações dolorosas (tender joint counts,
TJC28) e tumefactas (swollen joint counts, SJC28), marcadores laboratoriais de
inflamação como o nível de proteína C-reativa (PCR) ou a velocidade de sedimentação
eritrocitária, e pela avaliação global da atividade da doença pelo médico e pelo doente
(PhGA e PGA). Os atuais critérios de remissão para AR, desenvolvidos pelo American
College of Rheumatology (ACR) e pela European Alliance of Associations for
Rheumatology (EULAR), incluem uma versão booleana baseada em limiares muito
baixos para 4 variáveis (ou "remissão 4v"), ou seja, SJC28, TJC28, PCR (em mg/dL) e PGA
(pontuado de 0 a 10), todos eles devendo ter pontuação ≤1.(11)

250
6.4. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Aplicação e Interpretação de Medidas Reportadas pelo Doente

Figura 4. Medidas de Atividade da Doença para a Artrite Reumatóide

Nota de rodapé da figura: Esta figura mostra os componentes e algoritmos de pontuação de quatro instrumentos de atividade da
doença atualmente em uso na prática clínica e em ensaios clínicos na artrite reumatóide. São apresentados por ordem cronológica de
desenvolvimento. a. Embora o DAS com 28 articulações tenha sido desenvolvida em 1995, a sua forma original com 68/66 contagens
foi desenvolvida no início da década de 1980.

Lenda: CDAI, Clinical Disease Activity Index; CRP, C-reactive protein; DAS, Disease Activity Score; ln, natural logarithm; PGA, Patient
Global Assessment; PhGA, Physician Global Assessment; SDAI, Simplified Disease Activity Index; SJC28, swollen 28-joint count; TJC28,
tender 28-joint count.

Fonte: Adaptado de: Ferreira RJO, Santos EJF, de Wit M, Marques A, Barbieri-Figueiredo MDC, Marques A, et al. Shared decision-making
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O PGA é o único PROM considerado nestes índices e consiste numa única questão
que avalia a perceção do doente sobre a atividade da doença/artrite numa escala visual
analógica de 0 a 100 mm (100=pior). O PGA é, marcadamente, o item individual que
mais influencia o alcance do target remissão, um estado designado como “PGA-near-
remission”.(12)

O grupo de investigação de Coimbra (entre outros) colocou em hipótese que o PGA


não representa a atividade da doença de forma suficientemente próxima para merecer
ser incluído nas definições que orientam as decisões de controlo da doença,
nomeadamente para ajuste de terapêutica imunossupressora, representando assim um
risco potencial tanto para a qualidade como para a segurança dos cuidados.(13, 14) Para
testar essas nossas hipóteses, realizou diferentes estudos transversais e longitudinais,
utilizando dados de doentes com AR seguidos em coortes da prática clínica de ensaios
clínicos randomizados (RCTs) de agentes biológicos, numa intensa colaboração
internacional.

251
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

O trabalho inicial foi direcionado para a falta de padronização da questão do PGA:


explorou-se se o uso de cada uma das cinco diferentes formulações do PGA tem uma
influência significativa na proporção de doentes que alcançam a remissão. Numa
amostra de 191 doentes da "Coimbra RA cohort" (CoimbRA) verificaram-se diferenças
de até 6,3% na taxa de remissão, devidas à formulação do PGA.(15) Um estudo de
métodos mistos teve então como objetivo compreender as perspetivas dos doentes
sobre o significado e a finalidade do PGA. Através de entrevistas e grupos focais (n=33,
CoimbRA).(16) Concluiu-se que muitos doentes desconheciam a finalidade do PGA e,
mais importante, eram frequentes as dúvidas e equívocos sobre o seu significado,
comprometendo assim a validade da medida. Demonstrou-se também que uma
explicação estruturada aos doentes pelo enfermeiro, sobre o objetivo pretendido e
significado do PGA é exequível e pode melhorar a sua validade. Ambos os estudos
apoiaram a necessidade da padronização do PGA e da educação do doente sobre o seu
uso, para a qual o enfermeiro é um elemento fundamental (Ver Capítulo 3.1).

Em seguida, este grupo procurou determinar a influência do PGA na frequência da


remissão da AR e compreender como é que o PGA se correlaciona com um vasto leque
de variáveis, desde a atividade da doença, às comorbilidades e dimensões psicológicas,
nos diferentes níveis de atividade da doença. Utilizando estudos transversais, verificou-
se primeiramente que a proporção de doentes que não atinge a remissão 4v apenas
devido a um PGA>1/10 foi de 37,2%, 19,1% e 10,0%, respetivamente para a coorte
CoimbRA (n=309),(17) para uma coorte europeia (n=1.588)(18) e para uma grande coorte
internacional (METEOR, n=27.768).(19) Estas taxas representam até três vezes a taxa de
remissão 4v e foram confirmadas numa meta-análise de 12 cohortes internacionais.(12)
Em segundo lugar, os três estudos confirmaram que o PGA está mais fortemente
associado a aspetos físicos (por exemplo, função, dor, bem-estar físico) e
psicológicos/personalidade respeitantes ao impacto da doença, bem como a
comorbilidades (por exemplo: fibromialgia ou osteoartrose), do que associado à
"inflamação". Isto é especialmente verdade nos níveis mais baixos de atividade da
doença, onde a definição do target é mais decisiva. Assim, o controlo da inflamação
(estar em remissão 4v ou em PGA-near-remission) não equivale a que os doentes sintam
um baixo impacto da doença nas suas vidas.

No último conjunto de estudos, o grupo explorou se a exclusão do PGA da definição


do target tem um impacto significativo na sua capacidade de prever e determinar a
capacidade funcional/física e a progressão de dano articular radiográfico - os objetivos
centrais do conceito T2T. Utilizando a coorte METEOR (n=32.915),(20) determinou-se que
as definições mais restritas de remissão, que incluem o PGA, estavam associadas a uma
melhor capacidade funcional, embora sem diferenças estatisticamente relevantes entre
as definições de remissão. Também foi demonstrado que estar em remissão clínica não
equivale a ter uma boa função física. Para avaliar a associação entre o PGA e a

252
6.4. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Aplicação e Interpretação de Medidas Reportadas pelo Doente

progressão radiográfica foram realizadas duas análises. Utilizando dados de uma coorte
de AR precoce (ESPOIR, n=520),(21) não se encontrou relação estatisticamente
significativa entre o PGA, isoladamente considerado, e a progressão de dano
radiográfico em 3 anos. No entanto, a proporção de doentes com progressão do dano
articular (>5 pontos) foi menor nos doentes em remissão 4v (29%) comparativamente
aos doentes em PGA-near-remission (45%). Realizou-se ainda uma análise semelhante
usando dados individuais dos doentes de 11 RCTs e 5.792 doentes. (22) A conclusão foi
que a remissão 4v e o PGA-near-remission (ou ainda uma combinação de ambos os
grupos: remissão 3v, o que equivale a excluir o PGA) tiveram probabilidades
semelhantes de alcançar um bom outcome radiográfico.

Todas essas observações levaram o grupo a defender que a atual definição de


remissão, que inclui o PGA, não é a mais adequada para definir o target da terapia
imunossupressora. Propôs-se, ao invés, uma abordagem de duplo T2T, separando sinais
inflamatórios objetivos de medidas (subjetivas) de impacto relatadas pelo doente. O
primeiro target pode ser adequadamente veiculado pela remissão 3v (excluindo o PGA)
e é adequado para orientar o processo e a terapêutica imunossupressora, centrada no
médico. O segundo target deve ser acompanhado de medidas que permitam
compreender os domínios de impacto na vida da pessoa, fornecendo assim orientação
precisa para implementar intervenções adjuvantes personalizadas. Esta proposta
continua ainda a ser desenvolvida e otimizada,(23, 24) mas um esquema inicial foi já
proposto (Figura 5) e explicado, estando a ter boa recetividade.(25-30)

Figura 5 – Proposta inicial da estratégia “dual-target” centrada na pessoa

Fonte: Adaptado de: Ferreira RJO, Santos EJF, de Wit M, Marques A, Barbieri-Figueiredo MDC, Marques A, et al. Shared decision-making
in people with chronic disease: Integrating the biological, social and lived experiences is a key responsibility of nurses. Musculoskeletal
care. 2020;18(1):84-91.

253
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

O papel de uma equipa multiprofissional, devidamente articulada, na otimização do


atingimento desses targets de tratamento é o essencial para promover uma mudança
nos paradigmas de tratamento das doenças crónicas em geral e para a consecução de
cuidados mais centrados na pessoa, com a utilização adequada de PROMs e de PROMs
adequados,(31) como por exemplo o Rheumatoid Arthritis Impact of Disease score
(RAID).(32, 33)

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6.4. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Aplicação e Interpretação de Medidas Reportadas pelo Doente

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255
R. Trinca & R. J. O. Ferreira

30. Landewé RBM. Response to: 'Dual target strategy: a proposal to mitigate the risk of overtreatment and
enhance patient satisfaction in rheumatoid arthritis' by Ferreira et al. Annals of the rheumatic diseases.
2019;78(10):e110.
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arthritis: a cross-sectional study of 671 patients. RMD open. 2021;7(1).

256
(Voltar ao Índice)

6.5. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM :

IMPORTÂNCIA DAS ASSOCIAÇÕES DE DOENTES

Rosário Morujão1, Joana Vicente2 e Ana Pais3

Para as pessoas que sofrem de uma doença crónica é fundamental ter o suporte de
um bom profissional, da família/amigos e também de uma associação.

As associações, além da luta pelos direitos dos doentes que representam, também
facultam um suporte mais próximo aos doentes. É importante a colaboração entre
associações e profissionais de saúde, para uma melhor gestão da doença dos utentes,
além da elaboração de projetos de investigação e afins.

Esta relação entre profissional e utente cria um elo de confiança, que gera melhor
adesão à terapêutica, autoconfiança, entre outros ganhos, que no caso dos doentes
crónicos são fundamentais.

Palavras-chave: Associações de doentes, colaboração, objetivos, relação.

Objetivos de aprendizagem:

• Reconhecer que uma estreita colaboração entre as associações de doentes pode


beneficiar os seus utentes, além de criar uma relação de proximidade.

1
Professora universitária, casada e mãe de dois filhos. Diagnosticada com Síndrome de Sjögren, foi uma das fundadoras
do Núcleo de Sjögren da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR), que atualmente coordena.
2
Diagnosticada na adolescência com Fibromialgia, é a fundadora da APJOF - Associação Portuguesa de Fibromialgia, e
Secretária-Geral da LPCDR
3
Por via do diagnóstico de Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) aos 18 meses da sua filha, voluntariou-se na ANDAI – Associação
Nacional de Doentes com Artrites e Reumatismos da Infância, e é atualmente a sua presidente.

257
R. Morujão, J. Vicente, & A. Pais

Para as pessoas que sofrem de uma doença crónica é fundamental ter o suporte de
um bom profissional, da família/amigos e também de uma associação.
As associações, além da luta pelos direitos dos doentes que representam, também
facultam um suporte mais próximo aos doentes. É importante a colaboração entre
associações e profissionais de saúde, para uma melhor gestão da doença dos utentes,
além da elaboração de projetos de investigação e afins.

Esta relação entre profissional e utente cria um elo de confiança, que gera melhor
adesão à terapêutica, etc., que no caso dos doentes crónicos é fundamental.

Objetivos das associações de doentes

As associações têm objetivos específicos a cumprir, de acordo com a sua natureza.


No caso das associações de doentes, esses objetivos passam por vários parâmetros, de
entre os quais se devem salientar os seguintes:

• Difusão de informação fidedigna acerca da patologia e das problemáticas a ela


inerentes.
• Apoio ao doente (e família), seja por telefone, e-mail, ou grupos de apoio.
• Luta pelos direitos dos seus associados.
• Educação/formação interna de todos os seus membros e voluntários.
• Implementação de campanhas de sensibilização, em que o público-alvo é a
sociedade em geral.
• Desenvolvimento de estudos e projetos de cariz científico ou apoio à sua
realização e participação em projetos e formações.

A promoção da literacia da saúde é hoje cada vez mais reconhecida como um dos
meios mais importantes e eficazes para apoiar os doentes e os seus familiares. As
associações podem levá-la a cabo de várias maneiras, nomeadamente facultando
recursos de capacitação, que permitirão uma melhor gestão da doença, um
envolvimento maior e mais informado nas decisões a tomar e, de um modo geral, uma
atitude proativa por parte dos doentes.

É fundamental a existência de sinergias entre profissionais de saúde e outras


instituições para a organização e implementação destes projetos, pois nem sempre os
membros das associações têm formação na área da saúde. A integração desses
profissionais é, por isso, necessária, tanto para uma maior credibilidade do trabalho
levado a cabo, mas também para o desenvolvimento de variados projetos. A sua
integração pode fazer-se através de parcerias ou da integração desses profissionais nos
órgãos sociais e/ou no comité científico das associações.

258
6.5. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Importância das Associações de Doentes

Outras parcerias com associações, instituições e sociedades científicas, tanto a nível


nacional como internacional (sobretudo europeu), são fundamentais para a organização
ou a integração em atividades, projetos e/ou grupos de trabalho. Podem ainda ser
estabelecidos protocolos com entidades da área da saúde que facultam descontos aos
sócios em vários produtos e serviços.

Outra área relevante do trabalho das associações de doentes é a organização de


eventos, sejam eles de cariz informativo ou lúdico. Estes eventos constituem não só
ocasiões propícias para sensibilizar a sociedade, mas também para levar informação aos
doentes e para promover momentos em que as pessoas se possam sentir à vontade
para partilhar as suas vivências com a doença, pois nem sempre o conseguem fazer no
seu meio habitual.

As associações devem garantir a sua presença em eventos de cariz científico e nas


reuniões de trabalho de variados projetos, não apenas como ocasiões de formação dos
seus membros, mas também para dar visibilidade à sua existência. Da mesma forma,
devem esforçar-se por conseguir estar presentes na comunicação social, de modo a
relembrar e sensibilizar a sociedade para a problemática das patologias que
representam, bem como para alertar os doentes para a existência da associação e
informar acerca dos seus serviços.

As associações trabalham em regime de voluntariado e com poucos apoios


disponíveis, dependendo na esmagadora maioria dos casos de verbas provenientes dos
seus sócios e de donativos. O seu trabalho é difícil e muitas vezes ingrato, mas sem
dúvida compensador, levado a cabo a pensar, acima de tudo, no seu objetivo principal:
o bem-estar geral da comunidade que representam, que muitas vezes passa pela
necessidade de mudanças nas políticas de saúde.

A importância da colaboração dos profissionais de saúde com as associações

Historicamente, muitas associações de doentes foram fundadas por profissionais de


saúde em conjunto com doentes e cuidadores. Esse paradigma tem vindo a alterar-se,
dando maior relevância à centralidade do doente, dando-lhe mais voz ativa na defesa
dos seus direitos e garantias.

Os profissionais de saúde não deixaram, porém, de ter papel relevante nas


associações. São eles quem contribui com a partilha de conhecimento científico sobre a
doença, ajudando a uma franca melhoria na educação para a saúde dos doentes e a uma
maior perceção da realidade da sua patologia.

259
R. Morujão, J. Vicente, & A. Pais

A ANDAI organiza anualmente um campo educativo nas férias de verão com a


presença de profissionais de saúde (reumatologistas, pediatras e enfermeiros). Estes
momentos de partilha fora do contexto da consulta são essenciais para criar laços que
permitem uma maior aproximação e empatia entre a criança e o seu reumatologista,
favorecendo a aceitação das consultas e do seu percurso.

Uma outra vertente de colaboração com as associações é o seu contributo na


componente científica de programas de capacitação de outros profissionais de saúde,
por forma a juntos conseguirmos uma referenciação e diagnóstico precoces das doenças
crónicas.

A importância do profissional de saúde na nossa vida

As pessoas com diagnóstico de doença crónica podem sentir-se numa condição de


vulnerabilidade e de insegurança quanto ao seu presente e ao seu futuro. Neste sentido,
é de extrema importância que a sua relação com o profissional de saúde seja de
comunhão e empatia.

As pessoas com doença crónica precisam de sentir que o profissional que têm na sua
presença deseja genuinamente cuidar delas e ajudá-las nos momentos mais difíceis,
transmitindo-lhes confiança e a certeza de que estão disponíveis para ultrapassar os
desafios da doença em conjunto.

Muitas pessoas assumem que encaram melhor a sua condição e melhoram a adesão
à terapêutica quando o acompanhamento que recebem assume um compromisso de
partilha de conhecimento sobre a doença e de decisão partilhada sobre o percurso da
medicação e os tratamentos preconizados.

As crianças, em especial, têm registado uma melhor aceitação da sua condição de


doentes crónicos quando são convidadas desde tenra idade a liderar a gestão da sua
consulta. Tornam-se jovens adultos mais conscientes dos impactos das suas atuações e
decisões. Este facto fomenta o desenvolvimento de uma relação de confiança e de
respeito mútuo, sendo profícua para ambas as partes, e contribuindo também para uma
grande realização pessoal do profissional de saúde e para a felicidade do doente.

A importância das associações do ponto de vista do doente

Além de fornecerem informação credível, ações de formação e esclarecimento,


contactos úteis, eventuais ajudas técnicas e conselhos práticos, de fomentarem a
literacia em saúde e a capacitação dos seus associados, ou até mesmo o acesso a

260
6.5. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Importância das Associações de Doentes

consultas de várias especialidades e terapias, as associações podem dar muito mais


tanto a doentes como aos seus familiares.

Nelas, estes podem encontrar a compreensão e a empatia que muitas vezes não têm
em casa, no trabalho ou no seu círculo de amizades. Ali têm a possibilidade de contactar
com outras pessoas que estão a passar ou já passaram por dúvidas e dificuldades
semelhantes, com quem pode ser mais fácil desabafar não apenas por haver essas
experiências comuns, mas por não terem receio de assustar ou preocupar os mais
próximos.

A aquisição de novos conhecimentos e competências permite-lhes sentirem-se mais


capazes de lidar com as suas patologias, dando-lhes novas ferramentas para as
compreenderem melhor, para serem capazes de explicar o que sentem e exporem de
modo mais assertivo as suas dúvidas aos profissionais de saúde. Uma maior
compreensão permite uma melhor gestão da doença, seja ela a nossa ou a de outros,
pois a ajuda prestada por quem percebe com mais clareza o que se passa é mais eficaz.

Por outro lado, as sessões de formação, as reuniões, os momentos de convívio, as


próprias assembleias gerais constituem pretextos para os seus membros saírem de casa,
quebrarem rotinas, relacionarem-se com outras pessoas. Esses momentos podem ser
oportunidades para criação de novas amizades com pessoas afetadas por
condicionalismos semelhantes, impostos pela doença comum. Não é raro que os
associados sintam que ganharam uma nova família com a qual podem contar.

Também é frequente que a participação numa associação de doentes, sobretudo se


for uma participação ativa e empenhada, tenha um efeito verdadeiramente terapêutico,
por dar sentido ao sofrimento e ajudar à sua superação. Os benefícios do voluntariado,
é sabido, não revertem apenas para quem dele usufrui. São grandes, também, para
quem a ele se dedica, podendo conferir à sua vida um sentimento novo de utilidade e
até mesmo de vitória sobre a adversidade e a doença. Agir em prol dos outros pode
permitir que uma pessoa faça as pazes com o seu próprio estado de saúde e encontre
nele algo positivo.

261
262
(Voltar ao Índice)

6.6. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM :

APOIO SOCIAL E LABORAL

Elsa Mateus1

Agudas, recorrentes ou crónicas, as doenças reumáticas atingem pessoas de todas


as idades, são causa frequente de incapacidade e, quando não diagnosticadas e/ou
tratadas atempadamente, podem ocasionar graves e desnecessárias repercussões
físicas, psicológicas e familiares (1). Têm, geralmente, um impacto abrangente na vida
da pessoa por ela afetada, com eventual redução da capacidade para o autocuidado,
para as atividades da vida diária, e/ou para o trabalho, total ou parcial, permanente ou
temporária. Para além da intervenção terapêutica, o suporte social, apoios sociais e na
área laboral, são fatores que podem influenciar, positiva ou negativamente, a gestão da
doença.

Palavras-chave: incapacidade, suporte social, apoio laboral, gestão da doença.

Objetivos:

• Identificar alguns aspetos relevantes para a pessoa com doença, na área dos apoios
sociais e laborais, bem como o tipo de encaminhamento que poderá oferecer.

1
Diagnosticada com Artrite Idiopática Juvenil em 1977, preside à Direção da Liga Portuguesa Contra as Doenças
Reumáticas, à EUPATI Portugal e é Vice-Presidente da EULAR em representação do PARE.

263
E. Mateus

Em contextos de saúde e de doença, tendemos, com alguma frequência, a separar


os vários domínios em que os sujeitos se inscrevem. Naturalmente, os profissionais
focam-se sobretudo na doença, enquanto entidade que afeta o bem-estar físico,
condiciona e limita a saúde do seu utente. Porém, a doença tem geralmente um impacto
mais abrangente na vida da pessoa por ela afetada, com eventual redução da
capacidade para o autocuidado, para as atividades da vida diária, e/ou para o trabalho,
total ou parcial, permanente ou temporária.

Não será por acaso que, desde 1946, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define
saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, que não consiste
apenas na ausência de doença ou de enfermidade.(2) Reconhece-se, pois, que a saúde e
o bem-estar incluem dimensões físicas, cognitivas, emocionais e sociais, influenciadas
por um leque de fatores biomédicos, psicológicos, sociais, económicos e ambientais,
que se interrelacionam no indivíduo de formas diversas e em tempos diferenciados ao
longo do seu curso de vida.(3)

Embora a área de intervenção privilegiada pelos profissionais de saúde se centre nas


dimensões físicas, cognitivas e emocionais da saúde e do bem-estar dos seus utentes,
procurando contribuir para a intercessão, posterior ou simultânea, na dimensão social,
existirão muitos casos de pessoas com doenças reumáticas e músculo-esqueléticas em
que esta última dimensão requer uma maior e mais especializada atenção.

Afetando as articulações, ossos, músculos, ligamentos ou tendões e manifestando-


se, habitualmente por dor, inflamação e incapacidade, as mais de 120 doenças
reumáticas diferem na causa subjacente, manifestações clínicas, topografia e número
das articulações envolvidas e envolvimento de outros órgãos.(4) Apesar das
especificidades dessas manifestações, as pessoas afetadas por patologias reumáticas
são, entre os indivíduos com doenças crónicas, aquelas que reportam pior qualidade de
vida (Figura 1) e que têm mais necessidade de apoio domiciliário.(5,6) As doenças
reumáticas são as doenças crónicas que mais limitam o estado de saúde dos
portugueses, liderando os motivos de consulta nos cuidados de saúde primários e
constituindo a causa principal de incapacidade temporária para o trabalho e de
reformas antecipadas por doença/invalidez.(1)

264
6.6. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Apoio Social e Laboral

Figura 1 - Qualidade de vida calculada pelo EQ5D em diferentes doenças crónicas (6)

Legenda: a dimensão da esfera representa a prevalência das doenças.


Fonte: Branco J. Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciação de Reumatologia. Lisboa,
Portugal; 2015.

Ainda que para a OMS as doenças reumáticas não surjam com o devido destaque
entre o conjunto das doenças crónicas, importa lembrar que o critério utilizado se baseia
na mortalidade.(7) No entanto, se atendermos aos estudos da carga global da doença
que integram a morte, a doença e a incapacidade num único indicador - o DALY
(Disability Adjusted Life Year) ou, em português, AVAI (Anos de Vida Ajustados por
Incapacidade) -, constatamos que as doenças músculo-esqueléticas são responsáveis
por 10,9% do total da carga de doença em Portugal.(8) Verificamos que, entre 1990 e
2016, os anos vividos com doença e incapacidade (YLDs) têm aumentado, com particular
relevo para as doenças musculoesqueléticas (Figura 2), alcançando 23% e liderando o
conjunto das doenças crónicas.

265
E. Mateus

Figura 2 - Distribuição do total de YLDs por causa de incapacidade (%), ambos os


sexos, Portugal, 2016 (8)

Fonte: Direção Geral da Saúde. Portugal: The Nation’s Health 1990–2016: An overview of the Global Burden of Disease Study 2016
Results. Seattle, Washington; 2018.

Será de salientar que, no mesmo período, se constata que a lombalgia e dor no


pescoço permanecem a causa mais comum de incapacidade, com importância crescente
no total de YLDs e uma alteração percentual de 22,8%. Assinalam-se, igualmente,
alterações significativas na incapacidade devido a outras doenças músculo-esqueléticas
(40,9%) e osteoartrose (59,8%), conforme ilustra a Figura 3.

266
6.6. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Apoio Social e Laboral

Figura 3 - Principais causas de incapacidade (YLDs) e mudança percentual, ambos os


sexos, Portugal, 1990–2016. (8)

Fonte: Direção Geral da Saúde. Portugal: The Nation’s Health 1990–2016: An overview of the Global Burden of Disease Study 2016
Results. Seattle, Washington; 2018.

A apresentação destes dados permite-nos compreender melhor a amplitude da


necessidade de intervenção na área dos apoios sociais e a nível laboral, no caso de
pessoas com doenças reumáticas e músculo-esqueléticas. Estas intervenções deverão
ter como objetivo minimizar o impacto da incapacidade, permitindo manter a
funcionalidade, autonomia e independência necessárias à realização dos objetivos
pessoais e que possa traduzir-se em ganhos efetivos em saúde, na avaliação da
qualidade de vida (EQ-5D).(9)

Suporte, Serviço e Apoio Social

Estes três conceitos estão na base da maioria de contactos, pedidos de informação


e de ajuda recebidos em associações de pessoas com doença, como é o caso da Liga
Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas. Pela sua relevância na dimensão social

267
E. Mateus

impactada pelo diagnóstico e gestão de uma doença reumática e músculo-esquelética,


importa distingui-los para um encaminhamento adequado.

Apesar da falta de consenso em torno da conceptualização de suporte social, é


inquestionável a influência das interações sociais no bem-estar e na saúde das pessoas
e muito particularmente, a sua relevância no caso das pessoas com doença
reumática.(11–14) É, por isso, importante avaliar o conjunto de recursos necessários e
passíveis de serem disponibilizados à pessoa com doença reumática na sua rede social
de suporte, tanto informal (familiares, amigos, vizinhos, colegas ou outros indivíduos),
como formal – instituições especializadas, hospitais, serviços e profissionais de saúde. A
perceção do suporte social pode ser fundamental até nas relações conjugais, além de
influenciar a adesão à terapêutica.(15–17) Atendendo ao papel de relevo que a família
desempenha no suporte e rede social de apoio ao doente crónico, deverá ser dada
atenção não só à prevenção do stress e exaustão dos cuidadores no caso de maior
dependência e incapacidade da pessoa cuidada, como ao diagnóstico de necessidade de
intervenção direcionada a apoiar a autogestão da doença, recorrendo a modelos de
intervenção estudados que podem ser adaptados. (18–20) Recorde-se que o suporte
familiar foi identificado como um dos fatores que influenciam a prática dos enfermeiros
na abordagem à pessoa com doença crónica.(21)

Quanto à prática do Serviço Social, “abrange uma diversidade de atividades,


incluindo várias formas de abordagem e aconselhamento, intervenção com pequenos
grupos e trabalho comunitário; elaboração de políticas, análise, defesa e intervenções
políticas”.(22) Procurando promover uma melhor adaptação dos indivíduos, famílias e
outros grupos ao meio social onde vivem, auxiliando na resolução dos seus problemas,
o/a assistente social será um recurso a considerar para o diagnóstico e intervenção
social.

Noutros contextos, o/a assistente social integra a equipa de cuidados em


reumatologia.(23,24) Em Portugal, essa não é ainda uma prática comum e nem todos os
serviços de saúde recorrem a estes profissionais para apoiar os seus utentes. Porém,
entre outras áreas de intervenção (Vídeo 1), o/a assistente social poderá ter um
importante contributo no processo de prescrição e de atribuição de Ajudas
Técnicas/Produtos de Apoio.(25,26)

O acesso a informação compreensível sobre os apoios sociais disponíveis e


condições de atribuição (ver https://www.seg-social.pt/guias-praticos), não é tarefa
fácil para o cidadão comum, pelo que a ajuda e encaminhamento por assistente social
constitui um precioso auxílio.

268
6.6. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Apoio Social e Laboral

Ainda que sempre suscetíveis de melhoria, os serviços públicos disponibilizam


atualmente um vasto conjunto de apoios especificamente dedicados às pessoas com
deficiência, muitos deles não suficientemente divulgados.

A grande maioria dos apoios sociais dependem do reconhecimento de incapacidade


e da atribuição do atestado de incapacidade multiusos que, não implica necessária ou
diretamente, a incapacidade para o trabalho.

O acesso ao mercado de emprego, a manutenção ou adaptação do posto de


trabalho, ou o regresso ao emprego, são preocupações omnipresentes nas pessoas com
doenças reumáticas. O «Guia Prático Os direitos das pessoas com deficiência em
Portugal» apresenta um conjunto de respostas relacionadas com o emprego de pessoas
portadoras de atestado de incapacidade multiusos com incapacidade igual ou superior
a 60%.(27) Complementarmente, sugere-se o Vídeo 2, a partir do minuto 50 e a
comunicação «Reabilitação profissional: acesso aos apoios disponíveis», Leonardo
Conceição | IEFP, no 22.º Fórum de Apoio ao Doente Reumático.

Quanto aos trabalhadores que tenham uma doença crónica, não podem ser
discriminados, de forma negativa, por esse facto. O Código do Trabalho define medidas
de ação positiva tanto para o empregador, como para o Estado para providenciar as
condições adequadas ao acesso a formação profissional, ao emprego, ao seu exercício
e progressão na carreira (Artigos 85.º a 88.º Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro). O
trabalhador com doença crónica beneficia de preferência na admissão para a prestação
de trabalho em regime de tempo parcial (Artigo 152.º) e pode ainda ser dispensado de
trabalhar em determinados horários (organizado de acordo com o regime de
adaptabilidade, de banco de horas ou horário concentrado ou entre as 20 horas e as 7
horas do dia seguinte), não sendo obrigado a prestar trabalho suplementar. Apesar da
legislação existente requer, frequentemente, a intervenção judicial.

Com a pandemia da COVID-19, os trabalhadores abrangidos pelo regime excecional


de proteção de imunodeprimidos e doentes crónicos, bem como aqueles que possuam
deficiência (grau de incapacidade igual ou superior a 60%) ficaram obrigados ao
teletrabalho, nas atividades localizadas em todo o território nacional continental, com
as regras previstas no art.º 5.º-B (Teletrabalho em situações específicas) do Decreto-Lei
n.º 79-A/2020 de 01 de outubro, na redação atual em agosto de 2021. Quando
obrigatório, o teletrabalho não necessita de acordo, sempre que as funções em causa o
permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer.

Ainda a respeito da área laboral, além da necessidade de compreender o impacto


das preocupações laborais na gestão da doença reumática, - que podem afetar a
regularidade de acesso aos cuidados de saúde ou até a adesão à terapêutica, e o tipo de
aconselhamento a dar ao utente, importa não esquecer as recomendações relacionadas

269
E. Mateus

com a segurança e saúde no trabalho e a repercussão que a atividade profissional


poderá ter a nível músculo-esquelético.(28–30) Recomenda-se o material disponibilizado
pela campanha desenvolvida pela OSHA (Agência Europeia para a Segurança e Saúde no
Trabalho), Locais de trabalho saudáveis: Aliviar a carga 2020-2022. A campanha visa
reduzir o problema de saúde mais comum relacionado com o trabalho na Europa e o
impacto das lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMR).

Embora nem sempre seja possível uma intervenção direta na área social ou laboral,
é importante estar ciente das repercussões recíprocas que podem existir entre estas
dimensões e a gestão adequada da doença reumática. O recurso às associações de
pessoas com doença poderá ser útil, tanto para o utente, como para o próprio
profissional de saúde ou instituições.

Vídeo 1 - Apoio Social. Serviços Sociais da Guia Prático – Apoios Sociais – Pessoas
Administração Pública com Deficiência.
Instituto da Segurança Social, I.P

Guia Prático Os direitos das pessoas Vídeo 2 - Doentes crónicos: proteção


com deficiência em Portugal. legal no mercado de trabalho
INR, Simplex +, Ministério do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, XXI Governo
Constitucional.

270
6.6. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Apoio Social e Laboral

Teletrabalho durante e após a Guia para a Segurança e Saúde em


pandemia da COVID-19 - Guia prático. Teletrabalho na Administração Pública.
Bureau Internacional do Trabalho - Genebra, 2020. DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego
ISBN 978-972-704-443-6. Público.

Teletrabalho e Saúde Ocupacional: Recomendações para ser ativo em


orientações para que possa ser um “mini- teletrabalho IPDJ
técnico” ENSP

Vídeo 3 - Webinar Gestão da Dor


Crónica em Teletrabalho – Riscos e
Desafios

271
E. Mateus

Bibliografia

1. Marques A, Branco J da C, Costa JT da, Miranda LC, Almeida M, Reis P, et al. Programa Nacional contra as
Doenças Reumáticas. 2005.
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11. Ornelas J. Suporte social: Origens, conceitos e áreas de investigação. Análise Psicológica. 1994;8(2–
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272
6.6. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Apoio Social e Laboral

26. Almeida H, Duarte D. Serviço Social e ajudas técnicas: mediações em situação de doença crónica com
incapacidade física. Interv Soc. 2012;39.
27. Wilkie R, Bjork M, Costa-Black K, Parker M, Pransky G. Managing work participation for people with
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28. Hausmann J, Kennedy K, Simard J, Liew J, Sparks J, Moni T, et al. Immediate effect of the COVID-19
pandemic on patient health, health-care use, and behaviours: results from an international survey of
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30. Laires P, Gouveia M, Canhão H. Interventions aiming to reduce early retirement due to rheumatic
diseases. Acta Reum Port. 2017;42(3):240–8.

273
274
(Voltar ao Índice)

6.7. CUIDADOS CENTRADOS NA PESSOA COM DRM:

SEXUALIDADE E VIDA FAMILIAR

Hélder Lourenço1 e Ana Vieira2

A prática clínica foca-se quase exclusivamente no controlo dos sintomas da doença


objetivamente mensuráveis, tais como a atividade da doença, negligenciando aspetos
mais subjetivos e menos óbvios do bem-estar das pessoas. O controlo destes sintomas
pode não restaurar completamente todos os aspetos físicos, sociais, emocionais e
mentais subjacentes à qualidade de vida.

Se queremos colocar o doente no centro dos cuidados, é indispensável uma


abordagem holística que deve considerar todas as dimensões da vida do doente, e a
importância da sexualidade na qualidade de vida dos doentes é um aspeto
incontornável. Nem tudo o que é mensurável importa e nem tudo o que importa é
mensurável.

Palavras-chave: Sexualidade; satisfação sexual; qualidade de vida; relacionamento

Objetivos de aprendizagem:

• Identificar aspetos relevantes para a pessoa com RMD, na área da sexualidade, bem
como estratégias para responder às necessidades de informação que os doentes têm
nesta área.

1
Enfermeiro Especialista e Sexólogo Clínico, pela SPSC, a exercer no CHTViseu, E.P.E. e na Casa Abrigo para Vítimas de
Violência Doméstica para mulheres com problemas de Saúde Mental (CAD-Viseu)
2
Diretora de Marketing, mãe de dois filhos e diagnosticada com Síndrome de Sjögren. Membro do Núcleo de Sjögren e
do conselho fiscal da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR).

275
H. Lourenço & A. Vieira

A sexualidade é uma área complexa da vida do ser humano e é mais do que apenas
o ato sexual. A sexualidade contempla não só função corporal e processamento mental,
mas também interação social. Envolve mecanismos endocrinológicos, vasculares,
neurológicos e músculo-esqueléticos, além de ser influenciada por vários fatores
psíquico-sociais como aspetos familiares, religiosos, parceiro sexual e fatores individuais
como autoestima e imagem corporal.

A função sexual está intimamente associada a uma qualidade de vida satisfatória. O


sexo, como parte integrante da personalidade humana, é um elemento essencial da vida
humana. O funcionamento sexual normal consiste na atividade sexual com transição
através das fases de excitação até ao relaxamento sem problemas, e com um
sentimento de prazer, realização e satisfação. Por sua vez, a disfunção sexual é definida
como a incapacidade de participar do ato sexual com satisfação e compromete o desejo
e/ou a excitação e/ou a orgasmo.

A atividade sexual tem impacto na satisfação sexual da pessoa, em diversos aspetos


da vida pessoal e nas suas relações. Problemas físicos e emocionais alteram a qualidade
de vida física e emocional, podendo causar dificuldades com o parceiro, e contribuir
para aumentar a ansiedade, o que leva a uma atividade sexual menos frequente e
agradável.

Apesar do impacto das doenças crónicas na sexualidade, pouco tem se estudado do


ponto de vista reumatológico, ainda que as doenças reumáticas sejam bastante
prevalentes em pessoas jovens ou de meia-idade, período em que há maior atividade
sexual.

Sexualidade e saúde sexual

O que é a sexualidade? A resposta a esta questão não é simples. Freud observava a


sexualidade como uma força psicológica e biológica fundamental para a estruturação da
personalidade ou seja, o conceito de sexualidade assume-se mais como um processo
com que o ser humano se estrutura, organiza e comunica.(1,2)

A temática da sexualidade aparece como um dos principais veículos para a


construção social do sujeito moderno, tendo-se constituído a partir do século XVIII como
um domínio desvinculado, claro e gradualmente, de um universo simbólico mais
abrangente que incluía os fenómenos da sensibilidade e da sensualidade. Ela inspira a
arte, a cultura, a política, para além de ser organizadora das comunidades humanas
porque é geradora de famílias.(1)

276
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

Duarte,(3) referiu que é através da sexualidade que a espécie humana estabelece os


seus vínculos afetivos tanto de amor como de ódio e que a construção histórica deste
conceito girou, assim, em torno de três aspetos fundamentais: a perfetibilidade, a
preeminência da experiência e o fisicalismo.

A Organização Mundial de Saúde define-a como:

“Uma energia que nos motiva a procurar o amor, contacto, ternura e


intimidade, que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e
somos tocados, é ser-se sensual e, ao mesmo tempo sexual; ela influência
pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por isso influência também a
nossa saúde biopsicossocial” (p. 16).(4)

A sexualidade é uma expressão física e emocional poderosa, estruturante da psique


humana e da organização social, conforme é assinalado por vários autores.(1,2,5–7)

É igualmente, através da sexualidade que passa toda uma experiência da pessoa e a


autoconsciência do indivíduo, este percebe, sente e pensa a realidade como homem ou
como mulher. Está implícito, assim, um conceito bastante amplo de sexualidade, dado
que abarca a genitalidade, o afeto e o amor. Deste modo, Pan (8) refere que a distinção
entre genitalidade e sexualidade ajuda a entender que esta é uma estrutura
fundamental da existência do homem. A personalidade e comportamento de um
indivíduo são sempre sexuados, visto estarem influenciados ou pela masculinidade, ou
pela feminilidade desse mesmo indivíduo, sendo esta uma particularidade que marca a
nossa interação com os outros.

Estas considerações sobre a sexualidade humana são essenciais para se conseguir


definir, entender ou operacionalizar a saúde sexual, que é definida pela Organização
Mundial da Saúde como:

“…um estado de bem-estar físico, mental e social em relação à sexualidade.


Exige uma abordagem positiva e de respeito pela sexualidade e relações sexuais,
bem como a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis e seguras, livre
de coerção, discriminação e violência” (p.37).(9)

Assim, a sociedade, para se tornar sexualmente saudável, deve aceitar os seguintes


desafios: reconhecimento de que a saúde sexual é um direito humano fundamental, de
que devem existir políticas públicas para a sua promoção e proteção, de que devem
existir leis que protejam os direitos sexuais, de que deve existir acesso universal a uma
cuidada educação sexual adequada à idade, acesso também a serviços de saúde
equipados com profissionais especializados, vigilância e monitorização adequada de
comportamentos e indicadores de saúde sexual. Para se poder alcançar e manter um

277
H. Lourenço & A. Vieira

estado de saúde sexual, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados,
protegidos e cumpridos.

Neste sentido, a saúde sexual, não deve limitar-se apenas ao aconselhamento e


cuidados de saúde relativamente à procriação e à evitação das doenças sexualmente
transmissíveis, mas também constituir uma abordagem positiva à sexualidade humana
para o enriquecimento da vida e das relações interpessoais.(10)

A Enfermagem e a Saúde Sexual

Como ficou demonstrado, os conceitos de sexualidade e saúde sexual abrangem as


várias dimensões do ser humano, essenciais à vida e assim consideradas como
necessidades básicas, tornando por isso indispensável a sua inclusão no modelo
holístico, assim como no exercício regular da Enfermagem. A American Nursing Society
e a Oncology Nursing Society referem que:

“A sexualidade é um importante aspeto da qualidade de vida, que os


enfermeiros não devem ignorar por duas razões: Primeira, os doentes esperam e
merecem cuidados de elevada qualidade; os cuidados de enfermagem que
ignoram este importante aspeto da vida são abaixo dos padrões (de qualidade).
Segundo, os padrões de prática relacionada com a sexualidade existem”.(19)

Normalmente na presença de um problema sexual, são frequentes os sentimentos


de dúvida e medo por parte da pessoa manifestando enorme dificuldade em abordar
este problema com os profissionais de saúde, por pensarem que é desadequado para a
situação ou mesmo por timidez ou até por acharem que tem que ser o profissional de
saúde a determinar quando esta problemática deve ser focada, no entanto
estranhamente e não variadas vezes, o mesmo acontece por parte dos profissionais de
saúde, que maioritariamente demonstram igualmente enorme dificuldade em lidar com
esta área da expressão sexual, fazendo imperar o silêncio como forma de resolução
desta problemática.(11)(20)

Sendo, o enfermeiro, o profissional de saúde que mais tempo está em contato com
a pessoa com perturbações da esfera reumatismal, em todos os contextos e em todos
os momentos do seu continuum de saúde, podem (e devem) detetar um problema
sexual o mais precocemente possível. A Chave para se poder providenciar ajuda no
plano sexual nas pessoas com doença, está precisamente na capacidade que o
enfermeiro tem em abordar o tópico sexual, providenciando uma discussão serena do
mesmo.(11,12)

278
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

Os cuidados de enfermagem tomam sempre por foco de atenção a promoção dos


projetos de saúde de cada cidadão, independentemente da sua raça, credo ou género e
neste contexto procura sempre, ao longo do seu ciclo vital, prevenir a doença e
promover os processos de readaptação, procura a satisfação das necessidades humanas
fundamentais e a máxima independência na realização das atividades de vida, ao
mesmo tempo que procura a adaptação funcional aos défices e a adaptação a múltiplos
fatores. Neste sentido a sexualidade e as suas alterações terão que ser sempre objeto e
ou mesmo tempo objetivo destes padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem e
dos seus enunciados descritivos.(13)

A abordagem da sexualidade por parte do profissional de saúde

Será sempre a identificação da existência de um problema de índole sexual, o


primeiro passo numa avaliação de uma pessoa com problemáticas da esfera
reumatismal ou com restrições e handicaps derivados deste diagnóstico.

Muitas pessoas atribuem à doença a génese dos seus problemas sexuais, tanto por
imperativos fisiológicos diretos, quer pelo árduo processo de tratamento ou
reabilitação, quando muitas vezes a problemática é um processo anterior proveniente
de processos muito mais complexos, daí a extrema importância de se realizar uma
história sexual pregressa, que comtemple o relacionamento do casal e o perfil
psicológico da pessoa anterior ao surgimento da doença, podendo para tal usar
questões tais como:

• Como era o funcionamento sexual antes da doença ou restrição?


• Como é que reage normalmente a situações de stress?
• Existiu algum acontecimento de vida a partir do qual houve alterações na sua
vida sexual?
• Se é a primeira vez que tem a problemática manifestada?

Com o aumento do número de profissionais ligados à sexologia, a trabalhar nas


organizações de saúde é sem dúvida tentador para os profissionais de saúde,
nomeadamente os enfermeiros, libertarem-se de uma avaliação inicial desta área
especifica, já que por norma isso os deixa pouco confortáveis nomeadamente na
abordagem inicial, como já referimos anteriormente e que por consequência leva a
atitudes negativas de toda a equipa terapêutica envolvida no processo de saúde/doença
desta pessoa. Não são poucas as vezes que ouvimos comentários tais como: (14)

• Não faz parte das minhas funções;


• É necessário um treino específico;
• Consome muito tempo;
• A terapia sexual é cheia de segredos;

279
H. Lourenço & A. Vieira

• Como não existe cura é cruel abordar este tema;


• Abordaria este tema se a pessoa fosse casada;
• E se a pessoa tem uma orientação sexual diferente da minha?
• E se a pessoa o reagir mal ao abordar esta temática?
• Poderei abordar mais tarde, e se o doente manifestar esse interesse.

No entanto e apesar de alguns desses utentes poderem não querer revelar


pormenores ou dificuldades na sua atual vida sexual, a grande maioria fica agradada
com esta abordagem e consequentemente aconselhamento por parte do profissional
de saúde, que por sua vez tem que ter uma atitude sempre empática, concisa e
reveladora de uma verdadeira preocupação e não de uma simples inconveniência
metediça. Muitas vezes o humor funciona perfeitamente como quebra-gelo, mas por
outro lado também temos que estar preparados para outras reações ou sintomas que
nos são manifestados, já que muitas vezes os sinais e sintomas começam fora da área
sexual na esperança de que o profissional que acompanha o utente consiga descobrir
ou descodificar a mensagem implícita. Outras vezes e embora a pessoa assuma a sua
problemática sexual, o mesmo pode recusar qualquer abordagem terapêutica ou pelo
menos naquela fase da sua doença ou handicap sentido.(14)

Para Kaplan,(15) é na altura do diagnóstico e antes do início do tratamento a altura


ideal para se obter informações sobre a história sexual da pessoa, aproveitando a
ocasião para fornecer ao mesmo esclarecimentos úteis sobre o impacto da doença e do
seu tratamento na sexualidade manifesta.

O mesmo autor descreve um modelo de avaliação, que nos parece fácil de introduzir
e mostra-se bastante útil, que permite uma abordagem não demasiado rígida, podendo
e devendo introduzir-se alterações consoante a situação que se nos depara:

• Sintoma principal tendo por base o modelo de resposta sexual humana;


• Estado sexual atual;
• Condição médica;
• Condição psicopatológica;
• História familiar e psicossexual;
• Situação do relacionamento afetivo;
• Resumo das recomendações.

Ainda na perspetiva de Abrantes(16),existem alguns pressupostos que são essenciais


referir à pessoa, nomeadamente que:

• A disfunção sexual é sempre uma problemática do casal, pelo que o(a)


parceiro(a) deve ser incluído neste processo com a brevidade possível;

280
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

• Apesar de ser um dos elementos do casal a quem se diagnosticou uma doença


ou de qualquer outra restrição, tanto este casal como a família nuclear são um
todo e vão ser extremamente importantes na forma como se reage á doença;
• Todos os pontos de vista dos elementos envolvidos neste processo são
importantes e deverão ser ponderados como parte integrante da solução;
• Todas as decisões terapêuticas são tomadas em equipa e interessam tanto ao
terapeuta como à pessoa doente ou ao parceiro(a).

Logicamente que os mecanismos de adaptação que cada um tem para combater a


problemática são diferentes de pessoa para pessoa, assim como dependentes da fase
do ciclo de vida que estejam a atravessar na altura em que lhes foi diagnosticada uma
doença crónica, como a doença Reumatismal ou teve uma restrição permanente daí
derivada, assim como das circunstâncias da relação afetiva/amorosa que tenha
estabelecido anteriormente.(16)

Se é verdade que as pessoas jovens, que ainda não tenham desenvolvido


sentimentos estáveis sobre a sua própria sexualidade, requerem sempre um suporte e
atenção extra, assim como o adulto jovem, que perspetiva uma evolução de vários anos
de vida após um tratamento, uma cirurgia ou uma condição crónica derivada da sua
patologia.

Também não deixa de ser uma realidade que as pessoas de qualquer idade, que se
encontrem sozinhas (solteiras, divorciadas ou viúvas) podem apresentar preocupações
face ao seu aspeto físico e aparência (por exemplo submetidas a uma cirurgia óssea ou
músculo-esquelética), o que requer igualmente atenção especial por parte do
profissional de saúde que as acompanha. Por sua vez nas pessoas idosas assume-se
muitas vezes que os mesmos já não têm qualquer interesse por sexo, o que nem sempre
é verdade, pois continua a haver fortes evidências de manutenção do seu desejo, assim
como a probabilidade de conseguir um bom desempenho sexual e como tal devemos
considerar a máxima atenção á problemática apresentada.

Todos aqueles em que existe uma consequência direta da doença ou handicap com
restrições no ciclo de resposta sexual, requerem igualmente um maior
acompanhamento no sentido de lhes proporcionar uma atividade sexual gratificante.

Abordagem terapêutica

Cada vez mais os profissionais de saúde, estão atentos à temática da sexualidade


humana, de tal forma que já existem várias valências ligadas a esta área, tais como a
medicina sexual e a sexologia clinica, que se encontram em franca expansão mundial e
no nosso país, abrangendo uma multidisciplinaridade de profissionais, tais como
enfermeiros, médicos, psicólogos, fisiatras e farmacêuticos, entre outros, trazendo

281
H. Lourenço & A. Vieira

competências acrescidas e especializadas a estes técnicos que lhes permite abordar e


intervir nas pessoas que necessitem de ajuda especializada nesta necessidade humana
básica, com melhores resultados se o fizerem de forma multidisciplinar.

Ao mesmo tempo, esta componente tem igualmente vindo a desenvolver-se de


forma sustentada, com um grande e decisivo impulso a quando do surgimento do
Sildenafil (1998) e que sem dúvida levou a um incremento da investigação científica
nesta área(10), identificando fatores de risco que até á altura não eram considerados e
que veio a permitir que outras áreas (Reumatologia, Oncologia, Urologia, Diabetologia
e Cardiologia), entre outras sejam parceiras e conjuntamente contribuam de forma
simbiótica para a melhoria e bem-estar efetivo da esfera sexual da pessoa.

Ao mesmo tempo que abria horizontes para uma maior discussão desta temática
junto da comunidade em geral e dos profissionais da saúde em particular, tendo sido a
partir da junção destes dois eventos que começaram rapidamente a surgir várias
ferramentas essenciais para a avaliação das perturbações sexuais de ambos os géneros,
assim como houve um incremento exponencial de possibilidades de tratamento destas
problemáticas, até aí muito limitadas e pouco fidedignas.

Paralelamente, os avanços no tratamento de muitas patologias, conduziram ao


aumento da sobrevida e consequentemente a uma maior preocupação com a qualidade
de vida, assistindo-se a uma maior erotização da atividade sexual em detrimento da
função exclusivamente reprodutiva, no fundo uma busca da gratificação sexual como
parte integrante dessa qualidade de vida.(10)

É neste contexto que surge a necessidade de conhecer a etiologia das principais


dificuldades sexuais associadas ao conceito de “doença” ou mesmo ao de “ausência de
saúde”, por forma a melhor conseguirmos a deteção precoce e adequar a intervenção
do enfermeiro envolvido.

Principais causas dos distúrbios sexuais

Como não é pretendido uma descrição exaustiva de todas as patologias associadas


aos distúrbios sexuais, mas sim as mais relevantes, alerta-se, no entanto, para a
possibilidade de poderem existir outras causas que não estão aqui descritas, pois
também não seria esse o objetivo deste capítulo.

1) Causas Patológicas/Orgânicas:

• Endócrinas (diabetes mellitus, síndrome metabólico; hipogonadismo,


hipotiroidismo, hipertiroidismo, hiperprolactémia, síndrome de cushing);
• Oncológicas;

282
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

• Cardiovasculares: acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca,


enfarte agudo do miocárdio e doença cardiovascular isquémica, insuficiência
vascular arterial, hipertensão arterial e dislipidemias);
• Urológicas e ginecológicas (doença de la Peyronie, infeções génito-
urinárias/vulvovaginites, prostatite, hipertrofia benigna da próstata,
endometriose, doenças do pavimento pélvico e inflamatórias pélvicas);
• Neurológicas (epilepsia, demências, esclerose múltipla, neuropatias
autonómicas periféricas);
• Infeciosas (infeção por VIH e imunocompromisso);
• Doenças Reumatológicas (Artrite Reumatóide, lúpus, fibromialgia);
• Outras (obesidade, doença hepática, malnutrição, anemia crónica, alterações
da coagulação sanguínea, patologia respiratória e apneia do sono).

2) Causas patologias psiquiátricas/mentais:

• Perturbações do humor (depressão e doença afetiva bipolar);


• Psicoses (esquizofrenia e síndromes psicóticos);
• Ansiedade e fobias;
• Distúrbios alimentares (anorexia e bulimia);
• Dependência de Substâncias Psicoativas, álcool e estupefacientes.

3) Causas Secundárias à Medicação:

• Anti-hipertensores (diuréticos tiazidicos, betabloqueadores e bloqueadores


dos canais de cálcio);
• Medicação com efeito hormonal (estrogénios, antiandrogénios, agonistas e
antagonistas gnrh, inibidores da 5-alfa redutase, contracetivos orais,
espironolactona);
• Antidepressivos e neurolépticos (inibidores da recaptação da serotonina,
antidepressivos tricíclicos, fenotiazidas);
• Antieméticos (metoclopramida);
• Antiarritmicos (amiodorona, digoxina e disopiramida);
• Medicamentos alfa bloqueadores (alfusosina, tansulosina, doxazosina,
terazosina e silodosina);
• Substâncias de abuso (cocaína, heroína, haxixe, marijuana, opiáceos, álcool e
tabaco.

4) Traumáticas e motoras:

• Lesão vertebro medular, traumatismo crânio encefálico.


283
H. Lourenço & A. Vieira

5) Desenvolvimento sexual:

• Síndrome de Klinefelter, síndrome de Turner e disgenesia gonadal mista, entre


outros.

6) Desenvolvimento sensorial:

• Perturbações visuais, auditivas, olfativas, gustativas e táteis. (10)

Consequências da doença reumática na sexualidade humana

A doença reumática pode afetar muitos aspetos diferentes da vida do doente, e a


sexualidade não é exceção. Pode causar desconforto físico que torna o sexo menos
agradável, e pode também perturbar o equilíbrio da relação a dois se houver outras
atividades partilhadas em que o doente já não possa participar ou trabalhos domésticos
em que precise de ajuda. A disfunção sexual em mulheres e homens com doenças
reumáticas é multifatorial resultando dos sintomas da doença, da atividade da doença,
dos efeitos secundários dos tratamentos medicamentosos e até das comorbilidades. A
falta de mobilidade, desequilíbrio hormonal, dor, fadiga, rigidez, deficiência funcional,
secura das mucosas, depressão, ansiedade, perceção da imagem corporal negativa,
autoestima reduzida, diminuição da libido e desequilíbrio hormonal e a consequente
diminuição da qualidade de vida têm um impacto na disfunção sexual.

A sexualidade das pessoas com doenças reumáticas é, portanto, um problema


interdisciplinar significativo, exigindo uma intervenção urgente e o mais precoce
possível não só dos reumatologistas, enfermeiros especialistas, sexólogos, psicólogos,
mas também dos profissionais de saúde dos cuidados primários e dos fisioterapeutas.

Alterações Físicas /Orgânicas

As doenças reumáticas afetam diversos órgãos e sistemas, podendo resultar em


disfunção sexual nos utentes, particularmente naqueles com diagnóstico de artrite
reumatóide, espondiloartrites, lúpus eritematoso sistémico, esclerose sistémica,
síndrome de Sjögren, vasculites e miopatias inflamatórias idiopáticas.

A atividade inflamatória da doença é responsável por alterações físicas tais como


artrite, anemia, hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias, neuropatias, vasculite de
órgãos genitais ou envolvimento pulmonar que por sua vez podem levar à disfunção
sexual. Além das alterações agudas provocadas diretamente pela doença reumática, as
consequentes sequelas também podem provocar danos permanentes com impacto na
sexualidade.

284
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

É comum o doente reumático encontrar dificuldade nas relações sexuais, que pode
levar a menor frequência de atividade sexual, carícias genitais e masturbação ou até à
abstinência sexual por falta ou baixos níveis de desejo sexual, excitação, lubrificação,
desempenho, diminuição no número e na intensidade dos orgasmos (ou até ausência
destes), ejaculação precoce e dor. Dito isto não será difícil perceber a inevitável
insatisfação com a vida sexual.

Dificuldades de ejaculação podem verificar-se por exemplo nas pessoas com


Esclerose Sistémica, devido a alterações fibróticas e do fluxo sanguíneo resultantes da
vasculopatia típica nesta patologia ou até comorbilidades como o envolvimento
neurológico. Nas mulheres com esta patologia verifica-se maior incidência de
dispareunia devido à fibrose vaginal e consequente diminuição da elasticidade. Além da
secura vaginal a presença de ulcerações e fissuras, podem dificultar a penetração ou
provocar dor. Por sua vez o espessamento cutâneo pode levar a contraturas articulares,
podendo dificultar ou impossibilitar determinadas posições sexuais. Outros sintomas
como artralgias/artrites e fraqueza muscular decorrentes da atrofia também podem ter
impacto negativo na sexualidade destas pessoas.

Na Síndrome de Sjögren, que afeta principalmente mulheres, o desempenho sexual


é diretamente afetado pela diminuição da produção do muco cervical que leva à secura
vaginal, muitas vezes severa resultando em vaginite atrófica, que por si só causa
dispareunia e prurido levando à diminuição do desejo e prazer. Aumento no desconforto
ou dor vaginal durante o ato sexual e dificuldade na penetração devido à menor
elasticidade vaginal são também comuns nestas pessoas. Infeção vaginal e urinária
recorrente ou cistite crónica também podem interferir diretamente no funcionamento
sexual.

O dano vascular precoce envolvendo pequenos vasos (Fenómeno de Raynaud)


observado tanto em pessoas com Esclerose Sistémica como com Síndrome de Sjögren
pode afetar todas as fases do funcionamento sexual que dependem da integridade
destes mecanismos vasculares, desde alterações na excitação, até alterações do
orgasmo.

A fadiga que ocorre no Lupus Eritematoso Sistémico ou na Síndrome de Sjögren,


amplamente reportada pelas pessoas como extremamente incapacitante, é um dos
principais determinantes para diminuição do desejo sexual. Importa referir que este
sintoma ocorre principalmente na doença ativa, mas também em fases em que a doença
está bem controlada.

Pessoas com Lupus apresentam maior incidência de alterações ginecológicas, tais


como irregularidade menstrual, endometriose e infeção vaginal recorrente, que podem
condicionar o funcionamento sexual.

285
H. Lourenço & A. Vieira

Na doença de Behçet as úlceras genitais podem ser extensas e muito dolorosas,


tendo um impacto enorme na sexualidade destas pessoas. As lesões genitais no homem
ocorrem mais frequentemente no escroto e raramente afetam pénis, e na mulher
verificam-se principalmente na vulva, vagina e colo uterino. Estas ulcerações genitais
podem provocar dispareunia na mulher e dor escrotal nos homens. Além da dor, outro
aspeto importante a ter em conta, é que a presença destas ulcerações pode ser
interpretada pelo parceiro como sinal de doença venérea, prejudicando não só o
relacionamento interpessoal, mas também a autoimagem.

Outro exemplo de uma patologia que envolve frequentemente os órgãos genitais,


tanto masculino quanto feminino, é a Poliarterite Nodosa. Além de causar dor testicular,
pode mais raramente afetar o pénis, colo uterino e ovários, levando à dispareunia. A
atividade da doença e o envolvimento vascular pode afetar os órgãos genitais,
comprometendo diretamente o desempenho sexual devido à dor, hipersensibilidade e
necrose localizada, e indiretamente resultado das alterações hormonais por vasculite
ovariana e testicular.

Podemos dizer que as doenças reumáticas levam a dificuldades no relacionamento


com o parceiro principalmente em dois domínios: dificuldade no desempenho do ato
sexual (limitação, incapacidade e falta de preparação para o ato) e diminuição do desejo
e da satisfação sexual.

A dor articular pode limitar determinadas posições sexuais, principalmente quando


há comprometimento das articulações dos joelhos e da bacia e do fémur que limitam os
movimentos. O medo antecipatório de sentir dor pode até levar à aversão à interação
sexual. Tanto o medo de sentir dor como a dor propriamente dita resultam
inevitavelmente numa redução na frequência sexual numa elevada percentagem das
pessoas. Quanto maior o nível da dor e da incapacidade física, maiores os seus efeitos
sobre a atividade sexual, independentemente do género. A diminuição do desejo e
menor frequência sexual decorrente do declínio na energia física e da dor articular
foram observadas após o início da doença, e uma larga percentagem refere não estar
satisfeita com o relacionamento sexual.

Alterações Psicológicos

A doença crónica, bem como a sua terapêutica, podem ter um enorme impacto na
função sexual, interferindo também a nível psicológico. Qualquer coisa que afete o
humor ou sensação de bem-estar pode influenciar o desejo sexual. Como em muitas
outras doenças, a doença reumática pode afetar o humor do paciente e a forma como
se sente em geral. As articulações inflamadas e/ou deformadas podem fazer com que
se sinta menos atraente e afetar a sua autoconfiança. As articulações dolorosas podem

286
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

tornar mais difícil a transição para uma posição a que estava mais habituado. E a fadiga
decorrente da doença reumática também pode reduzir o seu desejo sexual.

A incapacidade de desempenhar um papel ativo em muitos aspetos da vida e de


fazer as coisas com o mesmo ritmo e nível de desempenho a que estavam habituadas
antes de a doença reumática se instalar gera muita frustração e um fardo emocional
muito pesado nestas pessoas. Humor deprimido, mal-estar mental, depressão e
ansiedade, acompanham frequentemente as doenças reumáticas e têm consequências
negativas na autoestima, na qualidade do relacionamento interpessoal e
inevitavelmente na sexualidade.

As pessoas podem perder o interesse sexual ou tornarem-se sexualmente inativas


porque a baixa autoestima e as preocupações quanto à imagem corporal os levam a pôr
em causa a sua capacidade de participar no ato sexual. Parece ser consensual que
quanto maior o nível de depressão tanto maiores são os seus efeitos sobre a atividade
sexual, tanto em homens como em mulheres, como as suas consequências: perda do
desejo e da satisfação sexuais, sentimentos de culpa, frustração, tensões constantes
com os parceiros, etc.

Entre as doenças reumatológicas a Esclerose Sistémica é muito provavelmente a que


causa maiores alterações da imagem corporal devido ao comprometimento cutâneo,
frequentemente grave, que contribui fortemente para que estas pessoas tenham
imagem negativa de si próprias, baixa autoestima e autoconfiança.

As doenças reumáticas também perturbam a dinâmica do relacionamento entre os


parceiros, alterando frequentemente o estatuto de marido e mulher para paciente e
cuidador. Muitos utentes acreditam que a doença interfere na relação com o parceiro
devido à diminuição das atividades diárias e sociais, alterações emocionais, alterações
financeiras e alterações na capacidade de manter um trabalho estável ou a tempo
inteiro. Alguns estudos mostram evidências de que as variáveis psicológicas são mais
importantes para a satisfação do paciente do que as variáveis objetivas da doença.

Importa perceber que a disfunção sexual não compromete apenas a satisfação


sexual, mas também a satisfação de vida em geral, resultando numa menor qualidade
de vida, baixa autoestima, depressão e ansiedade. A relação entre estes aspetos e a
função sexual é complexa e pode ser recíproca, sendo muitas vezes difícil perceber ou
identificar o que é que causa o quê.

Sabe-se que a depressão está associada à diminuição da libido e da capacidade de


iniciar o ato sexual, disfunção ejaculatória, dispareunia, ausência de orgasmo, perda do
prazer ou aversão ao ato sexual, levando à deterioração na qualidade do
relacionamento sexual destas pessoas. Dúvidas sobre a capacidade de satisfazer o
parceiro resultam numa ansiedade constante, e muitas vezes, o medo antecipatório de

287
H. Lourenço & A. Vieira

falhar, acaba por levar as pessoas a evitar o ato sexual. Importa também referir que
além da depressão, também a fadiga, o stress e a ansiedade estão frequentemente
presentes nas doenças crónicas, podendo contribuir de forma considerável para
disfunção sexual.

Alterações Relacionais/Familiares

Muitas mudanças ocorrem na vida de quem vive com uma doença crónica. Não só
afeta a pessoa que tem a doença, mas também tem um impacto significativo nas
pessoas à sua volta, especialmente na sua família.

Um diagnóstico de doença reumática pode afetar todas as áreas da sua vida,


incluindo a sua família. É extremamente importante, e muitas vezes muito difícil, o
paciente criar e manter uma comunicação aberta com a sua família sobre a sua doença.
Não conseguir alar abertamente sobre sentimentos, necessidades, preocupações e
medos pode levar ao isolamento, ressentimento e depressão para as pessoas que vivem
com a doença e para as suas famílias. Porque muitos destes doentes vivem diariamente
com sintomas que são invisíveis, como a dor e a fadiga, as famílias, incluindo as crianças,
podem ter dificuldade em perceber como se sentem e isto pode gerar incalculáveis
prejuízos nas relações interpessoais e dos parceiros.

Conjugue/Parceiro

A maioria dos casais - quer tenham ou não uma doença reumática - passam por fases
na sua relação em que a sua vida sexual é menos excitante ou satisfatória do que era
habitual. Embora possam existir razões físicas para tal, outros fatores desempenham
muitas vezes um papel. Transtornos emocionais, preocupações de trabalho ou de
dinheiro podem afetar o equilíbrio de uma relação.

Como qualquer outro problema de saúde, a doença reumática pode trazer uma série
de desafios para uma relação: a dor e a fadiga podem reduzir não só o prazer do sexo,
mas também o prazer em disfrutar de outras atividades e interesses que o paciente
partilha com o seu parceiro. Ter uma doença reumática pode significar que nem sempre
pode gerir os trabalhos domésticos que normalmente faz, ou que pode precisar da ajuda
do parceiro para os realizar. Se a doença afetar o trabalho, pode naturalmente levar a
preocupações financeiras.

Como já foi mencionado acima a doença pode afetar o humor e autoestima do


doente, e o parceiro estará preocupado com a forma como a condição o está a afetar.
Embora a relação possa mudar devido à doença, a mudança não tem de ser
necessariamente negativa. Muitos casais descobrem tornam-se mais próximos ao
discutir abertamente as coisas e a sua relação torna-se também mais forte como
resultado disso. O importante é falar aberta e honestamente sobre a situação em

288
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

mudança e quaisquer desafios que enfrentem para que possam chegar a uma solução
que seja certa para ambos os parceiros. Por exemplo, a maioria das pessoas com doença
reumática prefere manter tanta independência quanto possível, pelo que um parceiro
que assuma o papel de cuidador terá de encontrar o equilíbrio certo entre prestar ajuda
e apoio sem ser superprotetor. Pode ser difícil para um parceiro prestador de cuidados
reconhecer e aceitar que a sua ajuda nem sempre é desejada. Alguns casais podem
achar difícil no início discutir as coisas abertamente, por isso é necessário criar um
momento confortável e descontraído para conversarem um com o outro. Mas uma vez
iniciada a comunicação aberta, pode ser um grande alívio para ambos os parceiros de
uma relação.

Os parceiros de pessoas com doença reumática enfrentam muitos desafios


inesperados. Muito frequentemente, o diagnóstico surge como um choque, deixando
tanto a pessoa diagnosticada como o seu cônjuge despreparados e inseguros sobre a
melhor forma de avançar. Os cônjuges das pessoas que vivem com estas doenças são
frequentemente forçados a ajustar as expectativas, papéis e responsabilidades dentro
de um período de tempo muito curto. É importante perceber que a doença crónica afeta
tanto as pessoas numa relação, como os parceiros precisam de assumir a
responsabilidade pelo seu próprio bem-estar; afinal, pode ser de muito pouca ajuda
para o seu parceiro durante a sua doença, se não for capaz de cuidar bem de si próprio.

Viver com doença reumática pode ter um grande impacto no casamento. É provável
que ocorram mudanças no estilo de vida à medida que as limitações físicas se tornam
mais prevalentes. À medida que as restrições se tornam impositivas, algumas atividades
podem ter de ser reduzidas. A vida social de um casal pode ser afetada, dado que o
paciente é muitas vezes incapaz de acompanhar o conjugue. Embora as atividades
restritivas possam ser necessárias para ajudar a controlar a dor e a fadiga, o cônjuge
saudável pode ficar frustrado porque a sua vida social também é afetada.

A alteração das responsabilidades familiares é também outra consequência de viver


com doença reumática. Os cônjuges sobrestimam ou subestimam a gravidade da fadiga
ou da dor que a pessoa com doença reumática sente. Sabe-se que os doentes cujos
cônjuges subestimaram os seus níveis de fadiga tinham mais probabilidades de relatar
um apoio social mais fraco por parte dos seus parceiros. As tarefas e responsabilidades
podem precisar de ser transferidas para outro membro da família que possa lidar
melhor com a situação. Isto pode criar uma situação stressante tanto para a pessoa que
deve assumir mais responsabilidades como para a pessoa que deve admitir que se
tornou mais dependente.

A responsabilidade financeira é outra área que pode exigir modificações se o doente


tiver sido o principal sustento da família e se uma transição de carreira for forçada por
incapacidade.

289
H. Lourenço & A. Vieira

É necessária muita paciência e vontade de comunicar abertamente medos,


preocupações e ansiedades. Deve ser alcançado um entendimento entre os parceiros
para continuar a trabalhar em equipa. A comunicação com o parceiro é muito
importante – é imperativo que saiba como o doente se sente e que o doente saiba ouvir
o que o parceiro tem a dizer.

Importa referir que os doentes que mantêm relações fortes tendem a ter níveis mais
baixos de incapacidade física. Sabemos, portanto, que trabalhar na sua relação como
um todo, melhorando a comunicação e reforçando os seus sistemas de apoio, pode
efetivamente melhorar a sua saúde. Há que manter uma comunicação aberta com o
parceiro sobre como se está a sentir fisicamente. Manter uma boa comunicação é vital
para assegurar a uma relação saudável e funcional.

Crianças

As crianças pequenas são muito dependentes dos seus pais. Quando um dos pais
tem uma doença reumática, é provável que a criança cresça abordando a doença da
forma como observa os seus pais a abordarem a doença. Se uma criança observar a
aceitação, espelhará a aceitação. A parte mais difícil para um progenitor com doença
reumática é quando percebe que não podem fazer tanto quanto desejaria com a
criança, especialmente no sentido físico. O foco deve estar naquilo que ainda podem
fazer juntos. A quantidade de tempo que passam juntos torna-se secundário em relação
ao tempo de qualidade. É pouco provável que as crianças pequenas façam muitas
perguntas sobre a doença, no entanto é importante que os pais estejam disponíveis para
abordar os seus medos. Dizer-lhes que a doença não é fatal, por exemplo, e transmitir-
lhes a sensação de que tudo está sob controlo é muito importante para que se sintam
seguros.

Para muitos pais, o mais difícil no processo de aprender a viver com a doença
reumática poderá ser ajustar as expectativas que criaram para si próprios enquanto
pais. Pode ser tremendamente difícil aceitar que existem algumas coisas que já não
serão capazes de fazer da mesma forma. Podem sentir relutância em falar abertamente
com os seus filhos sobre a sua doença por medo de os assustar. Manter uma relação
aberta e honesta com as crianças é vital quando se está a viver com uma doença crónica.
As crianças precisam de saber o que esperar, e precisam de sentir que é seguro discutir
os sentimentos e ansiedades que possam estar a ter sobre o estado de saúde dos pais.

Adolescentes

Lidar com adolescentes é diferente de lidar com crianças pequenas. Os adolescentes


são mais velhos e capazes de ler, pesquisar, aprender, e compreender informações mais
complexas. É provável que tenham mais perguntas sobre a doença e sobre a situação
familiar daí resultante. Os adolescentes estão tipicamente a tornar-se mais

290
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

independentes no momento em que os pais podem precisar mais deles. Numa altura
em que a sua ajuda pode ser necessária por exemplo com as tarefas domésticas, eles
estão numa fase em que querem fazer menos. O conflito pode ocorrer devido a isto,
mas se todos os interessados se aperceberem que com mais responsabilidade vem mais
privilégio, um compromisso único pode ser mantido.

Muitos adolescentes assumem por vezes também o papel de cuidadores,


especialmente na ausência do progenitor saudável. Embora esta situação possa gerar
no progenitor com doença reumática desconforto e sentimentos de culpa pela inversão
de papeis, é importante que construam uma relação aberta e saudável com os filhos,
estimulando-os para que sejam o mais autónomos possível desde cedo para que possam
assumir com tranquilidade este papel sempre que tal for necessário. Pode parecer um
processo difícil tanto para os pais como para os filhos, mas acabarão por perceber que
estão a criar e/ou a fortalecer laços.

Importa, portanto, abordar todas as questões que os adolescentes possam colocar,


compreendendo a sua necessidade de compreender a situação. É fundamental perceber
também as suas necessidades emocionais neste momento da sua vida bem como criar
e manter uma atmosfera de dar e receber em que o seu apoio seja reconhecido como
maturidade e recompensado com algum tipo de privilégios.

Pais

É muito difícil para os pais lidar com o facto de o seu filho ou filha ter uma doença
reumática. Para além de se sentir mal pela razão óbvia de que o seu filho tem um
problema, os pais sentem-se muitas vezes de alguma forma responsáveis. Podem sentir
que a doença foi herdada deles ou que de alguma forma contribuíram para a causar.

Há tipicamente duas reações diferentes que os pais podem ter em relação à doença.
Os pais que optam por negar o problema tornam-se os "ignorantes". Mostram cada vez
menos preocupação, fazem cada vez menos perguntas, e minimizam a doença. Em
contraste, os pais podem optar por estar excessivamente preocupados. Estes pais
sentem total responsabilidade pelo filho doente e sentem a necessidade de tomar conta
dele. Ignoram o facto de o filho ou filha poder tomar conta de si próprio. Tornam-se
"asfixiantes". Em qualquer dos casos é fundamental que o doente tente abordar o
problema e consiga perceber se é possível chegar a um entendimento onde tanto os
pais como os filhos têm as suas necessidades satisfeitas. Nos casos em que os pais não
estiverem dispostos a mudar de atitude, resta ao doente focar-se em privilegiar o seu
bem-estar.

291
H. Lourenço & A. Vieira

Irmãos

Várias emoções podem ser desencadeadas entre irmãos quando um deles tem uma
doença e o outro é saudável. O irmão com a doença pode por vezes sentir ciúmes,
inveja, ou ressentimento em relação ao irmão que foi abençoado com uma vida mais
fácil. O irmão saudável também pode sentir ciúmes, para uma atenção extra que é dada
ao irmão não saudável. A compaixão para com o irmão não saudável também pode
desenvolver-se. Ao reconhecerem as suas diferenças e ainda não compreenderem por
que razão as circunstâncias são como são, os irmãos podem ter de lidar com emoções
complexas.

Todos os interessados devem compreender que as coisas são de uma determinada


forma, mesmo que inexplicáveis. Mais uma vez, a compreensão e a comunicação são
fundamentais, para que encontrem estratégias para ultrapassar os momentos mais
difíceis e para disfrutar ao máximo da vida em comum. Os irmãos devem aceitar a
realidade da situação e permitir uns aos outros que alcancem tudo o que é possível.

Alterações Resultantes dos Tratamentos

É pouco provável que a maioria dos fármacos normalmente utilizados para tratar a
doença reumática afete vida sexual, embora os corticosteroides possam por vezes
causar alterações da ejaculação, impotência temporária, reduzir o desejo sexual ou
causar algumas mudanças físicas como hirsutismo, distribuição anómala da gordura
corporal e aumento de peso, que conduzem a alterações da imagem corporal e
consequentemente a baixa autoestima. Algumas alterações da libido já foram
relacionadas com o uso de alguns anti-inflamatórios e do metotrexato. O doente deverá
por isso discutir a sua terapêutica com o seu médico se pensa que pode estar a sua
função sexual.

Outro ponto a manter em mente é a alta prevalência de comorbilidades como a


depressão, doenças cardiovasculares, pulmonares, da tiroide e renais em pessoas com
doença reumática, que comprovadamente afetam a função sexual.

Abordagem Terapêutica

Neste ponto, o autor Jack Annon(17), propões um modelo baseado em quatro níveis
diferentes de intervenção, denominado de Modelo de PLISSIT, a saber:

• Permissão: que consiste em encorajar o doente a expor o seu problema sexual;


• Informação limitada: em que são fornecidas explicações ao casal sobre a
resposta sexual esperada;

292
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

• Sugestões específicas: indicações sobre técnicas denominadas de breves ou


psicoeducação que servem para ultrapassar ou minorar as dificuldades
vivenciadas;
• Terapia intensiva: que consiste num programa de intervenção mais
estruturado usado por exemplo nas terapias cognitivo-comportamentais e
onde já são necessários técnicos especializados em sexologia (ou enfermeiros
que possam eventualmente possuir esta formação específica, em sexologia
clínica por exemplo).

No caso da psicoeducação sexual ou de terapias breves, inclui várias componentes,


nomeadamente esclarecimentos sobre os efeitos da doença ou tratamento no
funcionamento sexual, a modificação de crenças e atitudes pouco adaptativas em
relação à sexualidade na doença ou restrição da participação, encorajamento da pessoa
ou casal em assumir que a gratificação não tem que ser necessariamente genital, ensinar
a minimizar a distratibilidade decorrente das restrições físicas, tais como limitações de
mobilidade, existência de ostomias, deficiências fisiológicas, uso de próteses, entre
outras.

Segundo Santos(18), na abordagem terapêutica, também é muito importante os sinais


e comportamento físico dos técnicos de saúde que abordam a pessoa, devendo-se
evitar o cruzar de braços, uma expressão facial que traduza negação ou incredibilidade
ou olhar diretamente e de uma forma demorada nos olhos do utente, devendo
igualmente utilizar outros requisitos, tais como:

• Espírito aberto e atitude de escuta ativa;


• Tratar a sexualidade como trataria qualquer outro assunto da saúde;
• Ambiente descontraído, mas utilizando um espaço físico que respeite a
dignidade e a confidencialidade das questões sexuais;
• Isenção de juízos de valor, mantendo sempre a neutralidade;
• Utilização de terminologia adequada ao contexto socioprofissional e
académico da pessoa;
• Não dar azo ou deixar espaço para conceitos ou ideias vagas, que possam ser
mal interpretados ou percebidas, devendo sempre ser objetivo e claro no
discurso usado;
• Nunca demonstrar pressão temporal para realizar a abordagem, pois esta
temática requer tempo e disponibilidade;
• Reconhecimento dos próprios receios ou limitações (éticas ou religiosas) por
parte do enfermeiro ou de outro profissional de saúde.

293
H. Lourenço & A. Vieira

Mitos e crenças acerca da sexualidade na doença reumática

Parece ser um paradoxo sermos constantemente bombardeados por publicidade


fértil em mensagens sexuais, e que comunicar sobre expectativas e necessidades
sexuais ainda parece ser um desafio para as pessoas e profissionais de saúde em pleno
século XXI. Os problemas de sexualidade e incapacidade motora em doenças
reumáticas, são geralmente ainda temas tabu, raramente discutidos por médicos e
outros profissionais de saúde.

Vários estudos demonstraram que os profissionais de saúde têm uma atitude muito
positiva quando se fala de problemas relacionados com a sexualidade dos seus utentes,
mas esta atitude não se reflete na sua prática clínica e muito poucos se referem ao início
de uma conversa sobre sexualidade. As barreiras que os impedem de iniciar uma
conversa sobre sexualidade são o constrangimento, a falta de tempo, a falta de
privacidade, a falta de conhecimento e domínio sobre o tema, e a idade e etnia do
doente.

As preocupações sexuais são frequentes em doentes com doenças reumáticas. Há


evidencias de que os doentes querem que o seu médico lhes forneça informações sobre
questões sexuais relacionadas com a sua doença. Contudo, na maioria dos casos, os
problemas sexuais em doentes com doenças crónicas são ignorados pelos médicos.
Consequentemente, o sexo é negligenciado, produzindo uma enorme angústia nas
pessoas com doença reumática e nos seus parceiros. Por outro lado, existe também a
crença entre os profissionais de saúde de que a responsabilidade de iniciar uma
conversa sobre questões relacionadas com a sexualidade cabe exclusivamente ao
paciente, e se este não aborda o tema assumem que não existem problemas relevantes.

Esta falta de informação sobre sexualidade por parte dos profissionais de saúde leva
as pessoas a procurarem respostas às suas dúvidas em duas fontes alternativas: Internet
e amigos. Isto pode ser contraproducente, porque não temos qualquer controlo sobre
a informação disponível para as pessoas. No caso dos amigos, não conhecemos o seu
nível de conhecimento sobre o assunto e quando se trata da Internet, esta pode ser uma
boa fonte de informação se for bem filtrada. Uma vez que nem todos os websites
oferecem informação fiável, e os níveis de literacia das pessoas são diferentes, uma
navegação mal filtrada poderá levar a reforçar alguns mitos sobre sexualidade em
doenças reumáticas, tais como: o ato sexual é sempre doloroso, a falta de mobilidade
fará sempre com que as relações sexuais não sejam agradáveis, as pessoas com DRM
não devem ter relações sexuais para evitar danos, a única forma de sentir satisfação é
através das relações sexuais, entre outros.

Muitas pessoas tendem a lidar com estas questões independentemente, aceitando-


as passivamente na crença de que são insolúveis. Muitos não partilham o problema com

294
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

ninguém e alguns não o querem fazer, porque pensam que é desnecessário. Muitos dos
doentes pensam que a doença o tornou diferente e minou profundamente a confiança
em si próprio e na sua própria autoimagem. Para muitos é um processo solitário de
tentativa e erro, muito difícil, porque ninguém fala sobre o tema ou ensina novas formas
de o fazer. Os poucos que tentam iniciar uma conversa sobre sexo com o seu
reumatologista, ou outro profissional de saúde, sentem que são olhados de forma
estranha e evitam o assunto, como se fosse um dado adquirido que deixam de ter
relações sexuais porque vivem com doença reumática.

Há também uma falsa crença de que as doenças reumáticas afetam apenas os


idosos. É um tema complexo porque no processo de desenvolvimento dos adolescentes
e jovens adultos percebe-se que as suas experiências sexuais são diferentes daqueles
sem doença reumática. As preocupações sexuais também ocorrem numa idade mais
jovem por isso é muito importe estarmos despertos para esta realidade e promover uma
intervenção precoce referenciando os jovens para especialistas sempre que possível.

Por outro lado, as doenças reumáticas são ainda vistas como doenças de mulheres.
Embora afetem maioritariamente mulheres, os homens também padecem destas
patologias e também eles veem a sua qualidade de vida afetada nas mais diferentes
formas, nomeadamente a sua saúde sexual. Especialmente em estudos sobre
reumatologia reprodutiva, há um claro preconceito de género que resulta em
conhecimento focado apenas na perspetiva feminina. A saúde sexual e a reprodução
são tão importantes para os homens como para as mulheres, pelo que mais e melhor
informação sobre o efeito das doenças reumáticas na saúde sexual masculina é
necessária para melhorar a forma como os profissionais de saúde aconselham e tratam
utentes do sexo masculino com doenças reumáticas.

O sexo não é igualmente importante para todos os casais, mas se é importante para
o doente e para o seu parceiro, então deve-se tentar encontrar formas de satisfazer
ambas as suas necessidades. Alguns parceiros sobrestimam a dor do conjugue com
doença reumática evitam a intimidade por medo antecipatório de magoar o parceiro ou
acreditam que a dor é um estado permanente. A maioria dos doentes considera que a
sua dor pode variar de dia para dia, pelo que poderão querer aproveitar ao máximo
quaisquer oportunidades nos seus melhores dias. Mas por vezes é difícil falar sobre
assuntos sexuais com o parceiro, mesmo quando já estão juntos há algum tempo. A
doença pode afetar o desejo e o prazer sexual de ambos os parceiros, e isto pode ter
um impacto inimaginável na relação. O sexo pode ser fisicamente exigente e causar
desconforto, no entanto deverá ser devidamente esclarecido que não vai agravar a
doença.

Para muitos casais, a intimidade e a sexualidade são profundamente importantes. A


doença pode certamente apresentar desafios nestas áreas, mas há muitas formas de

295
H. Lourenço & A. Vieira

diminuir os seus impactos e continuar a desfrutar de uma vida sexual saudável e ativa.
Por vezes, basta fazer pequenas mudanças para continuar a ter uma vida sexual feliz.
Prevenir ou minimizar o desconforto pode passar por tomar um duche ou banho quente
antes do momento planeado para relaxar as articulações e músculos. Tomar a
medicação para a dor 30 minutos antes, pedir ao parceiro uma massagem suave, fazer
alongamentos como quando se prepara para qualquer tipo de atividade, ou abrandar o
ritmo evitando algumas atividades fisicamente mais exigentes são opções tão válidas
como escolher posições que proporcionem menor tensão possível nas articulações
afetadas ou colocar almofadas debaixo de quaisquer articulações que causem
desconforto. Experimentar posições diferentes permitirá descobrir quais são as mais
confortáveis para as articulações. Ser criativo e manter uma mente aberta para
diferentes possibilidades pode causar algum constrangimento inicial, mas é um caminho
de descobertas que deve ser feito a dois e que será mutuamente benéfico.

Aceitar que a intimidade terá de ser mais planeada e menos espontânea é um dos
primeiros passos para a adaptação à vida com doença reumática. Porque o timing e a
preparação podem ajudar a tornar a intimidade mais agradável quando se lida com a
doença, pode ser necessário mudar a forma como se pensa sobre a intimidade. Discutir
a necessidade de planeamento, calendarização e preparação de forma aberta e clara
com o cônjuge. O doente provavelmente descobrirá, quando encontrar formas simples
e agradáveis de planear e preparar a intimidade, que o seu cônjuge estará mais do que
disposto a acomodar as suas necessidades. Há que desconstruir o mito de que o sexo
não se planeia porque quando se tem uma doença reumática, planear o sexo pode ser
a solução para uma vida sexual satisfatória.

É também imperativo desmistificar que o sexo penetrativo não é a única forma de


alcançar a satisfação sexual. Beijar, acariciar e a masturbação mútua pode ser uma
opção igualmente agradável. O sexo oral também é uma alternativa, embora uma
articulação dolorosa da mandíbula ou a falta de saliva possa causar desconforto.
Acessórios sexuais tais como vibradores são muito mais utilizados do que muitas
pessoas imaginam e podem ser particularmente úteis para relaxar articulações e
músculos dolorosos, assim como para a estimulação genital, por exemplo.

Existe ainda a crença de que o diagnóstico de doença reumática dita o insucesso de


uma relação a dois, ou de que a doença é o motor de todos os problemas que surgem
na relação. No entanto estudos indicam que o estado da relação antes da doença tem
um impacto profundo na relação após a doença. Em termos simples, as relações mais
fortes são melhores, ou terão mais probabilidades de sucesso, do que as mais fracas
quando a doença reumática é introduzida na equação. Os desafios que a doença traz
para a vida do casal provavelmente desvelam fragilidades de ordem diversa até aqui

296
6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

ocultas ou ignoradas e nem sempre os parceiros conseguem encontrar formas de lidar


com os problemas ou não estão sequer disponíveis para os solucionar.

A quebra de tabus ajudará a reduzir a incerteza, preocupações e sentimentos de


culpa nos doentes reumáticos. Há que mostrar aos doentes que apesar da sua doença
existem opções para redescobrir a sexualidade de uma forma divertida, diferente e
realista.

Conclusão

Educar sobre sexualidade em doenças reumáticas com informação fiável, de


qualidade e prática é urgente, mas para tal é imperativo reforçar a necessidade de maior
conhecimento sobre as alterações sexuais e problemas específicos relacionados com a
doença. É necessária mais e melhor investigação para compreender plenamente o
efeito das doenças reumáticas na saúde sexual. Profissionais de saúde e utentes devem
ter a oportunidade e as ferramentas necessárias para discutir e tratar este tópico. O
impacto das doenças reumáticas na sexualidade deveria integrar a formação básica dos
profissionais de saúde bem como cursos de pós-graduação e/ou especialização.

É um dado adquirido que a mobilidade nas doenças reumáticas é afetada. O sexo é


dinâmico e o doente não pode aprender adequadamente uma nova realidade dinâmica
utilizando recursos estáticos. Precisamos de atravessar a linha tabu para oferecer
soluções reais ancoradas na realidade das pessoas com doença reumática. Se um casal
descobriu novas posições sexuais que têm usado e adaptado para serem sexualmente
ativos apesar da doença, isto precisa de ser falado tanto e tão abertamente como se fala
de medicação ou fisioterapia. O tratamento da disfunção sexual dependerá sempre dos
sintomas específicos do paciente, contudo deveriam existir algumas recomendações
gerais, incluindo (mas não se limitando a) explorar diferentes posições, usar analgésicos,
calor e relaxantes musculares antes da atividade sexual e explorar métodos alternativos
de expressão sexual.

Uma das coisas mais importantes a aprender quando se vive com uma doença
crónica é saber como pedir apoio ou ajuda. O apoio pode assumir muitas formas,
incluindo assistência física, apoio emocional, ou informação e aconselhamento. A
grande maioria dos doentes têm dificuldade em pedir apoio ou ajuda, especialmente se
estiverem habituados a ser muito autossuficientes. Há que promover um diálogo mais
aberto entre utentes e os profissionais de saúde que os acompanham. Tratando-se de
doenças crónicas estes profissionais irão acompanhar os doentes durante toda a sua
vida, logo uma comunicação aberta e saudável é determinante para melhores
resultados na saúde destes.

297
H. Lourenço & A. Vieira

Informação simples, apoio e tranquilidade relativamente à perceção de si e da


intimidade, mas também dicas e truques práticos para aliviar a dor ou para facilitar a
mobilidade durante o sexo, ou simplesmente oferecer pistas comunicativas que levem
os doentes a refletir sobre o problema sem o deixar de lado com resignação, pode ser
suficiente para que não desistam de viver com serenidade a intimidade, de acordo com
o seu corpo e com as limitações que a doença impõe.

Para satisfazer as necessidades dos doentes é necessário clarificar o papel específico


dos profissionais de saúde na prestação de cuidados de saúde sexual e identificar formas
de facilitar e melhorar a comunicação entre reumatologistas e outros prestadores de
cuidados de saúde sexual. Durante a educação dos doentes, a questão da intimidade,
tanto como os medicamentos e o processo da doença, deve ser abordada pela
enfermeira de reabilitação. Normalmente não é fornecida informação adequada porque
os utentes, enfermeiras e médicos tendem a evitar discutir assuntos sexuais. Como já
foi aqui mencionado os profissionais de saúde podem sentir-se desconfortáveis, podem
carecer de conhecimentos específicos sobre saúde sexual, ou podem estar demasiado
orientados para outras tarefas. Uma abordagem multidisciplinar é essencial para
oferecer medidas preventivas e/ou corretivas para estes utentes.

Urge incitar à prática sexual e à redescoberta do corpo, educar para a prática de


posições sexuais testadas e adaptadas e despertar o desejo sexual nos doentes com
doença reumática.

O grande desafio será como incluir a dimensão da sexualidade na prestação de


cuidados. Provavelmente os doentes terão uma palavra a dizer…

“Não é o sexo que dá prazer. É a intimidade.”

Manuel Clemente

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6.7. Cuidados Centrados na Pessoa com DRM: Sexualidade e Vida Familiar

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299
300
7
A IMPORTÂNCIA DO CUIDADO MULTIDISCIPLINAR E
INTERSECTORIAL

301
302
(Voltar ao Índice)

7. A IMPORTÂNCIA DO CUIDADO MULTIDISCIPLINAR E


INTERSECTORIAL

Ricardo Correia de Matos1

Dois dos maiores desafios que se colocam atualmente à sustentabilidade e


qualidades dos serviços de saúde são a pouca interligação entre diferentes disciplinas
que operam na saúde e a fraca interligação entre os setores da saúde e social. Neste
capítulo debatem-se estes conceitos, a sua relação com a Liderança e apresenta-se o
exemplo da integração dos setores da saúde e social iniciado há 20 anos pelo Governo
Escocês, discutindo este assunto em maior pormenor.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Intersectorial, Saúde, Social, New Public


Managment

Objetivos de aprendizagem:

• Discutir alguns dos desafios e vantagens do cuidado interdisciplinar


• Identificar os desafios e as vantagens de promover a interoperabilidade entre os
setores da saúde e social

1
Enfermeiro, Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros e Presidente da Delegação de Águeda
da Cruz Vermelha Portuguesa.

303
R. C. Matos

As últimas quatro décadas foram marcadas por importantes mudanças demográficas


no Continente Europeu(1), originadas pelos avanços científicos, tecnológicos, sociais e
económicos. Se por um lado estes avanços permitiram resolver muitos dos problemas
de saúde do passado, por outro, criaram novos problemas, nomeadamente o aumento
das necessidades e complexidade dos cuidados de saúde, motivadas pelo aumento da
esperança de vida, o envelhecimento progressivo da população, e consequente maior
incidência e prevalência de doenças crónicas.(2,3)

Em Portugal, o processo de envelhecimento demográfico tende a acentuar-se, sendo


que o índice de envelhecimento, que compara a população idosa com a população
jovem, poderá quase duplicar entre 2019 e 2080. Também o índice de dependência de
idosos, que mede o peso dos idosos na população em idade ativa, apresenta esta
tendência.(4)

Estas alterações demográficas tornaram evidente que a separação e, muitas vezes,


a fragmentação dos Sistemas Sociais e dos Sistemas de Saúde, não permitem responder
às necessidades e expectativas da população, que requer cuidados integrados, que
ofereçam continuidade na cadeia de valor e proximidade com os profissionais de
saúde.(5)

Fazer face aos problemas causados por estas alterações requer reformas de fundo.

Cuidado Interdisciplinar

No campo académico, os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e


transdisciplinaridade, estão muito bem definidos, estudados e assimilados. A sua
transposição para os contextos clínicos exige flexibilidade aos profissionais, assim como
um elevado nível de responsabilidade coletiva. Os desafios são intensos e constantes,
navegam desde a formação pré-graduada, pós-graduada, investigação, regulação
profissional, até à gestão de topo. Todos os intervenientes têm um papel determinante
no objetivo final: proporcionar felicidade e elevados padrões de qualidade de vida a
todas as pessoas.

A pandemia Covid-19 acelerou a consciencialização do poder da colaboração e da


cooperação entre todos os stakeholders da sociedade. De todos os sectores que
compõem uma sociedade, a Saúde é, indubitavelmente, o mais complexo, competitivo
e corporativista. Características que, historicamente, dificultam o desenvolvimento dos
Sistemas de Saúde, na sua eficiência e eficácia, assim como uma verdadeira integração
dos vários profissionais de saúde, em toda a cadeia de valor.

304
7. A Importância do Cuidado Interdisciplinar e Intersectorial

Aparentemente, o aumento das necessidades em saúde aliadas à inversão, cada vez


mais acentuada, da pirâmide demográfica, apontam para a organização das equipas de
saúde numa lógica de skill mix e numa perspetiva interdisciplinar. O objetivo esperado
é otimizar os conhecimentos e as competências individuais de cada profissional, na
obtenção do melhor resultado em Saúde.

A este propósito, na tomada de decisão sobre as várias regras do confinamento


decorrente da Pandemia Covid-19, percebemos claramente a necessidade de integrar
várias áreas do conhecimento, como por exemplo, a enfermagem, medicina, saúde
pública, análises clínicas, demografia, economia, sociologia, ciência política, psicologia,
epidemiologia, entre outras. Como nos escreve David Tavares (2017) (6), “o apelo à
interdisciplinaridade é maior quando se tem em consideração que os conhecimentos
científicos não são rigidamente compartimentáveis e as suas fronteiras relativamente
ao mesmo objeto não são facilmente delimitáveis e, muitas vezes, são artificiais.”

Os ganhos em saúde decorrentes do trabalho interdisciplinar são evidentes e


documentados cientificamente. Entre estes ganhos, destacam-se os que diretamente
envolvem os utentes. Por exemplo, uma revisão sistemática na área oncológica
demonstrou em todos os estudos incluídos que equipam multidisciplinares
apresentavam melhores outcomes, nomeadamente melhores taxas de sobrevivência,
maior satisfação e melhor planeamento dos tratamentos.(7)

Mas também na área das doenças reumáticas e músculo-esqueléticas (DRM)


existem múltiplas evidências. Por exemplo, Lamper et al.(8) realizaram uma revisão
sistemática da literatura para identificar de que forma o estabelecimento de redes de
cooperação (networks) interdisciplinares de reabilitação em pessoas com dor crónica
músculo-esquelética, melhora os outcomes: saúde; custos dos cuidados de saúde;
qualidade dos cuidados na perspetiva dos doentes; satisfação profissional dos
profissionais de saúde. Para isso consideraram 19 ensaios clínicos randomizados e
controlados (RCTs), 12 não randomizados, e 7 estudos qualitativos, que consideravam:
a) a cooperação interdisciplinar nos cuidados de saúde primários, entre médicos de
família, terapeutas, enfermeiros e outros profissionais de saúde, b) a cooperação entre
pelo menos um dos anteriores e centros de reabilitação do setor secundário e/ou
terciário, ou c) com cuidados baseados na comunidade (ex. instrutores de fitness), d) ou
setor social (ex. terapeutas ocupacionais). Os resultados, de uma forma geral, indicaram
que os cuidados centrados no doente e com base interdisciplinar são mais eficazes que
os cuidados standard.(8) Numa outra revisão e meta-análise Cochrane, Kamper et al.
(2014)(9) analisaram a eficácia de modelos biopsicossociais multidisciplinares de
reabilitação em pessoas com lombalgia crónica, tendo incluído um total de 41 RCTs.
Concluiu-se que as pessoas que receberam estes cuidados multidisciplinares tendiam a
apresentar menos dor e menor incapacidade do que os que receberam cuidados

305
R. C. Matos

standard, o que se refletiu também na capacidade laboral. Naturalmente que o


investimento neste tipo de cuidados é maior, sendo mais custo-efetivo nas pessoas com
situações mais complexas (idem).

Mas também em Portugal existem já bons exemplos de como


o cuidado interdisciplinar, centrado no doente, é mais efetivo e
gerador de múltiplos ganhos. Salienta-se neste âmbito o
programa de “Gestão de Caso” da Unidade Local de Saúde do
Litoral Alentejano (para saber mais poderá ver um curto vídeo
em https://youtu.be/QTIQaIXtd24).

Outros ganhos decorrentes da interdisciplinaridade são a redução do número de


erros “médicos”, aumentado a segurança dos utentes; e a diminuição dos problemas de
burnout profissional. Uma razão é que as equipas de saúde multidisciplinares ajudam a
quebrar a hierarquia e o poder centralizado das organizações de saúde, dando mais
autonomia e capacidade de influência aos profissionais de saúde, conduzindo a um
maior nível de trabalho e satisfação no trabalho. Outro fator é a melhoria dos cuidados,
realmente centrados no doente, se traduz em maior satisfação para os profissionais.(10)

Mas o que se pode fazer, então, para melhorar este panorama no nosso país?
Algumas das estratégias para melhorar as competências acima mencionadas são
descritas por Hughes (2021)(10), num artigo de fácil leitura, que basicamente implicam
treino individual e coletivo. Sugerimos também a leitura do livro “the Cleveland Clinic
Way Lessons in Excellence from One of the Worlds Leading Health Care Organizations”,
escrito Toby Cosgrove, seu CEO entre 2004 e 2017, com casos clínicos bastante práticos,
demontrativos destes benefícios. Mas importa ainda referir Mayo e Wolley (2016) (11),
num artigo publicado no AMA Ethical Journal, que enfatizam as três competências mais
importantes de uma equipa eficaz:

• maximizar a inteligência coletiva – que não se baseia apenas em ter os mais


“inteligentes”, mas antes uma equipa inteligente aos mais diversos níveis;
• colaboração inclusiva, o que implica que os elementos da equipa
verbalizem o seu conhecimento relevante, para que este possa influenciar
a atuação da equipa
• comunicação aberta – o processo anterior requer que exista possibilidade
de se comunicar de forma aberta e respeitosa.

Consideramos que para atingir o almejado nível de proficiência coletiva, é essencial


ter lideranças positivas e assertivas. Neste novo paradigma, a gestão de equipas assume
um papel absolutamente determinante no sucesso da equipa.

306
7. A Importância do Cuidado Interdisciplinar e Intersectorial

Cuidado Intersectorial

O paradigma da New Public Management (NPM) tornou-se uma tendência


internacional nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) ao longo dos últimos 30 anos.(12–15) Esta NPM é uma filosofia
implementada por diversos Governos, que se foca na otimização da performance dos
serviços públicos e na criação de ganhos reais (16), que assegurem o alcance de metas e
objetivos estratégicos do estado e das regiões, bem como ajudem a atender às legítimas
expectativas, necessidades e interesses da sociedade.(17)

De entre as estratégias envolvidas na NPM muita atenção tem sido colocada na


cooperação intersetorial, que preconiza que as práticas do setor privado podem ser
transferidas para o setor público, através da inovação e do desenvolvimento da
ideologia da integração de processos de administração pública.(17)

A integração é um dos eixos modernizadores das políticas públicas, nomeadamente


entre o setor da Saúde e Social.(18)

Atendendo a esta realidade, com exigências em termos de saúde e sociais cada vez
mais complexas, o Governo Escocês iniciou há 20 anos um processo de mudança do
modelo de cuidados, mediante a colaboração ativa entre os stakeoholders do setor
Social e da Saúde, com a publicação do relatório Joint Future Group, no ano 2000.(19)
Este processo de mudança, com implementação regional, envolveu a produção de
normas orientadoras que culminaram com a publicação do quadro legislativo
(Framework), em Abril de 2014, que suportou a integração dos “Cuidados de Saúde com
o Serviços Socias: “Public Bodies (Joint Working) (Scotland) Act 2014”. Este processo foi
estruturado com base em quatro grandes objetivos e em 12 princípios de integração.(20)

A finalidade maior desta integração é garantir que as pessoas recebam os cuidados


de que precisam no momento certo e no ambiente certo, com foco nos cuidados
preventivos prestados na comunidade. Estas reformas afetam todos os que recebem,
prestam e planeiam serviços e cuidados de saúde na Escócia. A Lei (Act) Escocesa exige
que Conselhos de Administração (Councils e NHS Boards) trabalhem juntos para formar
novas parcerias, conhecidas como Autoridades de Integração (IAs). Foram estabelecidas
31 IAs, através de parcerias entre as 14 administrações regionais de saúde (NHS boards)
e os 32 Conselhos de Administração (Councils).(21)

Este processo de integração é auditado anualmente, sendo que no relatório de


2018(21) se salientam os seguintes resultados (diferenças entre 2014/15 e 2017/18):

• Redução de 4.15 milhões para 3.91 milhões de dias de internamento não


planeado por doença aguda;
• Redução de 527,099 para 494,123 dias de altas atrasadas (em adultos).

307
R. C. Matos

O último relatório data de 2020, consolidando os resultados positivos e apontando


as várias recomendações, nomeadamente para fazer face à Pandemia COVID-19.(22)

Em Portugal, as políticas públicas desenvolvidas ao longo dos últimos 30 anos


encontram os seus fundamentos na Constituição aprovada em 1976 e nas suas
sucessivas revisões, permitindo transformar e modernizar o país. (23) Contudo, exceto o
período compreendido entre 1974 e 1983, em que foi criado o Ministério dos Assuntos
Sociais, que compreendia as Secretarias de Estado da Saúde e Segurança Social (24,25)
desconhecemos qualquer iniciativa de integração interministerial, nomeadamente
entre o Ministério da Saúde e o do Trabalho e da Segurança Social, que desde então,
são geridos de forma autónoma e independente.(26)

A iniciativa Escocesa atraiu já a atenção da Sociedade Portuguesa de Medicina


Interna e da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, que em 2018
organizaram uma conferência sobre o tema “Saúde e Segurança Social – A necessidade
de um pensamento global”, que contou com a presença de Anne Hendry, a Diretora da
Fundação Internacional para os Cuidados Integrados na Escócia.(27) Estamos certos de
que este modelo de cuidados merece ser estudado de forma mais profunda, envolvendo
as organizações e entidades competentes.

Numa pesquisa preliminar realizada na PubMed identificámos quatro revisões


sistemáticas da literatura (RSL) com foco em integração destes sistemas, a nível mundial,
que se apresentam de seguida. (18,28–30)

Baxter et al.(28) analisaram 167 estudos realizados em países desenvolvidos,


identificando: perceção de melhoria da qualidade dos cuidados, evidência de melhoria
na satisfação dos utentes e no acesso aos cuidados. Contudo, a evidência foi classificada
como inconsistente ou limitada em termos de outros outcomes, incluindo o impacto nos
cuidados de saúde primários, cuidados secundários e custos em cuidados de saúde. Os
autores não identificaram diferenças significativas entre o modelo adotado pelo Reino-
Unido e o adotado por outros países, sendo que aqueles com mais estudos produzidos
foram, por ordem decrescente: Reino-Unido, EUA, Austrália, Canadá, Holanda e Suécia.
Esta revisão identifica ainda que os estudos com subpopulações de adultos idosos são
claramente os mais prevalentes, seguindo-se depois a área das pessoas com
necessidades complexas ou a diabetes. Entre os elementos de inovação nos novos
modelos testados, os mais frequentes foram a realização de planos integrados, a
implementação de equipas multidisciplinares, ou a introdução de um
gestor/coordenador de caso, mas foram identificados um total de 25 elementos
testados.

Kelly et al.(18) incluíram 18 estudos sobre medidas adotada para a integração dos
serviços de saúde e sociais em pessoas doença crónica, fazendo uma divisão das

308
7. A Importância do Cuidado Interdisciplinar e Intersectorial

medidas em cinco áreas principais: 1) Estrutura - que inclui, por exemplo, o subgrupo
“compatibilidade de orçamento e recursos”, “comunicação e partilha de informação”;
2) Processo – referente a “medidas de performance”, ou “perspetivas dos doentes,
famílias e cuidadores”; 3) Outcomes do sistema, incluindo, por exemplo, “Utilização de
serviços”, “acessibilidade”, “admissões e duração de internamento”; 4) Outcomes de
saúde – com “medidas clínicas” como a mortalidade ou eventos adversos, “função
física”; 5) Medidas reportadas pelo doente – por ex. “bem-estar”.

Assim, esta revisão faz um claro mapeamento da imensidão de outcomes que se


podem avaliar, chamando a atenção para o problema de não existir um grupo de
medidas core utilizadas em todos os estudos (ou na sua maioria), dificultando a
comparabilidade.(18)

Numa revisão mais focada em conhecer os modelos financeiros utilizados, a sua


custo-efetividade, e barreiras à implementação, Mason et al.(29) analisaram 38 modelos
referentes a oito países. Entre os tipos de integração financeira, identificaram: 1)
Transferência de pagamentos; 2) Cobrança cruzada; 3) Alinhamento de orçamentos; 4)
Liderança do comissionamento; 5) União de fundos; 6) Gestão integrada/ provisão com
fundos unificados; 7) Integração estrutural; 8) Liderança de comissionamento com
incentivos alinhados.

Em termos de resultados, os autores concluíram existir evidência positiva nos


seguintes outcomes: acesso aos cuidados, redução de admissões e readmissões (ainda
em apenas em alguns subgrupos), cuidados comunitários (saúde e sociais), redução da
duração de internamento, experiência do utilizador. Resultados mais inconclusivos
foram identificados relativamente a redução total de custos e redução de custos com
estruturas residenciais. De uma forma geral, concluem que apesar de se considerar
comummente que uma política de integração de fundos é promotora de melhor
integração de cuidados e de conduzir a melhores outcomes em saúde e a redução de
custos, esta relação ainda está pouco demonstrada. Contudo, existe aqui o problema da
diversidade de contextos e dos problemas inerentes a fazer conclusões gerais, com
análises pouco detalhadas à especificidade de cada modelo e respetivas medidas
adotadas.(29)

Por fim, McGuire et al.(30) fizeram quase que uma replicação da análise de Mason et
al.,(29) agora com 81 modelos testados, numa maior diversidade de países (93% dos quais
considerados desenvolvidos), embora tenham analisado a integração com outros
setores, como o da educação. Concluíram, uma vez mais, que a diversidade de modelos
é tão grande, que é difícil aferir da eficácia geral das medidas.

309
R. C. Matos

Considerações finais

A interdisciplinaridade é um conceito muito mencionado quando se debatem


questões de saúde, porque todos reconhecem que equipas compostas por diferentes
disciplinas, em estreita colaboração, aportam maiores ganhos em saúde aos utentes e
trazem também maior satisfação e realização aos profissionais. Contudo, existe um
considerável caminho a percorrer no sentido da sua efetiva implementação na prática,
importando refletir porquê.

Relativamente à temática da integração dos Setores Social e da Saúde, pouco


estudada em Portugal, reconhece-se a necessidade de desenvolver novos modelos de
organização em ambos os setores, promotores de otimização de recursos e maior
eficácia e eficiência dos processos envolvidos. O modelo escocês pode ser usado como
exemplo, possuindo já resultados mensuráveis da sua efetividade.

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