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O Neoliberalismo quase explicado

O título dessa seção inicial se faz quase autoexplicativa quando se parte para uma
análise que visa estabelecer níveis de compreensão sobre o super contemporâneo termo
“neoliberalismo” e sobre como esse mesmo é apresentado dentro do livro didático 1 escolhido
para análise.
Em uma breve análise do conteúdo do livro, posto em contraste com o texto “o
neoliberalismo” de John Charles Chasteen2, e um verbete também intitulado de somente “o
neoliberalismo” que se encontra na Enciclopédia de Filosofia de Stanford, escrito por Kevin
Vallier3, podemos ver no jogo de sombras que se projeta ao jogarmos luz desses dois textos
historiográficos sob formato do livro, que esse se comporta como um material didático um
tanto quanto vazio de sentido histórico pela maneira como a narrativa é construída, na maior
parte da narrativa o material narra cronologicamente os acontecimentos políticos e a situação
econômica do país ao fazer um tour pelos governos e a atuação política dos presidentes desde
a redemocratização até o impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
No entanto, todo esse processo como é chamado no início do capítulo estudado
(capítulo 13) “O Brasil e a nova ordem mundial” é abordado de uma forma em que os
acontecimentos são simplesmente narrados, carecendo vitalmente de problematizações e mais
do que isso, de uma contextualização a nível de momento histórico global que se vivia na
segunda metade do século XX, e reduzindo ainda toda a agenda econômica neoliberal a
política de privatizações começada por Fernando Henrique Cardoso, e que aparentemente
morrera com ele, também carece de uma análise a nível comparado das experiências
neoliberais que começavam a se configurar pelo mundo, fazendo o Brasil parecer um caso
especial nesse contexto geopolítico econômico e não como mais um país que teria que se
sujeitar a dançar no jogo economia mundial regido por ora pelos Estados Unidos da América
para se desenvolver e ser reconhecida nacionalmente visando se afastar do que era chamado
subdesenvolvimento econômico nacional.
A primeira crítica se coloca ao perceber que essa “nova ordem mundial” como é
chamada no livro não dá conta de explicar a recente e complexa nova forma de organização

1 John Charles Chasteen é um historiador cultural da América Latina, ativo na Universidade da Carolina do
Norte em Chapel Hill.
2 Kevin Vallier é um Professor Associado de Filosofia na Bowling Green State University.

3 Livro didático do 3° ano do ensino médio História e cidadania/ Alfredo Boulos Júnior. -2.ed.-São
Paulo. 2016.
política mundial que se expressa na organização dos países em blocos e alianças que
defendem seus interesses em comum, tampouco cita uma grande guerra a nível ideológico e a
nível mundial que guiara de certa forma o planeta inteiro durante o período do pós guerra até
o início do século XXI, a guerra fria, que dividira o mundo em dois grandes e dicotômicos
blocos ideológicos e ao qual é fundamental para entender a agenda neoliberal que de acordo
com Kevin Vallier foi um pensamento econômico que surgiu em grande medida como uma
afiada crítica em vários sentidos ao modelo econômico socialista da URSS.
Dessa forma podemos pensar a experiência neoliberal no Brasil, como uma
configuração, um desdobramento de uma política econômica idealizada por pensadores norte-
americanos que é adotada no Brasil mas que se instala de forma incompleta de como é
pensado originalmente por autores neoliberais, e essa inconclusão se dá pelas próprias
especificidades do Brasil, porém podemos ver mais uma vez, tal qual foi no golpe de 1964 ao
qual houve certa participação de norte-americanos, o Brasil tentando seguir os passos dos
Estados Unidos e se aliando a seus interesses, dessa vez adotando uma política econômica
extremamente nova e difícil de prever seus resultados a médio e longo prazo, mas isso tudo é
resumido no livro com a simples frase “FHC privilegiou os EUA como parceiro econômico”
(Pág. 276) e torna a falar de porcentagem que subiram ou desceram ao decorrer de cada
política ou nova eleição.
A nível de conceituação, simplesmente não há significação do termo “neoliberal”
tampouco faz um resgate ao liberalismo clássico, do qual esse primeiro se configura quanto
uma derivação da segunda, que só foi possível no contexto espaço temporal da segunda
metade do século XX. A forma como o conteúdo não expressa nenhuma preocupação com a
conceitualização do termo pode sugerir que o livro pressupõe o pré-entendimento do termo, e
não porque é uma falha na construção da comunicação do material, mas essa suposição cai
facilmente ao analisarmos a linguagem usada em todo o capítulo para abordar as várias
mudanças políticas e econômicas nesse período, ao qual reconhecemos logo vários outros
difíceis termos e conceitos e pertencem a economia que o material também não faz nenhum
esforço para explicar (ex: inflação, taxa de juros, macroeconomia, taxa de câmbio…). Dessa
forma o livro se mostra conceitualmente raso e não se esforça para ser entendido de uma
forma geral, pois se propondo a fazer uma análise a partir de estatísticas e uma visão quase
econômica do balanço comercial desses governos não logra em fazer uma análise histórica
tampouco uma análise entendível pelo prisma da economia, haja visto que pre-entende um
conhecimento que não faz parte do próprio currículo escolar, tomando uma linguagem
abissalmente distante do cotidiano dos alunos, tornando-se mais útil como um compilado de
dados do que como um material didático.
Como dito anteriormente, o livro também parece ignorar todo o movimento mundial
de globalização econômica que se acelera enormemente após a queda da URSS quando os
EUA e a sua democracia federalista/liberal saem vitoriosos da guerra fria e através de atos
como o Consenso de Washington, traçam linhas gerais de um modelo pelo qual todos os
países deverão seguir para não sofrer nenhum tipo de sanção econômica pelos EUA, e nesse
caso, a América Látina que sempre foi um grande laboratório consumidor das ideias
“avançadas” trazida pelos EUA, desde a doutrina Monroe e suas ações para espalhar a
democracia liberal por todo território latino-americano. Toda essa relação dos EUA com os
países da América Latina em que, como diz Charles Chasteen, foram os norte-americanos
que exercendo influência e com grandes promessas de desenvolvimento econômico, içaram
as velas na América Latina para captar os ventos da globalização na virada do milênio.
Também não é contemplado nas análises para objetivo entendimento dos governos
neoliberais na prática, outras experiências neoliberais no mundo e seus desdobramentos,
como Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher na Inglaterra ou Pinochet no Chile, que
por ser outra experiência neoliberal na América Latina possibilita um trabalho de história
comparada que se faz basilar para pensar esse assunto historicamente, pois ao tratar da
mesma problemática sob mais de um campo de observação abre outras possibilidades de
problematização, enquanto o livro traz todo esse movimento a nível global de forma reduzida
que contempla somente o Brasil, como se somente o Brasil estivesse sujeito a tais mudanças
nesse período.
Enfim, ao analisarmos de fato a forma como o neoliberalismo de fato aparece nesse
capítulo, em meio a gráficos e estatísticas que poluem o texto por seu volume na maioria das
páginas. O conceito é trago (não explicado) junto a apresentação de Fernando Henrique
Cardoso, já ignorando que essa política neoliberal começara a se instalar no país desde o
governo Collor. O termo aparece fundamentado principalmente na política de privatizações e
logo faz uma menção ao propósito que se tinha de superar o projeto varguista, elencando um
paralelo entre os dois projetos de governo, e o caminho para essa superação seria transferir a
produção de bens e serviços fossem entregues à iniciativa privada e investisse somente em
educação, saneamento, saúde e segurança, uma política de enxugar o estado, uma explanação
reduta mas assertiva. Logo em seguida traz um contraste entre os argumentos dos neoliberais
que queriam essas privatizações e os argumentos que criticam esse projeto de governo, uma
pena que não indique quais os grupos sociais que estão de cada lado dessa discussão.
Se faz ausente o significado político desse projeto de governo que remove todas as
proteções da indústria nacional e abrindo-se completamente ao mercado estrangeiro, o
impacto social é bem abordado quando expressado no grande contingente de desempregados,
mas a nível cultural essas políticas se aliam junto a um discurso que tenta desconstruir
qualquer tipo de nacionalismo ou ancestralismo indígenas nas américas. Sob a imagem do
mestiço como um símbolo de abraço a essas políticas neoliberais de globalização, se
inaugurava uma nova forma de opressão contra os indígenas que insistissem em não aderir a
esses planos globalizantes em nome de uma ancestralidade nacional, e que foram por muito
tempo uma pedra no sapato dos neoliberais como nos explica Chasteen, movimentos de
resistência indigena contra toda essa onda globalizante foram vistos em muitos países da
América Latina, como os zapatistas e os neo zapatistas que nessa “nova ordem mundial” não
tem espaço, nem no mundo globalizado, nem neste livro de História.

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