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por Jaime de Andruart

Lançado em 1865, o romance Iracema, de José de


Alencar, é um passo a mais que a Literatura Brasileira dá em direção de sua
afirmação de identidade como arte e como literatura genuinamente nacional.

Passagens como “Os guerreiros de meu sangue trazem a morte consigo, filha
dos tabajaras” [Martim, cap. VIII] e “O hóspede é senhor na cabana de
Araquém” [Araquém, cap. IX] nos mostram com clareza o esforço do autor de
valorizar a cultura e a hospitalidade idealizada das tribos nativo-americanas,
ao passo que retratam a invasão realizada pelo povo europeu e a vindoura
devastação que este último inevitavelmente trará. Não sendo índio o
protagonista, mas sim português, o autor consegue, por intermédio da figura
da própria Iracema, dar um trato idealizado ao mito nacional por excelência,
seguindo tanto a estética romântica (“a virgem dos lábios de mel”),
predominante à época, quanto a idéia de unir os dois povos distintos para que
desse choque pudesse se erguer o pilar da nascente nação, na forma de
Moacir, o filho dos dois continentes, cujo nome, “nascido da dor”, faz alusão
a todo o lento e crescentemente violento processo de colonização: não há
surgimento do Brasil sem que a dor faça seu papel. Assim como Iracema
sofreu as dores do parto para dar filho a um português, a cultura nativa sofreu
as dores do genocídio e das sucessivas derrotas frente ao povo ultramarino que
instalou-se para ficar, legando à posteridade descendentes miscigenados
simbolicamente semelhantes à figura que Moacir representa no romance.

Todo brasileiro é, pois, um filho da dor.

Sobre o Autor:

José de Alencar nasceu em 1829 em Fortaleza. Fundou a revista Ensaios


Literários, onde publicou o artigo questões de estilo. Formou-se em direito em
1850, e, em 1854 estreou como folhetinista no Correio Mercantil. Em 1856
publicou o primeiro romance. Ficou conhecido com a publicação de O
Guarani em 1857.

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