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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

República de Angola
Ministério da Justiça
e dos Direitos Humanos

Relatório SOBRE o
sistema de JUSTIÇA PARA

CRIANÇAS
Angola
em

Relatório final

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MINJUSDH) e o UNICEF gostariam de expressar os seus
mais sinceros agradecimentos pelo trabalho de todas as pessoas envolvidas directa ou indirectamente na
redacção, edição, revisão e produção da presente publicação.

Autor: International Bureau for Children´s Rights


Revisão: Prime Production
Design: José Meio Dias

© Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, 2018


© Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 2018

Esta publicação foi produzida com o apoio financeiro da União Europeia. O seu conteúdo é da exclusiva
responsabilidade do MINJUSDH e do UNICEF e não reflecte necessariamente a posição da União Europeia.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

relatório SOBRE o
sistema de JUSTIÇA PARA

CRIANÇAS
Angola
em

relatório final

Bié, Huíla, Luanda, Moxico


Agosto de 2015 a Junho de 2016

JULHO DE 2016

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Índice
Lista de acrónimos..............................................................................................................................................................................8
Lista de tabelas....................................................................................................................................................................................9
I – CONTEXTO E FUNDAMENTAÇÃO................................................................................................................................................. 11
1.1 Finalidade e objectivos do exercício.......................................................................................................................................12
1.1.1 Utilizadores esperados e tipos de utilização previstos....................................................................................................12
1.1.2 Objectivos gerais e específicos do exercício...................................................................................................................13
1.1.3 Âmbito do exercício........................................................................................................................................................13
1.1.4 Período...........................................................................................................................................................................13
II – METODOLOGIA............................................................................................................................................................................ 15
2.1 Critérios do exercício..............................................................................................................................................................15
2.1.1 Relevância.......................................................................................................................................................................15
2.1.2 Eficácia............................................................................................................................................................................15
2.1.3 Eficiência.........................................................................................................................................................................15
2.1.4 Impacto...........................................................................................................................................................................15
2.1.5 Sustentabilidade..............................................................................................................................................................15
2.2 Recolha de dados...................................................................................................................................................................16
2.2.1 A abordagem..................................................................................................................................................................16
2.2.2 Fontes de informação.....................................................................................................................................................16
2.2.2.1 Revisão documental................................................................................................................................................16
2.2.2.2 Reuniões bilaterais com as principais partes interessadas.....................................................................................16
2.2.2.3 Visitas ao local e observação no terreno................................................................................................................17
2.2.2.4 Reuniões de consulta com crianças........................................................................................................................17
2.2.2.5 Conferências para recolha de dados.......................................................................................................................17
2.3 Desafios encontrados.............................................................................................................................................................18
2.3.1 O âmbito do exercício era muito alargado......................................................................................................................18
2.3.2 O acesso à informação era muito limitado.....................................................................................................................18
2.4 Resultados efectivos...............................................................................................................................................................19
III – Contexto geral............................................................................................................................................................................ 20
3.1 Contexto geral do país............................................................................................................................................................20
3.2 Principais problemas que afectam as crianças em Angola.....................................................................................................23
3.2.1 Nascimentos não registados...........................................................................................................................................23
3.2.2 Violência contra crianças................................................................................................................................................24
3.2.2.1 Violência baseada no género..................................................................................................................................25
3.2.2.2 Violência doméstica................................................................................................................................................25
3.2.2.3 Violência sexual e exploração sexual......................................................................................................................25
3.2.2.4 Casamento precoce.................................................................................................................................................25
3.3.3 Órfãos e crianças separadas...........................................................................................................................................26
3.3.4 Crianças acusadas de feitiçaria e crianças abandonadas................................................................................................26
3.3.5 Crianças sem lar.............................................................................................................................................................27
3.4 Crianças em conflito com a lei.......................................................................................................................................28
IV – PRINCIPAIS CONCLUSÕES........................................................................................................................................................ 31
4.1 Relevância do enquadramento legal.......................................................................................................................................31
4.1.1 Enquadramento legal......................................................................................................................................................31
4.1.1.1 Participação da criança...........................................................................................................................................39

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4.1.1.2 Proibição de qualquer tipo de violência, negligência, exploração e abuso.............................................................40


4.1.1.3 Maioridade penal.....................................................................................................................................................42
4.1.1.4 Idade mínima para casar.........................................................................................................................................44
4.1.1.5 Idade legal para consentimento sexual...................................................................................................................44
4.2 Eficiência do enquadramento legal.........................................................................................................................................45
4.2.1 Direito a beneficiar de tratamento especializado.............................................................................................................46
4.2.2 Direito à presunção de inocência....................................................................................................................................47
4.2.3 Direito a assistência jurídica...........................................................................................................................................48
4.2.4 Direito a assistência parental..........................................................................................................................................48
4.2.5 Direito a ser informado das acusações...........................................................................................................................49
4.3 Relevância e eficácia do sistema institucional........................................................................................................................50
4.3.1 Ministérios sectoriais......................................................................................................................................................51
4.3.2 Estrutura judicial.............................................................................................................................................................55
4.3.2.1 Entidades de apoio ao Julgado de Menores...........................................................................................................59
4.3.2.2 Centros específicos para crianças em conflito com a lei........................................................................................61
4.3.3 Entidades de coordenação e supervisão.........................................................................................................................62
4.3.4 Organizações da Sociedade Civil.....................................................................................................................................65
4.3.5 Linhas de Apoio..............................................................................................................................................................67
4.3.6 Intervenção Judicial e Extrajudicial.................................................................................................................................67
4.3.6.1 Programas de reabilitação e “diversion”1................................................................................................................67
4.3.6.2 Intervenção Extrajudicial.........................................................................................................................................68
4.3.6.3 Intervenção Judicial................................................................................................................................................69
4.3.6.4 Recursos judiciais e restrição de medidas privativas de liberdade.........................................................................72
4.3.7 Gestão de dados.............................................................................................................................................................74
4.3.8 Procedimentos................................................................................................................................................................75
4.3.8.1 Termos de Referência dos serviços especializados para crianças..........................................................................75
4.3.8.2 Procedimentos Internos..........................................................................................................................................76
4.3.8.3 Procedimentos Operacionais Padrão......................................................................................................................76
4.3.9 Prevenção.......................................................................................................................................................................77
4.4.0 Projectos e programas....................................................................................................................................................78
4.4.1 Formação........................................................................................................................................................................79
4.5 Eficiência, Impacto e Sustentabilidade....................................................................................................................................81
V – CONCLUSÕES E LIÇÕES APRENDIDAS...................................................................................................................................... 83
5.1 Pontos fortes do Sistema Angolano de Justiça Juvenil..........................................................................................................83
5.2 Pontos fracos do Sistema Angolano de Justiça Juvenil.........................................................................................................85
5.2.1 Problemáticas relacionadas com a relevância das leis e entidades existentes................................................................85
5.2.1.1 Exclusão do regime especial de crianças com 16 e 17 anos de idade...................................................................85
5.2.1.2 Aceitação do casamento infantil..............................................................................................................................86
5.2.1.3 Inexistência de uma proibição explícita de todos os tipos de violência física contra crianças...............................86
5.2.1.4 Inexistência de uma disposição legal para medidas de “diversion”........................................................................86

1
NoTA maioria dos países da América Latina, incluindo o Brasil utilizam a expressão “remissão” para traduzir o conceito de “diversion”. Em Moçambique foi adoptada a expressão “desvio” e em Cabo-
-verde foi acolhida a expressão “diversão” processual. Em Angola não foi alcançado ainda um consenso de como traduzir a expressão “diversion”. Deste modo será utilizada a expressão original de
“diversion” em todo o relatório.

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5.3 Problemáticas relacionadas com a eficiência das leis e das entidades institucionais........................................................87
5.4 Lições Aprendidas..............................................................................................................................................................91
VI – RECOMENDAÇÕES..................................................................................................................................................................... 95
ANEXOS............................................................................................................................................................................................ 103
I – Lista das partes interessadas reunidas.............................................................................................................................103
II – Lista das estruturas associadas à recolha de dados.......................................................................................................104
III – Participação nas Conferências........................................................................................................................................105
IV – Matriz do Exercício.........................................................................................................................................................106
V – Questões orientadoras para a entrevista das partes interessadas...................................................................................108
VI – Tratados relacionados com os Direitos da Criança........................................................................................................117
VII – Histórico dos Relatórios enviados para o Comité das Nações Unidas para os Direitos da Criança..............................118
VIII – Normas internacionais relacionadas com a Justiça para Crianças...............................................................................119
IX – Tabela comparativa das recomendações do Comité dos Direitos da Criança sobre
a implementação da CDC em Angola (de 2004 a 2010)........................................................................................................122
XI – Leis nacionais.................................................................................................................................................................127
XII – Deliberações relevantes relacionadas com medidas especiais......................................................................................130
XIII – Os 11 Compromissos para a sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção das crianças.....................................132
XIV – Integração dos princípios internacionais nas leis nacionais.........................................................................................135
XV – Principais Ministérios....................................................................................................................................................137
XVI – Instituições Judiciais....................................................................................................................................................140
XVII – Itinerário da criança em conflito com a lei (dos 12 aos 15 anos de idade)................................................................141
XVIII – Entidades de apoio ao Julgado de Menores..............................................................................................................141
XIX – Entidades Coordenadoras............................................................................................................................................143
XX – Linhas de Apoio............................................................................................................................................................144
XXI – Sinopse dos projectos e programas............................................................................................................................145
XXII – Estrutura lógica do Programa de quatro anos para Angola “O Registo de Nascimento
e o Sistema de Justiça para Crianças”...................................................................................................................................150
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................................................................. 156

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Lista de Acrónimos
CADBEC Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança
CACAJ Centro de Acolhimento de Crianças “Arnold Janssen”
CAD Comité de Ajuda ao Desenvolvimento
CCL Crianças em Contacto com a Lei
CDC Convenção sobre os Direitos da Criança
CEEAC Comunidade Económica dos Estados da África Central
CEEAO Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
CIES Centro de Informação e Educação para o Desenvolvimento (Centro Informazione e
Educazione allo Sviluppo ONLUS)
CNAS Conselho Nacional de Acção Social
CSR Centro Social de Referência
CTM Comissão Tutelar de Menores
DNAJ Direcção Nacional da Administração da Justiça
DNIC Direcção Nacional de Investigação Criminal
DPCDJ Departamento de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil
DPIC Direcção Provincial de Investigação Criminal
ECPAT End Child Prostitution and Trafficking (Acabar com a Prostituição Infantil, Pornografia
Infantil e Tráfico de Crianças para Fins Sexuais)
IBCR International Bureau for Children’s Rights
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INAC Instituto Nacional da Criança
INE Instituto Nacional de Estatística
INEJ Instituto Nacional de Estudos Judiciários
MAT Ministério da Administração do Território
ME Memorando de Entendimento
MED Ministério da Educação
MINARS Ministério da Assistência e Reinserção Social
MINFAMU Ministério da Família e Promoção da Mulher
MININT Ministério do Interior
MINJUSDH Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos
MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola
OBC Organização de Base Comunitária
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organização da Sociedade Civil
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPA Plano Personalizado do Adolescente
RDC República Democrática do Congo
SIC Serviços de Investigação Criminal
SICA Sistema de Indicadores da Criança Angolana
SMIC Secção Municipal de Investigação Criminal
TdR Termos de Referência
Eu União Europeia
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNICRI Instituto Inter-Regional das Nações Unidas de Investigação em Matéria de Crime e Justiça
VBG Violência baseada no Género

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Lista de Tabelas

Tabela 1 Retrato Estatístico de Angola 22


Tabela 2 Exemplos de desafios que as crianças enfrentam em Angola 29
Tabela 3 Tratados com Ratificação ou adesão por parte de Angola 33
Tabela 4 Quadro de comparação com a ratificação por parte de Países vizinhos na África 34
Subsariana
Tabela 5 Tratados Assinados E Sem Medidas Tomadas 34
Tabela 6 Os Três Compromissos mais relevantes e as suas metas 38
Tabela 7 Idade Mínima para Consentimento Legal – Tabela comparativa 43
Tabela 8 Idade Legal Mínima da Criança em Angola 45
Tabela 9 Membros do Conselho Nacional da Criança 63
Tabela 10 Panorama De Vários Programas Relacionados com c Protecção da Criança e a 78
Justiça para Crianças em Angola

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

I – CONTEXTO E FUNDAMENTAÇÃO

O Governo de Angola, em colaboração com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
em Angola e a União Europeia (UE), está actualmente a implementar um programa de quatro
anos intitulado “Registo de Nascimento e Justiça para as Crianças em Angola”, impulsionado
pela necessidade de apoiar os esforços nacionais para proteger o direito das crianças ao registo
de nascimento e ao acesso à justiça. Um dos resultados que se espera obter com este programa
inclui um “enquadramento legal e políticas públicas que proporcionem uma maior protecção dos
direitos das crianças em contacto com um sistema de justiça reforçado”.2 Entre os contributos
identificados para obter esse resultado encontra-se este relatório sobre o sistema de justiça
actual num quadro de protecção dos direitos das crianças no seu acesso à justiça.
 
O International Bureau for Children’s Rights (Gabinete Internacional para os Direitos das Crianças,
doravante denominado “IBCR” ou “Bureau”), com base na sua experiência de 20 anos de
promoção dos direitos das crianças em todo o mundo, redigiu uma proposta no seguimento de
um apelo feito pelo UNICEF em Junho de 2015 relativamente à necessidade de examinar mais
de perto a realidade e as experiências das crianças que estão em contacto com a lei, em Angola,
tendo sido escolhido para comunicar as conclusões. Após ter apresentado a versão actualizada
do relatório intercalar em Novembro de 2015, o IBCR congratula-se por partilhar agora a sua
análise final, bem como as conclusões e recomendações subsequentes.
 
Embora Angola tenha claramente manifestado a sua vontade de melhorar o bem-estar das crianças
através da ratificação de tratados internacionais essenciais e da realização de várias iniciativas
para fomentar um sistema jurídico eficaz para as crianças, bem como melhores mecanismos
jurídicos e judiciais, o país ainda enfrenta inúmeros desafios no que diz respeito ao cumprimento
do dever de protecção da criança: a guerra civil, que durou quase 30 anos, teve um impacto
prejudicial no tecido social existente, tendo sido particularmente dura para as crianças. Apesar
de ser difícil obter dados estatísticos exactos, os actos de violência e as situações penosas
que afectam as crianças ainda são considerados “alarmantes”, de acordo com o UNICEF no
documento do projecto.3 Além disso, a fragilidade dos serviços sociais e do apoio familiar e
comunitário contribui em larga escala para que as crianças se vejam em situação de conflito
com a lei ou sejam vítimas de crimes. A taxa de delitos cometidos por crianças aumentou nos
últimos três anos 4 e reflecte tanto a crise económica como o aumento paralelo do desemprego
e o colapso das estruturas sociais e familiares.
 
As instituições estatais não são capazes de assegurar os direitos básicos das crianças e, em
especial, das crianças em conflito com a lei. Na verdade, o sistema jurídico representa um
obstáculo significativo à promoção dos direitos das crianças, no sentido em que as que entram
em contacto com a lei correm um risco elevado de abuso, confrontadas com estruturas mal
equipadas para lidar com menores,5 e têm enormes dificuldades em aceder aos serviços jurídicos.

Aliás, o Comité dos Direitos da Criança (“Comité”), nas Observações Finais6 em 2010, demonstrou
a sua preocupação relativamente à implementação e à aplicação concreta das normas referentes

2
Registo de Nascimento e Justiça para Crianças em Angola, documento do projecto, pág. 17. A estrutura lógica do programa encontra-se no Anexo XXI.
3
Registo de Nascimento e Justiça para Crianças em Angola, documento do projecto, pág. 17.
4
Ibid. Nota 6 que se refere a estatísticas da DNIC em 2009 e a dados do INAC em 2012.
5
UNICEF, Angola, “In Angola, a second chance for children in conflict with the law” (Em Angola, uma segunda oportunidade para as crianças em conflito com a lei), disponível on-line em: http://www.unicef.
org/infobycountry/angola_62407.html (último acesso a 10 de Maio de 2016)

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

à justiça juvenil e apelou a que Angola melhorasse globalmente o sistema jurídico para menores
de idade, tendo apresentado recomendações específicas para alcançar este objectivo. Estas
estavam relacionadas com a criação de tribunais especializados para as crianças em conflicto
com a lei, crianças testemunhas ou vítimas de um crime em diferentes províncias, formação para
as pessoas que trabalham com as crianças no sistema de justiça juvenil e o estabelecimento de
normas processuais, entre outras.

Existem certamente várias razões, umas mais complexas do que outras, para que o sistema
angolano de protecção das crianças não seja perfeito, apesar da criação de entidades ministeriais
e da adopção de vários programas e iniciativas para a sua melhoria. O presente estudo não
pretende apresentar todas estas razões minuciosamente. Um relatório que o fizesse iria requerer
mais tempo e recursos, bem como dados muito mais fidedignos correspondentes a um período
mais alargado.

Deste modo, a justiça para as crianças em Angola, seja para crianças em conflito com a lei, crianças
vítimas/sobreviventes ou crianças testemunhas de um crime, ainda carece de desenvolvimento
e restruturação. Porém, é de crucial importância definir, com a maior precisão possível, as
oportunidades que podem facilitar e os constrangimentos que podem restringir neste momento
o acesso das crianças ao sistema jurídico e examinar a qualidade dos serviços prestados para
que o Governo, as suas entidades, a sociedade civil e a população possam posteriormente
desenvolver estratégias adequadas e implementar planos de acção para assegurar a protecção e
o bem-estar de todas as crianças em todas as regiões do país.

1.1 Finalidade e objectivos do exercício7


1.1.1 Utilizadores esperados e tipos de utilização previstos

Este exercício visa apoiar o mandato do MINJUSDH para realizar estudos e investigação
permanente sobre assuntos relacionados com a justiça juvenil e a protecção das crianças, em
particular programas e serviços que pretendam responder às necessidades de todas as crianças
em contacto com a lei. Será utilizado “para melhorar o conhecimento do Ministério da Justiça e dos
Direitos Humanos (MINJUSDH), do Ministério do Interior (MININT), do Ministério da Assistência
e Reinserção Social (MINARS), dos governos provinciais e do UNICEF relativamente aos serviços
e às intervenções disponíveis para as crianças em contacto com a lei. Visa, também, apresentar
dados para reformas políticas e criação ou melhoria de programas destinados a contribuir para a
realização dos objectivos do sistema de justiça juvenil do país”.

Para garantir a responsabilidade conjunta, o UNICEF Angola partilhará os resultados do exercício


com o MINJUSDH, que está encarregado do desenvolvimento do programa e da política para
crianças em contacto com a lei. Como resposta às recomendações, o MINJUSDH e o UNICEF
vão analisar as recomendações para as políticas e/ou elaborar as directrizes propostas. Para o
UNICEF, os resultados contribuirão para consolidar a sua estratégia relativamente às Crianças
em Contacto com a Lei (CCL) e os programas e projectos correspondentes para as províncias
prioritárias.

6
Comité dos Direitos da Criança, Consideration of reports submitted by State parties under article 44 of the Convention. Concluding observations: Angola (Consideração dos relatórios entregues
pelos Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção. Observações Finais: Angola). 11 de Outubro de 2010, CRC/C/AGO/CO/2-4, pág. 16, disponível on-line em: http://www.refworld.org/
docid/4cdcf19c2.html (último acesso a 10 de Maio de 2016).
7
UNICEF, Formative evaluation of the justice for children system of Angola, Terms of reference (Avaliação formativa do sistema de justiça para crianças em Angola, Termos de Referência). RFP/
ANGA/2015/0009A, pág. 6.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

1.1.2 Objectivos gerais e específicos do exercício

O objectivo geral deste exercício consistiu em avaliar o sistema jurídico formal em Angola e
todos os serviços relacionados que estão envolvidos no sistema de justiça para crianças.

Os objectivos específicos deste exercício eram os seguintes:


• Avaliar os programas e serviços de reabilitação, bem como os programas de intervenção do
MINJUSDH;
• Examinar as intervenções dos programas de base comunitária e programas de “diversion”
que estão em vigor (formais e informais) a diversos níveis e os processos e mecanismos
de implementação e controlo destes programas, incluindo os que têm apoio por parte do
UNICEF;
• Estabelecer a competência dos funcionários do Estado para avaliar as necessidades das
crianças em contacto com a lei, enquanto base para identificar apoios no sentido de
melhorar os seus conhecimentos, atitude e capacidades, incluindo o apoio do UNICEF para
o desenvolvimento de competências dos governos provinciais e nacional;
• Elaborar recomendações concretas para abordar as questões, constrangimentos e restrições
que se coloquem à implementação do programa, bem como áreas para melhoria da política
e do programa por parte do Governo de Angola e do UNICEF.

1.1.3 Âmbito do exercício

É importante referir que o exercício não abrange projectos ou programas específicos relacionados
com crianças em contacto com a lei, mas sim o sistema de justiça juvenil no geral, através “dos
centros formais e informais dirigidos às crianças em contacto com a lei e dos centros geridos
pelo Governo de Angola nas províncias visadas”.

O exercício tinha, ainda, como objectivo englobar “a dimensão de apoio técnico e oportunidades
de formação proporcionados a trabalhadores locais da área social do MINARS, comissões de
moradores, autoridades tradicionais, associações, Centros Sociais de Referência e funcionários
judiciais para melhorar as suas competências com vista a proceder à avaliação de crianças em
contacto com a lei”.8

Durante este mandato, foram seleccionadas cinco províncias: Luanda, Bié, Huíla, Malanje e
Moxico. Estas províncias foram escolhidas porque foram consideradas prioritárias pelo UNICEF
na sua fase actual (2015-2019) do programa nacional juntamente com o Governo de Angola.

1.1.4 Período

Este exercício engloba um período desde 1996, ano em que foi adoptada a Lei do Julgado de
Menores no sistema de administração da justiça para crianças, até ao final de 2014.

8
UNICEF, Formative evaluation of the justice for children system of Angola, Terms of reference (Avaliação formativa do sistema de justiça para crianças em Angola, Termos de Referência). RFP/
ANGA/2015/0009A, pág. 7.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

II – METODOLOGIA

Com o objectivo de apresentar informação em primeira mão aos principais actores-chave em


Angola sobre as intervenções e serviços para as crianças em contacto com a lei que existem e/ou
que estão em falta, e centrando-se na identificação de obstáculos e desafios, o Bureau realizou
um diagnóstico parcial do sistema de justiça formal e informal em Angola e serviços associados.

2.1 Critérios do exercício


Inicialmente, o exercício deveria analisar os seguintes cinco critérios: relevância, eficácia,
eficiência, impacto e sustentabilidade. Estes critérios foram propostos pelo UNICEF e também
tinham a concordância da comunidade internacional de doadores, representada pelo Comité
de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) para análise do projecto.

2.1.1 Relevância
Através deste critério, o estudo analisa em que medida o quadro institucional que suporta
o sistema de justiça juvenil está em conformidade com os tratados e normas internacionais
relacionados com a justiça para as crianças. Este indicador também permite avaliar se os serviços
legais, judiciais e institucionais se adaptam ao superior interesse da criança e se contribuem para
melhorar o seu bem estar.

2.1.2 Eficácia
No âmbito deste exercício, os critérios de eficácia são utilizados para analisar em que medida as
leis são implementadas eficazmente a nível nacional e os serviços prestados com sucesso por
todo o país em conformidade com os padrões de qualidade e as necessidades das crianças.

2.1.3 Eficiência
Este critério avalia se os recursos tais como fundos, competências e tempo, entre outros, se
convertem em meios para produzir os resultados esperados. Ou seja, a eficiência demonstra a
proporção entre os investimentos e o que efectivamente se produz, em relação aos resultados
esperados. Também revela se os recursos estão a ser investidos onde existe necessidade.

2.1.4 Impacto
A avaliação do impacto concentra-se nos efeitos positivos e negativos a longo prazo que têm
origem na implementação de leis e planos de desenvolvimento e afere se os efeitos resultantes
contribuem para atingir objectivos de desenvolvimento de um nível superior.

2.1.5 Sustentabilidade
Através deste critério, é possível analisar se os benefícios causados pela implementação da lei e
os planos de desenvolvimento são sustentáveis.

15
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Foram identificadas na matriz do exercício questões específicas para cada categoria de actores
e em relação a cada critério, tendo estas orientado a recolha de dados9.

Devido aos desafios descritos abaixo, o exercício só pôde utilizar dois dos cinco critérios pré-
definidos, nomeadamente os critérios de relevância e eficácia.

2.2 Recolha de dados

2.2.1 A abordagem
Um método de trabalho eficaz baseia-se nos esforços colectivos de vários intervenientes. Deste
modo, o exercício recorreu a uma abordagem participativa que englobou funcionários do Estado,
instituições nacionais, agências e organizações da sociedade civil nacionais e internacionais, bem
como crianças de ambos os sexos, sempre que possível. A abordagem também tem como base
os princípios da equidade, dos direitos humanos e da justiça de género. Consequentemente, a
Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDM),10 outros tratados internacionais (incluindo
os que foram ratificados pelo Governo de Angola) e as normas internacionais constituíram o
principal quadro de análise do exercício.

O âmbito bastante alargado do exercício, a natureza dos objectivos e a optimização da triangulação


dos dados recolhidos exigiram que se utilizasse um misto de metodologia qualitativa e quantitativa.
As limitações à aplicação de um método quantitativo aprofundado serão debatidas na secção 2.3.

2.2.2 Fontes de informação


A mistura de dados obtidos por revisão documental, reuniões bilaterais com as principais partes
interessadas, visitas aos locais e um grupo de referência que incluiu crianças foi utilizada para gerar
uma diversidade de perspectivas, assegurar a exactidão da informação e ultrapassar os limites
dos dados. O exercício também pretendeu ter em consideração a dimensão multissectorial da
situação das crianças que enfrentam o sistema jurídico.11

2.2.2.1 Revisão documental


Mais de 70 documentos, incluindo normas e tratados internacionais, leis e outros textos nacionais,
vários relatórios das Nações Unidas, estudos nacionais relacionados com a situação das crianças
em Angola e o sistema de justiça juvenil, diversos relatórios anuais do UNICEF e publicações do
IBCR, foram consultados para informar o exercício.

2.2.2.2 Reuniões bilaterais com as principais partes interessadas


Houve duas missões ao terreno durante as quais tiveram lugar várias reuniões, em Luanda,
Bié, Huíla e Moxico, com intervenientes fundamentais do sistema de protecção da criança,
tanto a nível governamental como da comunidade internacional e da sociedade civil angolana.
Encontraram-se 25 estruturas e mais de 70 pessoas.12

9
IBCR, “Formative Evaluation of the Justice for Children System in Angola: Inception report” (Avaliação formativa do sistema de justiça para crianças em Angola: Relatório Intercalar), 2015, págs. 26-33.
10
Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, 18/12/1979, GA deliberação 34/180.
11
No âmbito do presente exercício, a expressão “sistema de justiça juvenil” inclui o sistema de protecção da criança.
12
A lista detalhada das estruturas envolvidas encontra-se no Anexo II.

16
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

2.2.2.3 Visitas ao local e observação no terreno


Para apresentar um retrato mais exacto da conformidade das instituições, realizaram-se visitas
a centros e estruturas que têm um papel fundamental no sistema jurídico, como os Centros de
Internamento e Observação em Luanda, Estabelecimentos Prisionais situados em Viana e no Bié,
Centros de Acolhimento de Menores, etc. O IBCR também esteve presente num julgamento
criminal no Tribunal Provincial de Luanda e participou numa actividade nocturna com crianças em
situação de rua com o apoio da organização Samusocial.

2.2.2.4 Reuniões de consulta com crianças


No decorrer do exercício, foram consultadas crianças tanto na capital Luanda como nas províncias
de Bié e Huíla. Também se realizaram reuniões informais13 com crianças inimputáveis (12-15
anos) e reuniões com crianças que podem ser condenadas (16-18 anos de idade). Organizou-
se ainda um grupo de referência com raparigas vítimas de crime e conversas informais com
crianças em situação de rua, para recolher informação qualitativa.

As reuniões de consulta com crianças obedeceram aos mais elevados padrões das políticas de
protecção, das normas éticas e dos pré-requisitos de confidencialidade, tendo também sido
tomadas todas as medidas possíveis para minimizar repercussões negativas sobre as crianças.
Assim, entre outras garantias éticas básicas, todas as crianças foram informadas sobre a intenção
da consulta e o rigoroso anonimato da informação recolhida. Também lhes foi comunicado o seu
direito a abandonar a actividade de consulta a qualquer momento.

2.2.2.5 Conferências para recolha de dados


A finalidade das conferências era dar a oportunidade aos participantes para fazer o levantamento
das suas práticas e estabelecer uma comparação entre os diferentes procedimentos realizados
relativamente às suas interacções diárias com crianças em contacto com a lei. Tiveram lugar
duas conferências: a primeira em Huíla e a segunda no Moxico.14 Ambas tinham como público-
alvo diversos actores fundamentais no sistema de justiça para crianças.

Para assegurar a validade e a segurança dos dados recolhidos e para que os actores entrevistados
se sentissem à vontade para falar, garantiu-se o anonimato da informação e dos dados recolhidos
relativamente a todas as pessoas presentes.15 O UNICEF, o IBCR e, em menor escala, as
principais partes interessadas do MINJUSDH, do MINARS e do MININT, colaboraram para a
identificação de pessoas e estruturas que deviam ser seleccionadas para a recolha de dados. Os
principais parceiros locais também entregaram documentos ou estabeleceram contactos entre o
IBCR e vários intervenientes e/ou estruturas. As limitações da recolha de dados estão descritas
na próxima subsecção do relatório.

13
As reuniões informais com crianças tiveram lugar quando o IBCR reuniu com rapazes e raparigas durante uma actividade que originalmente não fora planeada. Estas reuniões ocorreram de modo informal
no decurso da visita. As crianças não haviam sido previamente informadas de uma consulta futura, mas aceitaram participar espontaneamente na conversa. Pelo contrário, as reuniões formais foram
planeadas e agendadas, tendo o público sido informado antes da reunião.
14
A primeira conferência em Huíla juntou 34 participantes de diversas áreas de trabalho. No total, 23 trabalhadores de área social frequentaram a conferência no Moxico. No Anexo III está disponível uma
lista dos participantes.
15
Foi entregue ao UNICEF uma lista de todas as pessoas contactadas durante o exercício. Por questões éticas, como a importância da confidencialidade, não foram incluídos os seus nomes neste relatório.

17
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

2.3 Desafios encontrados


No decorrer deste projecto foram encontrados vários desafios. Enquanto uns foram parcial ou
totalmente ultrapassados, outros impediram que alguns objectivos fossem alcançados. O âmbito
original do exercício e a dificuldade em organizar conferências com intervenientes relevantes em
Angola, em combinação com a falta de dados, limitaram a possibilidade de implementar partes
significativas do mandato do exercício, sobretudo no que diz respeito aos critérios relacionados
com o impacto, a eficiência e a sustentabilidade do sistema de justiça.

2.3.1 O âmbito do exercício era muito alargado


Em retrospectiva, é preciso reconhecer que o âmbito do exercício, designadamente todo
o sistema de justiça juvenil em Angola, era muito alargado tendo em consideração os meios
disponíveis no terreno e os inúmeros desafios – tanto internos como externos – do sistema em
si. De facto, o exercício pretendia abranger regulamentos, práticas e intervenientes formais e
informais, bem como as estruturas e instituições não-governamentais e públicas envolvidas no
sistema de justiça para crianças em cinco províncias. Além disso, o exercício tinha de englobar
tanto crianças vítimas de violência (vítimas de maus-tratos ou em risco) como crianças em conflito
com a lei. O período de referência da análise era de 1996 a 2014. A aplicação da legislação em si
poderia ter sido o único objecto de todo o exercício.

2.3.2 O acesso à informação era muito limitado


Não estavam disponíveis todos os dados e informações necessários. A recolha de dados,
mesmo sendo bastante ilustrativa e útil, enfrentou vários obstáculos que não ficaram a dever-
se a nenhum tipo de negligência por parte do IBCR ou do UNICEF, mas sim ao vasto âmbito do
exercício e constrangimentos contextuais.

Desde o início do processo, a restrita disponibilidade dos intervenientes causou atrasos


significativos na realização das actividades, sendo que várias reuniões previstas não ocorreram
ou foram subitamente interrompidas. Apenas duas conferências acabaram por acontecer, em
vez das seis que tinham sido originalmente planeadas em várias regiões do país. Esta situação
teve origem em questões de logística e atrasos na autorização ministerial. A alternativa para
obtenção da informação que se esperava recolher nas conferências, através de algumas
reuniões bilaterais, foi um mal menor, tendo em conta que o cruzamento de informação já não
era possível, essencialmente respeitando a hierarquia de intervenção. Não se realizaram visitas
às escolas de formação profissional (de agentes da polícia e de acção social), foram fornecidos
muito poucos dados estatísticos e os que foram apresentados eram muito gerais e não podiam
ser analisados para fins do exercício, especialmente quanto aos dados quantitativos relacionados
com crianças em contacto com a lei ou crianças seleccionadas por programas de protecção
em vigor. Além disso, o acesso a documentação e literatura foi comprometido e não foram
partilhados nenhuns relatórios internos dos ministérios ou entidades oficiais – atitude que pode
significar uma relutância aparente de alguns actores entre as chefias em criticar ou comentar,
mesmo que de forma implícita, o ministério responsável. Todos estes elementos geraram uma
amostra representativa cada vez mais pequena na qual basear o exercício.

Tanto quanto possível, o IBCR tentou atenuar os efeitos desfavoráveis destes constrangimentos
e obstáculos (por exemplo, aumentando significativamente a duração da missão). Deste modo,

18
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

tornou-se necessário adaptar o âmbito e a complexidade da análise à informação quantitativa e


qualitativa que se conseguiu obter na realidade.

A necessidade de rever a matriz do exercício confirmou-se durante a segunda missão, no


seguimento dos inúmeros obstáculos enfrentados durante o projecto, a natureza dos dados e
informação limitados que estavam disponíveis, bem como o âmbito alargado do projecto. De facto,
o exercício da eficácia habitualmente está focado em determinar se os objectivos esperados dos
programas foram ou não alcançados. O exercício da eficácia de um programa geralmente requer
informação detalhada em termos de orçamento e dos investimentos autorizados para o projecto
ou programa, por exemplo. Quando se trata de um exercício sobre um sistema na sua totalidade,
isso exige o acesso a todos os documentos, orçamentos, relatórios financeiros e de actividades,
doações, etc. dos programas principais – que não era o caso. Assim, após debate, decidiu-se
concentrar os esforços nos critérios de relevância e eficácia do sistema de justiça para crianças.

2.4 Resultados efectivos


Tendo em consideração os termos de referência, os desafios enfrentados e a informação que foi
efectivamente obtida, pode-se afirmar que os objectivos iniciais foram parcialmente alcançados.

Os resultados efectivos foram os seguintes:


• Um exercício do sistema de justiça juvenil de acordo com dois dos cinco critérios de
análise pré estabelecidos, nomeadamente os critérios de relevância e eficácia, através de
uma análise dos pontos fortes e das lacunas do quadro institucional do sistema juvenil;
• Uma análise das interacções entre os principais elementos formais e informais do sistema
de justiça juvenil;
• Recomendações concretas e práticas no sentido de consolidar o sistema de justiça para
as crianças e de permitir o reforço e o ajuste das reformas actuais de acordo com a
Constituição da República de Angola (a CRA),16 a Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento
Integral da Criança (Lei da Criança)17 e os instrumentos internacionais relevantes,
essencialmente a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC),18 a Carta Africana dos
Direitos e do Bem-Estar da Criança (CADBEC) e as normas internacionais relacionadas
com a justiça para as crianças.

16
República de Angola, Constituição da República de Angola, 21 de Janeiro de 2010, n.o 10/10 de 13 de Janeiro de 2010 (CRA).
17
Lei sobre a Protecção e o Desenvolvimento Integral da Criança, Lei n.o 25/12 de 22 de Agosto de 2012 (Lei da Criança).
18
Assembleia Geral das Nações Unidas, Convenção sobre os Direitos da Criança, 20 de Novembro de 1989, Nações Unidas, Conjunto de Tratados, vol. 1577, pág. 3, disponível em: http://www.refworld.org/
docid/3ae6b38f0.html (último acesso a 11 de Julho de 2016); Organização da Unidade Africana (OUA), Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança, 11 de Julho de 1990, CAB/LEG/24.9/49 (1990),
disponível em: http://www.refworld.org/docid/3ae6b38c18.html (último acesso a 11 de Julho de 2016).

19
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

III – Contexto geral

3.1 Contexto Geral do País


A República de Angola tem um amplo território, que se divide em 18 províncias 19 e 163 municípios,
que depois se dividem em 475 comunas. Enquanto o crescimento anual é de cerca de 7%, em
contraste, os indicadores económicos e sociodemográficos em Angola são afectados por níveis
elevados de pobreza, sendo que aproximadamente 37% dos Angolanos vivem abaixo da linha de
pobreza nacional, maioritariamente nas zonas rurais.20 Com uma população estimada em 24,3
milhões de pessoas em 2015, Angola tem uma das taxas de fertilidade mais altas do mundo,
ocupando actualmente a 9.ª posição em 224, com aproximadamente cinco crianças nascidas por
cada mulher.21 Isto reflecte-se numa sociedade muito jovem, com mais de 60% da população
abaixo dos 24 anos de idade (incluindo cerca de 42% com idade inferior aos 15 anos de idade).22
A esperança média de vida mantém-se baixa, cerca de 52,5 anos, em comparação com a média
regional subsariana de 58,5.23

Angola passou por um período de intensa violência com a guerra civil, de 1975 a 2002. O número
de mortes destes 27 anos de guerra civil está estimado em cerca de 800 000, criando cerca
de 4 milhões de deslocados internos (DI) ou pessoas que se tornaram refugiados em países
vizinhos.24 Após a guerra, o país passou a ser uma República Presidencial e Unitária, com José
Eduardo dos Santos como Presidente desde 1979. Desde a Constituição de 2010, o Presidente
é o Chefe de Estado, o Poder Executivo e Comandante-Chefe das forças armadas.25 O poder
legislativo é atribuído aos 223 membros eleitos da Assembleia Nacional e o poder judicial é da
responsabilidade dos Tribunais que são organismos independentes e soberanos, responsáveis
pela administração da justiça em nome do povo. A descentralização administrativa da última
década26 criou um sistema de organismos administrativos subnacionais que determinou a
delegação da maioria das funções administrativas locais aos 18 governos provinciais, o que levou
a limitações na autoridade dos ministérios nacionais sobre estes organismos administrativos,
mesmo apesar de estes terem uma capacidade muito restrita, sobretudo fora das capitais de
província.28

A tensão social tem crescido devido à elevada taxa de desemprego (cerca de 26%), sobretudo
entre os jovens 29, aos níveis altos de pobreza e a uma grande desigualdade em termos de
rendimentos. Estes desafios económicos levaram a que muitas actividades passassem a funcionar

19
As 18 províncias são: Bengo, Benguela, Bié, Cabinda, Cunene, Huambo, Huíla, Kwando Kubango, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Luanda, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Moxico, Namibe, Uíge, Zaire.
20
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015; Angola”, 2015, disponível on-line em: http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/
AGO.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
21
CIA, ‘‘The World Factbook 2013-14; Angola’’ (Livro de Factos sobre o Mundo 2013-14; Angola), Washington DC, 2013, disponível on-line em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
geos/ao.html (último acesso a 25 de Abril de 2016).
22
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015; Angola”, 2015, disponível on-line em: http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/
AGO.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016)
23
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015; Angola”, 2015, disponível on-line em: http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/
AGO.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016)
24
Political Economy Research Institute, “Modern Conflicts – Conflict Profile: Angola (1975-2002)” (Conflitos Modernos – Perfil de Conflitos: Angola 1975-2002), n.d., disponível on-line em: http://www.peri.
umass.edu/fileadmin/pdf/Angola.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
25
República de Angola, Constituição da República de Angola, 21 de Janeiro de 2010; Art.º 108.
26
República de Angola, Constituição da República de Angola, 21 de Janeiro de 2010; o Art.º 141 define o poder legislativo e o Art.º 174 define o poder judicial.
27
Pier Paolo Balladelli, Angola, Dez Anos de Desconcentração e Descentralização Administrativas, Luanda, Ministério da Administração do Território, 2015; Medidas importantes de desconcentração
administrativa tiveram início com a aprovação do Decreto Executivo 29/00 de 2000 que estabeleceu o enquadramento dos governos provinciais e das administrações municipais e das comunas. Este
processo foi mais aprofundado com a aprovação e execução do Plano Estratégico de Desconcentração e Descentralização Administrativas que teve início em 2001.
28
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
29
Youth Policy, “Angola”, 28 de Abril de 2014, disponível on-line em: http://www.youthpolicy.org/factsheets/country/angola/ (último acesso a 24 de Abril de 2016); Em 2013, as taxas de desemprego de jovens
dos 15 aos 24 anos eram de 11,2% para raparigas e 10,3% para rapazes.

20
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

na economia informal, que cresceu para satisfazer as necessidades básicas da população que
não eram asseguradas pelo Estado, sendo a área onde se observa uma maior utilização do
trabalho infantil.30 Tendo a percentagem de pessoas que vive em zonas urbanas alcançado cerca
de 60%, a migração interna para os centros urbanos originou o crescimento de importantes
zonas informais de residência nas maiores cidades e à sua volta, com dificuldades de acesso a
serviços públicos essenciais.31

Angola possui uma estrutura familiar de base patriarcal, sendo que uma família tradicional é
composta pela família nuclear e os seus parentes. A poligamia nos homens é uma prática
socialmente aceitável nalgumas regiões.32 A principal unidade social fora das zonas urbanas é
a aldeia, onde os líderes religiosos e tradicionais têm um papel significativo na hierarquia social
e política local.33 A religião está extremamente presente no dia-a-dia dos Angolanos (com uma
maioria de católicos – cerca de 41%) e as instituições religiosas desempenham um papel
importante na educação das comunidades locais, na resolução de conflitos familiares e sociais
e na constituição de programas sociais.34 O país apresenta um acesso limitado a cuidados de
saúde e outros serviços públicos, tendo as principais ONG e grupos religiosos a tarefa de tentar
colmatar estas lacunas, sobretudo em zonas de difícil acesso fora dos centros urbanos.35

A guerra civil teve um impacto devastador no sistema educativo do país, tendo deixado toda
uma geração com acesso dificultado a educação, formação e competências para geração de
rendimentos.36 No entanto, na última década, alcançaram-se progressos fundamentais para
melhorar o acesso ao ensino primário, com a criação de milhares de salas de aula e a formação
de professores. O ensino primário de seis anos é gratuito e obrigatório para todas as crianças
em Angola até aos 12 anos de idade37 mas as taxas de inscrição em níveis superiores de ensino
continuam muito baixas.38 Apesar de a maioria da população entre os 15 e os 45 anos de idade
saber ler e escrever (70,6%), existem diferenças consideráveis entre géneros (em 2013, as taxas
de literacia para os jovens entre 15 e 24 anos eram de 80,1% para os rapazes e 66,1% para as
raparigas).39 As desigualdades no acesso a serviços entre as zonas rurais e urbanas, a pobreza,
a taxa reduzida de registo de nascimento, a discriminação de género, o casamento e a gravidez
precoces, os trabalhos forçados e o abandono são outros factores que influenciam o acesso da
criança à educação.40

30
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
31
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
32
Adebayo Oyebade, Culture and Customs of Angola (Cultura e Costumes de Angola), Westport, CT, Greenwood, 2007.
33
Adebayo Oyebade, Culture and Customs of Angola (Cultura e Costumes de Angola), Westport, CT, Greenwood, 2007.
34
CIA, ‘‘The World Factbook 2013-14; Angola’’ (Livro de Factos sobre o Mundo 2013-14; Angola), Washington DC, 2013, disponível on-line em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
geos/ao.html (último acesso a 5 de Abril de 2016).
35
CIA, ‘‘The World Factbook 2013-14; Angola’’ (Livro de Factos sobre o Mundo 2013-14; Angola), Washington DC, 2013, disponível on-line em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
geos/ao.html (último acesso a 5 de Abril de 2016); UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola 2015.
36
Watchlist on Children and Armed Conflict, “Issue 2: Angola” (Lista de Referência sobre Crianças e Conflito Armado, N.º 2: Angola), 25 de Abril de 2002, disponível on-line em: http://www.watchlist.org/
reports/pdf/angola.report.pdf (último acesso a 25 de Abril de 2016).
37 República de Angola, “Lei de Bases do Sistema de Educação”, 31 de Dezembro de 2001, n.º 13/01, (Art.º 79); A Constituição de 2010 assegura o direito à educação.
38
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015; Angola”, 2015, disponível on-line em: http://hdr.
undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/AGO.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016): O relatório de 2015 indica que, entre 2008 e 2014, as taxas de inscrição em termos de ensino eram de 140%
em idade escolar primária, 32% em idade de ensino secundário e 7% em idade para o ensino superior.
39
UNICEF, “Estatística: Angola”, n.d., disponível on-line em: http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html (último acesso a 21 de Março de 2016).
40
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.

21
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

TABELA 1: RETRATO ESTATÍSTICO DE ANGOLA41


(Foram utilizadas as principais fontes, excepto se a nota de rodapé indicar outra fonte)
Nome oficial República de Angola

Capital Luanda 

Oficial: Português
Línguas Reconhecidas: Kikongo, Côkwe, Umbundu, Kimbundu, Nganguela,
Kwanyama 

Religiões Católica 41,1%; Protestante 38,1%; Outras 8,6%; Nenhuma 12,3%

Data de independência de Portugal 11 de Novembro de 1975 

Data de entrada nas Nações Unidas 1 de Dezembro de 1976 

Posição no Índice de Desenvolvimento Humano (2014) 0,532; 149/187 países

Área (km2) 1.2 milhões

Total da população (2014) 24.383.000

População abaixo de 18 anos (2012) 11.299.300

População abaixo de 5 anos (2012) 3.965.900

Taxa de crescimento da população (2010-2015) 3,1%

População que vive em zonas urbanas (2012) 60%

População que vive com menos de 1,25 dólares por dia (%) 43,4%

Homens: 8,169
Rendimento Nacional Bruto Estimado (RNB) per capita (2014)
Mulheres: 5,497

Crescimento Médio do PIB per capita (2014) 4,5%

Desemprego (2014) 26%

Esperança de vida (anos) 2012  Homens: 50,8 Mulheres: 53,8

Taxa de fertilidade (crianças nascidas/mulher) (2015) 5,37

Órfãos, devido a qualquer causa (2012)  1.100.000

Registo de nascimento, total (%) 36

Registo de nascimento, zona urbana (%) 40

Registo de nascimento, zona rural (%) 36

Posição na mortalidade infantil (menos de 5 anos) 8/196 países

Taxa de mortalidade infantil (menos de 1 ano) em 1000 nados-vivos 102

Taxa de mortalidade infantil (menos de 5 anos) em 1000 nados-vivos 156,9

Crianças que nasceram com peso a menos 16%

Taxa de mortalidade materna em 1000 nados-vivos 460

Prevalência de VIH em jovens e adultos (15-45 anos de idade) 2,4%

Prevalência de VIH nos jovens (15-24 anos de idade)

População que usa fontes melhoradas de água potável (2015 est.) 49%

População que usa instalações sanitárias melhoradas (2015 est.) 52%

Taxa de literacia total nos adultos (mais de 15 anos de idade) (2014) 70,6%

Taxa de literacia nos jovens (15-24 anos de idade) (2008-2012) Rapazes: 80,1% Raparigas: 66,1%

Participação na escola primária, taxa líquida de inscrição Rapazes: 97 Raparigas: 64

Participação na escola secundária, taxa líquida de inscrição Rapazes: 15 Raparigas: 12

Trabalho infantil (5-14 anos de idade) (%) Rapazes: 22% Raparigas: 25%

Casamento antes dos 18 anos de idade (%) Rapazes: N/A  Raparigas: N/A

41
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, “Relatório do Desenvolvimento Humano 2015; Angola”, 2015, disponível on-line em: http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/AGO.pdf
(último acesso a 5 de Abril de 2016); UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015; Banco Mundial, “Angola”, n.d., disponível on-line em: http://data.worldbank.org/country/angola (último acesso a 21 de Março
de 2016); CIA, ‘‘The World Factbook 2013-14; Angola’’ (Livro de Factos sobre o Mundo 2013-14; Angola), Washington DC, 2013, disponível on-line em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
geos/ao.html (último acesso a 5 de Abril de 2016); UNICEF, “Estatística: Angola”, n.d., disponível on-line em: http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html (último acesso a 21 de Março de 2016).

22
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

3.2 Principais problemas que afectam as crianças em Angola


Embora Angola esteja num período de estabilidade política que representa um contexto favorável
para reformas sociais e legislativas, a nação continua a enfrentar diversos desafios com fortes
repercussões sobre as crianças e os seus direitos. Numa fase pós-conflito, a urbanização, em
conjunto com um crescimento populacional significativo, tem sido um factor fundamental para a
intensificação dos problemas sociais que afectam as crianças.

As crianças, devido à sua condição e ao período de desenvolvimento em que se encontram,


são mais vulneráveis do que os adultos. Consequentemente, poderiam beneficiar de protecção
especial. Dito isto, algumas crianças são obrigadas a viver em condições e situações pessoais
ou sociais que aumentam exponencialmente o risco de entrarem em contacto com a lei, seja
enquanto vítimas, testemunhas ou alegadamente acusadas da prática de crime.

Criança vítima Qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade que seja vítima de algum tipo de abuso,
exploração, violência ou negligência, incluindo violência psicológica. Uma criança vítima
também é uma criança testemunha, sendo a primeira (e muitas vezes a única) testemunha
desse crime.
Criança testemunha Qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade que possa prestar declarações sobre o
que sabe, viu ou ouviu relativamente a uma infracção cometida.
Criança em conflito com a lei Qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade que seja suspeita ou acusada de ter
cometido uma infracção.
Criança em contacto com a lei Qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade que tenha de interagir com o sistema
jurídico ou algum dos seus representantes (forças de segurança, funcionários da área
social, oficiais de justiça, etc.).

Muitas crianças acabam por ficar em situações extremamente complexas e enfrentam riscos
ainda maiores de exclusão social, violência, exploração e muitas outras formas de violação dos
seus direitos – situações que deveriam ser evitadas ou eliminadas pelo sistema de protecção
em vigor.

Estudos revelam que os principais problemas que se colocam às crianças em contacto com o
sistema jurídico são os seguintes:

• Falta de registo de nascimento


• Violência contra crianças
• Órfãos ou crianças separadas
• Crianças acusadas de feitiçaria
• Crianças sem lar

3.2.1 Falta de registo de nascimento


O direito à cidadania e o direito a ter identificação civil estão estipulados na Constituição Nacional
e são regulados pela legislação comum com base na existência legal dos cidadãos conforme
demonstrado através do registo dos nascimentos. Para os jovens angolanos, a certidão de
nascimento que confirma o seu registo é um pré-requisito para que possam exercer a sua
cidadania e usufruir dos seus direitos.

23
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Em Angola, a cobertura do registo de nascimento em 2015 era de apenas cerca de 30% nas
crianças com idade inferior a cinco anos.42 Crianças que ficaram órfãs, que foram abandonadas
ou separadas, que vivem em zonas de difícil acesso e que não têm lar são as mais afectadas.
A distância, os custos directos/indirectos, a inexistência ou expiração de documentos de
identificação dos pais43 e o desconhecimento, por parte dos pais, do processo de registo e da
sua importância foram citados como os principais obstáculos para o registo do nascimento dos
filhos pelos seus pais.44

Sabendo que o registo do nascimento é seguramente a base da eficácia dos direitos das
crianças, o impacto da inexistência de registo de nascimento na situação de qualquer criança,
e em particular na das crianças que estão em conflito com a lei, é vasto e relaciona-se com
todos os aspectos da sua vida. Crianças que não tenham registo de nascimento não existem
em termos legais, sendo que esta situação as priva dos seus direitos enquanto cidadãos, como
o acesso a serviços básicos no campo social ou a saúde e educação. Por outro lado, o registo
do nascimento facilita a protecção da criança, pois os assistentes sociais, agentes da polícia e
magistrados, entre outros, conseguem identificar mais facilmente a criança e a sua família, o
que irá também promover e acelerar a intervenção. A determinação da idade de uma criança
que entre em conflito com a lei estabelece se esta terá acesso aos benefícios legais e sociais de
uma justiça especializada para menores ou, pelo contrário, se será encaminhada para o sistema
direccionado para os adultos.

Com a sensibilização para o problema, foram lançadas campanhas de larga escala para o registo
de nascimento45 e a melhoria do acesso ao sistema de registo civil constitui uma prioridade
no Plano de Desenvolvimento Nacional do Governo para o período de 2012-2017. Em 2013,
adoptou-se um Decreto que aprova o registo e a identificação gratuitos para todos os cidadãos
angolanos até Dezembro de 2016.46

3.2.2 Violência contra as crianças


A Lei Angolana não proíbe explicitamente todas as formas de violência contra as crianças, o que
causa alguma confusão no que diz respeito aos castigos corporais. Alguns tipos de castigos
corporais infligidos nas crianças são uma prática aceitável nos contextos familiares e educativos
(escolas e centros de assistência), e as situações de violência praticamente não são comunicadas.47
Os órfãos, crianças abandonadas ou crianças sem lar estão particularmente vulneráveis à
violência por parte de adultos ou jovens. Foram organizadas
campanhas nacionais pelo Governo e por ONG, mas a
aceitação cultural da violência doméstica ou dos castigos
corporais para fins educativos ou de disciplina coloca graves “As crianças são alvo de muita violência.
obstáculos à protecção infantil. As crianças são vítimas de Os pais batem muitas vezes nos filhos.”
muitos tipos diferentes de violência, como abuso físico e Grupo de Referência, Abril de 2016
psicológico, negligência, abandono, exploração sexual ou
laboral e violência doméstica ou de género.

42
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
43
Pais que não puderam registar os filhos porque os seus documentos de identificação (como, por exemplo, o Bilhete de Identidade) expiraram.
44
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015; Oficialmente, existem 25 locais de registo civil em todo o país e 137 delegações em cada município de Angola. Devido à guerra, apenas 40% destes
locais estavam a funcionar no final de 2002.
45
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015; Decreto Executivo, N.º 309/13 de 23 de Setembro.
46
Decreto 80/2013 de 5 de Setembro de 2013; Antes, no complemento da adopção do Decreto n.º 31/07 de 14 de Maio de 2007, todas as crianças menores de cinco anos estavam isentas do pagamento de
taxas e era dado um bilhete de identidade a cada criança dos 8 aos 11 anos de idade.
47
Iniciativa para pôr fim a todos os tipos de castigo corporal, ‘‘Corporal punishment of children in Angola’’ (Castigos corporais de crianças em Angola), Agosto de 2015, disponível on-line em: http://www.
endcorporalpunishment.org/assets/pdfs/states-reports/Angola.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).

24
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

3.2.2.1 Violência Baseada no género


A violência de género (VBG) ainda se encontra muito presente em Angola. Este fenómeno
aumentou com décadas de guerra bem como a noção de masculinidade que diz que ser homem
equivale a ter domínio sobre as mulheres.48 Estudos sobre VBG revelam um maior risco de
violência física ou sexual entre as raparigas, sobretudo entre os 15 e 19 anos de idade.49 As
principais formas de violência de género são a violência doméstica, a violência sexual, a exploração
sexual e o casamento precoce.

3.2.2.2 Violência doméstica


A violência doméstica (física, psicológica e sexual) ““Na escola, os professores, auxiliares e
outras crianças são violentos”
foi indicada como o tipo mais comum de violência de
Grupo de Referência, Abril de 2016
género contra as mulheres e raparigas em Angola.
Num relatório de 2010, 29% das mulheres com idades
entre 15 e 49 anos numa união conjugal referiram ter
sido vítimas de violência física ou sexual nos 12 meses
anteriores.50 Embora tenham sido implementadas algumas iniciativas importantes para combater
esta problemática (como a criminalização da violência doméstica em 2011, a criação de uma
unidade especializada no SIC/MININT para fazer frente à violência contra mulheres e crianças,
bem como campanhas a nível nacional realizadas nos últimos anos51), o problema continua a ser
indicado como uma questão fundamental em Angola.52

3.2.2.3 Violência sexual e exploração sexual


A violência doméstica e sexual contra mulheres e raparigas é muito comum, mas muito poucos
casos são comunicados à polícia e/ou são objecto de processo judicial.53 Num contexto tradicional,
a violência sexual é muitas vezes considerada um “assunto pessoal” que deve ser tratado
dentro da família e não no sistema jurídico.54 As raparigas que têm de ficar em casa a tratar das
crianças ou que têm de ir buscar água para a família estão desprotegidas e correm o risco de
serem vítimas de violência sexual e outros tipos de abuso.55 Também foram denunciados casos
de abuso sexual nas escolas por parte de professores masculinos, o que influencia o acesso
das raparigas à educação. As crenças culturais em torno das práticas sexuais, muitas das quais
incluem a coerção das jovens, também afectam as taxas de VIH/SIDA.56

3.2.2.4 Casamento precoce


O casamento precoce é um fenómeno generalizado em Angola, influenciado por factores
determinantes, como os usos e costumes e as práticas tradicionais que definem a idade para
casamento como o início da puberdade, bem como a pobreza e as elevadas taxas de natalidade

48
Search for Common Ground (Encontrar um Entendimento Comum), ‘‘Positive Masculinity: An approach for the Angola context’’ (Masculinidade Positiva: Abordagem para o Contexto Angolano), Setem-
bro de 2013, Luanda, Angola. Disponível on-line em: https://www.sfcg.org/wp-content/uploads/2014/06/ANG_LR_Sep13_Angola_Positive_Masculinity_in_Angola.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
49
Statistics on GBV – (Krug et al., 2002; OMS, 2005a; Kishor e Johnson, 2004) – Search for Common Ground, ‘‘Positive Masculinity: An approach for the Angola context’’ (Estatísticas da VG – Encontrar um
Entendimento Comum, Masculinidade Positiva: Abordagem para o Contexto Angolano), Setembro de 2013, Luanda, Angola, pág. 4, disponível on-line em: https://www.sfcg.org/wp-content/uploads/2014/06/
ANG_LR_Sep13_Angola_Positive_Masculinity_in_Angola.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
50
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015, pág. 1.
51
Lei contra a violência doméstica, 25/11. Uma campanha muito importante intitulada “Tolerância Zero para a Violência Sexual e de Género” foi anunciada em 2012.
52
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
53
Watchlist on Children and Armed Conflict, “Issue 2: Angola” (Lista de Referência sobre Crianças e Conflito Armado, N.º 2: Angola), 25 de Abril de 2002, disponível on-line em: http://www.watchlist.org/
reports/pdf/angola.report.pdf (último acesso a 25 de Abril de 2016).
54
Adebayo Oyebade, Culture and Customs of Angola (Cultura e Costumes de Angola), Westport, CT, Greenwood, 2007.
55
A Rede “End Child Prostitution and Trafficking (ECPAT)” (Acabar com a Prostituição Infantil, Pornografia Infantil e Tráfico de Crianças para Fins Sexuais) estima que em 2011 cerca de 3000 crianças
com menos de 18 anos tenham estado envolvidas em prostituição para sobreviverem e outros milhares terão sido vendidas para sexo nas ruas de Luanda. A ECPAT também indicou que familiares e outros
cuidadores terão alegadamente forçado menores a prostituir-se, essencialmente crianças em zonas rurais.
56
Banco Africano de Desenvolvimento e Fundo Africano de Desenvolvimento, ‘‘Country Gender Profile: Angola’’ (Perfil de Género Nacional: Angola), Agosto de 2008, disponível on-line em: http://www.afdb.
org/fileadmin/uploads/afdb/Documents/Project-and-Operations/ADB-BD-IF-2008-210-EN-ANGOLA-COUNTRY-GENDER-PROFILE.PDF (último acesso a 12 de Maio de 2016).

25
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

como incentivos para os pais realizarem o casamento das suas filhas.57 Entre as jovens de 15 a
19 anos de idade, uma em cada cinco estão casadas e 55% já tiveram o seu primeiro filho.58 A
questão do casamento precoce não se coloca relativamente aos rapazes, mas, para as raparigas,
tem muitas vezes consequências, como o abandono da escola, a restrição das oportunidades de
emprego no futuro, os riscos associados à gravidez e o possível abuso sexual ou físico por parte
dos parceiros, entre outras. 59 A gravidez precoce é uma causa determinante do nível elevado de
mortalidade materna no país.60

3.2.3 Órfãos e crianças separadas


Actualmente, muitas crianças continuam separadas das suas famílias e aproximadamente um
terço de todas as crianças até aos 14 anos de idade não vive com nenhum dos pais, sendo que
cerca de um terço destas crianças separadas é órfão. As crianças separadas dos seus familiares
são 7212, que se encontram nos 104 centros de acolhimento, e 415, que estão acolhidas por
mães tutelares.61 Embora os processos normais para colocação de crianças sejam limitados,
muitas crianças acabam por ficar a viver com familiares ou famílias de acolhimento, fazendo assim
com que tenham maior risco de sofrer situações de abuso ou privação, menor probabilidade de
frequentar a escola e maior probabilidade de ser envolvidas em trabalho infantil. Existe maior
probabilidade de as crianças separadas das suas famílias não terem um registo civil adequado e
ficarem sem lar.62

O fenómeno dos pais ausentes foi destacado por vários actores e parece ser um problema
crescente em Angola que chega diariamente ao Julgado de Menores, à Sala de Família e aos
serviços sociais. Os pais ausentes não proporcionam os recursos básicos à criança e à família.

3.2.4 Crianças acusadas de feitiçaria e crianças abandonadas


“A presença destrutiva de práticas tradicionais e acusações de feitiçaria e bruxaria contra crianças
faz com que as famílias se recusem a tratar delas.”63 Na verdade, as acusações de feitiçaria
têm causado muitas situações de abandono e de violência contra crianças.64 Estas acusações
são sustentadas pelo facto de as crianças serem bodes expiatórios fáceis para os problemas
familiares.65 Poucos dos intervenientes questionados explicam esta prática com o facto de as
famílias serem incapazes de tratar dos seus filhos e utilizarem esta acusação para se afastarem
do encargo de cuidar das crianças.66

57
Julia Sloth-Nielsen, “Assessing the Implementation of the Convention of the Rights of the Child in Lusophone Africa (Angola and Mozambique)” (Avaliação da Implementação da Convenção sobre os
Direitos da Criança na África Lusófona – Angola e Moçambique), África do Sul, University of the Western Cape, 2012, pág. 27; Departamento de Estado dos Estados Unidos, ‘‘2010 Human Rights Report: An-
gola’’ (Relatório sobre os Direitos Humanos 2010: Angola), 8 de Abril de 2011, pág. 36, disponível on-line em: http://www.state.gov/documents/organization/160519.pdf (último acesso a 21 de Março de 2016).
58
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015, pág. 111.
59
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015, pág. 22.
60
Departamento de Estado dos Estados Unidos, ‘‘2010 Human Rights Report: Angola’’ (Relatório sobre os Direitos Humanos 2010: Angola), 8 de Abril de 2011, pág. 36, disponível on-line em: http://www.state.
gov/documents/organization/160519.pdf (último acesso a 21 de Março de 2016).
61
Informação MINARS, Direcção Nacional da Criança.
62
UNICEF, Análise da Situação, Luanda, Angola, 2015.
63
Comité dos Direitos da Criança, Consideration of reports submitted by State parties under article 44 of the Convention. Concluding observations: Angola (Consideração dos relatórios entregues pelos
Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção. Observações Finais: Angola), 26/02/2010, CRC/C/AGO/2-4, pág. 104.
64
Parlamento Europeu, ‘‘Child witchcraft allegations and Human Rights’’ (Acusações de feitiçaria a crianças e os Direitos Humanos), 2013, pág. 18, disponível on-line em: http://www.europarl.europa.eu/
RegData/etudes/note/join/2013/433714/EXPO-DROI_NT(2013)433714_EN.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
65
Parlamento Europeu, ‘‘Child witchcraft allegations and Human Rights’’ (Acusações de feitiçaria a crianças e os Direitos Humanos), 2013, pág. 9, disponível on-line em: http://www.europarl.europa.eu/
RegData/etudes/note/join/2013/433714/EXPO-DROI_NT(2013)433714_EN.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
66
Parlamento Europeu, ‘‘Child witchcraft allegations and Human Rights’’ (Acusações de feitiçaria a crianças e os Direitos Humanos), 2013, pág. 18, disponível on-line em: http://www.europarl.europa.eu/
RegData/etudes/note/join/2013/433714/EXPO-DROI_NT(2013)433714_EN.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).

26
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Crianças com alguma deficiência física ou mental ou que revelem algum tipo de comportamento
invulgar são particularmente vulneráveis a serem vítimas destas acusações. Uma consequência
importante deste fenómeno é que as crianças são estigmatizadas, discriminadas, abandonadas,
magoadas ou mesmo mortas. São sujeitas a tortura e violência psicológica, sexual e física, tanto
por parte de familiares como de membros da comunidade ou de pastores da igreja ou curandeiros
que tentam “curá-las”. Com mais frequência, as crianças acusadas são abandonadas ou expulsas
pelos seus pais, ficando sem lar. 67

Em 2005, o Instituto Nacional da Criança (INAC) realizou um estudo com uma perspectiva
antropológica sobre “As consequências das acusações de feitiçaria a crianças em Angola”. Esta
investigação, que também recorre aos direitos das crianças como quadro de análise, “constituiu
um contributo importante para o estudo completo sobre a violência contra crianças que foi
apresentado ao Secretário Geral das Nações Unidas em 2006”.68

3.2.5 Crianças sem lar


As crianças em situação de rua são das mais vulneráveis em toda a sociedade. Embora os
números não estejam adequadamente documentados, muitas crianças estão identificadas como
estando em “situação de rua” em Angola, concentrando-se sobretudo, devido à urbanização,
em centros urbanos como Luanda.69 De acordo com um interveniente que trabalha de perto
com crianças em situação de rua há muitos anos, as suas ocupações principais são: lavar carros,
cuidar de parques de estacionamento, pedir esmola e engraxar sapatos, entre outras.

Alguns dos factores impulsionadores que aumentam o


número de crianças em situação de rua incluem: orfandade,
abandono, separação da família, deslocação de países
“A grande maioria dos casos (…) tem a ver
com danos corporais, causados por lutas, vizinhos, acusação de feitiçaria e abuso físico, moral e sexual
discussões entre crianças na escola, a no seio da família.70 As crianças em situação de rua estão
jogar à bola, etc. Às vezes estas discussões muito mais sujeitas a não ter registo do seu nascimento,
acabam em homicídio porque o menor agarra
uma garrafa de vidro ou uma faca e usa-a
a ser envolvidas em trabalhos forçados, a não ter acesso
no outro. Recebemos cerca de 15 a 20 casos a educação ou serviços de saúde, a entrar em conflito
relacionados com homicídios.” com a lei e/ou a ser vítima de abusos. Muitos rapazes
estão constantemente intoxicados com gasolina. Também
(Reunião bilateral com um interveniente,
existem problemas com álcool e liamba, mas a gasolina é
Novembro de 2015)
sem dúvida o principal. A exploração sexual também é um
problema que se verifica, mas muitas vezes não se revela
ou não se discute nas primeiras conversas. Acontece muitas
vezes entre rapazes. Segundo a opinião de um interveniente especializado no trabalho com
71

crianças em situação de rua, não parece existir uma indústria de exploração sexual de rapazes
sem lar, pois esta ocorre em espaços organizados (bordéis) e não propriamente na prostituição
de rua. É evidente que, se as raparigas não forem rapidamente retiradas das ruas, correm grande
perigo de serem recrutadas.

67
Parlamento Europeu, ‘‘Child witchcraft allegations and Human Rights’’ (Acusações de feitiçaria a crianças e os Direitos Humanos), 2013, pág. 11, disponível on-line em: http://www.europarl.europa.eu/
RegData/etudes/note/join/2013/433714/EXPO-DROI_NT(2013)433714_EN.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
68
Comité dos Direitos da Criança, Consideration of reports submitted by State parties under article 44 of the Convention. Concluding observations: Angola (Consideração dos relatórios entregues pelos
Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção. Observações Finais: Angola), 26/02/2010, CRC/C/AGO/2-4, pág. 10.
69
SOS Children’s Villages International (Aldeias SOS), ‘‘General information on Angola’’ (Informação geral sobre Angola), disponível on-line em: http://www.sos-childrensvillages.org/where-we-help/africa/
angola (último acesso a 12 de Maio de 2016).
70
Reunião bilateral entre IBCR e partes interessadas, Luanda, Angola, Abril de 2016.
71
Reunião bilateral entre IBCR e partes interessadas, Luanda, Angola, Abril de 2016.

27
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Um interveniente afirma que os principais problemas para as crianças em situação de rua são
as questões de saúde de todos os tipos. Esta é a sua maior preocupação. Outro interveniente,
por seu lado, declarou que um dos desafios mais significativos com que se deparam as crianças
em situação de rua é a violência policial. Nos últimos dois meses, em dois locais diferentes,
ocorreram rusgas policiais diárias em que os polícias agrediram fisicamente as crianças e as
prenderam. Depois de serem colocadas nas celas, têm de limpar as instalações. Algumas crianças
referiram ter sido agredidas, tendo depois sido libertadas. Nalguns casos, depois de agredidas e
detidas, são libertadas num local distante do centro. Este interveniente revelou que este tipo de
operação já acontecia antes, mas que ultimamente a sua frequência aumentou de modo súbito.
No último ano, quando Angola celebrou o 40.º Aniversário da Independência, houve indicações
claras para “limpar” as ruas. Autocarros cheios de crianças detidas nas ruas chegaram ao Centro
de Acolhimento de Crianças Arnold Janssen (CACAJ), tendo a polícia dado instruções para que
estas fossem cuidadas durante alguns dias.72

Segundo a percepção deste actor, a polícia não encara as crianças em situação de rua como
vítimas, mas sim como delinquentes e criminosos. Há mesmo relatos sobre pessoas que
passam na rua e são violentas para as crianças e para os funcionários que trabalham nas clínicas
móveis, recriminando a organização SAMU por ajudar estas crianças. Para outro interveniente,
as relações entre as crianças e a polícia são muito “complicadas”. Os rapazes em situação de
rua não possuem documentos, o que leva à sua detenção. Se mais de 10 rapazes se juntarem
na rua no mesmo local, muitas vezes a reacção da polícia é prendê-los.

3.3 Crianças em conflito com a lei

A sociedade angolana tem testemunhado um crescimento


da criminalidade nos últimos anos, com maior incidência
“Os piores crimes são perpetrados
por miúdos.” nas cidades e nos subúrbios (sobretudo nas províncias de
Luanda, Huíla e Benguela), embora também tenha sido
(Repetido por alguns intervenientes, considerável nas zonas rurais.73 Os serviços sociais e as
reuniões bilaterais, Luanda, Abril de 2016)
estruturas familiares foram destruídos durante o conflito,
deixando muitos jovens sem o apoio necessário para
atenuar a sua exposição aos vários riscos associados ao
crescimento num contexto de grandes desigualdades sociais, elevadas taxas de desemprego,
acesso limitado à educação, migração forçada e pobreza.74 De acordo com um interveniente, os
factores que mais se relacionam com comportamentos desviantes estão ligados a negligência
familiar, em particular a falta de acompanhamento.

As taxas crescentes de delitos perpetrados por adolescentes e o envolvimento de crianças


em actividades criminosas por intermédio de adultos foram comunicados pela maioria dos
intervenientes. Em 2009 registaram-se 1116 processos criminais, em comparação com 2000
em 2012, incluindo 500 apenas nos primeiros três meses. A faixa etária que mais se encontra
em conflito com a lei corresponde a crianças entre os 13 e os 15 anos de idade, com relatos
frequentes de assaltos e pequenos furtos (39% e 23%, respectivamente).75

71
Reunião bilateral entre IBCR e partes interessadas, Luanda, Angola, Abril de 2016.
72
Reunião bilateral entre IBCR e partes interessadas, Luanda, Angola, Abril de 2016.
73
UNICEF Angola, “Formative Evaluation of the Justice for Children System of Angola” (Avaliação formativa do sistema de justiça para crianças em Angola), 2015, Termos de Referência, pág. 4.
74
Análise da Situação das Crianças e Mulheres em Angola, UNICEF, 2015, pág. 108.
75
Registo de Nascimento e Justiça para Crianças em Angola, Governo de Angola/Representação da UE em Angola/UNICEF, 2014-2017, pág. 17.

28
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Também foram comunicados casos de agressões, violações e homicídios76. O mesmo


interveniente que referimos anteriormente revelou que os casos com que contacta estão, em
geral, relacionados com danos físicos causados por lutas e discussões entre crianças na escola.
É opinião consensual que a vasta maioria dos crimes é perpetrada por rapazes. As crianças
em conflito com a lei são vítimas da percepção negativa por parte da comunidade e mesmo
dos actores que trabalham no sistema de justiça juvenil, que se caracteriza por estereótipos e
estigma. Esta visão constitui um obstáculo crucial à reinserção social da criança que cometeu
um delito.

Só Luanda, em 18 províncias, tem um Tribunal específico para crianças. Nas províncias onde
não existe nenhum tribunal especializado para menores de idade, os rapazes e raparigas que
são detidos ficam por vezes nas mesmas instalações que os adultos, onde estão expostos a
violência física e maus-tratos.77 Devido à extrema falta de alternativas à prisão para adultos para
efeitos de internamento, reabilitação e reinserção da criança,78 grande parte dos jovens que
cometem delitos (90%) é enviada de novo para junto das suas famílias, sem qualquer tipo de
apoio ou supervisão.

Tabela 2: Exemplos de desafios que as crianças enfrentam em Angola

Violações dos direitos Informação

Falta de registo de • 31% das crianças menores de 5 anos de idade foram registadas à nascença.
nascimento • As taxas de registo de nascimento são semelhantes nas zonas urbanas e rurais (33% vs.
29%) mas, diferem entre as porções mais ricas e mais pobres da sociedade (43% vs. 27%)

Casamento e gravidez • 1% das raparigas entre 12 e 14 anos e 20% das raparigas dos 15 aos 19 anos já
precoce casaram.
• 7% das raparigas entre 12 e 14 anos e 55% das raparigas dos 15 aos 19 anos já tiveram
o primeiro filho.
• 15% das raparigas entre 15 e 17 anos referiu a gravidez como o motivo para terem saído
da escola.

Trabalho Infantil (2011) • 30% das crianças entre 10 e 17 anos estão envolvidas em trabalho infantil (Zonas
urbanas: 9%; Zonas rurais: 32%).

Tráfico e exploração • As crianças são vítimas de tráfico para trabalhos forçados e exploração sexual.
sexual de crianças • Embora não existam números exactos, o fenómeno tem sido amplamente relatado.

Crianças órfãs, separadas • 66% das crianças vive com ambos os pais.
e não acompanhadas • 12% das crianças não vive com nenhum dos pais (embora ambos possam estar vivos).
(2008-2009) • 21% das crianças só vive com um dos pais (na maioria, com a mãe).
• 9,5% são órfãos de um ou dos dois progenitores. 74% dos órfãos de pai e mãe entre 10
e 14 anos andam na escola.

76
Comissão Europeia, ‘‘Action Fiche of the Commission Decision on the Annual Action Programme 2013 in favour of the Republic of Angola to be financed from the 10th European Development Fund – Project
to support the Government of Angola to define and implement an effective policy for Social Protection and Social Solidarity’’ (Quadro de Acção da Decisão da Comissão relativamente ao Programa de
Acção Anual para 2013 a favor de a República de Angola ser financiada pelo 10.º Fundo Europeu de Desenvolvimento – Projecto para apoiar o Governo de Angola na definição e implementação de uma
política eficaz de Protecção Social e Solidariedade Social), 23 de Julho de 2013, págs. 18-19, disponível on-line em: https://ec.europa.eu/europeaid/sites/devco/files/aap-social-protection-angola-action-
-fiche-20130723_en.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
77
Human Rights Watch, ‘‘If you come back we will kill you’’ (Se voltares, matamos-te), 2012, disponível on-line em: https://www.hrw.org/report/2012/05/20/if-you-come-back-we-will-kill-you/sexual-violence-
-and-other-abuses-against (último acesso a 12 de Maio de 2016).
78
UNICRI, ‘‘Programme on Strengthening the Rights of Children and Youth in Angola’’ (Programa para Reforço dos Direitos das Crianças e dos Jovens em Angola), disponível on-line em: http://www.unicri.
it/topics/juvenile_justice/angola/ (último acesso a 12 de Maio de 2016)

29
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

30
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

IV – PRINCIPAIS CONCLUSÕES

O quadro institucional que se relaciona com a protecção infantil e a promoção dos direitos das
crianças inclui o enquadramento legal e as instituições estabelecidas para assegurar a execução
das leis. O direito a ter acesso à justiça refere-se ao direito dos menores de idade a medidas
justas, rápidas e eficazes de protecção dos seus direitos, prevenção ou resolução de disputas e
controlo do abuso de poder através de processos transparentes, acessíveis e responsáveis. A
eficácia destes direitos começa na relevância do enquadramento legal e das políticas e medidas
efectivamente executadas para o implementar. Esta secção analisa se o enquadramento legal e
institucional nacional relacionado com a justiça para as crianças é relevante (ou está de acordo
com as normas e leis internacionais) e eficaz para proteger todas as crianças em contacto com
a lei.

4.1 Relevância do enquadramento legal

• Em que medida é relevante a legislação actual que regula a justiça para as crianças?
• Em que medida é aplicável a legislação actual que regula a justiça para as crianças (juntamente com indicação da
legislação que deve ser revista e nova legislação a ser criada)?

A revisão documental demonstra que o Governo de Angola fez esforços significativos ao longo
das últimas duas décadas para conciliar o seu enquadramento legal com as normas internacionais
no sentido de reforçar o sistema de justiça para crianças.

4.1.1 Enquadramento legal


O enquadramento legal inclui80:
• Leis internacionais ratificadas pelo Governo de Angola
• Leis nacionais

A nível internacional, existem 34 tratados


internacionais relacionados com os direitos
das crianças81. Como complemento para os Conformidade
instrumentos legais internacionais, existem, ainda, com as normas internacionais
normas e directrizes para assistir os Estados
Membros a executar as disposições das leis.

80
Informação mais detalhada sobre as leis nacionais está incluída no Anexo XI.
81
Os 34 tratados mais relevantes relacionados com os direitos da criança são apresentados na tabela do Anexo VI.

31
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Ao longo dos anos, foi desenvolvido um conjunto cada vez mais completo de normas referente
ao tratamento das crianças que entram em contacto com o sistema judicial, seja porque
cometeram um crime, seja porque foram vítimas e testemunhas de crimes. As principais normas
internacionais encontram-se retratadas nos seguintes instrumentos:82

• Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de
Pequim) (1985)83
• Regras Mínimas das Nações Unidas para Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de
Tóquio) (1990)84
• Directrizes das Nações Unidas para a Prevenção de Delinquência Juvenil (Directrizes de
Riade) (1990)85
• Regras Mínimas das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade
(Regras de Havana) (1990)86
• Directrizes das Nações Unidas para a Acção sobre Crianças no Sistema de Justiça Penal
(Regras de Viena)87
• Directrizes sobre Justiça nos Processos que envolvem Crianças Vítimas e Testemunhas de
Crimes (2005)88
• Regras das Nações Unidas para o Tratamento das Reclusas e Medidas Não Privativas de
Liberdade para Mulheres Infractoras89
• Versão Actualizada das Estratégias-Modelo e Medidas Práticas para a Eliminação da Violência
contra Mulheres no Campo da Prevenção de Crimes e Justiça Penal90
• Princípios e Directrizes das Nações Unidas sobre o Acesso a Assistência Jurídica em Sistemas
de Justiça Penal91

Angola faz parte de 18 dos 34 tratados mais relevantes relacionados com os direitos da criança,
quer por ratificação quer por adesão. De acordo com a Constituição nacional, estes instrumentos
fazem parte do enquadramento legal do país.

82
Uma breve descrição do teor destas normas está disponível no Anexo VIII.
83
Deliberação 40/33, anexo.
84
Deliberação 45/110, anexo.
85
Deliberação 45/112, anexo.
86
Deliberação 45/113, anexo.
87
Deliberação Económica e Social 1997/30, anexo.
88
Deliberação do Conselho Económico e Social 2005/20, anexo.
89
Deliberação 65/229, anexo.
90
Deliberação 65/228, anexo.
91
Deliberação 67/187, anexo.

32
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

A tabela abaixo apresenta o panorama dos tratados internacionais que Angola ratificou ou aos
quais aderiu.

Tabela 3: Tratados com Ratificação ou Adesão por parte de Angola

Nome do instrumento Categoria Data da acção


em Angola92
1. Convenção sobre os Direitos da Criança93 Ratificação 5 de Dezembro de 1990

2. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Adesão 11 de Outubro de 2007
Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados

3. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Adesão 24 de Março de 2005
Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil

4. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Adesão 10 de Janeiro de 1992

5. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Adesão 10 de Janeiro de 1992
Políticos
6. Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais Adesão 10 de Janeiro de 1992

7. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Adesão 17 de Setembro de 1986
as Mulheres
8. Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas Adesão 1 de Novembro de 2007
de Discriminação contra as Mulheres
9. Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência Adesão 19 de Maio de 2014

10. Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência Adesão 2014

11. Convenção das Nações Unidas sobre a Responsabilidade Social Corporativa Adesão 23 de Junho de 1981

12. Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados Adesão 23 de Junho de 1981

13. Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Adesão 19 de Setembro de 2014
de Mulheres e Crianças, como Suplemento à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional
14. OIT: Convenção relativa à Idade Mínima, 1973 (n.º 138) Ratificação 13 de Junho de 2001

15. OIT: Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999 (n.º 182) Ratificação 13 de Junho de 2001

16. Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Ratificação 5 de Julho de 2002
Transferência de Minas Terrestres e sobre a sua Destruição

17. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados Adesão 23 de Junho de 1981

18. Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 Adesão 20 de Setembro de 1984
relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Não-Internacionais
(Protocolo I)

92
Ratificação: O Estado demonstra o consentimento em ficar vinculado por um tratado. Adesão: O Estado aceita a oferta ou oportunidade de se tornar parte de um tratado que já foi negociado e assinado
por outros Estados. Tem o mesmo efeito legal da ratificação. (Fonte: Glossário de Termos https://treaties.un.org/Pages/Overview.aspx?path=overview/glossary/page1_en.xml#accession)
93
O Governo entregou dois relatórios de Estado ao Comité dos Direitos da Criança, nenhum dos quais se referia aos seus protocolos facultativos. O primeiro relatório, a entregar em 1993, foi entregue em
2004, e o segundo, terceiro e quarto foram entregues em conjunto como um único relatório em 2010. O prazo para o quinto relatório era Outubro de 2015, mas este ainda não foi entregue.

33
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

O reconhecimento por parte do Estado angolano de diversos tratados internacionais é, sem


dúvida, uma acção que deve ser assinalada. Dito isto, devemos contentar-nos com um copo
que pode estar meio cheio ou meio vazio? Com 18 ratificações/adesões, o país está à frente
de países como o Sudão do Sul, mas vai ficando para trás em comparação com vários países
da sub-região, como por exemplo a República Democrática do Congo, a Zâmbia, o Zimbabué,
Moçambique e a África do Sul.

Tabela 4: Quadro de comparação com a Ratificação por parte de Países vizinhos na África Subsariana

Sudão do Sul Angola R. D. Congo Zâmbia Zimbabué Moçambique Namíbia África do Sul

10 18 20 20 21 22 22 29

Uma análise aprofundada do enquadramento legal demonstra que sete tratados ainda estão na
fase de assinatura94, incluindo a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes assinada pelo Governo em Setembro de 2013. Outros não
foram alvo de qualquer tipo de acção, como a Convenção sobre o Consentimento para Casamento,
Idade Mínima para Casamento e Registo dos Casamentos, a Convenção para a Supressão do
Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, a Convenção Internacional sobre
a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Seus Familiares e o terceiro
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Instituição de um
Procedimento de Comunicação. A tabela abaixo apresenta os instrumentos que foram assinados
mas, não tiveram acções subsequentes e aqueles relativamente aos quais o Governo ainda não
tomou nenhuma medida.

Tabela 5: Tratados assinados e sem medidas tomadas

ASSINADO

Nome do tratado Categoria em Data da acção


Angola (se se aplicar)
1- Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial Assinado 24 / 9 / 2006

2- Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e


Políticos, com vista à abolição da pena de morte Assinado 24 / 9/ 2013

3- Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos


ou Degradantes Assinado 24 / 9/ 2013

4- Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou


Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes Assinado 24 / 9/ 2013

5- Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os


Desaparecimentos Forçados Assinado 24 / 9 / 2014

6- Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Assinado 7 / 10 / 1998

7- Convenção sobre as Munições de Fragmentação Assinado 3 / 12 / 2008

94
Assinatura: Significa que o Estado expressou a sua vontade de dar continuidade ao processo de elaboração do tratado, mas ainda não expressou o seu consentimento em ficar vinculado por ele.

34
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Nome do tratado Condição em Angola


8- Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Instituição de
um Procedimento de Comunicação SEM QUALQUER MEDIDA

9- Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores


Migrantes e Seus Familiares SEM QUALQUER MEDIDA

10- Convenção para a Redução dos casos de Apatridia


SEM QUALQUER MEDIDA

11- Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de


Outrem SEM QUALQUER MEDIDA

12- Convenção de Haia de 1993 relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em


Matéria de Adopção Internacional SEM QUALQUER MEDIDA

13- Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças SEM QUALQUER MEDIDA

14- Convenção sobre o Consentimento para Casamento, Idade Mínima para Casamento e
SEM QUALQUER MEDIDA
Registo dos Casamentos
15- Convenção contra a Discriminação na Educação SEM QUALQUER MEDIDA

16- Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à


SEM QUALQUER MEDIDA
Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Não-Internacionais (Protocolo II)

Ao ratificarem ou aderirem aos instrumentos internacionais relacionados com a infância, que os


forçam a implementar as normas nas suas leis internas, os Estados reafirmam o seu compromisso
para com a protecção da criança. Apesar de existirem muitos esforços entusiasmantes que
devem ser destacados, há ainda muito mais que se pode fazer para colmatar as lacunas que
ainda se verificam nos direitos das crianças em Angola, como por exemplo a necessidade de
ratificar os instrumentos legais internacionais que ainda estão em falta na legislação.

Não será preciso referir que a existência de um enquadramento legal em conformidade com
as normas internacionais não é o único indicador de um sistema jurídico sensível aos direitos
das crianças. Porém, este enquadramento constitui uma base essencial para o progresso dos
direitos humanos a nível local. Desta forma, a adopção de leis de protecção da criança por um
Estado permite-nos avaliar se este será ou não capaz de tornar reais esses direitos fundamentais
na sua administração, a curto, médio e longo prazo.

A nível nacional, as leis mais importantes relacionadas com a justiça para crianças em Angola são
as seguintes:

- Constituição da República de Angola (CRA)95


- Lei sobre a Protecção e o Desenvolvimento Integral da Criança (Lei da Criança)
- Lei do Julgado de Menores

95
A terceira Constituição foi instituída em Janeiro de 2010. A primeira Constituição Angolana é de 1975 e a segunda de 1992.

35
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

- Código de Processo do Julgado de Menores


- Código Penal
- Código da Família
- Lei contra a Violência Doméstica
- Código Civil
- Lei Geral do Trabalho
- Deliberação n.º 7/2000 de 25 de Fevereiro da Comissão Permanente do Conselho de
Ministros96

Uma visão global das principais leis em vigor demonstra que nos últimos anos foram tomadas
medidas importantes para consolidar a conformidade das leis nacionais com as normas
internacionais no que se refere aos direitos da criança.97 A Constituição declara que qualquer
tratado internacional ratificado pelo Estado tem de ser utilizado no sentido de interpretar e pôr
em prática direitos fundamentais.98 Nas suas Considerações acerca do terceiro relatório entregue
pelo Governo de Angola em 2010, o Comité dos Direitos da Criança destacou o seguinte:99

“A legislação nacional está claramente a ficar em conformidade com os instrumentos legais


internacionais referentes à infância, e as discrepâncias estão a ser solucionadas no processo de
reforma em curso. De acordo com os parâmetros de protecção internacionais e o cumprimento
das recomendações do Comité, o Sistema de Protecção Integral para as crianças na justiça em
Angola foi desenvolvido no Sistema de Administração da Justiça Juvenil. O sistema jurídico
angolano contém alguns regulamentos que definem disposições mais favoráveis para os direitos
da criança, com vários tipos de resposta a violações dos direitos estabelecidos na Convenção,
incluindo o uso do Julgado de Menores, geralmente através dos seus representantes ou do
Gabinete do Procurador e, nalguns casos, estes representam-se a si próprios.”100 .

Está para além do âmbito deste estudo analisar individualmente cada acto legislativo. Assim,
este relatório referir-se-á às leis essenciais que constituem a base do quadro jurídico relativo à
justiça para crianças em Angola.

É importante destacar a Constituição e a Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral


da Criança (Lei da Criança) enquanto fontes principais do país para a promoção e protecção dos
direitos das crianças. Devido ao seu estatuto, estes textos abrangem todas as outras leis em
termos de disposições e princípios. Sendo a Constituição a Lei Suprema em Angola, as outras
leis gerais ou específicas têm de estar de acordo com os seus princípios. Assim, é num contexto
de supremacia da Constituição que o Governo também tem o dever de assegurar que todas as
leis em vigor no país estejam em harmonia com as disposições e os princípios constitucionais.101

De acordo com a lei suprema da República de Angola, “as crianças são a absoluta prioridade”. Este
princípio tem várias implicações práticas e constitucionais para os legisladores e as instituições.
96
A Deliberação fornece um enquadramento legal para as decisões que dizem respeito à restrição da liberdade dos menores.
97
O Anexo XIX apresenta uma tabela que resume a forma como as leis nacionais integraram os princípios internacionais.
98
República de Angola, Lei Constitucional, art.º 26.
99
No Anexo IX encontra-se uma tabela comparativa que indica as observações e recomendações do Comité em 2004 e 2010 sobre a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança.
100
Comité dos Direitos da Criança, Consideration of reports submitted by State parties under article 44 of the Convention – Consolidated second, third and fourth periodic reports of State parties due in 2008
(Consideração dos relatórios entregues pelos Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção – Segundo, terceiro e quarto relatórios periódicos de Estados Membros a entregar em 2008),
Angola, CRC/C/AGO/2-4, 26 de Fevereiro de 2010, pág. 8.
101
Além disso, a Constituição estabelece que, depois de serem ratificados, os instrumentos internacionais tornam-se parte do enquadramento legal interno e passam a servir como orientação e fonte de
inspiração para a adopção e implementação de novas leis, princípios e normas referentes à protecção da infância a vários níveis da administração pública.

36
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Uma nova leitura da Constituição da República de Angola revela que muitas das suas deliberações
têm em conta a protecção de crianças e jovens. A lei estabelece o seu direito a usufruir de
protecção especial por parte da família, do Estado e da sociedade para o seu desenvolvimento.102
A lei também inclui disposições específicas relativamente aos direitos de qualquer pessoa que
seja detida ou presa, como o direito a ser informada do motivo da detenção e a não ser detida
arbitrariamente, o direito a falar com um advogado antes de prestar qualquer declaração, o direito
a ser julgada pelas instâncias competentes num prazo razoável e o direito a permanecer em
silêncio após a detenção.103

Uma das medidas cruciais, por parte do Governo de Angola, para reforçar o seu enquadramento
legal no que diz respeito à protecção das crianças é seguramente a adopção da Lei da Criança.
Em 2012, o Governo analisou a sua legislação com base nos direitos das crianças e decretou
uma nova lei dominante especificamente dedicada à promoção e protecção dos direitos das
crianças. De acordo com Julia Sloth-Nielsen e Aquinaldo Mandlate, a Lei pretende ser o primeiro
instrumento no quadro normativo interno de Angola que estabelece as normas para promover
e proteger os direitos das crianças.104 Esta refere explicitamente a defesa tanto da CDC como
da Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança (CADBEC). Enquanto enquadramento,
a Lei da Criança é também uma lei de interpretação concebida para orientar a aplicação de
outros regulamentos referentes a questões de protecção da infância. Esta especifica múltiplos
aspectos dos direitos políticos e socioeconómicos das crianças e descreve a responsabilidade do
Governo no cumprimento desses direitos.

O preâmbulo da Lei da Criança realça a obrigação do Estado e todas as outras pessoas de contribuir
para a eficácia da lei da criança, fazendo explicitamente referência aos 11 Compromissos para a
sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção das crianças105 e para a realização dos direitos
das crianças conforme identificados pelo Estado e seus parceiros. Os Compromissos, que se
baseiam na CDC106 e nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), tiveram origem no
Terceiro Fórum Nacional sobre a Criança que se realizou em Luanda em Junho de 2007, tendo
sido desenvolvidos em conjunto entre o Governo de Angola, as Nações Unidas e organizações da
sociedade civil (OSC). Os Compromissos foram adoptados através de uma resolução ministerial
em 2007, possuem “força de lei” e “aplicam-se em todas as áreas dos direitos da criança – áreas
civil, política, social e económica – e também no ambiente familiar”.107 Os 11 Compromissos
tornaram-se a base de todos os programas para a infância desenvolvidos pelo Governo e pelas
OSC, influenciando muitas leis nacionais posteriores
relacionadas com as crianças. Além disso, parecem
ser amplamente conhecidos pelas partes interessadas
com as quais houve reuniões no terreno, sendo que a
«Os 11 Compromissos são uma forma
maioria informou que está a utilizar os Compromissos no de o Estado pensar a nível nacional e agir a
estabelecimento dos seus programas. Em conclusão, é nível local»
importante realçar que a inclusão dos 11 Compromissos
num documento legal acarreta vantagens concretas para (Delegação de Angola na 55.ª Sessão do
as possibilidades de promoção dos direitos das crianças Comité dos Direitos da Criança)
através de acções orçamentais em Angola. 108

102
República de Angola, Lei Constitucional, art.º 30.
103
Ibid, Art.º 63.
104
Ibid, pág. 42.
105
Estes Compromissos foram comunicados pela primeira vez em 2007, no Fórum Nacional sobre a Criança. O Governo definiu objectivos mensuráveis e prazos para alcançar estes Compromissos; Delibe-
ração n.º 5/08 de 18 de Janeiro de 2008.
106
A Lei da Criança também inclui três dos quatro princípios essenciais da CDC, que são: 1) o superior interesse da criança; 2) não-discriminação; e 3) vida, sobrevivência e desenvolvimento da criança.
107
Julia Sloth-Nielsen e Aquinaldo Mandlate, “A preliminary appraisal of the normative gains for children’s rights in the Angolan Children’s Act” (Avaliação preliminar dos benefícios normativos para os
Direitos da Criança contidos na Lei da Criança Angolana), Lei 25/12 de 22 de Agosto de 2012, pág. 45.
108
Ibid, pág. 47.

37
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Este exercício centra-se sobretudo nos Compromissos números 3 (Registo de Nascimento),


6 (Justiça Juvenil) e 8 (Prevenção e Combate à Violência contra a Criança). Contudo, todos os
Compromissos e interacções no seio de cada indicador têm um papel fundamental na situação
da criança e, assim, têm de ser considerados. A tabela abaixo apresenta os três Compromissos
relevantes e os respectivos objectivos conforme definidos no Terceiro Fórum Nacional.109

Tabela 6: Os Compromissos 3, 6 e 8

Compro- Matéria Objectivos 110

misso

3 Registo • Desenvolver medidas para facilitar e estimular o registo de nascimento, incluindo o registo
de nascimento gratuito de crianças menores de 5 anos, e alargar os serviços a nível local, para garantir
que as crianças angolanas dispõem de acesso incondicional à cidadania imediatamente
após o seu nascimento.
• Continuar o processo de institucionalização do registo civil nas maternidades e
administrações dos municípios e comunas
• Proporcionar formação e recursos aos colaboradores envolvidos no processo de registo
• Reforçar as constantes campanhas de sensibilização e mobilização para alargar a prática
de registo civil após o nascimento
• Implementar o sistema nacional de base de dados de registo de nascimentos
• Aumentar a criação, consolidação e expansão de redes de protecção da criança

6 Justiça • Consolidar os objectivos alcançados em termos de legislação e redes de serviços para


juvenil assegurar os direitos de crianças e adolescentes vítimas de crime
• Reforçar o progresso com o Julgado de Menores enquanto órgão judicial responsável por
implementar um modelo apropriado de justiça penal juvenil para adolescentes em conflito
com a lei

8 Prevenir e • Adoptar políticas, legislação e medidas educativas relevantes e criar mecanismos de


mitigar coordenação multissectorial para prevenir e combater todas as formas de violência
a violência contra • Foi adoptado pelo Governo de Angola o Plano Nacional de Acção para combater o abuso
crianças sexual de menores, que será adaptado ao contexto local. Serão criados mecanismos para
identificar e condenar os autores de crimes e para proteger e apoiar a reinserção das
vítimas.
• Adoptar e implementar a Estratégia Nacional de Prevenção e Mitigação da Violência contra
as Crianças de acordo com as cinco áreas previstas:
• Negligência, abuso, violência física e psicológica e discriminação
• Tráfico
• Instrumentalização
• Trabalho infantil
• Exploração sexual de menores
• Adoptar e ratificar o Protocolo de Palermo sobre o tráfico humano, essencialmente de
mulheres e crianças
• Alargar e consolidar o papel das redes de protecção da criança como mecanismo de
articulação, conciliação e mediação para proteger as crianças da violência

109
O Anexo XIII apresenta uma tabela com os 11 Compromissos e respectivos objectivos.
110
Fórum Nacional sobre a Criança, Commitments between the Government, the UN System and partners regarding children in Angola – Children! The absolute priority (Compromissos entre o Governo, as
Nações Unidas e os parceiros relativamente às crianças em Angola – As crianças! A prioridade absoluta), Conselho Nacional da Criança – III Fórum Nacional sobre a Criança, República de Angola, UNICEF,
Angola 2007.

38
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

A adopção da Lei do Julgado de Menores e do seu código de processo assinala outro ponto
de viragem no contexto legislativo em Angola. Esta criou a primeira jurisdição especializada para
crianças em contacto com a lei e garante a administração da justiça juvenil em Angola.111 Esta
legislação identifica os parâmetros legais e processuais da jurisdição sobre crianças em risco,
crianças vítimas e crianças em conflito com a lei. Integra ainda medidas alternativas sociais de
prevenção e protecção que serão colocadas ao dispor da criança pelo Julgado de Menores.112

É igualmente importante referir que alguns princípios relacionados com os principais padrões
mínimos de justiça para as crianças foram explicitamente integrados nas leis actuais. Os
seguintes são bons exemplos disto: a referência à CDC e os dois Protocolos Facultativos de que
é membro, bem como os instrumentos internacionais das Regras de Havana e as Directrizes
de Riade no preâmbulo do Código de Processo do Julgado de Menores reproduzido no manual
de Maria do Carmo Medina, “Lei do Julgado de Menores e Código de Processo do Julgado de
Menores”.113 O preâmbulo refere que: “Neste diploma, tiveram-se em conta os princípios de
direito internacional que garantem a protecção dos direitos do menor como sujeito de direito e
que definem as normas que lhe são aplicáveis quando aparece perante os tribunais e no decorrer
das medidas impostas; reconhece-se a necessidade de que a justiça de menores seja uma
justiça rápida e flexível, adequada às circunstâncias concretas de cada caso, sem embargo de se
acautelarem as garantias processuais e de instrução, para que ela seja aplicada de forma criteriosa
e aprofundada”.114. Esta frase é especialmente importante porque o manual foi citado inúmeras
vezes pelos actores com quem houve reuniões no terreno. Na verdade, todos os intervenientes
entrevistados demonstraram ter orgulho nesta lei, destacando que é completa, está adaptada ao
contexto angolano, promove uma abordagem educativa para as crianças em conflito com a lei e
está em conformidade com as normas internacionais.115 Um dos intervenientes mencionou que
era uma “lei ideal”.

Apesar da relevância global da lei, uma análise mais aprofundada revela que persistem lacunas
importantes que deveriam ser colmatadas para tornar as leis consistentes entre si e coerentes
com as normas internacionais e da Constituição, sobretudo nos seguintes campos:

• Participação da criança
• Proibição de todas as formas de violência contra crianças
• Maioridade penal
• Idade mínima para casar
• Idade legal para consentimento sexual

4.1.1.1 Participação da criança


A participação constitui um direito fundamental de todas as crianças. Isto significa que as crianças,
consoante a sua maturidade, têm a oportunidade de dar a opinião relativamente a situações e
decisões que lhes dizem respeito. Este princípio também implica que a criança em conflito com
a lei terá o direito de dar (ou não dar) a sua versão dos acontecimentos. Em contexto judicial ou
não judicial, a participação da criança contribuirá para uma tomada de decisão em conformidade
com o seu superior interesse.
111
Através do esforço conjunto entre a Dr.ª Maria do Carmo Medina, o Instituto Inter-Regional das Nações Unidas de Investigação em Matéria de Crime e Justiça (UNICRI), a União Europeia (UE) e o UNICEF
Angola, a Lei do Julgado de Menores e respectivo Código de Processo foram adoptados em Abril de 1996.
112
Mais detalhes sobre esta lei estão disponíveis nos Anexos XI e XII.
113
Medina, Maria do Carmo, “Lei do Julgado de Menores, Código de processo do Julgado de Menores, Anotados, Legislação complementar ”, 2.ª Edição, Colecção Faculdade de Direito UAN, Luanda, 2008.
114
Medina, Maria do Carmo, “Lei do Julgado de Menores, Código de processo do Julgado de Menores, Anotados, Legislação complementar”, 2.ª Edição, Colecção Faculdade de Direito UAN, Luanda, 2008,
pág. 85.
115
Reuniões bilaterais, Março de 2016.

39
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Em Angola, tradicionalmente, seja na comunidade em geral ou na família, o fomento e o respeito


dos pontos de vista da criança nem sempre são bem-vindos. O menor é visto como uma pessoa
que está ao serviço dos adultos e que é incapaz de ter um ponto de vista próprio, seja no círculo
familiar, na escola ou na sociedade. Esta percepção é ainda mais acentuada relativamente às
raparigas, que são confrontadas com mais desafios relacionados com estereótipos de género. De
acordo com vários intervenientes, quando se dirige a um adulto, uma criança “bem-comportada”
deve estar sossegada e obedecer. Geralmente a puberdade assinala a transição para a idade
adulta, que é também a altura em que se considera que as raparigas e os rapazes se começam
a emancipar e a ter direito à liberdade de expressão.

O Código de Família e o Código Penal contêm disposições que regulamentam o direito das
crianças a depor em casos civis ou criminais (a partir dos sete anos de idade), a ser interrogadas
em tribunal (a partir dos 10 anos de idade), a escolher um advogado (aos 16 anos), etc. Contudo,
este princípio não está incluído explicitamente na Lei da Criança, que encara de forma muito
peculiar a participação das crianças na sociedade. Na verdade, ao confirmar o texto, a participação
da criança parece estar mais associada a um dever do que a um direito.

4.1.1.2 Proibição de todas as formas de violência, negligência, exploração e abuso


A violência contra as crianças é um problema marcante em Angola,116 sobretudo para as mais
vulneráveis, como por exemplo as crianças portadoras de deficiência, crianças sob custódia,
crianças em situação de rua e órfãos. As Estratégias-Modelo e Medidas Práticas das Nações
Unidas para a Eliminação da Violência contra Crianças no Campo da Prevenção de Crimes e
Justiça Penal (“o Modelo”) definem violência como “todas as formas de violência física ou
psicológica, abuso, negligência ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, incluindo
abusos sexuais”.117 O Modelo proíbe a violência contra as crianças e sugere que os Estados
devem “dar início à prevenção pró-activa da violência e à proibição explícita de todas as formas
de violência”.118 A Constituição e a Lei da Criança têm várias disposições relevantes que visam
proteger as crianças de situações de violência, abuso e maus-tratos. A Lei do Julgado de
Menores contém uma lista de oito comportamentos que constituem infracções dos deveres de
protecção por parte dos adultos e das sanções aplicadas se estes deveres não forem plenamente
respeitados.119

Tanto as crianças em conflito com a lei como as crianças vítimas que foram entrevistadas
(incluindo crianças em situação de rua) referiram ter sido objecto de violência na família, na escola,
na comunidade ou sob detenção. Em 2004, e novamente em 2010, o Comité das Nações Unidas
destacou a utilização comum dos castigos corporais, tendo recomendado que a lei proibisse de
forma explícita todos os tipos de violência contra crianças, incluindo quando aplicada por pais
e outros cuidadores. No âmbito do Compromisso 8, que visa especificamente a “Prevenção
e Combate à Violência contra a Criança”, foram realizadas pelo Governo e pela sociedade civil
várias campanhas para prevenir e combater o fenómeno desde o fim da guerra em 2002.

116
Análise de Situação – Crianças e Mulheres em Angola, UNICEF, 2015, 146 páginas.
117
Estratégias-Modelo e Medidas Práticas das Nações Unidas para a Eliminação da Violência contra Crianças no Campo da Prevenção de Crimes e Justiça Penal, Deliberação 69/194, adoptadas pela
Assembleia Geral a 18 de Dezembro de 2014, A/RES/69/194, pág. 7.
118
Ibid, pág. 8.
119
Lei do Julgado de Menores, art.º 18 e art.º 59 a 66 – consultar a lista de comportamentos no Anexo XII.
120
República de Angola, Código de Família (Lei n.º 1/88), Lei contra a Violência Doméstica (Lei 25/11), Código do Trabalho.

40
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Enquanto as leis recentes elaboraram disposições que condenam a violência contra crianças,120
o enquadramento legal continua a não ser claro quanto à problemática dos castigos corporais. o
enquadramento legal continua a não ser claro quanto à problemática dos castigos corporais. Por
exemplo, a Lei da Criança proíbe todas as formas de “tratamento negligente, discriminatório,
violento ou cruel”,121 mas também menciona a igualdade de capacidade de ambos os pais para
utilizar os seus “poderes parentais” sobre a criança.122 De acordo com Julia Sloth-Nielsen, a
referência a poderes paternais (em detrimento da noção moderna de responsabilidades e direitos
parentais) faz aumentar os receios de um regresso a uma concepção antiquada da autoridade
parental que inclui o direito a castigos físicos.123 Além disso, a Constituição, a Lei da Criança, o
Código Penal e a Lei contra a Violência Doméstica não proíbem explicitamente todas as formas
de castigo corporal.124.

A Lei da Criança indica que: “Com a salvaguarda do direito ao respeito à dignidade e integridade,
física, psíquica e moral, a criança tem direito a ser orientada e disciplinada em função da sua
idade, condição física e mental, não sendo justificável nenhuma medida correctiva se, em razão
da sua tenra idade ou por outras razões, a criança for incapaz de compreender o propósito da
medida.”125 De acordo com a segunda parte deste artigo, apenas a capacidade da criança de
“compreender o propósito da medida” parece traçar o limite legal da “medida correctiva”, sendo
que a lei não presta mais nenhum esclarecimento sobre o seu conteúdo. O alcance da proibição
geral de “tratamento negligente, discriminatório, violento ou cruel” será reduzido se a criança
“compreender o propósito da medida correctiva”?

Em conformidade com o Compromisso n.º 8, relativo à prevenção e combate à violência contra a


criança, deverá integrar-se nas leis relevantes actuais uma definição clara e completa da violência
contra crianças e disposições explícitas que proíbam todas as formas de violência contra crianças,
incluindo os castigos corporais no seio da família, nas escolas, na assistência e nas instituições
envolvidas no sistema de justiça para crianças. Esta reforma deverá ser feita assegurando
simultaneamente a completa harmonia entre as várias leis relevantes. O Comentário Geral n.º
8 do Comité sobre “O direito da criança à protecção contra castigos corporais e outras formas
cruéis ou degradantes de punição”126 compreende as medidas e os mecanismos necessários
para ajudar os Estados-Membros a eliminar qualquer justificação implícita do castigo corporal no
seu quadro normativo. Estas medidas incluem resoluções adicionais no enquadramento relevante
e nas leis gerais, bem como artigos específicos nas leis sectoriais. O enquadramento legal tem
de assegurar que “enquanto todas as situações comunicadas de violência contra crianças [têm
de] ser adequadamente investigadas assegurando a sua protecção contra danos significativos,
o objectivo deve ser fazer com que os pais [e outros adultos, sobretudo os que se encontram
em posição de autoridade] parem de usar castigos violentos, cruéis e degradantes, através de
intervenções que apoiem e eduquem, em vez de punir”.127

Da mesma maneira, as disposições contidas na Constituição relativas à protecção contra


“abusos de autoridade”,128 “qualquer forma de violência por parte de entidades públicas ou

122
Ibid, art.º 24.
123
Julia Sloth-Nielsen, A preliminary appraisal of the normative gains for children’s rights in the Angolan Children’s Act (Avaliação preliminar dos benefícios normativos para os Direitos da Criança contidos
na Lei da Criança Angolana), Lei 25/12 de 22 de Agosto de 2012, pág. 52.
124
A Lei contra a Violência Doméstica só proíbe os castigos que tenham um determinado nível de gravidade.
125
República de Angola, Lei da Criança, 2012, art.º 10. Destacamos que a Lei só se encontra disponível em Português.
126
Comentário Geral n.º 8 do Comité sobre “O direito da criança à protecção contra castigos corporais e outras formas cruéis ou degradantes de punição”, 2006, 42.ª Sessão, CRC/C/GC/8.
127
Ibid, pág. 10.
128
República de Angola, Lei Constitucional, artigoº 80, nº 1.

41
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

privadas” e o direito a “não ser torturado nem tratado ou castigado de forma cruel, desumana
ou degradante”,129 em conjunto com o direito a não “ser sujeito a tortura, trabalhos forçados ou
tratamento cruel, degradante ou desumano”130 não constituem proibições explícitas de todos os
tipos de castigo corporal. As mesmas conclusões também se aplicam às disposições contidas
no Código Penal131 e também ao Código de Família e à Lei contra a Violência Doméstica.132
Esta última lei inclui definições de violência doméstica e de violência física que parecem ter em
consideração apenas os castigos corporais com algum tipo de gravidade.33

Deste modo, mantém-se a confusão quanto à norma jurídica efectiva referente ao castigo corporal
e também continuam a verificar-se lacunas entre as leis nacionais e as normas internacionais. A
falta de uma proibição legal clara e directa aplicável aos pais ou adultos em posição de autoridade
abre a possibilidade de justificação dos abusos com base legal. Isto verifica-se especialmente
nas crianças em conflito com a lei enquanto estão privadas de liberdade e sujeitas a “medidas
disciplinares”.

A relevância da proibição explícita de qualquer forma de violência contra as crianças inclui-se na


necessidade de reformar o Código Penal para uma melhor protecção e criminalização dos actos
de violência contra crianças e uma implementação mais eficaz dos princípios estabelecidos na
Constituição e na Lei da Criança.134 Têm de ser adicionadas disposições específicas relativas ao
tráfico e à exploração sexual e económica de crianças. Todos os crimes cometidos por um adulto
sobre uma criança deveriam ser considerados pela lei como uma circunstância agravante, o que
na realidade não acontece.135 Além disso, a punição por violação deve reflectir o efeito dissuasor
pretendido por parte do legislador. Uma resolução mais explícita também poderia assegurar uma
melhor protecção das crianças em risco, como por exemplo as crianças sem lar ou acusadas de
feitiçaria.

Relativamente aos dados referentes à violência física contra crianças, o Comité mencionou nas
suas Observações de 2010 que “o facto de não existir um sistema bem organizado para detectar,
comunicar e recolher dados rigorosos sobre situações de tortura ou tratamento cruel a que
muitas crianças são sujeitas e que ocorrem no ambiente familiar e institucional (escolas, centros
infantis, esquadras e outros) e no seio da comunidade (na rua, grupos, actividades de lazer, etc.)
torna impossível compreender o alcance destas práticas, estando nas mãos do Governo delinear
uma estratégia para prevenir e mitigar a violência contra crianças”.136

Uma verdadeira implementação de leis que proíbam todas as formas de violência contra crianças,
incluindo castigos corporais, exige um acesso efectivo a recursos suficientes para assegurar a
comunicação, a investigação e o acompanhamento de casos relacionados com violência contra
crianças. Deverão ser colmatadas as lacunas persistentes entre as condições legais mínimas e
os recursos efectivamente ao dispor da população.

129
Ibid, artigoº 36, nº 3, alíneas a) e b).
130
Ibid, artigoº 60.
131
O artigo nº 157 condena “a habitual crueldade contra crianças”.
132
O Código de Família contém disposições relacionadas com os direitos e deveres parentais, mas nenhuma proibição explícita de todas as formas de castigo corporal.
133
A Lei contra a Violência Doméstica define violência doméstica como “qualquer acto ou omissão que cause algum tipo de ferimento ou deformidade e danos psicológicos permanentes ou temporários”.
A violência física é definida como “qualquer conduta que prejudique a saúde ou integridade corporal”.
134
De acordo com a maioria dos actores entrevistados, a versão inicial do Código Penal inclui várias deliberações novas que ajudarão a esta implementação. A versão inicial do Código continua sob revisão
(desde 2006) e ainda não existe uma data prevista de quando será adoptada pelo parlamento. Os intervenientes mais optimistas afirmam que o novo Código provavelmente será adoptado em 2016.
135
No entanto, são considerados crimes públicos de acordo com o Código Penal.
136
Página 35 do relatório.

42
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Tabela 7: Idade mínima para 4.1.1.3 Maioridade penal


consentimento legal – Tabela
comparativa
É importante distinguir entre responsabilidade penal e
maioridade penal. É necessário o estabelecimento de uma
Idade para idade mínima para a responsabilidade penal no sentido
País
consentimento de determinar até que idade se deve considerar que as
Angola 12 crianças não têm capacidade para infringir a legislação penal.
A maioridade penal refere-se à idade abaixo da qual as
Benim 18
crianças têm direito a usufruir de tratamento especializado.
Burkina Faso 13 O Comité dos Direitos da Criança, no seu Comentário Geral
Burundi 18 n.º 10, recomenda “que os Estados-Membros que limitam
Chade 14 a aplicabilidade das normas da justiça juvenil no seu país a
crianças até aos 16 anos (ou menos) ou que permitem, em
Djibouti 18
regime de excepção, que crianças de 16-17 anos de idade
Gabão 18 sejam tratadas como infractores adultos, alterem as suas
Quénia 18 leis com vista a alcançar uma aplicação não discriminatória
Madagáscar 14 integral das normas da justiça juvenil a todas as pessoas com
idade inferior a 18 anos”. 137.
Malaui 14
Mali 18
A Lei Angolana reconhece que as crianças com menos
Níger 13
de 12 anos de idade que sejam suspeitas ou acusadas de
Nigéria 11 um acto proibido pela lei são consideradas como “não
República do
18
responsáveis” e só podem ficar sujeitas a medidas de
Congo protecção social. Além disso, as crianças em conflito com
São Tomé e
14
a lei que têm mais de 12, mas menos de 16 anos, têm de
Príncipe ser julgadas em tribunais especializados que se regulam por
Senegal 16 procedimentos específicos de justiça juvenil. Na verdade,
Serra Leoa 18 as leis especializadas determinam medidas de protecção
social para todas as crianças menores de 18 anos, ficando
África do Sul 16
as “medidas de prevenção criminal” reservadas às crianças
Togo 16 entre 12 e 15 anos, inclusive.138 Assim, o limite etário superior
Tunísia 18 para a aplicação das normas de justiça para crianças é 15 anos,
Zimbabué pelo que as crianças de 16 e 17 anos em conflito com a lei são
16
tratadas como adultos e são detidas.

Embora a lei não permita que um Juiz condene réus entre 16 e 21 anos de idade a penas
superiores a 8 anos de prisão e apesar de todos os aspectos positivos da Lei do Julgado de
Menores, a exclusão das crianças de 16 e 17 anos da aplicação da lei especializada não respeita a
Constituição angolana, que estabelece a maioridade legal aos 18 anos de idade.139 Esta exclusão
flagrante também não cumpre a CDC, que define Criança como “todo o ser humano com menos
de 18 anos de idade, excepto se a maioridade for estabelecida mais cedo de acordo com a lei
aplicável à criança”.140

137
Comité dos Direitos da Criança, Comentário Geral n.º 10, CRC/C/GC/10, 10/4/2007, pág. 12.
138
República de Angola, Lei do Julgado de Menores, art.º 12 e 17, Código Penal, art.º 109.
139
República de Angola, Lei Constitucional, art.º 24.
140
Convenção sobre os Direitos da Criança, 20/11/1989, art.º 1.

43
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.1.1.4 Idade mínima para casar


O Código de Família em Angola determina que apenas rapazes e raparigas com mais de 18 anos
de idade podem casar.141 No entanto, a lei também estabelece a possibilidade de uma pessoa com
autoridade sobre a criança obter autorização legal para casar o rapaz se este tiver pelo menos 16
anos e a rapariga se tiver pelo menos 15 anos. Mesmo aplicando-se determinadas condições,142
esta excepção continua a ser um motivo de preocupação num contexto como Angola, onde
o casamento precoce ainda constitui um problema143 e onde as normas tradicionais, que não
respeitam questões de género, ainda influenciam o processo de determinação do superior
interesse da criança. Além disso, a distinção entre rapazes e raparigas parece difícil de justificar,
sobretudo tendo em conta o princípio de igualdade estipulado na Constituição.

Relativamente a esta questão, o Comité dos Direitos da Criança recomendou em 2010 “a revisão
da legislação para assegurar que a idade mínima para casamento seja de 18 anos para rapazes
e raparigas, e que as excepções necessitem de aprovação por parte do tribunal competente’’.144
No sentido de reduzir a influência das crenças e práticas tradicionais nocivas, esta recomendação
também tem de incluir a necessidade de apresentar directrizes legais que estabeleçam o superior
interesse da criança em conformidade com as normas internacionais.

4.1.1.5 Idade legal para consentimento sexual


Este conceito diz respeito à idade com que uma criança pode dar legalmente o consentimento
para ter relações sexuais. Ou seja, se a criança tiver a idade mínima, considera-se que tem idade
suficiente para dar o seu consentimento relativamente às relações sexuais. Ao estabelecer como
idade mínima para consentimento sexual os 12 anos,145 a República de Angola coloca-se no
extremo inferior de uma lista em que constam quase todos os países do mundo. Esta situação
também indica uma falha grave no seu quadro legal de protecção da criança. Na verdade, só se
considerará violação se a criança vítima tiver menos de 12 anos de idade. Nos casos em que a
criança vítima tenha 12 anos ou mais, esta terá de comprovar a inexistência de consentimento.
É possível haver acusação de abuso sexual, mas com penas mais leves.

O enquadramento legal actual relativo ao consentimento sexual constitui um grande obstáculo


a iniciativas que visam resolver os graves problemas da gravidez precoce e da violência sexual
contra crianças, além de não estar em conformidade com o Compromisso do Governo de
proteger todas as crianças contra a violência sexual. De facto, as consequências conhecidas da
gravidez precoce relacionadas com a contaminação por VIH/SIDA, as taxas mais elevadas de
mortalidade materna nas raparigas mais novas e a influência negativa para a frequência e retenção
escolar exigem uma urgente alteração da legislação, em conformidade com os Compromissos
1 (Esperança de Vida ao Nascer), 5 (Educação Primária e Formação Profissional), 7 (Prevenção
e Redução do Impacto do VIH e SIDA nas Famílias e nas Crianças) e 8 (Prevenção e Combate à
Violência contra a Criança).

141
República de Angola, Código de Família, 20/02/1988, art.º 24.
142
A lei menciona uma análise de todas as circunstâncias no sentido de ter em conta o melhor para a criança e acrescentar a condição
de que o casamento tem de se realizar como garantia do superior
interesse da criança.
143
UNICEF, Análise de Situação, Luanda, Angola, 2015; Reunião Bilateral entre IBCR e UNICEF, Abril de 2016.
144
CDC, Recomendações para a implementação da CDC em Angola, 16/2/2010, CRC/C/AGO/2-4, pág. 6.
145
Código Penal, art.º 392 a 394. Consultar também O Abuso de Menores em Luanda – Percepções e concepções do sistema acerca da protecção social e do ordenamento sociojurídico, M. de Sousa
Barbosa Alves, Porto, 2015, págs. 29-33.

44
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Tabela 8: Idade legal mínima da criança em Angola 146

Categoria Idade legal mínima


Responsabilidade penal 16
Consentimento sexual 12
Conduzir 147
18
Votar148 18
Beber álcool149 18
14
Direito a trabalhar 18 (Trabalho perigoso)
Após idade escolar
Raparigas: 15
Casamento150
Rapazes: 16
Direito à educação Obrigatória até aos 12 anos
Raparigas: 20
Recrutamento voluntário no exército151
Rapazes: 18

4.2 Eficiência do enquadramento legal

• Em que medida têm as práticas respeitado as normas da CDC e outros


instrumentos internacionais relativos às crianças em conflito com a lei?

A eficiência da implementação da lei também foi mencionada como um problema pela maioria
dos actores, que indicaram vários desafios na sua execução concreta em todo o país, sobretudo
da Lei do Julgado de Menores. Além disso, todos os intervenientes com quem houve reuniões
realçaram a necessidade de tomar medidas audaciosas, investir em mais recursos e estabelecer
mecanismos concretos para promover o cumprimento da lei.

Tendo em mente as principais normas e leis internacionais supramencionadas,152 avaliou-se a


eficiência da lei em termos de medidas garantidas para as crianças suspeitas ou acusadas de uma
infracção. Os inquiridos referiram várias vezes que frequentemente a lei é ineficaz ou inaplicável.

A Constituição, a Lei da Criança, a Lei do Julgado de Menores e seu Código de Processo e o


Código Penal constituem a base do quadro judicial referente à justiça para crianças em Angola.
Estas leis englobam medidas de protecção asseguradas para crianças em contacto com a lei,
seja por terem sido acusadas ou por serem suspeitas de violação do Código Penal.

146
IBCR, “Fifth Workshop on the Integration of the Six Core Competencies on Child Friendly Policing into the training and Practise of Police Officers and Gendarmes in Africa” in Workshop Report (Quinta
Conferência sobre a Integração das Seis Principais Competências da ‘Polícia Amiga da Criança’ nas academias de polícia em África – Relatório da Conferência), Abidjan, Novembro de 2013, pág. 76, dispo-
nível on-line em: http://www.ibcr.org/images/contenu/publications/Rapport_d’atelier_ABIDJAN_int_AN_Web.pdf (último acesso a 12 de Maio de 2016).
147
Auto Europe, ‘‘Car hire in Angola – Driving Information’’ (Aluguer de Carros em Angola – Informação para o Condutor), disponível on-line em: http://www.autoeurope.co.uk/go/car-hire/angola/driving-
-information/ (último acesso a 5 de Abril de 2016).
148
CIA, ‘‘Suffrage: Country Comparison to the World’’ (Direito de Voto: Comparação entre Países) em The World Factbook, 2016, disponível on-line em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
-factbook/fields/2123.html#download (último acesso a 5 de Abril de 2016).
149
Quandl, ‘‘Angola Alcohol and Tobacco’’ (Álcool e Tabaco em Angola), disponível on-line em: https://www.quandl.com/collections/angola/angola-alcohol-and-tobacco (último acesso a 12 de Maio de 2016).
Ibid. Para os rapazes: Fórum Africano de Políticas para a Infância, “Idade Mínima para Casar em África”, Junho de 2013, disponível on-line em: http://www.girlsnotbrides.org/wp-content/uploads/2013/04/
150

Minimum-age-of-marriage-in-Africa-March-2013.pdf. (último acesso a 5 de Abril de 2016).


151
Relatório Global sobre as Crianças-Soldado 2015, “Angola”, disponível on-line em: www.childsoldiers.org/user_uploads/pdf/angola4852480.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
152
Esta selecção também se inspirou nas Observações Gerais n.º 10, publicadas em 2007 pelo Comité dos Direitos da Criança.

45
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.2.1 Direito a beneficiar de tratamento especializado


A determinação da idade da criança é uma questão crucial
quando existe um regime especializado que é reservado
a todas as crianças com menos de 16 anos de idade.
Para beneficiar das vantagens de um sistema jurídico Muitas das crianças encontradas na prisão
de Viana não tinham qualquer documento de
especializado, as partes interessadas responsáveis por
identificação e foram colocadas na prisão
essa criança têm de poder estabelecer a sua idade. para adultos com base nas opiniões dos
polícias que procederam à detenção
O processo limitar-se-á a uma mera formalidade, se
(Não foi encontrada nos registos das
a criança tiver em sua posse os seus documentos criança nenhuma indicação de exames
de identificação. Torna-se difícil estabelecer a idade psicossomáticos).
quando a criança não tem documentos e afirma ser
menor de idade. As partes interessadas explicam que,
nestes casos, os polícias devem tentar contactar os
pais da criança para solicitar cópia dos documentos de
identificação em falta. Em casos em que não existam
documentos ou se permanecerem dúvidas relativamente à idade, a criança é encaminhada para
os Serviços de Investigação Criminal (SIC), onde as autoridades têm a obrigação de realizar um
exame psicossomático para avaliar a idade da criança.153 Se, após o teste, determinarem que a
criança tem menos de 16 anos, o SIC terá de a apresentar perante o Julgado de Menores. Ao
procurar saber a idade da criança através deste método, o SIC aconselha a política de atribuir
a idade mais favorável em termos dos direitos da criança e dos procedimentos judiciais que
envolverão o tratamento do caso. Antes de receber o atestado, os administradores do exame
estão obrigados a tratar a criança como se tivesse menos de 16 anos de idade.

Segundo a maioria dos actores inquiridos, este procedimento é de confiança154 e bem implementado
em Luanda, mesmo tendo sido mencionada a falta de especialistas e profissionais para realização
do teste psicossomático. Um dos intervenientes referiu que, por vezes, os resultados podem
ser discutíveis e até duvidosos. De outra perspectiva, várias crianças interrogadas em esquadras
e prisões indicaram que não realizaram nenhum teste psicossomático e uma inspecção aos
ficheiros na prisão de Viana revelou que o processo não tinha sido efectuado em todos os
casos de adolescentes infractores (em detenção antes do julgamento) sem identificação e que
afirmavam ser menores de idade.

Esta situação reflecte um problema mais vasto do registo de nascimento em Angola e do


seu impacto no acesso a serviços e na eficácia dos direitos da criança. Consequentemente, a
execução de mecanismos de registo de nascimento em centros de internamento e comarcas
também deve ser tida em consideração em todas as iniciativas de registo de nascimento que se
pretendam inclusivas. Além disso, as autoridades do MINJUSDH têm de assegurar a aplicação
sistemática do exame psicossomático com um sistema de acompanhamento.

153
Este exame é conduzido por um médico.
154
A margem de erro estima-se em 2 anos.

46
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.2.2 Direito à presunção de inocência

Relativamente à presunção de inocência, a Constituição


estabelece, tanto para adultos como para crianças, que
“presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito
Algumas crianças declararam que, no caso em julgado da sentença de condenação”.155 Na prática,
de negarem as acusações por parte do o cumprimento deste princípio fundamental implica que
agente, este último faz uso de força física
para obter uma confissão.
a criança detida ou acusada não tem de provar a sua
inocência e que todas as crianças sob custódia têm o
(Grupo de Referência, Novembro de 2015) direito a recusar-se a participar no interrogatório policial
ou qualquer outro interrogatório realizado para investigar
a sua possível participação num acto criminoso. Significa
ainda que a criança não pode ser forçada a fazer
declarações de confissão nem a testemunhar.

De acordo com entrevistas realizadas às partes


interessadas, o interrogatório da criança constitui habitualmente o primeiro passo do processo
judicial. Tem como objectivo obter a versão da criança sobre a alegação de que é alvo, bem
como informações básicas sobre a sua situação (condição familiar, psicológica e física, que
locais frequentou, que actividades realizou, etc.). Na prática, a entrevista pode ser levada a cabo
por um assistente social, polícia, procurador da república ou juiz,156 apesar de as disposições
legais declararem que esta função é da exclusiva competência do juiz do Julgado de Menores
em relação a todos os casos que envolvam crianças entre 12 e 15 anos de idade.157 Alguns
intervenientes declararam que a criança é informada do direito de se recusar a responder a
questões que possam ser incriminatórias, enquanto outros pensavam que este princípio só
se aplicava nos países ocidentais, acrescentando que não é do superior interesse da criança
manter o silêncio. O formato do interrogatório de crianças, incluído no Código de Processo do
Julgado de Menores, contém no canto inferior esquerdo uma lista de breves indicações sobre
os seis direitos fundamentais, entre os quais se encontra o “direito a não testemunhar e não se
considerar culpado”.

As entrevistas a crianças em conflito com a lei dos 16 aos 17 anos comprovam que nenhuma
fora informada do direito a permanecer em silêncio. Das crianças detidas inquiridas em prisões
para adultos, poucas indicaram ter sido interrogadas por polícias para admitirem ter cometido
um acto criminoso ou que o interrogatório foi sobre outros temas além da sua identificação,
conforme deveria ser. Algumas crianças declararam que, no caso de negarem as acusações por
parte do agente, este último fazia uso de força física para obter uma confissão.158

Deste modo, tal como já foi explicado, a determinação da idade da criança continua a ser um
dever dos agentes de polícia após uma detenção. Num contexto em que muitas crianças não têm
nenhum tipo de documento de identificação, parece evidente que o superior interesse da criança
indica que questões relacionadas com identificação básica serão razoáveis numa entrevista
inicial, sem violar o princípio relativo à presunção de inocência e ao direito de manter o silêncio.

155
República de Angola, Constituição, 2010, artigo 67º nº 2.
156
Dependerá da estrutura onde se leva a criança (Centros Sociais de Referência, esquadras, Tribunal, etc.) ou a que recebe a informação.
157
Código de Processo do Julgado de Menores, artigo 11, nº 3.
158
Grupo de referência de crianças em conflito com a lei, Viana, Novembro de 2015.

47
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Praticamente nunca aplicada no sistema de interrogatório, a implementação da presunção de


inocência constitui sem dúvida um desafio, particularmente em contextos em que a assistência
legal no seguimento de uma detenção é rara. Parece evidente que sessões de formação
específicas são a solução principal para melhorar o conhecimento e a eficácia do princípio cuja
aplicação melhor pode equilibrar as relações de poder entre a criança em conflito com a lei e o
Estado, bem como limitar o risco de obter confissões com recurso à violência.

4.2.3 Direito a assistência jurídica


Este princípio assegura a todos os arguidos o direito a beneficiar de defesa, recurso,
aconselhamento jurídico e assistência jurídica. Este direito vem reconhecido na Constituição
Angolana, que também declara que o Governo providenciará assistência jurídica gratuita a todos
os cidadãos que não tenham os recursos financeiros necessários para pagar a um advogado.159 O
processo exige que a família apresente previamente um comprovativo da sua pobreza (atestado
de pobreza), que certifica que não podem pagar a um advogado.

Na prática, não há uma estrutura pública responsável pela assistência jurídica no país e as
crianças geralmente não são representadas no processo judicial. De acordo com uma das partes
interessadas entrevistadas, 93% dos profissionais jurídicos situam-se em Luanda e não no resto
das províncias. É muito raro advogados privados aceitarem trabalhar num caso com mandato
de assistência jurídica, porque a remuneração é muito baixa, quando são realmente pagos pelo
Governo. Aliás, os serviços de assistência jurídica não são conhecidos pela população, sobretudo
nas zonas rurais. Para contrabalançar, geralmente os funcionários do Julgado de Menores têm
formação em Direito e desempenham o papel de defesa formal enquanto o Juiz interroga a
criança.160

Neste contexto, não surpreende que todas as crianças inquiridas (incluindo as menores de
16 anos) tenham dito que nunca foram informadas do seu direito ao apoio de um advogado,
tendo muitas admitido, até, que não entendiam verdadeiramente o papel e alcance deste tipo
de assistência. Da mesma forma, nenhum dos responsáveis entrevistados testemunhou, em
momento algum, a presença de um conselheiro jurídico durante o interrogatório à criança em
conflito com a lei. Não existem estatísticas oficiais sobre esta matéria.

De acordo com os vários testemunhos, o direito constitucional a assistência jurídica parece


longe de estar implementado em Angola. Apesar do fundamento legal, os serviços de apoio
jurídico só existem na teoria e parece que não foi colocada em prática nenhuma estratégia para
resolver realmente o problema. Entre outras coisas, esta estratégia terá de incluir actividades
de comunicação com vista a informar as partes interessadas, as crianças e respectivas famílias
sobre o âmbito e a necessidade da eficácia do direito a assistência jurídica destinada às crianças.

4.2.4 Direito a assistência parental


Segundo os intervenientes inquiridos, a situação relativamente ao direito das crianças a assistência
por parte dos seus pais é diferente. Este direito baseia-se especialmente na necessidade de
colmatar a incapacidade judicial e a falta de experiência das crianças que entram em contacto
com a justiça. A presença dos pais contribui para a protecção da criança e para a preservação do

159
República de Angola, Lei Constitucional, artigos 67, nº 3 e 196.
160
Reunião Bilateral, Luanda, Novembro de 2015.

48
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

seu superior interesse. Isto é ainda mais importante no caso de crianças sem documentos de
identificação.

Sabendo que podem existir excepções, habitualmente os pais são chamados e convidados a assistir
à entrevista ao seu filho. Nalguns casos, porém, localizar os pais pode ser bastante complicado
devido ao fraco planeamento urbano. Foi igualmente mencionado durante as entrevistas que
ameaças por parte da população que vive em zonas específicas de Luanda colocam sérios riscos
à segurança dos agentes. Alguns polícias referiram que obter a colaboração dos pais por vezes
é difícil por motivos como os de a família não ter um meio de comunicação como telefone, de
a criança não saber o número de telefone ou de os pais não terem ainda registado o filho. Além
de todas estas dificuldades, existem também desafios de ordem logística para localizar os pais
ou a família das crianças detidas. A falta de vontade de colaborar com a polícia também se conta
entre os factores que afectam a eficácia da assistência por parte dos pais. Alguns pais admitiram
que preferem que a criança continue detida na esquadra devido às suas dificuldades e à falta de
recursos e competências para evitar que o filho cometa crimes ou para o incentivar a ir à escola
ou participar em actividades familiares. Indicam ainda ter vontade e necessidade de receber
apoio para lidar com a detenção do seu filho. Em muitos casos, os pais não têm conhecimento
suficiente dos serviços que existem nem têm recursos financeiros para prestar cuidados e apoio
adequados aos seus filhos. As crianças e os seus pais referem falta de apoio apropriado para lidar
com as consequências das intervenções judiciais.

Algumas crianças inquiridas disseram que, enquanto estiveram detidas na esquadra, não lhes foi
permitido falar com os seus pais nem com advogados, nem sequer pelo telefone. Muitos pais
e familiares indicaram não terem sido informados sobre a detenção da criança ou terem tido
conhecimento através de fontes informais (e não directamente através da polícia). Raramente
sabiam onde o filho estava preso, pelo que muitos se viram forçados a procurá-lo em várias
esquadras e muitas vezes depararam com polícias que se recusavam a confirmar se a criança
estava detida naquelas instalações ou se se encontrava bem física e psicologicamente. Também
houve agentes que não aceitaram informar os pais sobre os motivos da detenção da criança.
Muitos pais testemunharam que apenas quando o filho foi presente ao Julgado de Menores
foram autorizados a vê-lo e falar com ele, pois antes tinham sido impedidos. Alguns testemunhos
também revelaram que alguns pais receberam telefonemas do filho a partir do telemóvel pessoal
de um polícia e que depois foram ameaçados de que, se não pagassem pelo telefonema, a
criança poderia ser castigada violentamente.161

4.2.5 Direito a ser informado das acusações


O direito a ser informado das acusações apresentadas contra si é o ponto de entrada para
o cumprimento do direito da criança em conflito com a lei à participação. Isto significa que
“qualquer criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tem direito a ser informada
pronta e directamente das acusações formuladas contra si”.162 É um complemento ao direito a
participar, que significa que a criança é “capaz de participar de maneira eficiente no julgamento
e precisa, por isso, de compreender as acusações e as possíveis penas e consequências, no
sentido de orientar o seu representante legal, convocar testemunhas, prestar a sua versão dos
acontecimentos e tomar decisões adequadas sobre provas, testemunhos e medidas a serem
impostas”.163

161
Entrevistas a pais, Julgado de Menores, Novembro de 2015.
162
Comité dos Direitos da Criança, Comentário Geral n.º 10 (2007), CRC/C/GC/10, pág. 15 em referência ao artigo 40, nº 2, alínea b) ii e iv da CDC.
163
Comité dos Direitos da Criança, Comentário Geral n.º 10 (2007), CRC/C/GC/10, pág. 14 referente ao artigoº 40, nº 2, alínea b), iv.

49
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Crianças presas na Comarca de Viana indicaram desconhecer os motivos para terem sido presas
e, consequentemente, da sua detenção. A maioria delas apresentou-se perante o Julgado de
Menores sem qualquer informação sobre os seus direitos de acordo com a lei. Não se compreende
porque é que este direito não é respeitado pelos polícias. Segundo um juiz inquirido durante esta
tarefa, a ignorância da lei e dos seus deveres, bem como a necessidade de formação no âmbito
dos direitos da criança, são certamente parte da resposta.

4.3 Relevância e eficácia do sistema institucional

• Qual a relevância do sistema judicial, entidades relacionadas e programas


de intervenção e reabilitação apoiados pela Sociedade Civil na resposta às
necessidades das crianças em contacto com a lei?

Uma administração adequada do sistema de justiça para crianças tem de levar em consideração
a situação global de todas as crianças em contacto com a lei (seja uma criança em conflito com
a lei, vítima ou em risco), as suas necessidades imediatas e os seus interesses e necessidades
a longo prazo. Esta visão está subjacente à abordagem multissectorial que garante a eficácia real
do sistema, que supõe que todas as partes interessadas trabalharão de modo complementar de
acordo com os respectivos papéis e responsabilidades. O guarda-chuva dos 11 Compromissos
adoptados pelo Governo de Angola é, sem dúvida, uma ilustração muito pertinente de uma
visão que visa oferecer uma protecção global e completa a todas as crianças, fornecendo
competências aos ministérios, instituições públicas, ONG e organizações comunitárias. Conforme
já foi mencionado, os Compromissos constituem o enquadramento do sistema de protecção
da criança a partir do qual as principais partes interessadas definem o seu planeamento e os
objectivos específicos.

Um sistema completo oferecerá, assim, uma variedade de serviços especializados a diferentes


níveis concebidos para uma variedade de perfis de criança. Em conformidade com as normas
internacionais, Angola criou estruturas aplicáveis com mandatos específicos em cada um dos
três principais ministérios que se encontram no centro do sistema de protecção da criança.
De facto, o sistema de justiça do país engloba vários actores e instituições, tanto a nível local
como nacional. O nível estatal inclui ministérios sectoriais, o sistema judicial e outras entidades
públicas associadas, enquanto o nível local abrange as organizações da sociedade civil. O quadro
global também inclui políticas e programas relacionados com a protecção da criança.

As conclusões revelam que, embora existam várias instituições relevantes, a duplicação de


serviços, a escassez de recursos e a falta de coordenação entre instituições públicas responsáveis
pela justiça para crianças em Angola permanecem um enorme desafio ano após ano,164 afectando
extremamente a eficácia do sistema.

164
Esta dificuldade foi salientada em 2004 e em 2010 pelo Comité dos Direitos da Criança.

50
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.3.1 Ministérios Sectoriais

Os principais Ministérios do sistema de protecção da criança são:

• Ministério da Justiça e Direitos Humanos (MINJUSDH)


• Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS)
• Ministério do Interior (MININT)
• Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU)

Comecemos por clarificar que o MINJUSDH é a entidade coordenadora das principais estruturas
institucionais administrativas e jurídicas, enquanto que as de natureza social estão sob a alçada
do MINARS. Este é o lado mais evidente. Dito isto, também há estruturas sob a tutela do MAT
que são cedidas ao MINJUSDH e actores do MINARS que trabalham inseridos em estruturas que
estão sob a tutela do MINJUSDH. Não está claro se existe algum Memorando de Entendimento
(ME) oficial entre os vários ministérios que estabeleça onde e como deve ser implementada a
cooperação com base no mandato geral e específico dos respectivos ministérios. Na realidade,
enquanto alguns intervenientes indicaram que estes protocolos existem, segundo outros as suas
tarefas e deveres regem-se pela Lei do Julgado de Menores e pelos 11 Compromissos. Não
foram criados acordos administrativos nem directrizes internas oficiais pelos actores inquiridos,
apesar dos pedidos por parte do grupo de investigação do IBCR. Na prática, cada ministério tem
o seu próprio plano de acção relativamente aos 11 Compromissos165 e a colaboração parece dar-
se mais ao nível técnico (recrutamento de funcionários, preparação de locais de trabalho, etc.).
O resultado é que, numa mesma estrutura, podemos encontrar funcionários que trabalham para
dois ou três ministérios diferentes.166

Aliás, os diversos mandatos dos ministérios por vezes causam sobreposições que tornam
complicado definir os respectivos papéis e responsabilidades no campo da protecção da criança.
Por exemplo, segundo as entrevistas realizadas, a Direcção Nacional da Criança do MINARS,
respondendo ao seu mandato de prestação de serviços167 a todas as crianças menores de 18
anos de idade, criou recentemente Termos de Referência de forma a alargar os seus serviços a
crianças imputáveis (de 16 e 17 anos). No entanto, uma vez que estas crianças também são da
responsabilidade do MININT e do MINJUSDH, o MINARS está actualmente a tentar articular a
introdução destes serviços com a polícia.

Por fim, com o processo de descentralização, um determinado número de tarefas do Governo


central (sobretudo funções de administração local) foi reatribuído a nível provincial e municipal,
bem como das comunas. De acordo com a “Lei da Organização e do Funcionamento dos
Órgãos de Administração Local do Estado”, 168 o governo provincial é o “órgão desconcentrado
da Administração Central que visa assegurar a realização das funções do Poder Executivo na
Província”. 169 Os governos provinciais e as administrações municipais estão, assim, encarregados
de prestar serviços à população. O processo de nomeação realiza-se de cima para baixo.170

165
Estes planos são apresentados no Fórum Nacional Bienal sobre a Criança, organizado pelo CNAS. Não foi possível obter nenhum destes planos de acção.
166
É o caso do Centro de Referência Social de Cazenga onde, em três funcionários, um recebe o salário do governo provincial e os outros do MINJUSDH. Além destes, um outro funcionário é disponibilizado
pelo INAC.
167
Serviços relacionados com competências de vida, formação vocacional, apoio psicossocial, planos de acompanhamento e reintegração, etc. – Reuniões Bilaterais, Março de 2016.
168
República de Angola, Lei n.º 17/10 de 29 de Julho de 2010.
169
Ibid, art.º 10.
170
Os Governadores Provinciais são nomeados pelo Presidente, enquanto os administradores dos municípios e das comunas são nomeados pelos Governadores das diferentes províncias.

51
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Outro exemplo desta “dupla subordinação” também foi identificado na Análise de Situação, nos
seguintes termos: “Embora as Direcções Provinciais da Assistência e Reinserção Social (DPARS)
devam seguir a orientação técnica do ministério central, em termos administrativos fazem parte
dos governos provinciais. Este sistema duplo continua até ao nível inferior, dos municípios, onde
as actividades de assistência social são realizadas sob a orientação das DPARS a nível provincial,
enquanto os funcionários (…) fazem parte da administração municipal e respondem perante o
administrador municipal”.172

Segundo alguns intervenientes, o MINJUSDH deveria ser o primeiro ministério responsável em


termos de casos relacionados com crianças em conflito com a lei, enquanto outros pensam que
esta responsabilidade deveria recair sobre o MINARS, tendo em conta que as crianças em conflito
com a lei são, primeiramente, vítimas. Para um dos actores, a situação actual, que se caracteriza
por sobreposições nos mandatos dos principais ministérios e estratégias e mecanismos de
descentralização ineficazes, não possibilita um sistema de protecção mais coordenado, nem
sinergias entre as partes interessadas. Pelo contrário, “toda a gente está a tentar obter a todo o
custo o máximo de benefícios para si”.173

A duplicação de serviços também se encontra presente ao nível de entidades públicas


especializadas na infância, criadas no seio do MININT e do MINARS para crianças vítimas e
crianças em conflito com a lei. Na verdade, cada um destes dois ministérios criou departamentos
próprios para casos relativos a crianças vítimas, bem como departamentos próprios para crianças
em conflito com a lei. No MINARS, estas unidades especializadas chamam-se Departamento
Nacional de Atendimento à Criança em Conflito com a Lei e Departamento Nacional de
Atendimento à Criança em Risco. No MININT, estes organismos são a Unidade de Combate
à Violência contra Mulheres e Crianças174 do Departamento de Prevenção de Crimes contra
as Pessoas e o Departamento de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil, ambos sob a
autoridade dos SIC.

MINARS
Departamento Nacional de Atendimento à Criança em Conflito com a Lei
Departamento Nacional de Atendimento à Criança em Risco

MININT
Departamento de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil
Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças

171
UNICEF, “Análise da Situação das Crianças e Mulheres em Angola”, 2015, pág. 41.
172
Ibid, pág. 115.
173
Reunião Bilateral, Março de 2016.
174
De acordo com o actor inquirido, este Departamento está actualmente na fase final de um processo de restruturação que prevê a inclusão da protecção dos idosos

52
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

As estruturas de ambos os ministérios têm funcionários “especializados”175 responsáveis por


tratar dos casos que lhes são enviados e que se incluam na sua esfera. O Departamento de
protecção das crianças em risco, do MINARS, passou por grandes cortes de pessoal nos últimos
anos. A equipa actual inclui o Chefe de Departamento e um técnico superior. O pessoal do
Departamento para atendimento de crianças em conflito com a lei176 também é limitado, contando
apenas com um psicólogo (o coordenador), dois sociólogos e um economista (técnicos) para todo
o país. Por seu lado, o Departamento especializado de Prevenção da Delinquência Juvenil do
MININT emprega duas psicólogas (mulheres) e um sociólogo (homem) actualmente em funções
em Luanda.177 A Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças apresenta 15
instrutores (polícias responsáveis pela gestão processual dos casos), dos quais 11 são mulheres.
Todas estas entidades situam-se exclusivamente em Luanda.

Não foi possível obter nenhum documento interno relacionado com o estatuto legal e as
actividades destas unidades. Contudo, como observação inicial, tendo em conta as entrevistas
bilaterais realizadas, parece que muitas das suas tarefas e responsabilidades são bastante
semelhantes, em particular quanto às unidades para crianças vítimas. Na verdade, ambos os
serviços especializados para crianças vítimas no MINARS e no MININT:

• São direccionados para rapazes e raparigas até aos 18 anos de idade que sejam vítimas
de violência ou estejam em risco178 dde se tornar, vítimas de violência;
• Recebem denúncias por parte da população geral e de organizações de base comunitária;
• Efectuam investigações relacionadas com a condição de vítima da criança: abandono
pelos pais (a maioria pelo pai), violência física e sexual, maus-tratos, negligência, abuso,
exploração, crianças sem registo de nascimento, sem lar, acusadas de feitiçaria, etc.);
• Colaboram com o Julgado de Menores, a Sala de Família, o INAC, instituições públicas,
clínicas médicas, organizações de base comunitária e as unidades para crianças em
conflito com a lei dos respectivos ministérios;
• Realizam entrevistas com a criança e a sua família para prevenir situações de dupla
vitimização;
• Executam as medidas de protecção e assistência social determinadas pelo Tribunal
(relativamente à criança, aos pais ou uma outra parte afectada pela ordem judicial179).

Algumas das poucas diferenças entre estes dois departamentos são:

• Todos os funcionários do MININT são polícias;


• O conjunto de funcionários do departamento do MINARS é de menos de um terço
do pessoal que trabalha na unidade correspondente no MININT, nomeadamente 15
instrutores da polícia no MININT para apenas quatro técnicos sociais no MINARS;
• A unidade do MININT recebe denúncias de crianças dos 15 aos 17 anos, sendo as queixas
encaminhadas para o advogado se a criança tiver menos de 15 anos;
173
Reunião Bilateral, Março de 2016.
174
De acordo com o actor inquirido, este Departamento está actualmente na fase final de um processo de restruturação que prevê a inclusão da protecção dos idosos.
175
Inclui profissionais e técnicos.
176
Segundo um interveniente, este Departamento, actualmente sob a tutela do MINARS, esteve sob a tutela do MININT até 1992.
177
A Unidade no Bié também tem três funcionários: um especialista, um estagiário oficial do Governo e o chefe de departamento.
178
De acordo com um interveniente, está actualmente em progresso um processo de revisão do glossário referente à assistência social que irá incluir uma definição de crianças em risco.
179
Por meio dos artigos 14 e 15 da Lei do Julgado de Menores.

53
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

• O MINARS também tem funções administrativas relacionadas com o desenvolvimento de


políticas sociais, actividades de reforço de competências para funcionários nas províncias,
desenvolvimento de novos regulamentos,180supervisão de centros de assistência
comunitária, etc. – estas funções podem assemelhar-se em múltiplos aspectos às do
INAC;
• O serviço do MININT colabora com a 9.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda em
casos relacionados com violência doméstica.181

Relativamente aos dois órgãos que trabalham com crianças em conflito com a lei, as fronteiras
entre eles são bastante mais evidentes do que nos serviços para crianças vítimas. Entre os seus
deveres gerais, ambos:

• Trabalham com crianças em conflito com a lei até aos 16 anos de idade. Adolescentes
mais velhos são encaminhados para o Gabinete do Procurador-Geral;
• Colaboram com o Julgado de Menores, o INAC, centros de internamento de crianças182,
serviços de base comunitária e o seu serviço respectivo para crianças vítimas;
• São responsáveis pela implementação de medidas decretadas pelo Julgado;
• Oferecem apoio à criança e à sua família;;
• Enviam regularmente relatórios escritos ao juiz acerca do comportamento de uma criança
que beneficie de medidas de liberdade assistida (MININT) ou de serviço comunitário
(MINARS).

Porém, os dois órgãos distinguem-se pelos seguintes elementos:


• O MINARS é legalmente responsável pela execução das medidas de prevenção criminal
de prestação de serviço à comunidade decretadas pelo Julgado, enquanto que o MININT
está encarregado da aplicação das medidas de liberdade assistida;183
• Como os funcionários do MININT são polícias, estes procedem à prisão e detenção de
crianças e por vezes fazem interrogatórios. O MINARS encaminha para o Departamento
do MININT ou para o Julgado de Menores as crianças em conflito com a lei que sejam
alvo de queixa-crime por parte da população;
• O MININT leva a cabo investigações preliminares sobre as circunstâncias do suposto
crime antes de o encaminhar para o Julgado de Menores. Também elabora um relatório
geral com os resultados desta investigação parcial184 para o Julgado de Menores;
• O Departamento do MININT realiza exames psicossomáticos para determinar a idade de
crianças que não têm documentos de identificação.

180
Em colaboração com os conselheiros jurídicos do INAC, os técnicos dos departamentos trabalham neste momento num projecto relativo a um novo regulamento sobre famílias de substituição (Reunião
Bilateral, Março de 2016).
181
Não é evidente se este é um novo tribunal especializado dentro deste Tribunal ou se serão reservados dias específicos na Sala de Família para casos de violência doméstica.
182
Tal como mencionado antes neste relatório, o antigo centro Alvalade encontra-se actualmente encerrado e os novos Centro de Observação e Centro de Internamento ainda não estão a funcionar.
183
Por meio dos artigos 16º e 17º da Lei do Julgado de Menores.

54
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

A estreita semelhança entre o mandato e as tarefas dos dois serviços encarregados do tratamento
de casos de crianças vítimas é admitida por quase todos os actores reunidos e a maioria não
conseguiu verdadeiramente justificar a pertinência de ambas as entidades. Um interveniente
tentou descrever a diferença dizendo, sem mais explicações, que o serviço do MININT se
destina a crianças em risco mas, “apenas se o risco estiver relacionado com um crime”.185 Isto
implicaria que se realizava uma avaliação do risco em ambos os órgãos para determinar se a
infracção está ou não associada à situação da criança. Esta hipótese não é muito provável, tendo
em consideração que mais nenhum interveniente indicou este tipo de processo. Assim, continua
a colocar-se a questão da real pertinência de ter dois departamentos diferentes sob a tutela de
dois ministérios diferentes, mas com tarefas muito semelhantes.

Além disso, a justificação para esta duplicação torna-se ainda mais difícil num contexto em que
todos os intervenientes indicaram uma grave falta de recursos humanos decorrente de cortes
drásticos feitos pelo Governo nos últimos anos. Alguns departamentos perderam mais de metade
dos seus técnicos186 e a maioria dos serviços só se encontra disponível em Luanda. As unidades
especializadas do MINARS funcionam com cada vez menos funcionários e os empregados que
se reformam não são substituídos.187

Nos municípios localizados fora da capital onde não exista um departamento especializado, os
polícias que trabalham na esquadra têm de encaminhar todas as crianças em conflito com a lei
para as Secções Municipais de Investigação Criminal (SMIC) ou os Departamentos Provinciais
de Serviços de Investigação Criminal após fazerem a entrevista preliminar. A transferência pode
demorar vários dias nalguns casos.188 Esta situação origina longos atrasos no tratamento dos
processos, sendo que durante este tempo a criança permanece na esquadra189 se não puder
regressar para perto da sua família.

4.3.2 Estrutura judicial


O sistema judicial em Angola é constituído por:

• Tribunal Constitucional
• Tribunal Supremo
• Tribunais Provinciais, que incluem a sala de Família, a sala do Julgado de Menores e a sala
dos Crimes Comuns
• Tribunais Municipais
No decorrer deste exercício, não houve reuniões com nenhum juiz ou outros membros seja do
Tribunal Constitucional seja do Tribunal Supremo, mas, de acordo com os seus mandatos190
(respectivamente, revisões constitucionais e revisão de decisões dos tribunais provinciais),
ambas as entidades têm certamente um papel importante a desempenhar na protecção dos
direitos essenciais, incluindo a garantia do direito à protecção judicial efectiva para crianças em
conflito com a lei e o seu tratamento ao longo dos procedimentos penais.

185
Reunião Bilateral, Março de 2016.
186
Ibid.
187
Os actores indicam uma redução de mais de 50% durante a última década.
188
Por exemplo, uma criança presa no município de Cuemba pode levar cinco dias até que o seu caso seja processado em Cuito, a capital da província do Bié, onde se situa o SIC.
189
De acordo com alguns intervenientes, a criança pode ficar no pátio do Tribunal Municipal, num gabinete ou na cantina existente para os funcionários. Nalgumas esquadras, se a alegada infracção for
grave, a criança será colocada numa cela com mulheres detidas, que geralmente são mais calmas e contêm camas e colchões. Se a criança detida tiver mais de 15 anos, será presa juntamente com os
adultos presos na esquadra ou transferida para a prisão.
190
Mais informações sobre os Tribunais Constitucional, Supremo e Municipal estão disponíveis no Anexo XVI.

55
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Se a criança tiver entre 12 e 15 anos de idade: depois determina as medidas provisórias a aplicar enquanto
de ser presa, a criança alegadamente suspeita de ter se aguarda o julgamento quanto ao fundamento do
cometido uma infracção penal é geralmente levada caso. A lei apresenta uma lista de medidas que o
para a esquadra mais próxima pelos seus pais, pela Juiz pode aplicar, especificando que esta lista não
vítima, por alguém pertencente à comunidade ou por é exaustiva. Perante a inexistência de um Centro de
um funcionário de uma organização local. Após uma Observação, a criança regressa para junto da sua
entrevista preliminar com a criança e os seus pais e família. Se a criança não tiver família ou se esta
uma vez determinada a idade da criança, a lei estabelece solução a colocar em risco, o Julgado determina a
que a polícia tem de levar a criança para o Julgado transferência para um centro de acolhimento.
de Menores. Segundo intervenientes que trabalham
em Luanda, o atraso geralmente é de 24 horas, mas Após o julgamento, se a criança for declarada culpada
pode ser muito superior se a criança for presa numa da acusação, o Juiz tem de aplicar as medidas
localidade situada longe do Julgado. A criança é, então, taxativas de prevenção criminal descritas na lei, entre
interrogada pelo Juiz na presença dos seus pais e outras as quais o internamento ou semi internamento. Se
pessoas ou outras partes relacionadas ou envolvidas não existirem Centros de Internamento, as crianças
no caso. Nesta fase da intervenção judicial, o juiz regressam a casa.

A equipa deste exercício decidiu, assim, concentrar os seus esforços nos Tribunais Provinciais,
particularmente na sala do Julgado de Menores. Dito isto, seria importante complementar o
presente diagnóstico com uma análise mais abrangente dos outros tribunais e o seu papel
efectivo no sistema de protecção da criança.

Os 19 Tribunais Provinciais existentes no país191 funcionam como tribunais de primeira


instância para as matérias relativas a crianças. Os Tribunais são constituídos por várias divisões
denominadas “salas” 192 que tratam de casos relacionados com matérias sob a sua jurisdição.
Casos que envolvam crianças são inquiridos pelo Julgado de Menores, a Câmara dos Crimes
Comuns e a Sala de Família.

O Julgado de Menores faz parte do Tribunal Provincial. Foi criado pela Lei do Julgado de Menores
em 1996. 193 É o primeiro tribunal de menores de idade e abriu em Luanda em 2003.194 Das 18
províncias, só Luanda tem uma sala especializada para crianças, cujos poderes e procedimentos
aplicáveis estão contidos na Lei do Julgado de Menores e no seu Código de Processo. Cerca de
30 anos após a adopção da legislação especial em 1996, continua a ser o único no país.

De acordo com a lei, o Julgado de Menores é um órgão jurisdicional do Tribunal Provincial,


de competência separada e especializada sobre assuntos relacionados com crianças (crianças
vítimas e crianças em conflito com a lei). O julgado é competente para apreciação de matéria
referente a todas as crianças (até aos 18 anos de idade) em perigo “social” ou em situação
de pré-delinquência e crianças entre 12 e 15 anos de idade, inclusive, que sejam acusadas
de cometer uma infracção penal.195 O Julgado de Menores também considera disposições

191 Existe um por província, à excepção da Província de Benguela que tem dois, a saber: Tribunal Provincial de Benguela e Tribunal Provincial do Lobito.
192 Várias “salas” sobre matérias como civil e administrativo, família, trabalho, marítimo, menores, e criminal.
193 República de Angola, Lei do Julgado de Menores, 1996, art.º 1.
194 Após a aprovação do Código de Processo do Julgado de Menores através do Decreto n.º 6/03 de 28 de Janeiro de 2003.
195 República de Angola, Lei do Julgado de Menores, 2008, art.º 12.

56
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

relevantes contidas noutras leis, como o Código Penal, o Código de Família e a Lei contra a
Violência Doméstica.

Nas restantes 17 províncias que não dispõem de um Tribunal especializado, os juízes comuns
são responsáveis por julgar os casos que envolvam crianças. Têm a obrigação de comunicar ao
Julgado de Menores todos os casos que lhes são apresentados. Na verdade, a competência
de tratar de todos os casos com crianças é atribuída ao Juiz Presidente do Tribunal Provincial
e ao Procurador-Geral Provincial do Tribunal Provincial. Na teoria, o Juiz Presidente do Tribunal
Provincial pode delegar esta sua competência num magistrado específico, mas, na prática,
habitualmente evita delegar competências e encarrega-se directamente dos processos criminais
que envolvem crianças.

As principais responsabilidades do Julgado consistem em implementar medidas de assistência,


de acompanhamento e educativas, nomeadamente: a) medidas de protecção social para crianças
em risco ou em perigo físico ou moral, dos 0 aos 17 anos; e b) medidas sociais e educativas
(denominadas medidas de prevenção criminal) para crianças em conflito com a lei dos 12 aos
15 anos. De Janeiro a Novembro de 2015, foram recebidos praticamente 1200 processos no
Julgado de Menores.196 Apesar dos esforços realizados nesse sentido, não foi possível ter acesso
a dados separados, fosse por idade, por género ou pelos motivos da presença perante o Julgado.

O Julgado é composto, actualmente, por três Juízes, cinco Juízes Assessores e cinco Procuradores
Gerais.197 O O Julgado também inclui um assistente social e dois psicólogos contratados pelo
MINJUSDH, bem como oficiais de justiça e escrivães.198

Todos os tribunais provinciais dispõem de salas dos Crimes Comuns. Estas têm jurisdição sobre
todos os casos criminais que não se encontram sob jurisdição do Julgado de Menores. Assim,
são responsáveis por tratar de casos que envolvam crianças com 16 e 17 anos de idade acusadas
de cometer infracções criminais nas províncias. O Procurador da República lida com casos que
envolvem essas crianças, pois não são abrangidos pela jurisdição especializada do Julgado
de Menores. Detém a responsabilidade de assegurar a legalidade, ou seja, a efectividade do
cumprimento dos direitos da pessoa acusada após a sua detenção. A colaboração com diversas
partes interessadas do sistema judicial e da comunidade (incluindo a família da criança) é crucial
para a concretização do seu mandato.

Embora o limite etário superior para aplicação das normas da justiça de menores seja os 15 anos
de idade, alguns actores que participaram nas reuniões declararam que, na realidade, por vezes
são tomadas iniciativas isoladas por alguns magistrados para evitar encaminhar adolescentes
para uma instituição para adultos, tendo consciência do potencial impacto negativo e dos riscos
associados a esta sobrelotação. Na verdade, os magistrados reconhecem que, inconscientemente,
mudam a sua atitude quando estão perante um menor de idade e interpretam as disposições
legais existentes em benefício da criança e no espírito da sua protecção e educação. Dito isto,

196 Troca de dados entre o International Bureau for Children’s Rights e o Julgado de Menores, Novembro de 2015.
197 Após a sua intervenção, a polícia (seja da SMIC ou do SIC) levará a criança ao Advogado que, por sua vez, transportará a criança à presença do Juiz. O Juiz é a autoridade que determina se foi provado
o caso de forma a iniciar um processo ou não. Os adultos responsáveis pela criança e que estejam envolvidos em situações ou práticas que não proporcionem à criança protecção social e que constituam
uma falha do seu dever de preservar o bem-estar da criança também serão presentes a Tribunal. O Procurador da República que trabalha no Tribunal trata de queixas e denúncias referentes a crianças
em risco e casos relacionados com qualquer forma de violência cometida contra crianças. O procurador apoia o Juiz no seu mandato e geralmente está presente aquando da audiência da criança e dos
seus pais e durante a audiência. Em geral pode observar-se que os pais são o melhor garante dos interesses superiores da criança, o que significa que estão na melhor posição de “decidir o que é melhor
para o filho e pensar sempre no seu superior interesse”, mesmo junto do Tribunal. Em situações em que a criança foi abusada pelo(s) seu(s) pai(s), o Ministério Público do Menor tem o papel de proteger
os interesses da criança.. Relativamente a casos de crianças em conflito com a lei, o Advogado coordena a investigação e tem de assegurar o respeito pelos direitos da criança em detenção; participará
na audiência da criança no Tribunal e apresentará a sua defesa (tanto no momento do veredicto como da condenação) durante o julgamento.
Reunião Bilateral, Abril de 2016.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

esta percepção e estas práticas não parecem ser partilhadas pelas partes interessadas – segundo
algumas pessoas inquiridas, “os piores crimes são cometidos por crianças”; para outra, o Estado
tem o dever de proteger a comunidade de todos os crimes, incluindo os perpetrados por crianças
de 16 e 17 anos.

Todos os tribunais provinciais dispõem também de Salas de Família. Estas tratam de questões
legais relacionadas com o estabelecimento, anulação, alteração ou dissolução de relações
familiares, bem como o exercício dos deveres e direitos da família. O estabelecimento da
filiação, adopção, exercício de autoridade parental, tutela de crianças e prestação de alimentos a
menores de idade são alguns exemplos de questões debatidas nas Salas de Família do Tribunal.
A competência do Julgado de Menores relativamente às crianças em risco e às crianças vítimas
parece duplicar a das Salas de Família perante as quais são julgados os casos de violência
doméstica.199 Esta sobreposição foi referida por alguns actores que também salientaram que as
Salas de Família constituem um tribunal comum e não se regem pelas disposições contidas na
Lei especial do Julgado de Menores. Aliás, enquanto tribunal comum, os funcionários não têm
formação adaptada para lidar com crianças e os motivos para as encaminhar para um dos dois
Tribunais nem sempre são evidentes.

Com as suas atribuições, o Julgado de Menores é certamente um pilar do sistema de justiça


especializado para crianças, em particular porque é a esse nível que são tomadas as decisões
de longo prazo relativamente ao tratamento da situação da criança. A relevância do Julgado de
Menores é indiscutível e está em total conformidade com as normas internacionais, pois defende
claramente o conceito do superior interesse da criança, dado que as decisões visam sempre
beneficiar os menores de idade procurando, em todas as situações, assegurar a sua protecção
legal e defender os seus direitos e interesses. Assim, a eficácia do sistema é fortemente posta
em risco pela ausência deste tribunal especializado nas áreas remotas do país. Tendo em conta
que a lei que criou estes tribunais foi adoptada há 30 anos, é difícil compreender porque é que
esta questão não foi resolvida pelo Governo, que declarou há muitos anos, na sua Constituição,
que os direitos das crianças constituem uma absoluta prioridade. Além disso, a questão da
expansão do Julgado de Menores é recorrente e foi mencionada no relatório consolidado de
2010 do Comité dos Direitos da Criança, que indicou, na altura, que: “os desafios de implementar
efectivamente a Lei n.º 9/96 e o Código de Processo do Julgado de Menores no país mantêm-
se, evidentemente, em especial em termos de expansão e reforço”.200 Apenas com uma
divisão operacional, quatro Juízes de Menores e dois Procuradores de Menores, o alcance da lei
continua a ser muito limitado. Em relação aos recursos materiais e ao orçamento atribuído, os
intervenientes presentes foram muito generosos no seu contributo, declarando apenas falta de
recursos, sobretudo recursos humanos altamente qualificados.

Segundo os actores contactados, a competência dos membros do Tribunal especializado não é


um problema, sendo que a maioria considera que, apesar de as escolas profissionais (de acção
social, da magistratura, de polícia, etc.) não prestarem formação específica quanto à protecção
da criança, as acções de formação pontuais e a experiência no terreno são satisfatórias. No
entanto, o número de juízes e oficiais que receberam formação pontual sobre os direitos da
criança não foi comunicado à equipa deste exercício. Os funcionários com mais experiência
geralmente são responsáveis por transferirem os seus conhecimentos para novos funcionários.

199
Por exemplo, em 2015, o Centro Social de Referência do Cazenga encaminhou 23 casos para a Sala de Família e 7 casos para o Julgado de Menores. Fonte: CSR do Cazenga, Relatório de Actividades, 2015.
200
Consideration of reports submitted by state parties under article 44 of the Convention – Consolidated second, third and fourth periodic reports of State parties due in 2008 (Consideração dos relatórios
entregues pelos Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção – Segundo, terceiro e quarto relatórios periódicos de Estados Membros a entregar em 2008), Angola, Comité dos Direitos da
Criança, CRC/C/AGO/2-4, pág. 99.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Para a maioria, a Lei do Julgado de Menores é completa e contém a informação necessária para
intervir adequadamente. Porém, a falta de pessoal e de recursos materiais impede a cobertura
nacional e a aplicação completa da lei, sobretudo em relação às medidas de protecção social e
de prevenção da criminalidade.

4.3.2.1 Entidades de apoio ao Julgado de Menores


Foram criadas várias entidades pela legislação e pelas autoridades administrativas para intervirem
em casos relacionados com a protecção de crianças, conforme descrito mais à frente. As mais
importantes são as Comissões Tutelares de Menores (CTM) e os Centros Sociais de Referência
(CSR). Não obstante a relevância destas entidades ou a falta de clareza relacionada com os
respectivos mandatos, a verdade é que a população não tem acesso a estes recursos em todas
as províncias e municípios, estando a maioria apenas disponível em Luanda e arredores, e as
poucas estruturas existentes sofrem de falta de recursos humanos adequados.

Sob a autoridade administrativa do Ministério da Administração do Território (MAT), em Setembro


de 2007 foi criada a CTM de Luanda 201 para apoio ao Julgado de Menores na implementação de
medidas provisórias de reabilitação e protecção.202 Directamente supervisionada pelo Julgado
com respeito às suas tarefas operacionais, o seu mandato está relacionado com várias dimensões
da assistência a crianças em conflito com a lei, crianças em risco e crianças vítimas, além do
papel de acompanhamento e advocacia. Por isso, a CTM é de extrema importância no sistema
porque é o meio através do qual a lei se torna eficaz, sendo também um conselheiro principal
do Julgado. Além disso, a organização das suas funções pode ser utilizada como ferramenta de
advocacia para a sua expansão por todo o país para apoiar os tribunais provinciais na aplicação da
Lei do Julgado de Menores, enquanto se aguarda pela criação dos Julgados de Menores ainda
em falta.

Porém, as CTM também são organismos de acompanhamento independentes geridos pelos


governos provinciais. Cada província deve, de acordo com a lei, possuir uma CTM, mas o país
actualmente conta apenas com sete CTM – Luanda, Bié, Benguela, Malange, Moxico, Cuanza
Norte e Huila 203 – estando as duas últimas em funcionamento há cerca de seis meses. Cada
Comissão provincial engloba três representantes do MINARS e dois do INAC, incluindo – na
província de Luanda – um psicólogo enquanto coordenador e quatro técnicos. O MINARS tem a
responsabilidade de formar e apoiar as Comissões. Desta forma, a independência desta estrutura
é pouco clara, pois podem existir conflitos de interesses por parte de funcionários do MINARS
ao procederem efectivamente a um acompanhamento eficaz do seu próprio ministério. Também
é necessário salientar que a Comissão não tem quaisquer poderes de decisão: pode apenas
apresentar recomendações aos governos provinciais e tentar convencê-los. Caso venham a
descobrir que as suas recomendações não foram tidas em consideração, as Comissões podem
solicitar seguimento a nível nacional. Isto não parece acontecer com frequência.

DDe acordo com um entrevistado, estas Comissões não alcançaram o seu potencial pleno por
um conjunto de razões. A indicação é de que os governos provinciais deveriam responsabilizar-
se pelo mandato e poder das Comissões, mas na realidade a prática demonstra que estes não
as apoiam, assegurando-lhes os recursos necessários (transporte, computadores, materiais),
mas sem as encararem como uma prioridade. Também foi comunicado que muitas vezes vários

201
Decreto n.º 69/07 de 10 de Setembro de 2007.
202
Consultar o Anexo XVIII para mais informações sobre a CTM.
203
Outro interveniente inquirido declarou que nove das 18 províncias criaram uma Comissão Tutelar de Menores.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

dos cinco membros que constituem a Comissão realizam outras funções, o que os impede de
se concentrarem verdadeiramente no mandato que receberam. Foi observado que alguns dos
membros das Comissões também são técnicos do MINARS, o que não só torna impossível
acumularem os dois mandatos ao mesmo tempo, como também cria um conflito de interesses
relativamente ao carácter independente do mandato da Comissão. Por isso, tal como as outras
estruturas especializadas em matéria de menores, as três CTM em vigor no país são insuficientes
para basicamente cumprir o seu mandato e enfrentam vários obstáculos a nível administrativo
relacionados com o seu estatuto legal 204 e que afectam a sua eficácia. Além disso, de acordo
com as partes interessadas entrevistadas, o número de processos parece ter diminuído desde
que o Julgado de Menores se mudou do centro de Luanda para Calumbo.

Os CSR estão sob controlo administrativo do MINJUSDH. O país tem neste momento apenas
quatro CSR – um no Cazenga (2002), outro na Ingombota, outro no Kilamba Kiaxi (2013) e um
no Sambizanga, três dos municípios com mais população de Luanda. Os CSR trabalham a nível
municipal sob a supervisão do Julgado de Menores.205 O mandato geral é o de proteger a criança
avaliando a situação de conflito em que está envolvida e determinando o eixo de intervenção
adequado. A equipa do CSR é composta por quatro intervenientes – um técnico do INAC e
três do MINARS. Além dos salários dos funcionários, o CSR não recebe qualquer outro apoio
financeiro por parte do Governo. As instalações são da responsabilidade do governo provincial.

Os Centros estão instalados na comunidade, o que gera relações privilegiadas com as organizações
de base comunitária e os líderes comunitários (igrejas, escolas, sociedade civil, comissões de
cidadãos, etc.). Os CSR são, assim, uma das importantes portas de entrada para o contacto
com o sistema jurídico. Na verdade, as crianças vítimas e as que estão em conflito com a lei
são encaminhadas para os Centros por membros da comunidade (crianças, familiares, pastores,
cidadãos, polícia, população, igrejas, emissoras de rádio, etc.).

As crianças referenciadas podem chegar através do sector formal ou do informal e em muitos


casos trata-se de crianças em risco e de diversas formas de maus-tratos e abusos. De acordo
com os intervenientes inquiridos, grande parte do seu trabalho está relacionado com actividades
de sensibilização do público, reintegração familiar e “mediação” num contexto relativamente
informal onde toda a comunidade se envolve na procura de uma solução para a criança. O
Julgado de Menores pode solicitar que o CSR assegure a supervisão das medidas posteriormente
determinadas pelo Julgado. Visitar as famílias e os centros onde as crianças estão colocadas
também faz parte das suas funções. Só poucos casos relacionados com crianças em conflito
com a lei são remetidos para os CSR. Estes casos são habitualmente encaminhados pelas SMIC
ou pelos SIC, em particular quando o alegado crime é grave. Antes da criação dos CSR, as
crianças eram levadas para a esquadra. Deste modo, os CSR permitem uma melhor selecção
dos casos e contribuem para desobstruir o sistema judicial porque diversos casos são resolvidos
fora dos tribunais.

204
De acordo com um interveniente inquirido em Março de 2016, foi feito recentemente um pedido por parte do governo central para todas as províncias os estabelecerem.
205
República de Angola, Lei do Julgado de Menores, art.º 29.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Se a criança tiver 16 ou 17 de idade: após detenção, a criança pode ficar sob custódia ou detida na esquadra
por um determinado período de tempo, onde partilhará a cela com adultos. Depois é levada pela polícia para
interrogatório junto do Procurador da República. Após o interrogatório, geralmente as crianças são transferidas
para uma prisão para adultos até julgamento. Se a criança for condenada a cumprir medida de prisão, a
sentença será cumprida numa prisão normal para adultos onde não existem zonas separadas reservadas para
crianças. Dormem em dormitórios sobrelotados e algumas crianças referiram ter sido atacadas ou assediadas
por reclusos adultos.

Excluindo as instalações, que são estabelecidas pelo governo provincial, e o salário dos
funcionários, que é partilhado entre o governo provincial (um coordenador) e o MINJUSDH
(dois técnicos), os CSR não recebem nenhum subsídio por parte do Estado. A visita ao local
demonstra que os funcionários têm de fazer o máximo de trabalho com o mínimo de recursos.
Aliás, estes recursos parecem ter vindo a diminuir cada vez mais ao longo dos anos.206 Por
exemplo, o CSR do Cazenga conta apenas com três funcionários para uma população estimada
de 425.000 habitantes. Quando fizemos a nossa visita não havia electricidade.207 A sala reservada
para entrevistar as crianças é muito pequena e só dispõe de uma mesa e duas cadeiras, o que
pode significar que não há lugar para uma terceira pessoa, como por exemplo um conselheiro
jurídico.

Muitas das tarefas operacionais da CTM e dos CSR parecem assemelhar-se e as diferenças
colocam-se mais no campo administrativo. Por outro lado, em termos geográficos os CSR são
mais acessíveis do que as CTM, mas dispõem de menos recursos. Parecem ser, para muitas
crianças, a porta de entrada no sistema e apesar da importância e pertinência do seu trabalho,
a impressão é que ficam, mais ou menos, entregues a si mesmos tanto pelo Governo nacional
como pelos governos provinciais.

4.3.2.2 Centros específicos para crianças em conflito com a lei


Actualmente, o país conta com um total de dois centros não activos 208 especializados em
crianças em conflito com a lei. Um situa-se em Calumbo (Centro de Internamento) e o outro em
Zango III (Centro de Observação). Ambos estão perto do Julgado de Menores (que também está
localizado no Zango III), mas ficam a cerca de 40 quilómetros do centro de Luanda. O Centro de
Observação possui instalações seguras.209 Além do Director210 e do segurança localizado no portão
de entrada, de momento o Centro não tem mais funcionários. Assim, entre outros aspectos,
prevê-se o recrutamento de profissionais.211 O Centro também disponibilizará actividades
educativas, recreativas e de formação profissional para os adolescentes residentes, cuja estadia
não deverá exceder os 60 dias. O Centro de Internamento também é um alojamento seguro,

206
No seu início, o CSR localizado em Cazenga tinha 21 animadores com formação, em comparação com três em 2016.
207
De acordo com as partes interessadas, esta é uma situação recorrente.
208
Em Abril de 2016, ainda não tinha sido definida data para a sua abertura.
209
Sob a autoridade administrativa do MINJUSDH, o Centro foi construído para substituir o centro que existia em Alvalade e que foi encerrado em 2015. Como as obras iniciais não cumpriam algumas normas
de segurança, as autoridades decidiram adiar a abertura do centro e mandar as crianças de volta para as suas famílias. Um entrevistado estima que aproximadamente 100 crianças terão sido libertadas.
As que não podiam regressar para as suas famílias foram enviadas para centros de acolhimento (Don Bosco, Arnold Janssen, Horizonte Azul, etc.) e famílias de substituição. Todas as partes interessadas
inquiridas concordam que esta situação se mantém neste momento, além de que algumas crianças simplesmente voltaram para as ruas. O mandato do Centro de Observação consiste em receber, antes do
julgamento, as crianças em conflito com a lei que tenham entre 12 e 15 anos, que sejam encaminhadas pelo Julgado de Menores com uma ordem para aplicação das medidas provisórias. O Centro contém
uma ala para rapazes e outra para raparigas, separada por uma vedação. A capacidade será de 150 camas, incluindo de 30 a 50 para as raparigas.
210
O Director tem gabinete no Centro e faz poucas visitas de forma irregular.
211
O pessoal será constituído por: 4 psicólogos; 6 assistentes sociais especializados; 8 educadores sociais; 2 médicos; 6 formadores profissionais; 12 seguranças; 12 professores; 4 enfermeiros.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

com capacidade para 150 camas, e situa-se no Zango III. Tal como o Centro de Observação, o
Centro de Internamento ainda não estava activo em Abril de 2016.212

A lei determina que, se houver condições para tal, a criança sob detenção que aguarda julgamento
tem de dar entrada no Centro de Observação e ser examinada posteriormente pelo Juiz que tem
de decidir sobre a aplicação de medidas temporárias 213 a executar até à audiência de julgamento
do caso. A lei inclui uma lista de medidas facultativas 214 que o Juiz poderá aplicar.

Além do obstáculo que cria relativamente à aplicação da lei, muitos intervenientes referiram
as consequências geradas pela ausência de centros especializados ou de reabilitação para
menores de idade. De acordo com as partes interessadas, a incapacidade de encaminhar as
crianças para o Centro de Observação ou o Centro de Internamento para menores implica que,
excepto se representar um grave risco para a segurança da criança, ela regresse à sua família
independentemente da gravidade do crime,215 das suas necessidades específicas e da sua
situação global. Assim, as crianças são novamente colocadas e sem assistência, no mesmo
ambiente que as pode ter levado a cometer a alegada infracção. Aliás, a ausência de centros
específicos para crianças em conflito com a lei também tem a consequência de colocar grande
parte da responsabilidade de evitar a reincidência e de reabilitação sobre os pais, que muitas
vezes não têm recursos suficientes para tal. No Moxico, a informação recolhida indica que,
no caso de crimes graves como, por exemplo, homicídio, alguns pais mudam-se para outro
município no sentido de proteger os filhos da violência da família da vítima, que pode querer
vingança. Esta situação afecta a credibilidade do próprio sistema e aumenta o sentimento de
injustiça e o desejo de vingança, sobretudo por parte das vítimas. Além disso, segundo um
interveniente inquirido, não cria um contexto favorável ao aumento da idade de maioridade penal
e pode explicar em parte porque é que foi inicialmente apresentada uma proposta de diminuição
da idade de imputabilidade penal para os 14 anos pela Comissão de Reforma da Justiça e do
Direito no anteprojecto do novo código penal angolano.

4.3.3 Entidades de coordenação e supervisão

As entidades de coordenação mais frequentemente


identificadas são o Instituto Nacional da Criança (INAC)
e o Conselho Nacional de Acção Social (CNAS).216
Referências ao Provedor de Justiça só foram encontradas
“Somos os olhos do Governo relativamente à
situação das crianças.” na revisão de literatura, tendo sido mencionado apenas
uma vez durante as entrevistas.
Reunião Bilateral do INAC, Março de 2016

Desde 2007, o CNAS é responsável por organizar os


Fóruns Nacionais sobre a Criança 217 onde cada ministério
apresenta o programa que pretende pôr em prática

212
O seu mandato consiste em receber crianças em conflito com a lei com idades entre 12 e 15 anos após o julgamento quando o Julgado de Menores determina a medida de prevenção criminal de
Internamento.
213
O período de aplicação destas medidas é de três meses de acordo com a Lei do Julgado de Menores (art.º 3(2)).
214
República de Angola, Lei do Julgado de Menores, art.º 15.
215
Algumas partes interessadas informaram que até crianças acusadas de crimes graves, como homicídio ou violação, foram enviadas de volta para as suas famílias com condições de controlo específicas
e imposição de regras de conduta. Em Março de 2016, ambos os centros continuavam desactivados e não tinha sido definida data para a sua abertura.
216
Respectivamente, o Instituto Nacional da Criança (INAC) e o Conselho Nacional da Acção Social (CNAS). Mais detalhes sobre estas entidades podem encontrar-se no Anexo XIX.
217
O Fórum tem lugar de dois em dois anos. O primeiro realizou-se em 2007 e o último em 2015.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

para a realização das suas tarefas no âmbito dos 11 Compromissos, bem como os resultados
já alcançados nos dois anos anteriores.218 O objectivo consiste em aumentar a coordenação
nas estratégias e nos planos de acção adoptados pelos vários ministérios responsáveis pelos
Compromissos. Além do Director do INAC (e do SICA, do Instituto Nacional de Estatística), o
CNAS reúne 16 ministérios e 18 ONG.219 Além dos Fóruns Nacionais, parecem existir reuniões
de consulta mais ou menos a cada trimestre para debater questões actuais.

Tabela 9: Membros do Conselho Nacional da Criança

Ministérios Outras entidades

1. Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MINJUSDH) ⊲ Sociedade Civil


2. Ministério da Assistência e Reintegração Social (MINARS)
3. Ministério do Interior (MININT) • Representantes de associações
4. Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU) profissionais (4)
• Representantes de ONGs que
5. Ministério da Educação (MED)
trabalham para a infância a nível
6. Ministério da Juventude e Desportos (MINJUD) nacional (4)
7. Ministério da Saúde (MINSA) • Representantes de entidades
8. Ministério da Administração do Território (MAT) religiosas (4)
9. Ministério da Cultura (MINCULT) • Representantes de organizações
10. Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social (MAPESS) culturais e desportivas (2)
11. Ministério de Planeamento e do Desenvolvimento Territorial (MPDT) • Representantes de organizações de
estudantes (2)
12. Ministério do Urbanismo e Habitação (MINUHA)
• Representantes de organizações de
13. Ministério da Comunicação Social (MCS) comunicação social (2)
14. Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MINAGRI)
15. Ministério das Finanças (MINFIN) ⊲ INAC
16. Ministério da Energia e Águas (MINEA) ⊲ Instituto Nacional de Estatística

Para cumprir o seu mandato, o Conselho Nacional elaborou um Plano Nacional de Acção200 para
melhorar a situação das crianças. No entanto, a equipa do exercício não conseguiu consultar o
plano de acção supramencionado.

Segundo o decreto que implementa os seus regulamentos, o CNAS é “um órgão de concertação
social, de acompanhamento e controlo da execução das políticas públicas de promoção
e defesa dos direitos da criança”.221 No entanto, de acordo com os testemunhos da maioria
dos intervenientes entrevistados, parece que o CNAS não desempenha, de facto, o seu papel
coordenador estratégico. O Conselho é encarado como um organismo consultivo para os seus
membros, com a responsabilidade de organizar o Fórum Nacional sobre a Criança, considerado
como um amplo espaço de consulta e debate entre os ministérios e a sociedade civil. Os relatórios
entregues pelos ministérios no Fórum fornecem informação sobre o grau de realização dos seus
objectivos no que diz respeito aos 11 Compromissos e formam a base das recomendações
do CNAS e advocacia junto do Governo através dos respectivos ministérios. De acordo com o
consultor do CNAS para o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, cada ministério conhece
as suas responsabilidades relativamente aos 11 Compromissos e tem o dever de elaborar o seu
orçamento com base nos objectivos que estabeleceu.

218
Como o primeiro Fórum se realizou em 2003, já teve lugar um total de sete Fóruns. O último aconteceu em Julho de 2015.
219
UNICEF Angola, Relatório Anual 2010, pág. 4.
220
Apesar dos constantes pedidos das partes interessadas, não foi possível obter cópia do documento.
221
Decreto n.º 21/07 de 20 de Abril de 2007, Art.º 1.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Por outro lado, o INAC reclama o seu papel coordenador estratégico, representado nas suas
funções de fiscalização e nos vários mecanismos implementados para concretizar o seu mandato
(realização de estudos, inquéritos, investigação, sessões de formação e sensibilização sobre
temáticas relacionadas com a protecção da criança), com o objectivo de denunciar fenómenos
problemáticos junto do Governo, como crianças em situação de rua, acusadas de feitiçaria,
violência no seio das famílias, etc. As suas responsabilidades incluem ligar “as políticas entre as
diferentes instituições governamentais e não-governamentais que trabalham com crianças”.222
Contudo, não é claro se o INAC ainda tem o mandato de prestar directamente serviços às crianças,
tarefa que fazia claramente parte do seu mandato antes da recente nomeação da nova Direcção.
Na verdade, de acordo com um dos entrevistados, a nova administração decidiu que o Instituto
deixará de oferecer este tipo de serviços e irá centrar-se na promoção e no desenvolvimento
de papéis de cariz político. Assim, foram encontrados funcionários do INAC na maior parte das
estruturas de base comunitária visitadas no decurso deste estudo e a maioria dos intervenientes
que trabalham directamente com crianças no terreno disse trabalhar regularmente com pessoal
do INAC. A Unidade situada em Luanda conta actualmente com um psicólogo, um assistente
social, um educador social, dois sociólogos, seis conselheiros jurídicos e 32 técnicos (12
superiores e 20 intermédios).223

Além do CNAS e do INAC, a Direcção Nacional de Administração da Justiça (DNAJ) – sob a tutela
do MINJUSDH – foi criada em 2015 para “apoiar” e coordenar os três principais ministérios
envolvidos no sistema de justiça juvenil e estabelecer uma melhor “ligação” entre o MININT e
o MINARS relativamente ao seu trabalho no campo da protecção das crianças.224 No entanto,
esta Direcção Nacional parece não ser do conhecimento geral das partes interessadas inquiridas.

Não conseguimos obter quaisquer documentos internos relacionados com nenhuma destas
entidades para comparar a informação recolhida nas entrevistas, sobretudo quanto aos respectivos
estatutos e mandatos, planos de acção, organogramas, relatórios de actividade e estatísticas.
Consequentemente, não é possível fazer uma análise aprofundada do funcionamento interno
e externo destes organismos. Assim, é bastante evidente que, na prática, ainda não existe
uma entidade amplamente aceite e reconhecida responsável pela coordenação das acções em
vigor quanto à protecção da criança a nível nacional, provincial ou municipal. Pelo contrário,
aparentemente cada ministério e nível de governo coordenam as suas acções de acordo com os
seus próprios interesses e planos de acção.

Não foi possível uma reunião com o Provedor de Justiça. Enquanto a lei determina que o Provedor
de Justiça “controla a execução da Convenção, recebe informação para defender as crianças e
serve como Representante dos menores”,225 parece que esta entidade não tem um mandato
específico referente à protecção das crianças e não tem qualquer presença fora da capital.226
Além disso, os seus poderes limitam-se a prestar recomendações às instituições competentes.
Na prática, o seu papel relativamente à protecção da criança não é bem conhecido entre os
actores do sistema de protecção das crianças ou na comunidade em geral.227

222
Consideration of reports submitted by state parties under article 44 of the Convention – Consolidated second, third and fourth periodic reports of State parties due in 2008 (Consideração dos relatórios
entregues pelos Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção – Segundo, terceiro e quarto relatórios periódicos de Estados Membros a entregar em 2008), Angola, Comité dos Direitos da
Criança, CRC/C/AGO/2-4, pág. 13.
223
Reunião Bilateral, Luanda, Abril de 2016.
224
Reunião Bilateral, Março de 2015.
225
Lei do Estatuto do Provedor de Justiça, Lei n.º 4/06 de 28 de Abril de 2006.
226
Rede Internacional para os Direitos da Criança (RIDC), “Access to Justice for Children: Angola” (Acesso à Justiça de Menores: Angola), 2014, pág. 9.
227
Não foi possível reunir com o Provedor de Justiça no decurso deste exercício para obter mais dados qualitativos e quantitativos em relação às suas actividades, objectivos cumpridos e desafios no
campo da protecção da criança.

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.3.4 Organizações da Sociedade Civil


O papel das organizações não-governamentais (ONG) e religiosas no sistema de protecção das
crianças em Angola é muito importante. Trabalham em colaboração com as entidades estatais –
sobretudo a nível municipal – e prestam serviços básicos que são complementares aos oferecidos
pelo Estado ou que colmatam as lacunas dos serviços públicos. Entre estes, os intervenientes
referiram particularmente as ONG que oferecem serviços residenciais e psicossociais, bem
como famílias de substituição.

Actualmente existem cerca de 104 centros residenciais infantis autorizados em Angola228 em


funcionamento. Destes, 104 são públicos229 e os outros pertencem a ONG e entidades religiosas.230
Destinam-se a quase todos os tipos de crianças, nomeadamente crianças vítimas, em risco, em
situação de rua, acusadas de feitiçaria, abandonadas e separadas, etc. Aparentemente só poucos
recebem crianças em conflito com a lei por motivos de segurança e falta de conhecimentos
especializados dos funcionários. Além de alimentação e alojamento, estes centros podem
oferecer outros serviços, como competências para a vida, formação profissional, escolarização,
serviços médicos e psicossociais, localização de familiares, apoio ao registo de nascimento,
produção dos documentos de identificação necessários, saúde sexual e reprodutiva, entre outros.

Quase todas as instituições estatais que trabalham directamente com crianças informaram que
encaminham crianças para os centros, em particular quando não é possível a reintegração familiar
por inúmeros motivos. Aparentemente, só os centros autorizados recebem apoio financeiro por
parte do Governo. Uma interveniente indicou que o seu centro – que presta diversos serviços,
incluindo educativos, residenciais e de competências para a vida – ainda aguarda aprovação,
apesar de existir desde 2000 e de ser bem conhecido na comunidade. Também colabora
regularmente com o INAC, a polícia e a unidade especializada do MINARS. Assim, o centro
não recebe nenhuma verba directa por parte do Governo, mas beneficia do apoio do Ministério
da Educação (MED) para os salários dos professores. O MININT contribui uma vez por ano
com quantidades consideráveis de alimentos, brinquedos, colchões, entre outros, e o MINARS
habitualmente dá pequenas quantidades de comida. Os residentes também beneficiam de apoio
do MINARS para o seu registo de nascimento.

Outra ONG indicou não receber qualquer tipo de financiamento por parte do Estado para
recompensar pelos serviços prestados, o que constitui um desafio marcante num contexto em
que várias instituições internacionais abandonaram o país nos últimos anos. 231 Deste modo, a
sua situação permanece precária porque têm de lutar constantemente para sobreviver enquanto
continuam a satisfazer as necessidades das crianças e das instituições públicas envolvidas no
sistema de protecção da criança.

Também foi comunicado que, embora algumas crianças cheguem a residir vários anos num
centro,232 não há a possibilidade de um juiz determinar a custódia de forma a permitir que o centro,
em substituição dos pais, lhes forneça documentos para realizarem o seu registo, cuidados de
saúde essenciais ou a inscrição em actividades ou programas, por exemplo.

228
O processo inclui uma autorização por parte do MINARS antes de enviar o pedido para ser validado pelo MINJUSDH. Não foi possível obter o número total de centros residenciais ou de acolhimentos
activos no país. Alguns actores informaram que todos os dias abrem e fecham novos centros.
229
Lar Kuzola (presidido pela Primeira Dama) e Casas Lares (no Bié).
230
Don Bosco, Horizonte Azul (específico para raparigas, mas recebe rapazes em regime de externato), Centro de Acolhimento de Crianças Arnold Janssen, Samu Social, VIS, Mosaiko, Repose, Casa Irmã
Domingas (raparigas), Pequena Semente, Remar (específico para casos de droga e álcool), Fundo Lwini, Aldeias SOS e outras.
231
Como Save the Children, Care International, UNICRI, etc.
232
Por vezes até atingirem a maioridade.

65
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Outra questão importante relaciona-se com o grande número de estruturas que não estão
necessariamente bem coordenadas. Assim, os papéis, responsabilidades e procedimentos de
funcionamento não se encontram definidos com clareza, originando por vezes intervenções
improvisadas.233 A Rede de Protecção da Criança, criada em 2006, procura estabelecer uma
melhor coordenação entre as partes interessadas. De acordo com o interveniente inquirido,
aparentemente a Rede só está activa a nível municipal e apenas em Luanda. Esta engloba
diversos actores do sistema de protecção, incluindo ONG, instituições estatais, igrejas, escolas
e outras organizações de base comunitária, que se encontram uma a três vezes por mês para
debaterem problemáticas relacionadas com a protecção da infância e intervenções concretas
dirigidas às crianças. As decisões tomadas pela Rede normalmente são validadas pelas
autoridades municipais antes de se informar todos os actores sobre as novas práticas a aplicar.
No entanto, a falta de recursos 234 não permite um acompanhamento real por parte da Rede e não
existe nenhum acordo ou regra oficial que vincule os seus membros. A Rede está actualmente
sob coordenação do INAC, mas continua a não ser claro quais são, na prática, as tarefas a que
esta coordenação se refere. Estará a decorrer neste momento uma reflexão para reformular a
estratégia da Rede numa perspectiva mais nacional e que visa aumentar a sua eficácia global.

Além das ONG que recebem as crianças em dificuldades ou que são vítimas de violência,
também é possível o uso de famílias de substituição no âmbito da legislação infanto-juvenil.235
A CTM é responsável pela identificação e selecção das famílias interessadas. De acordo com
um dos entrevistados, esta medida foi acrescentada por dois motivos cruciais: primeiramente, a
falta de instituições para cuidados de menores e, em segundo lugar, para manter a criança fora
do ambiente institucional. É suposto as famílias de substituição habitualmente receberem algum
tipo de assistência técnica por parte do MINARS ou da CTM. Não se sabe se também é prestado
algum apoio de cariz financeiro. De acordo com a lei, a criança pode ser colocada numa família
de substituição por um período de três meses que pode ser prolongado pelo Julgado por igual
período. A criança e a família são acompanhadas durante esse tempo pela CTM no sentido de
avaliar se o processo de reinserção da criança foi positivo.

A maioria das partes interessadas reconhece que este é um recurso extremamente pertinente,
em particular para as crianças vítimas que não podem regressar ao ambiente de perigo. Muitos
consideram que as famílias de substituição contribuem, sem dúvida, para reduzir o número de
crianças que preferiam viver nas ruas de forma a evitar maus-tratos ou abusos. Em relação às
crianças em conflito com a lei, é preferível uma solução de colocação em local seguro, sendo que
a pertinência de uma alternativa não-institucional como as famílias de substituição não é unânime
entre as pessoas questionadas. Além disso, por motivos relacionados com o estereótipo e o
preconceito, muito poucas famílias aceitam tomar conta de alguém considerado “criminoso”
ou “delinquente”. As partes interessadas inquiridas não têm noção do número de famílias
de substituição existentes no país, mas eram da opinião que há uma grande falta de famílias,
sobretudo “boas”. Por outro lado, a débil situação económica e a pobreza (essencialmente nas
zonas rurais), bem como a crítica falta de assistência por parte do Governo, tornam difícil encontrar
famílias adequadas com recursos e competências suficientes. O perigo, neste contexto, de
aceitar famílias independentemente dos seus interesses e qualidades é real e põe em risco a
segurança das crianças.

233
Reunião Bilateral, Março de 2016.
234
A Rede não tem um secretário executivo e está instalada num edifício temporariamente disponibilizado pelo MINARS em Viana para o projecto SOS Criança. Este projecto é apoiado financeira e tecni
camente pelo UNICEF.
235
Código de Processo do Julgado de Menores, art.º 40.

66
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.3.5 Linhas de apoio


No sentido de prevenir a violência, facilitar o encaminhamento de crianças para serviços
apropriados ou prestar assistência imediata, foram estabelecidas diferentes linhas de apoio,
estando algumas em processo de implementação.236 Estas linhas não estão acessíveis de forma
regular, pois não são todas gratuitas e nem sempre estão em funcionamento. Embora todas
tenham o objectivo de facilitar o contacto directo com as crianças – pois muitas vezes a violência
e os abusos acontecem no seio familiar – não parecem estar especialmente coordenadas face ao
serviço que oferecem e não parece haver nenhuma iniciativa que pondere a implementação de
uma linha telefónica de apoio nacional única e gratuita para as crianças. Além disto, não recebem
todas a mesma atenção e os mesmos esforços por parte da comunidade internacional, pelo que
possuem diferentes modos de funcionamento e uma duração provavelmente oscilante.

4.3.6 Intervenção judicial e extrajudicial

• Qual a pertinência dos programas de “diversion” existentes?


• A “diversion” é utilizada amplamente nos vários níveis?
• A “diversion”, os programas de reabilitação ou a intervenção judicial estão
disponíveis e acessíveis?

4.3.6.1 Programas de reabilitação e “diversion”


A equipa do exercício não teve a possibilidade de reunir com nenhum interveniente responsável
pelos programas de reabilitação ou “diversion”, nem recolher dados importantes sobre estes.237
Assim, não foi possível avaliar estes programas e o seu eventual contributo para melhorar o
acesso das crianças à justiça.

4.3.6.2 Intervenção extrajudicial


As medidas de “diversion” ou intervenção extrajudicial – entendidas como qualquer intervenção
fora do sistema formal de justiça – não estão previstas pela lei em Angola. Como consequência,
não existem disposições na Lei do Julgado de Menores, no Código Penal ou noutras leis sectoriais
que definam os intervenientes e as condições para aplicação das medidas extrajudiciais. Além
disso, as entrevistas com as partes interessadas238 no terreno revelaram que cada uma parece ter
uma ideia diferente do princípio de “diversion”, que algumas pessoas também confundem com
a alternativa à detenção. Por isso, embora existam alternativas claras às medidas de detenção e
aos programas para a sua execução,239 não parecem existir programas de “diversion” oficiais ou
conhecidos da população e actualmente em vigor no país. Além disso, não foram encontrados
nem disponibilizados à equipa do exercício documentos relativos a este tipo de programa.

236
Mais pormenores relacionados com as linhas de apoio estão incluídos no Anexo XX.
237
Só se conseguiu obter informação parcial na Internet.
238
Reuniões Bilaterais, Novembro de 2015 e Março de 2016.
239
Consultar o projecto-modelo na província da Huíla e as medidas de prevenção criminal incluídas na Lei do Julgado de Menores.

67
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Dito isto, a falta de disposições legais não significa que não existam intervenções extrajudiciais
em Angola. Na verdade, as leis tradicionais ainda têm um papel muito importante na resolução
de conflitos no seio da comunidade. Em matéria penal, alguns intervenientes até as comparam
a um “sistema paralelo” que é mais ou menos aceite oficialmente pelos actores formais. Alguns
casos são totalmente resolvidos no seio da comunidade sem qualquer intervenção por parte
dos intervenientes formais, enquanto noutros casos são os profissionais comunitários que
desempenham um papel sem a intervenção do sistema formal de justiça.

Em matéria penal, o processo extrajudicial pode ser retratado da seguinte forma: quando uma
criança se vê envolvida na realização de uma infracção, as famílias – tanto da criança transgressora
como da vítima – habitualmente com a ajuda de líderes tradicionais ou de intervenientes a trabalhar
em serviços comunitários, procuram chegar a uma solução comum. No CSR do Cazenga, a
criança pode ser encaminhada para os respectivos serviços pela polícia, pela sua família ou
por qualquer outra pessoa relacionada com o crime. Um funcionário reúne-se com o alegado
suspeito, os seus pais e a família da vítima do crime. O objectivo será alcançar uma solução
consensual que a vítima aceite e que garanta que a criança não reincide no crime. Poderá ser
feito um acompanhamento por parte do centro no sentido de apoiar a família, caso necessário.
A solução pode ser, por exemplo, devolver o artigo roubado, recompensar o prejuízo financeiro
ou prestar serviço à família lesada.240 O processo da criança permanecerá no centro social de
referência, mas pode ser enviado ao Julgado de Menores se a criança voltar a infringir a lei.
Este processo não parece ser aplicado por estruturas mais “oficiais” que servem de suporte ao
Julgado de Menores, como as CTM ou as respectivas unidades para crianças em conflito com a
lei do MINARS e do MININT que têm a obrigação de encaminhar todos os casos para o Julgado
de Menores. Segundo alguns intervenientes entrevistados, este processo só se aplica em
casos menos graves onde não tenha estado envolvida violência física e em casos em que não é
possível chegar a consenso entre as partes.241 Para um dos entrevistados, a intervenção informal
é uma alternativa eficaz para impedir que as crianças dos 16 aos 17 anos de idade tenham de
enfrentar um sistema de justiça para adultos que poderia ser extremamente traumatizante para
elas. Na verdade, muitas famílias parecem recorrer à justiça informal para resolver conflitos na
sua comunidade. A justiça informal aplica se através de instituições tradicionais e costumeiras
(habitualmente em estreita colaboração com organizações populares) que são utilizadas pela
população tanto em zonas urbanas como rurais, embora seja mais comum a sua utilização nas
zonas rurais. O recurso a líderes tradicionais (denominados “sobas”242 ), grupos comunitários,
ONG, igrejas, etc. é habitual para resolver conflitos antes de se envolver as estruturas formais.
O direito consuetudinário, oficialmente reconhecido pela Constituição da República de Angola,243
é por vezes preferido pela população para a resolução de disputas porque têm maior confiança
nos seus processos e resultados, por ser mais célere e eficaz. Além disso, a falta de tribunais
especializados para crianças em locais remotos do país aumenta o número de casos que não são
tratados pelo Julgado de Menores, mas através da justiça informal.

Este sistema alternativo oferece, entre outros aspectos, vantagens como acessibilidade,
“responsabilização” eficaz das crianças de acordo com as normas tradicionais, mediação
comunitária (colectiva) e maior aceitabilidade social relativamente à decisão tomada. Alguns

240
Reuniões Bilaterais, Luanda, Março de 2016.
241
Pelo menos isto é o que acontece em Luanda.
242
Em matéria penal, os Sobas recebem remuneração por parte do Governo e têm autoridade estatal informal para resolver conflitos e definir as penas a aplicar por pequenas infracções penais, incluindo
delitos cometidos por crianças.
243
Desde que não entrem em contradição com os seus princípios. Consultar artigos 7º, 223º, 224º da Constituição de 2010.

68
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

intervenientes relataram que nalgumas zonas já foram implementadas redes de protecção


da infância com recurso a estruturas formais e informais de resolução de conflitos. Onde se
encontram activas, estas redes ajudam a identificar e responder a violações dos direitos das
crianças, reduzir práticas prejudiciais e transformar comportamentos e atitudes no seio da
comunidade.

De acordo com alguns intervenientes inquiridos, os sobas têm jurisdição geográfica e podem
intervir em todos os casos referentes a bens. Não têm competência para intervir em “casos
graves”, em particular casos que envolvam ofensas contra seres humanos, que ficam reservados
às jurisdições oficiais. As fronteiras entre o seu poder tradicional e o sistema jurídico oficial
nem sempre são claras e podem surgir dificuldades devido a inconsistências entre as práticas
tradicionais e as leis estatais, sobretudo em casos relacionados com o casamento infantil, o
divórcio, a custódia das crianças, a propriedade e as heranças. 244 Consequentemente, se, numa
primeira análise, as estruturas extrajudiciais de resolução de conflitos são fundamentais para
a disputa de casos que envolvem crianças em conflito com a lei, também foi relatado que a
coexistência de intervenções formais e informais por vezes pode originar uma dupla punição
para a criança “transgressora”.245 Tal acontece quando o sistema formal toma conhecimento da
infracção algum tempo depois e decide intervir. Teria sido interessante saber efectivamente como
é que a intervenção informal é ponderada na decisão de intervir a nível judicial mais tarde, mas
nem a investigação realizada nem os intervenientes inquiridos sobre o assunto proporcionaram
esta informação. Outro dos desafios é que nem todos os casos são registados, o que torna o seu
acompanhamento mais difícil e com maior risco de decisões arbitrárias e violação dos direitos da
criança neste processo. Seria pertinente efectuar mais estudos sobre esta questão. Isto ajuda a
esclarecer a importância de enquadrar estas práticas sem sobrecarregar o processo.

Os processos informais raramente são objecto de relatórios escritos e não foi possível recolher
dados quantitativos relativamente ao número e natureza dos conflitos resolvidos através de
processos informais, por exemplo ao longo do último ano.

4.3.6.3 Intervenção judicial


A opção por medidas extrajudiciais enquanto alternativa às intervenções judiciais é uma das bases
da justiça juvenil. Assim, de acordo com as normas internacionais,246 os Estados-Membros têm o
dever de ponderar o recurso a intervenções que permitam que a criança não tenha de passar pelo
sistema judicial sempre que seja possível e apropriado à situação. É com respeito a este princípio
que a lei angolana defende a prioridade das medidas de reeducação.247 Esta prioridade deve
ser uma reflexão em torno das medidas judiciais e extrajudiciais, os dois tipos de intervenção
que se aplicam a crianças em conflito com a lei. Em cumprimento do disposto nas normas
internacionais, a intervenção deve incluir “cuidados, orientação e supervisão, aconselhamento,
liberdade assistida, serviços de acolhimento, programas educativos e de formação e outras
alternativas aos cuidados institucionais (…)”.248 No geral, as medidas judiciais devem ser a norma
relativamente aos casos de violência contra crianças. Parte-se aqui do pressuposto de que a
impunidade e as medidas extrajudiciais são opostas ao superior interesse da criança, sobretudo
se o agressor for um adulto.

244
UNICEF, Análise de Situação, Luanda, Angola, 2015, pág. 118.
245
Reuniões Bilaterais, Março de 2016.
246
Em particular o artigo 40, nº 3 da CDC.
247
República de Angola, Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança.
248
Comité dos Direitos da Criança, Comentário Geral n.º 10 (2007), CRC/C/GC/10, pág. 8.

69
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Segundo as normas legais, o juiz é a única autoridade que pode decidir sobre as questões referentes
a casos que envolvam crianças, que medidas temporárias249 aplicar enquanto se aguarda a
decisão sobre a acusação e a medida a aplicar se a criança acusada for considerada culpada do
delito. Quanto às medidas temporárias, a lei fornece uma lista de medidas facultativas250 que o
juiz pode determinar, especificando que a lista não é exaustiva.251 Na verdade, perante a ausência
do Centro de Observação, a maioria das medidas temporárias não poderá ser aplicada e a criança
regressa para junto da família. Se a criança não tiver família ou se a solução encontrada a colocar
em situação de perigo, o Julgado ordena a sua transferência para um centro de acolhimento.
Após o julgamento,252 nos casos em que a criança é considerada culpada, o juiz tem de aplicar as
medidas de prevenção criminal descritas na lei, 253 entre as quais a Medida de Internamento ou de
Semi-Internamento. Perante a inexistência de centros de internamento, as crianças regressam
para as suas casas.

De acordo com alguns entrevistados, a intervenção judicial do Julgado de Menores pode ser,
nalgumas circunstâncias, uma experiência positiva para a criança em conflito com a lei,254 que
terá a oportunidade de explicar os motivos para o seu comportamento e apresentar um pedido de
desculpas à vítima. Um dos inquiridos referiu que os funcionários do Julgado procuram criar uma
atmosfera que facilite a comunicação entre a criança, a família e a vítima (e a família desta), tendo
acrescentado que muitas crianças ficam surpreendidas por não serem julgadas nem agredidas
e por a abordagem especializada adoptada pelo Julgado ter efectivamente em consideração
as particularidades das crianças. No entanto, as partes interessadas inquiridas reconheceram
que isto não é necessariamente verdade quanto às Salas dos Crimes Comuns nos Tribunais
Provinciais, porque o pessoal existente não tem conhecimentos nem formação específica sobre
protecção da criança. Nestas circunstâncias, a criança não beneficiará das vantagens de uma
intervenção judicial pertinente e adaptada às especificidades, necessidades e situação da criança.

A maioria dos intervenientes entrevistados sobre este assunto referiu que a Lei do Julgado de
Menores inclui medidas alternativas suficientes para uma boa intervenção judicial que evite a
detenção da criança, mas, ao mesmo tempo, assegure uma supervisão apropriada. O problema
prende-se mais com a implementação e a falta de recursos, como por exemplo a ausência de um
centro de reabilitação para crianças. As partes interessadas também informaram que as medidas
que se relacionam com a prestação de serviço comunitário, a liberdade assistida e os serviços
institucionais de momento não são aplicadas. No primeiro caso, as medidas apresentadas pela
lei ainda não foram aprovadas a nível administrativo (aprovação de modelos de formulários).
Será necessário que os julgados de menores procedam ao estabelecimento de memorandos de
entendimento com entidades públicas ou privadas seleccionadas para a recepção de crianças
em regime de prestação de serviço à comunidade, mas obstáculos administrativos não o têm
permitido.255 Quanto à medida de liberdade assistida, a falta de pessoal associada à falta de
capacidades e competências técnicas no seio da polícia têm impedido a sua aplicação.

249
O período de aplicação destas medidas é de três meses de acordo com a Lei do Julgado de Menores (artigo 3º, nº 2).
250
República de Angola, Lei do Julgado de Menores, art.º 15.
251
Consulte a lista de medidas provisórias reproduzida no Anexo XII.
252
As audiências no Julgado de Menores não são públicas (Lei do Julgado de Menores, art.º 28).
253
Lei do Julgado de Menores, art.º 17. Consulte a lista de medidas de prevenção de criminalidade no Anexo XII.
254
O itinerário geral da criança em conflito com a lei pelo sistema de justiça pode ser consultado no Anexo XVII.
255
Contudo, com o apoio do UNICEF, estes memorandos estão a ser desenvolvidos, assim como a aprovação dos modelos de formulários e é esperado que que sejam executados brevemente, para se fazer
cumprir estas medidas.

70
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Abaixo apresenta-se a lista dos principais obstáculos a uma intervenção judicial ideal para as
crianças (referidos pelas partes entrevistadas):

• A inexistência de Julgados de Menores implica que, noutras províncias, todas as crianças


vítimas com menos de 18 anos de idade e todas as crianças em conflito com a lei com
mais de 15 anos estão sob a competência do Juiz Presidente do Tribunal Provincial e
do Procurador da República Provincial. Estes juízes nem sempre têm conhecimentos
especializados em protecção da criança;
• A localização actual do Julgado de Menores256 em Luanda gera problemas de acessibilidade
para as famílias das crianças e dificuldades na colaboração com outras instituições que
trabalham com crianças, que se situam no centro de Luanda, além de provocar atrasos
nas transferências de processos para o Julgado;
• A falta de CSR, CTM e outros recursos necessários para aplicar as várias medidas que
podem ser determinadas pelo Julgado (medidas temporárias de protecção social e/ou
de prevenção criminal). Alguns intervenientes informaram que só foram regulamentadas
duas medidas alternativas para crianças em conflito com a lei, tendo sido elaboradas
normas para serem implementadas de acordo com a lei. Estas medidas são a prestação
de serviço comunitário e a liberdade assistida;257
• A incapacidade de encaminhar as crianças, sempre que necessário, para o Centro de
Observação, o Centro de Internamento ou algum centro de reabilitação para crianças leva
a que, excepto se isto implicar um risco sério para a segurança da criança, as crianças
regressem para junto das famílias, independentemente da gravidade do crime,258 das
suas necessidades específicas ou da sua situação global.
• Ausência de transporte que permita aos funcionários do Julgado deslocarem-se para
poderem concretizar a sua missão;
• Os centros de acolhimento não estão concebidos para trabalhar com crianças em conflito
com a lei.
• Falta de polícias nas esquadras com formação em direitos da criança.
• Falta de procuradores da república para verificarem se há crianças com menos de 16 anos
de idade detidas em prisões para adultos;259
• As crianças e os seus pais são privados de recursos que os podem ajudar na sua
reabilitação e reinserção na sociedade;
• A falta de recursos humanos e a atribuição de equipamentos a todos os níveis (gabinete
de Advogados de Crianças, CTM, etc.) não correspondem às necessidades das crianças e
à longa distância imposta pela disposição da cidade de Luanda. A inexistência de moradas
torna ainda mais desafiante proceder à localização dos familiares da criança e por vezes
faz com que seja impossível supervisionar as medidas determinadas pelo Julgado;
• A exclusão das crianças em conflito com a lei dos 16 aos 17 anos de idade da aplicação
de medidas judiciais determinadas pela Lei do Julgado de Menores.

256
Um interveniente informou que o número de casos tratados diminuiu desde que o Julgado de Menores foi transferido para o Zango III. À hora de ponta, demora se pelo menos uma hora no caminho.
257
República de Angola, Lei do Julgado de Menores, artigoº 17, alíneas d) e e).
258
Algumas partes interessadas informaram que até crianças acusadas de crimes graves, como homicídio ou violação, foram enviadas de volta para as suas famílias com medidas de controlo específicas.
Em Março de 2016, ambos os centros continuavam desactivados e não tinha sido definida data para a sua abertura.
259
Este processo de verificação foi concebido durante a implementação do projecto-piloto em Huíla.

71
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.3.6.4 Recursos judiciais e restrição de medidas privativas de liberdade

A norma internacional relacionada com a restrição


de aplicação de medidas privativas da liberdade
está intimamente relacionada com a questão dos
procedimentos dos recursos judiciais e com a “diversion”
Os adolescentes em conflito com a lei
enfrentam um risco elevado de abusos,
com a qual muitas vezes se confunde. No seguimento
sobretudo se estiverem detidos com do Comentário Geral n.º 10 do Comité, os “princípios
adultos. Devido à falta de recursos e zonas fundamentais para o uso da privação de liberdade são: (a)
reservadas, as crianças que ficam detidas em A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será
esquadras são muitas vezes colocadas numa
cela com adultos, que por vezes representam efectuada em conformidade com a lei e apenas como
uma ameaça ao seu bem-estar e segurança. último recurso, e durante o mais breve período de tempo
que for apropriado; e (b) Nenhuma criança será privada
(Reunião Bilateral, Novembro de 2015)
da sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária”.260 No
mesmo sentido, o relatório sobre a Análise da Situação
das Crianças e Mulheres em Angola referiu, quanto à
nova legislação sobre as medidas socioeducativas de
liberdade assistida e de prestação de serviço comunitário,
que esta “estabelece um modelo de responsabilidade penal juvenil em conformidade com a
Convenção sobre os Direitos da Criança, que dá prioridade a medidas não privativas de liberdade
que visam a reinserção social dos adolescentes e suas famílias”.261 O objectivo, assim, será
reeducar e reintegrar a criança no seu ambiente natural e não punir. No entanto, e apesar das
disposições incluídas na lei, nenhum dos intervenientes entrevistados citou algum programa
formal de reabilitação.

Como na maioria dos países, em Angola a criança pode ver-se privada de liberdade em vários
momentos do processo judicial: a) depois da detenção, na esquadra durante o interrogatório
preliminar; b) enquanto aguarda por se apresentar ao Julgado de Menores (crianças dos 12 aos
15 anos de idade) ou perante o procurador da república (crianças dos 16 aos 17 anos); c) enquanto
aguarda o seu julgamento; e d) após o julgamento, se for condenada a pena de prisão. De acordo
com os entrevistados,262 a privação de liberdade após a detenção pode ir de 24 horas a vários
dias – dependerá da distância entre o local onde a criança foi detida e a localização do Julgado
de Menores ou do procurador da república se a criança tiver mais de 15 anos. No entanto, só
conseguimos obter informação parcial sobre o tempo passado em detenção antes de terminar
o processo judicial e o tempo médio de prisão após a condenação. Quanto à prisão preventiva,
aparentemente este período pode, nalguns casos, ir até seis meses. Um dos inquiridos declarou
que algumas crianças podem ficar durante meses na prisão da Comarca do Cuíto263 se a família
não tiver recursos financeiros suficientes para pagar o valor da fiança.264

Algumas crianças em conflito com a lei e os seus pais entrevistados no Julgado de Menores
também testemunharam terem sido detidas pela polícia por longos períodos, que iam de dias
a meses, sem qualquer acusação formalizada. Algumas crianças declararam, ainda, que foram
levadas directamente da esquadra para a prisão, sem passar no Julgado. Além disso, as condições
de detenção parecem ser deveras preocupantes e não obedecem às normas internacionais para

260
Comité dos Direitos da Criança, Comentário Geral n.º 10, (2007), CRC/C/GC/10, pág. 21.
261
UNICEF, Análise da Situação das Crianças e Mulheres em Angola, 2015, pág. 117.
262
Crianças e pais contactados no Julgado de Menores e crianças em conflito com a lei com quem reunimos nas prisões de Viana e Comarca.
263
Situada no Bié.
264
Os pais têm de fazer um pedido e obter o seu “certificado de pobreza” (documento que atesta os baixos rendimentos da família e que esta é elegível para subsídios estatais), o que pode demorar até
três meses.

72
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

as crianças. Na verdade, as crianças com quem nos reunimos informaram que, durante a sua
detenção na esquadra, só recebiam uma refeição por dia por parte das autoridades prisionais.
As suas famílias também lhes levavam comida depois de conseguirem descobrir em que local
a criança estava presa. Muitas vezes as crianças são obrigadas a partilhar a refeição com outros
presos ou só podem comer depois de os adultos terem comido.

Algumas das crianças reunidas disseram que as celas são partilhadas por 15 a 20 detidos (na
maioria adultos), sendo estas destinadas a quatro pessoas, e que dormiam directamente no
chão sem colchões. Normalmente passavam dias sem tomar banho. As instalações sanitárias
têm muito más condições. Salientamos, também, que na secção feminina da prisão da Comarca,
sete crianças (entre 1 e 8 anos de idade) se encontravam detidas com as mães no momento da
visita, também com condições sanitárias muito precárias.265

Não foi possível obter dados oficiais actuais relativos ao número de crianças que se encontram
detidas nos vários estabelecimentos prisionais espalhados pelo país, em particular adolescentes
de 16 e 17 anos. As poucas estatísticas existentes relacionam-se com o número de crianças em
conflito com a lei em território nacional e o número de casos tratados pelo Julgado de Menores.

Quanto às crianças em conflito com a lei entre 12 e 15 anos de idade, aparentemente a norma será
a libertação da criança, desde a implementação do Julgado de Menores em 2003. Embora alguns
actores reconheçam que possivelmente antes as crianças eram presas em conjunto com os
adultos, a maioria declarou que a situação se alterou com o Julgado de Menores e as instituições
públicas que trabalham em colaboração com o Julgado (CTM, unidades especializadas do MININT
e MINARS, INAC, etc.). Além disso, o facto de os dois centros seguros para as crianças (Centro
de Observação e Centro de Internamento) não estarem a funcionar deixa poucas alternativas aos
vários intervenientes: permitir que a criança regresse para junto da família ou encaminhá-la para
um centro de acolhimento se a primeira solução não for possível ou não se aplicar à situação
dessa criança especificamente. Em relação a crianças em conflito com a lei que tenham mais
de 15 anos, é indiscutível que a prisão após a detenção formal é a regra geral, em especial se o
crime cometido for considerado grave.

A drástica diferença de tratamento dos casos que envolvem crianças de 12 a 15 anos e dos
relacionados com crianças com mais de 15 anos é uma preocupação, tendo sido abertamente
criticada apenas por uns poucos entrevistados com maior consciência do impacto negativo da
prisão nas crianças e nos adolescentes. Para os outros, a prisão não é a solução ideal, mas
devido ao perigo que algumas crianças representam, não existe outra alternativa que não a sua
detenção. A maioria das partes interessadas concordou com o papel socioeducativo do Julgado
de Menores e encara com agrado a oportunidade de aplicar medidas socioeducativas a crianças
dos 12 aos 15 anos de idade. Deste modo, foi surpreendente a maioria admitir que, se os Centros
de Observação e de Internamento estivessem abertos, as crianças seriam colocadas nestes
centros em vez de regressarem para junto das suas famílias. Para eles, o risco de reincidência
é maior se a criança voltar para o ambiente que pode ter contribuído para a infracção, sobretudo
se não for prestado nenhum apoio para supervisionar a criança e ajudar a família. Para alguns
intervenientes, esta situação também fomenta na comunidade o sentimento de impunidade.
Além disso, nalguns casos, esta alternativa coloca a criança em maior risco de represálias por

265
As mães informaram que não tinham fraldas para os seus bebés nem redes para protecção contra a malária.

73
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

parte da vítima ou da família desta e também de ser alvo de abuso por parte de adultos que
gostariam de usufruir deste regime de impunidade não-oficial para os menores de idade. Tal
também destrói qualquer tipo de mensagem dissuasora que poderia ser passada à criança,
sendo que, deste modo, ela entende que não há consequências para os seus comportamentos
ilegais, o que aumenta, simultaneamente, o risco de reincidência. Os entrevistados consideram
que as actividades de reabilitação que virão a ser desenvolvidas nos centros especializados serão
úteis e mais eficazes.

Esta argumentação pode levar a pensar que a custódia não é encarada como medida de último
recurso tal como definido pelas normas, mas a primeira solução que se aplicará quando os
centros especializados estiverem finalmente a funcionar. Também demonstra a necessidade de
sensibilização e formação sobre o impacto da prisão nas crianças, em particular quando estão
presas com adultos, e sobre as melhores práticas relativamente às medidas alternativas à privação
de liberdade. Na verdade, a aplicação de uma culpabilidade, uma multa ou medidas relacionadas
com a restrição de comportamentos ou normas de conduta é mais fácil e considerada mais
eficaz. Por outro lado, a não-aplicação eficaz de medidas preventivas mais complexas tem vários
efeitos perversos.

4.3.7 Gestão de dados


Em 2012, foi lançado o Sistema de Indicadores da Criança Angolana (SICA) para “fornecer
contributos no sentido de controlar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio com recurso
ao sistema DevInfo por um lado e ser a sustentação da certificação dos Municípios Amigos da
Criança (a associar a um sistema de incentivos baseado no desempenho) por outro lado”.266
A base de dados dos indicadores intersectoriais para a infância deveria ser administrada pelo
Instituto Nacional de Estatística (INE), com a assistência técnica do UNICEF e do PNUD e
sustentada pelos ministérios competentes do CNAS. Foi criada para avaliar o progresso feito, a
nível municipal, quanto aos resultados esperados da implementação dos 11 Compromissos para
a sobrevivência, o desenvolvimento, a protecção e a participação das crianças no país. Deste
modo, esperava-se que a informação recolhida proporcionasse ao Governo dados relevantes
para controlar o que se alcançou em termos de direitos e bem-estar da criança em todos os
municípios.

Assim, em 2015, a Análise da Situação das Crianças e Mulheres em Angola267 concluiu que
“ainda não existe um sistema integrado de informação de gestão sobre protecção da criança
com procedimentos e indicadores definidos para recolha e gestão de dados”.268 Relativamente
ao SICA, o relatório declara que “na prática, este sistema global de indicadores teria de se basear
em sistemas de informação eficazes em matéria de gestão nos sectores individuais que estão
em falta neste momento (assistência social, educação, justiça, aplicação da lei, etc.). Além disso,
não existe um sistema funcional de estatísticas vitais activo no país e, apesar dos progressos
realizados pelo INE nalgumas províncias, os dados referentes à saúde e ao registo civil não
são comunicados de forma efectiva. (…) Esta fragilidade quanto aos dados, ao planeamento e
ao orçamento coloca significativos obstáculos à implementação das políticas de protecção da
criança”.269 Esta informação foi confirmada pelos actores com quem nos reunimos. De acordo

266
Escritório Regional da África Oriental e Austral (ESARO), Portal nacional, “Annual Report 2011 for Angola” (Relatório Anual de Angola 2011), http://www.unicef.org/about/annualreport/files/Angola_
COAR_2011.pdf (último acesso a 8 de Julho de 2016).
267
UNICEF, “Análise da Situação das Crianças e Mulheres em Angola”, 2015, pág. 113.
268
Ibid.
269
Ibid.

74
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

com um deles, esta situação advém, entre outros motivos, da falta de concordância entre o
CNAS e o INAC em relação à utilidade e ao objectivo da ferramenta. Consequentemente, foi
muito difícil obter dados quantitativos actuais e pertinentes das entidades oficiais e os poucos
dados comunicados são muito generalizados, não são separados nem por género, nem por idade,
nem por tipologia de casos tratados e, como já foi mencionado, praticamente não são utilizáveis.

A gestão de dados é uma das componentes essenciais de qualquer iniciativa de reforma da justiça.
O acesso a dados sólidos e fidedignos sobre os principais indicadores dos direitos das crianças
proporciona um melhor entendimento da situação das crianças no país e facilita a execução de
mecanismos pertinentes de controlo e avaliação periódicos. A recolha sistemática, coordenada
e bem organizada de dados deverá incluir dados nacionais, mas também estatísticas separadas
por província e município, a partir dos indicadores sectoriais internacionalmente aprovados.

4.3.8 Procedimentos
4.3.8.1 Termos de Referência dos serviços especializados para crianças
Quase todos os intervenientes que trabalham em entidades estatais conseguiram explicar nas
suas próprias palavras o seu mandato geral, bem como as atribuições associadas, acrescentando
que os seus documentos de referência eram o seu estatuto orgânico, o organograma da respectiva
estrutura, a Lei do Julgado de Menores e o seu Código de Processo. Alguns também referiram
os 11 Compromissos. Por outro lado, vários reconheceram que muitas vezes acontecem
sobreposições porque nem todos têm necessariamente um entendimento correcto do seu papel
dentro do sistema global de protecção ou devido às frequentes mudanças internas e rotatividade
de quadros que se têm verificado em algumas entidades nos últimos anos.

Porém, não foi possível obter termos de referência, estatuto orgânico ou organogramas das
várias entidades consultadas. A consulta e a análise destes documentos permitiriam uma melhor
compreensão global dos mandatos das partes interessadas, bem como das suas funções e
responsabilidades. Também possibilitariam comparar o entendimento que a pessoa tem das
suas atribuições com as práticas correntes e o que se impõe de acordo com os termos de
referência.

4.3.8.2 Procedimentos internos


Os procedimentos internos estabelecem e descrevem os padrões mínimos que devem ser
observados num ambiente específico. São procedimentos e regras de conduta internos a
aplicar nas intervenções dirigidas a crianças que têm de cumprir os requisitos de desempenho
e a qualidade de serviço de uma estrutura definida. Estes procedimentos também devem
obedecer aos princípios internacionais orientadores da protecção e da justiça para as crianças.
Aumentam a eficácia das intervenções e têm de ser revistos periodicamente. Além dos próprios
procedimentos, habitualmente incluem os princípios orientadores e as abordagens em que se
baseiam. Deste modo, as orientações sobre como realizar uma entrevista ou um interrogatório a
uma criança geralmente incluem-se neste tipo de documento, bem como as informações sobre
gestão de processos.

75
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Quanto aos termos de referência, não foi possível aceder a nenhum documento relacionado
com procedimentos internos. Enquanto alguns dos intervenientes pareciam não perceber
exactamente o que eram os procedimentos internos a que nos referíamos, outros responderam
apenas citando a lei e acrescentando que tudo estava completo nos procedimentos a aplicar.
Alguns intervenientes explicaram que tinham criado modelos específicos por iniciativa própria
para facilitar e uniformizar a recolha interna de dados sobre crianças e melhorar a comunicação de
dados com outras estruturas. No entanto, não é claro se estas iniciativas foram acompanhadas e
observadas de acordo com orientações administrativas institucionais. Apesar disso, é importante
salientar que os modelos referidos por alguns intervenientes e que são incluídos no livro de
Maria do Carmo Medina não fazem parte da lei, constituindo apenas exemplos e não vinculando
nenhuma das estruturas. Conforme indicado nas referências deste livro, os modelos foram
desenvolvidos num contexto de formação dirigida ao Julgado de Menores. Assim, nada impede
que sejam usados como modelos fidedignos para criação de novos modelos institucionais
adaptados noutras estruturas como polícias e profissionais da área social que trabalhem em
unidades especializadas dos principais ministérios.

A elaboração de procedimentos internos é sem dúvida uma das primeiras etapas de uma
estratégia de alargamento relevante, promissora e sustentável dos serviços especializados por
todo o território. Além disso, estes preparam o terreno para a criação de procedimentos externos
que descreverão como cada interveniente deve coordenar o seu trabalho com os outros para
uma melhor resposta global às necessidades das crianças.

4.3.8.3 Procedimentos Operacionais Padronizados


Uma abordagem intersectorial implica que, por cada criança que entra em contacto com a lei, são
identificados todos os principais actores relevantes, que irão colaborar de acordo com o superior
interesse da criança e segundo a sua área específica de competências e as suas funções e
responsabilidades particulares. A eficácia deste sistema baseia-se na qualidade dos serviços
prestados, mas também na qualidade da coordenação e colaboração entre todas as partes
interessadas.

Sobre este assunto, as Estratégias e Medidas Práticas das Nações Unidas para a Eliminação
da Violência contra Crianças no Campo da Prevenção de Crimes e Justiça Penal instam os
Estados-Membros a que “assegurem a elaboração e implementação de normas, procedimentos
e protocolos nacionais entre os actores nacionais pertinentes no sentido de responder com
sensibilidade às crianças vítimas de violência”.270 Por isso, os Procedimentos Operacionais
Padrão (POPs) aumentam a qualidade do serviço através da consistência, uniformidade e
institucionalização de boas práticas. Habitualmente diminuem as grandes variações nas
intervenções dentro de uma organização específica e no sistema de protecção no geral.

270
Deliberação 69/194, A/RES/69/194, adoptada pela Assembleia Geral a 18 de Dezembro de 2014, pág. 14.

76
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Aparentemente não se desenvolveu este tipo de procedimentos operacionais para o sistema


de protecção das crianças em Angola. Pelo menos não foi apresentado nenhum documento
pelos intervenientes inquiridos, pesem embora os nossos pedidos e solicitações. Assim, muitos
intervenientes mencionaram os procedimentos existentes no Código de Processo do Julgado de
Menores como sendo a principal ferramenta referente aos padrões operacionais para intervenções
com crianças presentes perante o Julgado de Menores. Parece que cada indivíduo elaborou as
suas próprias práticas para as abordagens e técnicas utilizadas com crianças no seu trabalho
diário, tendo em consideração as disposições gerais da lei. Deste modo, vários actores indicaram
que adoptavam comportamentos “sensíveis às necessidades da criança” quando entrevistam
menores de idade, para facilitar a partilha e minimizar o risco de intimidação. Um funcionário de
uma ONG de base comunitária informou que conhece um polícia que muitas vezes se veste
“à civil” durante a sua intervenção, sobretudo quando realiza acções de sensibilização junto da
população para reforçar a sua mensagem. Porém, esta atitude não foi confirmada pelas crianças
inquiridas, que, pelo contrário, falaram sobre a agressividade e violência que testemunharam ou
de que foram vítimas quando estiveram em contacto com a polícia. Este tipo de comportamento
é especialmente notório quando se trata de crianças em situação de rua que são confrontadas
com o estigma e tratamento discriminatório por parte da polícia devido à sua situação actual.271

Relativamente à qualidade da colaboração entre as várias partes interessadas, enquanto uns


declararam que a colaboração é satisfatória, outros (sobretudo de ONG) indicam que existe
muita confusão quanto às funções e responsabilidades entre instituições estatais e ministérios.
Esta situação levanta novamente a questão relacionada com a multiplicidade de entidades, pois
os actores mencionaram as sobreposições e a falta de coordenação como principais problemas
a este respeito. Assim, segundo alguns intervenientes, ironicamente parece evidente que
o Governo não consegue prestar todos os serviços exigidos e os actores da sociedade civil
complementam os serviços fornecidos pelo Estado. Consequentemente, põe-se a necessidade
do reconhecimento explícito do papel de todos os actores inseridos nos mecanismos que
regulam as práticas e a coordenação das intervenções.

4.3.9 Prevenção
Não se conseguiu muita informação sobre esta questão. Diversos intervenientes, em particular
os da sociedade civil ou que trabalham a nível comunitário, comunicaram que são organizadas
acções de sensibilização nas comunidades para informar sobre os direitos da criança e os serviços
disponíveis para denunciar qualquer tipo de situação problemática que envolva uma criança.
No entanto, não foram entregues para análise nenhuns documentos com os dados, objectivos,
resultados e impacto deste tipo de iniciativas.

271
Reunião Bilateral, Março de 2016.

77
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.4.0 Projectos e programas


Pese embora a informação reunida na revisão documental, não foi possível obter documentos
pertinentes sobre os projectos e programas relevantes postos em prática nos últimos anos.272

Tabela 10: : Panorama dos vários programas relacionados com a Protecção das Crianças
e a Justiça para Crianças em Angola

Projectos e programas

Projecto de Registo de Nascimento e Justiça para Crianças


Implementação de Medidas de Prevenção da Criminal para crianças em conflito com a lei – Modelo daHuila
Plano Nacional do Governo para implementação dos 11 Compromissos
Planos de acção nacionais bianuais do CNAS
Programa para o Reforço dos Direitos das Crianças e dos Jovens
Estratégia nacional para prevenir e mitigar a violência contra crianças
Estratégia nacional para as crianças vulneráveis
Programa para a mitigação da vulnerabilidade das crianças
Plano de acção para a protecção das crianças e criação de uma plataforma para coordenar as intervenções
Campanhas de sensibilização para combater a violência contra crianças
Política nacional para a protecção e o desenvolvimento das crianças
Programa de Viana – Linha de Denúncia SOS
Política nacional de assistência social (PNAS 2013)
Programa para desenvolver e actualizar as instituições privadas para crianças de rua (programa de formação educacional e
vocacional)

Programa do Governo para a Massificação do Registo de Nascimento


Estratégia para participação infantil e respectivo plano de acção
Programas de prevenção e combate ao consumo de drogas
Acordo de Cooperação Multissectorial de combate ao tráfico de seres humanos, particularmente mulheres e crianças

Plano nacional de acção e intervenção contra a exploração sexual e comercial de crianças


Plano de acção para implementação da lei contra a violência doméstica

Segundo a maioria dos intervenientes, as iniciativas têm pouco impacto porque em geral
são pontuais (prazo restrito para implementação) e não estão integradas numa visão global
ou multissectorial do sistema de protecção da criança. Enquanto lutam pela sobrevivência,
os actores são colocados num contexto que é mais de competição do que de colaboração.
Consequentemente, as iniciativas de curto prazo têm resultados de curto prazo e extremamente
incompletos. As iniciativas de formação constituem um bom exemplo da falta de uma abordagem
integrada e com visão.

272
Apresenta-se no Anexo XXI uma breve sinopse dos projectos considerados relevantes.

78
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

4.4.1 Formação

Quer sejam vítimas ou testemunhas de situações de abuso ou estejam em conflito com a lei,
estas crianças e adolescentes vão interagir com diversos intervenientes do Sistema, como
por exemplo polícias, magistrados e assistentes sociais. Na actualidade, é comumente aceite
que trabalhar com crianças exige competências específicas com respeito às características
psicológicas, físicas e sociais das mesmas. Estas competências273 ttambém devem observar os
direitos e a protecção das crianças no contexto legal.

As normas internacionais estruturaram a necessidade do desenvolvimento de competências


e da formação dos profissionais que trabalham no sistema de justiça e dos actores envolvidos
no sistema informal de justiça. De acordo com as Estratégias-Modelo das Nações Unidas, os
Estados-Membros não devem apenas implementar acções de formação sobre direitos da criança,
mas também “… fornecer informação sobre formas adequadas de lidar com as crianças, em
particular as que possam estar sujeitas à discriminação, e educar profissionais da área da justiça
penal sobre as fases de desenvolvimento da criança, o processo de desenvolvimento cognitivo,
a dinâmica e natureza da violência contra crianças, a diferença entre grupos de pares normais e
gangues e uma gestão apropriada das crianças que se encontrem sob a influência de álcool ou
droga”.274 No mesmo sentido, o Comité dos Direitos da Criança defende, no seu Comentário
Geral n.º 10 sobre os direitos das crianças na Justiça Juvenil, que “é essencial para a qualidade
da administração da justiça juvenil que todos os profissionais envolvidos, nomeadamente no
domínio judiciário e da aplicação da lei, recebam formação adequada sobre os conteúdos e
significados das disposições da CDC em geral, sobretudo os que se relacionam de forma directa
com a sua prática diária. Esta formação deve ser organizada de maneira constante e sistemática
não se limitando a informação sobre as disposições legais nacionais e internacionais relevantes.
Deverá incluir informação sobre as causas sociais e outras da justiça juvenil, aspectos psicológicos
e outros do desenvolvimento na infância dando especial atenção às raparigas e crianças que
pertencem a minorias ou comunidades indígenas, a cultura e tendências dos adolescentes no
mundo, a dinâmica das actividades de grupo e as medidas disponíveis referentes a crianças em
conflito com a lei penal, em particular medidas que não recorram a procedimentos judiciais.”275
O desenvolvimento das competências dos actores envolvidos no sistema de justiça também
contribui para a sustentabilidade de todas as iniciativas destinadas a consolidar o sistema. No
entanto, a informação parcial recolhida sobre as sessões de formação disponibilizadas não permite
à equipa do exercício estabelecer associações fidedignas entre essas acções de formação e
a sustentabilidade das medidas tomadas quanto ao sistema de protecção da criança. Só foi
possível uma breve descrição da situação da formação.

Através dos testemunhos recolhidos, uma primeira observação geral revela diferenças
significativas entre as declarações das pessoas que trabalham nos serviços públicos – como
polícias, magistrados e assistentes sociais – e em ONG locais ou ao nível municipal. Na verdade,
os funcionários da administração pública geralmente dizem que têm formação suficiente para
intervir com eficácia junto das crianças, enquanto os trabalhadores de ONG ou de organizações
de base comunitária indicam que carecem de mais formação. No entanto, os dois grupos
informaram ter bastante experiência.

273
Em Setembro de 2011, foi organizada uma conferência pelo IBCR durante a qual um comité de especialistas validou as seis competências principais que certificam que as práticas diárias dos polícias
observam e respeitam os direitos das crianças.
274
Deliberação 69/194, A/RES/69/194, adoptada pela Assembleia Geral a 18 de Dezembro de 2014, pág. 20.
275
Comité dos Direitos da Criança. Comentário Geral n.º 10 (2007) sobre os direitos da criança na justiça juvenil. 44.ª Sessão, CRC/C/GC/10, 25 de Abril de 2007, pág. 25.

79
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Mais especificamente, algumas partes interessadas da polícia judiciária declararam que o


programa da Academia Nacional de Polícia proporciona um curso geral sobre direitos humanos,
mas não existem módulos específicos sobre os Direitos da Criança ou sobre como intervir junto
de crianças. Os formadores276 que trabalham nos SIC de Luanda declaram que participaram
em diferentes conferências pontuais referentes a direitos da criança organizadas pelo INEJ e
financiadas pelas várias instituições internacionais, como o UNICEF, o UNICRI e o ACNUR.
No entanto, não é claro se estas acções de formação eram ou não obrigatórias. Realizam-se
acções de formação pontuais fora de Luanda para benefício da polícia judiciária das SMIC em
zonas remotas, mas existem muito poucas, pese embora a violência contra crianças ser ainda
mais frequente nessas regiões. Já não parece haver programas de formação contínua para as
unidades especializadas para crianças no MININT. Por vezes, a Chefe da Unidade para crianças
em conflito com a lei pode elaborar um módulo sob a sua própria iniciativa e requerer verbas do
MININT ou instituições internacionais.

O Instituto Social é o organismo formador central que opera sob o Ministério do Ensino Superior
que proporciona um curso universitário para assistentes sociais. Embora existam diversas
subinstituições por todo o país, estas oferecem cursos para técnicos que trabalham no campo
da primeira infância. Só o Instituto de Luanda fornece o curso para se ser um assistente social
reconhecido. O aluno tem de concluir os primeiros três anos da faculdade em ciências sociais e
depois escolher uma especialização em acção social. Esse curso tem a duração de um ano, após
o qual obtém uma licenciatura em acção social. Neste momento, nenhum dos cursos oferecidos
aborda a protecção social ou competências técnicas para trabalhar com crianças.

Nas unidades especializadas para crianças do MINARS, os funcionários ou têm formação de nível
intermédio para técnicos sociais (animador social, educador e educador especial) ou formação
de nível superior para os directores (psicólogo). O pessoal trabalhador também possui alguns
conhecimentos sobre benefícios e direitos das crianças, obtidos em acções de formação pontuais
dinamizadas pelo INAC, o Instituto Nacional de Estudos Jurídicos (INEJ) ou ONG sobre esta
temática específica ou diversas situações que afectam as crianças. Actualmente não parecem
existir acções de formação sobre o desenvolvimento na infância nem programas de formação
contínua. Também foi destacada a falta de técnicos qualificados nas províncias.

O programa inicial do INEJ inclui um módulo sobre protecção da criança, obrigatório para todos
os novos juízes e procuradores da república. A duração desta acção de formação especializada é
de 100 dias no total, que se dividem por dois dias por semana durante um semestre. Os assuntos
abordados durante a formação incluem direito de família e deveres da família, disposições legais
sobre o fenómeno da criança em conflito com a lei, o Código Penal, a Lei do Julgado de Menores
e seu respectivo Código de Processo. Não existe nenhum programa oficial de formação contínua
para juízes em funções, mas existem acções de formação ocasionais direccionadas para novos
fenómenos que afectam as crianças e as normas internacionais aplicáveis à criança em conflito
com a lei, como a Carta Africana, as Regras de Pequim, etc. Estas acções de formação “contínuas”
visam oferecer uma melhor resposta a novas violações dos direitos das crianças (acusação de
feitiçaria, pornografia infantil, etc.). O INEJ também contribui, ao organizar regularmente várias
acções de formação para os técnicos do MININT e do MINARS. Segundo um acordo assinado
pelos dois ministérios, estas acções de formação deverão ser obrigatórias.

Existem 15 formadores em Luanda, incluindo 11 mulheres. Os formadores são responsáveis pela elaboração de procedimentos e gestão de casos (reunir com as crianças, redigir relatórios das entrevistas,
276

preparar e enviar notificações para as testemunhas, familiares ou profissionais, etc.).

80
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

É também importante salientar a formação anual de juízes e outros actores do sector judicial nos
PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa) sobre protecção jurisdicional da criança.
Esta formação é proporcionada pelo INEJ em colaboração com a Universidade Comillas em
Madrid, Espanha. De acordo com o UNICEF, 100 magistrados e outros operadores legais foram
formados em 2015 em Protecção Jurisdicional dos Direitos da Criança.

Quanto aos actores que trabalham a nível comunitário, um entrevistado informou que a maioria
das pessoas que trabalha em ONG não possui níveis elevados de formação. Grande parte terá
aprendido com a prática, tendo depois procurado aproveitar as acções de formação especiais
oferecidas por outras ONG, o INAC e por vezes o MINARS quando são convidados.277 Para alguns
intervenientes, a falta de formação relativamente às crianças em conflito com a lei muitas vezes
faz com que se recusem a receber essas crianças, por saberem que não têm as competências
necessárias. Deste modo, é quase sempre muito difícil encontrar uma instituição adequada para
crianças suspeitas da prática de crime.

Todas as partes interessadas reunidas reconhecem a relevância e a necessidade de formação


específica para todos os funcionários que intervêm junto de crianças abrangidas pelo sistema
de protecção, admitindo que são regularmente confrontadas com situações de perigo e
vulnerabilidade em torno destas crianças. Quanto às acções de formação, ao contrário do que
estava previsto, não se realizaram visitas à academia de polícia e à escola para assistentes
sociais e a entrevista com a Direcção do INEJ foi subitamente interrompida. Consequentemente,
para outras áreas importantes do exercício só está disponível informação parcial das reuniões
bilaterais. Contudo, o que ficou evidente nas entrevistas foi que o currículo inicial não integra
sistematicamente um módulo específico sobre protecção das crianças e que o módulo existente
se centra mais no conhecimento da lei do que nas competências de protecção das crianças.
Também é bastante claro que as acções de formação especiais são muitas vezes utilizadas para
assegurar a formação contínua dos vários intervenientes do sistema de protecção da criança,
muitos dos quais aprenderam com a prática.

4.5 Eficiência, Impacto e Sustentabilidade


Conforme mencionado previamente neste relatório, a equipa do exercício não obteve informações
ou dados suficientes (relativamente a pontos de referência, objectivos dos programas, resultados
alcançados, teoria da mudança, orçamentos atribuídos aos serviços, etc.) para examinar de forma
adequada estes três critérios. A análise da informação efectivamente reunida não permite chegar
a conclusões seguras sobre estas matérias.

Por exemplo, de acordo com um interveniente, o INAC organiza duas vezes por ano uma formação que dura de três a cinco dias sobre temas como a violência contra crianças, os direitos da criança e a
277

Convenção sobre os Direitos das Crianças, crianças em risco, etc.

81
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

82
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

V – CONCLUSÕES E LIÇÕES APRENDIDAS

Embora a relevância do enquadramento jurídico seja uma componente significativa do sistema


de justiça para crianças, a execução desse sistema não se pode avaliar apenas de acordo com
o seu grau de cumprimento da lei em vigor. Este exercício, em vez de considerar apenas a
legislação, também tem de fazer uma análise crítica do sistema no seu todo, em termos de
eficácia, eficiência, os seus impactos e a sustentabilidade desses impactos.

Com base na situação global das crianças e nas principais conclusões do estudo que já foram
mencionadas e tendo sempre em perspectiva abordagens globais que defendam as crianças
e os direitos humanos, o relatório destacou que o processo de execução das leis adoptadas
tem avançado a um ritmo extremamente lento. Apesar dos esforços significativos por parte do
Governo e da relevância das medidas dispostas na Lei do Julgado de Menores, poucas medidas
são aplicadas com êxito, outras são parcialmente aplicadas e outras, ainda, não são sequer
implementadas, em particular nas comunidades remotas.

Esta secção refere-se aos critérios do quadro de análise para ponderar os pontos fortes e os
desafios presentes no sistema de justiça para crianças em Angola e as lições aprendidas com
este exercício.

5.1 Pontos fortes do Sistema Angolano de Justiça Juvenil


Os pontos fortes do Sistema Angolano de Justiça Juvenil estão sobretudo relacionados com a
relevância da sua legislação e das instituições estabelecidas ao longo dos últimos anos. Contudo,
a questão da eficácia das leis e instituições atenua o próprio diagnóstico do sistema.

Reconhece-se que as autoridades angolanas têm feito esforços substanciais no sentido de


reforçar o Sistema de Justiça Juvenil, em primeiro lugar ratificando importantes instrumentos
internacionais sobre protecção da criança e posteriormente dando início a um processo de
reforma do sistema judicial de menores de idade que inclui a conciliação das leis nacionais com
as normas internacionais e a criação de instituições especializadas em trabalho com crianças. A
legislação actual inclui uma abordagem que dá prioridade à reinserção da criança na sua família,
regulando também as medidas alternativas em conformidade com o princípio internacional
que determina que as medidas não privativas de liberdade têm de ser a primeira opção. Estas
iniciativas são especialmente pertinentes porque procuram responder às necessidades de
vários perfis de criança, nomeadamente crianças em risco, vítimas e em conflito com a lei, com
respeito a: serviços judiciais e de assistência adaptados; segurança e protecção social contra a
violência; e cuidados e responsabilidades familiares. Além disso, os preâmbulos da Constituição
da República de Angola e da Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança constituem
uma linha de orientação essencial para uma interpretação liberal e ampla das leis relacionadas
com a protecção da criança que respeite a essência e os princípios destas duas leis centrais.

83
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Entre os resultados concretos face à relevância do enquadramento legal, cabe destacar os


seguintes:

• A ratificação da CDC e de dois dos seus três protocolos facultativos e, mais recentemente,
a ratificação da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência;
• A ratificação da Convenção 182 da OIT sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho
Infantil e da Convenção 138 que estabelece a idade mínima para o trabalho;
• A adopção de uma nova Constituição que defende o princípio do superior interesse da
criança e outros princípios da CDC, bem como disposições concretas que definem a
protecção da criança como uma absoluta prioridade e várias garantias relacionadas com
direitos gerais (incluindo o direito a não-discriminação, igualdade, identidade, privacidade,
etc.) e com os direitos das pessoas em conflito com a lei em particular (incluindo o direito
a assistência jurídica, protecção contra a detenção e prisão arbitrária, direito a conhecer
o motivo da detenção e a manter-se em silêncio, etc.). A Constituição também defende
explicitamente a integração dos instrumentos internacionais ratificados (como a CDC) no
enquadramento legal e seus efeitos imediatos após publicação oficial;
• A adopção de uma lei especializada em justiça de menores que inclui várias medidas
de protecção social e de prevenção da delinquência, bem como alternativas às medidas
privativas de liberdade;
• A adopção do Código de Processo do Julgado de Menores;
• A adopção da Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança e a integração dos
11 Compromissos nesta lei é um passo positivo que pretende facilitar a implementação
da Lei do Julgado de Menores de acordo com as normas internacionais e uma abordagem
adequada à infância. Os 11 Compromissos incluem todas as áreas cruciais que contribuem
para o bem-estar da criança e são, em conjunto com a Lei do Julgado de Menores, o
primeiro repositório dos ministérios e principais partes responsáveis em termos das suas
acções em matéria de protecção das crianças;
• A adopção dos Regulamentos da Comissão Tutelar de Menores e das Medidas de
Prevenção Criminal de Prestação de Serviço a Favor da Comunidade e da Liberdade
Assistida;
• A adopção da Lei contra a Violência Doméstica;
• A integração de disposições específicas para uma melhor protecção da criança em leis
gerais como o Código de Família, o Código Civil, o Código Penal e a Lei Geral do Trabalho.

Importa destacar que existem várias iniciativas efectivamente postas em prática para reforçar o
ambiente institucional do sistema de Justiça Juvenil. Estas iniciativas incluem:

• O estabelecimento de um Julgado de Menores em Luanda para resolver as questões


referentes a crianças em contacto com a lei;
• A criação de instituições especializadas para apoiarem o Julgado na execução e na
supervisão da aplicação das várias medidas socioeducativas de protecção e de prevenção
para as crianças presentes ante o Julgado (por exemplo, as CTM, os CSR e as famílias
de substituição);

84
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

• A instalação de unidades e serviços especializados em crianças em ministérios-chave,


como o MININT, o MINARS e o MINJUSDH;
• A implementação de diversos programas relativos a registo de nascimento, prevenção da
criminalidade infanto-juvenil e localização e reintegração familiar, entre outros;
• O recrutamento de alguns funcionários especializados no sistema judicial, incluindo
juízes, procuradores da república, assessores e agentes da polícia para gerir os casos
encaminhados para os SIC e para o Julgado de Menores;
• Planos de acção sectoriais bienais que são elaborados por todos os ministérios no âmbito
do seu compromisso sectorial;
• A criação de uma entidade coordenadora (CNAS) para controlar a implementação dos 11
Compromissos;
• O estabelecimento de uma entidade de fiscalização (INAC) com o objectivo de alertar o
Governo sobre violações dos direitos das crianças e situações que as coloquem em risco;
• A criação de uma DNAJ no MINJUSDH para coordenar os trabalhos dos três principais
ministérios (MINARS, MININT e MINJUSDH) quanto à protecção da criança.

5.2 Pontos fracos do Sistema Angolano de Justiça Juvenil

As conclusões revelaram que se mantêm lacunas no enquadramento legal, mas também que
as dificuldades mais significativas estão relacionadas com a execução das leis em vigor. Estas
lacunas devem ser colmatadas no sentido de consolidar o que se obteve até agora e continuar o
trabalho que tem sido feito em termos da relevância do enquadramento legal.

5.2.1 Problemáticas relacionadas com a relevância das leis e entidades existentes


Este exercício de diagnóstico revelou que várias reformas nos últimos anos aumentaram a
relevância do enquadramento legal da justiça para crianças em Angola. Contudo, persistem
lacunas significativas na lei. Além de influenciarem o grau de conformidade de algumas leis
nacionais com as normas internacionais, estas lacunas impedem as crianças de terem acesso
total a um sistema de justiça especializado, diligente, adequado às crianças, preventivo e baseado
nos direitos, no caso de entrarem em contacto com a lei. O processo actual de reforma legislativa
constitui uma grande oportunidade para o Governo actualizar as suas leis no sentido de obter
maior coerência com os tratados ratificados, a sua própria Constituição e os seus Compromissos
relativos à protecção da criança. Entre diversos aspectos que foram abordados nas conclusões,
apresenta-se abaixo uma lista das reformas prioritárias a realizar para reforçar o enquadramento
legal da protecção da criança.

5.2.1.1 Exclusão do regime especial de crianças com 16 e 17 anos de idade


A Lei do Julgado de Menores é uma lei bastante progressista e um passo positivo para a eficácia
dos direitos das crianças no país. Assim, o problema relacionado com a exclusão de crianças
em conflito com a lei de 16 e 17 anos de idade do regime especial proporcionado pela Lei do
Julgado de Menores é certamente o mais importante de destacar, apesar de muito poucos dos
entrevistados lhe darem assim tanta importância. Esta situação constitui uma violação clara da
CDC, da Constituição da República de Angola e da Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral
da Criança. Além disso, tem consequências graves para o bem-estar e desenvolvimento geral

85
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

da criança, porque significa que as crianças serão detidas com adultos em estabelecimentos
prisionais com condições que estão longe de ser indicadas para as suas especificidades.
Também implica que as crianças são tratadas como adultos em conflito com a lei, estigmatizadas
e excluídas da sociedade, constituindo um forte obstáculo à sua reinserção social.

5.2.1.2 Aceitação do casamento infantil


A mesma conclusão se aplica à aceitação do casamento infantil (antes de completar 18 anos
de idade) a partir dos 15 anos para raparigas e 16 para rapazes. Estas resoluções da lei não
obedecem à definição de criança estabelecida na Constituição nacional e na CDC. Além disso, a
distinção entre raparigas e rapazes no que concerne à aceitação excepcional do casamento antes
dos 18 anos de idade não está objectivamente justificada e desrespeita o princípio constitucional
e ratificado da não-discriminação e igualdade entre homens e mulheres. A percepção, errada
e comum, de que as raparigas alcançam a maturidade mais cedo do que os rapazes não pode
justificar uma norma discriminatória, que constitui, ainda, uma barreira aos esforços envidados por
organizações da sociedade civil para eliminar a prática de casamento infantil entre as raparigas,
porque deste modo esses casamentos são legitimados pela legislação. Da mesma maneira, a
determinação da idade para consentimento nas relações sexuais aos 12 anos corresponde a uma
das idades mínimas mais baixas do mundo. Esta situação representa um obstáculo à protecção
das crianças, sobretudo das raparigas, contra predadores sexuais e exploração sexual.

5.2.1.3 Inexistência de uma proibição explícita de todos os tipos de violência física contra
crianças
É importante salientar que existem, na legislação angolana, muitas resoluções pertinentes que
protegem as crianças de situações de violência e maus-tratos e que punem os comportamentos
violentos contra crianças. No entanto, a legislação actual não proíbe explicitamente todos os
tipos de violência física contra crianças, tanto na família, como na escola e em estabelecimentos
institucionais ou de internamento. Deste modo, a falta de uma proibição legal clara e explícita de
todos os tipos de violência contra crianças (incluindo os castigos corporais) abre a possibilidade
de justificação dos abusos, que podem ter fundamento legal. Associada a tal facto, é importante
salientar também a falta de resoluções especiais que declarem que cometer um crime contra um
menor de idade tem de ser considerado como uma circunstância agravante.

5.2.1.4 Inexistência de uma disposição legal para medidas de “diversion”


As medidas de “diversion” não estão oficialmente reconhecidas na lei, embora estas sejam a
base da justiça informal. Algumas situações anedóticas ajudam a defender a necessidade de dar
enquadramento a esta prática, no sentido de evitar consequências negativas para a criança, como
uma duplicação da pena (informal e formal) para uma mesma infracção. Simultaneamente, o risco
de reduzir a sua acessibilidade ao oficializar os procedimentos também foi uma preocupação
manifestada pelas partes interessadas da sociedade civil que enfrentam dificuldades diárias
relacionadas com os organismos públicos. O carácter informal das soluções postas em prática fora
do sistema formal também não permite a recolha de dados importantes relativos à protecção das
crianças, em particular num contexto em que a maioria do trabalho de prevenção e reabilitação
dirigido às crianças vítimas e às que se encontram em conflito com a lei parece realizar-se a nível
comunitário.

86
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

5.3 Problemáticas relacionadas com a eficiência das leis e das entidades


institucionais

A avaliação de um programa ou sistema é um processo particularmente complexo que envolve


a comparação dos resultados ou produtos pretendidos com as consequências efectivas. Tal
como mencionado anteriormente neste relatório, além dos workshops e reuniões que não foram
realizados, muitos documentos relevantes não foram enviados ou não estavam disponíveis. Deste
modo, só foi possível obter informação parcial relativamente a estatísticas, estatuto orgânico de
entidades públicas, termos de referência dos programas (com os seus objectivos, indicadores
e resultados pretendidos), planos de acção dos ministérios, etc. Esta secção irá, assim, abordar
as conclusões sobre a eficácia do sistema global de justiça para crianças quanto às principais
conclusões relativas à implementação do seu enquadramento legal e ao desempenho das
principais instituições envolvidas na administração da justiça e na protecção das crianças.

Intervenientes cruciais tanto de entidades públicas como da sociedade civil concordaram quanto
à relevância das leis e da maioria das instituições que foram criadas no campo da protecção
da criança. Por outro lado, têm consciência de que as leis e políticas são insuficientes e que é
fundamental existir vontade política, bem como investimentos. Tendo em conta as conclusões
essenciais, os principais obstáculos que impedem o Sistema de Justiça Juvenil de desempenhar
plenamente o seu papel a nível nacional parecem ser:

A falta de acesso a instituições e serviços especializados para crianças em todo o


país e falhas na aplicação de medidas socioeducativas de protecção, de prevenção da
criminalidade infanto-juvenil e de “diversion” que são representadas nos seguintes factos:

• Só foi criado um Julgado de Menores no país, embora a lei indique a criação de um


julgado de menores por cada província. Além disso, a localização do Julgado de Menores
numa zona remota do centro de Luanda impede as organizações da sociedade civil que
prestam apoio e as famílias, com poucos recursos, de ter acesso ao julgado;
• As entidades que colaboram com o Julgado de Menores não existem fora de Luanda
(CTM, CSR, unidades especializadas do MININT e do MINARS, linhas de denúncia SOS,
etc.);
• Não existem centros de detenção para crianças separadas dos adultos em funcionamento.
O novo Centro de Observação e o Centro de Internamento não estão activos, não deixando
outra alternativa senão permitir que a criança alegadamente acusada da prática de facto
tipificado como delito regresse à sua família ou mantê-la detida em condições impróprias
(instituições para adultos, instalações das esquadras, centros de acolhimento, etc.). Estas
soluções atenuantes podem originar consequências negativas graves em termos de
integridade, sobrevivência e desenvolvimento da criança e da percepção da comunidade
sobre o sistema de justiça para crianças;
• A percepção negativa das entidades estatais, os processos judiciais prolongados e
dispendiosos, bem como a falta de conhecimentos sobre os direitos da criança e os
serviços prestados pela justiça formal contribuem para dissuadir as populações e famílias

87
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

de envolverem a polícia ou de recorrerem ao sistema judicial para solucionar os seus


conflitos;
• As diferentes medidas estabelecidas na Lei do Julgado de Menores, tanto para a criança
vítima como para a criança em conflito com a lei, ou não são aplicadas adequadamente
ou não são aplicadas de todo, sobretudo em zonas remotas. Deste modo, torna-se difícil
avaliar o âmbito real e a eficácia destas medidas porque, depois de determinadas pelo
Julgado, a criança e/ou a sua família são muitas vezes abandonadas a elas próprias.
Faltam infra-estruturas operacionais, recursos humanos e equipamentos para localização
da família, prestação de serviço comunitário, liberdade assistida, aconselhamento de
acompanhamento, controlo de medidas comunitárias obrigatórias, localização de crianças,
entre outras;
• Fazem falta medidas provisórias (como as famílias de substituição) com o objectivo
de apoiar a criança antes do seu regresso para junto da família. Assim, não existem
alternativas que não sejam a colocação a tempo inteiro numa instituição de acolhimento
ou o regresso a casa;
• As medidas de “diversion” ou extrajudiciais não estão estruturadas e são aplicadas de
modo oficioso pela justiça informal;
• Apesar de, neste momento, o Governo não poder assegurar todas as medidas (e serviços
que lhes estão subjacentes), parece que não existem mecanismos oficiais nem acordos
institucionais com organizações da sociedade civil que desempenham um importante
papel complementar ou de atenuação no terreno. Pelo contrário, os centros de assistência
que prestam serviços às crianças encontram-se numa situação extremamente precária
e recebem muito poucos apoios (quando recebem) por parte do Estado. Os resultados
das visitas e os testemunhos dos entrevistados demonstram no geral que, quanto mais
próximo se está das populações, menos recursos se encontram disponíveis, em particular
nas zonas remotas.

Enquanto muitos intervenientes, como as forças armadas, os funcionários judiciais dos


organismos públicos e as ONG, louvam os mais recentes esforços realizados com respeito
aos direitos das crianças em conformidade com a lei, também é necessário reconhecer
que o tratamento inapropriado ou ilegal reservado às crianças suspeitas ou acusadas de
um crime (sobretudo com 15 anos ou mais) continua a ser uma questão problemática.
Estas situações podem resultar da falta de recursos humanos especializados e altamente
qualificados por todo o país, de crenças socioculturais, da falta de poder por parte das
entidades de fiscalização, etc. Este constrangimento é ilustrado pelos seguintes factos:

• As crianças são vítimas de violência física (inclusive na forma de castigos corporais


e medidas disciplinares) no seio da família, em serviços institucionais, nas ruas e em
estabelecimentos de internamento. Além disso, de acordo com alguns intervenientes,
incluindo crianças, a violência cometida na esfera privada, como por exemplo na família,
raramente é denunciada, sendo que muitas pessoas acham que a polícia não devia intervir,
excepto em casos particularmente graves;
• As crianças de 16 e 17 anos ficam inseridas no sistema judicial e de detenção de adultos
e não beneficiam das medidas especiais de protecção que são determinadas pela Lei do
Julgado de Menores, como acesso à educação e serviços especiais de saúde;

88
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

• As crianças e os seus pais não são informados sistematicamente tanto dos motivos da
detenção e/ou prisão pela polícia como das acusações que lhes são dirigidas;
• As crianças são coagidas a emitir uma confissão ou a testemunhar sobre factos
relacionados com a sua detenção;
• O processo oficial e fidedigno para estabelecimento da idade da criança detida que não
apresente documentos de identificação não é regular;
• As crianças não são sistematicamente informadas do seu direito a patrocínio judiciário.
Além disso, não existe uma estrutura pública responsável pelo apoio jurídico e grande
parte dos profissionais da área concentra-se em Luanda. Deste modo, as crianças em
contacto com a lei, especialmente as que estão em conflito com a lei, em geral não são
representadas legalmente perante as várias instâncias do sistema judicial;
• Os pais regularmente não são informados pela polícia quando o filho é preso e por vezes
as crianças são impedidas de receber apoio por parte dos pais quando sob custódia;
• As crianças têm uma percepção negativa da polícia (sendo considerada agressiva e
corrupta) e normalmente têm medo dos polícias, embora achem que estes as deveriam
proteger;
• Não existem padrões operacionais de procedimentos mínimos aplicados a todas as
crianças privadas de liberdade, o que leva a que, por exemplo, as crianças possam
ficar presas com adultos em estabelecimentos penitenciários ou “retidas” no pátio da
esquadra por vários dias. Outra consequência pode ser, de acordo com as crianças presas
entrevistadas, o comportamento inapropriado e não sensível às crianças dos polícias e dos
funcionários que procedem à detenção, testemunhado por crianças que se encontram
detidas;
• Os organismos de fiscalização, como a CTM, o INAC ou o provedor de justiça, não podem
forçar as estruturas a alterar ou melhorar as condições de detenção das crianças porque
não têm poder de execução, podendo apenas apresentar recomendações ao Governo;
• Poucos intervenientes dos sistemas formal e informal de justiça têm competências
adequadas em matéria relativa à aplicação dos direitos da criança e às normas internacionais
da justiça juvenil. Também existe uma falta evidente de competências e conhecimentos
sobre o desenvolvimento na infância, as especificidades das crianças em conflito com
a lei, as capacidades técnicas a aplicar com as crianças, a colaboração entre as partes
interessadas e a aplicação das medidas de remissão, entre outras. Isto é especialmente
notório ao nível municipal e de base comunitária (abrigos, esquadras em zonas remotas,
líderes tradicionais, comissões de moradores, etc.). Aprender pela prática parece ser a
forma mais comum de desenvolver as suas capacidades;
• Neste momento, o Instituto Social, o Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais
e a Academia de Polícia não têm cursos iniciais (básicos) específicos sobre protecção da
criança e as competências técnicas necessárias para trabalhar com crianças. Só existem
acções de formação especiais organizadas por várias estruturas (INEJ, INAC, CIES) para
dar continuidade à formação para polícias e magistrados. Esta formação parece não estar
integrada num programa estruturado e permanente, estando no geral dependente de
financiamento externo por parte de doadores.

89
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

A integração dos 11 Compromissos para a sobrevivência, desenvolvimento e protecção


da criança na Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança é uma medida
importante para reforçar a aplicação de uma abordagem multissectorial para uma
melhor resposta de protecção da criança. Contudo, a falta de mecanismos e políticas de
coordenação entre os principais ministérios sectoriais e entre os ministérios competentes
e organismos de administração subnacionais demonstra que as entidades existentes têm
como que rodas dentadas que não encaixam umas nas outras. Isto é representado nos
factos seguintes:

• Não existe uma estratégia (transectorial) conjunta relativa à justiça para crianças. Pelo
contrário, cada ministério parece desenvolver o seu próprio plano de acção segundo o seu
Compromisso de forma paralela sem ter em conta a complementaridade dos seus mandatos.
Todos parecem querer ficar em primeiro lugar em vez de tentar interligar serviços de acordo
com o superior interesse da criança. Se existe um determinado tipo de colaboração entre os
vários organismos vigentes, estes têm uma perspectiva mais pontual e de curto prazo, que
é definida caso a caso e não seguindo um plano conjunto e coordenado;
• Não existe um entendimento e uma visão estratégica comuns entre as partes responsáveis
e os ministérios essenciais sobre a função da “diversion” no sistema de justiça para crianças.
Neste momento, estas medidas não se encontram organizadas e são aplicadas de modo
oficioso através da “justiça informal”;
• A transferência de jurisdição de autoridades nacionais para autoridades subnacionais no que
diz respeito a serviços directos para a população gera uma quebra na continuidade entre os
diferentes níveis da administração pública. Deste modo, as prioridades e os orçamentos
efectivamente atribuídos a serviços directos dedicados a crianças vítimas e crianças em
conflito com a lei a nível municipal não estão necessariamente em conformidade com os
objectivos dos ministérios competentes;
• Existe alguma confusão relativamente aos mandatos, funções e responsabilidades das
instituições estatais, em especial entre as de base comunitária. Foram indicadas sobreposições
evidentes em relação às unidades especializadas criadas no MINARS e no MININT para
crianças vítimas e crianças em conflito com a lei. Alguns funcionários que trabalham nestas
unidades especializadas não são capazes de explicar com clareza as diferenças entre o seu
mandato e o da unidade equivalente no outro ministério. Outro exemplo desta duplicação é o
papel ambíguo do INAC quanto à prestação de serviços directos para as crianças que, segundo
alguns entrevistados, se enquadra mais no mandato do MINARS. Contudo, de acordo com
vários testemunhos, os representantes do INAC estão presentes em numerosas estruturas
de base comunitária, como a linha de denúncia SOS Criança em Viana e o CSR do Cazenga;
• A coordenação entre o CNAS e o INAC não é evidente. Além disso, ambos dispõem do
estatuto de entidade consultiva e de coordenação, sendo que o INAC é, simultaneamente,
um membro independente do CNAS;
• Existem sobreposições notórias entre as CTM e os CSR quanto à sua função de suporte
do Julgado de Menores, por um lado, e de implementação das medidas alternativas, por
outro. Aliás, o desequilíbrio na distribuição de recursos não parece justificar-se, tendo em
consideração as necessidades concretas que se observam ao nível comunitário, onde os
CSR se desenvolvem;

90
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

• Não existe um sistema nacional ou subnacional de coordenação de serviços (formais e


informais) entre as partes responsáveis. Deste modo, os critérios em que se baseiam as
decisões sobre para onde indicar (quem faz o quê e onde) são variáveis;
• Existe uma evidente falta de compreensão do significado e utilidade dos Procedimentos
Operacionais Padrão entre os intervenientes. A referência recorrente às disposições
processuais incluídas na Lei do Julgado de Menores e no Código de Processo do Julgado
de Menores ilustra bastante bem esta má interpretação. Além disso, não parecem existir
protocolos sobre confidencialidade e partilha de informação entre as estruturas envolvidas
no processo de cuidados infanto-juvenis. Segundo um dos entrevistados, há muitos casos
de crianças que passam de serviço em serviço, tendo cada actor que reiniciar o processo de
documentação e os planos de intervenção sem poder retomar o que foi feito anteriormente
por outros. Esta situação também contribui para que a criança seja novamente vítima;
• A lei não é aplicada nem entendida de modo uniforme por todas as partes interessadas;
consequentemente, as intervenções podem variar de acordo com a pessoa envolvida. Esta
situação dá azo a arbitrariedade e subjectividade, ainda mais perante a ausência de um Código
de Conduta e de normas internas, como parece ser o caso, face aos testemunhos obtidos;
• Há claramente alguma confusão quantos aos papéis e responsabilidades de cada instituição
estatal e estrutura não-governamental no processo de cuidados infantis. Grande parte das
estruturas parece intervir numa ampla diversidade de questões referentes à criança e à
família, não obstante o superior interesse da criança e as capacidades (competências) reais
dos funcionários;
• Não existe nenhum sistema de gestão de dados, seja a nível nacional ou subnacional. À luz
dos testemunhos recolhidos, cada estrutura reuniu os seus próprios dados de acordo com os
seus próprios indicadores. Além disso, à excepção das organizações não-governamentais ou
das que trabalham a nível municipal, os intervenientes não parecem ter qualquer interesse
em partilhar dados internos, quando estes existem.

5.4 Lições aprendidas


A maioria dos intervenientes entrevistados que trabalham em entidades da administração pública
tem orgulho nas leis especializadas vigentes, em particular a Lei do Julgado de Menores e o
seu Código de Processo, consideradas como um enquadramento muito completo e baseado
nos direitos das crianças. Este é sem dúvida um aspecto positivo a sublinhar. Tal como foi
mencionado anteriormente, a maioria dos intervenientes principais tem um conhecimento geral
ou mais aprofundado da Lei do Julgado de Menores e manifesta vontade de aplicar as suas
disposições no trabalho junto das crianças. No entanto, esta avaliação também destaca uma
resistência implícita à alteração das leis apesar das lacunas que possam ser reconhecidas pelos
mesmos intervenientes. O facto de a maioria das lacunas ter sido indicada mais de uma vez
pela sociedade civil e/ou pela comunidade internacional demonstra a evidente relutância em
modificar a legislação.

As crenças socioculturais certamente também poderão explicar as lacunas que permanecem no


enquadramento legal, bem como a resistência em colocar a legislação e respectivas entidades
em plena conformidade com as convenções internacionais. Isto aplica-se em particular ao
aumento da maioridade penal, da idade legal para o casamento ou da proibição explícita de todas

91
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

as formas de violência contra crianças. As entrevistas com as partes responsáveis confirmam


a percepção de que muitas pessoas consideram que “os piores crimes são perpetrados por
crianças” e que aos 16 e 17 anos uma criança “já não é criança”, sobretudo se infringir a lei (em
particular os rapazes). A crença na necessidade de adoptar uma abordagem mais repressiva para
proteger a sociedade e “educar” a criança foi muitas vezes mencionada. A percepção negativa
sobre as crianças em conflito com a lei no seio das comunidades e mesmo de algumas das
partes responsáveis é certamente influenciada pelo facto de que a lei as trata como adultos na
posse de todos os meios, legitimando assim, de certo modo, esta percepção. As mesmas lições
foram extraídas relativamente às modificações necessárias na legislação sobre a proibição do
casamento infantil (antes dos 18 anos de idade) e a proibição de todos os tipos de violência física
contra crianças. Deste modo, a definição de uma estratégia que vise a reforma da legislação
sobre a criança terá de integrar uma componente importante de sensibilização dirigida tanto à
população como aos principais intervenientes que trabalham na administração pública (entre
outros).

Quanto à justiça informal, é importante reconhecer que está profundamente enraizada nas
comunidades, em especial nas zonas rurais. Além disso, parece ser o meio essencial para
aplicação de medidas de remissão. Obter um equilíbrio entre um sistema sem fronteiras claras e
uma estrutura com as garantias mínimas para a criança é um desafio que deverá ser ultrapassado
no futuro.

Obstáculos associados à execução da lei são um problema recorrente em vários países em


desenvolvimento. Assim, esta informação provavelmente não acrescentará muito valor às
conclusões do presente exercício. Na verdade, a questão mais interessante (e complexa) seria
a de determinar porque é que as leis não são plenamente implementadas. De acordo com os
resultados, a resposta estará ligada a factores estruturais e técnicos.

Apesar dos recursos materiais disponíveis, a protecção da criança é especialmente uma questão
de atitudes e valores morais. Quanto às crianças em conflito com a lei, que se encontram
entre as crianças mais vulneráveis que contactam com o sistema jurídico, consideramos que
a população em geral e as forças policiais em particular, bem como alguns dos intervenientes
inquiridos, as tratam (e às crianças em situação de rua) de uma forma que demonstra preconceito
e parcialidade, que é incompatível com o seu dever de educação e protecção. A percepção que
têm das crianças em conflito com a lei é que estas devem ser punidas (abordagem repressiva);
não são consideradas nem tratadas como crianças que carecem de ajuda e que devem ser
alvo de medidas educativas especiais (abordagem educativa). Assim, as expectativas do público
quanto ao processo judicial concentram-se mais na segurança pública e pretensão de uma lei
mais repressiva. A polémica em torno da possibilidade de reduzir a idade de responsabilidade
penal de 16 para 14 anos de idade é um bom exemplo deste processo, tal como o excesso
notório de importância que se coloca na falta de centros de internamento para crianças. Não
pretendendo negar a pertinência destas estruturas no sistema de justiça juvenil, seria errado
acreditar que a sua inexistência é o principal constrangimento, tendo em conta as conclusões
gerais do diagnóstico.

Considerando os recursos consideráveis que têm de existir para pôr estas estruturas em
funcionamento cumprindo o disposto nas normas internacionais, a oportunidade de investir em
medidas alternativas na/com a comunidade parece ser uma solução adequada e exequível, em
que as autoridades provinciais e municipais, bem como os CSR e as OSC, podem desempenhar
um papel crucial.

92
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

A falta de uma teoria (ou teorias) da mudança – relativamente à violência contra crianças e à
criminalidade praticada por menores de idade – dificulta e coloca ainda mais em risco o exercício
referente à eficácia do sistema em geral e dos seus serviços em particular. Também pode ser a
explicação para não haver sempre coerência total entre os serviços prestados pelas diferentes
estruturas. As iniciativas relacionadas com a protecção da criança e a criação de serviços não
podem ser concretizadas meticulosamente tendo em conta apenas o interesse e as oportunidades
de financiamento de cada ministério. Um sistema de protecção da criança sustentável, funcional
e eficaz implica que os serviços implementados façam parte de uma estratégia nacional e
global direccionada para as necessidades e a protecção das crianças, tendo por base os direitos
humanos e os direitos da criança.

Outra temática importante e delicada relaciona-se com a vontade política dos decisores. A grande
maioria dos intervenientes inquiridos durante este exercício mostrou-se extremamente relutante
em partilhar a opinião sobre esta questão, apesar da garantia de estrita confidencialidade dos
testemunhos. Além disso, alguns actores da administração pública consideram que o problema
essencial está ligado ao facto de as famílias se isentarem das responsabilidades para com os
seus filhos. A responsabilidade do Estado de assegurar o bem-estar e a protecção das crianças
foi mencionada muito raramente. Dito isto, algumas reacções não-verbais durante reuniões
bilaterais, conversas isoladas com alguns intervenientes, dificuldades (ou impossibilidade)
de aceder a dados internos dos ministérios e o cancelamento dos workshops à ultima hora
podem, entre outros factores, considerar-se manifestações constantes da insuficiência de uma
vontade política profunda para identificar as verdadeiras falhas no sistema. Contudo, devido à
complexidade dos desafios actuais do sistema de justiça juvenil e dos desafios relacionados com
a situação das crianças vulneráveis no país, é enganador pensar que seria possível alcançar uma
reforma estrutural e sustentável sem uma verdadeira vontade política para reforçar o sistema em
todos os níveis de administração.

Concluindo, quanto às intervenções judiciais, parecem sobressair três elementos importantes


das entrevistas: primeiramente, a dramática diferença entre o tratamento de casos que envolvem
crianças entre os 12 e os 15 anos de idade e o reservado às crianças com idade superior
aos 15 anos; em segundo lugar, a mudança nas práticas das principais partes responsáveis
desde a criação do Julgado de Menores; terceiro, o impacto da falta de centros de “detenção”
especializados para crianças (até 16 anos de idade) que reduz a responsabilidade real do sistema
face ao apoio e controlo das estratégias de reabilitação e reinserção.

93
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

94
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

VI– RECOMENDAÇÕES

As recomendações seguintes pretendem ser tão concretas e realistas quanto possível. Têm de
ser entendidas numa perspectiva caracterizada por um processo progressivo, vigiado e de longo
prazo. Estas recomendações foram retiradas de conclusões que resultaram de:

- revisão documental
- reuniões bilaterais e entrevistas às partes interessadas
- discussão em grupos de referência (incluindo grupos com crianças)
- observação durante visitas ao terreno
- discussões estratégicas com funcionários do UNICEF

As recomendações procuram utilizar os pontos fortes do sistema para colmatar as lacunas que
foram identificadas a nível estrutural e técnico. É crucial destacar que, embora não se tenha
realizado o workshop de validação com os principais intervenientes para validar as suas conclusões
parciais sobre o diagnóstico, foi importante, no entanto, incluir a maioria das preocupações que
eram, no geral, pertinentes. Dito isto, uma melhor apropriação individual e colectiva das mudanças
a realizar implicaria a implementação de um processo adequado de validação das conclusões e
das recomendações finais com os intervenientes incluídos na administração pública, bem como
os que trabalham no terreno para as desenvolver.

Abordagem global
A abordagem global destas recomendações consiste em evitar a divisão de serviços e
iniciativas no sentido de desenvolver um sistema de protecção da criança mais global, com
base em instituições e serviços inclusivos, com respeito pelos direitos e que se adeqúem às
especificidades das crianças. Consequentemente, no geral é visado mais do que um actor
nas seguintes recomendações, que se baseiam numa participação e numa responsabilidade
conjuntas. A abordagem global das recomendações também determina que a situação das
crianças em conflito com a lei não seja marginalizada, mas sim plenamente integrada na estratégia
de reforma do sistema judicial.

Quanto à relevância do enquadramento legal e das respectivas entidades, o Governo de


Angola, através dos seus ministérios-chave e de todos os ministérios directa ou indirectamente
associados à protecção das crianças, deverá aproveitar a oportunidade da actual reforma no
sistema de justiça no geral e das suas leis nacionais em particular para aumentar a aplicabilidade
do quadro legal e institucional do país para a protecção da infância. Uma área que requer especial
atenção é o processo actual de reforma do Código Penal que deve ser impulsionado e concluído
em conformidade com a Constituição nacional e a Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral
da Criança, bem como a CDC.

Naturalmente, um sistema eficaz de justiça para crianças não se limita à pertinência do seu
quadro legal. A legislação tem de ser encarada como um meio e não como um fim em si mesma.
Como consequência, a eficácia está também relacionada com outros elementos como: a vontade
política das autoridades e das partes interessadas que trabalham com crianças no terreno;

95
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

a consciência face aos direitos humanos e aos direitos das crianças em particular, tanto no
contexto da população como do sistema de protecção da criança; a quantidade e a qualidade dos
recursos utilizados; e a qualidade dos mecanismos concretos postos em prática na comunidade
e no sistema para aplicar a lei de acordo com a sua essência e os seus princípios fundamentais.
Ou seja, a eficácia requer mudança – mudanças no comportamento, mudanças nas práticas e
mudanças de mentalidade.

R1 – PARA O GOVERNO DE ANGOLA ATRAVÉS DO MINJUSDH


E EM COLABORAÇÃO COM AS OSC

Aumentar a relevância do enquadramento legal e dos respectivos organismos

• O processo de ratificação de tratados internacionais sobre direitos humanos, em especial


dos 17 tratados internacionais restantes referentes a direitos das crianças, deve manter-
se.
• Tendo em conta que o objectivo do sistema de justiça para crianças é assegurar que
“todos os seres humanos com menos de 18 anos de idade” beneficiam de tratamento
especializado pelo sistema de justiça, é necessário rever todas as disposições das
leis existentes para que estejam em harmonia com a Constituição da República de
Angola e/ou os tratados ratificados, em particular as que não respeitem a definição de
criança ou tenham efeitos discriminatórios, como por exemplo a idade de maioridade
penal e as excepções referentes à idade mínima para o casamento e à idade legal para
consentimento sexual.
• É relevante rever as leis vigentes para assegurar a sua conciliação e consistência interna,
para não criar contradições ou confusões em termos legislativos sobre o significado e
âmbito da lei que possam impedir uma protecção efectiva da criança. Esta revisão deve
incluir, entre outras, a coerência interna entre a Constituição da República de Angola e a
Lei da Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, entre as leis gerais e específicas
e o Código de Família, o Código Penal, a Lei contra a Violência Doméstica, a Lei Geral do
Trabalho e a Lei do Julgado de Menores; e entre as leis gerais e a Constituição.
• Assegurar que a legislação actual proíbe completa e explicitamente todos os tipos de
violência contra crianças (incluindo os castigos corporais) na família, na escola e nos
centros institucionais.
• Organizar discussões sobre a oportunidade de aumentar a idade para consentimento de
actividade sexual e de regular as actividades sexuais sem exploração com pares com
menos de 18 anos, com o propósito de rever a legislação.
• Integrar no Código Penal e na Lei do Julgado de Menores resoluções explícitas
relacionadas com as medidas de remissão.

96
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

R2 – PARA O GOVERNO NACIONAL E OS GOVERNOS PROVINCIAIS EM COLABORAÇÃO COM


AS AUTORIDADES MUNICIPAIS, OSC E AUTORIDADES INFORMAIS

Alargar a todo o país o acesso a serviços extrajudiciais, judiciais, sociais e


comunitários especializados para crianças
• Desenvolver uma estratégia nacional de expansão dos serviços extrajudiciais, judiciais,
sociais e comunitários especializados para crianças que tenha em consideração os
direitos essenciais da criança e as componentes transectoriais do sistema de justiça
de menores de idade. As boas práticas e as lições aprendidas a partir de iniciativas
prometedoras como o projecto desenvolvido na província da Huíla devem contribuir
para sustentar e optimizar a estratégia nacional e os respectivos planos de acção.
• Desenvolver planos de acção operacionais anuais (para cada nível de administração
– nacional, provincial e municipal) como apoio à estratégia. Estes planos de acção
devem incluir objectivos concretos e realistas, com orçamentos e indicadores definidos
(incluindo indicadores referentes às questões de género) que facilitarão a implementação
e o acompanhamento. Também deverá ser providenciada a instalação progressiva dos
seguintes serviços em cada província:

- Um Julgado de Menores. Enquanto se aguarda a sua construção, podem ser


recrutados juízes e procuradores de crianças em número suficiente, assistindo nas
Salas de Menores nos tribunais provinciais existentes;
- Entidades de apoio ao Julgado de Menores, como a CTM ou o CSR responsável
pela aplicação e supervisão das medidas definidas pelo Julgado;
- Unidades especializadas para crianças na esquadra, com espaços amigáveis e
adequados às necessidades das crianças (para crianças vítimas, testemunhas e em
conflito com a lei);
- Linha de apoio gratuita para crianças vítimas e crianças em risco;
- Um centro de observação ou espaços especiais adequados para crianças, destinados
a crianças privadas de liberdade que aguardam a instrução do processo;
- Um centro de internamento;
- Centros residenciais não coercivos;
- Famílias de substituição;
- Serviço comunitário;
- Serviços de assistência jurídica.

Para criar condições favoráveis a um melhor impacto e sustentabilidade, será indispensável


a participação das autoridades formais a todos os níveis da administração pública, bem
como das autoridades informais. O seu envolvimento em cada fase de elaboração
da estratégia e dos seus planos de acção tem de ser assegurado desde o início. As
províncias mais remotas, que têm menor acesso a serviços e onde as crianças e suas
famílias enfrentam maiores problemas em termos de vulnerabilidade à violência e à
delinquência, devem ser colocadas no topo da lista. Para evitar a improvisação, deverá
ser realizado um inventário participativo local em cada município e um levantamento

97
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

das organizações existentes envolvidas na protecção da criança, assim como de


centros residenciais disponíveis (lares, famílias substitutas, etc.), serviços comunitários
e serviços de assistência legal. Devem ainda ser criadas parcerias institucionais com
estruturas não-governamentais para colaboração futura.

• Integrar na estratégia de expansão actividades de sensibilização e comunicação para


crianças com o objectivo de dar informação sobre o processo de expansão e os direitos
da criança, bem como melhorar as percepções sobre o sistema formal de justiça.

R3 – PARA O GOVERNO NACIONAL E OS GOVERNOS PROVINCIAIS

Destinar recursos suficientes, tanto a nível nacional como subnacional, para a


protecção da criança, incluindo recursos dos serviços sociais

A falta de recursos foi, sem dúvida, um dos principais aspectos apontados pelas partes
interessadas com quem nos reunimos para explicar a ineficiência do sistema de protecção
da criança. No entanto, apenas algumas reconheceram de algum modo que a falta de
recursos estava ligada a alguma falta de autêntica vontade política, pesem embora os
inúmeros planos, políticas e programas desenvolvidos. Na verdade, estes programas nem
sempre serão realistas e são elaborados sem suporte da atribuição das verbas necessárias.

Com um crescimento económico anual de cerca de 7%, é surpreendente a escassez de


recursos destinados às crianças; isto é tanto mais significativo porquanto elas constituem
a maioria da população. É ainda mais preocupante que a tendência constante ao longo dos
anos tenha sido a redução dos recursos humanos nos organismos ministeriais, bem como
a falta de apoio financeiro às organizações da sociedade civil. Contudo, em relação à falta de
centros residenciais para crianças e ao elevado número de crianças em situação de rua, um
dos entrevistados com quem nos reunimos era da opinião de que os recursos disponíveis
eram suficientes – segundo o inquirido, as crianças vivem na rua porque fogem dos parcos
recursos disponibilizados e porque as famílias não assumem a sua responsabilidade. Além
disso, declarou ainda que as intervenções desadequadas, ou mesmo os maus-tratos, em
muitos centros explicam porque é que as crianças preferem continuar a viver nas ruas.

Tendo em conta que até o melhor sistema de protecção da criança não consegue ser
relevante, eficaz e eficiente e ter um impacto positivo e sustentável nas condições de
vida da criança sem recursos humanos qualificados suficientes e equipamentos e infra-
estruturas adaptados, é recomendável que as autoridades nacionais e provinciais:

• Integrem um orçamento multissectorial pormenorizado nos planos de acção para a


expansão, bem como actividades de mobilização de fundos;
• Solicitem ao sector privado que aproveite o momento de crescimento económico para
providenciar uma contribuição mais avultada para os serviços educativos, comunitários
e sociais dirigidos às crianças.

98
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

R4 – PARA O INAC E OS MINISTÉRIOS-CHAVE DO SISTEMA DE PROTECÇÃO DA CRIANÇA


(MINJUSDH, MININT E MINARS) EM COLABORAÇÃO COM AS OSC E AUTORIDADES INFORMAIS

Criar Procedimentos Operacionais Padronizados para os intervenientes formais e infor-


mais envolvidos no sistema de protecção da criança

Existe consenso quanto à necessidade de consolidar a coordenação entre ministérios e


entre todas as partes interessadas que participam no sistema de protecção das crianças. É
essencial admitir que esta coordenação não existe e que é sem dúvida um constrangimento
importante que afecta a eficácia do sistema, além da confusão que se verifica quanto às
funções e responsabilidades dos intervenientes. Entre outros aspectos, os Procedimentos
Operacionais Padronizados servem para definir as funções e responsabilidades de cada
interveniente na cadeia de intervenção e sugerir mecanismos e instrumentos de colaboração
capazes de assegurar a qualidade e a eficácia desta resposta. Contudo, antes de dar início
ao processo, é crucial que todos os ministérios-chave procedam à revisão dos respectivos
mandatos ao nível da protecção da criança, bem como das atribuições das suas entidades
especializadas, para eliminar a duplicação de funções. Também é importante assegurar
que todas as entidades pertinentes actualizam os seus procedimentos internos. Estes
documentos representam indicações fundamentais para os Procedimentos Operacionais
Padronizados.

Considerando o reconhecimento, na Constituição, da justiça informal em Angola e do papel


importante que tem na resolução de conflitos a nível comunitário, os novos Procedimentos
Operacionais Padronizados têm de estabelecer orientações para a sua aplicação, com uma
lógica de “quem, quando e como?”. As justiças formais e informais devem trabalhar em
complementaridade na defesa do superior interesse da criança. Não devem gerar duplicação
nem criar situações em que a criança infractora seja penalizada duas vezes pelo mesmo
incidente.

Deste modo, recomenda-se:

• Identificar uma estrutura competente independente para coordenar o desenvolvimento


dos Procedimentos Operacionais Padronizados para a protecção da criança em Angola
no primeiro ano do plano de acção operacional;
• Que o processo de elaboração e validação seja participativo e envolva todas as principais
partes interessadas e instituições (sociedade civil, líderes tradicionais, ministérios-chave
e outros ministérios) que participem do desenvolvimento integral da criança (incluindo
justiça, saúde, educação, etc.);
• Integrar os Procedimentos Operacionais Padronizados validados na Lei da Protecção e
Desenvolvimento Integral da Criança tal como sucedeu com os 11 Compromissos;
• Deve procurar-se melhorar a coordenação e a colaboração entre as partes interessadas
quanto às actividades concomitantes, sobretudo entre os três ministérios principais,
devendo ser apoiada a implementação dos Procedimentos Operacionais Padronizados.
Por exemplo, estas actividades podem destinar-se à revitalização do CNAS e do Fórum
Nacional sobre a Criança, à consolidação das redes de base comunitária para protecção
na infância e à organização de conferências transectoriais e outros espaços de partilha
de forma regular, no sentido de promover discussões multissectoriais que dêem origem
a mudanças na prática.

99
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

R5 – PARA O INEJ E OUTRAS ESCOLAS PROFISSIONAIS PARA ASSISTENTES SOCIAIS


E FORÇAS DE SEGURANÇA, LÍDERES TRADICIONAIS E UNICEF

Assegurar formação inicial e contínua especializada em protecção da criança para ma-


gistrados, agentes da polícia, assistentes sociais e intervenientes informais

Segundo os documentos e os operadores consultados, o pessoal altamente qualificado


representará apenas uma percentagem reduzida das pessoas que trabalham com crianças
em contacto com a lei, em particular fora das entidades públicas centrais. As acções
de formação existentes ou são muito gerais ou só são oferecidas pontualmente. Mas a
qualidade dos serviços é mais influenciada pelas competências das pessoas que têm a
responsabilidade de os prestar e tem consequências directas para a eficácia do sistema
de protecção da criança. Uma boa formação dos funcionários é fundamental para lidar de
forma adequada com as especificidades de uma criança, às quais se acrescentarão outras
características associadas a situações invulgares em termos de violência, delinquência,
risco de maus tratos, traumas, drogas, violência doméstica, vida nas ruas, separação da
família, etc.

Devido ao papel desempenhado pelos intervenientes informais no terreno e ao facto de os


líderes religiosos serem respeitados e ocuparem posições relevantes na sociedade, estes
podem ter muita influência no que diz respeito a chamar a atenção para os direitos das
crianças e evitar situações de violência contra elas. Reforçar as parcerias com as igrejas
ajudará o Governo a abordar e entender melhor as problemáticas vividas pela sociedade. No
entanto, os líderes religiosos em geral não têm experiência e habitualmente necessitam de
consolidar as suas capacidades para uma intervenção adequada em termos de protecção
da criança. Uma intervenção judicial, seja formal ou informal, deve contribuir para o
desenvolvimento e bem-estar da criança e nunca para a sua dupla vitimização.

As constantes mudanças na sociedade estão sempre a gerar novos desafios em termos


de protecção que têm de ser avaliados para definir novas formas de resposta. Actualmente
sabe-se que a opção por acções de formação pontuais é pouco eficaz, só tem algumas
consequências a curto prazo e constitui apenas uma solução menos má. Além disso, não é
eficiente, não tem impacto a longo prazo e, por definição, não será sustentável.

Deste modo, recomenda-se:

• Desenvolver programas de formação (inicial e contínua) específicos sobre protecção


da criança concebidos para as mais importantes escolas de formação de magistrados,
polícia e assistentes sociais;
• Integrar novos programas específicos sobre protecção da criança nos planos de
formação das respectivas escolas;
• Criar programas estruturados de formação contínua para intervenientes formais e
informais que trabalham no terreno para actualização de competências;
• Além da consolidação de conhecimentos sobre a legislação e as normas internacionais
aplicáveis, estes programas devem basear-se numa abordagem participativa que se
caracteriza pelo desenvolvimento de competências relacionadas com o “saber fazer” e

100
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

competências comportamentais. Esta abordagem tem uma eficácia comprovada porque


está mais adaptada à formação de adultos, aproveitando as experiências existentes
em vez de se limitar a uma transmissão de conhecimentos unidireccional por parte
do formador. Todas as boas componentes relevantes de ferramentas de formação
existentes – desenvolvidas pelo INEJ, pelo INAC e pelo CIES e cursos para PALOP
entre outros278 – devem ser utilizadas nos módulos.

Por exemplo, ao adaptar os programas a cada escola, a formação inicial deverá integrar
tópicos como os seguintes:

• Desenvolvimento da criança (geral e as características específicas de género) de um


ponto de vista integral;
• Critérios aplicáveis à determinação do superior interesse da criança;
• Boas práticas para a participação da criança no sistema judicial;
• Conciliação entre práticas tradicionais e os direitos da criança;
• Técnicas de comunicação recomendadas junto de crianças;
• Procedimentos operacionais padrão e a coordenação entre os intervenientes que
trabalham no sistema de protecção da criança;
• “Diversion” e alternativas às medidas privativas de liberdade;
• Procedimentos internos, ética e deontologia;
• Género e violência de género;
• Elaboração, aplicação e acompanhamento de estratégias de prevenção (da delinquência
infanto-juvenil e de vitimização da criança);
• Etc.

R6 – PARA O CNAS EM COLABORAÇÃO COM AS AUTORIDADES PROVINCIAIS


E MUNICIPAIS E O UNICEF

Implementar um sistema eficaz de recolha e tratamento de dados a nível nacional

O objectivo do diagnóstico do sistema de protecção da criança não consiste em acusar


e penalizar os responsáveis pela sua administração, mas sim em obter uma ideia mais
correcta do estado geral do sistema utilizando toda a informação relevante, incluindo as
perspectivas e os conhecimentos especializados das principais partes interessadas. Um
exercício bem documentado poderá descobrir boas práticas consideradas prometedoras,
bem como os constrangimentos que inibem a eficácia das iniciativas postas em prática.
No final, ajudará a definir novas estratégias para enfrentar os desafios com êxito e marcar
realmente a diferença na vida de todas as crianças. Não obstante a qualidade do sistema
actual de recolha de dados, a transparência na partilha de toda a informação pertinente
que existe teria revelado uma vontade genuína de mudar e implementar todas as medidas
relevantes para essa mudança.

278
Por exemplo: Manual teórico e prático para operadores sociais, CIES, 2012 (e respectivo Plano Personalizado do Adolescente – PPA); Currículo alternativo para crianças, adolescentes e jovens em
situação de risco de exclusão social, Kandengues Unidos, 2011.

101
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

No entanto, as dificuldades recorrentes para obter dados importantes, em particular quanto


às crianças mais vulneráveis, como as detidas em prisões e esquadras ou crianças em
situação de rua, não só causam incerteza quanto à autenticidade dos compromissos por parte
dos decisores, como também impedem um acompanhamento completo dos progressos e
de constrangimentos mais estruturais na implementação dos 11 Compromissos e outros
princípios declarados na Constituição de Angola e na CDC. A Análise da Situação das
Crianças e Mulheres em Angola foi útil, mas contém muito pouca informação relacionada
com crianças em conflito com a lei e com a justiça para crianças. Dito isto, parece haver
uma grave falha nos dados actuais e pertinentes em termos de protecção da criança a
todos os níveis de administração.

Consequentemente, recomenda-se:

• Realizar um registo das características e do estado actual da recolha de dados a nível


nacional e subnacional;
• Definir os indicadores qualitativos e quantitativos para recolha de dados relativamente
a todas as crianças com menos de 18 anos de idade em contacto com a lei, separados
por idade, género, local e perfil;
• Implementar um sistema de recolha e tratamento de dados a nível nacional e subnacional,
baseado no registo realizado e nos indicadores definidos e que observe o princípio da
confidencialidade.

Os dados também devem ser divulgados a todo o país com regularidade.

R7 – PARA O UNICEF

• Rever estudos, enquadramento e modelos lógicos e medidas de desempenho dos


programas e projectos pertinentes, contribuindo para os seus pontos de referência e
resultados efectivos, o que não foi completamente realizado no passado.
• Concluir a análise, com dados quantitativos, sobre a situação e o tratamento (formal e
informal) de crianças (menores de 18 anos) em conflito com a lei (incluindo os dados de
base) no país em colaboração com o MINJUSDH.
• Apoiar os ministérios-chave no sentido de melhorar a colaboração e o apoio às
organizações de base comunitária que complementem os serviços prestados pelo
Estado ou compensem as lacunas verificadas na rede pública.
• Dar apoio à elaboração e implementação de uma estratégia de expansão (e planos
operacionais) dos serviços judiciais especializados para as crianças no país.
• Apoiar os programas do INEJ e outros programas de formação nacionais para agentes
da polícia, assistentes sociais e outros profissionais que contactem com crianças no
sistema judicial em Angola, relativamente ao desenvolvimento de acções de formação
permanentes plenamente integradas com base em competências para lidar com casos
que envolvem crianças de acordo com as normas internacionais e o contexto nacional.
• Dar apoio à preparação, elaboração e execução dos procedimentos operacionais padrão
referentes à protecção da criança.
• Adicionar, na componente de “Justiça para crianças” do programa sobre Registo de
Nascimento e Justiça para as Crianças em Angola (e, caso se aplique, noutras iniciativas
a decorrer), os dados relacionados com a criação de serviços para registo do nascimento
em centros residenciais e de detenção para crianças (até aos 17 anos de idade).

102
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

anexos

I – Lista das partes interessadas reunidas


OBSERVAÇÃO: Esta lista foi entregue em separado pelo UNICEF à equipa do exercício, no
sentido de preservar o carácter de confidencialidade desta participação.

103
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

II – Lista das estruturas associadas à recolha de dados

Instituições visitadas Missão 1 Missão 2

1- Centro de Acolhimento de Crianças “Arnold Janssen” (CACAJ) e Samusocial √

2- Centro Horizonte Azul √

3- Rede de Protecção da Criança e SOS Criança em Viana √

4- Centro de Informação e Educação para o Desenvolvimento (CIES) √ √

5- Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) √

6- Comissão Tutelar de Menores (CTM) √ √

7- Conselho Nacional da Acção Social (CNAS) √

8- Julgado de Menores √ √

9- Centro de Internamento de Menores √ √

10- Centro de Observação no Zango III √ √

11- Prisão da Comarca √

12- Prisão de Viana √

13- Tribunal Provincial de Luanda (Tribunal dos Crimes Comuns) √

14- Serviços de Investigação Criminal (SIC MININT) √

15- Instituto para a Cidadania – Mosaiko √

16- Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) √

17- Ministério do Interior (MININT) √ √

18- Ministério da Justiça e Direitos Humanos (MINJUSDH) √

19- Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) √

20- Direcção Nacional da Administração da Justiça (DNAJ) √

21- Instituto Nacional da Criança (INAC) √

22- Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) √ √

23- Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) √ √

24- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) √

25- Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) √

104
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

III – Participação nas Conferências

OBSERVAÇÃO: Esta lista foi entregue em separado ao UNICEF pela equipa do exercício, no
sentido de preservar o carácter de confidencialidade desta participação.

105
IV – Matriz do Exercício

106
Organizações Líderes
Pessoal de Forças de Assistentes Governo
Perguntas da Sociedade UNICEF Tradicionais/
Justiça Segurança Sociais de Angola
anexos

Civil Comunitários
IMPACTO
Em que medida é que a intervenção dos actores do sistema de justiça
contribuiu para facilitar uma reinserção social duradoura das crianças X X x x x
em contacto com a lei?
Em que medida é que estes programas reduziram a reincidência no
x x x
crime das crianças em contacto com a lei?
Em que medida é a justiça para crianças capaz de proteger as crianças
x x x
vítimas ou testemunhas de crimes?
HHá factores externos ou internos (riscos e suposições) que tenham
afectado o impacto dos programas? Estes factores, se existem,
são suficientemente ponderados na adaptação do desenho destes x
programas? Em caso afirmativo, como é que são concretamente tidos
em consideração?
Em que medida é que o sistema ajudou a converter as crianças em
contacto com a lei em membros produtivos da comunidade ou a melhorar x x x
as suas vidas depois de usufruírem destes serviços ou intervenções?
Em que medida é que a actual legislação que regula a justiça para
crianças é aplicável, com indicação da legislação que deverá ser revista x x x
e da nova legislação a ser criada?
RELEVÂNCIA
Em que medida é que a actual legislação que regula a justiça para
crianças é aplicável, com indicação da legislação que deverá ser revista X X X X X
e da nova legislação a ser criada?
Qual a relevância dos programas de intervenção e reabilitação dos
Tribunais Provinciais, entidades associadas (incluindo outros quadros
x X X x
institucionais) e com assistência da sociedade civil para o preenchimento
das necessidades das crianças em contacto com a lei?
Qual a relevância dos programas de “diversion” vigentes? Existe uma
ampla utilização da “diversion” aos vários níveis? Os programas de X X X x
“diversion” estão disponíveis e acessíveis a esses níveis?
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Em que medida é que as práticas judiciárias têm cumprido as normas
estabelecidas na CDC e noutros instrumentos internacionais relativos a
x x x
crianças em conflito com a lei (Regras de Pequim, Directrizes de Riade,
etc.)?
Até que ponto houve participação de crianças na identificação e definição
x X
destes serviços/programas?
Em que medida se consideram pertinentes estas leis, políticas e
programas tendo em conta as principais violações dos direitos das X X
crianças, considerando as dimensões rural/urbano e rapaz/rapariga?
EFICÁCIA
Até que ponto e como foram alcançados os resultados esperados dos
programas jurídicos? X X

Há factores externos ou internos que tenham influenciado positiva ou


RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

negativamente a reabilitação e reinserção das crianças em contacto com X X X X X X


a lei?
Quais são os principais constrangimentos e limitações na execução dos
X X X X X
programas? Quais são os factores impulsionadores?
Em que medida contribuíram estes programas para a eficácia do
X X
programa do UNICEF de protecção da criança?
Até que ponto são as leis relativas aos direitos das crianças em Angola
X X X
implementadas e observadas? Porquê?
EFICIÊNCIA
São investidos suficientes recursos humanos (juízes, promotores de
justiça, técnicos de justiça da Procuradoria Geral da República, agentes
da lei ou técnicos do sistema judicial, assistentes sociais, e pessoal X X X X
médico) e recursos financeiros/materiais no sistema de administração
da justiça para crianças e adolescentes infractores?
Estes recursos são geridos e coordenados de forma eficiente? X X X X X
SUSTENTABILIDADE
Em que medida foram as suas competências desenvolvidas para
sustentar a implementação dos programas? (Adapte a pergunta de
acordo com os inquiridos: juízes, promotores de justiça, técnicos de
justiça da Procuradoria-Geral da República, agentes da lei ou técnicos X x x x x x
do sistema judicial, líderes comunitários)
anexos

107
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

V – Questões orientadoras para a entrevista das partes interessadas

Guião da Entrevista a Assistentes Sociais

Identificação
1. Pode dar-nos mais informações sobre si e a sua organização?

Experiência com adolescentes e crianças


2. 2. Trabalha em casos que envolvam crianças?
3. Quais são os casos mais frequentes com crianças?
4. Pode descrever os dois casos mais complicados com que teve de lidar que envolvessem um rapaz e uma rapariga?
5. O que leva as crianças à sua organização?
6. Que tipos de serviços prestados às crianças são tratados pela sua organização?
7. As raparigas confiam em si e na organização para a qual trabalha?
8. Os rapazes confiam em si?
9. Na sua opinião, o que pensam as raparigas sobre os assistentes sociais?
10. Na sua opinião, o que pensam os rapazes sobre os assistentes sociais?

Interacção com outros actores do campo da protecção da criança


11. Tem de interagir com outros intervenientes? Quais? Com que propósito?
12. Parceiros financeiros e técnicos
13. De que estrutura de coordenação faz parte a sua organização? Como se organizam?
14. Na sua opinião, qual é o papel dos assistentes sociais na protecção da criança em Angola?
15. O que nos pode dizer sobre a protecção da criança em Angola? Quais são as suas ideias principais para tornar o sistema
mais eficiente?
16. Na sua opinião, o que pensam as pessoas sobre a sua profissão?
17. Na sua opinião, o que pensam os outros intervenientes no campo da protecção da criança sobre a sua profissão?
18. Acha que os outros actores da protecção da criança estão suficientemente bem informados sobre o seu trabalho e as
suas responsabilidades no que diz respeito aos direitos das crianças?
19. O que significa para si “ser bem tratado”?
20. Acha que as raparigas que entram em contacto com a lei são bem tratadas?
21. Acha que os rapazes que entram em contacto com a lei são bem tratados?
22. O que se poderia fazer para melhorar o tratamento das raparigas que entram em contacto com a lei?
23. O que se poderia fazer para melhorar o tratamento dos rapazes que entram em contacto com a lei?
24. Existe alguma diferença no modo como são tratados os rapazes e as raparigas?

Desenvolvimento de competências do assistente social


25. Sente-se à vontade para tratar de um caso que envolva uma rapariga? Um rapaz?
26. Acha que tem todas as ferramentas para resolver um caso que envolva uma rapariga? Um rapaz?
27. Acha que os seus colegas homens que são assistentes sociais estão à vontade para tratar de um caso que envolva uma
rapariga? Um rapaz?
28. Acha que as suas colegas mulheres que são assistentes sociais estão à vontade para tratar de um caso que envolva uma
rapariga? Um rapaz?
29. Existem procedimentos, normas ou padrões escritos que enquadrem a sua actividade?
- Quem tem formação para usar esses textos?
- Esses textos estão divulgados?
30. Já recebeu formação sobre os direitos das crianças?

108
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

31. Qual a coisa mais importante que aprendeu durante a sua formação sobre os direitos das crianças?
32. De todas as acções de formação que já frequentou, qual a mais útil no seu trabalho diário?
33. A sua primeira acção de formação teve influência na forma como evoluiu a sua carreira? E as restantes acções de
formação que frequentou durante a carreira?
34. Durante as acções de formação foi-lhe dado a conhecer o princípio do “superior interesse da criança”? Em caso
afirmativo, como o aplica diariamente no seu trabalho? Em caso negativo, conhece este princípio?
35. Que aspectos devem ser melhorados na formação de assistentes sociais? Explique porquê.
36. Quais são as suas necessidades em termos de formação? Esses recursos existem e estão disponíveis/acessíveis?

Conclusão
37. Como assistente social, quais são os elementos positivos da sua experiência profissional com crianças?
38. Tem algum comentário a acrescentar sobre o seu trabalho junto das crianças ou alguma sugestão para melhorar a
protecção das crianças?
39. Tem alguma pergunta a fazer?

Perguntas adicionais para assistentes sociais que trabalhem em centros de acolhimento e/ou residenciais
40. Identificação do centro
- Nome do centro
- Tipo de centro
- Localização
- Data de criação
- Capacidade de acolhimento
- Contactos
- Nome do gerente
- Nome da pessoa inquirida
41. Qual o objectivo do centro?
42. Funcionários que trabalham no centro?
43. Quais são os critérios de admissão para as crianças no centro?
44. Existe algum critério para expulsão? Se sim, qual/quais?

Se o centro não puder cuidar de determinada criança, o que fazem? Quais os procedimentos a seguir?
45. Quantas crianças (rapazes e raparigas) já receberam no centro?
46. Qual a média de idades dos rapazes e das raparigas que se dirigiram ao vosso centro nos últimos três anos?
47. Qual o tipo de acolhimento?
48. Descreva o dia típico de uma criança que se encontre no vosso centro.
49. Existe um modelo pré-definido para as crianças no percurso desde a chegada à partida?

Quais as etapas diferentes para raparigas e rapazes?


50. Existe algum procedimento de acompanhamento das crianças depois de saírem do centro?

Existem procedimentos diferentes de acordo com o género da criança? Em caso afirmativo, explique.
51. Participação de raparigas e de rapazes
- As crianças são associadas à escolha das etapas do modelo específicas para elas?
- São envolvidas na sua reintegração (escolha do local, etc.)?
- Participam nalguma decisão?
52. Práticas padrão.
53. Parceiro financeiro e técnico.

109
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Guião da entrevista a agentes de polícia e membros das forças policiais

1. Costuma trabalhar em casos que envolvam raparigas/rapazes?


2. Quais são as situações mais comuns com raparigas/rapazes em que pode trabalhar?
3. Quando é apresentada uma queixa, quais as directrizes a seguir nesse caso? Existe algum procedimento especial? Em
caso afirmativo, em que consiste?
4. Qual é o procedimento para recolher o testemunho de uma criança?
5. Pode contar-nos os dois casos mais especiais com crianças em que já trabalhou?
6. Relativamente a um caso que envolva uma rapariga/um rapaz, considera-se suficientemente à vontade para resolver o
caso?
7. Relativamente a um caso que envolva uma rapariga/um rapaz, considera-se suficientemente bem preparado(a) para
resolver o caso?
8. Acha que os seus colegas polícias, no geral, estão suficientemente bem preparados para solucionar casos que
envolvam raparigas? E rapazes?
9. Acha que os outros actores (mulheres e homens) relacionados com a protecção da criança, no geral, estão à vontade
para resolver casos que envolvam raparigas? E rapazes?
10. Acha que os outros actores (mulheres e homens) relacionados com a protecção da criança, no geral, estão
suficientemente bem preparados para resolver casos que envolvam raparigas? E rapazes?
11. O que significa para si “ser bem tratado”?
12. Acha que as raparigas que estão em conflito com a lei são bem tratadas, no geral? E quando pretendem apresentar
uma queixa? Explique.
13. Na sua opinião, o que se poderia fazer para melhorar a forma como são tratadas as raparigas em conflito com a lei?
14. Acha que os rapazes que estão em conflito com a lei são bem tratados, no geral? E quando pretendem apresentar uma
queixa? Explique.
15. Na sua opinião, o que se poderia fazer para melhorar a forma como são tratados os rapazes em conflito com a lei?
16. Na sua opinião, o que pensam as raparigas/os rapazes dos polícias?
17. Na sua opinião, as raparigas/os rapazes confiam nos polícias?
18. O que sentem as raparigas/os rapazes relativamente aos polícias?
19. As raparigas/os rapazes vão fácil e espontaneamente falar com um polícia?
20. Em caso negativo, a que interveniente relacionado com a protecção da criança considera que as raparigas/os rapazes
preferem dirigir-se?
21. Costuma interagir com outras pessoas relacionadas com a protecção da criança (instituições públicas, advogados
e assistentes jurídicos, autoridades religiosas e tradicionais, ONG, organizações internacionais, famílias e crianças,
outros actores da área jurídica, meios de comunicação, etc.)?
22. Como é que funciona? Costuma ter algum problema?
23. Pode dar mais pormenores sobre a sua interacção com assistentes sociais/polícias?
24. Considera que os outros actores relacionados com a protecção da criança estão suficientemente bem informados
sobre o seu trabalho e as suas responsabilidades no que diz respeito aos direitos das crianças?
25. Na sua opinião, o que é que as pessoas que colaboram com os polícias pensam sobre a polícia no geral?
26. Os polícias estão envolvidos em programas de coordenação? Em caso afirmativo, explique. Em caso negativo, explique
porquê.
27. Já recebeu formação sobre os direitos das crianças?
28. Qual a coisa mais importante que aprendeu durante a sua formação sobre os direitos das crianças?
29. Nessa formação sobre os direitos das crianças, qual a coisa mais útil para o seu trabalho diário?
30. A sua formação inicial teve influência na forma como evoluiu a sua carreira? E as restantes acções de formação que
frequentou durante a carreira?
31. Durante as acções de formação foi-lhe dado a conhecer o princípio do “superior interesse da criança”? Em caso
afirmativo, como o aplica diariamente no seu trabalho? Em caso negativo, sabe alguma coisa sobre este princípio?

110
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

32. Que aspectos devem ser melhorados na formação?


33. Quais são as suas necessidades em termos de formação?
34. Existe um código deontológico ou ético a usar pelos polícias?
35. Pode falar-nos das medidas disciplinares dos polícias? Existem infracções? Em caso afirmativo, que tipo de infracções?
Quais são as acções determinadas para punir os agentes da polícia?
36. Na sua formação profissional, foi incentivado(a) a promover medidas de “diversion” relativamente a casos em que
estava a trabalhar? Em caso afirmativo, em que situações o pode fazer? Em caso negativo, sente se à vontade com o
processo de remissão?
37. Tem algum comentário a acrescentar sobre o seu trabalho junto das crianças ou alguma sugestão para melhorar o
sistema de protecção das crianças?
38. Tem alguma pergunta a fazer?

Guião da entrevista a magistrados (juiz, juiz de instrução, promotor de justiça, juiz de menores, etc.)

1. Costuma trabalhar em casos que envolvam raparigas/rapazes?


2. Quais são as situações mais comuns com raparigas/rapazes em que pode trabalhar?
3. Tem algum caso relativo a:
- Considerações em matéria de género
- Qualquer tipo de transgressão (violação, abuso físico ou sexual, álcool e drogas, etc.)
- Qualquer área geográfica
- Aspectos culturais
- Estratos sociais das crianças
- Faixas etárias das crianças
- Origem étnica ou nacional da criança
- Novas tendências
- Influência de factores externos: pessoas, propriedade, lazer, etc.
4. Quais são as potenciais dificuldades de um caso que envolva uma rapariga/um rapaz? Como é que ultrapassa estas
dificuldades?
5. Pode contar-nos os dois casos mais especiais com crianças em que já trabalhou?
6. Relativamente a um caso que envolva uma rapariga, considera-se suficientemente bem preparado(a) para resolver o
caso?
7. Acha que os outros actores (mulheres e homens) relacionados com a protecção da criança, no geral, estão à vontade
para resolver casos que envolvam raparigas? E rapazes?
8. Acha que os outros actores (mulheres e homens) relacionados com a protecção da criança, no geral, estão
suficientemente bem preparados para resolver casos que envolvam raparigas? E rapazes?
9. O que significa para si “ser bem tratado”?
10. Acha que as raparigas que estão em conflito com a lei são bem tratadas, no geral? Explique.
11. Na sua opinião, o que se poderia fazer para melhorar a forma como são tratadas as raparigas em conflito com a lei?
12. Acha que os rapazes que estão em conflito com a lei são bem tratados, no geral? Explique.
13. Na sua opinião, o que se poderia fazer para melhorar a forma como são tratados os rapazes em conflito com a lei?
14. Na sua opinião, o que é que as pessoas (mulheres e homens) pensam da sua profissão no geral?
15. Na sua opinião, o que é que as raparigas/os rapazes pensam dos magistrados homens/mulheres?
16. Na sua opinião, as raparigas/os rapazes confiam nos magistrados homens/mulheres?
17. O que sentem as raparigas/os rapazes relativamente aos magistrados homens/mulheres?
18. As raparigas/os rapazes vão fácil e espontaneamente falar com magistrados homens/mulheres?
19. Em caso negativo, a que interveniente relacionado com a protecção da criança considera que as raparigas/os rapazes
preferem dirigir-se?

111
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

20. Costuma interagir com outras pessoas relacionadas com a protecção da criança (instituições públicas, advogados
e assistentes jurídicos, autoridades religiosas e tradicionais, ONG, organizações internacionais, famílias e crianças,
outros actores da área jurídica, meios de comunicação, etc.)?
21. Como é que funciona? Costuma ter algum problema?
22. Pode dar mais pormenores sobre a sua interacção com assistentes sociais/polícias?
23. Considera que os outros actores relacionados com a protecção da criança estão suficientemente bem informados
sobre o seu trabalho e as suas responsabilidades no que diz respeito aos direitos das crianças?
24. Na sua opinião, o que é que as pessoas que colaboram com as autoridades judiciais pensam sobre a sua profissão?
25. Os magistrados estão envolvidos em programas de coordenação? Em caso afirmativo, explique. Em caso negativo,
explique porquê.
26. Já recebeu formação sobre os direitos das crianças?
27. Qual a coisa mais importante que aprendeu durante a sua formação sobre os direitos das crianças?
28. Nessa formação sobre os direitos das crianças, qual a coisa mais útil para o seu trabalho diário?
29. A sua formação inicial teve influência na forma como evoluiu a sua carreira? E as restantes acções de formação que
frequentou durante a carreira?
30. Durante as acções de formação foi-lhe dado a conhecer o princípio do “superior interesse da criança”? Em caso
afirmativo, como o aplica diariamente no seu trabalho? Em caso negativo, sabe alguma coisa sobre este princípio?
31. Os magistrados têm formação contínua? Se sim, com que frequência?
32. Quais são as suas necessidades em termos de formação?
33. Existe um código deontológico ou ético a usar pelos magistrados?
34. Pode falar-nos das medidas disciplinares dos magistrados? Existem infracções? Em caso afirmativo, que tipo de
infracções? Quais são as acções determinadas para punir os magistrados?
35. Na sua formação profissional, foi incentivado(a) a promover medidas de “diversion” relativamente a casos em que
estava a trabalhar? Em caso afirmativo, em que situações o pode fazer? Em caso negativo, sente se à vontade com o
processo de remissão?
36. Na sua formação profissional, foi incentivado(a) a usar medidas alternativas à privação de liberdade? Em caso
afirmativo, em que situações o pode fazer? Em caso negativo, sente-se à vontade com essas alternativas?
37. Na sua opinião, o Estado dá importância à independência judicial?
38. Na sua opinião, pode-se dizer que o trabalho dos magistrados é independente?
39. Tem algum comentário a acrescentar sobre o seu trabalho junto das crianças ou alguma sugestão para melhorar o
sistema de protecção das crianças?
40. Quais são os textos legais que utiliza na sua prática diária?
41. Que textos legais considera serem mais difíceis de aplicar? Porquê?
42. Tem alguma pergunta a fazer?

Guião da Entrevista a crianças e adolescentes

Identificação
1. Pode dar-nos algumas informações sobre si?

Experiência com assistentes sociais e juízes


2. Sabe a quem e como é que uma criança que tenha sido vítima ou testemunha de uma infracção pode relatar o que
aconteceu?
3. Para si, é fácil fazer uma denúncia? Explique.
4. O que acha que se poderia fazer para melhorar o processo de denúncia?
5. O que acha do tratamento dado a raparigas e rapazes?
6. Tem alguma proposta para melhorar a forma como são tratados as raparigas e os rapazes?

112
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

7. O que acha dos cuidados prestados às raparigas? Aos rapazes?


8. Tem alguma proposta para melhorar os cuidados prestados às raparigas e aos rapazes?
9. Quem foi a última pessoa a tomar uma decisão sobre si?
10. Já esteve em contacto com a polícia?
11. Já esteve em contacto com assistentes sociais?
12. Já esteve em contacto com um magistrado?
13. Que situação com:
- Um assistente social (homem) teve maior impacto para si?
- Uma assistente social (mulher) teve maior impacto para si?
- Um magistrado (homem) teve maior impacto para si?
- Uma magistrada (mulher) teve maior impacto para si?
14. Confia em:
- Assistentes sociais homens? Porquê?
- Assistentes sociais mulheres? Porquê?
- Magistrados homens? Porquê?
- Magistradas mulheres? Porquê?
15. Acha que alguma destas pessoas o/a poderiam ajudar:
- Um assistente social (homem)? Porquê?
- Uma assistente social (mulher)? Porquê?
- Um magistrado (homem)? Porquê?
- Uma magistrada (mulher)? Porquê?
16. No geral, o que acha de:
- Assistentes sociais homens? Porquê?
- Assistentes sociais mulheres? Porquê?
- Magistrados homens? Porquê?
- Magistradas mulheres? Porquê?
17. No geral, o que dizem os seus colegas sobre:
- Assistentes sociais homens? Porquê?
- Assistentes sociais mulheres? Porquê?
- Magistrados homens? Porquê?
- Magistradas mulheres? Porquê?
18. No geral, o que diz a sua família sobre:
- Assistentes sociais homens? Porquê?
- Assistentes sociais mulheres? Porquê?
- Magistrados homens? Porquê?
- Magistradas mulheres? Porquê?
19. Acha que as crianças estão suficientemente informadas sobre:
- Assistentes sociais?
- Magistrados?
- Polícias?
20. Acha que as raparigas estão suficientemente bem informadas sobre as responsabilidades dos assistentes sociais? Dos
magistrados? Porquê?
21. Acha que os rapazes estão suficientemente bem informados sobre as responsabilidades dos assistentes sociais? Dos
magistrados? Porquê?
22. E quanto a si, o que é que sabe sobre o trabalho e as responsabilidades destas profissões?
23. Se tivéssemos de dar formação a mulheres assistentes sociais sobre 2-3 aspectos essenciais relacionados com
raparigas, quais seriam? E relativamente aos rapazes, quais seriam?

113
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

24. Se tivéssemos de dar formação a homens assistentes sociais sobre 2-3 aspectos essenciais relacionados com
raparigas, quais seriam? E relativamente aos rapazes, quais seriam?
25. Se tivéssemos de dar formação a magistradas (mulheres) sobre 2-3 aspectos essenciais relacionados com raparigas,
quais seriam? E relativamente aos rapazes, quais seriam?
26. Se tivéssemos de dar formação a magistrados (homens) sobre 2-3 aspectos essenciais relacionados com raparigas,
quais seriam? E relativamente aos rapazes, quais seriam?
27. Se as mulheres assistentes sociais tivessem de mudar 2-3 aspectos no seu comportamento, quais seriam? Explique
porquê.
28. Se os homens assistentes sociais tivessem de mudar 2-3 aspectos no seu comportamento, quais seriam? Explique
porquê.
29. Se as magistradas (mulheres) tivessem de mudar 2-3 aspectos no seu comportamento, quais seriam? Explique
porquê.
30. Se os magistrados (homens) tivessem de mudar 2-3 aspectos no seu comportamento, quais seriam? Explique porquê.
31. Tem comentários ou sugestões a fazer?
32. Tem alguma pergunta a fazer?

Guião da entrevista a outras pessoas do sistema de protecção da criança

Identificação

1. Pode dar-nos mais informações sobre si e a sua organização?

Interacção com assistentes sociais


2. A sua organização cuida de crianças:
- Em conflito com a lei?
- Vítimas e/ou testemunhas de um crime?
- Em perigo?
- Outra categoria?
3. Pode descrever o processo por que passam as crianças quando ficam sob a responsabilidade da sua organização?
4. Alguma vez tem de interagir com assistentes sociais/polícias/pessoas que trabalham em casos que envolvem crianças?
4.1 Como se desenrolam as suas interacções com assistentes sociais/polícias/pessoas que trabalham em casos que
envolvem crianças?
4.2 Costuma haver algum problema?
5. Que tipo de situações que envolvam crianças o/a fazem interagir mais com assistentes sociais/polícias/pessoas que
trabalham em casos que envolvem crianças?
5.1 Verifica-se o mesmo tipo de problemas nas diferentes faixas etárias? Explique.
6. Nas suas interacções com assistentes sociais/polícias/pessoal de justiça, qual foi o caso mais especial/singular relativo
a uma criança com que já teve de lidar?
7. Considera que os assistentes sociais/polícias/pessoal de justiça estão suficientemente bem informados sobre o seu
trabalho e as suas responsabilidades no campo dos direitos da criança? Explique porquê.
8. Considera que está bem informado sobre o trabalho e as responsabilidades dos assistentes sociais/polícias/pessoal
de justiça no campo dos direitos da criança?
9. Considera que, no geral, os assistentes sociais (homens):
- Se sentem à vontade para resolver casos que envolvam crianças?
- Têm todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
10. Considera que, no geral, as assistentes sociais (mulheres):

114
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

- Se sentem à vontade para resolver casos que envolvam crianças?


- Têm todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
11. Considera que, no geral, os polícias (homens):
- Se sentem à vontade para resolver casos que envolvam crianças?
- Têm todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
12. Considera que, no geral, as polícias (mulheres):
- Se sentem à vontade para resolver casos que envolvam crianças?
- Têm todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
13. Considera que, no geral, o pessoal de justiça (homens):
- Se sente à vontade para resolver casos que envolvam crianças?
- Tem todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
14. Considera que, no geral, o pessoal de justiça (mulheres):
- Se sente à vontade para resolver casos que envolvam crianças?
- Tem todas as ferramentas indicadas para resolver casos que envolvam crianças?
15. O que se poderia fazer para consolidar as competências dos assistentes sociais?
16. O que se poderia fazer para consolidar as competências dos polícias?
17. O que se poderia fazer para consolidar as competências do pessoal de justiça?
18. No geral, considera que as raparigas que estão em conflito com a lei são bem tratadas por:
- Assistentes sociais?
- Forças armadas?
- Pessoal de justiça?
- Outros actores?
19. No geral, considera que os rapazes que estão em conflito com a lei são bem tratados por:
- Assistentes sociais?
- Forças armadas?
- Pessoal de justiça?
- Outros actores?
20. O que se poderia fazer para melhorar a situação das raparigas?
21. O que se poderia fazer para melhorar a situação dos rapazes?
22. O que acha que as raparigas pensam sobre:
- Os assistentes sociais?
- A polícia?
- O pessoal de justiça?
- Outros actores?
23. O que acha que os rapazes pensam sobre:
- Os assistentes sociais?
- A polícia?
- O pessoal de justiça?
- Outros actores?
24. Acha que as raparigas confiam:
- Nos assistentes sociais?
- Na polícia?
- No pessoal de justiça?
- Nos outros actores?
25. Acha que os rapazes confiam:
- Nos assistentes sociais?
- Na polícia?

115
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

- No pessoal de justiça?
- Nos outros actores?
26. Considera que as raparigas se dirigem com facilidade a:
- Assistentes sociais?
- Polícia?
- Pessoal de justiça?
- Outros actores?
27. Considera que os rapazes se dirigem com facilidade a:
- Assistentes sociais?
- Polícia?
- Pessoal de justiça?
- Outros actores?
28. A que outra pessoa é que as raparigas se dirigem?
29. A que outra pessoa é que os rapazes se dirigem?
30. Que aspectos têm de ser melhorados na formação dos assistentes sociais/polícias/funcionários de justiça?

Sistema de Protecção da Criança


31. Que relações institucionais e de parceria é que tem com outras pessoas do sistema de protecção da criança? Indique
qual a pessoa.
32. Existem procedimentos, padrões ou normas escritas para regular as suas acções
33. Tem algo a dizer sobre o sistema de protecção da criança na RDC? Tem ideias sobre como melhorar o sistema?

Desenvolvimento de Competências
34. Enfrenta dificuldades específicas no seu trabalho no campo da protecção da criança?
35. Já realizou formação sobre os direitos das crianças?
36. Qual a coisa mais importante que aprendeu durante a sua formação sobre os direitos das crianças?
37. Qual a coisa mais útil que aprendeu durante essa formação?
38. Essa formação teve impacto na sua carreira?
39. Tem comentários ou sugestões a fazer?
40. Tem alguma pergunta a fazer?

116
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

VI - Tratados relacionados com os direitos da criança


Tendo sido adoptados pela comunidade internacional, estes instrumentos referem-se a direitos
consagrados, de forma geral ou específica, e sublinham o compromisso por parte dos Estados
Membros quanto à implementação dos mesmos. Ao ratificar ou aderir a estes instrumentos,
os Estados comprometem-se a conciliar o seu enquadramento legal nacional com os princípios
do instrumento, bem como a elaborar as políticas e medidas que sejam necessárias para a
respectiva execução.

Tratado Data de adopção


pela Assembleia Geral
1. Convenção sobre os Direitos da Criança 20 de Novembro de 1989
2. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de 25 de Maio de 2000
crianças em conflitos armados
3. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, 25 de Maio de 2000
Prostituição Infantil e Pornografia Infantil
4. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Instituição de um 19 de Dezembro de 2011
Procedimento de Comunicação
5. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 7 de Março de 1966
6. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 16 de Dezembro de 1966
7. Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 16 de Dezembro de 1966
8. Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, com vista 15 de Dezembro de 1989
à abolição da pena de morte
9. Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais 16 de Dezembro de 1966
10. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres 18 de Dezembro de 1979
11. Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação 6 de Outubro de 1999
contra as Mulheres
12. Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes 10 de Dezembro de 1984
13. Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, 18 de Dezembro de 2002
Desumanos ou Degradantes
14. Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e 18 de Dezembro de 1990
Seus Familiares
15. Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência 13 de Dezembro de 2006
16. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados 28 de Julho de 1951
17. Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados 31 de Janeiro de 1967
18. Convenção para a Redução dos casos de Apatridia 30 de Agosto de 1961
19. Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos 20 de Dezembro de 2006
Forçados
20. Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem 21 de Março de 1950
21. Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente de Mulheres 15 de Novembro de 2000
e Crianças, como Suplemento à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional
22. Convenção de Haia de 1993 relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de 29 de Maio de 1993
Adopção Internacional
23. Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças 25 de Outubro de 1980

117
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

24. Convenção sobre o Consentimento para Casamento, Idade Mínima para Casamento e Registo dos 10 de Dezembro de 1962
Casamentos
25. OIT: Convenção relativa à Idade Mínima, 1973 (n.º 138) 26 de Junho de 1973
26. OIT: Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999 (n.º 182) 17 de Junho de 1999
27. Convenção contra a Discriminação na Educação 14 de Dezembro de 1960
28. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 17 de Julho de 1998
29. Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção 12 de Agosto de 1949
das Vítimas dos Conflitos Armados Não-Internacionais (Protocolo I)
30. Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção 12 de Agosto de 1949
das Vítimas dos Conflitos Armados Não-Internacionais (Protocolo II)
31. Protocolo contra o Fabrico Ilícito e o Tráfico de Armas de Fogo, das suas Partes e Componentes 31 de Maio de 2001
e Munições, como Suplemento à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional

32. Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas 18 de Setembro de 1997
Terrestres e sobre a sua Destruição
33. Convenção sobre as Munições de Fragmentação 30 de Maio de 2008
34. Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança 11 de Julho de 1990

VII – Histórico dos Relatórios enviados para o Comité das Nações Unidas para os Direitos
da Criança

Nome do instrumento N.º do Tipo de Data para Data da Entrega ou Código ou Nome da
Relatório relatório Entrega respectiva sessão do Organização
CDC [1]
Convenção sobre os 1 Relatório do 03.01.1993 10.08.2004 CRC/C/3/Add.66
Direitos da Criança Estado
Ratificado 1 Relatório alternativo Sessão 37 do CDC, Human Rights Watch, Divisão
13 de Setembro – 1 de Direitos da Criança
5 de Dezembro de 1990 de Outubro de 2004
  1 Relatório alternativo Sessão 37 do CDC, Coligação para Parar a
13 de Setembro – 1 Utilização de Crianças-Soldado
  de Outubro de 2004

  1 Relatório alternativo Sessão 37 do CDC, Rede da Criança


13 de Setembro – 1
  de Outubro de 2004
1 Observações finais 03.11.2004 CRC/C/15/Add.246
 
2,3,4 Relatório do 30.01.2008 26.02.2010 CRC/C/AGO/2-4
  Estado

  2,3,4 Relatório alternativo Sessão 55 do CDC, Iniciativa Global para Pôr Fim
13 de Setembro – 1 a Todos os tipos de Castigo
  de Outubro de 2010 Corporal
2,3,4 Relatório alternativo Sessão 55 do CDC, Child Helpline International
  13 de Setembro – 1 (Linha internacional de apoio à
de Outubro de 2010 criança)

2,3,4 Observações finais 03.11.2004 CRC/C/AGO/CO/2-4


5 Relatório do Ainda não foi N/A
estado entregue

118
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Nome do instrumento N.º do Tipo de Data para Data da Entrega ou Código ou Nome da
Relatório relatório Entrega respectiva sessão do Organização
CDC [1]
Protocolo Facultativo 1 Ainda não foi  
à Convenção sobre os entregue
Direitos da Criança
relativo ao envolvimento
de crianças em conflitos
armados

Aderido

11 de Outubro de 2007
Protocolo Facultativo 1 Ainda não foi  
à Convenção sobre os entregue
Direitos da Criança
relativo à Venda de
Crianças, Prostituição
Infantil e Pornografia
Infantil

Aderido

24 de Março de 2005

A CDC foi o primeiro tratado a ser ratificado por Angola (1990), seguindo-se, dois anos mais tarde, a adesão à CADBEC (1992).279
Entre outros, o Governo aderiu (em 2005 e 2007) a dois dos três Protocolos Facultativos à CDC e ratificou (2001) as duas
principais Convenções da Organização Internacional do Trabalho relacionadas com a idade mínima para o trabalho (n.º 138) e as
piores formas de trabalho infantil (n.º 182) e a Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência
de Minas Terrestres e sobre a sua Destruição (2002). O país também aderiu à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres (1986). Também salientamos a recente ratificação no país da Convenção dos Direitos das
Pessoas com Deficiência (2012) e adesão ao Protocolo de Palermo para Prevenir, Suprimir e Penalizar o Tráfico de Pessoas,
essencialmente de Mulheres e Crianças (2014). Durante as missões no terreno, a maioria dos entrevistados indicou que sabia
da existência da CDC e reconhecia o papel central que esta desempenha no aparelho legislativo tanto a nível nacional como
internacional.

VIII – Normas internacionais relacionadas com a Justiça para as Crianças


Regras Mínimas das Nações Unidas As Regras de Pequim representam um quadro de referência para a aplicação dos
para a Administração da Justiça Artigos 37, 39 e 40 da CDC que abordam, respectivamente, questões relacionadas
Juvenil (Regras de Pequim) (1985) com a tortura e o castigo ou tratamento desumano ou cruel, o direito da criança a
reabilitação e reinserção e os princípios básicos que se aplicam à administração da
Deliberação 40/33, anexo. justiça para crianças. As regras proporcionam um quadro bastante pormenorizado para
a legislação criminal adaptada aos menores, dando prioridade às medidas educativas.

Regras Mínimas das Nações Unidas As Regras de Tóquio estabelecem princípios que favorecem medidas não privativas
para a Elaboração de Medidas Não de liberdade e sugerem aos Estados-Membros medidas alternativas à detenção das
Privativas de Liberdade (Regras de crianças, quer antes quer após a condenação. Defendem que a detenção de crianças
Tóquio) (1990) deve ser uma excepção, considerando-a uma medida de último recurso. As regras
também definem os padrões mínimos garantidos que devem ser assegurados às
Deliberação 45/110, anexo. pessoas a quem estas medidas alternativas se apliquem.
Directrizes das Nações Unidas As Directrizes de Riade descrevem os princípios que devem orientar o desenvolvimento
para a Prevenção da Delinquência e a implementação das políticas de prevenção da delinquência juvenil.
Juvenil (Directrizes de Riade)
(1990)

Deliberação 45/112, anexo.


279
Como a Carta Africana não constitui um tratado das Nações Unidas, não foi incluída na tabela.

119
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Regras das Nações Unidas para Reiterando o princípio de que o aprisionamento de crianças deve ser apenas uma
a Protecção dos Jovens Privados medida de último recurso, as Regras de Havana descrevem os padrões mínimos em
de Liberdade (Regras de Havana) coerência com os direitos humanos e as liberdades fundamentais que se aplicam a
(1990) qualquer criança privada de liberdade. Também apresentam medidas para atenuar as
consequências negativas da detenção e para promover a reinserção social das crianças.
Deliberação 45/113, anexo.
Directrizes das Nações Unidas para As Directrizes de Viena definem o enquadramento para os Estados-Membros
a Acção sobre Crianças no Sistema implementarem a CDC e instrumentos relacionados em termos de administração da
de Justiça Penal (Regras de Viena) justiça para crianças. Também estabelecem o enquadramento para assistir os Estados-
Membros na implementação efectiva das disposições contidas nos instrumentos
Deliberação Económica e Social internacionais pertinentes.
1997/30, anexo.
Directrizes sobre Justiça nos As Directrizes apresentam os princípios e boas práticas referentes ao tratamento de
Processos que envolvem Crianças crianças no sistema de justiça de menores enquanto vítimas e testemunhas de crimes.
Vítimas e Testemunhas de Crimes Além de auxiliar na revisão de leis, procedimentos e práticas em relação a crianças
(2005) vítimas e testemunhas, o texto também fornece ferramentas que podem ajudar no
desenvolvimento e implementação de leis e políticas neste campo. É igualmente um
Deliberação do Conselho Económico guia prático para quem é chamado a intervir junto de crianças vítimas e testemunhas,
e Social 2005/20, anexo. em cumprimento dos seus direitos:
• O direito a ser tratado com dignidade e compaixão

• O direito a ser protegido da discriminação

• O direito a ser informado

• O direito a ser ouvido e a expressar opiniões e preocupações

• O direito a assistência eficaz

• O direito à privacidade

• O direito a ser protegido de sofrimento durante o processo judicial

• O direito à segurança

• O direito a compensação

• O direito a medidas preventivas especiais

Regras das Nações Unidas para o As Regras reiteram a importância de promover mais medidas não privativas de liberdade
Tratamento de Mulheres Presas adaptadas às necessidades especiais das mulheres ou mães jovens que são o principal
e Medidas Não Privativas de cuidador e jovens infractoras. Devido à sua vulnerabilidade, têm de ser postas em
Liberdade para Mulheres Infractoras prática medidas especiais para orientar as mulheres ao entrarem no sistema de justiça,
(Regras de Bangkok) tão simples quanto o direito a assistência judiciária ou quebrar práticas discriminatórias.
Estas Regras incluem medidas especiais a aplicar a jovens reclusas, como o tratamento
Deliberação 65/229, anexo. idêntico ao dos jovens reclusos ou programas de aconselhamento. Independentemente
do presente texto, devem aplicar-se a todos os prisioneiros, sem qualquer tipo de
discriminação, as Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de
Liberdade, ou Regras de Tóquio, que defendem medidas de base comunitária e penas
não privativas de liberdade.

120
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Versão Actualizada das Estratégias- Adoptado pela Assembleia Geral a 18 de Dezembro de 2014, este quadro das Nações
Modelo e Medidas Práticas para Unidas visa proteger as crianças, sejam vítimas ou acusadas de um crime, contra
a Eliminação da Violência contra a falta de protecção legal quando têm de enfrentar o sistema de justiça. O Modelo
Mulheres no Campo da Prevenção defende que proteger as crianças da violência implica dar uma penalidade significativa
de Crimes e Justiça Penal aos “predadores” que cometem o crime “garantindo que o veredicto reflecte a
gravidade da violência contra crianças”. Esta medida implica tratar os adultos e as
Deliberação 65/228, anexo. crianças infractoras da mesma forma. Com este Modelo, as crianças só podem ser
criminalmente responsabilizadas a partir dos 12 anos de idade. O Modelo exige que
todos os Estados-Membros tomem todas as diligências essenciais para assegurar às
crianças uma protecção apropriada contra a violência, colocando em prática as várias
medidas, como salvaguardar os direitos fundamentais da criança ou prestar formação
sobre formas adequadas de intervenção às autoridades competentes, como a polícia
ou os profissionais que lidam com crianças, no sentido de eliminar o abuso de poder
ou a tortura.

Princípios e Directrizes das Nações Estas directrizes pretendem realçar a importância da assistência jurídica, que pode
Unidas sobre o Acesso a Assistência ajudar uma pessoa a ter um julgamento justo e conseguir defender-se. Estas directrizes
Jurídica em Sistemas de Justiça correspondem a estratégias de execução para os Estados-Membros basearem o sistema
Penal de assistência jurídica e formas de o tornar acessível. Conclui-se que a assistência
jurídica ajudará a reduzir a população nas prisões devido à prevenção criminal fomentada
Deliberação 67/187, anexo. pela consciência da lei e reduzindo a reincidência. Como determinados grupos podem
apresentar maior vulnerabilidade ao enfrentar o sistema jurídico, deve ser dada maior
protecção às mulheres, crianças e grupos com necessidades especiais.

121
IX – Tabela comparativa das recomendações do Comité dos Direitos da Criança sobre a

122
implementação da CDC em Angola (de 2004 a 2010)
anexos

Temática Ano Situação Recomendações Mudanças entre 2004 e


2010

Reforma 2004 • A reforma da legislação para colocar as leis nacionais em • Acelerar o processo de revisão da legislação, incluindo a redacção A maioria das
legislativa conformidade com a convenção não está terminada de uma nova constituição, colocando-a em conformidade com a recomendações de 2004
CDC foi implementada. As
• Inexistência de uma instituição independente dos direitos recomendações de 2010
humanos • Estabelecer uma instituição dos direitos humanos independente sugerem consolidar o
que foi desenvolvido
• Falta de mecanismos para garantir uma coordenação • Criar uma comissão nacional ou um representante das crianças em termos de legislação
efectiva entre instituições para crianças a vários níveis sobre a infância.
• Assegurar a adequada coordenação entre entidades de controlo
• Inexistência de um plano de acção nacional sobre as independentes e os gabinetes e as comissões de direitos humanos
crianças abrangente de médio e longo prazo existentes

• O conhecimento da Convenção entre os profissionais que • Adoptar e implementar um plano de acção nacional sobre as
trabalham com/para as crianças e entre o público em geral, crianças com a ajuda de parceiros
essencialmente as próprias crianças, permanece reduzido
• Reforçar, expandir e desenvolver programas de formação
sistemáticos e contínuos sobre direitos humanos

2010 • Várias partes da legislação que se referem a crianças ainda • Assegurar que toda a legislação referente a crianças esteja
não foram adaptadas adaptada e preparar mecanismos para adopção da legislação

• Falta de recursos e desenvolvimento de competências • Aumentar os esforços para estabelecer conselhos da criança em
considerados adequados, e grande atraso na legislação todos os mecanismos e assegurar recursos humanos e financeiros
adequados
• Falta de recursos humanos e financeiros adequados para
as operações dos Conselhos da Criança a diferentes níveis • Providenciar na totalidade a atribuição das verbas anunciadas para
e falta de transparência no processo de selecção dos o plano de acção nacional sobre as crianças e criar mecanismos
membros adequados de avaliação e acompanhamento, bem como formação

Registo de 2004 • Número inaceitavelmente elevado de crianças que não se • Tomar todas as medidas necessárias para assegurar que todas Embora se tenham
nascimento encontram registadas no Estado-Membro e consequências as crianças sejam registadas à nascença, incluindo a gratuitidade destacado os esforços
da falta de registo no acesso das crianças a educação e do registo por parte do Governo,
outros serviços não houve informação
• As crianças sem registo de nascimento devem poder ter acesso de progressos de
a serviços básicos, como saúde e educação, enquanto aguardam relevo no registo de
pelo devido registo nascimento entre 2004
e 2010.
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Temática Ano Situação Recomendações Mudanças entre 2004 e
2010

Registo de 2010 • Não houve progressos significativos no registo de • Assegurar que todas as crianças são registadas à nascença Embora se tenham
nascimento nascimento desde 2002 e há falta de recursos humanos providenciando os recursos humanos e financeiros adequados às destacado os esforços
e financeiros, o que dificulta bastante a implementação do entidades responsáveis por esta tarefa por parte do Governo,
registo de nascimento universal não houve informação
• Assegurar o registo retroactivo das crianças com mais de cinco de progressos de
• Não existem garantias para o registo de crianças com mais anos relevo no registo de
de cinco anos de idade nascimento entre 2004
e 2010.

Crianças em 2004 • Incapacidade de implementar um sistema de justiça juvenil • Assegurar a total implementação das normas da justiça juvenil No seguimento das
conflito com adequado e respectivo enquadramento legislativo através da atribuição de recursos humanos e financeiros recomendações de
a lei adequados, da oferta de formação indicada e do incentivo de 2004, foi criado o
medidas alternativas à privação de liberdade sistema de justiça
juvenil, mas o relatório
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

• Assegurar que todos os infractores com menos de 18 anos sejam de 2010 indica que este
julgados ao abrigo do sistema de justiça juvenil deve ser reforçado e
tornar-se mais acessível.

2010 • A aplicação da justiça juvenil nas províncias à excepção • Criar tribunais para crianças em conflito com a lei nas várias
de Luanda é muito limitada (faltam em larga medida províncias
procedimentos criminais, recursos humanos e financeiros,
etc. nos tribunais provinciais de família) • Ponderar a criação de normas processuais especializadas para
assegurar que todas as garantias da justiça juvenil são respeitadas
• A idade mínima de responsabilidade penal são os 16 anos nos processos perante os juízes provinciais
(não sendo claro se as crianças em conflito com a lei entre
16 e 18 anos de idade beneficiam da protecção específica • Assegurar que as crianças só ficam detidas como medida de
para jovens infractores) último recurso, por um período de tempo o mais breve possível,
e separadas dos adultos, tanto antes do julgamento como depois
• Não existem normas específicas para os procedimentos da sentença e dar às crianças de alguma forma privadas da sua
criminais durante o julgamento perante os juízes liberdade o direito de revisão da decisão sobre a sua colocação
presidentes provinciais, havendo extrema falta de recursos
humanos e financeiros em todas as províncias • Manter os esforços para assegurar que as crianças não sejam
maltratadas pelos polícias quando sob custódia
• Relatos de maus-tratos da polícia a crianças detidas
• Utilizar as ferramentas de assistência técnica desenvolvidas pelo
• As crianças são detidas juntamente com adultos nas painel interagências das Nações Unidas sobre a justiça juvenil e
prisões seus membros

• O conhecimento da Convenção e suas disposições • Assegurar, através de normas e disposições legais adequadas, que
permanece reduzido todas as crianças vítimas ou testemunhas de crimes (por exemplo,
crianças vítimas de abuso, violência doméstica, exploração sexual
e económica, rapto e tráfico, bem como as testemunhas desses
crimes) recebem a protecção necessária
anexos

123
Temática Ano Situação Recomendações Mudanças entre 2004 e

124
2010
Violência 2004 • Uso habitual de castigos corporais na família e nas escolas • Tomar medidas eficazes para reforçar a interdição dos castigos Foram implementadas
contra e outras instituições infantis corporais nas escolas e outras instituições várias leis e realizadas
anexos

crianças múltiplas campanhas


• Número crescente de casos de abuso e violência contra • Proibir a utilização de violência contra crianças, incluindo os contra muitas formas
crianças, incluindo abuso sexual no lar, nas escolas e castigos corporais, por parte dos pais e outros cuidadores de violência contra as
noutras instituições crianças entre 2004 e
• Organizar campanhas para educar as famílias, os professores 2010, mas mantém-
• Incidência alargada de abuso e negligência sob todas as e outros profissionais que trabalham com/para crianças sobre se uma realidade de
formas e muito poucas denúncias de casos, com reduzida formas alternativas de disciplinar as crianças violência. Não foram
implementação das medidas adoptadas obtidos progressos
• Consolidar os esforços actuais para combater o problema do quanto aos castigos
• Falta de um tratamento delicado das crianças vítimas e abuso de crianças (recursos financeiros para todas as medidas corporais
testemunhas de violência de prevenção e apoio, formação sobre o tema para todos os
membros do processo penal e judicial)
• Inexistência de programas ou medidas de recuperação
e reinserção e falta de uma legislação específica para
proteger as crianças de situações de abuso e negligência

2010 • Os castigos corporais continuam a ser legais no ambiente • Proibir explicitamente na lei todas as formas de violência contra
do lar e não existe proibição explícita dos castigos as crianças, incluindo os castigos corporais, em todo o tipo de
corporais nas escolas, em locais de cuidados alternativos ambiente, em casa, nas escolas, nos serviços alternativos para
e como medida disciplinar em prisões as crianças e nos estabelecimentos prisionais para jovens, e
implementar efectivamente essas leis
• Dar prioridade à eliminação de todas as formas de violência
contra crianças • Organizar campanhas de sensibilização direccionadas para pais,
professores e público em geral sobre todas as formas de violência
contra as crianças (melhorar as competências das pessoas que
trabalham nesta área, abordar a questão do género e assegurar a
responsabilização)

• Estabelecer parcerias com especialistas em protecção da criança


e organizações da sociedade civil para desenvolver estruturas
eficazes

Situação 2004 • Crianças com deficiência, raparigas e crianças que • Tomar as medidas legislativas necessárias para proibir
geral da pertencem às comunidades San são vítimas de explicitamente todas as formas de discriminação
infância discriminação
• Consolidar os esforços para promover, na família, nas escolas
• As normas tradicionais do Estado Membro não e outras instituições, o respeito pelas opiniões das crianças,
incentivam as crianças a expressar as suas opiniões em particular das raparigas e promover a participação das
na família, nas escolas e outras instituições ou na crianças em assuntos que as afectam
comunidade
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Temática Ano Situação Recomendações Mudanças entre 2004
e 2010
Situação geral 2004 • Níveis alarmantes de mortalidade na infância (25% das • Reforçar os esforços para melhorar a situação da saúde das As diversas medidas
da infância crianças morrem antes dos 5 anos) devido a doenças que crianças (melhor acesso a serviços básicos de cuidados de legislativas e
poderiam ser prevenidas, acesso reduzido a serviços de saúde, programas de vacinação, estado nutricional, promoção da campanhas realizadas
saúde adequados, malnutrição, falta de acesso a água amamentação) quanto aos direitos e
potável e boas condições sanitárias e práticas impróprias ao desenvolvimento
de amamentação nas mulheres • Consolidar a educação sexual e a saúde reprodutiva para das crianças visam
adolescentes solucionar os
• Falta de serviços de saúde para os adolescentes e número problemas indicados
elevado de gravidezes na adolescência • Assegurar o cumprimento efectivo da idade mínima para o nas recomendações
casamento definida no código de família (e campanhas para de 2004, embora
• Prática usual do casamento infantil prevenção) muitos desafios para
as crianças continuem
• Incidência elevada e crescente do VIH/SIDA no Estado- • Consolidar os esforços de luta contra o VIH/SIDA (adoptar um a ser mencionados
Membro e número elevado de crianças infectadas com VIH plano de acção nacional, desenvolver unidades de cuidados no relatório de 2010.
ou que ficaram órfãs devido ao VIH adaptados aos jovens) O último relatório
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

recomendou consolidar
• Muito más condições de vida de inúmeras crianças • Proporcionar condições de vida aceitáveis às crianças vulneráveis os esforços neste
deslocadas internamente e crianças que vivem nos e aos seus agregados familiares, em particular em cumprimento campo.
chamados aglomerados informais dos direitos da criança a protecção, saúde e educação

• Vários desafios na área da educação (muito poucas • Melhorar o sistema de ensino global
matrículas, disparidades de género, disparidades entre
zona rural e urbana, falta de assiduidade, sobrelotação, • Proibir o trabalho infantil ilegal
fraca qualidade do ensino, subfinanciamento)
• Reforçar os esforços para identificar, prevenir e combater o tráfico
• Muitas crianças abaixo da idade legal para o trabalho que de crianças para fins sexuais e de exploração de outro tipo
trabalham
• Estudar a situação das crianças em situação de rua no sentido
• Crescente número de crianças em situação de rua e uso de desenvolver planos para prevenção, reabilitação, reinserção e
generalizado de substâncias inebriantes recuperação

• Exploração sexual e exploração de crianças

Situação geral 2010 • Discriminação persistente de crianças com deficiência, • Incluir cláusulas sobre os direitos da criança nos acordos
da infância com VIH/SIDA ou de comunidades San devido a atitudes
tradicionais da sociedade • Rever a legislação para assegurar que a idade mínima para o
casamento é estabelecida aos 18 anos tanto para raparigas como
• Os princípios do superior interesse da criança e da para rapazes e que as excepções necessitam da aprovação de um
participação das crianças não são bem compreendidos e tribunal competente
aplicados na família e nas autoridades públicas
• Reforçar as actividades realizadas para combater a discriminação
• A atribuição de recursos humanos e financeiros aos
cuidados primários de saúde ainda é desadequada e
depende de financiamento externo
anexos

125
Temática Ano Situação Recomendações Mudanças entre 2004

126
e 2010
Situação geral 2010 • As taxas de mortalidade infantil, mortalidade de crianças • Consolidar os esforços para assegurar que o princípio geral do As diversas medidas
da infância com menos de cinco anos e mortalidade materna ainda superior interesse da criança é integrado de forma adequada em legislativas e
anexos

são elevadas todas as disposições legais campanhas realizadas


quanto aos direitos e
• Taxa elevada de gravidez na adolescência e casamento • Promover o respeito pelas opiniões da criança em qualquer idade ao desenvolvimento
infantil e sem discriminação (género, deficiência, etc.) das crianças visam
solucionar os
• Prática corrente de acusar crianças de feitiçaria, que origina • Alargar o acesso a serviços de cuidados primários de saúde a problemas indicados
situações de abuso e abandono destas crianças todas as províncias e atribuir recursos humanos e financeiros nas recomendações
suficientes para a prestação desses serviços de 2004, embora
• Elevada taxa de prevalência do VIH/SIDA muitos desafios para
• Diminuir as taxas de mortalidade dos recém-nascidos, crianças de as crianças continuem
• Taxas muito elevadas de pobreza e pobreza extrema tenra idade e mães a ser mencionados
no relatório de 2010.
• Amplas desigualdades sociais • Reforçar os esforços para evitar a gravidez na adolescência O último relatório
(aumentar a consciencialização e o acesso a contraceptivos) recomendou consolidar
• Muitos desafios no ensino (poucas inscrições a nível do os esforços neste
secundário, não-comparência, fraca qualidade do ensino • Eliminar efectivamente a prática de acusações de feitiçaria campo.
devido à falta de recursos, violência e assédio sexual por
parte de professores) • Manter e consolidar o trabalho referente a mitigação e prevenção
do VIH/SIDA
• Existência de minas terrestres que põem as crianças em
perigo • Utilizar a riqueza do país para melhorar o nível socioeconómico da
maioria da população, em particular os grupos mais vulneráveis
• Elevada incidência de trabalho de crianças dos 5 aos 14 anos
e mais velhas (existem sobretudo grandes disparidades • Melhorar os níveis de frequência escolar, qualidade do ensino e
entre as zonas rurais e urbanas) como consequência da protecção das crianças através de uma adequada atribuição de
pobreza e indisponibilidade de escolas de qualidade verbas e legislação indicada

• A exploração sexual e comercial de crianças encontra-se • Continuar a sensibilizar as crianças para os perigos das minas
generalizada e os mecanismos de protecção e reabilitação terrestres e acelerar os esforços de remoção das mesmas
não são suficientes
• Combater o trabalho infantil fazendo cumprir os sistemas de
• O tráfico de seres humanos constitui um problema e as inspecção e as redes de protecção da criança e o apoio a famílias
penas para os perpetradores são pouco claras pobres

• Implementar políticas e programas adequados de prevenção


da exploração sexual e de recuperação e reinserção social das
crianças vítimas

• Desenvolver medidas, programas e políticas para proteger as


crianças de situações de venda, tráfico e rapto
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

XI – Leis nacionais

Lei do Julgado de Menores e respectivo Código de Processo

A Lei do Julgado de Menores contém nove capítulos, que incluem disposições relacionadas
com:
• Criação, objectivos e âmbito do Julgado de Menores
• Composição e órgãos que o integram
• Competência do juiz no que diz respeito às medidas de protecção social e prevenção
criminal
• Definição das medidas provisórias de protecção social e de prevenção criminal e critérios
para a sua aplicação
• Situações definidas como violações, pelos adultos, do dever de protecção social de
menores e respectivas penas (art.º 18.º)
• Jurisdições dos recursos referentes a decisões tomadas pelo juiz (art.º 20.º)
• Interacção com outros tribunais (da família, sala de crimes comuns, etc.) (arts.º 21.º a 23.º)
• Direito a assistência judiciária (art.º 24.º)
• Confidencialidade da informação referente à criança (art.º 25.º)
• Definição, atribuições e composição da Comissão Tutelar de Menores (art.º 27.º)
• Disposições transitórias (art.º 32.º)

As disposições do Código de Processo distribuem-se por doze capítulos, que incluem:


• Normas e procedimentos aplicáveis pelos órgãos judiciais e de assistência social
abrangidos pela lei
• Indicação referente à forma e condições da denúncia (arts.º 2.º a 4.º)
• Informação relativa à competência geográfica do tribunal (art.º 6.º)
• Espécies de processos no julgado de menores (art.º 8.º)
• Condições e conteúdos do interrogatório por parte do juiz (art.º 11.º)
• O dever do juiz de nomear um advogado de defesa para o menor em situações específicas
(art.º 12.º)
• Diligências ordenadas pelo juiz após o interrogatório – inquérito social, determinação da
idade, medidas provisórias (arts.º 13.º a 15.º)
• Meios de prova relacionados com o crime e a situação individual e social da criança (art.º
17.º)
• Disposição relativa aos prazos definidos pela lei para o julgamento (arts.º 19.º a 23.º)
• Carácter privado da audiência (art.º 28.º, n.º 2)
• Componentes obrigatórias das medidas determinadas pelo juiz (art.º 31.º)
• Condições para revisão das medidas determinadas (arts.º 32.º a 35.º)
• Disposições relativas à implementação das diferentes medidas de protecção social e de
prevenção criminal (arts.º 36.º a 51.º)
• Disposições relativas à definição dos agentes responsáveis pela violação do dever de
protecção social da criança, das circunstâncias agravantes e das sanções (arts.º 52.º a 58.º)
• Procedimentos aplicáveis na audiência de julgamento e sanções dos agentes responsáveis

127
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

pela violação do dever de protecção social da criança (arts.º 59.º a 66.º)


• Procedimentos aplicáveis ao recurso das decisões referentes a crianças (arts.º 67.º a 75.º)
e agentes responsáveis pela violação do dever de protecção social da criança (arts.º 76.º
a 80.º)
• Disposições relativas às custas aplicáveis aos procedimentos judiciais (arts.º 81.º a 85.º)
• Disposições transitórias e finais (arts.º 86.º e 87.º)

Algumas decisões do Julgado de Menores, formulários aplicáveis no âmbito do Código de


Processo,280 o decreto que estabelece a Comissão Tutelar de Menores (CTM), incluindo o seu
mandato, composição, funções e sistema de gestão estão contidos no manual elaborado pela
Dra. Maria do Carmo Medina.281 Por fim, apresenta ainda regulamentos e normas relacionadas
com a implementação da medida alternativa de liberdade assistida e medida de prestação de
serviço comunitário (mas que não se encontram implementadas, tal como será mencionado
mais abaixo no relatório). No final do livro são fornecidos alguns dos principais instrumentos
internacionais relativos aos direitos das crianças.282

Código de Família
Esta lei283 destaca a atenção especial devida às crianças no seio da família. Regula, entre
outras, questões relacionadas com a composição familiar, o casamento e os direitos conjugais,
a adopção, serviços de acolhimento e os deveres e responsabilidades parentais para com as
crianças. Sujeita ainda os poderes e deveres dos pais a um controlo rigoroso do poder judicial e
da administração pública284 e refere a importância da participação da criança.

Entre várias disposições pertinentes no campo da protecção da criança, o Código reconhece


o seguinte:285
• A atenção especial devida às crianças no seio da família;
• A igualdade entre a mulher e o homem no casamento, o reconhecimento de uniões de
facto e uniões registadas, o direito conjugal a comunhão ou separação de bens (mediante
escolha) e os deveres dos cônjuges em caso de separação e divórcio;
• Os pais e as mães têm poderes e deveres idênticos sobre os filhos e devem ter em
consideração o superior interesse da criança;
• A igualdade dos filhos nascidos dentro ou fora do casamento, defendendo que todas as
crianças têm direitos e deveres recíprocos para com os seus pais;
• A autoridade parental sobre filhos com idade inferior a 18 anos;
• A responsabilidade da família, em colaboração com o Governo, de assegurar protecção
e igualdade à criança em relação ao seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual;
• Registo gratuito de nascimento e óbito para crianças até aos cinco anos de idade, bem
como bilhete de identidade gratuito para crianças até aos 11 anos;
• Pessoas com 18 anos ou mais têm permissão legal para casar. Obtendo o consentimento
dos pais e após avaliação cuidadosa do superior interesse da criança, a lei permite que as
raparigas casem a partir dos 15 anos e os rapazes a partir dos 16.

280
Estes documentos relacionam-se com: Artigo 2º – Auto Inicial de Participação; Artigo 3º – Auto Inicial de Denúncia; Artigo 11º – Auto de Interrogatório; Artigos 13º e 17º – Requisição; Artigos 28º a 31º –
Acta de Audiência; Artigo 60º – Auto de Notícia.
281
Medina, Maria do Carmo, “Lei do Julgado de Menores, Código de Processo do Julgado de Menores, Anotados, Legislação complementar”, 2.ª Edição, Colecção Faculdade de Direito UAN, Luanda,
2008, págs. 151-173.
282
Nomeadamente, as Regras de Pequim, as Directrizes de Riade, as Regras de Havana, a CDC e dois dos seus protocolos.
283
O Código de Família foi adoptado em 1988.
284
Mais detalhes sobre o Código de Família estão disponíveis no Anexo XI.
285
Andrew Bainham, ‘‘The International Survey of Family Law 1994’’ (Estudo Internacional do Direito de Família 1994), Boston, London, Martinus Nijhoff, 1996, pág. 33.

128
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Lei contra a Violência Doméstica


A Lei contra a Violência Doméstica286 foi aprovada pelo Governo para proteger as famílias, em
particular as mulheres e crianças, de casos de abuso. A violência doméstica engloba a negação
de alimentos a crianças, a falta de apoio indicado a grávidas ou o abuso de um menor ou idoso
sob os cuidados de outrem. A nova lei garante ajuda e assistência às vítimas através de abrigos,
tratamento médico e apoio financeiro e jurídico. A violência doméstica também é considerada
crime público, o que permite que qualquer pessoa denuncie uma situação violenta às autoridades.

Código Civil
O Código Civil Angolano287 baseia-se no Código Civil português e é a principal referência do
direito civil no país. Contém muitas disposições relacionadas especificamente com crianças.
Entre outras, estas relacionam-se com:

• A capacidade da criança a partir dos sete anos para testemunhar em processos civis ou
penais;
• A personalidade jurídica que tem início com o nascimento completo e com vida da criança;
• A capacidade da criança para exercer os seus direitos e a dimensão da protecção e
autoridade parental.

Lei-geral do Trabalho
A Lei Geral do Trabalho estabelece regras especiais quanto às relações legais de trabalho com
menores de idade que o empregador tem de respeitar e que garantem a segurança da criança.
Desta forma, de acordo com a lei, a idade mínima para trabalhar fixou-se nos 14 anos e, para
trabalhos perigosos, nos 18 anos. A lei em Angola proíbe relações de trabalho com menores
em idade escolar, mas permite as mesmas para crianças entre 14 e 18 anos de idade mediante
autorização dos pais ou tutores legais ou do centro de emprego288.

Código Penal
O Código Penal289 contém os crimes puníveis por lei e as respectivas sanções aplicáveis. Inclui
ainda disposições que diferenciam o tratamento de crianças e de adultos e também:

• Determina medidas aplicáveis a crianças que possam ser responsabilizadas;


• Refere o poder das crianças de apresentar queixa e o seu direito a participar nos processos
criminais;
• Define os comportamentos proibidos face às crianças, incluindo a violação e a exploração
sexual;
• Estabelece medidas especiais aplicáveis a casos de menores julgados nos tribunais de
jurisdição comum;
• Define os 16 anos como a idade de maioridade penal.

286
Foi adoptada em Agosto de 2011.
287
A última versão foi adoptada em 2011.
288
Entre outros, a lei também inclui disposições gerais sobre assuntos como o período normal de trabalho (artigo 96º), descanso obrigatório e intervalos para refeições (artigo 97º), condições das horas
extraordinárias (artigo 101º e outros), etc.
289
O Código Penal actualmente em vigor foi redigido em 1886. Está neste momento em progresso uma reforma importante, iniciada em 2006. De acordo com as partes interessadas reunidas, prevê-se que
o processo de reforma esteja finalizado em 2016.

129
XII – Disposições relevantes relacionadas com medidas especiais

130
MEDIDAS Artigos Português
anexos

Espécie de Compete ao Julgado de Menores:


medidas de 12º da Lei do
protecção Julgado de a) Aplicar medidas de protecção social aos menores de qualquer idade;
Menores
b) Aplicar medidas de prevenção criminal aos menores com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, exclusive.
Medidas de As medidas de protecção social são decretadas, quando esteja em perigo o bem-estar físico ou moral do menor, designadamente, quando
protecção social ocorra qualquer das seguintes situações:
a) Sejam vítimas de maus-tratos físicos, morais ou de negligência por parte de quem os tenha à sua guarda;
14º da Lei do b) Se encontrem em situação de abandono ou desamparo;
Julgado de
Menores c) Se mostrem gravemente inadaptados à disciplina da família e da comunidade;
d) Sejam utilizados como mão-de-obra e estejam sujeitos a esforços físicos susceptíveis de causar lesões graves;
e) Se dediquem à mendicidade, vadiagem, prostituição e libertinagem, ou façam uso de bebidas alcoólicas ou estupefacientes.

As medidas de protecção social são, entre outras, as seguintes:


a) Permanência em casa dos pais ou tutores ou outros responsáveis mediante acompanhamento do Julgado de Menores;
b) Imposição de regras de conduta;
c) Colocação em família substituta;
15º da Lei do
Julgado de d) Matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino;
Menores
e) Inscrição em centro de formação profissional;
f) Requisição de assistência médica, de testes psicotécnicos ou outros;
g) Semi-internamento em estabelecimento de assistência ou educativo;
h) Internamento em estabelecimento de assistência ou educativo.
Medidas de 16º da Lei do As medidas de prevenção criminal são aplicáveis aos menores que pratiquem factos tipificados na lei como delitos.
prevenção Julgado de
criminal Menores
As medidas de prevenção criminal são as seguintes:
a) Repreensão;
b) Imposição de regras de conduta;
17º da Lei do c) Condenação da criança ou do seu representante legal em multas, indemnizações ou restituições;
Julgado de
Menores d) Prestação de serviços à comunidade;
e) Liberdade assistida;
f) Semi-internamento em estabelecimento de assistência ou educativo;
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

g) Internamento em estabelecimento de assistência ou educativo.


As medidas de prevenção criminal serão aplicadas segundo o grau de perigosidade revelado pelo menor e de acordo com os seguintes
critérios:
45º do Código a) A prática pelo menor de actos de indisciplina grave, a verificação de transtornos permanentes de conduta que obstem à sua normal inserção
de Processo na família, na aprendizagem escolar ou na comunidade;
do Julgado de b) A prática pelo menor de condutas ou manifestações anti-sociais de pequena perigosidade com danos intencionais, apropriação de objectos
Menores e agressões sem gravidade;
c) A prática pelo menor de actos sociais de elevada perigosidade, reveladores de desvio de personalidade e reincidência na prática de actos
caracterizados na lei como delitos.
Violações 1. Constitui violação do dever de protecção social ao menor a prática de qualquer dos seguintes actos:
do dever de
protecçào aa) O não cumprimento, por parte dos pais, tutores ou pessoa que tenha o menor a seu cargo, das medidas de protecção social ou de prevenção
social do menor criminal, impostas ao menor;
e sanções
aplicáveis b) A ordem de saída do menor da residência familiar, não autorizada pelo Julgado de Menores, por parte dos pais, tutores, ou qualquer pessoa
que tenha o menor a seu cargo;

c) A identificação pelos meios de comunicação social da pessoa do menor a quem seja atribuída a prática de facto tipificado na lei penal como
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

crime ou que seja ofendido em crime de natureza sexual;

d) A utilização pelos meios de comunicação social da pessoa do menor para narração de facto susceptível de desencadear ódio, frustração ou
18º da Lei do traumatismo de natureza pessoal ou familiar;
Julgado de
Menores e) A permissão de entrada de menores em casas de diversão, de espectáculos, ou de jogos impróprios para menores e a falta de afixação no
exterior do edifício da natureza dos mesmos e das faixas etárias a que se destinam;

f) Venda, entrega ou exposição a menores de revistas, cassetes ou qualquer outro material gráfico, visual ou auditivo, com carácter pornográfico
ou que incentive o uso ilícito de estupefacientes ou de armas de guerra;

g) Exibição pelas cadeias de rádio e televisão, dentro das horas consideradas próprias para o público infanto-juvenil, de programas de violência
física ou moral ou de sexo;

h) Permanência de menor com idade inferior a 16 anos em casa de diversão para além das 0 horas.

2. A violação do disposto no número anterior faz incorrer o seu autor em contravenção cujo conhecimento é da competência do Julgado de
Menores.
1. Os factos previstos no artigo anterior estão sujeitos às seguintes sanções:
a) Advertência;
b) Multa a fixar entre o limite do salário mínimo e máximo anual da função pública;
19º da Lei do c) Proibição do exercício da actividade por 10 dias ou multa correspondente;
Julgado de
Menores d) Indemnização a favor do menor por danos morais;

e) Proibição do exercício da actividade até dois anos.

2. Quando o facto praticado pelos pais ou tutores ou pessoa que tenha o menor a seu cargo revelar necessidade de se alterar o exercício
da autoridade paternal, será dado cumprimento ao previsto no artigo 25.º da presente lei.

131
anexos
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

XIII – Os 11 Compromissos para a sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção das


crianças
Compro- Objectivos 290
Temas
missos
1 Esperança de Manter as actividades planeadas no Plano Estratégico para Redução Acelerada da Mortalidade
Vida Materno-Infantil (2005-2009), com o objectivo de permitir a cobertura universal através de três
formas de prestação de serviços:

- Rede de serviços públicos de carácter permanente e serviços de ONG e igrejas


- Equipas de saúde móveis desenvolvidas para tratar os grupos mais vulneráveis sem
acesso a serviços de saúde
- Intervenções familiares e de base comunitária
Estes serviços pretendem alcançar os seguintes três objectivos:
- Reduzir a actual taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos em 50%
- Reduzir a taxa de malnutrição em crianças com menos de 5 anos em 30%
- Reduzir a mortalidade materna em 30%
2 Segurança Desenvolver uma rede de protecção social e de segurança alimentar e nutricional no sentido de
Alimentar e abordar as necessidades das crianças em risco de insegurança alimentar, assegurando:
Nutricional
- O apoio de programas comunitários de segurança alimentar e nutricional, pela integração
de processos participativos de planeamento e execução
- A motivação das famílias e comunidades para a adopção de tecnologias adequadas,
inovadoras e práticas
- Um melhor controlo do acesso a alimentos a nível nacional, especialmente no caso dos
grupos mais vulneráveis
- Programas consolidados de criação de gado em comunidades rurais e periurbanas
3 Registo de 
Desenvolver medidas para facilitar e incentivar o registo de nascimento, incluindo o registo gratuito
nascimento de crianças menores de 5 anos, alargando os serviços a nível local, para assegurar que as crianças
angolanas dispõem de acesso incondicional à cidadania imediatamente após o seu nascimento

Continuar o processo de institucionalização do registo civil em maternidades e em governos
municipais e comunitários

Dar formação e recursos aos colaboradores envolvidos no processo de registo

Reforçar as campanhas constantes de sensibilização e mobilização para alargar a prática de registo
civil após o nascimento

Implementar o sistema da base de dados de registo de nascimentos a nível nacional

Aumentar a criação, consolidação e expansão de redes de protecção da criança
4 Educação Assegurar que 30% das crianças de cada município têm acesso a Ensino na Primeira Infância até
da Primeira 2010, através da expansão e melhoria de todos os aspectos dos cuidados e da educação de crianças
Infância dos 0 aos 5 anos, com as seguintes intervenções:
- Assegurar a continuação da organização de uma aula de recepção nas escolas, dando
prioridade a crianças que não tenham tido acesso a outros tipos de ensino pré-escolar
- Alargar a cobertura dos programas que visam a mobilização e sensibilização nas famílias
e comunidades para questões relacionadas com a protecção e o desenvolvimento na
primeira infância
- Criar um programa para formação inicial e contínua de professores e assistentes de ensino
na primeira infância
290
Fórum Nacional sobre a Criança, Commitments between the Government, the UN System and partners regarding children in Angola – Children! The absolute priority (Compromissos entre o Governo,
as Nações Unidas e os parceiros relativamente às crianças em Angola – As crianças! A prioridade absoluta), Conselho Nacional da Criança – III Fórum Nacional sobre a Criança, República de Angola,
UNICEF, Angola 2007.

132
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Compro- Objectivos
Temas
missos
5 Educação Assegurar um ensino primário universal de qualidade para todas as crianças dos 6 aos 18 anos,
primária e com a intenção de alcançar os seguintes objectivos até 2015:
Formação
Profissional - Aumentar a taxa líquida de matrícula para mais de 90%
- Aumentar a taxa actual de literacia em crianças dos 12 aos 18 anos para mais de 90%
- Diminuir a taxa de disparidade entre géneros nas escolas em 80%
- Reduzir a taxa de abandono escolar para menos de 5%
- Aumentar a taxa de conclusão do ano escolar para mais de 90%
- Garantir a distribuição atempada de kits escolares a pelo menos 90% das crianças que
frequentam o ensino primário
- Desenvolver um sistema seguro para criação e distribuição de informação relacionada com
o ensino, no sentido de melhorar a gestão e o acompanhamento do sistema de ensino
6 Justiça 
Consolidar o que já se alcançou em termos de legislação e da rede de serviços para assegurar os
Juvenil direitos de crianças e adolescentes vítimas


Reforçar o progresso junto do Julgado de Menores enquanto órgão judicial responsável pela
implementação de um modelo adequado de justiça criminal (SIC) de menores para adolescentes
em conflito com a lei

7 Prevenção e Implementar políticas e medidas práticas concebidas para reduzir a transmissão do VIH/SIDA da
Redução do mãe para o filho durante a gravidez, o nascimento e a amamentação, fomentando:
Impacto do
VIH e SIDA - Actividades de mobilização social para sensibilizar as mães para o risco de transmissão
nas Famílias vertical e ainda aumentar a disponibilidade de centros de saúde com programas de
e nas prevenção de transmissão mãe-filho
Crianças
- O desenvolvimento de estruturas e serviços de saúde que ofereçam serviços de prevenção
de transmissão vertical e tratamento da SIDA em crianças
- O apoio e acompanhamento de mães seropositivas nos cuidados prestados aos seus
filhos, sobretudo no período entre os 0 e os 18 meses, bem como na garantia de que
tomam sempre os medicamentos prescritos
- A aceleração da implementação do Plano Nacional de Prevenção e Redução do Impacto
do VIH/SIDA na Criança e na Família, no sentido de promover políticas de protecção das
crianças infectadas e afectadas pelo VIH/SIDA, incluindo a defesa dos direitos da criança,
a prestação de apoio às famílias, a garantia de acesso a serviços básicos de saúde, e ainda
a promoção de um ambiente de não-discriminação
8 Prevenção 
Adoptar políticas, leis e medidas educativas adequadas e estabelecer mecanismos de coordenação
e Combate multissectorial para prevenir e combater todas as formas de violência
à Violência
contra a 
Foi adoptado pelo Governo de Angola o Plano de Acção Nacional para combater o abuso sexual de
Criança menores, que será adaptado ao contexto local. Serão desenvolvidos mecanismos para identificar
e penalizar os criminosos e para proteger e apoiar a reinserção das vítimas


Adoptar e implementar a Estratégia Nacional de Prevenção e Mitigação da Violência Contra Crianças
em consonância com as cinco áreas propostas:


Negligência, abuso, violência física e psicológica e discriminação


Tráfico

133
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Compro- Temas Objectivos


missos
Prevenção 
Tráfico
e mitigação
da violência 
Instrumentalização
contra
crianças 
Trabalho Infantil

Exploração sexual de menores

Adoptar e ratificar o Protocolo de Palermo sobre o tráfico humano, especialmente de mulheres e
crianças


Desenvolver e consolidar o papel das redes de protecção dos direitos e protecção da criança
enquanto mecanismo de articulação, conciliação e mediação para proteger as crianças da violência
9 Protecção Adoptar um programa alargado para consolidar as competências da família em relação à criança,
Social e através de:
Competências
Familiares - Desenvolvimento de capacidades prestado a pelo menos 50% dos líderes comunitários,
líderes tradicionais e parceiros sociais (ONG, igrejas, sindicatos e organizações
comunitárias) relativamente a medidas para cuidados adequados na primeira infância,
incluindo aspectos emocionais

- Produção e distribuição gratuita de materiais educativos através dos média, vias de


comunicação interpessoal e agências parceiras, para disponibilizar a todos informações
sobre sobrevivência e desenvolvimento na primeira infância

- Criação ou expansão em todas as províncias de programas de rádio nas línguas nacionais


que ajudem na divulgação de informações educativas para consolidar as competências
familiares

- Promoção de cuidados baseados na estrutura familiar para crianças tornadas órfãs


ou separadas, bem como desencorajamento da institucionalização. Consolidação das
competências das famílias que recebem crianças tornadas órfãs e separadas, para
assegurar a sua subsistência, protecção e educação
10 A Criança e a Reforçar o papel da comunicação social, da cultura e da educação no desenvolvimento da criança,
Comunicação ao:
Social, a
Cultura e o - Reservar tempo nos programas e planos de emissão para abordagem de temáticas e
Desporto assuntos relacionados com saúde, educação, cultura, lazer e direitos da criança e da
família

- Dar formação a especialistas de comunicação social em áreas relacionadas com os direitos


da criança

- Assegurar que são criados espaços na rádio, na televisão e nos jornais para as crianças
exprimirem as suas perspectivas e mostrarem as suas capacidades, enquanto parte do
quadro geral de participação das crianças

11 A Criança Assegurar a atribuição de recursos financeiros a programas e projectos relacionados com a criança
no Plano no Orçamento Geral do Estado
Nacional e no
Orçamento
Geral do
Estado

134
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

XIV – Integração dos princípios internacionais nas leis nacionais

RELEVÂNCIA DO ENQUADRAMENTO LEGAL ANGOLANO

Superior Estabelece que as crianças são a absoluta prioridade (art.º 30.º)


Interesse da
Criança Determina que as políticas públicas nas áreas da família, da educação e da saúde
Constituição têm de preservar o princípio do superior interesse da criança
Indica que, em caso de conflito entre leis, prevalecerá a que melhor tiver em
conta o superior interesse da criança

Menciona explicitamente o apoio tanto à CDC como à CADBEC (art.º 1.º, n.º 3)

Inclui uma definição do princípio do superior interesse da criança conforme


incorporada nos dois tratados supra (art.º 6.º)

Especifica que a condição especial da criança enquanto pessoa em


Lei sobre a Protecção desenvolvimento deve ser considerada na interpretação da lei e na resolução de
e Desenvolvimento conflitos (art.º 6.º, n.º 1)
Integral da Criança
Defende que as normas que protegem o superior interesse da criança devem
ter precedência quando estão em conflito com outras normas jurídicas (art.º 6.º,
n.º 2)

Refere o dever do Estado de assegurar a defesa dos interesses das crianças em


conflito com a lei (art.º 46º, n.º 1)

O Código Penal determina que as decisões relativas a menores que sejam tomadas
Código Penal pelos pais ou por autoridades competentes, têm de estar fundamentadas pelo
princípio do interesse superior da criança.
O Código Civil determina que as decisões relativas a menores que sejam tomadas
Código Civil pelos pais ou por autoridades competentes, têm de estar fundamentadas pelo
princípio do interesse superior da criança
Reconhece a criança como pessoa jurídica titular de direitos próprios (art.º 2º,
n.º 1)

Declara que todos os casos de menores apresentados perante a Sala de Crimes


Comuns têm de ser sinalizados para o Juiz do Julgado de Menores que tem o
Lei do Julgado de dever de se informar sobre a situação da criança na sua jurisdição
Menores e Código de
Processo do Julgado Tem a função de assegurar a administração da justiça de menores
de Menores
Cria um tribunal com jurisdição especializada sobre crianças em conflito com a
lei e crianças vítimas

Assegura que os direitos e interesses das crianças na sua jurisdição serão


defendidos e respeitados (confidencialidade, direito a aconselhamento, etc.)

Proíbe o casamento de crianças com menos de 18 anos, excepto nos casos


extraordinários em que um rapaz tenha 16 anos ou uma rapariga 15 e que o
casamento seja a melhor solução para o interesse superior do(s) menor(es)
(art.º 24.º, ns.º 1 e 2)
Código de Família
Determina a obrigação do Tribunal de ter em consideração os interesses da
criança em todas as decisões tomadas (art.º 160.º)

135
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Vida, Determina que “promove o desenvolvimento harmonioso e integral dos jovens


sobrevivência e e adolescentes…” (art.º 35.º, n.º 7)
desenvolvimento Constituição da
Decreta que as crianças gozem de protecção especial por parte da família, do
República de Angola
Estado e da sociedade para o seu desenvolvimento (art.º 30.º)

Proíbe o trabalho infantil de crianças em idade escolar (art.º 80.º, n.º 5)


Cuidados alternativos: indica que, enquanto estiverem em centros institucionais,
as crianças têm de ter acesso a actividades educacionais, culturais e recreativas
(art.º 42.º, alínea f))
Lei sobre a Protecção
Dignidade da criança: o direito da criança à dignidade recebe protecção específica
e Desenvolvimento
(art.º 8.º)
Integral da Criança
Prevenção e reinserção social: defende a prevenção da delinquência juvenil e
a criação de condições adequadas e infra-estruturas eficazes para a reinserção
social de adolescentes em conflito com a lei (arts.º 47.º e 48.º)
Refere medidas especiais para crianças em conflito com a lei, dos 12 aos 15
anos inclusive (art.º 12.º, alínea b))

Indica que uma criança com idade inferior a 12 anos em conflito com a lei só
pode estar sujeita a medidas de protecção social (art.º 12.º, alínea a))
Lei do Julgado de
Menores e Código de Certifica-se de que as crianças sob a sua jurisdição são tratadas e protegidas em
Processo do Julgado conformidade com o seu estatuto especial de acordo com a lei
de Menores
Assegura que as crianças sob a sua jurisdição beneficiarão de medidas tutelares
relativas à sua educação, cuidados básicos e assistência geral e específica

Garante medidas de protecção social para todas as crianças vítimas (dos 0 aos
17 anos inclusive)
Não- Promove a igualdade de direitos e oportunidades para todos os Angolanos,
discriminação independentemente de diversos factores, como por exemplo “…sem
preconceitos de origem, raça, filiação partidária, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação” (art.º 21.º)
Constituição da Declara que a lei deve punir com severidade todos os actos que tenham a
República de Angola intenção de pôr em risco a harmonia social ou criar discriminação ou regalias
com base nisso

Refere que os filhos são iguais perante a lei sendo proibida a sua discriminação
e a utilização de qualquer designação discriminatória relativa a filiação (art.º 35.º)

Determina que a interpretação de questões judiciais ou da lei deve ter em


consideração a condição especial da criança (bem como o seu superior interesse)

Lei sobre a Protecção Estabelece o direito à igualdade e não-discriminação como princípios


e Desenvolvimento fundamentais da democracia
da Criança
Expõe que o princípio da não-discriminação combinado com o dever do Governo
de tomar medidas visa prevenir a discriminação e criminalizar as práticas
discriminatórias

Penaliza todos os actos caracterizados como crimes de violência doméstica


Lei contra a Violência (art.º n.º 1, alínea a)
Doméstica

Refere que todos têm direito, nos termos da lei, à informação e à consulta
jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante
Constituição da qualquer autoridade (art.º 29.º, n.º 2)
República de Angola
Declara a liberdade de expressão de todos os cidadãos (art.º 40.º, n.º 1)

136
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Participação Código de Família


Refere que um menor com idade superior aos 10 anos de idade será ouvido pelo
tribunal em casos que lhe digam respeito (art.º 158.º, n.º 3)
Refere que todos têm direito, nos termos da lei, à informação e à consulta
jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante
Constituição da
qualquer autoridade (art.º 29.º, n.º 2)
República de Angola
Declara a liberdade de expressão de todos os cidadãos (art.º 40.º, n.º 1)
Lei do Julgado de Indica que a partir dos 16 anos de idade, a criança tem direito a escolher um
Menores e Código de advogado para defender os seus direitos e interesses
Processo do Julgado
de Menores
Estabelece que as crianças têm direito a serem informadas da sua situação
familiar, sempre que possível (art.º 42.º, alínea d)).
Lei sobre a Protecção
Todas as organizações que trabalham com crianças devem assegurar a
e Desenvolvimento
participação desta na vida da comunidade (art.º 42.º, alínea f))
da Criança
Devem ser disponibilizadas verbas para promover actividades para fomentar o
exercício do direito da criança à participação (art.º 80.º)
Indica que as crianças com mais de 14 anos podem, por iniciativa própria,
Código Penal
apresentar queixa ao Ministério Público

XV – Principais Ministérios

O MINJUSDH orienta e supervisiona a administração da justiça e o sistema judicial. Entre as


suas principais responsabilidades encontram-se o Compromisso 3 (Registo de Nascimento), o
Compromisso 6 (Justiça Juvenil) e o Compromisso 8 (Prevenção e Combate à Violência contra
a Criança).

O mandato do MINJUSDH consiste em:

• Propor políticas relacionadas com o seu sector;


• Assistir na definição e implementação de estratégias sectoriais e participar na sistematização
da legislação nacional;
• Recrutar e formar os seus funcionários – em particular, juízes, procuradores da república,
pessoal administrativo do tribunal e outros funcionários afectos aos tribunais – através do
Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ);
• Emitir registos públicos de âmbito civil, comercial, automóvel e de propriedade. Os Serviços
de Registo e Notariado encontram-se sob a tutela do Ministério da Justiça e Direitos
Humanos que administra, orienta e coordena os serviços de registo e notariado civil,
predial, comercial e automóvel, bem como o tratamento dos pedidos de nacionalidade;
• Coordenar as actividades necessárias à implementação de medidas alternativas à detenção
de liberdade assistida (em conjunto com o MININT) e prestação de serviço comunitário
(em cooperação com o MINARS) para crianças em conflito com a lei.

137
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Este ministério é, ainda, responsável pelos 4 Centros Sociais de Referência, pelo Centro de
Observação e pelo Centro de Internamento para Menores localizados em Luanda.

O MINARS está encarregado da administração da agenda de assistência social do Governo.


O mandato geral da Direcção Nacional da Infância consiste em responder aos direitos e às
necessidades de todas as crianças menores de 18 anos que estejam em risco de violência,
exploração, abuso e negligência. Este mandato geral divide-se em três planos. O primeiro centra-
se na protecção da criança dos 0 aos 5 anos, o segundo em medidas de protecção social para
crianças em situação de risco e o terceiro na prevenção da criminalidade entre crianças. Este
ministério também é responsável pelo Centro de Observação e pelo Centro de Internamento
para menores localizados em Luanda.

As principais responsabilidades do MINARS são as seguintes:

• Propor políticas relacionadas com o seu sector;


• Assegurar a coordenação entre os vários organismos estatais relacionados com o bem-
estar social e a protecção das vítimas;
• Criar instituições e uma rede de centros de acolhimento para proteger as crianças de
situações de abuso, exploração e perigo;
• Assegurar assistência a todas as crianças e adolescentes, incluindo, mas não
exclusivamente, a todas as crianças em risco, crianças vítimas, crianças em conflito com
a lei e qualquer criança que necessite de apoio;
• Recomendar a implementação de estratégias para promoção e desenvolvimento
comunitário;
• Assegurar que as crianças não ficam detidas em estabelecimentos para adultos;
• Dar formação e apoio às Comissões Tutelares de Menores (CTM);
• Implementar o Compromisso n.º 8.

O mandato geral do MININT consiste na protecção de pessoas e património. No campo da


protecção da criança, foram criados dois departamentos sob a autoridade dos Serviços de
Investigação Criminal (SIC), 291 o Departamento de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil
e a Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças. Quanto à determinação da
idade da criança, os SIC realizam, quando é necessário, um exame psicossomático. Quando
permanecerem dúvidas, a pessoa jovem será tratada como menor enquanto a sua idade não for
confirmada. Nos casos em que a criança em conflito com a lei também seja uma criança vítima,
será encaminhada para a Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças e o caso
será tratado em conjunto pelos dois departamentos em colaboração com o Julgado de Menores.

O MININT é responsável por:

- Promover, formular, coordenar e executar a ordem e segurança interna em conformidade


com as directrizes do Governo;
- Assegurar a segurança interna, o respeito pela legalidade democrática e a protecção das
garantias e dos direitos constitucionais dos cidadãos;
- Gerir os funcionários públicos e as forças militares;
- Prevenir e combater o crime.
291
Os Serviços de Investigação Criminal (SIC) eram denominados como Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC). No momento da recolha de dados, ainda não estava concluída a oficialização
do novo SIC.

138
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

O MINARS e o MININT gerem ambos serviços especializados que lidam especificamente com
crianças em contacto com a lei.

No MINARS, os planos de protecção social estão a cargo do Departamento de Protecção das


Crianças em Risco, que:

• Garante que todas as crianças vulneráveis com menos de 18 anos recebem os serviços de
que necessitem, incluindo medidas de reinserção social e opções de colocação específicas
para crianças em risco;
• Assegura que todas as crianças em conflito com a lei com menos de 12 anos de idade
têm acesso às mesmas medidas de protecção social;
• Protege e promove os direitos dos grupos mais vulneráveis nas áreas do bem-estar social,
da educação e do desenvolvimento;
• Dá formação a técnicos que trabalham nas províncias;
• Elabora documentos judiciais em colaboração com os departamentos jurídicos do MINARS;
• Propõe medidas alternativas de assistência e cuidados;
• Controla, analisa e acompanha a colocação da criança.

Os planos para prevenção da criminalidade encontram-se sob a tutela do Departamento para


atendimento de crianças em conflito com a lei 292 que tem as seguintes funções:

• Assegurar os cuidados das crianças e dos adolescentes sujeitos a medidas de prevenção


criminal aplicadas pelo Julgado de Menores;
• Cooperar e colaborar com a Comissão Tutelar de Menores em casos que exijam
encaminhamento para o Julgado de Menores ou na fase de reintegração familiar;
• Trabalhar em colaboração com os serviços sociais, os Centros Sociais de Referência, o
Julgado de Menores e o Centro de Observação;
• Colaborar no funcionamento dos Centros de Prevenção e Reabilitação Social;
• Promover a investigação e estudos das taxas de delinquência juvenil e propor medidas
preventivas em colaboração com outras estruturas;
• Colaborar com organismos análogos em programas de educação, ensino e formação;
• Elaborar relatórios de desenvolvimento sociopedagógico sobre adolescentes detidos,
apresentando propostas de novas medidas por parte do Julgado de Menores.

No MININT, as duas estruturas semelhantes são o Departamento de Prevenção e Combate à


Delinquência Juvenil e a Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças.

O Departamento especializado de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil encontra-se sob


supervisão do Gabinete do Procurador-Geral relativamente a casos de menores em conflito com
a lei e em colaboração com o Julgado de Menores. As suas principais responsabilidades dizem
respeito a:

• Investigar e preparar todos os casos criminais que envolvam menores com idades entre
12 e 15 anos inclusive;
• Implementar as medidas de prevenção criminal determinadas pelo Julgado de Menores.

292
Este departamento encontra-se actualmente sob a tutela do MINARS, e de acordo com um interveniente, esteve sob a tutela do MININT até 1992.

139
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

A Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças intervém em casos relacionados


com qualquer tipo de violência cometida contra mulheres e crianças. Esta unidade:
• Recebe informações sobre maus-tratos infligidos a qualquer criança com menos de 18
anos;
• Investiga casos de violência contra mulheres e crianças (abandono, crianças sem registo
de nascimento, abuso sexual, etc.);
• Presta apoio social e psicológico à criança e à sua família;
• Encaminha casos para o Julgado de Menores e outras instâncias de assistência
especializada (centros de acolhimento, clínicas médicas, psicólogos externos, escolas,
INAC, MINARS, etc.);
• Realiza actividades de sensibilização na comunidade para detectar e prevenir casos de
violência.

Por fim, o MINFAMU não é plenamente reconhecido como um dos principais ministérios na área
da justiça de menores por outras partes interessadas, mas deve ser destacado tendo em conta
o seu papel relativamente aos direitos das mulheres e raparigas e o apoio prestado às famílias.
Não foi possível obter mais informação sobre este ministério. O MINFAMU é responsável por
definir e implementar políticas nacionais para defender e assegurar os direitos das mulheres
(incluindo raparigas) na família e na sociedade. O Ministério promove, de forma multidisciplinar,
programas e acções destinados a informar, sensibilizar, educar e formar sobre a igualdade de
género, em zonas urbanas e rurais. Também proporciona actividades para desenvolvimento de
competências da família, como aconselhamento para apoiar os pais a criar e educar os filhos,
valorizando a posição da criança na família.

Sem negar o papel fundamental dos outros ministérios, a visão generalizada é que os três
ministérios centrais do sistema de protecção da criança em Angola são o MINJUSDH, o MININT
e o MINARS. Poucos intervenientes mencionam, também, o Ministério da Administração do
Território (MAT) e o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU) como actores
activos na implementação de leis e programas destinados a reforçar o sistema de justiça para
crianças.

XVI – Instituições judiciais

O Tribunal Constitucional foi criado a 25 de Junho de 2008 em Luanda 293. O seu mandato geral
consiste em “assegurar a administração da justiça em matéria de cariz legal e constitucional,
incluindo a relacionada com referendos, eleições e partidos políticos. Tem jurisdição ilimitada sobre
questões de partidos políticos, eleitorais e jurídico-constitucionais”. 294 O seu papel consiste em
analisar a constitucionalidade de todas as leis, normas e decisões do Estado, incluindo propostas
de lei elaboradas pela Assembleia. As decisões do Tribunal prevalecem sobre as decisões de
outros tribunais e são de cumprimento obrigatório tanto para entidades públicas (incluindo o
Tribunal Supremo) como para os cidadãos. Onze juízes nomeados por um período de sete anos
constituem o Tribunal. Este período não é renovável. Os juízes são independentes, imparciais e
não podem ser afastados do cargo.

Foi autorizado por via da lei em 1992.


293

3.º Congresso da Conferência Mundial sobre Justiça Constitucional – “Justiça Constitucional e Integração Social”, Seul, República da Coreia, 28 de Setembro – 1 de Outubro de 2014. Questionário:
294

Resposta do Tribunal Constitucional de Angola, Tribunal Constitucional da Coreia, Comissão de Veneza do Conselho da Europa, pág. 2.

140
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

O Tribunal Supremo295 foi criado em 1985 e tem sede em Luanda. Tem jurisdição nacional e
representa o órgão máximo do sistema judicial. É o tribunal de recurso de todas as decisões dos
tribunais provinciais e das decisões do tribunal municipal relativas a casos criminais. Também tem
jurisdição primária sobre algumas matérias. O Tribunal Supremo é composto por duas câmaras:
Câmara do Civil e Administrativo e Câmara dos Crimes Comuns.

O Tribunal também é responsável por nomear os juízes dos tribunais provinciais. É constituído
pelo Presidente, pelo Vice-Presidente e por um mínimo de 16 Juízes (conselheiros) que são todos
nomeados pelo Presidente. O Presidente e o Vice-Presidente são nomeados por mandatos de
sete anos não-renováveis.

Os Tribunais Municipais têm jurisdição limitada em matéria civil e criminal nas áreas municipais.
Actualmente, 13 dos 168 tribunais municipais estão activos.

XVII – Itinerário da criança em conflito com a lei (dos 12 aos 15 anos de idade)

XVIII – Entidades de apoio ao Julgado de Menores

Comissão Tutelar de Menores (CTM)

A CTM é um órgão permanente, não-judicial e independente (administrado por cada governo


provincial) que funciona em colaboração directa com o Julgado de Menores para lidar com os
menores sob a sua jurisdição. Os seus membros são nomeados por um período renovável de
três anos pelo governo provincial.

A par do Conselho Nacional da Criança (CNAS), a Comissão também tem mandato para
desenvolver um plano de acção nacional bianual com o objectivo de proteger as crianças em
conflito com a lei.

295
República de Angola, A Constituição, 2010, art.º 181.

141
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

As principais responsabilidades da CTM são296:

• Recolher informações sobre a situação das crianças sujeitas a intervenções legais;


• Fornecer informação ao Julgado sobre as crianças em conflito com a lei (e respectivas
famílias), desempenhando, assim, o papel de elo entre a comunidade e o julgado;297
• Encaminhar para o julgado os casos que lhe são apresentados quando apropriado;
• Assegurar a execução e supervisão das medidas provisórias e definitivas ordenadas pelo
Julgado de Menores;
• Assegurar o acompanhamento das crianças após a aplicação e execução das medidas
provisórias;
• Fornecer informação ao julgado sobre as crianças em conflito com a lei e respectivas
famílias, no sentido de sustentar uma melhor tomada de decisão;
• Seleccionar famílias de substituição com capacidade financeira e idoneidade para receber
crianças em risco e informar o julgado das famílias disponíveis;
• Escolher e supervisionar instituições de serviço comunitário, centros de formação
profissional e qualquer tipo de formação em que a criança possa participar e informar o
julgado da respectiva disponibilidade;
• Avaliar o grau de aplicação dos projectos e programas de instituições públicas e privadas
que podem ser evocados para aplicar as medidas ordenadas para a criança;
• Realizar visitas frequentes a crianças sujeitas a medidas de internamento ou semi-
internamento em instituições públicas e privadas;
• Promover a reintegração dos menores no ambiente familiar ou na sua comunidade depois
de concluídas as medidas de internamento;
• Solucionar questões relacionadas com o registo de nascimento;
• Acompanhar os pais de crianças em risco;
• Entregar ao Julgado de Menores relatórios relativos à aplicação de medidas estabelecidas
pelo Julgado.

Sob a autoridade administrativa do Ministério da Administração do Território (MAT), a CTM


foi criada em Setembro de 2007.298 É um órgão permanente, não-judicial e independente
(administrado por cada governo provincial) que funciona em colaboração directa com o Julgado
de Menores para lidar com os menores sob a sua jurisdição. Os seus membros são nomeados
por um período renovável de três anos pelo governo provincial

Centros Sociais de Referência (CSR)

As principais responsabilidades dos CSRs são:

• Responder a denúncias relativas à protecção da criança na sua área de jurisdição geográfica;


• Realizar na comunidade actividades de sensibilização e comunicação relacionadas com os
direitos das crianças;
• Trabalhar em colaboração com a comunidade para encontrar a melhor solução para a
criança;
296
Consultar o artigo 27º da Lei do Julgado de Menores.
297
As formas são reguladas pelo Código de Processo do Julgado de Menores.
298
Decreto n.º 69/07 de 10 de Setembro de 2007

142
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

• Realizar sessões de “mediação” e promover a resolução de conflitos;


• Reintegrar a criança na família ou encaminhá-la (e aos pais, se for aplicável) para os
recursos adequados (reintegração familiar, centros de acolhimento, SIC, MINARS, CTM,
Julgado de Menores, etc.);
• Assegurar o apoio constante da criança e da família na comunidade;
• Divulgar e promover os direitos das crianças;
• Proporcionar formação profissional ou matrícula escolar para crianças;
• Facilitar o registo de nascimento de crianças e adolescentes e suas famílias.

XIX – Entidades coordenadoras

INAC
O Instituto Nacional da Criança (INAC) é uma instituição pública com personalidade jurídica, com
autonomia administrativa e financeira. Foi criado pelo Presidente da República após ratificação da
CDC pelo Governo. Tem uma função geral de promover e desenvolver políticas para a infância.
Um interveniente com quem reunimos declarou: “Somos os olhos do Governo no que diz
respeito à situação nacional das crianças”.299

O INAC opera através da pessoa do Ministro responsável pelo MINARS que nomeia a Direcção.
O Instituto tem um mandato de supervisão sobre todas as províncias. As suas principais
responsabilidades podem resumir-se da seguinte forma:300

• Coordenar as acções do Governo relativas às questões da infância;


• Realizar investigação científica, actividades de sensibilização e de mobilização social em
prol dos direitos da criança;
• Recolher informação sobre as províncias relativamente a diferentes esferas relacionadas
com a situação das crianças (trabalho infantil, violência, crianças em situação de rua,
tráfico, exploração sexual, privação de liberdade, etc.);
• Receber queixas sobre casos de abuso de crianças através do seu ramo de estudos e
investigação;
• Criar acções de sensibilização e de mobilização social para os direitos das crianças e
documentação das crianças sem registo;
• Coordenar as Redes de Protecção da Criança;
• Coordenar o projecto SOS Criança em colaboração com a Rede de Protecção da Criança de
Luanda, que inclui a implementação de uma linha de apoio e denuncia telefónica gratuita.

O INAC é membro do CNAS e também responsável pela coordenação da Rede Nacional de


Protecção da Criança, composta essencialmente por organizações de base comunitária que
recebem assistência por parte dos técnicos sociais do INAC.

Reunião Bilateral, Luanda, Abril de 2016.


299

300
Governo de Angola, “Serviços Provinciais do Instituto Nacional da Criança – INAC”, Ministério da Assistência e Reinserção Social, disponível on-line em: http://www.MINARS.gov.ao/VerPrestadorSer-
vico.aspx?id=317 (último acesso a 16 de Abril de 2016).

143
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

CNAS
Criado em 2007 com um mandato nacional, o Conselho Nacional da Criança (CNAS) é um órgão
autónomo a nível financeiro e administrativo com estatuto jurídico próprio. As principais tarefas
atribuídas ao CNAS são as seguintes:
• Controlar a implementação dos 11 Compromissos para os direitos das crianças;
• Acompanhar a aplicação das políticas estatais relacionadas com a infância;
• Estabelecer mecanismos específicos e medidas de controlo social para proteger as
crianças;
• Ajudar outras entidades governamentais a desenvolver e executar políticas específicas
em conformidade com os indicadores de criminalidade infanto-juvenil e combater factores
de risco.

Provedor de Justiça
Em Angola, o Provedor de Justiça constitui um órgão independente nomeado pela Assembleia
Nacional por um máximo de dois períodos de quatro anos. O Provedor de Justiça é responsável
por assegurar os direitos, as liberdades e as regalias de todos os cidadãos angolanos. Dispõe de
autonomia a nível administrativo e financeiro e responde directamente à Assembleia Nacional
sobre as iniciativas tomadas (incluindo os serviços prestados) e as queixas recebidas. Deve existir
um Gabinete do Provedor de Justiça em cada uma das 18 províncias de Angola, mantendo-se
a sede em Luanda. Contudo, na verdade, o Gabinete não funciona fora de Luanda. O Gabinete
tem uma linha telefónica de apoio301 que deverá estar acessível a todas as pessoas, incluindo
crianças.302 As chamadas recebidas na linha de apoio são confidenciais e permitem discussões
informais de problemas e queixas fora das vias formais. Tem por base as queixas apresentadas
por cidadãos contra acções de agentes da administração pública. Depois de receber a queixa, o
Gabinete do Provedor de Justiça deve investigar as alegações encaminhando o assunto para as
instâncias superiores ou competentes.303

Duas vezes ao ano, tem de apresentar à Assembleia Nacional um relatório das suas actividades,
que inclui as queixas recebidas, as iniciativas determinadas, os serviços prestados e os resultados
efectivos.

XX – Linhas de Apoio

A Rede de Protecção da Criança está actualmente a implementar um projecto temporário que


inclui uma linha telefónica de apoio denominada “SOS Criança” (número gratuito). O projecto
tem sede no município de Viana e a linha de apoio só abrange essa área. O INAC (MINARS)
pretende estender a linha “SOS Criança” a outras províncias. O serviço deverá ser activado e
disponibilizado em Junho de 2016. O projecto é apoiado técnica e financeiramente pelo UNICEF
e institucionalmente pela administração municipal. Fornece assistência directa a crianças e à
população em geral em relação a casos que envolvam crianças cujos direitos foram violados.
Também participa em campanhas de sensibilização do público. Os funcionários de ONG parceiras

301
Não foi possível confirmar se a linha estava ou não operacional.
302
Não conseguimos confirmar a informação devido ao cancelamento de uma reunião.
303
Provedor de Justiça, “O Provedor”, disponível on-line em: http://www.provedor-jus.co.ao/oprovedor.php (último acesso a 12 de Abril de 2016).

144
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

atenderão as chamadas e serão os intermediários entre a população e os serviços directos para


crianças.

O centro de atendimento do MINFAMU tem um número de telefone geral que pode ser
contactado em caso de violência doméstica e funciona em todo o país. Esta iniciativa ainda é
recente, pois este número está activo há três meses.

A polícia (SIC) tem um número de telefone específico que só deve ser utilizado por crianças: cada
Província tem uma linha diferente, mas nem todas têm números gratuitos. Um dos entrevistados
informou que dá os seus números pessoais, considerando que a linha não se encontra acessível
durante 24 horas.

XXI – Sinopse dos projectos e programas

A revisão de literatura demonstra um amplo número de projectos e programas implementados


pelo Governo em colaboração com diversos parceiros internacionais nos últimos anos. Estas
iniciativas estão associadas a uma variedade de tópicos, incluindo os seguintes:

• Implementação dos 11 Compromissos para os Direitos das Crianças;


• Registo de nascimento;
• Protecção de crianças em situações de vulnerabilidade;
• Condições de detenção;
• Assistência de famílias vulneráveis;
• Prevenção da criminalidade;
• Assistência de crianças que vivem de trabalhar nas ruas;
• Participação infantil;
• Trabalho infantil;
• Abuso de substâncias ilícitas por crianças;
• Tráfico de crianças;
• Exploração sexual;
• Violência doméstica;
• Comunicação para o desenvolvimento;
• Formação;
• Controlo e avaliação.

Entre os programas essenciais implementados no campo da protecção da criança e da justiça


juvenil, contam-se os seguintes. 304
• Programa de Registo de Nascimento e Justiça para as Crianças em Angola;
• Projecto-piloto de implementação de “Medidas de Prevenção Criminal para Crianças em
Conflito com a Lei” (Projecto de Huíla);

304
No momento da redacção deste texto não tinham sido transmitidos suficientes dados de confiança sobre os resultados destes projectos.

145
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

• Municípios Amigos da Criança;


• Programa para Reforçar os Direitos das Crianças e dos Jovens em Angola.

Programa de Registo de Nascimento e Justiça para Crianças em Angola


O programa de quatro anos (2014-2017) é financiado pelo Governo de Angola com a colaboração
da União Europeia e do UNICEF, que co-financiam a expansão do sistema de registo de
nascimento em maternidades e consolidação de avanços na Justiça para Crianças. Centra-se em
duas componentes – o registo de nascimento das crianças e o acesso à justiça para crianças em
Angola. O seu objectivo global é “apoiar os esforços nacionais de servir e proteger os direitos das
crianças a registo de nascimento e acesso à justiça, através da actualização dos procedimentos
e sistemas administrativos em Angola”.

Mais especificamente, o programa pretende:


• Aumentar de 56% (2009) para 80% a proporção do registo de nascimento de crianças em
Angola (Meta indicativa:305 80% das crianças até 18 anos registadas);
• Melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de justiça para crianças em Angola
introduzindo no país 4 Julgados de Menores e estruturas associadas.

O presente exercício faz parte da segunda componente deste programa, 306 que constitui, sem
dúvida, uma iniciativa pertinente para melhorar o acesso à justiça por parte das crianças no país.

A descrição do projecto demonstra que foram identificadas dificuldades cruciais em relação ao


acesso à justiça, que serão solucionadas. O programa de registo gratuito por três anos, a ser
implementado pelo MINJUSDH para todos os cidadãos
com menos de 18 anos de idade, é especialmente
importante num contexto em que muitos entrevistados Municípios Amigos da Criança – Indicadores
indicaram que um grande número de crianças em conflito Compromisso n.º 6
com a lei não tem nenhum documento de identificação e • Percentagem de crianças entre 6 e 17
que os mecanismos vigentes para determinação da idade anos em conflito com a lei, por tipo de
infracção cometida e por idade
da criança ou não são sistemáticos ou causam atrasos
no tratamento do caso dessa criança. A componente
• Percentagem de jovens que participam
em programas sociopedagógicos
de alargamento do programa também é uma excelente
oportunidade para aprender com todos os desafios Compromisso n.º 8
enfrentados que foram identificados no primeiro (e • Percentagem de casos resolvidos de
único) Julgado de Menores, em Luanda, em particular violência contra crianças
no que diz respeito à suficiência de meios e recursos e • Percentagem de comunas com uma rede
activa para protecção das crianças
ao desenvolvimento de competências dos funcionários
com formação adequada. • Percentagem de crianças que trabalham

305
As metas indicativas são definidas pelo Governo e baseiam-se no Plano de Desenvolvimento Nacional e outros documentos sectoriais. Como a responsabilidade do UNICEF é contribuir para estas metas,
elas são consideradas indicativas no âmbito deste Projecto
UNICEF/UE, “Registo de Nascimento e Justiça para Crianças em Angola”, documento do projecto, pág. 20.
306

146
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Projecto-piloto de implementação de “Medidas de Prevenção Criminal para Crianças em Con-


flito com a Lei” (Projecto de Huíla)

Esta iniciativa corresponde a uma experiência-piloto realizada na província de Huíla com supervisão
do MINJUSDH, do MININT e do MINARS. O projecto foi mencionado por vários intervenientes
como boa prática na área da justiça para crianças que deveria ser consolidada e alargada a outras
províncias. Foi documentado pelo MOSAIKO – Instituto para a Cidadania, entre Fevereiro e Abril
de 2013. O objectivo global era melhorar o sistema de justiça para crianças em conflito com a
lei nesta província, fomentando medidas alternativas à privação de liberdade e de prevenção. A
principal conclusão é que essa experiência ajudou a tirar lições importantes e relevantes, 307 mas,
segundo os actores inquiridos, não é clara a vontade política para investir recursos a longo prazo
num programa a nível nacional de acordo com este modelo. Além disso, não estão asseguradas
as condições necessárias para repetir o programa noutras províncias.

Os objectivos específicos do projecto consistiam em:

• Criar competências e condições de funcionamento da Comissão Tutelar de Menores da


província de Huíla;
• Promover mecanismos para assegurar a implementação rigorosa e efectiva das medidas
de prevenção criminal alternativas à privação de liberdade (Prestação de Serviço a Favor
da Comunidade e Liberdade Assistida) na Província de Huíla;
• Formar técnicos das mais importantes instituições envolvidas;
• Informar a sociedade civil sobre programas de prevenção da criminalidade juvenil.

Observaram-se os seguintes resultados:

- A maioria dos processos judiciais realizou-se em conformidade com a lei;


- Existia um único processo jurídico para cada caso que deu entrada no tribunal, conforme
estipulado na lei;
- As medidas de prevenção criminal são múltiplas e complexas e não existe uma abordagem
padronizada neste campo;
- Não existe uma estrutura oficializada na província de Huíla que coordene as actividades
implementadas para crianças em conflito com a lei e a CTM tem gabinete na Direcção
Provincial do MINARS;
- A sociedade no geral não tem confiança nas medidas de responsabilização pelos crimes
cometidos por crianças, o que dificulta mais o trabalho da Polícia e da CTM;
- As medidas de prevenção criminal aplicadas pelo julgado incluem a repreensão, a
imposição de regras de conduta, a condenação do menor ou do seu representante legal a
multas, indemnizações ou restituições, a prestação de serviço à comunidade, a liberdade
assistida e, nalguns casos, a medida de semi-internamento ou de internamento em
estabelecimento de assistência ou educativa.

No fim do projecto, elaborou-se um relatório final, com o apoio do UNICEF e da União Europeia, que inclui conclusões e recomendações muito interessantes; Consultar Medidas de Prevenção Criminal
307

para Crianças em Conflito com a Lei – Experiência-piloto na província de Huíla, Governo de Angola e UNICEF, Abril de 2013, 64 páginas.

147
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Municípios Amigos da Criança em Angola (adesão, avaliação e certificação) do Conselho


Nacional da Criança)

Esta iniciativa faz parte do Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo para a implementação
dos 11 Compromissos para com a criança. O objectivo principal é a criação de um ambiente
adaptado à criança, que promova a sobrevivência, o desenvolvimento, a protecção e o bem-
estar das crianças, tanto a nível municipal como provincial. O projecto também representa uma
oportunidade para melhorar a base de dados nacional através da recolha de informação a nível
local e uma utilização mais generalizada do Sistema de Indicadores da Criança Angolana (SICA).

O CNAS é responsável pela coordenação desta iniciativa através de financiamento e


planeamento efectivos e com o apoio técnico do UNICEF e do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) na execução do projecto em conformidade com os Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio. Através deste projecto, o Governo pretende, ainda, facilitar a
implementação dos princípios descritos na CDC a nível local. Este compromisso implica que a
protecção da criança seja reconhecida como prioridade na formulação de políticas e legislação,
bem como na atribuição de recursos financeiros. Igualmente, o direito das crianças à participação
e a serem ouvidas também é um factor importante a considerar aquando da elaboração dos
programas.

Em termos concretos, o projecto dos Municípios Amigos da Criança é de carácter voluntário.


Quando um Município demonstra interesse no projecto, terá de realizar o diagnóstico da situação
das crianças na localidade de acordo com os 27 indicadores definidos nas directrizes do projecto.
Depois de cumprido este requisito, o Município pode pedir certificação e, num prazo de dois
anos, será realizado um exercício para avaliar os progressos alcançados. O CNAS só emite o
Certificado de “Município Amigo da Criança” quando os objectivos estabelecidos tiverem sido
atingidos pelo respectivo Município.

Programa para Reforçar os Direitos das Crianças e dos Jovens em Angola308

Este programa, que se reparte em duas fases, foi implementado pelo UNICRI em cooperação
com o Governo de Angola e o apoio da Cooperação Italiana para o Desenvolvimento (Ministério
das Relações Exteriores) e o Departamento de Justiça Juvenil italiano.

Fase 1 (Janeiro de 2002 – Junho de 2005)


Iniciada em 2001 pelo UNICRI, a primeira fase “pretendia reforçar as instituições angolanas no
seu esforço para estabelecer e administrar um Sistema de Justiça Juvenil efectivo constituído
por julgados de menores e órgãos afins eficientes”,309 apoiando o Governo de Angola na criação
do primeiro Julgado de Menores do país.

Os principais resultados da Fase 1 do programa foram os seguintes:


• Inauguração do Julgado de Menores de Luanda em Junho de 2003;
• Publicação, pelo UNICRI/Luanda em Outubro de 2004, de uma monografia sobre a Lei do
Julgado de Menores de 1996, que contém recomendações sobre modificações a fazer
em conformidade com as normas internacionais relevantes;
• Criação de um centro de documentação e informação para adolescentes.

Programa para Reforçar os Direitos das Crianças e dos Jovens em Angola, http://www.unicri.it/topics/juvenile_justice/angola/ (último acesso a 25 de Abril de 2016).
308

Ibid.
309

148
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
anexos

Fase 2 (Julho de 2005 – Junho de 2011)


A segunda fase visava consolidar o Sistema de Justiça Juvenil em Luanda, “baseando-se nas
estruturas judiciais e sociais estabelecidas na Fase 1”,310 organizando formações avançadas para
as principais partes interessadas das estruturas do Sistema de Justiça Juvenil, nomeadamente o
Julgado de Menores e o Centro de Observação, a administração municipal e os Centros Sociais
de Referência.

Os principais resultados da Fase 2 foram os seguintes:


• Concretização de formação de competências311 para aumentar o conhecimento sobre a
aplicabilidade da Lei do Julgado de Menores, dos regulamentos da CTM e das medidas de
prevenção criminal de liberdade assistida e de prestação de serviço comunitário;
• Realização de três visitas de estudo a Itália que visaram familiarizar a delegação com a
legislação, as práticas e as instituições da Justiça de Menores italiana;
• Entrega de mobiliário ao Centro de Observação para raparigas e à CTM;
• Elaboração de material de formação para melhorar a protecção das crianças e a prevenção
da criminalidade e de um modelo de formação sobre prestação de serviço à comunidade,
Liberdade Assistida e dinâmicas de grupo e de mediação familiar;
• Reedição e actualização da “Lei do Julgado de Menores e Código de Processo do Julgado
de Menores”;
• Campanhas para sensibilização do público sobre os direitos das crianças;
• Publicação do “Manual teórico e prático para operadores sociais no Julgado de Menores”.312

310
Ibid.
311
Magistrados, promotores de justiça, educadores sociais, polícias, representantes da CTM e Administrações Municipais foram o grupo-alvo destas formações.
312
Programa para Reforçar os Direitos das Crianças e dos Jovens em Angola, http://www.unicri.it/topics/juvenile_justice/angola/ (último acesso a 25 de Abril de 2016).

149
XXII – Estrutura lógica do Programa de quatro anos para Angola “Registo de Nascimento e Justiça para Crianças”

150
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados
anexos

OBJETIVO GERAL Aumento da percentagem da Mecanismos ou instâncias de justiça N/A 20% - Dados administrativos
população com acesso aos locais de para crianças: neste Projecto o conceito processados pelo Governo
Apoiar os esforços nacionais para serviços de registo de nascimento de “mecanismo ou instância” compreende Até final de 2017
servir e proteger os direitos das operacionais até a conclusão do toda e qualquer entidade formal ou
crianças no registo de nascimento subprograma informal vocacionada para a resolução
e no acesso à justiça através da de conflitos e estabelecida formalmente - Relatórios do INAC e do
modernização dos sistemas e Aumento da percentagem da ou de facto em Angola. O Sistema Formal CNAS
procedimentos administrativos em população com acesso, na sua de Administração da Justiça Juvenil inclui
Angola província, a pelo menos um o Julgado de menores e seus órgãos
mecanismo ou instância operacional afins (Comissão Tutelar de Menores,
de serviços de justiça para crianças Centro de Observação, Centros Sociais - Estudo de avaliação dos
até a conclusão do subprograma de Referência, Centro de Detenção ou de resultados dos processos e
Reeducação). No entanto, uma abordagem do impacto das Estratégias de
ampla da justiça, inclui igualmente as comunicação e MS
instâncias informais locais de justiça e de
resolução de conflitos, sobretudo de base
comunitária, e os serviços especializados
da Polícia Nacional.
OBJECTIVO ESPECÍFICO 2: Aumento no número de províncias Julgado de Menores: órgão jurisdicional 1 5 - Dados administrativos e
com Julgado de Menores e de competência especializada, integrado estatísticos processados
Aumentado o acesso e a qualidade estruturas afins em Angola até ao no Tribunal Provincial da Província onde pelo Direcções provinciais de
dos serviços da justiça para fim do subprograma se encontre, designado como “Julgado de justiça, pelo MINJUSDH ou
crianças em Angola Menores”. pelos Julgados de Menores

- Dados administrativos da
Ordem dos Advogados e dos
Julgados de Menores

- Dados estatísticos do
MININT e do MINARS
R.2.1. Estudos sobre o sistema actual de - Análise da situação da Justiça
justiça para crianças até 2015 para Crianças (Nível 1 das
Quadro legal e políticas públicas actividades de M&A)
provedoras de uma maior protecção
dos direitos das crianças em - Planos e relatórios sectoriais
contacto com o sistema de justiça do Governo
reforçado
- Relatórios do INAC e do
CNAS

- Diários da República
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados

Número de grupos técnicos O tema da Justiça é abordado pelos N/A 1 - Análise da situação da
de cooperação intersectorial diferentes órgãos do Estado. Para que o Justiça para Crianças
constituídos no sistema de justiça impacto das intervenções seja coordenado, (Nivel 1 das actividades de
para crianças até 2017 existe a necessidade de criar mecanismos M&A)
de coordenação, e promover programação - Planos relatórios
conjunta. sectoriais do governo
- Relatórios do INAC e do
CNAS
- Diários da República

Criação de um modelo de programa


de reintegração para crianças em
conflito com a lei até 2016
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Número de iniciativas legislativas QLeP QLeP


propostas/aprovadas a favor de parcial- parcial-
maior harmonização com os mente em mente em
padrões e as normas internacionais harmonia com harmonia
até 2017 os padrões com os
internacionais padrões
R.2.2. Qualidade dos serviços de Número de Planos curriculares Instituto Nacional de Estudos Judiciários e N/A 2 - Produção de estatísticas
administração da justiça para nacionais de formação de Escola da Polícia Nacional baseadas nos dados
crianças nas cinco províncias-alvo profissionais em matéria de administrativos do
aumentada protecção dos direitos das crianças MINJUSDH, do MINARS e
revistos elaborados até 2016 do MININT
- Dados administrativos
processados pelas
direcções provinciais de
justiça.

Percentagem de Magistrados no Por formação ad hoc entende-se a participação N/A 70 - Relatórios e dados
activo que receberam formação ad de magistrados: i) em trabalhos de parceria administrativos do INEJ
hoc sobre direitos das crianças nas com entidades académicas ou de formação - Relatórios dos encontros
cinco províncias-alvo até 2017 homólogas do Brasil ou da Argentina, ii) com os institutos
no 1.º Curso Regional Anual “Protecção académicos e centros
Jurisdicional dos Direitos das Crianças”, iii) superiores para revisão
em actividades de intercâmbio de experiências dos Planos curriculares.
e de conhecimentos técnicos em matéria de - Relatórios das actividades
responsabilidade criminal. de parceria com entidades
académicas ou de

151
anexos

formação do Brasil ou da
Argentina...
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados

152
Sistema Integrado de Informação SII por SII - Dados administrativos do 1º
(SII) da administração nacional da implantar implantado Curso Regional Anual
anexos

justiça para crianças desenvolvido


implementado e funcional até 2017.
- Documentação do Modelo
Aumento do número de províncias que piloto de Huila
têm as suas unidades de poder judicial
dotadas de meios informáticos até
2017
Aumento do número de províncias que internacionais
têm os seus serviços judiciais para
crianças ampliados até 2017

Aumento do número de províncias que Programa de medidas 1 5


dispõem de programas de medidas alternativas: programas
alternativas à privação da liberdade baseados na premissa de
para menores até 2017 um Direito Penal subsidiário,
funcional e de último recurso
de controlo social, baseado
no princípio da dignidade da
pessoa humana (principio do
direito penal mínimo).
Programa piloto na província de
Huila devidamente desenvolvido e
implementado até 2015

R.2.3. Melhoria na percepção de pais, crianças N/A 50% - Relatórios das avaliações
Conhecimentos das crianças sobre e responsáveis institucionais sobre a intermédias da Estratégia de
direito e protecção legal nas condição da criança em conflito com a comunicação e MS
províncias-alvo aumentados lei e os seus direitos
Número de pessoas envolvidas - Estudo de avaliação
nas acções de comunicação e de formativo dos resultados dos
mobilização social para a promoção processos e do impacto das
da reintegração social das crianças em Estratégias de comunicação
conflito com a lei nas províncias-alvo e MS
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados

OBJECTIVO GERAL Percentagem da população com Mecanismos ou instâncias de N/A 20% até - Dados administrativos
Apoiar os esforços nacionais para acesso a estabelecimentos activos de justiça para crianças: neste ao fim de 2017 processados pelo Governo
servir e proteger os direitos das registo de nascimento até ao final do projecto, o conceito de “mecanismo
crianças a registo de nascimento subprograma ou instância” engloba todas as - Relatórios do INAC e do CNAS
e acesso à justiça, através da entidades formais ou informais
actualização dos procedimentos Percentagem da população com acesso direccionadas para a resolução de - Estudo sobre os resultados
e sistemas administrativos em a pelo menos um mecanismo ou conflitos e instaladas em Angola dos processos e o impacto das
Angola. instância operacional de justiça para oficialmente ou na prática. Os estratégias de comunicação e
crianças, na sua província, até ao final Sistemas Formais de Administração mobilização social
do subprograma da Justiça Juvenil incluem o
Julgado de Menores e estruturas
associadas (Comissão Tutelar
de Menores, Centros Sociais de
Referência, Centros de Observação,
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Centros de Semi-internamento
e de Internamento). No entanto,
uma abordagem alargada da
justiça também inclui instâncias
informais locais, sobretudo de base
comunitária, de vertente jurídica
e de resolução de conflitos, bem
como serviços especializados da
Polícia Nacional.
OBJECTIVO ESPECÍFICO N.º 2: Aumento do número de províncias de Julgado de Menores: órgão 1 5 - Dados administrativos e
Melhoria do acesso e qualidade dos Angola com um Julgado de Menores jurisdicional de competência estatísticos processados pelas
serviços de justiça para crianças e estruturas associadas no final do especializada, incluído no Tribunal Direcções Provinciais de Justiça,
em Angola subprograma Provincial da província em que se pelo MINJUSDH ou pelos
situa, denominado “Julgado de Julgados de Menores
Menores”. - Dados administrativos da
Ordem dos Advogados e dos
Julgados de Menores
- Dados estatísticos do MININT e
do MINARS
R.2.1. Estudos sobre o actual sistema de N/A 1 - Análise de Situação da Justiça
Consolidação do enquadramento justiça para crianças para Crianças (actividades de
legal e das políticas públicas que Controlo e Avaliação de Nível 1)
proporcionam uma maior protecção - Relatórios do Governo
dos direitos das crianças em sobre planos sectoriais
contacto com o sitema de justiça
anexos

153
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados

154
Número de grupos técnicos de A questão da Justiça é abordada N/A 1
cooperação intersectorial criados no por diferentes organismos estatais.
anexos

sistema de justiça de menores até 2017 No sentido de coordenar o impacto


das intervenções, é necessário criar
mecanismos de coordenação e promover
a realização de programas conjuntos.
Criação de um programa-modelo para
reinserção de crianças em conflito
com a lei até 2016
Número de iniciativas legislativas LPF LPF em
propostas/aprovadas para maior parcialmente conformidade
conformidade com as normas e os em gradual com
padrões internacionais até 2017 conformidade as normas
com as normas internacionais
internacionais
R.2.2. Número de planos curriculares nacionais Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e N/A 2 - Produção de
Melhoria da qualidade dos serviços para formação de profissionais em Academia Nacional de Polícia estatísticas com
de administração da justiça para matéria de protecção dos direitos das base em dados
crianças nas cinco províncias crianças, revistos até 2016 administrativos do
seleccionadas MINJUSDH, MINARS
e MININT
Percentagem de juízes/promotores de Formação pontual: entende-se como N/A 70% - Dados
justiça empregados e no activo que participação de juízes/promotores de administrativos
receberam formação pontual sobre justiça: i) em trabalhos de parceria com processados pelas
os direitos das crianças nas cinco entidades académicas ou de formação Direcções Provinciais
províncias seleccionadas até 2017 homólogas no Brasil ou na Argentina; de Justiça
ii) no 1.º Curso Regional Anual de - Dados
“Protecção Jurisdicional dos Direitos administrativos e
das Crianças”; iii) em actividades de relatórios do INEJ
troca de experiências e conhecimentos
técnicos em matéria de responsabilidade
penal.
Sistema Integrado de Informação (SII) SII por SII - Relatórios de
da administração nacional de justiça implementar implementado reuniões com
para crianças, criado, implementado e institutos académicos
em funcionamento até 2017 e centros de ensino
superior para rever os
planos curriculares
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA
Resultados Esperados Indicadores Definições de trabalho Base Meta indicativa Fontes de Dados

Aumento do número de províncias - Relatórios sobre


com unidades de autoridade judicial actividades das
equipadas com recursos de tecnologias parcerias com
da informação, até 2017 entidades académicas
ou de formação do
Aumento do número de províncias em Brasil ou Argentina
que os serviços jurídicos para crianças
foram alargados até 2017

Aumento do número de províncias com Programas de medidas alternativas: 1 5 - Dados


programas de medidas alternativas à programas baseados no pressuposto administrativos do
privação de liberdade para crianças até de um Direito Penal auxiliar, funcional, 1.º Curso Regional
2017 de último recurso e de controlo social, Anual
com base no princípio da dignidade do - Documentação do
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

ser humano (princípio do direito penal modelo-piloto de


mínimo). Huíla

Programa-piloto na província de
Huíla devidamente desenvolvido e
implementado até 2015

R.2.3. Melhor percepção das características N/A 50% - Relatórios de


Aumento do conhecimento da criança em conflito com a lei e revisões intercalares
dos direitos das crianças e respectivos direitos por parte dos pais, da estratégia de
protecção jurídica nas províncias crianças e responsáveis das instituições comunicação e
seleccionadas Número de pessoas envolvidas mobilização social
nas actividades de comunicação e
mobilização social para promoção - Estudo educativo
da reinserção social das crianças dos resultados
em conflito com a lei nas províncias e impacto dos
selecionadas processos de
comunicação e
mobilização social
anexos

155
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

Ibibliografia
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CRC/C/3/Add.66.
9- Comité dos Direitos da Criança, “Consideration of Reports Submitted by State Parties under Article 44 of the Convention: Angola”
(Consideração dos relatórios entregues pelos Estados Membros de acordo com o Artigo n.º 44 da Convenção: Angola), 26/02/2010,
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156
RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

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RELATÓRIO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA PARA CRIANÇAS EM ANGOLA

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48- República de Angola. Lei Orgânica do Processo Constitucional. Lei n.º 3/08. 2008.
49- República de Angola. Lei Geral do Serviço Militar. Lei n.º 1/93. 1993.
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53- República de Angola. Estatuto Orgânico do INEJ. 2015.
54- República de Angola. Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça. Lei n.º 2/08. 2008.
55- República de Angola. Regulamento Interno da Casa da Juventude. Decreto n.º 128/06. 2006.
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NielsenMandlateAPliminary(2013).pdf?sequence=1(último acesso a 5 de Abril de 2016).
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à força no conflito armado em Angola), A Christian Children’s Fund Angola (Fundo Cristão Angolano para as Crianças), disponível on-line
em: www.crin.org/docs/Angola%20Research%20Paper.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
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Minimum-age-of-marriage-in-Africa-March-2013.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
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en.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
63- UNICEF, “Relatório Anual 2014”. Disponível on-line em: http://www.unicef.org/about/annualreport/files/Angola_Annual_
Report_2014.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
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www.unicef.org/about/execboard/files/Angola_CPD-CRR-2009-2013.pdf (último acesso a 5 de Abril de 2016).
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viewcontent.cgi?article=1293&context=key_workplace (último acesso a 5 de Abril de 2016).
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(último acesso a 5 de Abril de 2016).

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