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PETIÇÃO 10.

576 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


REQTE.(S) : ISRAEL MATOS BATISTA
ADV.(A/S) : LAURO RODRIGUES DE MORAES REGO JUNIOR
REQDO.(A/S) : JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

Trata-se de notícia-crime proposta pelo Deputado Federal Israel


Matos Batista, o qual, ancorado em informações divulgadas por
intermédio de veículos de comunicação, atribuiu ao Presidente da
República, Jair Messias Bolsonaro, a possível prática dos crimes de
peculato (art. 312 do Código Penal – CP) e de prevaricação (art. 319 do
CP).

Nessa linha, o peticionante aduz o seguinte:

“[...] 3. Infelizmente, não é novidade, entre nós, que, desde


os albores do mandato, o Excelentíssimo Senhor Presidente da
República tende a fixar laços inquebrantáveis e espúrios
contrários à res pública, especificamente quando se utiliza das
prerrogativas do cargo que exerce para satisfazer interesses
pessoais, familiares e eleitorais.
4. Os expedientes são os mais variados. Contudo, esta
Notícia-Crime, a teor do que dispõe a legislação criminal, que
rege este tipo de ação, volta-se, detidamente, às celebrações
denominadas ‘cívico-militares’ envolvendo a comemoração dos
200 Anos da Independência do Brasil em relação a Portugal,
ocorridas em Brasília-DF e no Rio de Janeiro-RJ.
5. Decerto, os fatos que passaremos a expor podem vir a
configurar, desde que investigados, o cometimento de ilícitos já
pacificados na doutrina e na Jurisprudência dos Tribunais
Pátrios, consoante demonstraremos.
6. Consoante amplamente noticiado pela grande mídia, o
noticiado utilizou-se da burocracia estatal e da autoridade
conferida ao cargo que temporariamente está a ocupar para,
servindo-se de odioso maniqueísmo eleitoreiro, utilizar-se da

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solene festividade nacional do 7 de setembro (Dia da Pátria)


para desenvolver atividade político-partidária, com
envolvimento direto de seus asseclas e partidários.
7. A própria mídia assume, de imediato, e de maneira
generalizada, o caráter eleitoral das aparições públicas do
noticiado no evento citado, afirmando, inclusive, que em suas
aparições públicas após o ato oficial – a primeira, na manhã
desta quarta-feira (7), em Brasília, e a segunda, à tarde, no Rio
de Janeiro –, Bolsonaro usou a data para promover comícios
diante de milhares de pessoas e fez discursos nos quais,
enfaticamente:
a) pediu votos na eleição de outubro, durante
pronunciamento na capital federal, falou que o Brasil trava
uma luta ‘do bem contra o mal’ e defendeu pautas
conservadoras;
b) atacou o seu principal adversário, que lidera as
pesquisas eleitorais para Outubro/22, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), chamando-o de ‘ladrão’ e ‘quadrilheiro’;
c) afirmou que, caso reeleito, levará para dentro das
quatro linhas da Constituição todos aqueles que
porventura estiverem fora delas;
d) além de destacar pontos de seu programa de
governo e de supostos feitos ao longo de sua permanência
no cargo de Presidente da República.
8. Sobressalta aos olhos, mesmo àqueles mais incrédulos, a
presença do Sr. Luciano Hang, recentemente alvo de decisão
judicial exarada por S. Exc. o Min. ALEXANDRE DE MORAES.
9. Nos atos em Brasília, o Sr. Hang, cujo vínculo de
natureza político-ideológica com o noticiado é por todos sabida
– inclusive por sua presença constante nos atos de campanha –,
permaneceu ao lado do noticiado e dos demais Chefes de
Estado presentes, donde manifestou-se calorosamente aos
asseclas e retardatários, bem como ao público comum, ambos
presentes à ocasião.
10. Neste ponto, novamente atrai-se a competência da
presente demanda à jurisdição de S. Exc. o Ministro Alexandre

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de Moraes, uma vez que os atos antidemocráticos atualmente


investigados pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL estão, em
sua maioria, afetos ao sigilo legal.
[...]
12. Ainda, tendo em vista, que, nesta espécie, o noticiado,
ato contínuo, discursou em trio elétrico em manifestação
organizada por seus apoiadores na Esplanada dos Ministérios,
donde menciona expressamente a necessidade de mobilização
política e eleitoral para as eleições marcadas para o dia 2 de
Outubro.
13. Assim, os atos praticados pelo noticiado na data de 7
de Setembro de 2022 configuram atos contínuos, não havendo,
na espécie, qualquer delimitação entra a atuação do Chefe de
Governo e do candidato à reeleição.
14. Não por mero acaso, recorde-se que é vedado aos
candidatos o uso da burocracia e do erário estatal para a
promoção pessoal, seja em beneplácido direto e propriamente
seu – ou de sua campanha política –, seja, malgrado, para o
beneplácido de seus aliados políticos, também candidatos.
15. Isso denota, de per se, a existência de relevantes
indícios de aplicação dolosa dos recursos previamente
destinados ao financiamento das celebrações ‘cívico-militares’,
bem como de ampliação deste Orçamento com vistas e
engrossar o coro da multidão de apoiadores, uma vez que o
noticiado está atrás nas pesquisas eleitorais.
16. De toda sorte, o zelo pela coisa pública é missão
institucional conferido a este Supremo Tribunal Federal,
consoante amplamente assentado pela Jurisprudência, de
maneira que os episódios aqui vergastados merecem
investigação ampla, profunda e comprometida com o senso de
realidade de preservação do erário público e das instituições
nacionais, nos termos da CRFB/1988.
17. Ainda que assim não fosse, resta enfatizar-se que os
atos aqui mencionados também ocorrem, no turno seguinte, na
Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
18. De fato, tendo sido aquela cidade a capital do país por

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longevo período, e estando lá boa parte da memória nacional da


República, não é de desconsiderar-se a presença do Mandatário
Federal naquele Município.
19. Contudo, o que se viu não foi a visita a museus ou o
prestígio das contribuições da Cidade do Rio de Janeiro à
história e memória nacionais.
20. Ao contrário, as celebrações na Antiga Capital foram
marcadas por motociatas e pronunciamento em trio elétrico na
Zona Sul da Cidade, ocasião em que o noticiado, investido das
responsabilidades a que lhes são impostas pela natureza do
cargo, mobilizou, nitidamente e de maneira reincidente, o
aparato público em direção à sua campanha eleitoral de
reeleição.
21. Pudera, trata-se do reduto eleitoral do noticiado, onde,
por diversas vezes logrou a eleição ao cargo de Deputado
Federal e onde, atualmente, está empatado nas pesquisas com o
seu principal adversário.
22. Nas manifestações proferidas na Antiga Capital, o
noticiado não fez memória à história nacional, resumindo-se a
conectar a elevada importância da data festejada com a suposta
necessidade de que o país teria em reelegê-lo, pelo que se
apercebe, novamente, a mobilização estratégica do aparato
burocrático e dos recursos públicos do Estado Brasileiro – que
deveriam estar a serviço daquela festividade cívica –, para os
fins privados e eleitoreiros do Noticiado.
23. Sem embargo do exposto, não desconsidere-se que,
antes mesmo das comemorações cívicas ocorridas na data
sublinhada, já ocorria o chamamento dos adeptos ao Noticiado
para comparecimento, em massa, aos atos do dia 7 de Setembro,
conforme noticiado pelo O GLOBO.
24. Portanto, mais um forte indício, também neste ponto,
de conduta tipificada na legislação criminal pertinente à
matéria, consoante passaremos a expor.” (e-doc. 1 – sem os
grifos do original).

Ao final, o congressista pede:

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“[...] i. O conhecimento desta Notícia-Crime;


ii. A remessa dos autos, por dependência, a Sua Exc. o
Ministro ALEXANDRE MORAES, a quem incumbe, nesta E.
Corte, a relatoria das ações envolvendo as milícias digitais e o
seu financiamento, para fins de averiguação de possíveis
conexões com os atos aqui elencados;
iii. A remessa dos autos à PGR, para que se manifesta
acerca da Opinio Delicti;
iv. Sendo este o caso, sejam fixados critérios técnicos e
objetivos para que a PGR recuse a devida instauração do
procedimento investigativo típico das funções atribuídas,
constitucionalmente, ao Parquet, sem prejuízo da Ação Penal
apropriada;
v. Caso assim não seja possível, instaure a partir desta
Notícia Crime, novo Inquérito, a fim de investigar-se os atos
aqui avençados;
vi. Que a formação da Opinio Delicti por parte das
autoridades competentes considere, também, a possibilidade de
incorrência em outros tipos penais, como a Corrupção Ativa e
Passiva;
vii. Subsidiariamente, pede-se, ainda, a anexação dos fatos
narrados nesta Exordial aos Inquéritos apontados, por
dependência, ambos sob a relatoria de S. Exc. o Min.
ALEXANDRE DE MORAES.” (e-doc. 1 – sem os grifos do
original).

Os autos foram livremente distribuídos ao meu gabinete (e-doc. 5).

Em 9/9/2022, determinei a abertura de vista à Procuradoria-Geral da


República - PGR, “com a observação de que eventuais diligências ou
apurações preliminares deverão ocorrer nestes autos”.

A Vice-Procuradora-Geral da República apresentou parecer em


9/11/2022, postulando o arquivamento da petição, nos seguintes moldes:

“[...] Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

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manifesta-se pela negativa de seguimento à presente petição,


com o consequente arquivamento, fazendo-o:
a) preliminarmente, pela falta de legitimidade ad causam,
com fulcro no art. 395, inciso II, 2ª parte, do Código de Processo
Penal;
e b) no mérito, pela ausência de lastro probatório mínimo
quanto à materialidade delitiva, um dos requisitos da justa
causa, ancorado no art. 395, inciso III, do Código de Processo
Penal.” (e-doc. 8)

É o relatório.

I – Ausência de prevenção (art. 69 do Regimento Interno do STF).

Bem reexaminados os autos, constato, inicialmente, a ausência de


fundamentos válidos para a distribuição por prevenção ao Gabinete do
Ministro Alexandre de Moraes, relator dos Inquéritos 4.828/DF, 4.781/DF
e 4.874/DF, nos termos do art. 69 do Regimento Interno do STF.

Isso porque, ao contrário do alegado pelo peticionante, não constato,


sob qualquer prisma jurídico relevante, conexão probatória entre a
presente notícia-crime e os referidos cadernos processuais apuratórios.

Com efeito, o mosaico fático subjacente, ancorado em informações


divulgadas por intermédio de veículos de comunicação, atribuiu ao
Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, a possível prática dos
crimes de peculato (art. 312 do Código Penal – CP) e de prevaricação (art.
319 do CP) em razão dos pronunciamentos realizados no dia 7 de
setembro de 2022.

Por outro lado, convém assinalar a natureza jurídica distinta dos


objetos de investigação dos referidos inquéritos, assim sintetizados no
parecer da PGR:

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“[...] Já o Inquérito nº 4.828/DF, que se encontra


atualmente arquivado, foi instaurado a pedido da
Procuradoria-Geral da República para apurar a organização e o
eventual financiamento de fitos antidemocráticos, explicitados
em manifestações populares massivas diante de quartéis do
Exército brasileiro, em várias capitais, no dia 19 de abril de
2020.
O Inquérito nº 4.781/DF, por sua vez, visa a apurar a
existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações
caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi,
diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a
segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e
familiares.
A seu turno, o Inquérito nº 4.874/DF foi instaurado para
apurar a existência de organização criminosa, de atuação digital
e com núcleos de produção, publicação, financiamento e
político semelhantes aos identificados no Inquérito nº 4.781/DF,
com mote de atentar contra a democracia e o Estado de Direito.
Nesse ínterim, verifica-se, claramente, a ausência de
pertinência temática entre os fatos narrados nesta Petição e
aqueles apurados nos Inquérito de nº 4.828/DF, nº 4.874/DF e nº
4.781/DF, a afastar a conexão e a prevenção do Ministro
Alexandre de Moraes para processar os presentes autos.” (e-
doc. 8)

Além disso, a questão acerca da distribuição - e, por consequência,


da própria competência para o processamento desta petição - foi
submetida à Presidência desta Suprema Corte no momento do protocolo
da exordial, nos termos das normas regimentais em regência, a qual,
como visto, chancelou a livre distribuição desta notícia-crime.

Diante desse cenário, indefiro o pedido para a redistribuição do


feito.

II – Da legitimidade ativa do peticionante.

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Após exame detido dos autos, rejeito, desde logo, a preliminar ad


causam arguida pelo Parquet.

Cumpre destacar que a Carta Política de 1988 consagrou, em matéria


de processo penal, o sistema acusatório, atribuindo a órgãos distintos a
atribuição de acusar e julgar. O legislador constituinte, nesse sentido,
estabeleceu uma rigorosa repartição de competências entre os órgãos que
integram o sistema de Justiça.

Nessa linha, destaco que tal sistema encontra respaldo em preceitos


constantes do art. 5º de nossa Carta Magna, em particular em seus incisos
(i) XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”; (ii) LIII “ninguém será processado nem sentenciado
senão pela autoridade competente”; e (iii) LIV “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Essas
disposições constitucionais, examinadas em seu conjunto,
consubstanciam um plexo de garantias cujo objetivo é a mais ampla
proteção dos cidadãos quando confrontados com o Estado-juiz.

Daí por que o exame mais verticalizado da notícia-crime


apresentada perante esta Corte, com a imputação de fato típico e
antijurídico à autoridade detentora de prerrogativa de foro, pressupõe o
seu encaminhamento para a análise preambular da Procuradoria-Geral
da República, nos termos do art. 230-B do Regimento Interno do STF.

Isso não implica, contudo, reconhecer a ilegitimidade ad causam do


peticionante, inviabilizando, por consequência, a possibilidade de
qualquer pessoa do povo - na dicção autorizadora prevista no art. 5º,
XXXIV, a, da Constituição da República e do art. 5º do Código de Processo
Penal - de comunicar diretamente a esta Corte a suposta prática de crimes
por autoridades detentoras da denominada prerrogativa de foro, nem
tampouco autoriza dar primazia ou assegurar a monopólio de
investigações preliminares em expediente interno do Ministério Público.

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Confira-se, a propósito, a redação dos citados dispositivos:

“Art. 5º, da CF. Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do
pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de
direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;”

“Art. 5º do Código de Processo Penal. Nos crimes de ação


pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem
tiver qualidade para representá-lo.
§ 1o O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre
que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais
característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser
ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o
fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua
profissão e residência.
§2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura
de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da
existência de infração penal em que caiba ação pública
poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade
policial, e esta, verificada a procedência das informações,
mandará instaurar inquérito.

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§4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública


depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial
somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem
tenha qualidade para intentá-la.” (grifei)

Como se nota, tendo em vista o referido arcabouço normativo,


nenhuma razão assiste à assertiva da PGR no sentido de que o “percurso
adequado é o direcionamento de notícia-crime à Procuradoria-Geral da
República, onde seria tratado e examinado como Notícia de Fato”,
funcionando como uma “espécie de purificador e de anteparo à Corte
Constitucional”.

Com efeito, diferentemente do que ocorre com outros institutos e


recursos processuais, não há no ordenamento jurídico institucional
vedação expressa ou filtro normativo para condicionar o exame cognitivo
mínimo da notícia-crime pelo STF, mais precisamente aquelas referentes à
alegada prática de crimes por autoridades detentoras de prerrogativa de
função neste Tribunal.

E mais, ainda que tais “notícias de fato” possam ser qualificadas


como simples medidas preparatórias de eventual deflagração do
inquérito policial, os atos do Parquet – no processamento, ou não, destas
representações - submetem-se também ao rigoroso escrutínio
jurisdicional, na qualidade de órgão estatal corresponsável pela
investigação e deflagração formal da pretensão punitiva do Estado,
especialmente para que nenhum direito ou garantia constitucional do
investigado possa ser malferida ao longo das distintas fases da
persecução penal.

Rememoro, ademais, que o Texto Constitucional de 1988 consagrou


o sistema acusatório no processo penal ao definir o Ministério Público
como titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I, CF), mas não
outorgou, frise-se, monopólio do procedimento investigatório.

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Por isso, afigura-se corolário do próprio Estado de Direito e do


princípio da separação de poderes e funções (arts. 1º e 2º da CF/88) que
existam limites institucionais ao exercício deste poder, com o controle
jurisdicional do exercício das atribuições dos órgãos públicos, pouco
importando que a atuação ministerial anteceda a deflagração formal do
caderno apuratório.

Assim, a melhor compreensão hermenêutica das normas em


regência impõe que - apresentada a notícia-crime no âmbito do STF (e
aberta vista à PGR) - eventuais diligências preliminares sejam realizadas e
comunicadas nos autos que tramitam no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, e não em procedimento infenso ao controle do Poder Judiciário.

Por essas razões, indefiro a preliminar arguida pela PGR.

III – Do mérito.

Por outro lado, convém sublinhar que, diante da natureza dos


delitos indicados na peça exordial, eventual propositura da ação penal é
de iniciativa pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público
Federal firmar posicionamento sobre a presença ou não de elementos
essenciais e necessários ao início de eventual persecução criminal
destinada a desencadear a pretensão punitiva estatal.

Em outras palavras, o poder de propor a ação penal compete ao


Ministério Público, não podendo o Poder Judiciário compeli-lo a oferecer
denúncia, sob pena de ofensa ao princípio do ne procedat judex ex officio.
Vale dizer, o Parquet, órgão que detém a titularidade exclusiva da ação
penal pública, possui a palavra definitiva sobre a pertinência da
deflagração da ação penal (art. 28 do Código de Processo Penal).

Essa atribuição exclusiva do dominus litis foi bem abordada na lição

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de Eduardo Espinola Filho, verbis:

“A regra geral é a da competência do M inistério


P úblico para, oferecendo denúncia, movimentar a ação
criminal que apurará se é de aplicar-se pena ao infrator da lei
penal. É que, na forma do justo registro de LUÍS OSÓRIO
(Comentário ao Código de processo penal português, vol. 1º,
1932, pág. 140), a ação penal pertence ao Estado, e e ste, em
regra, a exerce por meio dos órgãos do ministério público.
[...] É, indiscutivelmente, o órgão do ministério público, a que
se distribui um inquérito, uma representação, uma peça de
informações, a pessoa em ordem a fazer a apreciação do
caso, verificando se há, de fato, infração punível, e ainda
susceptível de o ser, se permite ela a instauração de ação
penal por denúncia, se o autor está individuado em forma a
poder ser caracterizado, ao menos, por sinais que lhe
facultem a identificação no futuro; e somente se opinar
afirmativamente, é que se lhe impõe a obrigação de, sob a
responsabilidade do seu cargo, oferecer a denúncia. Em caso
contrário, requererá o arquivamento.” (In Código de Processo
Penal Brasileiro Anotado , 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p.
83).

Nesse sentido, esta Suprema Corte assentou o entendimento no


sentido da irrecorribilidade do pedido de arquivamento formulado pela
Procuradoria-Geral da República nos Inquéritos 180 e 510,
respectivamente, de relatoria dos Ministros Djaci Falcão e Celso de
Mello, assim ementados:

“NOTITIA CRIMINIS. O PROCURADOR-GERAL DA


REPÚBLICA NA QUALIDADE DE CHEFE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, ÓRGÃO TITULAR DA AÇÃO PENAL PÚBLICA,
DÁ A PALAVRA DEFINITIVA SOBRE A PERTINÊNCIA DA
AÇÃO (ART-28 DO COD. PROC. PENAL). É DE SE
CONSIDERAR QUE O PODER DE PROPOR A AÇÃO
COMPETE AO MINISTÉRIO PÚBLICO, NÃO PODENDO O

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TRIBUNAL OBRIGÁ-LO A OFERECER DENUNCIA, SOB


PENA DE VIOLAR O PRINCÍPIO DO 'NE PROCEDAT JUDEX
EX OFFICIO'.
O ARQUIVAMENTO NÃO FAZ COISA JULGADA
MATERIAL. SURGINDO NOVOS ELEMENTOS DE PROVA
APTOS A FUNDAMENTAR A DENÚNCIA CABE O SEU
OFERECIMENTO PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, SALVO QUANDO EXTINTA PELA PRESCRIÇÃO,
A PUNIBILIDADE DO INDICIADO.
PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DEFERIDO.”

“ INQUÉRITO - CRIME CONTRA A HONRA -


SENADOR DA REPÚBLICA - IMUNIDADE PARLAMENTAR
MATERIAL - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 -
EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO -
ASPECTOS DO INSTITUTO DA IMUNIDADE
PARLAMENTAR INVIOLABILIDADE E
IMPROCESSABILIDADE - 'FREEDOM FROM ARREST' -
DISCURSO PARLAMENTAR - IRRELEVÂNCIA DO LOCAL
EM QUE PROFERIDO - INCIDENCIA DA TUTELA
CONSTITUCIONAL - PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DO
CHEFE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - IRRECUSABILIDADE -
MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA AÇÃO PENAL
PÚBLICA - INQUÉRITO ARQUIVADO.”

Na hipótese dos autos, a Vice-Procuradora-Geral da República


consignou que, das diligências até então realizadas, não foram reunidos
elementos informativos suficientes a ponto de evidenciar a justa causa
para a instauração formal do caderno investigatório. Veja-se:

“[...] Os fatos relatados pelo peticionante não ensejam a


instauração de inquérito sob supervisão do Supremo Tribunal
Federal, uma vez que inexistem elementos informativos
mínimos capazes de justificar uma persecução penal em
desfavor do representado, nos termos do art. 395, inciso III, do
Código de Processo Penal.

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[...]
Dessa forma, diante da carência de elementos
informativos quanto à materialidade dos delitos subjacentes à
narrativa apresentada, não se vislumbra linha investigativa
idônea apta a fundamentar uma persecução penal
investigativa, pelo que esta petição deve ser objeto de
negativa de seguimento e arquivada.” (e-doc. 8 – grifei)

Concluiu o Parquet, assim, pela ausência de lastro probatório mínimo


dos requisitos da justa causa, nos termos do art. 395, III, do Código de
Processo Penal (e-doc. 8).

Dessa forma, ante a conclusão a que chegou o próprio órgão


encarregado da persecução penal, forçoso é o acolhimento do pedido
de arquivamento deste procedimento, sem prejuízo da reabertura das
investigações, caso surjam novas provas.

Isso posto, acolho o pedido de arquivamento deste expediente


formulado pela Vice-Procuradora-Geral da República, ressalvado o
disposto no art. 18 do Código de Processo Penal.

Publique-se.

Brasília, 29 de dezembro de 2022.

Ministro Ricardo Lewandowski


Relator

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