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Rio de Janeiro - 2023

ORGANIZADORES:
Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Ana Laura de Figueiredo Bersani
Laiane Moraes Dias

AUTORES:
Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Ana Laura de Figueiredo Bersani
Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso
Antônio Carlos Moura de Albuquerque Melo
Luciulo Melo
Laiane Moraes Dias

Planejamento antecipado de cuidados em Geriatria e Gerontologia / Edison Iglesias de Oliveira Vidal, Ana Laura de
Figueiredo Bersani, Laiane Moraes Dias (orgs.) - Rio de Janeiro: DOC, 2023. 1ª edição - 54 p.
ISBN: 978-85-8400-145-3 (versão digital)
1. Planejamento antecipado de cuidados em Geriatria e Gerontologia. Vidal, Edison Iglesias de Oliveira. Bersani, Ana
Laura de Figueiredo. Dias, Laiane Moraes.
CDD-060

Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução ou duplicação deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas
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reservados aos autores.
Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia
GESTÃO 2021/2023
PRESIDENTE
Ivete Berkenbrock

1º VICE-PRESIDENTE
Marco Túlio Gualberto Cintra

PRESIDENTE DEPTO DE GERONTOLOGIA


Simone Fiebrantz Pinto

SECRETÁRIA GERAL
Ana Cristina Canêdo Speranza

SECRETÁRIA ADJUNTA
Valmari Cristina Aranha

TESOUREIRO
Leonardo Brandão de Oliva

DIRETORA CIENTIFICA
Christiane Machado Santana

DIRETOR DE DEFESA PROFISSIONAL E ÉTICA


Carlos André Uehara
SUMÁRIO

Prefácio 6
Introdução 8
Discussões sobre objetivos de cuidados em situações 11
de doenças graves
Considerações importantes sobre o processo de 29
discussão de objetivos de cuidado e definição de planos
terapêuticos em situações de doenças graves
Planejamento antecipado de cuidados 32
Benefícios das discussões de objetivos de cuidados e 40
de planejamento antecipado de cuidados
Quando fazer? 42
Instrumentos para estimular a elaboração do 45
planejamento antecipado de cuidados e o registro
das diretivas antecipadas de vontade
Avaliação da capacidade de decisão 47
Considerações finais 52
Referências 53
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

PREFÁCIO

A população brasileira está passando por uma significativa


transformação em sua estrutura demográfica, caracterizada
pelo aumento da longevidade. Como resultado desse fenô-
meno, observa-se um crescimento constante na incidência de
doenças crônicas e de enfermidades relacionadas ao processo
de envelhecimento.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG),
uma parceira de longa data da Academia Nacional de Cui-
dados Paliativos (ANCP) em ideologia e no planejamento de
cuidado em saúde de forma interdisciplinar, se preocupa com
a adequação terapêutica para os pacientes, priorizando a to-
mada de decisão compartilhada e o respeito à autonomia da
pessoa e de seus familiares.
Esses princípios fundamentais para a promoção da boa
prática em saúde estão refletidos de maneira clara e abran-
gente neste guia. Sua criação foi pautada por altos padrões de
qualidade, responsabilidade e expertise técnica, baseando-se
nos dados mais recentes provenientes da literatura nacional
e internacional. Este guia é um recurso valioso para profissio-
nais de Saúde que buscam oferecer assistência de qualidade e

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

compassiva a idosos e suas famílias, reconhecendo a comple-


xidade e importância do Planejamento Antecipado de Cuida-
dos em Geriatria e Gerontologia.

RODRIGO KAPPEL CASTILHO


Presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), de 2023 a 2024;
médico formado pela Universidade Católica de Pelotas; residência em Clínica Médica
pelo Hospital São Francisco de Paula, de Pelotas (RS); residência em Medicina Inten-
siva pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre; título de especialista em Medicina In-
tensiva pela pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB); título de área
de atuação de Medicina Paliativa pela Associação Médica Brasileira (AMB); mestre na
temática de Bioética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); médico
do Serviço de Medicina Intensiva e do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre; coordenador da Câmara Técnica de Medicina Paliativa do
Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers); coordena-
dor do Comitê de Políticas Públicas da ANCP; membro do Comitê de Terapia Intensiva
da ANCP; membro do Comitê de Cuidados Paliativos da AMIB; membro do Comitê de
Cuidados Pós-UTI da AMIB; CEO da Pallatium Cuidados Paliativos

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

INTRODUÇÃO

O processo de tomada de decisões médicas envolvendo os


cuidados de saúde de pessoas idosas com doenças graves é
bastante complexo em múltiplos sentidos. Por exemplo, além das
incertezas relacionadas ao prognóstico (e.g., tempo de sobrevi-
vência), há incertezas quanto ao próprio resultado dos diferentes
tratamentos disponíveis, uma vez que grande parte dos ensaios
clínicos que os testou, os fez em populações diferentes das pes-
soas idosas que consultamos em termos de número de comor-
bidades, capacidade funcional e grau de fragilidade1. O padrão
bioético para lidar com essas e outras incertezas, abrangendo a
relação risco/benefício de intervenções médicas, corresponde ao
processo mutualista de decisão compartilhada2. Esse processo
prevê a deliberação conjunta entre médicos e seus pacientes, em
que, através do diálogo, são abordados tanto o estado de saúde
do paciente e as opções existentes com seus riscos, benefícios e
incertezas, como seus valores e preferências de cuidados.
No entanto, é comum a ocorrência de situações em que, por uma
variedade de motivos, os pacientes se encontrem incapacitados
para participar desse tipo de processo de decisão compartilhada
de forma transitória ou mesmo permanente3. Nessas situações, as
decisões médicas devem, idealmente, envolver a deliberação con-
junta com um representante do paciente, sendo guiadas por uma

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

avaliação criteriosa das informações disponíveis acerca de seus


valores e preferências de cuidados, tanto através de documentos
específicos elaborados previamente (e.g., diretivas antecipadas de
vontade), como pelo relato dos representantes.
É importante reconhecer que, no contexto brasileiro, ainda é
incomum que as pessoas idosas conversem com seus familiares,
amigos e/ou profissionais de saúde sobre suas preferências de
cuidados, caso apresentem doença grave ou súbita, e mais raro
ainda que tenham elaborado uma diretiva antecipada de von-
tade. Adicionalmente, a literatura sobre diretivas antecipadas
de vontade revelou que, mesmo quando esses documentos se
encontravam presentes, frequentemente, eles eram simplistas,
vagos ou específicos demais, ou estavam em dissonância com
circunstâncias clínicas ao ponto de dificultar ou mesmo impedir
a tomada de decisão4. De fato, um importante relatório do Ins-
tituto de Medicina dos Estados Unidos afirmou que as diretivas
antecipadas de vontade não devem ser vistas “de forma ingênua
como a solução final para as dificuldades relacionadas à tomada
de decisão” e que, ao invés disso, devem ser consideradas como
“um conjunto de ferramentas úteis em um processo continuado
de planejamento antecipado de cuidados”5.
Infelizmente, no Brasil, ainda predomina o modelo de toma-
da de decisão paternalista e grande parte dos profissionais de
saúde não recebeu treinamento em sua formação sobre como
conversar com pacientes em relação às suas prioridades de cui-
dados para o delineamento de planos terapêuticos atuais ou fu-
turos. Trata-se de uma limitação importante da atenção à saúde
em nosso país e que se revela especialmente danosa para a po-
pulação idosa, em função de sua maior vulnerabilidade quando
comparada à população dos adultos jovens. A ausência desse
tipo de discussão inviabiliza qualquer processo de tomada de
decisão compartilhada e aumenta a chance de que sejam feitas
escolhas tanto terapêuticas como diagnósticas, que, a despeito
de nossas melhores intenções, terminem por causar mais sofri-
mento do que aliviá-lo.
Com o objetivo de transpor esta limitação, a Sociedade Brasi-
leira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), através de sua Comissão

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Permanente de Cuidados Paliativos, elaborou o presente guia


sobre discussões de objetivos de cuidados para pessoas idosas
com doenças graves e planejamento antecipado de cuidados.
Embora as discussões de objetivos de cuidados e de planeja-
mento antecipado de cuidados tenham em comum o fato de que
ambas constituem processos através dos quais os profissionais
de saúde buscam compreender as prioridades de seus pacientes,
com o intuito de construir planos terapêuticos compartilhados,
neste documento trataremos esses temas de forma separada.
Tal escolha se deve, eminentemente, a questões didáticas rela-
cionadas ao fato de que estratégias de comunicação distintas,
ainda que complementares, costumam ser usadas em situações
cujo enfoque principal se remete a cuidados atuais em contrapo-
sição a cuidados futuros. Por esse motivo, serão abordadas, so-
bre o tema das discussões de objetivos de cuidados, as questões
relacionadas à elaboração de um plano de cuidados para pesso-
as idosas com doenças graves com foco no momento presente;
e, sobre o tópico do planejamento antecipado de cuidados, as
questões concernentes a cuidados futuros com um foco especial
para situações em que o paciente tenha perdido a capacidade
para tomada de decisão.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

DISCUSSÕES
SOBRE OBJETIVOS DE
CUIDADOS EM SITUAÇÕES
DE DOENÇAS GRAVES

As discussões sobre objetivos de cuidados representam um


passo fundamental para navegarmos as incertezas relacionadas
ao processo de decisão clínica e para a prestação de uma aten-
ção à saúde centrada nas pessoas, e não apenas em problemas
específicos de saúde. Em outras palavras, elas se encontram no
cerne da distinção entre cuidar de doenças e cuidar de pessoas
enfermas. Seu intuito principal não é o de convencer pacientes/
familiares a “aceitar” os “cuidados paliativos”, tal como definidos
pela equipe de saúde, mas o de compreender os valores e as prio-
ridades dos pacientes de forma que eles possam ser incorporados
em planos de cuidados atuais consistentes com os mesmos.
De fato, a essência dos cuidados paliativos se materializa
mais através do processo de identificação de valores/objetivos e
da construção conjunta de planos de cuidado, do que meramente
de decisões de limitação de medidas invasivas6.
Há diferentes propostas de protocolos de comunicação para
discussão de objetivos de cuidados na literatura. Descrevemos a

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

seguir uma proposta derivada do protocolo SPIKES7 de comuni-


cação de notícias difíceis, e que serviu como base para a grande
parte das propostas existentes atualmente nesta área8. Esta pro-
posta é composta por sete passos conforme descritos a seguir.

1º PASSO:
PREPARAÇÃO.

Da mesma forma que um cirurgião precisa se preparar para


a realização de um procedimento cirúrgico, discussões sobre ob-
jetivos de cuidados demandam um processo de preparação que
vai desde o nosso estado de espírito, a antecipação de possíveis
perguntas e reações emocionais de pacientes e familiares, até o
ambiente onde a conversa irá ocorrer e quem o paciente gostaria
que estivesse presente9. O profissional de saúde deve ter revisa-
do os dados do diagnóstico do paciente, as informações sobre o
prognóstico relacionado à doença de base, ter discutido o caso
com outros colegas sempre que necessário e ter clareza sobre os
próximos passos possíveis, ainda que de curto prazo.
Um componente importante desta etapa envolve a identifi-
cação de intervenções fúteis em senso estrito, definidas como
aquelas para as quais inexiste qualquer possibilidade de que se-
quer seu objetivo fisiológico (e.g., aumentar os níveis de pressão
arterial ou de saturação de oxigênio) seja alcançado10. Reconhe-
cer essas situações é fundamental, pois elas representam limites
à autonomia tanto de pacientes e seus familiares como dos pro-
fissionais de saúde2.
Finalmente, esta etapa prevê que se providencie um ambiente
com privacidade, que permita que as pessoas estejam sentadas
e onde, idealmente, um familiar ou pessoa amiga esteja presente.
Interrupções devem, sempre que possível, ser evitadas e celula-
res devem ser colocados em modo silencioso ou desligados.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

2º PASSO:
AVALIE A COMPREENSÃO.

Esta etapa envolve o uso de perguntas abertas para buscar


entender o grau de compreensão do paciente e/ou de sua família
sobre a situação de saúde do indivíduo. Aqui, devemos ter o cui-
dado para não transmitir erroneamente a ideia de que o conhe-
cimento deles está sendo testado. O trecho a seguir oferece um
exemplo de estratégia de comunicação para este passo.

“Nem sempre as coisas que os médicos expli-


cam para os pacientes ficam claras e é comum
que haja várias dúvidas. Então, eu gostaria de
começar perguntando o que você tem enten-
dido do que está acontecendo até agora com
você em relação à sua saúde.”

3º PASSO:
DETERMINE AS PREFERÊNCIAS
DO PACIENTE EM RELAÇÃO AO
PROCESSO DE COMUNICAÇÃO.

Este passo envolve descobrir a forma como os pacientes de-


sejam receber informações e participar ou não dos processos de
tomada de decisão. Isso deve se dar de tal modo que o paciente
compreenda que não existe uma opção correta ou errada e pos-
sa se sentir à vontade para manifestar sua real preferência.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Dependendo do contexto específico, o profissional de saúde


já poderá ter obtido esta informação em episódios prévios de co-
municação (e.g., antecedendo a comunicação do diagnóstico) e
este passo pode ser desconsiderado. Fornecemos a seguir um
exemplo de como abordar este passo para situações em que ain-
da não haja clareza sobre as preferências do paciente acerca dos
processos de comunicação e tomada de decisão.

“As pessoas são diferentes umas das outras


desde a forma como reagem a determinados re-
médios até como preferem ser informadas sobre
seus problemas de saúde. Por exemplo, algumas
pessoas, se estivessem com um problema relati-
vamente simples, como uma pneumonia, gosta-
riam de participar das conversas sobre as opções
de tratamento, se serão tratadas em casa ou no
hospital, os antibióticos possíveis e as vantagens,
desvantagens, riscos e benefícios de cada escolha,
bem como manifestar suas preferências. Já outros
pacientes prefeririam que esses detalhes fossem
conversados com um filho, a esposa ou outra pes-
soa. Com qual tipo de pessoa você se parece mais?
Com as que desejam saber os detalhes do que está
acontecendo e participar das decisões ou com as
que preferem que outras pessoas recebam essas
informações e tomem as decisões em seu nome?”

Dependendo das preferências de comunicação do paciente,


a discussão de objetivos de cuidado e planejamento terapêu-
tico poderá seguir adiante com ou sem a presença do pacien-
te, naquele mesmo momento ou em um momento futuro a
ser programado.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

4º PASSO:
FORNEÇA AS
INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS.

A forma como esta etapa irá se desenvolver depende dos


passos anteriores e, em especial, do grau de compreensão alcan-
çado pelo paciente e/ou sua família acerca do estado de saúde
do indivíduo. Sempre que necessário, este passo deve envolver
um componente de alinhamento, no qual buscamos fazer a ponte
entre a percepção do paciente e/ou sua família e seu estado de
saúde à luz do conhecimento médico, conforme exemplificado a
seguir para a situação hipotética de um paciente com insuficiên-
cia cardíaca crônica em fase avançada.

“Então, você entendeu que, mesmo com todos os me-


dicamentos que você tem tomado para o tratamen-
to do seu coração, você agora tem tido falta de ar
até mesmo para pequenos esforços, como andar do
quarto até a sala da sua casa, e tem tido muita ton-
tura. Além disso, nos últimos seis meses, você chegou
a vir para o hospital duas vezes devido à piora da
falta de ar, e precisou voltar para cá, no hospital, na
semana passada.”

O segundo componente deste 4º passo compreende comu-


nicar as informações necessárias, que devem ser fornecidas de
forma clara, em pequenos pedaços, usando linguagem leiga, com
pausas frequentes para dar espaço para que a informação seja
processada, bem como para as perguntas e reações emocionais
do paciente e sua família. Dependendo do teor das informações,

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

pode ser útil usar a técnica do chamado “tiro de alerta” (e.g., “Infe-
lizmente, as notícias que eu trago não são boas.”). No exemplo a
seguir, damos continuidade ao diálogo da situação hipotética do
paciente idoso com insuficiência cardíaca avançada e refratária.

“Infelizmente, as atualizações que eu trago sobre seu es-


tado de saúde não são boas.”

(Silêncio e espaço para o paciente ter tempo de absorver a


informação)

“O seu coração está bastante fraco e, neste momento, só


estamos conseguindo manter você estável com os remé-
dios que você está tomando na sua veia.”

(Silêncio e espaço para o paciente ter tempo de absorver a


informação)

“Sem esses remédios, sua pressão estaria muito baixa e


você provavelmente estaria inconsciente ou muito fraco.”

(Silêncio e espaço para o paciente ter tempo de absorver a


informação)

“Você já usou esses medicamentos na internação ante-


rior. O problema é que, dessa vez, como o seu coração
está mais fraco, não estamos conseguindo diminuir a
dose do medicamento, porque, quando tentamos fazer
isso, sua pressão cai muito.”

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

(Silêncio e espaço para o paciente ter tempo de absorver a


informação)

5º PASSO:
RESPONDA ÀS EMOÇÕES
DE FORMA EMPÁTICA.

Esta etapa ocorre em paralelo e de forma iterativa com a eta-


pa anterior e corresponde ao passo frente ao qual os profissio-
nais de saúde relatam maior ansiedade7. Mais do que decorar
e repetir mecanicamente frases prontas (e.g.,“Conte-me mais a
esse respeito.”) ou interjeições (e.g.,“Humhum”) e gestos não ver-
bais (e.g., acenos com a cabeça e o “olho no olho”), os profissio-
nais de saúde devem se permitir utilizar os recursos verbais e não
verbais que decorrem, naturalmente, do ato de se importar pro-
fundamente com o paciente enquanto ser humano necessitando
de nosso auxílio. Esta é a base daquilo que hoje se denomina de
escuta compassiva11,12.
Um componente importante da escuta compassiva envolve
tentar imaginar como o nosso interlocutor está se sentindo e as
necessidades que se encontram por trás destes sentimentos13. O
mais relevante não é que consigamos “acertar” exatamente os
sentimentos e as necessidades dos pacientes e de seus familiares,
mas o esforço, ainda que silencioso, por compreendê-los. Tal
intencionalidade e esforço exercem seu papel terapêutico por
meio da qualidade de conexão que possibilitam com pacientes/
familiares. É esta conexão que lhes transmite a segurança de
não estarem sozinhos em seu sofrimento, bem como de seu valor
enquanto indivíduos6.
A escuta compassiva/empática pode se dar inteiramente em
silêncio, como pode se valer de falas breves, em que, por exem-
plo, tentamos tatear nomeando os sentimentos que o paciente
pode estar experienciando.

“Você está sentindo... (e.g. medo, raiva, decepção, tristeza)?”

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Esta etapa se desenvolve pari passu com o fornecimento das


informações descritas no passo anterior e continua com o passo
seguinte. As reações do paciente e de seus familiares irão, natu-
ralmente, influenciar tanto o fluxo de informações como nossas
respostas verbais e não verbais.

6º PASSO:
IDENTIFIQUE OS OBJETIVOS E
PRIORIDADES DO PACIENTE.

É importante reconhecer a existência de uma variedade de


objetivos terapêuticos legítimos, que vão desde a cura e o pro-
longamento da vida até o alívio do sofrimento, passando pela
preservação da funcionalidade, autonomia, proteção dos entes
queridos e realização de desejos específicos. Adicionalmente,
múltiplos objetivos podem existir de forma concomitante e, em
diversas circunstâncias, alguns deles podem competir entre si e
demandar escolhas priorizando uns em detrimento de outros.
Recomenda-se que este passo relativo à identificação de ob-
jetivos de cuidados, propriamente ditos, seja iniciado tentando
estabelecer objetivos gerais. Isso pode se dar através de pergun-
tas abertas como: “Neste momento, quais são as suas maiores
preocupações?”. Além disso, podemos traçar uma linha num pe-
daço de papel ou usar nossas mãos para indicar os limites de
uma linha imaginária cujos extremos representam, de um lado, o
objetivo de prolongar a vida a qualquer custo e, do outro, o obje-
tivo exclusivo de conforto, conforme exemplificado no quadro 1.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Quadro 1: Exemplo de estratégia para elicitar objetivos ge-


rais no âmbito de uma discussão de objetivos de cuidados em
situação de doença grave (extraído com permissão de “Geria-
tria: prática clínica”6).

PROLONGAR A MEDIDAS
VIDA A EXCLUSIVAS
QUALQUER DE
CUSTO CONFORTO

“Cada pessoa tem objetivos e prioridades diferentes


em relação a seus cuidados de saúde. Para algumas
pessoas, o principal objetivo é tentar prolongar a vida
ao máximo, mesmo que por apenas algumas horas ou
dias. Essas pessoas estão neste canto dessa linha ima-
ginária entre as minhas mãos. Para elas, se houver uma
chance de viver alguns dias a mais, valeria a pena, por
exemplo, ser cuidado em uma unidade de terapia inten-
siva, inclusive, respirando com ajuda de máquinas e se
alimentando através de tubos, mesmo que estivessem
inconscientes e sem possibilidade de voltar a se comu-
nicar. Por outro lado, há pessoas que estão neste outro
lado dessa linha imaginária, cuja preocupação é exclusi-
vamente com seu conforto. As pessoas, que estão nesta
ponta, estão preocupadas apenas com a sua qualidade
de vida e sequer gostariam de receber tratamentos cuja
função principal fosse prolongar suas vidas. Por exem-
plo, caso elas tivessem uma pneumonia, elas gostariam
de receber tratamentos para aliviar a dor, a febre e a
falta de ar, mas não gostariam de receber antibióticos
para tratar a pneumonia, pois, neste caso, prefeririam ter
uma morte natural causada pela pneumonia do que ter
sua vida prolongada na situação em que se encontram.

* Imagem cedida pela Dra. Fernanda Bono Fukushima


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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Além disso, grande parte das pessoas se identifica em


algum lugar entre estes dois extremos, umas mais para
um lado, gostariam de receber antibióticos para tentar
tratar uma pneumonia, mas não gostariam de ir para o
hospital. Outras pessoas, mais próximas do outro lado,
gostariam de ser tratadas em um hospital, mas não
gostariam de ir para uma unidade de terapia intensiva
e respirar com máquinas. Nesta linha imaginária, onde
você acha que você se encontra, mais para cá ou mais
para lá? Por quê?”

Em algumas situações, dependendo da qualidade da inte-


ração com pacientes/familiares, a estratégia exemplificada no
quadro 1 e perguntas sobre as principais preocupações e prio-
ridades do paciente, naquele momento, podem ser suficientes
para informar uma proposta inicial de plano de cuidados no
passo seguinte. Em outras situações, pode se tornar necessá-
rio discutir opções específicas com suas vantagens e desvanta-
gens potenciais. Novamente, o uso de nossas mãos pode ser útil
para ilustrar, metaforicamente, os braços de uma balança onde
as vantagens, desvantagens, riscos e benefícios são pesados.
No quadro 2, exemplificamos uma estratégia de comunicação
usando esta técnica para discutir a possibilidade de inativar um
cardioversor/desfibrilador previamente implantado14, no caso hi-
potético do paciente com insuficiência cardíaca crônica em fase
avançada que ilustramos anteriormente.

Quadro 2: Exemplo de estratégia para discutir opções espe-


cíficas de tratamento.

VANTAGENS E DESVANTAGENS
BENEFÍCIOS E RISCOS
POTENCIAIS POTENCIAIS

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

“De forma geral, as decisões que tomamos na


área da saúde apresentam vantagens e desvantagens
próprias e precisamos pesá-las numa balança que per-
tence a cada paciente e sua família, e que reflete seus
valores e prioridades. Vou tentar exemplificar isso usan-
do as minhas mãos, como se elas fossem os braços de
uma balança imaginária para pesarmos as vantagens e
desvantagens de manter o seu cardioversor/desfibrila-
dor implantado (CDI) ligado.
Como você sabe, esse aparelho foi colocado há três
anos para tratar arritmias que são relativamente co-
muns em pessoas com doenças do coração como a sua.
De fato, consta no seu prontuário que há uns dois anos,
esse aparelho salvou a sua vida quando você teve uma
arritmia e ele deu um choque no seu coração, o que deu
tempo para você vir para o hospital e ser tratado. Como
foi essa experiência de ter recebido o choque desse
aparelho daquela vez?
Neste momento, em que a doença do seu coração
piorou e só estamos conseguindo manter você acordado
e com sua pressão arterial estável às custas de medica-
mentos, que estamos aplicando na sua veia, eu preciso
da sua ajuda para entender se manter o CDI ligado é
algo que vai ajudar ou prejudicar mais você.
Numa situação como a do seu coração atualmen-
te, se você tiver uma arritmia importante, dependendo
da causa dela, pode ser que o CDI consiga revertê-la
através de um choque. Se isso acontecer, em seguida
ao choque, você volta a ficar como estava antes da ar-
ritmia. Ou seja, o choque do CDI por si só não faz o seu
coração ficar mais forte. Por outro lado, dependendo da
causa da arritmia, pode ser que nem mesmo o choque
do CDI consiga fazer seu coração voltar a bater e você
acabe morrendo, senão da arritmia, do problema que
fez ela acontecer.

* Imagem cedida pela Dra. Fernanda Bono Fukushima


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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Para algumas pessoas, manter o CDI ligado teria


como benefício principal (sinalizando com a mão corres-
pondente da balança imaginária) tentar impedir que você
morresse por causa de uma arritmia e, com isso, tentar
ganhar um pouco mais de tempo de vida para você. A
desvantagem (sinalizando com a mão correspondente
da balança imaginária) é que esse choque é doloroso.
Para algumas pessoas, a vantagem de receber o
choque e tentar conseguir ganhar um pouco mais de
tempo de vida, quando isso for possível, supera a des-
vantagem de tomar o choque (indicar isso através das
mãos, mostrando a mão dos benefícios em um nível
mais alto que a mão dos riscos/desvantagens).
Para outras pessoas, a dor associada ao choque
representa uma desvantagem maior do que o benefí-
cio potencial associado à possibilidade de impedir que
a arritmia levasse a pessoa à morte. Inclusive, porque
algumas dessas pessoas veem a morte súbita por uma
arritmia, em que a pessoa morre repentinamente, como
uma boa morte, tendo em vista a forma como enxer-
gam seu estado de saúde atual (indicar isso através
das mãos, mostrando a mão das desvantagens em um
nível mais alto que a mão dos benefícios). Essas pesso-
as pensam isso porque, mesmo que o choque funcione,
elas continuariam em uma situação em que estariam
dependendo de medicamentos aplicados de forma con-
tínua na veia e com mobilidade reduzida.
Eu acabei de falar bastante... Gostaria de checar se
consegui me expressar de forma clara e que não houve
nenhum erro de comunicação. Você conseguiria me ex-
plicar com as suas palavras o que você entendeu sobre
o que eu falei a respeito das vantagens e desvantagens
de manter o CDI ligado?
Agora que sei que você entendeu as informações que
eu acabei de dar corretamente, gostaria muito de saber

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

o que você pensa a esse respeito e como essas ques-


tões sobre manter o CDI ligado ou desligado se compor-
tam na sua balança de valores e prioridades.”

Em relação ao exemplo do quadro 2, deve-se notar que a ên-


fase da explicação se deu sobre os desfechos possíveis tanto de
manter o CDI ligado (i.e., receber um choque do CDI pode fazer
com que o paciente continue vivo em seu estado de saúde atual,
como pode não ser efetivo e, neste caso, o paciente morreria),
como de desligar o CDI (i.e., se ocorrer uma fibrilação ventricular,
o indivíduo terá uma morte súbita).
É comum que profissionais de saúde, em suas conversas com
pacientes/familiares, dediquem uma parte maior do seu tempo
descrevendo detalhes técnicos de possíveis intervenções tera-
pêuticas (e.g., “Vamos passar um tubo da largura de um dedo
na sua garganta para que uma máquina consiga empurrar o
ar para dentro dos seus pulmões.”), do que sobre os desfechos
possíveis relacionados às mesmas (e.g., “Se tudo correr bem e
você conseguir se recuperar desta infecção, você ainda estará
bastante fraco e dependente de cuidados por várias semanas
e precisará de muita fisioterapia para se recuperar.”). Esse é um
erro comum e que deve ser evitado. A questão, que precisa ser
compreendida aqui, não é a de que os pacientes não devem ser
esclarecidos sobre os procedimentos em si, mas a de que eles
dão mais importância às informações sobre os prováveis desfe-
chos das intervenções médicas15 (e.g., “Como eu vou ficar depois
da cirurgia?”), porque elas são o ponto de partida para que pos-
sam julgar a relação custo-benefício de qualquer intervenção.
Ainda em relação ao 6º passo, é importante reconhecer que,
em situações nas quais o paciente se encontre incapaz de se co-
municar de forma efetiva acerca de seus valores e preferências,
essas discussões podem ser realizadas com representantes do
paciente. Nesses casos, nosso enfoque envolve buscar entender
junto aos representantes, e da melhor forma possível, aquilo que

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

o paciente, caso estivesse lúcido e fosse capaz de se comunicar


plenamente, consideraria como prioritário. Para tanto, podemos
lançar mão de estratégias para, através de uma “anamnese de
valores”16, tentar obter informações com o(s) representante(s) do
paciente acerca dessas questões. O quadro 3 ilustra perguntas
que podem ser usadas para a construção de uma anamnese de
valores para o caso hipotético de uma paciente portadora de de-
mência, com doença de Alzheimer em fase avançada.
Quadro 3: Exemplos de perguntas que podem ser usadas
para colher uma anamnese de valores por meio de um repre-
sentante de paciente incapaz de se comunicar de forma eficaz
(extraído com permissão de “Geriatria: prática clínica”6).

• “Você poderia me contar como sua mãe era en-


quanto pessoa antes de ficar doente? Quais eram
as coisas mais importantes para ela? Em relação à
saúde, ela possuía algum medo específico?”
• “Quando ela começou a ficar doente e ter dificul-
dade de se cuidar sozinha, quais eram as maiores
preocupações dela?”
• “O quão importante sua mãe considerava sua in-
dependência? Como ela se sentia quando precisava
pedir ajuda dos filhos para alguma tarefa que tinha
dificuldade de fazer sozinha?”
• “Ela chegou a ver alguém em uma situação seme-
lhante à que ela está hoje ou alguém que estivesse
acamado e incapaz de se comunicar, seja pessoal-
mente ou mesmo na TV? Nesse caso, ela chegou
a fazer algum comentário do tipo: ‘se algo assim
acontecesse comigo...’?”
• “Com base no que você conhece da sua mãe, existe
alguma situação de saúde que você acha que ela
consideraria como um estado pior do que a morte?
Por quê?”

24
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

7º PASSO:
DEFINA UM PLANO DE CUIDADOS

Com base nas informações obtidas no passo anterior acerca


das prioridades dos pacientes, seja diretamente através de seu au-
torrelato, ou indiretamente a partir de seus representantes, deve-
mos confirmar se compreendemos corretamente os valores que nos
foram comunicados (e.g., “Se eu entendi corretamente o que você
me contou, neste momento, suas prioridades são...”, ou “Se eu en-
tendi tudo o que você me disse, se sua mãe estivesse lúcida neste
momento, é provável que ela diria que suas prioridades seriam...”).
Uma vez que tenhamos clareza de ter alcançado uma com-
preensão adequada acerca das prioridades e dos valores do pa-
ciente, devemos usar essas informações à luz do conhecimento
sobre o prognóstico e as possibilidades de intervenção obtidos
previamente no primeiro passo para, considerando as certezas
e incertezas existentes, propor um plano terapêutico. Seguem
nos quadros a seguir três exemplos distintos envolvendo a situa-
ção hipotética do paciente com insuficiência cardíaca refratária,
que utilizamos a título ilustrativo anteriormente. Para a constru-
ção desses exemplos, consideramos três cenários relacionados
a conjuntos diferentes de respostas do paciente acerca de suas
prioridades e valores.
Quadro 4. Exemplo de exposição de um plano de cuidados com
objetivos predominantemente, mas não exclusivos, de conforto.

“Como você me disse que, neste momento, a sua


maior prioridade é poder voltar para sua casa e poder
ler o jornal na sua varanda, que você não gostaria de re-
ceber choques do CDI e que, se o seu coração vir a pa-
rar por causa de uma arritmia, você gostaria de ter uma
morte natural, eu gostaria de propor o seguinte plano:

25
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

1) Vamos aguardar mais alguns dias tentando reduzir


as doses do medicamento e ver se conseguimos que
você fique sem ele para poder ir para casa;
2) Vamos já começar a verificar a possibilidade de, caso
não consigamos manter a sua pressão estável sem
medicamento, você receber alta para casa com uma
empresa de home care que consiga administrar esse
medicamento para você na sua residência;
3) Vamos entrar em contato com nossos colegas que
são responsáveis pelo seu CDI para pedir que ele seja
desligado;
4) Vamos deixar registrado no seu prontuário que, se o
seu coração parar de bater, que você não deve ser
submetido a medidas de reanimação cardiopulmonar
para tentar fazê-lo voltar a bater. Nesse caso você
teria uma morte natural;
5) Se você tiver uma piora que não consigamos reverter
com remédios na sua veia, como temos feito até ago-
ra, vamos passar a dar remédios para manter você
confortável, sem falta de ar ou dor, e vamos permitir
que você tenha uma morte natural, sem colocar você
para respirar com aparelhos ou levar você para a uni-
dade de terapia intensiva.
Eu consegui explicar esse plano de forma clara? Você
consegue me explicar o que entendeu dele com as suas
palavras? Esse plano faz sentido para você?”

Quadro 5. Exemplo de exposição de um plano de cuidados


com objetivos praticamente exclusivos de conforto.

“Como você me disse que considera que já viveu o


suficiente, que está em paz com os filhos que criou e as

26
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

coisas que conseguiu fazer em sua vida; que considera que


ficar indefinidamente na situação atual, em que você tem
sua mobilidade limitada, e apenas consegue ficar lúcido
se estiver com medicamento injetado continuamente na
sua veia, sendo isso algo intolerável para você, pior mes-
mo que a morte; e não me parece que esteja dizendo isso
devido a uma depressão, eu proponho o seguinte plano:
1) Vamos tentar mais alguns dias e ver se conseguimos
diminuir a dose desse medicamento até você ficar
sem ele;
2) Vamos entrar em contato com nossos colegas que
são responsáveis pelo seu CDI para pedir que ele seja
desligado;
3) Caso seu coração pare de bater ou você tenha algu-
ma piora que não consigamos reverter com medica-
mentos na veia, vamos dar medicamentos para você
ficar confortável, sem dor nem falta de ar, e permitir
que você tenha uma morte natural, sem tentar fazer
reanimação cardíaca ou colocar você para respirar
com máquinas;
4) Se percebermos que seu coração está tão fraco a
ponto de que a única forma de manter você vivo seja
usando remédio, vamos voltar a conversar com você
e sua família sobre a possibilidade de tirarmos esse
medicamento e darmos outra medicação para você
não sentir dor nem falta de ar até seu coração parar
de bater por causa da sua doença, permitindo uma
morte natural.
Eu consegui explicar esse plano de forma clara? Você
conseguiria me explicar o que entendeu dele com as
suas palavras? Esse plano faz sentido para você?”

27
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Quadro 6. Exemplo de exposição de um plano de cuidados


com foco predominante de prolongamento da vida, com o ob-
jetivo de alcançar um desejo específico.

“Como você me disse que sua maior prioridade, nes-


te momento, é conseguir conhecer o seu neto que deve
nascer em duas semanas, mesmo que isso envolva a
possibilidade de receber choques do CDI, voltar para a
unidade de terapia intensiva e respirar com máquinas,
eu proponho o seguinte plano:
1) Vamos manter seu CDI ligado e continuar com as me-
didas que você já está recebendo para manter a luci-
dez e o coração funcionando da melhor forma possível;
2) Se você tiver uma piora clínica, vamos tentar revertê-
-la dentro do que for possível, mesmo que isso envol-
va colocar você para respirar com máquinas, tentar
reanimar seu coração e solicitar uma vaga para você
na unidade de terapia intensiva;
3) Ao longo de todo esse processo, vamos fazer todo
o possível para manter você confortável, sem dor ou
falta de ar.
Eu consegui explicar esse plano de forma clara? Você
conseguiria me explicar o que entendeu dele com as
suas palavras? Esse plano faz sentido para você?”

28
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

CONSIDERAÇÕES
IMPORTANTES SOBRE
O PROCESSO DE
DISCUSSÃO DE OBJETIVOS
DE CUIDADO E DEFINIÇÃO
DE PLANOS TERAPÊUTICOS
EM SITUAÇÕES DE
DOENÇAS GRAVES
Após a descrição deste protocolo de sete passos para a dis-
cussão de objetivos de cuidados e definição de planos terapêu-
ticos para idosos com doenças graves e ameaçadoras da vida, é
fundamental chamar a atenção para os seguintes aspectos.
1) Todo e qualquer protocolo de comunicação representa uma
tentativa de traduzir didaticamente princípios complexos em
uma série de passos, com o objetivo de facilitar seu apren-
dizado e implementação. A questão central não é decorar
determinadas falas, mas compreender a lógica que está
por trás de cada etapa, de modo que cada profissional seja
capaz de encontrar as palavras com as quais se sente con-
fortável até que estas possam fluir naturalmente, nunca de
forma mecânica.

29
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

2) É fundamental notar que, no protocolo de comunicação apre-


sentado, não se trata de oferecer um menu de opções de
condutas médicas, esclarecer as vantagens, desvantagens,
riscos e benefícios de cada uma, e aguardar como um garçom
a escolha dos pacientes. Discussões de objetivos de cuidados
integram um processo de decisão compartilhada, em que
especialistas na área médica e especialistas no paciente (o
paciente em si e/ou seu representante) compartilham informa-
ções uns com os outros, para chegarem juntos a uma propo-
sição de um caminho a seguir e que, necessariamente, será
reavaliado ao longo do tempo. Maiores detalhes sobre a base
ética para essa abordagem foram tratados em um posiciona-
mento conjunto recente da SBGG e da Academia Nacional de
Cuidados Paliativos (ANCP)2.
3) Os planos terapêuticos, elaborados a partir do processo des-
crito nesta seção, podem e devem ser atualizados de acordo
com a evolução não apenas do quadro clínico do paciente,
como de mudanças em seu contexto e perspectivas pessoais.
Circunstâncias particulares, envolvendo tanto eventos de fa-
mília (e.g., o casamento de uma filha, a formatura de um neto e
o nascimento de um bisneto) como experiências relacionadas
ao adoecimento, podem alterar profundamente seus objetivos
e preferências de cuidados de saúde.
4) É comum que profissionais de saúde experimentem diferentes
graus de tensão entre o intuito de contribuir para que pacien-
tes e seus familiares não percam a esperança, e a necessidade
de prepará-los para situações adversas possíveis ou mesmo
prováveis. O caminho para lidar com essa tensão passa pelo
reconhecimento de que a esperança é um recurso psicológico
de proteção do indivíduo, e que não se trata de uma opção
dicotômica entre manter a esperança e preparar-se, pois é
possível almejar ambos objetivos17. Uma das estratégias de
comunicação desenvolvidas com esta finalidade é representa-
da pela frase em inglês “Hope for the best and prepare for the
worst”, que é ilustrada no exemplo a seguir, de uma resposta
a um paciente hipotético muito religioso e que afirmava estar
esperando por um milagre divino (extraído com permissão de
“Geriatria: prática clínica”6).

30
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

“Eu estou do seu lado e rezo para que sua esperança


se concretize e um milagre aconteça e cure sua doença.
Seguiremos trabalhando para que você tenha o melhor
cuidado de saúde que estiver ao nosso alcance. Ao mes-
mo tempo, entendo que milagres são eventos que fogem
ao nosso controle e que dependem apenas da vontade
de Deus. Às vezes, o milagre que Deus prepara para uma
pessoa não é a cura de uma doença, mas que ela consi-
ga estar sem dor e na companhia das pessoas que ama.
Então, ao mesmo tempo que vamos continuar oran-
do e trabalhando pela cura, acho que também é im-
portante nos prepararmos para a possibilidade de que
as coisas aconteçam de outro jeito. Por exemplo, se a
cura não ocorrer, que outras coisas seriam importantes
para você?”

Até agora, abordamos o processo de comunicação voltado


para a elaboração de um plano terapêutico com enfoque eminen-
temente sobre o presente, discutindo objetivos de cuidados numa
situação de doença grave. A seguir, abordaremos estratégias de
comunicação centradas em planos terapêuticos futuros, conside-
rando a possibilidade de, num determinado momento futuro, os
pacientes não poderem mais se expressar e, assim, garantir que
suas prioridades sejam compreendidas e respeitadas no futuro.

31
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

PLANEJAMENTO
ANTECIPADO DE CUIDADOS

Segundo consenso publicado em 2017, o planejamento an-


tecipado de cuidados pode ser definido como “um processo que
apoia adultos de qualquer idade e em qualquer estado de saúde
a compreender e compartilhar seus valores, objetivos de vida e
preferências em relação a cuidados de saúde futuros”, e cujo ob-
jetivo é “assegurar que as pessoas recebam cuidados de saúde
consistentes com seus valores, objetivos e preferências durante
doenças graves e crônicas”18.
É importante notar que esta definição é bastante diferente
de visões cada vez mais ultrapassadas, que consideravam que
o objetivo último do planejamento antecipado de cuidados era
a elaboração de uma diretiva antecipada de vontade. Ou seja,
um documento no qual o indivíduo expressava os tratamentos
que aceitaria ou não receber em determinados estados de saúde
futuros, e/ou indicava um representante para a tomada de deci-
são relacionada à saúde em seu nome. Conforme sinalizado por
importante publicação do Instituto de Medicina dos Estados Uni-
dos, já no fim dos anos 1990, emergiu a compreensão de que
as diretivas antecipadas de vontade deveriam ser vistas como
um conjunto de ferramentas úteis em um processo continuado de
planejamento antecipado de cuidados, e não como uma solução

32
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

final para os problemas relacionados à tomada de decisão no fim


da vida5. Adicionalmente, em consonância com a definição citada
no parágrafo anterior, a evolução histórica do planejamento an-
tecipado de cuidados migrou de um processo voltado para a to-
mada antecipada de decisões para um processo de preparação
para a tomada de decisão, em tempo real em um momento futu-
ro, informada pelo compartilhamento de valores e objetivos dos
pacientes com seus representantes e profissionais de saúde19.
O planejamento antecipado de cuidados é um processo contí-
nuo e dinâmico, em que as preferências e metas de cuidados de-
vem ser revisadas e discutidas ao longo da evolução da doença,
como nas intercorrências ou a cada nova internação, tal como o
prognóstico, que deve ser discutido sempre que houver mudança
no curso clínico da doença. Seu conteúdo pode ser alterado e ou-
tros aspectos podem ser acrescentados a qualquer momento20,21.
Descrevemos a seguir uma sequência de passos para um
processo de planejamento antecipado de cuidados baseado na
proposta de Sudore & Fried19, que pode ser implementado em um
momento à parte ou de forma integrada aos passos apresenta-
dos na seção anterior sobre discussão de objetivos de cuidados.

1º PASSO:
CONVITE.

O 1º passo do processo ora proposto


se inicia com o convite para o planeja-
mento antecipado de cuidados e pode se-
guir em linhas gerais o exemplo a seguir.

“Para mim, é muito importante respeitar as


prioridades e os valores dos meus pacientes
em relação a seus tratamentos de saúde. Uma
das coisas que me preocupa é quando aconte-
ce algo inesperado como um acidente de carro

33
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

ou um derrame e meus pacientes se encontram em uma


situação em que não conseguem se comunicar para di-
zerem como gostariam ou não de ser cuidados. Por isso,
eu gosto de conversar com meus pacientes para enten-
der as coisas que são importantes para eles e quem eles
gostariam que tomasse decisões sobre sua saúde em
seu nome, caso algo assim acontecesse. Podemos con-
versar sobre isso hoje ou em nossa próxima consulta?”*1

2º PASSO:
IDENTIFICAÇÃO DE
UM REPRESENTANTE.

O passo seguinte envolve a identificação de um representante.

“Se você sofresse um derrame ou um acidente


de carro e estivesse em coma, sem conseguir se comu-
nicar, quem é a pessoa que você gostaria que tomasse
decisões sobre a sua saúde junto com os médicos?” *
“Você já contou isso para ela? Você sabe se ela aceitaria
exercer esse papel?”*
“Será que ela poderia vir junto com você a sua próxima
consulta para que possamos conversar juntos?” *

* Exemplos extraídos com permissão de “Geriatria: prática


clínica”6.

34
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

3º PASSO:
EXPLORAR OS VALORES.

O 3º passo compreende o ato de explorar os valores dos pa-


cientes. Note que um componente importante desse passo en-
volve tentar tatear situações que o paciente consideraria como
piores do que a morte22,23. Isso é importante porque se, de um
lado, é impossível prever todos os eventos de saúde que podem
ocorrer na vida de uma pessoa; de outro lado, se conseguirmos
galgar uma compreensão das situações que ela consideraria
como intoleráveis e dos motivos que justificam tal percepção,
esse tipo de informação será muito útil para que, no futuro, pos-
samos buscar, através de planos terapêuticos adequados, prote-
gê-las de serem mantidas em situações semelhantes.

“O que tem passado pela sua cabeça desde o


seu diagnóstico? Quais são suas maiores preocupações
a esse respeito?” *
“Quando você esteve hospitalizado no mês passado,
quais foram suas maiores preocupações? Como seria
para você se (o problema que levou à hospitalização)
acontecesse de novo?” *
“Você já viu alguém pessoalmente ou mesmo na TV
que você considerasse que estava em uma situação de
saúde que você achava pior do que a morte? Por que
você achou isso?” *
“Existe algum tratamento de saúde que você jamais
gostaria de receber? Por quê?” *
“Você já viu alguém que teve um acidente de carro ou
um derrame grave e a pessoa ficou em coma, totalmen-
te dependente para tudo, acamada e sem conseguir se
comunicar? Algumas pessoas acham que viver desse
jeito vale a pena e gostariam de receber tratamentos

35
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

para terem sua vida prolongada em situações como


essa, inclusive, através de máquinas para respirar e de
alimentação por tubos, mesmo que nunca mais fossem
acordar. Outras pessoas pensam que viver desse jeito
seria pior do que morrer e não gostariam de receber
esse tipo de tratamento se o mais provável fosse que fi-
cariam assim para sempre. Finalmente, outras pessoas
aceitariam receber esse tipo de tratamento apenas por
um período de teste, até os médicos terem clareza sobre
suas chances de recuperação. Você se parece mais com
que tipo de pessoa?” *

4º PASSO:
CONFIRMAR A COMPREENSÃO.

O passo consiste em verificar se compreende-


mos adequadamente os valores dos pacientes.

“Então, se entendi corretamente o que você me


disse, neste momento, as coisas mais importantes para
você são...” *
“Você consideraria um estado de saúde....... como
pior que a morte porque........” *
“Você jamais aceitaria ....... tratamentos porque........” *

36
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

5º PASSO:
ESTABELECER O GRAU DE LIBERDADE.

O passo envolve estabelecer o grau de liberdade que o pa-


ciente daria ao seu representante.

“É muito difícil conseguir prever tudo que pode acon-


tecer com a gente. Podem ocorrer situações em que seu
representante tenha dificuldade em seguir aquilo que
você disse que gostaria. Nesses casos, há pacientes que
dariam total liberdade a seu representante para agir
como achasse melhor. Já outros pacientes não dariam
essa liberdade a seus representantes, e outros pacien-
tes ainda dariam liberdade apenas em relação a deter-
minadas decisões. Como seria isso para você?” *

6º PASSO:
DOCUMENTAÇÃO.

Finalmente, o último passo corresponde à


documentação do conteúdo da conversa de pla-
nejamento antecipado de cuidados no prontuá-
rio do paciente. Além disso, e em especial para
pacientes para os quais se antecipa a possibilidade de intercorrên-
cias clínicas em domicílio, e que podem envolver o atendimento por
outros profissionais de saúde (e.g., Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (Samu) e serviços de pronto-socorro), o médico tam-
bém deve documentar sua prescrição de cuidados em um receituá-
rio, de forma a facilitar que profissionais de saúde sem histórico de
relacionamento prévio com o paciente tomem conhecimento das

37
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

prioridades e preferências de cuidados do paciente, para que se


sintam mais seguros ao adotar condutas prescritas/recomendadas
pelo médico titular do paciente. Os quadros 7 e 8 exemplificam esse
tipo de registro em prontuário e em receituário, respectivamente.
Note que, embora o exemplo de registro em prontuário do quadro
7 mencione algumas intervenções específicas, seu aspecto mais
importante envolve a identificação de situações em que o paciente
consideraria como piores do que a morte.
Quadro 7: Exemplo de registro de planejamento antecipa-
do de cuidados em prontuário (adaptado de “Geriatria: prática
clínica”6).

PLANEJAMENTO ANTECIPADO
DE CUIDADOS
Hoje, 07/11/2017, realizei discussão de planeja-
mento antecipado de cuidados com o paciente e seu filho (JSC).
O paciente relatou que seu maior medo é o de ficar acamado
e se tornar um fardo para a sua família. Disse ainda que gosta
muito de poder estar com seus netos, sua família e de cuidar das
plantas do seu quintal. Afirma que são coisas como essas que
dão sentido a sua vida. Relata que consideraria estar acama-
do, dependente de outras pessoas para as atividades básicas da
vida diária e incapaz de cuidar de suas plantas ou de conversar
com outras pessoas, como uma situação pior do que a morte.
Relata que não gosta de ir para o hospital, mas que aceitaria ser
hospitalizado e receber tratamentos invasivos como ventilação
mecânica e sondas de alimentação, desde que haja uma proba-
bilidade razoável de que não venha a ficar acamado e depen-
dente indefinidamente.
O paciente relata ainda que gostaria que seu filho (JSC) seja
seu representante para decisões relacionadas a sua saúde e que
daria total liberdade ao mesmo para tomar decisões a esse res-
peito, mesmo que tais decisões, eventualmente, possam ir contra
suas preferências, porque sua maior preocupação é com o sofri-
mento de sua família.

38
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Quadro 8: Exemplo de registro de planejamento antecipa-


do de cuidados em receituário sob a forma de prescrição/reco-
mendação de cuidados, a ser entregue para o paciente e sua
família para ser usado em caso de intercorrências..

PRESCRIÇÃO DE CUIDADOS
O paciente acima é portador de insuficiência car-
díaca crônica refratária (estágio D), síndrome de
fragilidade e insuficiência renal crônica (estágio IV). De acordo com
discussão de planejamento antecipado de cuidados, realizada em
18/11/2022, com o paciente e sua filha (MA), que foi documentada
em seu prontuário, o paciente relatou sentir-se em paz com a vida
que teve até agora e com a família que construiu. O paciente demons-
trou compreender a gravidade de seu estado de saúde e indicou que
sua maior prioridade envolve conseguir aproveitar o tempo que lhe
resta em sua casa, evitando ao máximo novas hospitalizações.
Com base no acima exposto e, em processo de decisão com-
partilhada realizada naquela ocasião, recomendo que:
1) Em caso de parada cardiorrespiratória, o paciente não seja
submetido a procedimentos de reanimação cardiopulmonar,
ventilação mecânica ou a passagem de sondas de alimentação;
2) Que o paciente somente seja hospitalizado caso não seja pos-
sível controlar seus sintomas em domicílio;
3) Que o paciente receba todas as medidas de conforto necessá-
rias para prevenção e alívio de dispneia, dor e outros sintomas
desconfortáveis.
Gostaria ainda de deixar registrado que o paciente declarou
que sua filha (MA) é sua representante para tomada de decisões
relacionadas a sua saúde e que lhe confere total liberdade para
tomar decisões em seu nome, juntamente com a equipe médica
responsável por seus cuidados, por acreditar que o bem-estar de
sua família é sua maior prioridade.
Desde já me coloco à disposição para esclarecer dúvidas a
respeito da prescrição acima ou dos cuidados de saúde do pa-
ciente, através do telefone: XX-XXXX-XXXX.

39
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

BENEFÍCIOS DAS DISCUSSÕES


DE OBJETIVOS DE CUIDADOS
E DE PLANEJAMENTO
ANTECIPADO DE CUIDADOS

Além de garantir que os pacientes recebam tratamentos con-


sistentes com suas preferências, de reduzir o ônus decisório da
família e a sobrecarga emocional, relacionada às decisões envol-
vendo cuidados de fim de vida de seu familiar, estudos apontam
outros benefícios das discussões de objetivos de cuidados e do
planejamento antecipado de cuidados, como24-29:
• Capacidade de identificar, respeitar e priorizar os cuidados
desejados pelo paciente, especialmente na ausência de ca-
pacidade decisória, no curso de uma doença grave ou perto
do fim da vida;
• Menor sofrimento moral dos profissionais de saúde;
• Melhor compreensão pelo paciente de seu prognóstico e de
quais intervenções médicas podem trazer benefícios ou não;
• Maior satisfação com o atendimento, associada à confiança
de que suas preferências também serão levadas em consi-
deração nas decisões de tratamento, em caso de perda da
capacidade cognitiva;

40
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

• Maior probabilidade de médicos e familiares entenderem e


cumprirem os desejos do paciente;
• Redução de tratamentos inapropriados no final da vida;
• Maior probabilidade de o paciente morrer em seu local
preferido;
• Maior qualidade de vida;
• Menor risco de ansiedade em familiares durante o luto.
Fazem parte do espectro das discussões de objetivos de cui-
dados e do planejamento antecipado de cuidados:
• Discussão sobre os desejos, preferências e prioridades do
paciente;
• Discussão sobre recusa de tratamento de situações
específicas;
• Elaboração de uma diretiva antecipada de vontade;
• Recomendações de tratamento específicas para contextos
diversos (por exemplo, tratamento de uma pneumonia bron-
coaspirativa na demência avançada, como atendimento de
emergência e planos de tratamento – em casa ou no hospital
– envolvendo decisões de reanimação cardiopulmonar etc.)30.

41
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

QUANDO FAZER?

Conversas sobre objetivos de cuidados são muito frequente-


mente realizadas nos momentos de maior criticidade, na exacer-
bação de doenças de base (por exemplo, na descompensação
de uma insuficiência cardíaca ou de doença pulmonar obstruti-
va crônica, ou durante uma infecção no paciente com demência
avançada), que demandam uma tomada de decisão mais urgen-
te relacionada a tratamento e quando, muitas vezes, o pacien-
te não tem mais condições de participar. Nessas circunstâncias,
contar com a existência de conversas prévias de planejamento
antecipado de cuidado pode iluminar substancialmente as dis-
cussões de objetivos de cuidados, para a definição dos planos
terapêuticos em tempo real, e minimizar o risco de que sejam to-
madas decisões em desacordo com as prioridades dos pacientes.
Portanto, o planejamento antecipado dos cuidados é proativo.
Discussões de objetivos de cuidado, bem como de plane-
jamento antecipado, podem se iniciar a partir do momento do
diagnóstico de uma doença potencialmente grave, ou ocorrer
em momentos subsequentes de acordo com as necessidades
impostas por decisões que precisam ser tomadas ou com a ne-
cessidade de preparação para prováveis problemas futuros (e.g.,
novas hospitalizações por descompensação de insuficiência car-
díaca ou pneumonia aspirativa)31-33. Adicionalmente, discussões

42
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

de planejamento antecipado de cuidados podem também se dar


como procedimentos de rotina, quando o paciente se encontra bem
de saúde, enquanto medidas de prevenção de sofrimento futuro.
No contexto das demências, a discussão mais precoce é ain-
da mais importante. Na demência leve, as pessoas precisam de
apoio para planejar o futuro e podem ainda expressar o que é
importante para elas, o que se torna cada vez mais difícil à medi-
da que a doença avança31. Além disso, é fundamental reconhecer
que esse tipo de conversa pode se iniciar já a partir do momento
em que o paciente procura o médico devido a uma queixa cog-
nitiva qualquer, mesmo que tal queixa não configure o diagnós-
tico de comprometimento cognitivo leve ou síndrome demencial.
De fato, pessoas que procuram atenção médica por queixas de
memória, frequentemente, temem desenvolver uma demência.
Abordar esse temor pode representar uma oportunidade para
entender as prioridades do paciente, o que pode se provar útil,
inclusive, em contextos em que o paciente nunca venha a desen-
volver um quadro demencial.
Essas conversas não precisam ser realizadas em uma única
ocasião. Podem se iniciar em uma consulta e progredir ao longo
de outras. A existência de confiança entre paciente/família e pro-
fissional de saúde é algo essencial para este tipo de diálogo. No
entanto, isso não quer dizer que elas apenas possam ocorrer em
situações em que existam relações de longa data entre as partes.
A experiência de diversos estudos nacionais e internacionais in-
dica que pesquisadores treinados e sem conhecimento prévio do
paciente são capazes de realizar tais conversas mesmo em um
primeiro encontro34-36.
O conteúdo das discussões de objetivos de cuidado e de pla-
nejamento antecipado pode e deve variar conforme a condição
de saúde do paciente, desde um contexto de ausência de sin-
tomas, fase inicial da doença, até uma situação de terminalida-
de. Conforme mencionado previamente, os planos de cuidado
estabelecidos devem ser revisados regularmente, principalmen-
te, quando há mudança no quadro clínico (após a admissão do
paciente no hospital, por exemplo) ou em circunstâncias de vida
pessoal ou familiar, que podem conduzir a mudanças nas prefe-
rências de cuidados20,37.

43
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Algumas características relacionadas ao prognóstico refor-


çam a necessidade de discussão sobre objetivos de cuidados
com pessoas idosas e/ou planejamento antecipado, são elas38,39:
• Questão surpresa: “Você ficaria surpreso se esse indivíduo
morresse no próximo ano?”;
• Declínio funcional pela doença de base (Palliative Perfor-
mance Scale (PPS) ou Karnofsky Performance Status Scale
(KPS) ≤50);
• Falta de resposta ao tratamento inicial ou incerteza quanto à
resposta terapêutica;
• Queixas cognitivas, comprometimento cognitivo leve,
demência;
• Admissões hospitalares recorrentes;
• Admissões em instituição de longa permanência de pessoas
idosas;
• Transição de cuidados: pós-alta hospitalar, cuidados de
reabilitação;
• Exacerbações de doenças, apesar do tratamento otimizado.

44
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

INSTRUMENTOS PARA
ESTIMULAR A ELABORAÇÃO
DO PLANEJAMENTO
ANTECIPADO DE CUIDADOS
E O REGISTRO DAS
DIRETIVAS ANTECIPADAS
DE VONTADE
Há vários instrumentos utilizados com o objetivo de facilitar a
conversa sobre preferências de cuidados ao final da vida ou a sua
documentação, mas poucos já validados e adaptados à realidade
brasileira. A grande maioria são instrumentos de outras línguas e
culturas, principalmente a norte-americana. É importante enfati-
zar que esses instrumentos não excluem, pelo contrário reforçam,
o papel dos médicos na conversa sobre essas questões. É essen-
cial o envolvimento de profissionais de saúde neste processo, não
apenas para que pacientes e seus familiares alcancem maior cla-
reza sobre as doenças, prognóstico e tratamentos possíveis, com
seus diferentes graus de incerteza, mas para que seja construída
uma qualidade de relação entre todos os envolvidos que permita o
alinhamento entre condutas e as prioridades do indivíduo.

45
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

A seguir, seguem alguns exemplos de instrumentos já dispo-


níveis para o português (Brasil), que podem ser usados como re-
cursos para facilitar a realização ou documentação de conversas
sobre objetivos de cuidado ou planejamento antecipado (quadro 9).
Quadro 9. Instrumentos para auxiliar a realização ou docu-
mentação de discussões sobre objetivos de cuidado ou plane-
jamento antecipado de cuidados.

PÚBLICO
INSTRUMENTOS OBJETIVOS
-ALVO

“Cartas na mesa”40 Estimular e facilitar a conversa


- Jogo de cartas sobre as preferências de cuidados,
Pacientes e
<https://sbgg.org. de uma forma simples e lúdica.
familiares
br/projeto-cartas- Pode ser jogado em dupla com o
-na-mesa/> procurador de cuidados de saúde.

Minhas vontades41
- Aplicativo para Refletir sobre as preferên-
smartphones cias de cuidados para, então,
<https://sbgg.org.br/ compartilhar com o médico e
Pacientes
minhas-vontades- pessoas de confiança. Conside-
-aplicativo-das-di- rar a escolha de um procurador
retivas-antecipa- de cuidados de saúde.
das-de-vontade/>

Traduzir os valores e as prefe-


rências de cuidado dos pa-
Physician Orders
cientes no fim da vida em uma
for Life-Sustain-
prescrição médica padroniza- Médicos
ing Treatment
da, de forma a facilitar a pres-
(POLST)42
tação de cuidados consistentes
com tais valores e preferências.

The Conversation Guia de conversas iniciais com


Project43 objetivo de ajudar as pessoas a Pacientes
<https://theconver- dialogar sobre seus desejos de e familiares
sationproject.org/> cuidados de fim da vida.

46
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

AVALIAÇÃO DA
CAPACIDADE DE DECISÃO

Uma das habilidades necessárias a qualquer processo de to-


mada de decisão compartilhada se remete a conseguir discernir
se os pacientes apresentam capacidade para consentir ou recu-
sar procedimentos médicos.
Muito embora o direito a consentir ou recusar de forma escla-
recida procedimentos médicos seja compreendido, atualmente,
como um direito fundamental dos pacientes, sua inserção na éti-
ca médica ocorreu há menos de 80 anos e, ainda hoje, a maior
parte dos consentimentos obtidos na área da saúde não é sufi-
cientemente esclarecida44.
O consentimento esclarecido pressupõe a existência das se-
guintes três condições:
1) Que o paciente tenha tido acesso às informações fornecidas
com linguagem clara, adequada ao nível educacional do pa-
ciente, sobre sua situação de saúde e sobre as possibilidades
de abordagem disponíveis, seus objetivos, riscos e benefícios
potenciais;
2) Ausência de coerção;
3) Que o paciente possua capacidade para tomada de decisão.

47
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

Infelizmente, é possível afirmar sem medo de exagerar que,


historicamente, a maior parte dos profissionais de saúde no
Brasil não recebeu formação adequada sobre como avaliar a
capacidade de pacientes para tomar decisões, que envolvem o
consentimento para a realização de procedimentos de saúde.
Com o objetivo de reduzir esta lacuna e de contribuir para
processos de discussão de objetivos de cuidados e planeja-
mento antecipado de qualidade, que favoreçam a tomada de
decisão compartilhada, abordaremos a seguir como realizar
esse tipo de avaliação na prática clínica.
O primeiro princípio a ser compreendido é o de que a ca-
pacidade de decisão do indivíduo é específica para cada cir-
cunstância e tipo de decisão45. Por exemplo, um determinado
paciente pode ser capaz de decidir acerca de consentir ou
não quanto a tomar ou não certo medicamento, mas pode
não ter capacidade de decidir sobre a realização ou não de
hemodiálise. De forma semelhante, um profissional de saúde
pode ter capacidade para decidir entre duas ofertas de em-
prego, mas ser incapaz de decidir entre diferentes opções de
investimento financeiro.
Um segundo princípio a ser considerado é o de que a ava-
liação da capacidade de decisão é, antes de tudo, uma ava-
liação de processo e não de resultado. Isso quer dizer que os
profissionais de saúde devem buscar garantir que o processo
usado pelo paciente para tomada de decisão seja apropriado,
e também devem evitar julgar o desfecho final da decisão to-
mada pelo indivíduo com base em seu (do profissional) refe-
rencial cultural46.
O terceiro princípio é o de que, até que se tenha clareza de
que uma pessoa não possui capacidade de decisão, devemos
partir da premissa de que ela a possui47.
Serão descritos, a seguir, os quatro critérios aceitos inter-
nacionalmente como parâmetros para avaliação da capacida-
de de decisão na área da saúde48.

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PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

1º CRITÉRIO:
ENTENDER AS
INFORMAÇÕES RELEVANTES.

Este critério requer que o paciente demonstre ser capaz de


repetir com suas próprias palavras o que lhe foi explicado acerca
de seu problema de saúde, o tratamento recomendado pelo mé-
dico, os possíveis riscos e benefícios associados ao tratamento e
às alternativas existentes.

“Você poderia me explicar com suas próprias palavras


o que você entendeu sobre o que acabei de explicar em
relação ao seu problema de saúde, aos caminhos que
podemos seguir em termos de tratamento/investigação
e aos possíveis benefícios e riscos/desconfortos asso-
ciados a essas opções?”

2º CRITÉRIO:
INTERPRETAR ADEQUADAMENTE A SITUAÇÃO E
AS CONSEQUÊNCIAS DAS DIFERENTES ESCOLHAS.

Este critério vai além do anterior, na medi-


da em que supera a avaliação da capacidade
de entender a informação que foi transmitida e demanda que o
paciente demonstre que a forma como ele mesmo interpreta es-
sas informações é adequada. O exemplo a seguir pode clarear
a diferença entre “entender” e “interpretar” neste contexto. Uma
pessoa pode ser capaz de repetir as informações que recebeu
sobre sua condição de saúde, mas acreditar que as mesmas são
equivocadas, que sua saúde está perfeita e que o problema todo

49
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

envolve a ideologia política da equipe de saúde. Seguem alguns


exemplos de estratégias para avaliação deste critério.

“O que você acredita que é o seu problema de saú-


de atual de verdade?”
“O que você acredita que irá acontecer se você optar por
essa ou pela outra abordagem?”
“O que pode dar de errado nestas situações?”
“Por que você acha que eu recomendei este tratamento?”

3º CRITÉRIO:
COMUNICAR SUA DECISÃO.

Este critério exige apenas que o paciente seja capaz de expres-


sar sua escolha de forma clara e inequívoca, mesmo que não verbal.

4º CRITÉRIO:
DEMONSTRAR O RACIOCÍNIO LÓGICO
QUE FUNDAMENTOU SUA DECISÃO.

Este critério requer que o paciente seja capaz de demonstrar


ter conseguido raciocinar sobre as opções existentes seguindo um
processo lógico. Aqui, mais do que nunca, é essencial enfocar o
processo e não o desfecho. Por exemplo, um paciente pertencen-
te a um determinado grupo religioso pode optar por recusar cer-
to procedimento, justificando que, de acordo com a sua visão de
mundo, tal procedimento o tornaria impuro perante os olhos de
Deus e comprometeria sua entrada no reino dos céus, algo que ele
valoriza mais que sua vida atual. Embora diversos profissionais de

50
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

saúde, que não partilhem da mesma afiliação religiosa, possam


discordar da crença do paciente, todos eles deveriam reconhecer
que o paciente seguiu um raciocínio lógico em sua decisão por re-
cusar o procedimento em questão. São apresentados a seguir al-
guns exemplos de perguntas para avaliar este critério.

“Você consegue me explicar por que tomou essa


decisão?”
“Do seu ponto de vista o que torna essa opção melhor
que as outras?”

Os pacientes devem ser capazes de atender todos os quatro


critérios citados para serem considerados como possuindo habi-
lidade de decisão, relacionada ao tópico específico sob escrutí-
nio. Frente a situações conclusivas de incapacidade de decisão,
o poder para consentir ou recusar tratamentos passa para um
representante do paciente. No entanto, antes de concluir que um
paciente não possui capacidade de decisão sobre determinada
questão, devemos considerar os seguintes pontos:
• O paciente teve acesso a informações claras?
• O estado cognitivo do paciente pode estar oscilando (e.g.,
delirium) ou é passível de melhora mediante tratamento
adequado e é viável postergar a tomada de decisão?
• O controle inadequado de sintomas (e.g., dor) ou a existência
de conflitos (e.g., questões financeiras e brigas de família)
podem estar influenciando sua decisão?
Adicionalmente, é importante reconhecer que testes cogniti-
vos (e.g., miniexame do estado mental) não são bons substitutos
para avaliação da capacidade de decisão, e que a existência de
um diagnóstico de doença psiquiátrica prévia (e.g., depressão e
esquizofrenia) não implica necessariamente em incapacidade de
decisão. Em casos dúbios relacionados a doenças psiquiátricas,
um especialista nesta área deve ser consultado.

51
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alinhar condutas médicas com os valores dos pacientes exige


conhecimento, humildade, flexibilidade e habilidades de comu-
nicação, para entender as necessidades e prioridades da pes-
soa idosa e estabelecer planos de cuidados consistentes com o
que foi compartilhado e com as possibilidades técnicas existen-
tes. Este guia traz sugestões e recomendações para facilitar a
realização de discussões de objetivos de cuidado para pessoas
idosas com doenças graves e de planejamento antecipado de
cuidados, voltadas ao contexto brasileiro. Estes processos devem
ser pautados pela comunicação empática e pela escuta ativa,
que devem permear desde a informação do diagnóstico e prog-
nóstico – essencial para que o paciente identifique suas priorida-
des – até a tomada de decisão relacionada à definição de planos
terapêuticos. Desejamos que os materiais aqui apresentados
contribuam para desmistificar essas conversas e aumentar tanto
a sua frequência como a de tratamentos no fim da vida alinhados
com os valores e prioridades de pacientes e seus familiares.

52
PLANEJAMENTO ANTECIPADO DE CUIDADOS EM GERIATRIA E GERONTOLOGIA

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