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A Colonização em Contraste com a Fantasiação da Submissão da Mulher Indígena ao

Homem Branco Endeusado no romance, Iracema.

MOREIRA,T. Pessoa.¹.
Resumo

Neste ensaio será retratado como a obra Indianista, Iracema, de José de Alencar, camufla a
imagem da mulher indigena real, forte, inteligente e símbolo de resistência por uma imagem
idealizada de fragilidade emocional e submissão\endeusamento ao homem branco.

Palavras-Chave: Mulher indigena, Submissão, Iracema, Colonização.

Considerações Iniciais

José Martiniano de Alencar teve grande contribuição no Romantismo, principalmente


por ser o fundador da temática nacional, com ênfase no Indianismo. Iracema, foi a sua
segunda obra feita, da trilogia Indianista, e a primeira, desta mesma, com foco total na
protagonista indigena feminina. A obra retrata o envolvimento romântico que acontece entre
Iracema - a ‘virgem dos lábios de mel’, de cabelos mais negros que asa da graúna’ - e o
homem branco europeu, Martim. Dessa união nasce Moacir, símbolo da miscigenação, de
índios e europeus.

A literatura indianista tem como características principais, a valorização da natureza,


temáticas ufanistas e principalmente a idealização dos indígenas, que foram abordadas com a
tentativa de mostrar um lado romantizado da colonização feita pelo homem branco. Logo no
segundo capítulo do livro, Alencar descreve: “ Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema.
A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. (...)
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que
gotejava.”(ALENCAR, 2021.), onde, idealiza-se o colonizador como digno de pena e a
mulher indígena como um ser bruto, que deveria sentir-se culpada.
____________________________
¹ Thais Pessoa Moreira, aluna do 2º Período do curso de Letras Portugues da Universidade Estadual Vale do
Acaraú. E-mail: thaispessoa04@gmail.com.
Podemos achar uma semelhança do ocorrido acima em um trecho do texto de Pero Vaz
de Caminha, em sua Carta ao Rei, porém que, por outro lado, mostra uma imagem
primordialmente de subordinação, ao homem branco superior : “ Nas mãos traziam arcos com
suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
arcos. E eles os pousaram." (CAMINHA, 2021. p.5). Ambos os trechos demonstram a
subalternação dos povos originários diante do colonizador, contudo, destaca-se no romance, já
no início da história uma idealização de beleza, pureza, compaixão e amor entre a virgem dos
Tabajaras e Martim, que ajudou a construir a imagem errônea que se tem sobre a fundação do
Brasil colonial e sobre as mulheres indígenas. Por isso, faremos mais apontamentos entre a
obra ficcional de José de Alencar, fazendo comparações a outros textos, para explanar a
identidade da mulher indigena real, com o objetivo de reverter a imagem fantasiada da mulher
originária que é submissa ao homem branco.

Desenvolvimento

Podemos observar no trecho a seguir que, não apenas a mulher, mas os homens
também tinham a visão do colonizador como superior, que estava acima até mesmo de seu
próprio povo. “ - Se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá;
mas o hóspede de Tupã é sagrado; (...) - O coração de Iracema está como o abati n'água do
rio, ninguém fará mal ao guerreiro branco na cabana de Araquém.” (ALENCAR, 2021. p.51).
Na passagem Iracema fala que está extremamente feliz por poder morrer, caso entregue sua
castidade a Martim, e que ninguém o machucará por isso, mostrando assim que, o não
indigena tinha total controle sobre ela, e que a mesma, mostraria total obediência a tudo que o
guerreiro branco lhe pedisse, em nome do amor.

Toda a situação acima demonstra a idealização de um desejo de morte de uma


indigena, por um homem branco, mascarando toda a história de violência e resistência das
mulheres originárias. Sobre a colonização, Maria Clara Rossini cita: “O estupro de mulheres
negras e indígenas escravizadas era o padrão.” ( ROSSINI, 2021), retratando a situação real,
onde elas eram submissas por causa do medo e não por conta do amor, como é fantasiado na
obra. O livro, O Espelho Ìndio: Os jesuítas e a destruição da alma índigena cita: “ O
brasileiro exalta a beleza da mulher da terra mas prefere que ela permaneça no nível de
cornucópia-papagaio.” (GAMBINI, 2021. p.186 )
Para a mitologia cornucópia é um vaso em forma de chifre com frutas e flores que
significa abundância, riqueza e fertilidade, já o papagaio é um animal conhecido por ser fácil
de ser domesticado. Analisando as principais características das duas palavras no contexto em
que foram postas, podemos perceber a comparação de que as mulheres indígenas eram vistas
apenas como instrumento de fertilidade e trabalho, que podiam ser facilmente manipuladas e
nada além disto.

Outro ponto importante a ser observado é, como o amor de Iracema por Martim estava acima
não só dela mesma mas de seu próprio povo.

“ - Senhor de Iracema, ouve o rogo de tua escrava; não derrama o sangue do


filho de Araquém. Se o guerreiro Caubi tem de morrer, morra ele por esta
mão, não pela tua. (...) - Iracema antes quer que o sangue de Caubi tinja sua
mão que a tua: porque os olhos de Iracema veem a ti, e a ela não.”
(ALENCAR, 2021. p.79)

Na passagem é deixado claro que Iracema matará seu irmão Caubi, caso o mesmo
tente ferir Martim, tanto para protegê-lo quanto para que ele não suje as mãos de sangue,
tentando novamente fazer com que o homem branco tenha uma imagem dominante e que a
virgem tenha uma imagem de submissão, onde o amor dela ultrapassa quaisquer ligações de
sangue, já que era claro a devoção de Iracema pelo guerreiro branco de sangue europeu.
Irapuã, chefe dos Tabajaras menciona: “(...) quando o sangue do guerreiro branco correr nas
veias do chefe tabajara, talvez o ame a filha de Araquém.” (ALENCAR, 2021. p.37), Martim
era tão protegido por todos da taba, principalmente pela virgem, que fez com que seu
inimigo, Irapuã, quisesse ser branco também, apenas para cogitar ter o amor de Iracema.

Em contrapartida ao imaginário de devotamento ao homem branco, o livro Ser


Mulher Indigena é… Narrativas de mulheres indigenas brasileiras menciona: “Ser
mulher indigena é sempre estar do lado do seu povo.” (PERES, 2021. p.29), a narrativa nos
mostra o contrário do que é colocado no livro Indianista, destacando que, mulheres indígenas
lutam para e com o seu povo, diferente de Iracema que, protegeria Martim e mataria o seu
povo por e para ele.
Considerações Finais

Através dos pontos destacados durante todo o ensaio, é possível observar que a obra
indianista de José de Alencar apresenta sua primeira protagonista feminina como um
indivíduo submisso a toda a superioridade do homem branco em nome do amor, vendendo a
fantasia de um Brasil colonial idealizado, onde a relação entre a mulher originária e o
colonizador é baseada no amor excessivo, subalterno, que beira quase a relação
escrava/senhor de engenho: “- Senhor de Iracema, ouve o rogo de tua escrava;” (ALENCAR,
2021. p.79.), camuflando toda a real história de dor, sofrimento e resistência das mulheres
originárias.

Mulheres indígenas atualmente têm um papel político, literário e ativista muito


importante na sociedade, defendendo os direitos de 220 mil indígenas contra 130 milhões de
brasileiros não indígenas, segundo Ailton Krenak. Sônia Guajajara é um dos nomes de
destaque quando se fala em liderança indigena feminina, ela atualmente participa dos
movimentos das demarcações indígenas, que o governo Bolsonaro pretende decretar o fim.
Julie Dorrico, Doutora em Teoria da Literatura, descendente do povo Macuxi, também tem
uma imensa contribuição social para a literatura indigena, com o seu livro, Eu Sou Macuxi e
outras histórias, assim como seus artigos que abordam sobre o lugar de importância que os
povos originários tem.

Elas e tantas outras mulheres originárias, lutam por seus lugares de fala diante de uma
sociedade fantasiosa que acredita que os "índios" são seres brutos mas ao mesmo tempo
inocentes ou que todas as mulheres indígenas são “bem feitas”, “redondas”, como expressa
Caminha. Falas como, “todos os indígenas andam nus” ou “todos os índios moram em ocas”,
implementando que a cultura indigena seja generalizada, excluindo assim, crenças específicas
fazendo com que se crie uma imagem de diversidade superficial, que de certa forma a obra de
José de Alencar ajudou a construir.

Referências Bibliográficas

ALENCAR, José de. IRACEMA: Lenda do Ceará. 1 ed. - São Paulo: PanaPaná Editora,
2017.
GAMBINI, Roberto. O ESPELHO ÍNDIO: Os jesuítas e a destruição da alma indigena. -
Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
ROSSINI, Maria Clara. Estupro de mulheres negras e indigenas deixou marca no genoma
dos brasileiros. Super Interessante, 3 out 2020.
LIMA, Jônia Rodrigues de. Ser Mulher Indigena é… Narrativas de mulheres indigenas
brasileiras. - Porto Alegre - RS: Fundação Luterana de Diaconia, 2018.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao Rei. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa,
Portugal. Gavetas, Gav. 15, mç. 8, n. 2.
DANNER, Leno Francisco; DORRICO, Julie; DANNER, Fernando. DA LITERATURA
INDIANISTA À LITERATURA INDÍGENA: SOBRE A IMAGEM, O LUGAR E O
PROTAGONISMO DO/A INDÍGENA EM TERMOS DE CONSTITUIÇÃO DA
IDENTIDADE BRASILEIRA. Revista Fênix: Revista de história e estudos culturais, 20

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