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Weber A Cidade
Weber A Cidade
Resumo - A cidade ocidental moderna tem sido pensada no âmbito das Ciências Sociais
sob distintas matrizes teóricas, com diferentes graus de abstração e de generalização.
Busca-se aqui formular um breve panorama de algumas das diversas concepções que
marcam o pensamento sobre a cidade, com destaque para os pensadores clássicos da
Sociologia – Marx, Weber e Durkheim –, para a Escola de Chicago, bem como para a
sociologia urbana francesa.
Palavras-chaves
Palavras-chaves: cidade; urbano; industrialização; urbanização.
*
Professora do IFCH/PPCIS/UERJ. E-mail: mase@uerj.br.
de, concentrada nas cidades ou dispersa nos demográfico espantoso (as famosas cifras ates-
campos, que, servida por variadas vias de co- tam), o imenso contigente imigratório, os
municação, estabelece diferentes tipos de con- guetos de diferentes nacionalidades gerado-
tato. É, então, no contexto da anatomia da so- res de segregação urbana, a concentração
ciedade, em seus aspectos marcadamente es- populacional excessiva e as condições de vida
truturais, que a cidade surge como substrato e de infra-estrutura precaríssimas favorecem
da vida social, acumulando e concentrando a formulação pela Escola da idéia da cidade
parcelas significativas da população. como problema, dificultando a transcen-
Com esse breve panorama das concep- dência de tal realidade imediata e a articula-
ções que marcam o pensamento dos clássi- ção de um pensamento com maior grau de
cos sobre a cidade, é possível reafirmar a abstração sobre o tema.
presença de marcos teóricos distintos A especificidade da abordagem ecológica
embasando esses estudos. Os preceitos teóricos estaria no fato de tratar a cidade isolada-
e o alto grau de abstração e de generalidade pre- mente, o que em si não constituiria um mé-
sentes no pensamento desses autores clássicos rito. Pelo contrário, essa visão marca o iní-
da Sociologia opõem-se à abordagem largamente cio de um estudo mais sistemático sobre a
empiricista que marca a Escola de Chicago. cidade, ao menos tradicionalmente, forne-
cendo a base teórica para a constituição da
Sociologia Urbana.
A Escola de Chicago
Chicago:: o nasci- A validade dessa reverência é discutível,
mento da Ecologia Urbana por exemplo, para Castells: tal sociologia,
A Escola de Chicago inaugura um tipo de marcada por tais origens, que advoga a idéia
reflexão, até então inédita, que tem a cidade da existência de um urbano per se, que tem
como objeto privilegiado de investigação; “a na cidade a própria variável explicativa, não é
cidade como laboratório social” tem como uma ciência, mas, sim, uma ideologia (Castells,
referência a própria Chicago dos anos de 1920. 1977). Essa crítica, mesmo procedente, não
O empirismo que envolve a abordagem da invalida a importância da abordagem ecológi-
Escola de Chicago resulta do intuito de buscar ca na construção de um conhecimento espe-
soluções concretas para uma cidade caótica, cífico sobre a cidade. As duas vertentes da Es-
marcada por intenso processo de industriali- cola – ecólogos e culturalistas – orientam-se
zação e de urbanização, na virada do século pelos conceitos da ecologia humana, elabo-
XIX para o XX. Cidade industrial por excelên- rados por Robert Park (1987). A cidade é
cia, Chicago torna-se nessa época a mais im- concebida como uma entidade físico-
portante dos Estados Unidos. O crescimento territorial empiricamente constituída e delimi-
tada no espaço por critérios geográficos, Chicago, demarcando uma ruptura teórica
demográficos, numéricos e político-adminis- com essa “sociologia urbana”, principalmen-
trativos. Park identifica, no interior de uma te a partir da França. Para os sociólogos fran-
comunidade urbana, um sistema de forças que ceses (bem como para os norte-americanos
tende a produzir um grupamento ordenado e fundadores da new urban sociology, C. Wright
característico de sua população e de suas ins- Mills e Floyd Hunter), a cidade deveria ser
tituições (Grafmeyer; Joseph, 1979). compreendida como espaço socialmente pro-
Segundo Wirth, outro autor de destaque da duzido, assumindo diferentes configurações
Escola de Chicago, ligado à vertente culturalista, de acordo com os vários modos de organiza-
a cidade fabrica um produto bem característi- ção socioeconômica e de controle político.
co: a cultura urbana, expressa na formulação Ganha importância a interação entre as rela-
do urbanismo como modo de vida, que, por ções de produção, consumo, troca e poder
sua vez, transcende os limites espaciais. Esta idéia que se manifestam no ambiente urbano
é totalmente inovadora, uma vez que afirma que (Valladares; Freire-Medeiros, 2001).
a cidade atua e se desdobra para além dos limi- Vários teóricos franceses – entre eles
tes físicos, pela propagação do estilo de vida Castells, Lojkine, Ledrut e Lefèbvre – propõem
urbano, e se torna o locus do surgimento do outros marcos para a renovação da reflexão
urbanismo como modo de vida. Descarac- sobre a cidade, por meio de uma produção
teriza-se, assim, a importância da delimitação de inspiração marxista, o que expressa o des-
física da cidade, presente em outros estudos contentamento desses estudiosos com a idéia
dos autores da Escola, e destaca-se a capacida- defendida pela Escola de Chicago, de que ha-
de de a cidade moldar o caráter da vida social à veria um urbano per se, a partir do qual seria
forma especificamente urbana. possível explicar toda uma série de fenôme-
Uma das mais incisivas críticas de Castells nos sociais.
(1977) a Wirth objetiva exatamente mostrar Na medida em que, conforme se disse, a
que a cidade não produz a própria cultura; cidade passa a ser pensada pela interação
não há uma cultura da cidade, mas, sim, uma entre as relações de produção, consumo, tro-
cultura da sociedade capitalista. ca e poder, configura-se um novo enfoque
relativo à cidade que politiza a questão ur-
bana e surgem novas questões de investiga-
A sociologia francesa: o urba-
ção: os movimentos sociais urbanos, os meios
no capitalista de consumo coletivo, a estruturação social do
No final da década de 1960, a cidade será território na sociedade capitalista e o papel do
discutida por uma ótica crítica à Escola de Estado na urbanização (Gonçalves, 1989).
Castells (1977), que elabora a crítica mais ológica da produção do espaço, que resulta-
contundente e sistemática à Escola de Chica- ria numa “sociologia do planejamento urba-
go, argumenta que a abordagem ecológica no”; solução discutível, segundo Gonçalves
não teria fornecido nem objeto próprio nem (1989, p.70).
conhecimento específico à sociologia urba- Os trabalhos de Castells, de certo modo,
na, mas teria refletido sobre uma sociologia lideram um movimento de retomada da ques-
da integração ou da cultura. As teorias que tão urbana numa perspectiva crítica ao capi-
concebem a cidade como variável talismo. Emerge uma produção voltada para a
determinante da cultura são, para o autor, te- pesquisa sobre a especificidade do desenvol-
ses ideológicas sobre a sociedade urbana. vimento urbano sob o capitalismo, no quadro
Podem ser tanto de direita, como a expressa do capitalismo monopolista de Estado que
por Wirth, quanto de esquerda, como a de caracteriza as nações de industrialização avan-
Lefèbvre, na qual uma forma – a sociedade çada. Conforme se disse, a partir desse enfoque
urbana – é definida por um conteúdo que é o politiza-se a questão urbana, e novas questões
reino da liberdade e do novo urbanismo. brotam dessa discussão.
O urbano é concebido como cotidianidade, que
Nesse movimento, destacam-se, entre ou-
se torna o eixo do desenvolvimento social e da
tras, a contribuição de Lojkine (1983) , que
conclusão cultural da história (Castells, 1977).
discute a questão do Estado na sociedade de
Ambas as teorias – de direita e de esquer- capitalismo avançado. A hipótese é a de que a
da – têm por base a idéia de que o espaço urbanização, como uma forma desenvolvida
determina o comportamento; ambas são ide- da divisão social do trabalho, representa um
ologias, diz Castells, e embora contribuam com dos maiores determinantes do Estado, tal
grandes achados do ponto de vista empírico, como ele se apresenta. Lojkine, diz Gonçalves
as articulações teóricas são fracas, porque to- (1989), analisa o papel do Estado na urbani-
das contêm um pecado original: desembocam zação capitalista, a relação da política urbana
no lugar do espaço na estrutura social. Para e suas dimensões com a luta de classes e a
Castells, esse lugar está associado à reprodu- questão dos movimentos sociais urbanos di-
ção, ao consumo coletivo. Consequentemente, ante do Estado
o espaço não é uma página em branco, ele é
Castells e Lojkine, embora por caminhos
determinado pela reprodução; o espaço não
diferentes, partilham da concepção de que o
existe em si, ele é socialmente determinado.
desenvolvimento urbano no capitalismo tem
Para Castells, a sociologia urbana merece- uma especificidade determinada pelos meca-
ria um novo ponto de partida: a criação de um nismos sociais que vão se criando, tendo em
novo campo teórico, que seria a análise soci- vista a articulação entre o Estado e o processo
de acumulação, o que engendra desigualda- espaço (1990, p.61-69), numa clara alusão à
des (não apenas sociais, mas também na crítica de Castells.
estruturação social do território) e contradi- Pela ótica desses pensadores franceses,
ções, além da emergência de movimentos so- incorpora-se à discussão relativa à cidade a
ciais urbanos. Em resumo, o desenvolvimento noção de processo social econômico e políti-
urbano resulta do avanço das forças pro- co e se subordina a análise do urbano às de-
dutivas e do desdobramento de novas ne- terminações advindas do desenvolvimento
cessidades para a realização dos diferentes capitalista.
momentos da produção, considerando a re-
produção ampliada do capital e da força de
trabalho. Reflexão sobre a cidade no
Lefèbvre, outro expoente dessa vertente Brasil
francesa, traz um novo enfoque sobre a cida- A década de 1960 inaugura também a re-
de, concebendo-a como o reino da liberdade flexão latino-americana sobre a cidade pelos
e do novo urbanismo. Mesmo reverenciado estudos sobre urbanização e desenvolvimen-
como um dos maiores teóricos do marxismo to em “países periféricos”. Aníbal Quijano e
contemporâneo, Lefèbvre tem as últimas obras José Nun, entre outros, elegem a teoria da
criticadas, no campo da discussão urbana, marginalidade e da pobreza como principal
tanto por Castells (1977) quanto por Ledrut foco de atenção ao discutir a temática urbana.
(1976). Argumentam que o autor expulsa o Esse paradigma, que sempre fornece explica-
marxismo do campo das lutas de classe para ções veladamente funcionalistas à desigualda-
o da “cultura”, formulando assim uma con- de socioeconômica, será criticado por estudi-
cepção ideológica do urbano. Pode-se, em osos urbanos brasileiros. (Valladares; Freire-
defesa de Lefèbvre, dizer que para ele o urba- Medeiros, 2001).
no não representa apenas a transformação, No Brasil, podem-se identificar alguns es-
pelo capitalismo, do espaço em uma merca- forços isolados de pesquisa sobre pequenas
doria, mas também a arena potencial do coti- comunidades urbanas desde fins dos anos
diano vivido como jogo, como festa (Lefèbvre, 1940 (inspirados, sobretudo, por antropólo-
1970). Em entrevista publicada originalmen- gos americanos como Donald Pierson e
te em Villes en Parallèle 7 (1983), ele declara Charles Wagley). Estudos mais sistemáticos
que considera simplista “a concepção que começam a aparecer no final da década de
coloca, de um lado, a empresa e a produção 1960, tendo como marco o trabalho de J. B.
e, de outro, a cidade e o consumo”, o que não Lopes – intitulado Desenvolvimento e mu-
permite desvendar a verdadeira dimensão do dança social: formação da sociedade urba-
SASSEN, S. The global city: New York, London, WEBER, M. A origem do capitalismo moder-
Tokyo. Princeton: Princeton University no. In: História geral da economia. São
Press, 1991. Paulo: Mestre Jou, 1968, p.310.
VALLADARES, L.; FREIRE-MEDEIROS, B. _____. Economía y sociedad. Habana: ECS/
Olhares sociológicos sobre o Brasil ur- Instituto Cubano del Libro, 1971. Tomo I,
bano: o Projeto UrbanData-Brasil. Tex- p.170-204; tomo II, p.695-1046.
to apresentado no Seminário da Fun- WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida.
dação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, In: VELHO, G. (Org.). O fenômeno urba-
agosto, 2001. no. Rio de Janeiro: Zahar 1987.
Abstract – The modern city of the west has been interpreted by social sciences according
to distinct theoretical molds, with different levels of abstraction and generalization.
We try to formulate here a brief view of some of these various conceptions, focusing
on the classical thinkers of Sociology – Marx, Durkhein, Weber -, The Chicago School,
as well as on the French urban sociology.
Keywords: city; urban; industrialization; urbanization.