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Fı́sica Atómica e Molecular

F ERNANDO N OGUEIRA

25 de Outubro de 2018
2
Conteúdo

1 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica 5


1.1 Estados e notação de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Operadores e observáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.3 Evolução temporal dos estados de um sistema . . . . . . . . . . . . . 15
1.4 Momento angular orbital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.5 Momento angular generalizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.6 Harmónicos esféricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.7 Adição de momentos angulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.8 Método variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo . . . . . . . . . . . . . 36
1.9.1 Expansão de Rayleigh-Schrödinger . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.9.2 Estados degenerados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
1.9.3 Expansão de Wigner-Brillouin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
1.9.4 Método de Sternheimer-Dalgarno-Lewis . . . . . . . . . . . . . 45
1.10 Teoria de perturbações dependente do tempo . . . . . . . . . . . . . . 46
1.11 Bibliografia recomendada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

2 Átomos hidrogenóides 53
2.1 O modelo atómico de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.2 As séries de Lyman, Balmer, Paschen, Brackett e Pfund . . . . . . . . 56
2.2.1 Série de Lyman (n = 1) para o hidrogénio . . . . . . . . . . . . 57
2.2.2 Série de Balmer (n = 2) para o hidrogénio . . . . . . . . . . . . 57
2.2.3 Série de Paschen (n = 3) para o hidrogénio . . . . . . . . . . . 57
2.2.4 Série de Brackett (n = 4) para o hidrogénio . . . . . . . . . . . 58
2.2.5 Série de Pfund (n = 5) para o hidrogénio . . . . . . . . . . . . . 58
2.3 Partı́cula clássica num potencial central . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.4 A equação de Schrödinger para um potencial central . . . . . . . . . . 61
2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide . . . . 62
2.6 Desvios isotópicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
4 CONTEÚDO

2.6.1 Massa finita dos núcleos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72


2.6.2 Átomos muónicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.6.3 Volume finito dos núcleos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.7 Bibliografia recomendada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

3 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides 77


3.1 O hamiltoniano clássico para uma partı́cula carregada num campo
eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.2 Interação de um átomo hidrogenóide com uma onda eletromagnética 79
3.3 Potencial vetor para ondas monocromáticas . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.4 Interação de um átomo hidrogenóide com uma onda eletromagnética
monocromática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
3.5 Coeficientes de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
3.6 Regras de seleção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
3.7 Regra de soma de Thomas-Reiche-Kuhn . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
3.8 Tempos de vida de estados excitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
3.9 Efeitos relativistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.9.1 A equação de Pauli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
3.9.2 Correções relativistas no átomo de hidrogénio . . . . . . . . . 106
3.10 O desvio de Lamb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
3.11 Efeito Zeeman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
3.11.1 Campo forte: efeito Zeeman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
3.11.2 Campo intermédio: efeito Paschen-Back . . . . . . . . . . . . . 121
3.11.3 Campo fraco: efeito Zeeman anómalo . . . . . . . . . . . . . . . 122
3.12 Bibliografia recomendada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

4 Átomos poli-eletrónicos 127


4.1 Bibliografia recomendada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

5 Moléculas 129
5.1 Bibliografia recomendada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Capı́tulo 1

Revisões de conceitos de Mecânica


Quântica

1.1 Estados e notação de Dirac


Os objetos formais/matemáticos fundamentais da Mecânica Quântica dividem-
se, essencialmente, em dois tipos: os estados e os observáveis. O estado de um
sistema representa a coleção de toda a informação disponı́vel sobre esse sistema.
Os observáveis são os objetos que representam as grandezas fı́sicas mensuráveis. O
estado do sistema é representado por um vetor (‘vetor estado’) num espaço vetorial
apropriado1 . A notação que mais habitualmente se usa para designar estes vetores
é a notação de Dirac, em que os vetores são indicados por um ket: |Ψi (a notação
cartesiana convencional para este vetor seria Ψ ~ ou Ψ).

Primeiro postulado da Mecânica Quântica


Num dado instante t0 , o estado de um sistema é descrito por um vetor |ψ(t0 )i do
espaço dos estados do sistema.

O espaço vetorial dos vetores estado é um espaço de Hilbert, isto é, é um espaço
vetorial onde está definido um produto escalar e onde os vetores possuem uma
norma finita. Nos espaços vetoriais cartesianos a que estamos habituados, o pro-
duto escalar de dois vetores u e v é representado por u · v e o resultado desta
operação é um número real. Nos espaços de Hilbert da Mecânica Quântica, o re-
1
Para ser mais preciso, o estado do sistema é representado por qualquer vetor que aponte numa
dada ‘direção’, isto é, se um vetor estado for multiplicado por um número complexo qualquer, o vetor
resultante continua a representar o mesmo estado fı́sico.
6 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

sultado da operação produto vetorial é um número complexo que se obtém trans-


formando um vetor do espaço dos estados do sistema por ação de um vetor de um
outro espaço vetorial, dito dual do espaço dos estados do sistema. Na notação de
Dirac, os vetores do espaço dual designam-se por bra e são representados por hΨ|.
O conjunto dos vetores deste espaço dual são todos os objetos que transformem um
vetor do espaço dos estados do sistema num número complexo2 . Assim, o número
complexo c é o resultado do produto escalar do bra hΦ| pelo ket |Ψi:

c = hΦ|Ψi . (1.1)

Uma das propriedades3 do produto escalar num espaço de Hilbert é:

hΨ|Φi = hΦ|Ψi∗ . (1.2)

A cada ket pode-se fazer corresponder um bra, sendo apenas necessário ter em
conta que:
ca |ai + cb |bi c∗a ha| + c∗b hb| (ca , cb ∈ C) . (1.3)
(Esta “regra” deriva das regras para o produto escalar. . . )
O produto escalar de dois vetores cartesianos ‘clássicos’ permite determinar a
‘projeção’ de um sobre o outro. Sendo v e u dois vetores cartesianos,
v·u v·u
√ ≡ ≡ v̂ · u (1.4)
v·v kvk

representa a projeção do vetor u na direção do vetor v, isto é, indica ‘quanto’ de


u é paralelo a v. A norma kvk de um vetor cartesiano pode ser definida como a
raiz quadrada do produto escalar desse vetor por si próprio e é uma medida do
comprimento desse vetor. Os vetores designados por v̂ são vetores de comprimento
unitário (versores). Para vetores de um espaço de Hilbert, a interpretação destas
operações é quase a mesma: a norma do vetor é o produto escalar de um vetor pela
sua imagem no espaço dual, hΨ|Ψi, e

c = hΦ|Ψi (1.5)

é a projeção do vetor |Ψi sobre |Φi. Mas convém lembrar que o produto escalar de
dois vetores ‘quânticos’ é, em geral, um número complexo. . . É preciso ‘adaptar’ o
2
Isto significa que pode haver mais bras que kets...
3
Ao definir um espaço vetorial com produto escalar, é necessário indicar como se efetua o produto
escalar nesse espaço e garantir que este obedece a um conjunto de propriedades (ser bilinear, distri-
butivo, comutativo, etc.). Se o espaço vetorial for definido sobre o corpo dos complexos, a propriedade
comutativa do produto escalar não pode ser exigida, visto que isso levaria a que alguns vetores não
nulos tivessem norma nula. . .
1.1 Estados e notação de Dirac 7

significado dado ao produto escalar: se ambos os vetores |Ψi e |Φi possuı́rem norma
unitária, |c|2 representa a probabilidade de encontrar no estado |Φi um sistema
que está no estado descrito por |Ψi, sendo o número c designado por amplitude de
probabilidade.
Quando, na Mecânica Clássica ou no Eletromagnetismo, por exemplo, se lida
com grandezas que são representadas por vetores cartesianos, é muitas vezes con-
veniente/necessário trabalhar com as projeções do vetor sobre um conjunto de ve-
tores especiais, os vetores de uma base do espaço vetorial. Com vetores cartesianos
a três dimensões, a base convencional é o conjunto de versores {x̂, ŷ, ẑ}, e qualquer
vetor deste espaço se pode escrever como

v = vx x̂ + vy ŷ + vz ẑ , (1.6)

em que vx , vy e vz são as projeções do vetor nas direções dos três versores da base.
Ora, como vx = x̂ · v, esta expressão pode-se escrever como

v = vx x̂ + vy ŷ + vz ẑ
= (x̂ · v)x̂ + (ŷ · v)ŷ + (ẑ · v)ẑ
= (x̂)x̂ · v + (ŷ)ŷ · v + (ẑ)ẑ · v
= [(x̂)x̂ · +(ŷ)ŷ · +(ẑ)ẑ·] v . (1.7)
| {z }
1
b

Esta última expressão mostra que o objeto indicado pela chaveta transforma o vec-
tor v em si próprio. Pode-se então escrever

(x̂)x̂ · +(ŷ)ŷ · +(ẑ)ẑ· = b


1, (1.8)

em que b1 indica uma operação que transforma um vetor nele próprio: é o operador
identidade. Usando uma notação diferente para os versores da base, uma maneira
mais compacta de escrever a expressão anterior é:
3
X
(êi ) êi · = b
1. (1.9)
i=1

Esta expressão traduz apenas que {ê1 , ê2 , ê3 } é uma base deste espaço vetorial.
Se {|ϕi i} for uma base discreta do espaço dos estados do sistema4 , pode-se ex-
pandir (isto é, escrever como uma combinação linear dos versores da base) qualquer
vetor desse espaço de modo análogo à expansão acima:
X
|Ψi = |ϕi ihϕi |Ψi . (1.10)
i

4
Os vetores |ϕi i serão então vetores unitários. . .
8 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

A relação equivalente a 1.9 será então:


X
|ϕi ihϕi | = b
1, (1.11)
i

que é habitualmente designada por relação de completude5 . A soma sobre o


ı́ndice i indica que esta base é uma base discreta, isto é, uma base formada por
vetores unitários que se podem identificar com um ı́ndice discreto (mesmo que a
dimensão do espaço vetorial seja infinita). Se a base for contı́nua, isto é, se for uma
base constituı́da por vetores unitários identificados por um ı́ndice contı́nuo (x, por
exemplo), a relação de completude escrever-se-á:
Z
dx |xihx| = b
1. (1.12)

Um exemplo de uma base contı́nua é a base dos vetores próprios6 do operador


posição, {|ri}. Nesta base
Z Z
|Ψi = dr |rihr|Ψi = dr |riΨ(r) . (1.13)

O objeto hr|Ψi ≡ Ψ(r) designa-se por função de onda do sistema (na base das co-
ordenadas) e representa a amplitude de probabilidade de encontrar o sistema em
r, ou melhor, |Ψ(r)|2 dr é a probabilidade de encontrar o sistema num elemento de
volume dr em torno de r. Se {|ui i} for uma base discreta do espaço dos estados do
sistema X
|Ψi = ci |ui i . (1.14)
i

Esta expansão do vetor estado pode ser “projetada” sobre os vetores {|ri}, daı́ re-
sultando X
hr|Ψi = ci hr|ui i , (1.15)
i

5
A estrutura |ϕi ihϕi | pode ser vista como um operador (ver secção seguinte) de projeção (um
projetor. . . ) que “extrai” de um certo vetor a parte que é paralela ao vetor |ϕi i. Se
X
|Ψi = ci |ϕi i
i

e
cj ≡ |ϕj ihϕj |
P
então
cj |Ψi = cj |ϕj i .
P
b2
Estes operadores verificam uma relação de idempotência, isto é, P ≡ P . Obviamente, também se
b

tem que P 1 − P = 0.
b b b
6
Definidos mais à frente. . .
1.1 Estados e notação de Dirac 9

que é habitualmente escrito como


X
Ψ (r) = ci ui (r) . (1.16)
i

Para obter os coeficientes da expansão (ci ), basta partir de 1.14 e multiplicar à


esquerda por huj |:
X
|Ψi = ci |ui i ⇔
i
X
⇔ huj |Ψi = ci huj |ui i ⇔
i

⇔ cj = huj |Ψi ⇔
Z
⇔ cj = dr huj |rihr|Ψi ⇔
Z
⇔ cj = dr u∗j (r)Ψ(r) . (1.17)

Esta expressão pode agora ser re-utilizada em 1.16:


X
Ψ (r) = ci ui (r)
i
X Z 
0
= dr u∗i 0 0
(r ) Ψ (r ) ui (r)
i
Z " #
X
= dr 0 Ψ (r 0 ) u∗i (r 0 ) ui (r) , (1.18)
i

o que permite escrever a relação de completude da base {|ui i} de uma outra forma:
X
u∗i (r 0 ) ui (r) = δ (r − r 0 ) , (1.19)
i

sendo δ (r − r 0 ) a função delta de Dirac.


As projeções de |Ψi sobre os vetores da base {|ui i} são a representação do vetor
nessa base e podem ser “organizados” sob a forma de uma matriz coluna:

  
hu1 |Ψi c1
|Ψi →  hu2 |Ψi  =  c2  . (1.20)
  
.. ..
. .

A representação do bra hΨ| nesta base será então uma matriz linha:

hΨ| → (hΨ|u1 i hΨ|u2 i · · · ) = (c∗1 c∗2 · · · ) . (1.21)


10 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

1.2 Operadores e observáveis


Um operador é um objeto que atua sobre os vetores estado, transformando-os
noutro vetor. Um operador linear A
b é um operador para o qual

b (ca |ai + cb |bi) = ca A|ai


A b , ∀ ca , cb ∈ C , ∀ |ai, |bi ∈ E
b + cb A|bi (1.22)

(E é o espaço dos estados do sistema). Este operador pode atuar também sobre um
bra:
(ca ha| + cb hb|) A
b = ca ha|A
b + cb hb|A
b , ∀ ca , cb ∈ C , ∀ ha|, hb| ∈ Ẽ . (1.23)
Numa base {|ui i}, a representação do operador A
b obtém-se notando que:

A|Ψi
b = |Φi ⇒
⇒hui |A|Ψi
b = hui |Φi ⇔
X
⇔ hui |A|u
b j ihuj |Ψi = hui |Φi (1.24)
j

e relembrando que huj |Ψi é um elemento de uma matriz coluna que é a representação
do vetor |Ψi nesta base. Assim, a expressão anterior pode ser lida como um produto
matricial e a representação do operador A b na base {|ui i} é uma matriz quadrada:
   
hu1 |A|u
b 1 i hu1 |A|u
b 2 i hu1 |A|u
b 3i · · · A11 A12 A13 · · ·
 hu |A|ub 1 i hu2 |A|u
b 2 i hu2 |A|u
b 3i · · ·   A21 A22 A23 · · · 
 
b→ 2
A  = , (1.25)
 hu3 |A|u
b 1 i hu3 |A|u b 3 i · · ·   A31 A32 A33 · · · 
b 2 i hu3 |A|u 

··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ···

onde Aij = hui |A|u


b j i. A identificação de hui |A|u
b j i como um elemento de uma matriz
Aij é ainda mais evidente se se olhar para um produto de operadores C b=A
bB:
b
X X
Cij = hui |C|u
b j i = hui |A b ji =
bB|u hui |A|u
b k ihuk |B|u
b ji = Aik Bkj (1.26)
k k

que facilmente se identifica como a expressão do produto de duas matrizes.


O elemento de matriz hΦ|A|Ψi b representa a projeção sobre |Φi do estado |Ψi
após este ter sido “transformado” pela ação do operador A. b Pode-se calcular este
elemento de matriz recorrendo à expansão dos dois estados na base {|ui i} (|Φi =
P P
i ai |ui i e |Ψi = i bi |ui i):
X X
hΦ|A|Ψi
b = hΦ|ui ihui |A|u
b j ihuj |Ψi = a∗i Aij bj . (1.27)
i,j i,j

b sobre um certo estado |Ψi gere um


Pode acontecer que a ação do operador A
vetor “paralelo” a |Ψi, isto é,
A|Ψi
b = λ|Ψi , (1.28)
1.2 Operadores e observáveis 11

em que λ é apenas uma constante de proporcionalidade complexa. Nesse caso, diz-


se que |Ψi é um vetor próprio do operador A b e que λ é o valor próprio associado
a esse vetor próprio. Os vetores próprios de um operador são então os vetores cuja
“direção” não é alterada quando são transformados pela ação do operador.
O adjunto de um operador A b é o operador Ab† tal que se |Φi = A|Ψi,
b então

hΦ| = hΨ|A . Das propriedades do produto escalar resulta que:
b

hΦ|A|Ψi
b = hΨ|Ab† |Φi∗ . (1.29)
 †  †
Daqui resulta que Ab† = A b e λAb = λ∗ Ab† .
Um operador A b diz-se hermı́tico quando A b† = A.
b Nesse caso, a relação 1.29 fica

hΦ|A|Ψi
b b ∗ , ∀ |Ψi, |Φi ∈ E .
= hΨ|A|Φi (1.30)

Então a matriz que representar um operador hermı́tico numa base {|ui i} terá
números reais na diagonal. Mais ainda: como

b ∗ = hΨ|A
hΨ|A|Ψi b† |Ψi = hΨ|A|Ψi
b (1.31)

implica que hΨ|A|Ψi


b é real e como os vetores próprios de A
b são aqueles para os quais

A|Ψi
b = λ|Ψi , (1.32)

então
hΨ|A|Ψi
b = λhΨ|Ψi (1.33)
implica que λ também é real. Isto significa que os valores próprios de um ope-
rador hermı́tico são reais. Pode-se ainda provar que vetores próprios de um
operador hermı́tico associados a valores próprios diferentes são ortogo-
nais, isto é: )
A|Ψi = λ|Ψi
b
⇒ hΦ|Ψi = 0 se λ 6= µ . (1.34)
A|Φi
b = µ|Φi
É frequente que haja mais do que um vetor próprio de um operador hermı́tico
com o mesmo valor próprio. Quando tal acontece, diz-se que esse valor próprio é
degenerado e define-se o grau de degenerescência gn como sendo o número de
vetores próprios diferentes (isto é, não paralelos) associados a esse valor próprio:

b ni i = an |Ψni i ,
A|Ψ i = 1, 2, . . . , gn . (1.35)

A valores próprios diferentes de um operador hermı́tico estarão associados vetores


próprios ortogonais entre si:

hΨni |Ψmj i = 0 , ∀ i = 1, . . . , gn , j = 1, . . . , gm desde que an 6= am . (1.36)


12 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Mas tal não acontece para vetores próprios associados ao mesmo valor próprio. No
entanto, é sempre possı́vel combinar linearmente os vetores próprios {|Ψni i , i = 1, 2, . . . , gn }
de modo a obter um conjunto de vetores ortogonais entre si. Então:

hΨni |Ψmj i = δij δnm , (1.37)

o que significa que é possı́vel construir um conjunto de vetores ortogonais entre si a


partir dos vetores próprios de um qualquer operador hermı́tico A. b Se este conjunto
de vetores for uma base do espaço dos estados do sistema, isto é, se qualquer vetor
do espaço dos estados se puder obter por combinação linear dos vetores próprios do
operador hermı́tico A,b diz-se que A b é um observável.
As grandezas fı́sicas mensuráveis são obviamente reais. Como o espectro (con-
junto dos valores próprios de um operador) de um observável é real e os seus ve-
tores próprios são suficientes para descrever qualquer possı́vel estado do sistema,
recorre-se a estes operadores para representar as grandezas fı́sicas.

Segundo postulado da Mecânica Quântica


Qualquer quantidade fı́sica mensurável é descrita por um operador linear
hermı́tico que atua no espaço dos estados do sistema e se designa por ob-
servável.

Como se viu atrás, qualquer estado do sistema se pode escrever como


gn
XX
|Φi = cni |Ψni i , (1.38)
n i=1

onde cni = hΨni |Φi. Daqui resulta que

gn
XX
A|Φi
b = cni an |Ψni i . (1.39)
n i=1

Esta relação interpreta-se recorrendo aos postulados da Mecânica Quântica relati-


vos ao processo de medida de uma grandeza fı́sica.

Terceiro postulado da Mecânica Quântica


Os únicos resultados possı́veis da medida de uma grandeza fı́sica são os valores
próprios do observável que a representa.
1.2 Operadores e observáveis 13

Quarto postulado da Mecânica Quântica


Quando a grandeza fı́sica A é medida num estado descrito pelo ket normalizado
|Φi, a probabilidade P(an ) de obter o valor próprio an do operador A
b que repre-
senta essa grandeza é:
gn
X
P(an ) = |hΨni |Φi|2
i=1

onde gn é o grau de degenerescência de an e {|Ψni i, i = 1, 2, . . . , gn } é um conjunto


de vetores ortonormados que forma uma base no subespaço associado ao valor
próprio an .

A ordem de aplicação de um produto de operadores a um vetor estado não é


indiferente. A multiplicação de dois operadores não é uma operação comutativa,
isto é, em geral:
 
AbB|ψi
b ≡ A(
b B|ψi)
b 6= B
b A|ψi
b . (1.40)

Define-se o comutador de dois operadores como sendo o operador

h i
A,
bB b =A
bBb−B
bAb. (1.41)

Diz-se que dois operadores comutam quando

h i
A,
bB b |ψi = 0 , ∀ |ψi ∈ E . (1.42)

Se A
beB b são dois operadores que comutam e |ψi é um estado próprio de A,
b então
B|ψi
b b com o mesmo valor próprio:
é também um estado próprio de A,

   
A|ψi
b = a|ψi ⇒ B
b A|ψi
b = aB|ψi
b ⇔A
bB|ψi
b = aB|ψi
b ⇔A
b B|ψi
b = a B|ψi
b . (1.43)

Se |ψi for um estado próprio degenerado, então B|ψi b será uma combinação linear
qualquer de todos os estados próprios com valor próprio (de A. b . . ) idêntico ao do
estado |ψi. Então, se |ψi e |φi forem estados próprios de A b com valores próprios
diferentes, hψ|B|φib = 0 pois, se A b e Bb comutam, B|φib será um estado próprio
de A com valor próprio idêntico ao de |φi. A matriz que representa B
b b na base
{|Ψni i, i = 1, 2, . . . , gn } de estados próprios de A
b terá a seguinte forma (assumindo
14 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

que g1 = 3, g2 = 2, g3 = 1, . . . ):

 
B11,11 B11,12 B11,13 B11,21 B11,22 B11,31 B11,41 ···
B12,11 B12,12 B12,13 B12,21 B12,22 B12,31 B12,41 ···
 
 
 

 B13,11 B13,12 B13,13 B13,21 B13,22 B13,31 B13,41 ··· 

b → Bni,mj
 B21,11 B21,12 B21,13 B21,21 B21,22 B21,31 B21,41 ··· 
B =
 


 B22,11 B22,12 B22,13 B22,21 B22,22 B22,31 B22,41 ··· 


 B31,11 B31,12 B31,13 B31,21 B31,22 B31,31 B31,41 ··· 

B41,11 B41,12 B41,13 B41,21 B41,22 B41,31 B41,41 ···
 
 
··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ···
 
B11,11 B11,12 B11,13 0 0 0 0 ···
B12,11 B12,12 B12,13 0 0 0 0 ···
 
 
 

 B13,11 B13,12 B13,13 0 0 0 0 ··· 

 0 0 0 B21,21 B21,22 0 0 ··· 
=  . (1.44)
 

 0 0 0 B22,21 B22,22 0 0 ··· 


 0 0 0 0 0 B31,31 0 ··· 

0 0 0 0 0 0 B41,41 ···
 
 
··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ···

A matriz é, portanto, diagonal por blocos, em que cada bloco é na realidade a
representação de B b no sub-espaço próprio associado a um dado valor próprio de
b É fácil imaginar uma operação de diagonalização “local” de cada bloco que leve
A.
Bni,mj à forma diagonal “perfeita”. Nesta operação para o bloco n, associado ao valor
b o que se está a obter é a mistura dos estados |Ψni i, i = 1, 2, . . . , gn
próprio an de A,
que leva ambas as matrizes (as representações de A b e B)
b a serem diagonais. Esta
operação não afeta, obviamente, a representação do operador A.b . . Isto quer então
dizer que, se dois operadores comutam, é sempre possı́vel construir uma base orto-
normada recorrendo a vetores próprios comuns aos dois operadores.

Um conjunto completo de observáveis que comutam é um conjunto de ob-


serváveis que comutam todos entre si e cujos valores próprios determinam univo-
camente um vetor próprio comum. Por outras palavras, os vetores próprios comuns
deste conjunto de observáveis são “únicos”, isto é, cada estado próprio distingue-
se claramente de todos os outros estados próprios pois, ainda que dois estados
possuam um conjunto largo de valores próprios comuns, haverá pelo menos um
observável do conjunto para o qual os dois estados estejam associados a valores
próprios diferentes.
1.3 Evolução temporal dos estados de um sistema 15

1.3 Evolução temporal dos estados de um sistema

Quinto postulado da Mecânica Quântica


A evolução temporal do estado descrito pelo vetor |Ψ(t)i é descrita pela equação
de Schrödinger:
d
i~ |Ψ(t)i = H(t)|Ψ(t)i
b
dt
onde H(t)
b é o hamiltoniano, o observável associado à energia total do sistema.

A equação de Schrödinger na representação das coordenadas (base {|ri}) fica:


d
i~ |Ψ(t)i = H(t)|Ψ(t)i
b ⇒
dt
d
⇒i~ hr|Ψ(t)i = hr|H(t)|Ψ(t)i
b ⇔
dt Z
d
⇔i~ Ψ(r, t) = dr 0 hr|H(t)|r
b 0
ihr 0 |Ψ(t)i ⇔
dt
Z
d
⇔i~ Ψ(r, t) = dr 0 H(r,
b r 0 , t)Ψ(r 0 , t) . (1.45)
dt
Se o hamiltoniano for um operador local na representação das coordenadas, isto é,
se
b r 0 , t) = H(r,
H(r, b t)δ(r − r 0 ) , (1.46)
então a equação de Schrödinger fica:
d b t)Ψ(r, t) .
i~
Ψ(r, t) = H(r, (1.47)
dt
Caso o hamiltoniano do sistema não dependa explicitamente do tempo, é possı́vel
separar as variáveis espaciais e temporais e escrever

Ψ(r, t) = ψ(r)f (t) , (1.48)

donde resulta que


d b t)Ψ(r, t) ⇔
i~ Ψ(r, t) = H(r,
dt
d
⇔i~ [ψ(r)f (t)] = H(r) b [ψ(r)f (t)] ⇔
dt
df (t) h i
⇔i~ ψ(r) = H(r)ψ(r) f (t) ⇔
b
dt
i~ dfdt(t) H(r)ψ(r)
b
⇔ = . (1.49)
f (t) ψ(r)
16 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Dado que o lado esquerdo da equação anterior só depende da coordenada temporal
e o lado direito só depende das coordenadas espaciais, a igualdade entre os dois
membros só pode ser satisfeita se ambos forem iguais a uma constante. Designe-se
essa constante por E. Então a equação de Schrödinger fica
( ( i
i~ dfdt(t) = Ef (t) f (t) = K e− ~ Et
⇔ (1.50)
H(r)ψ(r)
b = Eψ(r) H(r)ψ(r)
b = Eψ(r)

onde K é uma constante arbitrária. A segunda equação é claramente uma equação


de valores próprios e é conhecida como equação de Schrödinger independente
do tempo. As duas equações podem ser escritas de uma forma que torne mais
evidente o seu significado:
( i
Ψn (r, t) = ψn (r) e− ~ En t
(1.51)
H(r)ψ
b n (r) = En ψn (r)

sendo o ı́ndice n o ı́ndice que identifica os vetores e valores próprios. Como o ha-
miltoniano é um observável, qualquer estado do sistema se pode escrever como
combinação linear dos seus vetores próprios:
gn
i
XX
Ψ(r, t) = cnk ψnk (r) e− ~ En t (1.52)
n k=1

Os estados próprios do hamiltoniano são também designados por estados esta-


cionários, visto que:
g 2 gn
X n
i
2
X
|Ψn (r, t)| = cnk ψnk (r) e− ~ En t
= c∗nl cnk ψnl

(r)ψnk (r) ≡ |Ψn (r, 0)|2 (1.53)


k=1 k,l=1

é uma grandeza independente do tempo, o que já não sucede, por exemplo, com:
2
− ~i En t − ~i Em t 2 2
cnk ψnk (r) e +cml ψml (r) e = |cnk ψnk (r)| + |cml ψml (r)| +

i i
+ c∗nk cml ψnk

(r)ψml (r) e− ~ (Em −En )t +cnk c∗ml ψnk (r)ψml

(r) e− ~ (En −Em )t . (1.54)

1.4 Momento angular orbital


O operador momento angular orbital em Mecânica Quântica é:

L=r×p L = r × (−i~∇) , (1.55)

que, em coordenadas cartesianas, corresponde a


     
∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂
L = −i~x̂ y −z − i~ŷ z −x − i~ẑ x −y . (1.56)
∂z ∂y ∂x ∂z ∂y ∂x
1.4 Momento angular orbital 17

Em coordenadas polares esféricas, e atendendo a que



 x = r sin θ cos φ

y = r sin θ sin φ , (1.57)

z = r cos θ

e que 
∂ ∂ cos θ cos φ ∂ sin φ ∂


 ∂x
= sin θ cos φ ∂r + r ∂θ
− r sin θ ∂φ

∂ ∂ cos θ sin φ ∂ cos φ ∂
∂y
= sin θ sin φ ∂r + r ∂θ
+ r sin θ ∂φ
, (1.58)


∂ ∂ sin θ ∂


∂z
= cos θ ∂r − r ∂θ
vem   
∂ ∂


 L̂x = −i~ − sin φ ∂θ − cot θ cos φ ∂φ

  
L̂y = −i~ cos φ ∂
− cot θ sin φ ∂ . (1.59)
 ∂θ ∂φ


 L̂ = −i~ ∂

z ∂φ

Então
1 ∂2
  
2 2 1 ∂ ∂
L = L · L = −~ 2 2
+ sin θ . (1.60)
sin θ ∂φ sin θ ∂θ ∂θ
Os quatro operadores associados ao momento angular orbital acima apresenta-
dos obedecem às seguintes relações de comutação, como se pode facilmente compro-
var7 : h i
2
L , L̂i = 0 ∀ i = 1, 2, 3 (1.61)

e8 h i
L̂i , L̂j = i~ijk L̂k . (1.62)

Isto significa que é possı́vel escolher um (e apenas um) dos operadores L̂i para, com
L2 , formar um conjunto de observáveis de momento angular orbital que comutam.
A escolha convencionalmente recai em L̂3 ≡ L̂z .
Os vetores próprios comuns a ambos os operadores são as funções Y (θ, φ) que
satisfazem simultaneamente as equações

L2 Y (θ, φ) = αY (θ, φ) (1.63)

e
L̂z Y (θ, φ) = βY (θ, φ) , (1.64)
7
Os ı́ndices numéricos 1, 2, 3 indicam respetivamente, como é habitual, as componentes x, y e z
de um vetor.
8
O sı́mbolo de Levi-Civita ijk tem o valor +1 sempre que ijk seja uma permutação cı́clica dos
números 123 e o valor −1 sempre que não seja uma permutação cı́clica. Caso algum dos ı́ndices ijk
esteja repetido, o sı́mbolo de Levi-Civita tem o valor 0.
18 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

isto é,
1 ∂2
  
2 1 ∂ ∂
−~ 2 2
+ sin θ Y (θ, φ) = αY (θ, φ) (1.65)
sin θ ∂φ sin θ ∂θ ∂θ
e

− i~
Y (θ, φ) = βY (θ, φ) . (1.66)
∂φ
Para resolver estas equações vamos primeiro obter alguma informação sobre os
valores de α e β.

1.5 Momento angular generalizado


Partindo das relações de comutação 1.62, pode-se generalizar a definição de
momento angular para: um conjunto de operadores Jˆx , Jˆy e Jˆz quaisquer que
satisfaçam as relações de comutação
h i
Jˆi , Jˆj = i~ijk Jˆk . (1.67)

Define-se ainda um outro operador

J 2 = Jˆx2 + Jˆy2 + Jˆz2 , (1.68)

que satisfaz a relação de comutação


h i
J 2 , Jˆi = 0 ∀ i = 1, 2, 3 . (1.69)

Tal como no caso do momento angular orbital, as relações de comutação implicam


que não é possı́vel construir um conjunto de observáveis que comutam recorrendo
aos quatro operadores: é necessário escolher um (e apenas um) dos operadores Jˆi
para juntar a J 2 . Convencionalmente a escolha recai em Jˆ3 . Os operadores Jˆ1 e
Jˆ2 podem ser “substituı́dos”, com grande vantagem prática, como se verá mais à
frente, pelas seguintes combinações lineares:

Jˆ+ = Jˆ1 + iJˆ2 (1.70)


Jˆ− = Jˆ1 − iJˆ2 . (1.71)

Estes novos operadores satisfazem as relações de comutação


h i
Jˆz , Jˆ+ = ~Jˆ+ (1.72)
h i
Jˆz , Jˆ− = −~Jˆ− (1.73)
h i
J+ , J− = 2~Jˆz
ˆ ˆ (1.74)
h i
J 2 , Jˆ+ = 0 (1.75)
h i
2 ˆ
J , J− = 0 . (1.76)
1.5 Momento angular generalizado 19

É fácil ver ainda que:

Jˆ+ Jˆ− = Jˆx2 + Jˆy2 + ~Jˆz = J 2 − Jˆz2 + ~Jˆz (1.77)


Jˆ− Jˆ+ = Jˆx2 + Jˆy2 − ~Jˆz = J 2 − Jˆz2 − ~Jˆz (1.78)

donde se conclui que


1ˆ ˆ 
J+ J− + Jˆ− Jˆ+ + Jˆz2 .
J2 = (1.79)
2
Os valores próprios (α) de J 2 são obrigatoriamente positivos ou nulos, qualquer
que seja o momento angular generalizado, pois:

hΨ|J 2 |Ψi = hΨ|Jˆx2 |Ψi + hΨ|Jˆy2 |Ψi + hΨ|Jˆz2 |Ψi (1.80)


2 2 2
ˆ ˆ ˆ
= Jx |Ψi + Jy |Ψi + Jz |Ψi ≥ 0 . (1.81)

Podemos então escrever, sem perda de generalidade9 ,

α = j(j + 1)~2 (j ≥ 0) (1.82)

e também
β = m~ . (1.83)

Teremos então o seguinte conjunto de vetores próprios comuns a J 2 e Jˆz :

J 2 | · · · j mi = j(j + 1)~2 | · · · j mi (1.84)


Jˆz | · · · j mi = m~| · · · j mi . (1.85)

Estas equações são a forma generalizada das equações 1.63 e 1.64. Ora,
 2
Jˆ+ | · · ·
(
 j mi ≥ 0 h· · · j m|Jˆ+† Jˆ+ | · · · j mi ≥ 0

2 ⇔ ⇔
h· · · j m|Jˆ−† Jˆ− | · · · j mi ≥ 0

Jˆ− | · · ·
 j mi ≥ 0

( (
h· · · j m|Jˆ− Jˆ+ | · · · j mi ≥ 0 h· · · j m|J 2 − Jˆz2 − ~Jˆz | · · · j mi ≥ 0
⇔ ⇔ ⇔
h· · · j m|Jˆ+ Jˆ− | · · · j mi ≥ 0 h· · · j m|J 2 − Jˆz2 + ~Jˆz | · · · j mi ≥ 0
( (
j(j + 1)~2 − m2 ~2 − m~2 ≥ 0 −j − 1 ≤ m ≤ j
⇔ 2 2 2 2
⇔ . (1.86)
j(j + 1)~ − m ~ + m~ ≥ 0 −j ≤ m ≤ j + 1

Estas duas últimas inequações só são satisfeitas simultaneamente se:

−j ≤m≤j . (1.87)
9
Se esta expressão for entendida como uma equação em j para um dado valor de α, facilmente
se verifica que α ≥ 0 implica que a equação tem apenas uma raı́z positiva ou nula.
20 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Por outro lado,


2
ˆ
J− | · · · j − ji = j(j + 1)~2 − (−j)2 ~2 + (−j)~2 = 0 (1.88)

o que indica que Jˆ− | · · · j − ji é o vetor nulo. Haverá outros vetores nulos da forma
Jˆ− | · · · j mi, isto é, haverá outros valores de m (m 6= −j) para os quais
2
ˆ
J− | · · · j mi = 0 ? (1.89)

Vejamos

Jˆ− | · · · j mi = 0 ⇔ Jˆ+ Jˆ− | · · · j mi = 0 ⇔


 
⇔ J 2 − Jˆz2 + ~Jˆz | · · · j mi = 0 ⇔ j(j + 1)~2 − m2 ~2 + m~2 = 0 , (1.90)

que só tem uma solução no intervalo −j ≤ m ≤ j: m = −j. Mas isto significa que
Jˆ− | · · · j mi é um vetor não nulo se m > −j. Será este vetor ainda um vetor próprio
de J 2 e/ou Jˆz ? Como J 2 comuta com Jˆ− ,
   
J 2 Jˆ− | · · · j mi = Jˆ− J 2 | · · · j mi = j(j + 1)~2 Jˆ− | · · · j mi . (1.91)

Mas também
     
Jˆz Jˆ− | · · · j mi = Jˆ− Jˆz − ~Jˆ− | · · · j mi = (m − 1)~ Jˆ− | · · · j mi . (1.92)

Então Jˆ− | · · · j mi é um vetor próprio de J 2 e de Jˆz com valores próprios, respetiva-


mente, j(j + 1)~2 e (m − 1)~. A combinação deste resultado com a informação que já
possuı́mos sobre a norma do vetor Jˆ− | · · · j mi (equação 1.86),
2
ˆ
J− | · · · j mi = j(j + 1)~2 − m2 ~2 + m~2 = (j(j + 1) − m(m − 1)) ~2 , (1.93)

permite escrever:

Jˆ− | · · · j mi =
p
j(j + 1) − m(m − 1)~| · · · j m − 1i . (1.94)

Podemos proceder do mesmo modo para a análise de J+ | · · · j mi:


2
ˆ
J+ | · · · j ji = j(j + 1)~2 − j 2 ~2 − j~2 = 0 (1.95)

o que indica que Jˆ+ | · · · j ji é o vetor nulo. É o único vetor nulo obtido por ação de
Jˆ+ sobre os estados | · · · j mi, pois

Jˆ+ | · · · j mi = 0 ⇔ Jˆ− Jˆ+ | · · · j mi = 0 ⇔ j(j + 1)~2 − m2 ~2 − m~2 = 0 , (1.96)


1.5 Momento angular generalizado 21

que só tem uma solução no intervalo −j ≤ m ≤ j: m = j. Este vetor é um vetor


próprio de J 2 e Jˆz com valores próprios, respetivamente, j(j + 1)~2 e (m + 1)~, pois
   
2 ˆ ˆ 2 2 ˆ
J J+ | · · · j mi = J+ J | · · · j mi = j(j + 1)~ J+ | · · · j mi (1.97)
e
     
ˆ ˆ ˆ ˆ ˆ ˆ
Jz J+ | · · · j mi = J+ Jz + ~J+ | · · · j mi = (m + 1)~ J+ | · · · j mi . (1.98)

Do mesmo modo que para Jˆ− | · · · j mi, podemos agora deduzir que
Jˆ+ | · · · j mi = j(j + 1) − m(m + 1)~| · · · j m + 1i .
p
(1.99)
Podemos combinar este resultado com o obtido em 1.94:
p
Jb± |j mi = ~ j(j + 1) − m(m ± 1)|j m ± 1i .
Juntando agora toda a informação de que dispomos, facilmente se vê que, par-
tindo de um vetor não nulo | · · · j mi, se pode gerar a sequência de p + 1 vetores
próprios de J 2 e Jˆz
 p
| · · · j mi , Jˆ− | · · · j mi , . . . , Jˆ− | · · · j mi , (1.100)
em que p é um número inteiro não pnegativo tal que −j ≤ m − p < −j + 1. Os valores
próprios associados ao vetor Jˆ− | · · · j mi são, obviamente, j(j + 1)~2 e (m − p)~.
Ora, ou este vetor é o vetor nulo, e nesse caso m − p = −j, ou é ainda possı́vel
p+1
obter o vetor Jˆ− | · · · j mi. Mas nesse caso m − p > −j, e como, por hipótese,
−j ≤ m − p < −j + 1, este novo vetor próprio seria ou o vetor nulo ou um vetor não
nulo associado ao valor próprio (m − p − 1)~. Ambos os casos são impossı́veis pois
só é possı́vel obter um vetor nulo por ação de Jˆ− (o vetor Jˆ− | · · · j − ji) e m ≥ −j.
Então m − p = −j. Podemos replicar este argumento substituindo Jˆ− por Jˆ+ . A
conclusão a que chegarı́amos é que existe um número inteiro não negativo q tal que
m + q = j. Combinando estes dois resultados vem:
p + q = 2j , (1.101)
o que implica, visto que p e q são número inteiros não negativos (isto é, positivos ou
nulos), que j é um número positivo inteiro ou semi-inteiro:
1 3 5
j = 0, , 1, , 2, , . . . (1.102)
2 2 2
Outra conclusão que se pode tirar da análise que acabámos de fazer é que os valores
próprios m~ de Jˆz terão de ser, para um dado valor de j:
m~ = −j~, (−j + 1)~, (−j + 2)~, . . . , (j − 1)~, j~ , (1.103)
 p
pois só assim se pode garantir que as séries Jˆ± | · · · j mi terminem nos vetores
| · · · j ± ji, respetivamente.
22 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

1.6 Harmónicos esféricos


Estamos agora em condições de regressar às equações 1.65 e 1.66. As soluções
da equação 1.65 podem-se escrever, sem perda de generalidade, como

Y (θ, φ) = P (θ)Φ(φ) . (1.104)

Com esta fatorização, Φ(φ) são as soluções da equação 1.66, que são, obviamente,
da forma
Φ(φ) = C eiβφ/~ . (1.105)
Como o domı́nio de φ é [0, 2π] e a função de onda tem de ser uma função contı́nua,

C eiβφ/~ = C eiβ(φ+2π)/~ ⇔ 2πβ/~ = m×2π (m ∈ Z) ⇔ β = m~ (m ∈ Z) . (1.106)

Juntando a esta condição para os valores próprios a imposição que o vetor próprio
esteja normalizado, isto é, que
Z 2π
dφ |Φ(φ)|2 = 1 , (1.107)
0
vem
1
Φm (φ) = √ eimφ (m ∈ Z) . (1.108)

A fatorização 1.104 permite re-escrever 1.65 da seguinte forma:
1 ∂2
  
2 1 ∂ ∂ 1 1
−~ 2 2
+ sin θ P (θ) √ eimφ = αP (θ) √ eimφ ⇔
sin θ ∂φ sin θ ∂θ ∂θ 2π 2π
2
  
m 1 ∂ ∂
⇔ −~2 − 2 + sin θ P (θ) = αP (θ) (1.109)
sin θ sin θ ∂θ ∂θ
Conjugando o resultado obtido em 1.106 (m é um número inteiro. . . ) com 1.102 e
1.103, conclui-se que
α = `(` + 1)~2 (1.110)
onde ` é um número inteiro positivo ou nulo. A equação 1.109 fica então:
m2
  
1 ∂ ∂
− 2 + sin θ P (θ) = −`(` + 1)P (θ) . (1.111)
sin θ sin θ ∂θ ∂θ
As soluções desta equação quando ` é um número inteiro positivo ou nulo são os po-
linómios associados de Legendre P`m (cos θ). Na convenção de Condon e Shor-
tley, os polinómios associados de Legendre obtêm-se a partir dos polinómios de
Legendre P` (x) da seguinte forma:
m/2 dm
P`m (x) = (−1)m 1 − x2 P` (x) (1.112)
dxm
(−1)m m/2 d`+m `
= 1 − x2 x 2
− 1 . (1.113)
2` `! dx`+m
1.6 Harmónicos esféricos 23

` m P`m (cos θ)
0 0 1
1
1 −1 sin θ
2
1 0 cos θ
1 1 − sin θ
1 2
2 −2 sin θ
8
1
2 −1 sin θ cos θ
2
1
3 cos2 θ − 1

2 0
2
2 1 −3 sin θ cos θ
2 2 3 sin2 θ

Tabela 1.1: Alguns dos polinómios associados de Legendre de ordem mais baixa.

Combinando estas soluções com as soluções para os estados próprios de L̂z ,


obtêm-se os harmónicos esféricos, que são as funções próprias dos operadores
de momento angular orbital L2 e L̂z :
s
2` + 1 (` − m)! m
Y`m (θ, φ) = (−1)m P` (cos θ) eimφ , (1.114)
4π (` + m)!

onde a constante de normalização é escolhida de tal modo que


Z 2π Z π
0 ∗
dφ dθ sin θ Y`m m
0 (θ, φ) Y` (θ, φ) = δm m0 δ` `0 . (1.115)
0 0

Os harmónicos esféricos possuem algumas propriedades que serão úteis mais


tarde, nomeadamente:
[Y`m (θ, φ)]∗ = (−1)m Y`−m (θ, φ) (1.116)

e
Y`m (π − θ, π + φ) = (−1)` Y`−m (θ, φ) , (1.117)

que corresponde à inversão de coordenadas (r −r).


É comum recorrer aos chamados harmónicos esféricos reais, que não são
mais do que combinações lineares dos harmónicos esféricos que resultam em funções
24 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

` m Y`m (θ, φ)
r
1
0 0

r
3
1 0 cos θ

r
3
1 ±1 ∓ sin θ e±iφ

r
5
3 cos2 θ − 1

2 0
16π
r
15
2 ±1 ∓ sin θ cos θ e±iφ

r
15
2 ±2 sin2 θ e±2iφ
32π
r
7
5 cos3 θ − 3 cos θ

3 0
16π
r
21
sin θ 5 cos2 θ − 1 e±iφ

3 ±1 ∓
64π
r
105
3 ±2 sin2 θ cos θ e±2iφ
32π
r
35
3 ±3 ∓ sin3 θ e±3iφ
64π

Tabela 1.2: Alguns dos harmónicos esféricos de ordem mais baixa.

Figura 1.1: As duas figuras mais à esquerda são duas representações diferentes
do mesmo harmónico esférico, a parte real de Y21 (θ, φ). Na figura do centro, a
função é projetada sobre uma esfera unitária para evidenciar o carácter direcio-
nal do harmónico esférico. A figura da direita mostra, na mesma projeção sobre a
esfera, a parte real de Y52 (θ, φ).
1.7 Adição de momentos angulares 25

` m Designação Y`,m (θ, φ) Y`,m (x, y, z)


r r
1 1
0 0 s
4π 4π
r r
3 3 x
1 1 px sin θ cos φ
4π 4π r
r r
3 3 y
1 −1 py sin θ sin φ
4π 4π r
r r
3 3 z
1 0 pz cos θ
4π 4π r
r r
15 15 xy
2 −2 dxy sin2 θ cos φ sin φ
4π 4π r2
r r
15 15 yz
2 −1 dyz sin θ cos θ sin φ
4π 4π r2
r r
5 15 2z 2 − x2 − y 2
3 cos2 θ − 1

2 0 dz 2
16π 4π r2
r r
15 15 xz
2 1 dxz sin θ cos θ cos φ
4π 4π r2
r r
15 15 x2 − y 2
sin2 θ cos2 φ − sin2 φ

2 2 dx2 −y2
16π 4π r2

Tabela 1.3: Alguns dos harmónicos esféricos reais de ordem mais baixa.

reais:

√i Y`m (θ, φ) − (−1)m Y`−m (θ, φ)
 


 2
se m < 0

Y`,m (θ, φ) = Y`m (θ, φ) se m = 0 (1.118)


√1 Y −m (θ, φ) + (−1)m Y m (θ, φ)
 
se m > 0


2 ` `

São estes os harmónicos esféricos habitualmente identificados com as orbitais atómicas


(px , py , dxy , etc.).

1.7 Adição de momentos angulares


Nalgumas situações é preciso incluir termos no hamiltoniano que envolvem
vários momentos angulares diferentes, seja porque são os momentos angulares de
partı́culas diferentes, seja porque são dois tipos diferentes de momento angular da
mesma partı́cula. Nesse casos é geralmente conveniente mudar de uma base for-
mada pelos vetores próprios dos operadores Ji2 e Jbiz (e de outros operadores com os
26 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Figura 1.2: Representação dos harmónicos esféricos reais em que a distância ao


centro de cada figura indica o módulo do valor de Y`,m (θ, φ) nessa direção. As figuras
são coloridas de acordo com o valor de Y`,m (θ, φ). Na primeira linha encontram-se
os harmónicos esféricos reais para ` = 0, na segunda os harmónicos esféricos reais
para ` = 1, etc. Em cada linha, os harmónicos esféricos reais estão ordenados, da
esquerda para a direita, por valor crescente de m = −`, −` + 1, . . . , ` − 1, `.
1.7 Adição de momentos angulares 27

quais se construa o conjunto completo de observáveis que comutam) para uma base
em que os vetores são vetores próprios do momento angular total. No caso de se
terem de considerar dois tipos diferentes de momento angular (orbital e intrı́nseco)
da mesma partı́cula, os vetores próprios “convencionais” da base serão da forma

{|k ` m` i ⊗ |s ms i} (1.119)

em que ` e m` são os valores próprios dos operadores associados ao momento an-


gular orbital, L2 e L bz , s e ms são os valores próprios dos operadores associados ao
momento angular intrı́nseco (spin), S 2 e Sbz , e k representa o conjunto de valores
próprios associados a todos os outros operadores que formam com os momentos an-
gulares um conjunto completo de observáveis que comutam. O sı́mbolo ⊗ indica que
o espaço dos estados do sistema é na realidade um espaço que resulta do produto
tensorial de dois espaços vetoriais distintos. Os operadores de spin atuam num dos
espaços (o “espaço das coordenadas de spin”) e todos os outros operadores atuam no
outro espaço vetorial (o “espaço das coordenadas espaciais”)10 . No caso de termos
momentos angulares orbitais de partı́culas diferentes, os vetores próprios serão da
forma
{|k1 `1 m`1 i ⊗ |k2 `2 m`2 i} (1.120)
em que ki representa o conjunto dos outros valores próprios associados ao estado
da partı́cula i.
Para unificar as duas situações apresentadas e generalizar o que se segue, vai-se
utilizar a notação
{|k1 j1 m1 i ⊗ |k2 j2 m2 i} (1.121)
sendo assim ji e mi os valores próprios associados a dois momentos angulares quais-
quer. O momento angular total será

J = J1 ⊗ b 11 ⊗ J2
12 + b (1.122)

que será simplesmente escrito como

J = J1 + J2 . (1.123)

As componentes cartesianas do momento angular total são

Jbi = Jb1i + Jb2i , (1.124)


10 bz ⊗ b
Devia-se por isso escrever os operadores da seguinte forma: Lbz L 1spin e Sbz 1espacial ⊗ L
b bz ,
sinalizando assim que os operadores atuam apenas na “parte” do vetor que está no espaço vetorial
em que esse operador particular está definido. Para simplificar a notação, é habitual omitir os
operadores identidade, mas convém ter presente que os operadores, em geral, não atuam nos dois
espaços vetoriais, embora haja operadores que estão definidos no espaço produto.
28 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

e11
J 2 = (J1 + J2 )2 = J12 + J22 + 2J1 · J2 . (1.125)
Obviamente, 1.124 implica que
h i
Jbi , Jbj = i~ijk Jbk , (1.126)

o que significa que apenas se pode considerar um dos operadores Jbi para construir
um conjunto completo de observáveis que comutam. A escolha recai, como é habi-
tual, em Jb3 ≡ Jbz . Ora,
h i h i h i h i h i
2 2 2
Jz , J1z = Jz , J2z = Jz , J = Jz , J2 = Jz , J1 = 0 ,
b b b b b b b (1.127)

o que significa que este operador se pode adicionar diretamente ao conjunto inicial
de observáveis que comutam. No entanto
h i h i
J 2 , Jb1z = J12 + J22 + 2J1 · J2 , Jb1z =
h i h i h i h i h i
= J12 , Jb1z + J22 , Jb1z + 2 Jb1x Jb2x , Jb1z + Jb1y Jb2y , Jb1z + Jb1z Jb2z , Jb1z =
h i h i h i 
= 2 J1x , J1z J2x + J1y , J1z J2y + J1z , J1z Jb2z =
b b b b b b b b
 
= 2i~ −Jb1y Jb2x + Jb1x Jb2y . (1.128)

Também se verifica facilmente que


h i  
J 2 , Jb2z = 2i~ −Jb1x Jb2y + Jb1y Jb2x , (1.129)

o que indica que J 2 não pode ser adicionado ao conjunto de observáveis que comu-
tam a menos que desse conjunto sejam retirados Jb1z e Jb2z . Ficamos então com dois
conjuntos possı́veis de observáveis de momento angular que comutam:
n o
J12 , Jb1z , J22 , Jb2z (1.130)

ou n o
2 2 2 b
J1 , J2 , J , Jz . (1.131)
O conjunto de vetores próprios associado ao primeiro forma a base

{|k1 j1 m1 i ⊗ |k2 j2 m2 i} (1.132)

que será doravante designada por

{|j1 m1 j2 m2 i} (1.133)
11
Como J1 e J2 atuam em espaços vetoriais diferentes, [J1 , J2 ] = 0.
1.7 Adição de momentos angulares 29

para simplificar a notação. Os vetores próprios associados ao segundo conjunto de


observáveis formam a base
{|j1 j2 J M i} (1.134)
em que
J 2 |j1 j2 J M i = J(J + 1)~2 |j1 j2 J M i (1.135)
e
Jbz |j1 j2 J M i = M ~|j1 j2 J M i (1.136)
com M = −J, −J + 1, . . . , J − 1, J. Ambas as bases cobrem o mesmo espaço vetorial,
logo o número de vetores em cada uma delas tem de ser idêntico. Para j1 e j2 fixos,
esse número é
N = (2j1 + 1)(2j2 + 1) . (1.137)
Ora, claramente se vê da definição de Jbz que

M = m1 + m2 , (1.138)

havendo portanto 2 (j1 + j2 ) + 1 valores distintos de M . Como 2 (j1 + j2 ) + 1 ≤ (2j1 +


1)(2j2 + 1), isto indica que poderá haver alguns valores de M que estão “repetidos”,
isto é, poderá haver vetores na base associados a valores diferentes de J embora
tenham o mesmo valor próprio de Jbz . Pode também acontecer que haja vetores na
base que sejam simultaneamente degenerados em Jbz e J 2 .
Sem perda de generalidade, assuma-se que os ı́ndices 1 e 2 são escolhidos de
tal modo que j1 ≥ j2 . O valor máximo que M pode assumir é M = j1 + j2 , visto
Jbz = Jb1z + Jb2z e o valor máximo de m1 (m2 ) ser j1 (j2 ). Este valor de M só ocorre uma
vez, o que significa que o valor máximo de J é j1 + j2 e que o estado

|j1 j2 J = j1 + j2 M = j1 + j2 i (1.139)

não é degenerado. O mesmo já não se pode dizer quando M = j1 + j2 − 1, visto


que este estado pode ser obtido de duas maneiras diferentes: ou m1 = j1 e m2 =
j2 − 1 ou m1 = j1 − 1 e m2 = j2 , exceto quando j1 e/ou j2 são inferiores a 1. Para
M = j1 + j2 − 2 haveria 3 possibilidades. Facilmente se conclui então que o grau de
degenerescência gM aumenta de uma unidade sempre que M desce uma unidade,
desde que nem j1 nem j2 sejam inferiores a gM − 1. Ora, como j1 ≥ j2 , isto significa
que o raciocı́nio acima exposto se aplica para

M = j1 + j2 , j1 + j2 − 1, . . . , j1 − j2 , (1.140)

pois, quando M = j1 − j2 , as possibilidades de conjugar m1 e m2 para que m1 + m2 =


M são
30 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

m1 m2
j1 −j2
j1 − 1 −j2 + 1
j1 − 2 −j2 + 2
··· ···
j1 − (2j2 − 1) j2 − 1
j1 − 2j2 j2

Resulta bem claro que o grau de degenerescência gM é então

M gM
j1 + j2 1
j1 + j2 − 1 2
j1 + j2 − 2 3
··· ···
j1 − j2 + 1 2j2
j1 − j2 2j2 + 1

O que acontece quando M < j1 − j2 ? A resposta é simples: como não é possı́vel


considerar mais do que 2j2 +1 valores de m2 diferentes, gM mantém-se igual a 2j2 +1
desde que M ≥ −j1 + j2 , pois quando M = −j1 + j2 os valores possı́veis de m1 e m2
são

m1 m2
−j1 j2
−j1 + 1 j2 − 1
−j1 + 2 j2 − 2
··· ···
−j1 + 2j2 − 1 −j2 + 1
−j1 + 2j2 −j2

Para M < −j1 + j2 sucede o inverso do que foi exposto acima: sempre que M
desce uma unidade, o grau de degenerescência desce também uma unidade até
que se atinge o valor mı́nimo de M (M = −j1 − j2 ), que é de novo um estado não
degenerado em M . A tabela com os graus de degenerescência fica então
1.7 Adição de momentos angulares 31

M gM
j1 + j2 1
j1 + j2 − 1 2
j1 + j2 − 2 3
··· ···
j1 − j2 + 1 2j2
j1 − j2 2j2 + 1
j1 − j2 − 1 2j2 + 1
j1 − j2 − 2 2j2 + 1
··· ···
−j1 + j2 + 1 2j2 + 1
−j1 + j2 2j2 + 1
−j1 + j2 − 1 2j2
−j1 + j2 − 2 2j2 − 1
··· ···
−j1 − j2 + 1 2
−j1 − j2 1

O número N de estados diferentes listados na tabela anterior é fácil de obter:

j1 +j2 j1 +j2 j1 −j2


X X X
N= gM = 2 × gM + gM =
M =−j1 −j2 M =j1 −j2 +1 M =−j1 +j2
2j2 + 1
=2× × 2j2 + (2j2 + 1) × (2j1 − 2j2 + 1) =
2
= (2j1 + 1) × (2j2 + 1) (1.141)

que coincide, como não podia deixar de ser, com o número de estados identificado em
1.137. Resta agora encontrar os diferentes valores de J associados a este conjunto
de valores de M . Como não há qualquer valor de M superior a j1 + j2 , o maior valor
de J possı́vel é precisamente J = j1 + j2 e só há um conjunto de estados com este
valor de J (os estados |j1 j2 J = j1 + j2 M = J, . . . , −Ji), pois gj1 +j2 = 1. Baixando
em uma unidade o valor de M , encontramos dois estados possı́veis. Com estes
dois estados é possı́vel formar apenas duas combinações lineares independentes.
Uma delas será o estado |j1 j2 J = j1 + j2 M = j1 + j2 − 1i. A outra combinação
linear destes estados terá portanto de fazer parte de um outro conjunto de estados:
|j1 j2 J = j1 + j2 − 1 M = J, . . . , −Ji. Pode-se prosseguir raciocinando desta forma
enquanto gM crescer com a diminuição de M , isto é, até M = j1 − j2 . Daı́ em diante
todos os estados estão já associados a um certo valor de J. Ou seja, os valores
32 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

possı́veis para J são:

J = j1 + j2 , j1 + j2 − 1, . . . , j1 − j2 + 1, j1 − j2 . (1.142)

Tem-se assumido até aqui que j1 ≥ j2 . Se j2 ≥ j1 , concluir-se-ia que

J = j1 + j2 , j1 + j2 − 1, . . . , j2 − j1 + 1, j2 − j1 . (1.143)

Estas duas relações podem-se escrever conjuntamente da seguinte forma:

j1 + j2 ≥ J ≥ |j1 − j2 | , (1.144)

que é a conhecida regra do triângulo. Tendo identificado os valores próprios


possı́veis para J 2 e Jbz , resta obter os vetores próprios. É claro que qualquer dos
vetores da base
{|j1 j2 J M i} (1.145)
se pode escrever como uma combinação linear dos vetores da base

{|j1 m1 j2 m2 i} (1.146)

pois estas duas bases cobrem o mesmo espaço vetorial. Isto é, como

j1 j2
X X
|j1 m1 j2 m2 ihj1 m1 j2 m2 | =
m1 =−j1 m2 =−j2
j1 +j2 J
X X
= |j1 j2 J M ihj1 j2 J M | = b
1 , (1.147)
J=|j1 −j2 | M =−J

então
j1 j2
X X
|j1 j2 J M i = |j1 m1 j2 m2 ihj1 m1 j2 m2 |j1 j2 J M i . (1.148)
m1 =−j1 m2 =−j2

A relação inversa também obviamente se verifica


j1 +j2 J
X X
|j1 m1 j2 m2 i = |j1 j2 J M ihj1 j2 J M |j1 m1 j2 m2 i . (1.149)
J=|j1 −j2 | M =−J

Os números hj1 m1 j2 m2 |j1 j2 J M i são designados por coeficientes de Clebsch-


Gordan. Determinar os vetores da base {|j1 j2 J M i} é equivalente a calcular os
coeficientes de Clebsch-Gordan. Para simplificar a notação é costume omitirem-
se j1 e j2 em |j1 j2 J M i, representando-se os coeficientes de Clebsch-Gordan por
hj1 m1 j2 m2 |J M i.
1.7 Adição de momentos angulares 33

Do que está para trás, é fácil concluir que

hj1 m1 j2 m2 |J M i = 0 (1.150)

a não ser que (


M = m1 + m2
. (1.151)
|j1 − j2 | ≤ J ≤ j1 + j2
Há um coeficiente de Clebsch-Gordan que é fácil de calcular pois,

|j1 + j2 j1 + j2 i = eiα |j1 j1 j2 j2 i com α ∈ R , (1.152)

visto que só há uma maneira de obter M = j1 + j2 . Então

hj1 j1 j2 j2 |j1 + j2 j1 + j2 i = eiα com α ∈ R . (1.153)

Se se introduzirem as seguintes convenções de fase


(
hj1 m1 j2 m2 |J M i ∈ R
, (1.154)
hj1 j1 j2 J − j1 |J Ji = hJ J|j1 j1 j2 J − j1 i ≥ 0
conclui-se que
hj1 j1 j2 j2 |j1 + j2 j1 + j2 i = 1 , (1.155)
ou seja,
|j1 + j2 j1 + j2 i = |j1 j1 j2 j2 i ., (1.156)
A partir deste estado é fácil obter todos os outros estados |j1 + j2 M i, pois basta
recorrer aos operadores escada:
 
J− |j1 + j2 j1 + j2 i = J1− + J2− |j1 j1 j2 j2 i ⇔
b b b
p
⇔ (j1 + j2 ) (j1 + j2 + 1) − (j1 + j2 ) (j1 + j2 − 1)~|j1 + j2 j1 + j2 − 1i =
p
= j1 (j1 + 1) − j1 (j1 − 1)~|j1 j1 − 1 j2 j2 i+
p
+ j2 (j2 + 1) − j2 (j2 − 1)~|j1 j1 j2 j2 − 1i , (1.157)

o que significa que

hj1 j1 − 1 j2 j2 |j1 + j2 j1 + j2 − 1i =
s s
j1 (j1 + 1) − j1 (j1 − 1) j1
= = (1.158)
(j1 + j2 ) (j1 + j2 + 1) − (j1 + j2 ) (j1 + j2 − 1) j1 + j2
e que

hj1 j1 j2 j2 − 1|j1 + j2 j1 + j2 − 1i =
s s
j2 (j2 + 1) − j2 (j2 − 1) j2
= = . (1.159)
(j1 + j2 ) (j1 + j2 + 1) − (j1 + j2 ) (j1 + j2 − 1) j1 + j2
34 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

O estado |j1 + j2 j1 + j2 − 2i obtém-se aplicando mais uma vez o operador escada. . .


Para obter o estado |j1 + j2 − 1 j1 + j2 − 1i basta reparar que este terá de ser
uma combinação linear dos estados |j1 j1 − 1 j2 j2 i e |j1 j1 j2 j2 − 1i, visto só assim se
conseguir que M = j1 + j2 − 1. Como o estado |j1 + j2 j1 + j2 − 1i é uma combinação
linear dos mesmos estados e

hj1 + j2 j1 + j2 − 1|j1 + j2 − 1 j1 + j2 − 1i = 0 , (1.160)

basta recorrer a esta condição de ortogonalização, à normalização do estado e às


convenções de fase para obter os coeficientes de Clebsch-Gordan

hj1 j1 − 1 j2 j2 |j1 + j2 − 1 j1 + j2 − 1i (1.161)

e
hj1 j1 j2 j2 − 1|j1 + j2 − 1 j1 + j2 − 1i . (1.162)

Os estados |j1 + j2 − 1 M i para M < j1 + j2 − 1 obtêm-se recorrendo aos operadores


escada.
O procedimento acima descrito permite assim obter todos os coeficientes de
Clebsch-Gordan. O resultado final destas operações costuma ser apresentado sob a
forma de uma tabela contendo apenas os coeficientes não nulos.

1.8 Método variacional


Nem sempre é fácil/possı́vel resolver a equação de Schrödinger independente do
tempo exatamente. Muito frequentemente é necessário recorrer a soluções aproxi-
madas. . . Um dos métodos mais comuns de aproximação à solução exata é o cha-
mado método variacional. Seja, por hipótese, {|ni , n = 0, 1, 2 . . .} a base formada
pelos estados próprios do hamiltoniano do sistema:

H|ni
b = En |ni (1.163)

(com E0 ≤ E1 ≤ E2 . . .) e seja |ψi um estado arbitrário do espaço de estados do


sistema. Como {|ni} é uma base neste espaço, o estado |ψi pode ser expandido nos
vetores da base:
X
|ψi = cn |ni . (1.164)
n

O valor expectável do hamiltoniano no estado |ψi pode ser calculado através de:
X
hHi
b = hψ|H|ψi
b = |cn |2 En . (1.165)
n
1.8 Método variacional 35

Ora,
X X
|cn |2 En ≥ |cn |2 E0 , (1.166)
n n

e, obviamente,
X
|cn |2 E0 = E0 . (1.167)
n

Então
hHi
b = hψ|H|ψi
b ≥ E0 , ∀ |ψi ∈ E . (1.168)

Isto quer dizer que, qualquer que seja o estado escolhido, o valor expectável do
hamiltoniano nunca será inferior à energia (exata) do estado de menor energia
do sistema. Pode-se então desenhar um processo de busca do estado fundamental
“exato” assente na busca do estado para o qual o valor expectável do hamiltoniano
seja mı́nimo:

1. Escolher uma forma funcional para a função de onda do estado fundamen-


tal. Esta escolha é, na realidade, um palpite baseado na análise do sistema
(simetrias, forma assintótica das soluções, etc.).

2. Introduzir na forma escolhida para a função de onda um conjunto de parâmetros


livres. Por exemplo, se se escolher a função sin(x) para a função de onda do
estado fundamental, deve-se escrever o palpite como sin(αx).

3. Calcular o valor expectável do hamiltoniano para a função de ensaio. Para o


exemplo anterior, seria:
R
b = hψ|H|ψi = dx sin(αx)H
b b sin(αx)
hHi R ≡ E(α) .
hψ|ψi dx sin(αx)2

O denominador da expressão anterior permite trabalhar com funções de en-


saio não previamente normalizadas.

4. Determinar o valor dos parâmetros livres que minimizam o valor expectável


do hamiltoniano. No exemplo anterior, ter-se-ia de resolver em ordem a α a
equação:
d
E(α) = 0

(garantindo que as soluções encontradas correspondiam a mı́nimos da função
E(α)).

Pode-se mostrar que este método conduz ao estado fundamental do sistema ana-
lisando o impacto de variações da função de ensaio no valor expectável calculado.
36 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

O valor expectável do hamiltoniano é dado por:

hψ|H|ψi
b
hHi
b = ⇔ hψ|ψihHi
b = hψ|H|ψi
b (1.169)
hψ|ψi
Calculando a variação desta equação quando |ψi varia, resulta em:
   
δ hψ|ψihHi = δ hψ|H|ψi ⇔
b b

⇔ hδψ|ψihHi
b + hψ|δψihHi
b + hψ|ψiδhHi
b = hδψ|H|ψi
b + hψ|H|δψi
b ⇔
   
⇔ hψ|ψiδhHi
b = hδψ| Hb − hHi
b |ψi + hψ| Hb − hHi
b |δψi ⇔

⇔ hψ|ψiδhHi
b = hδψ|φi + hφ|δψi (1.170)
 
onde |φi = H b − hHib |ψi. Esta expressão relaciona a variação no valor expectável
do hamiltoniano com variações da função de ensaio. O método variacional con-
siste precisamente em variar a função de ensaio (variando os parâmetros livres ou
substituindo-a por outra forma funcional) e calcular o resultado dessa variação no
valor expectável do hamiltoniano. O processo de busca de uma solução termina
quando já não é possı́vel melhorar a solução entretanto encontrada, isto é, quando
qualquer variação da função de ensaio não conduz a diminuição do valor expectável
do hamiltoniano (δhHi b = 0). Quando isto ocorre:

hδψ|φi + hφ|δψi = 0 , ∀ |δψi . (1.171)

A igualdade acima é obviamente verificada para o caso particular |δψi = λ|φi:


 
2< (λ) hφ|φi = 0 ⇔ |φi = 0 ⇔ Hb − hHi
b |ψi = 0 ⇔ H|ψi
b = hHi|ψi
b , (1.172)

o que indica que a impossibilidade de melhorar uma solução é equivalente a encon-


trar uma solução exata, pois o valor expectável encontrado é um valor próprio do
hamiltoniano (e é o mais baixo destes, por via do processo de busca).

1.9 Teoria de perturbações independente do tempo


Um outro método de aproximação à equação de Schrödinger independente do
tempo assenta na partição do hamiltoniano em dois:

H b (0) + H
b =H b (1) . (1.173)

b (0) ,
Assume-se que se conhece a solução exata do hamiltoniano H

b (0) |ψ (0) i = E (0) |ψ (0) i


H (1.174)
n n n
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo 37

e procura-se a solução de
b n i = En |ψn i
H|ψ (1.175)
introduzindo Hb (1) como uma perturbação do sistema que conduz a uma correção
b (0) . O método só funcionará se essa correção
aos valores e vetores próprios de H
for pequena... Note-se que este método difere do método variacional num aspeto
fundamental: não há qualquer garantia que a correção seja no sentido de
diminuir a energia!

1.9.1 Expansão de Rayleigh-Schrödinger


Re-escreva-se o hamiltoniano completo (exato) da seguinte forma:

H b (0) + λH
b =H b (1) , (1.176)

onde o parâmetro λ serve dois propósitos em simultâneo: i) é um parâmetro real


cujo valor varia de 0 (sistema não perturbado) até 1 (perturbação “plena”); ii) é um
“truque” para facilmente identificarmos termos correspondentes a ordens diferen-
tes numa eventual expansão em série. Do mesmo modo, escrevam-se as soluções
do hamiltoniano exato como:

|ψn i = |ψn(0) i + λ|ψn(1) i + λ2 |ψn(2) i + · · · (1.177)

e
En = En(0) + λEn(1) + λ2 En(2) + · · · (1.178)
onde os ı́ndices (0) , (1) , (2) indicam uma ordem decrescente de importância da correção.
A equação de Schrödinger exata

b n i = En |ψn i
H|ψ (1.179)

fica então:
 
b (0) + λH
b (1) |ψn(0) i + λ|ψn(1) i + λ2 |ψn(2) i + · · · =

H
= En(0) + λEn(1) + λ2 En(2) + · · · |ψn(0) i + λ|ψn(1) i + λ2 |ψn(2) i + · · · . (1.180)
 

Agrupando os vários termos em função da potência de λ, vem:


   
b (0) |ψn(0) i + λ H
H b (0) |ψn(1) i + H
b (1) |ψn(0) i + λ2 Hb (0) |ψn(2) i + H
b (1) |ψn(1) i + · · · =

= En(0) |ψn(0) i + λ En(0) |ψn(1) i + En(1) |ψn(0) i + λ2 En(0) |ψn(2) i + En(1) |ψn(1) i + En(2) |ψn(0) i + · · ·
 

(1.181)
38 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Pode-se agora exigir que esta equação seja verificada ordem a ordem, isto é, pode-se
re-escrever 1.181 sob a forma de um sistema de equações:
 (0) (0)
 b |ψn i = En(0) |ψn(0) i
H

b (0) |ψn(1) i + H
b (1) |ψn(0) i = En(0) |ψn(1) i + En(1) |ψn(0) i

 H
(1.182)

 b (0) |ψn(2) i + H
H b (1) |ψn(1) i = En(0) |ψn(2) i + En(1) |ψn(1) i + En(2) |ψn(0) i

···

A primeira destas equações é a equação de ordem zero que não é mais do que a
equação 1.174. A segunda equação permite obter as corrreções de primeira ordem,
a terceira leva às corrreções de segunda ordem...

Correções de primeira ordem

A equação que expressa as correções de primeira ordem é:


b (0) |ψn(1) i + H
H b (1) |ψn(0) i = En(0) |ψn(1) i + En(1) |ψn(0) i . (1.183)
(0)
Se se multiplicar esta equação à esquerda por hψn |, obtém-se:

hψn(0) |H
b (0) |ψn(1) i + hψn(0) |H
b (1) |ψn(0) i = hψn(0) |En(0) |ψn(1) i + hψn(0) |E (1) |ψ (0) i ⇔
n n
(0) (0) (1) (0) b (1) (0) (0) (0) (1) (1) (0) (0)
⇔ En hψn |ψn i + hψn |H |ψn i = En hψn |ψn i + En hψn |ψn i ⇔
⇔ En(1) = hψn(0) |H
b (1) |ψn(0) i , (1.184)

ou seja, a correção de primeira ordem à energia é o valor expectável da perturbação


calculado no estado não perturbado.
Para obter a correção de primeira ordem à função de onda, re-escreva-se a
equação 1.183 da seguinte forma:
   
b (0) − En(0) |ψn(1) i = − H
H b (1) − En(1) |ψn(0) i . (1.185)

A correção de primeira ordem à função de onda pode ser expandida na base formada
pelas soluções do problema não perturbado
X
|ψn(1) i = (0)
cnm |ψm i. (1.186)
m

Inserindo esta expansão na equação 1.185 e multiplicando a equação resultante à


(0)
esquerda por hψ` |, esta fica
 X  
(0) (0) (0) (0)
hψ` | H − En
b cnm |ψm i = −hψ` | H − En |ψn(0) i ⇔
(0) b (1) (1)

m
X  
(0) (0) (0) b (1) (0)
En(0) (0)
|ψn i + En(1) δ`n .

⇔ cnm Em − δ`m + cnn E` − En δ`n = −hψ` |H
m6=n
(1.187)
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo 39

(No desdobramento do somatório, note-se que H b (0) é hermı́tico e pode atuar sobre o
bra à sua esquerda ou sobre o ket à sua direita.) Se ` = n, esta equação resume-se
à equação 1.184. Se ` 6= n, a equação fica:
X (0) b (1) (0)
(0)
− En(0) δ`m = −hψ` |H

cnm Em |ψn i ⇔
m6=n
 
(0) (0) b (1) (0)
⇔ cn` E` − En(0) = −hψ` |H |ψn i , (1.188)

de onde se obtém
(0)
b (1) |ψn i (0)
hψ` |H
cn` = (0) (0)
. (1.189)
En − E`
n o
(0)
Esta expressão pressupõe que os estados |ψn i são não degenerados em ener-
gia. Caso haja estados degenerados é necessário obter as correções de teoria de
perturbações de outra forma. Falta determinar cnn para poder escrever a expansão
(1)
de |ψn i. A sua inclusão na expansão pode ser lida da seguinte forma:
X X
|ψn i ≈ |ψn(0) i + |ψn(1) i = |ψn(0) i + (0)
cnm |ψm i = (1 + cnn ) |ψn(0) i + (0)
cnm |ψm i . (1.190)
m m6=n

(0)
Ora, |ψn i é um estado normalizado. Mas o mesmo já não se passará com |ψn i, pois
a correção de primeira ordem altera a norma. Nesse caso, será preciso normalizar o
estado após a introdução da correção e tanto as constantes cnm como o fator (1 + cnn )
serão afetados por essa operação. Voltando a introduzir o fator λ para tornar mais
evidente a ordem da correção, tem-se:
X
|ψn i ≈ (1 + λcnn ) |ψn(0) i + λ (0)
cnm |ψm i, (1.191)
m6=n

e a norma do estado “corrigido” será:


" #" #
X X (0)
hψn |ψn i ≈ (1 + λc∗nn ) hψn(0) | + λ c∗nm hψm
(0)
| (1 + λcnn ) |ψn(0) i + λ cn` |ψ` i =
m6=n `6=n

= hψn(0) |ψn(0) i + λ(c∗nn + cnn )hψn(0) |ψn(0) i + O(λ2 ) . (1.192)

Assim, para que o estado se mantenha normalizado, mesmo após a correção (até
à mesma ordem em λ), basta requerer que cnn seja nulo ou seja um imaginário
puro. Se for um imaginário puro, como é um número pequeno (truncando a série
na primeira ordem assume-se implicitamente que cnm são números pequenos que
representam pequenas correções), o fator 1 + cnn pode ser aproximado por ei|cnn | .
Esta fase pode-se fazer “desaparecer” incluindo-a nos outros fatores cnm . Isto signi-
fica que se pode ignorar cnn ... o que até faz sentido: corresponde a dizer que não se
(0)
corrige |ψn i adicionando-lhe um pouco mais de si próprio!
40 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

As correções de primeira ordem de teoria de perturbações são então:

En ≈ En(0) + hψn(0) |H
b (1) |ψ (0) i
n (1.193)
(0) b (1) (0)
X hψm |H |ψn i
|ψn i ≈ |ψn(0) i + (0) (0)
(0)
|ψm i. (1.194)
m6=n En − Em

Correções de segunda ordem

O processo de construção das correções de segunda ordem é semelhante ao an-


terior. O ponto de partida é agora a terceira equação do sistema 1.182,
b (0) |ψ (2) i + H
H b (1) |ψ (1) i = E (0) |ψ (2) i + E (1) |ψ (1) i + E (2) |ψ (0) i . (1.195)
n n n n n n n n

Substituindo nesta equação o que já se obteve em primeira ordem e multiplicando


(0)
à esquerda por hψ` |, vem:

(0) (0)
X hψ (0) |H (0)
b (1) |ψm (0) b (1) (0)
ihψm |H |ψn i
E` hψ` |ψn(2) i + `
(0) (0)
=
m6=n En − Em
(0) b (1) (0)
X hψm
(0) |H |ψn i
= En(0) hψ` |ψn(2) i + hψn(0) |H
b (1) |ψ (0) i
n (0) (0)
δ`m + En(2) δ`n . (1.196)
m6=n En − Em

Se ` = n, resulta que
(0) b (1) (0) 2

X hψm |H |ψn i
En(2) = (0) (0)
, (1.197)
m6=n En − Em
enquanto se ` 6= n vem:

(0)

(0)
X hψ (0) |H
b (1) |ψm(0) (0) b (1) (0)
ihψm |H |ψn i
E` − En(0) hψ` |ψn(2) i + `
(0) (0)
=
m6=n E n − E m
(0) (0)
b (1) |ψn i
hψ` |H
= hψn(0) |H
b (1) |ψn(0) i
(0) (0)
. (1.198)
En − E`
(2) b (0) , vem12 :
Se se expandir |ψn i na base dos estados próprios de H
X
|ψn(2) i = (0)
dnm |ψm i (1.199)
m6=n

e a equação 1.198 resulta em:


X hψ (0) |H
b (1) |ψm (0) (0) b (1) (0)
ihψm |H
(0) b (1) (0)
|ψn i hψ` |H
(0) b (1) (0)
|ψn ihψn |H |ψn i
dnl = `   −   2 . (1.200)
(0) (0) (0) (0) (0) (0)
m6=n E n − E ` E n − E m En − E`
12
Excluindo mais uma vez o próprio estado da sua correção...
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo 41

As correções de primeira e segunda ordem de teoria de perturbações são então:


(0) b (1) (0) 2

X hψm |H |ψn i
b (1) |ψn(0) i +
En ≈ En(0) + hψn(0) |H (0) (0)
(1.201)
m6=n E n − E m

(0) b (1) (0)


X hψm |H |ψn i
|ψn i ≈ |ψn(0) i + (0) (0)
(0)
|ψm i+
m6=n En − Em
 
X  X hψ (0) |Hb (1) |ψm (0) (0) b (1) (0)
ihψm |H
(0) b (1) (0)
|ψn i hψ` |H
(0) b (1) (0)
|ψn ihψn |H |ψn i  (0)
+  `   −   2  |ψ` i .
(0) (0) (0) (0) (0) (0)
`6=n m6=n E n − E ` E n − E m En − E`
(1.202)

1.9.2 Estados degenerados


(0) (0) (0) (0)
Denominadores do tipo En − Em tornam-se problemáticos quando En = Em ,
isto é, quando o problema não-perturbado possui estados degenerados em energia.
Os métodos perturbativos atrás explanados não podem, portanto, ser aplicados nes-
tas situações.
Suponha-se, por exemplo, que há uma degenerescência de segunda ordem, isto
é, que: (
b (0) |ψn(0) i = En(0) |ψn(0) i
H
(0) (0) (0) (1.203)
b (0) |ψm
H i = En |ψm i ,
e que
(0) (0)
hψm |ψn i = 0 . (1.204)
Qualquer combinação linear

|ψ̃ (0) i = α|ψn(0) i + β|ψm


(0)
i (1.205)

é ainda um estado próprio de Hb (0) com o mesmo valor próprio (En(0) ). Este estado
(0)
pode ser “corrigido” perturbativamente da mesma forma que os estados |ψn i:

|ψ̃i = |ψ̃ (0) i + λ|ψ̃ (1) i + λ2 |ψ̃ (2) i + · · · (1.206)

e o valor próprio do hamiltoniano a ele associado pode também ser expandido per-
turbativamente:
Ẽ = Ẽ (0) + λẼ (1) + λ2 Ẽ (2) + · · · (1.207)
(0)
onde Ẽ (0) ≡ En . A equação de Schrödinger exata fica então:
  
b (0) + λH
H b (1) |ψ̃ (0) i + λ|ψ̃ (1) i + λ2 |ψ̃ (2) i + · · · =
  
(0) (1) 2 (2) (0) (1) 2 (2)
= En + λẼ + λ Ẽ + · · · |ψ̃ i + λ|ψ̃ i + λ |ψ̃ i + · · · . (1.208)
42 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Agrupando os vários termos em função da potência de λ e re-escrevendo esta equação


sob a forma de um sistema de equações vem:
 (0) (0)
b (0) (0)
 H |ψ̃ i = En |ψ̃ i

H b (1) |ψ̃ (0) i = En(0) |ψ̃ (1) i + Ẽ (1) |ψ̃ (0) i
b (0) |ψ̃ (1) i + H (1.209)

···

A segunda equação do sistema é a equação relativa às correções de primeira ordem


(0) (0)
e, recuperando os estados degenerados |ψn i e |ψm i, fica:
b (0) |ψ̃ (1) i + H
b (1) α|ψ (0) i + β|ψ (0) i = E (0) |ψ̃ (1) i + Ẽ (1) α|ψ (0) i + β|ψ (0) i . (1.210)
 
H n m n n m
(0)
Se se multiplicar esta equação à esquerda por hψn |, vem:

hψn(0) |H b (1) α|ψ (0) i + β|ψ (0) i =


b (0) |ψ̃ (1) i + hψ (0) |H

n n m

= En(0) hψn(0) |ψ̃ (1) i + Ẽ (1) hψn(0) | α|ψn(0) i + β|ψm


(0)

i . (1.211)
(0) (0) (0) (0) (0)
b (0) |ψ̃ (1) i = En hψn |ψ̃ (1) i e hψm |ψn i = 0, fica
Ora, como hψn |H
αhψn(0) |H
b (1) |ψ (0) i + βhψ (0) |H
n n
b (1) |ψ (0) i = αẼ (1) .
m (1.212)
(0)
Do mesmo modo, se se multiplicar a equação 1.210 à esquerda por hψm |, o resultado
é a equação:
(0) b (1) (0) (0) b (1) (0)
αhψm |H |ψn i + βhψm |H |ψm i = β Ẽ (1) . (1.213)
Estas duas equações podem ser agrupadas da seguinte forma:
! ! !
(0) b (1) (0) (0) b (1) (0)
hψn |H |ψn i hψn |H |ψm i α α
(0) b (1) (0) (0) b (1) (0) = Ẽ (1) . (1.214)
hψm |H |ψn i hψm |H |ψm i β β
A forma matricial permite interpretar as equações a que se chegou: é um problema
de valores próprios! Os valores de α e β que se obtêm ao resolver este sistema
de equações são os valores que “misturam” os estados degenerados iniciais de tal
forma que a mudança de “base” dos estados iniciais para os estados “re-misturados”
(1)
é suficiente para que a matriz da perturbação seja diagonal. Designem-se por Ẽn
(1)
e Ẽm os valores próprios obtidos na diagonalização da matriz
!
(0) b (1) (0) (0) b (1) (0)
hψn |H |ψn i hψn |H |ψm i
H (1) = (0) b (1) (0) (0) b (1) (0) (1.215)
hψm |H |ψn i hψm |H |ψm i
(0) (0)
e |ψ̃n i e |ψ̃m i os respetivos vetores próprios. Os valores próprios são, na realidade,
a correção de primeira ordem de teoria de perturbações. Os vetores próprios,
que são apenas combinações lineares dos vetores degenerados originais, são “no-
vos” vetores próprios de ordem zero de teoria de perturbações. Se as correções de
primeira ordem forem dois valores distintos, os dois estados deixam de estar dege-
nerados e, na ordem seguinte, já se pode aplicar a teoria de perturbações “normal”,
para estados não-degenerados.
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo 43

1.9.3 Expansão de Wigner-Brillouin


Uma outra maneira de encarar a expansão perturbativa consiste em construir
uma equação iterativa para as correções. Para tal, re-escreva-se o hamiltoniano
completo (exato) como foi feito antes:

H b (0) + H
b =H b (1) , (1.216)

(0)
e designe-se por |δn i a correção (em todas as ordens...) ao estado |ψn i:

|ψn i = |ψn(0) i + |δn i . (1.217)

Esta correção é ortogonal ao estado não perturbado13 :

hδn |ψn(0) i = 0 . (1.218)

Definam-se ainda os seguintes projetores:

c = |ψ (0) ihψ (0) |


M (1.219)
n n

e
1−M
Pb = b 1 − |ψn(0) ihψn(0) | .
c=b (1.220)

A equação de Schrödinger exata pode ser escrita:

b n i = En |ψn i ⇔
H|ψ
 
⇔ Hb (0) + H
b (1) |ψn i = En |ψn i ⇔
 
⇔ En − H b (0) |ψn i = H
b (1) |ψn i . (1.221)

Multiplicando esta equação à esquerda pelo projetor M


c, vem:
 
(0) b (1) |ψn i ⇔
M En − H
c b |ψn i = M
cH

⇔ En − En(0) |ψn(0) i = M b (1) |ψn i .



cH (1.222)

(0)
Multiplicando agora, de novo à esquerda, por hψn |, fica:

En − En(0) = hψn(0) |M
cHb (1) |ψn i ⇔
⇔ En = E (0) + hψ (0) |H
n n
b (1) |ψn i . (1.223)

13
Não se assume nada quanto à normalização do estado |ψn i...
44 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Por outro lado, partindo de novo da equação de Schrödinger exata,

b n i = En |ψn i ⇔
H|ψ
 
b (0) + H
b (1) |ψn i = En |ψn(0) i + |δn i ⇔

⇔ H
b (0) |ψ (0) i + |δn i + H b (1) |ψn i = En |ψ (0) i + |δn i ⇔
 
⇔H n n
 
(1) (0)
 (0) (0)
⇔ H |ψn i − En − En |ψn i = En − H
b b |δn i . (1.224)

Multiplicando esta equação à esquerda por Pb, tem-se:


 
(1) (0)
P H |ψn i = En − H
b b b |δn i . (1.225)

Admitindo que o operador inverso de En − H b (0) existe14 , pode-se obter a correção ao


(0)
estado |ψn i:
1 b (1) |ψn i ,
|δn i = PbH (1.226)
En − Hb (0)
logo
1
|ψn i = |ψn(0) i + b (1) |ψn i .
PbH (1.227)
b (0)
En − H
Esta equação resolve-se iterativamente:

1
|ψn i = |ψn(0) i + b (1) |ψn i =
PbH
b (0)
En − H
 
1 1
= |ψn(0) i + PH
b b (1)
|ψn(0) i + b b (1)
P H |ψn i =
b (0)
En − H b (0)
En − H
1 1 1
= |ψn(0) i + b (1) |ψ (0) i +
PbH n
b (1)
PbH PbHb (1) |ψn i ≈
En − H b (0) En − H b (0) En − H b (0)

1 1 1
≈ |ψn(0) i + b (1) |ψn(0) i +
PbH b (1)
PbH PbHb (1) |ψn(0) i (1.228)
En − Hb (0) En − Hb (0) En − Hb (0)

e o mesmo acontece para a equação 1.223:

En = En(0) + hψn(0) |H
b (1) |ψn i =
 
1
= En(0) + b (1)
hψn(0) |H |ψn(0) i + (1)
P H |ψn i =
b b
En − H b (0)
1
b (1) |ψn(0) i + hψn(0) |H
= En(0) + hψn(0) |H b (1) PbHb (1) |ψn i ≈
En − H b (0)
1
≈ En(0) + hψn(0) |H b (1) |ψ (0) i + hψ (0) |H
n n
b (1) b (1) |ψ (0) i (1.229)
PbH n
En − H b (0)
14 b (0) ...
Basta que En não coincida com qualquer dos valores próprios de H
1.9 Teoria de perturbações independente do tempo 45

Para eliminarno projetor


o nesta última equação basta recorrer à relação de comple-
(0)
tude da base |ψn i :

1
En ≈ En(0) + hψn(0) |H
b (1) |ψn(0) i + hψn(0) |H
b (1) PbH b (1) |ψn(0) i
En − H b (0)
X 1
= En(0) + hψn(0) |H
b (1) |ψ (0) i +
n hψn(0) |Hb (1) Pb|ψm(0)
ihψm (0) b (1) (0)
|H |ψn i
E − H (0)
n
b
m
X 1
= En(0) + hψn(0) |H
b (1) |ψ (0) i +
n hψn(0) |H
b (1)
(0)
|ψm(0)
ihψm (0) b (1) (0)
|H |ψn i
m6=n E n − E m

(0) b (1) (0) 2



X hψm | H |ψ n i
b (1) |ψn(0) i +
= En(0) + hψn(0) |H (0)
. (1.230)
m6=n E n − E m

Esta equação tem agora de ser lida não como uma expressão para a energia “corri-
gida”, mas sim como uma equação em En , visto que En surge em ambos os membros
da equação.
Repare-se que, para esta expansão perturbativa, não é necessário impôr que
os estados não perturbados não sejam degenerados. É claramente uma vantagem...
Mas a equação 1.230 é uma equação implı́cita em En , o que a torna mais complicada
que a equação correspondente da expansão de Rayleigh-Schrödinger...

1.9.4 Método de Sternheimer-Dalgarno-Lewis


Um dos problemas técnicos da aplicação da teoria de perturbações é a necessi-
dade de conhecer todos os estados próprios do hamiltoniano não perturbado, o que
nem sempre é fácil e/ou possı́vel. O sistema de equações 1.182

b (0) |ψn(0) i = En(0) |ψn(0) i




 H
b (0) |ψn(1) i + H
b (1) |ψn(0) i = En(0) |ψn(1) i + En(1) |ψn(0) i

 H
(1.231)

 b (0) |ψn(2) i + H
H b (1) |ψn(1) i = En(0) |ψn(2) i + En(1) |ψn(1) i + En(2) |ψn(0) i

···

sugere outro processo de aplicação da teoria de perturbações. Reordenando os ter-


mos das equações, o sistema fica:
  

 b (0) − En(0) |ψn(0) i = 0
H

    

 H b (0) − En(0) |ψn(1) i = − H b (1) − En(1) |ψn(0) i
    (1.232)
(0) (0) (2) (1) (1) (1) (2) (0)



 H − En |ψn i = − H − En |ψn i + En |ψn i
b b

···

46 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

Este conjunto de equações pode agora ser lido como uma “receita”: i) resolve-se
(0) (0)
a primeira equação para obter En e |ψn i; ii) de seguida resolve-se a segunda
(1)
equação, que é uma equação diferencial não homogénea em |ψn i, usando os resul-
(1) (1)
tados obtidos no passo anterior e obtendo assim En e |ψn i; iii) a terceira equação
(2) (2)
permite obter En e |ψn i partindo dos resultados da resolução das equações ante-
riores...

1.10 Teoria de perturbações dependente do tempo


A teoria de perturbações pode também ser aplicada à resolução da equação de
Schrödinger dependente do tempo,

d
H(t)|Ψ(t)i
b = i~ |Ψ(t)i , (1.233)
dt
desde que seja possı́vel particionar o hamiltoniano numa parte independente do
tempo e noutra parte explicitamente dependente do tempo (que será tratada como
uma perturbação):
H(t)
b =H b (0) + H
b (1) (t) . (1.234)

Como é habitual, considera-se conhecida a solução exata da equação de Schrödinger


independente do tempo para o hamiltoniano H b (0) :

b (0) |ψn i = En |ψn i .


H (1.235)

A solução da equação de Schrödinger dependente do tempo para o hamiltoniano


b (0)
H é a dada na equação 1.51. Qualquer estado do sistema não perturbado pode
assim ser escrito recorrendo aos vetores independentes do tempo |ψn i:
gn
i
XX
|Ψ(t)i = cnk |ψnk i e− ~ En t . (1.236)
n k=1

Para simplificar a notação, esta equação vai ser escrita da seguinte forma:
i
X
|Ψ(t)i = cn |ni e− ~ En t , (1.237)
n

em que
n a soma sobre
o o ı́ndice n indica uma soma sobre todos os estados e o con-
i
junto |ni e− ~ En t pode ser visto como uma base do espaço dos estados do sistema.
Pode-se então assumir que as soluções exatas da equação de Schrödinger 1.233 são
também combinações lineares dos vetores desta base. Para introduzir o efeito da
1.10 Teoria de perturbações dependente do tempo 47

perturbação, admita-se que os coeficientes da combinação linear são agora funções


do tempo, isto é, que a solução exata da equação 1.233 se pode escrever:
i
X
|Ψ(t)i = cn (t)|ni e− ~ En t . (1.238)
n

A equação de Schrödinger dependente do tempo transforma-se então em:


X i dX i
H(t)
b cn (t)|ni e− ~ En t = i~ cn (t)|ni e− ~ En t ⇔
n
dt n
  X  dcn (t) i

b (1) (t) |ni e− ~i En t i
X
⇔ cn (t) En + H = i~ − En cn (t) |ni e− ~ En t .
n n
dt ~
(1.239)

Multiplicando à esquerda por |mi e recordando que hm|ni = 0, fica:


 
− ~i Em t
X
b (1) (t)|ni e− ~i En t = dcm (t) i
cm (t)Em e + cn (t)hm|H i~ + Em cm (t) e− ~ Em t ⇔
n
dt
dcm (t) iX b (1) (t)|ni eiωmn t ,
⇔ =− cn (t)hm|H (1.240)
dt ~ n

onde
Em − En
ωmn = . (1.241)
~
A equação 1.240 é exata (assumindo que a expansão 1.236 é válida). Para a
resolver, suponha-se que os coeficientes cn (t) se podem expandir numa série pertur-
bativa:
cn (t) = c(0) (1) 2 (2)
n (t) + λcn (t) + λ cn (t) + · · · (1.242)

Desta expansão resulta que 1.240 fica:

d (0)
cm (t) + λc(1) 2 (2)

m (t) + λ c m (t) + · · · =
dt
i X (0)
cn (t) + λc(1) 2 (2) b (1) (t)|ni eiωmn t . (1.243)

=− n (t) + λ c n (t) + · · · hm|H
~ n

O agrupamento dos vários termos em potências de λ conduz ao sistema de equações:


 (0)
dcm (t)


 dt
=0
(1)
dcm (t) (0)

= − ~i b (1) (t)|ni eiωmn t
P
n cn (t)hm|H

dt
(2) P (1) (1.244)
dcm (t)



 dt
= − ~i n cn (t)hm|H
b (1) (t)|ni eiωmn t
···

48 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

(recordar que H b (1) (t) ≡ λH


b (1) (t)...). Se a perturbação surgir apenas no instante
t = 0, pode-se supôr que o sistema estava num estado bem definido até esse instante
(o estado |ai, por exemplo)
cn (t ≤ 0) = δna . (1.245)
É claro que, não havendo perturbação até t = 0,
 (0)

 cn (t ≤ 0) ≡ cn (t ≤ 0) = δna
 c(1) (t ≤ 0) = 0

n
(2) (1.246)


 cn (t ≤ 0) = 0

...

Repare-se agora que a primeira equação de 1.244 garante que a ordem zero dos
coeficientes da combinação linear é constante no tempo, isto é, que

c(0) (0)
n (t) = cn (t ≤ 0) = δna . (1.247)

Por outras palavras, na ausência de perturbação, o sistema não é perturbado...


Assim, a equação correspondente à primeira ordem de teoria de perturbações (a
segunda equação de 1.244) fica:
(1)
dcm (t) iX b (1) (t)|ni eiωmn t = − i hm|H
b (1) (t)|ai eiωma t ,
=− δna hm|H (1.248)
dt ~ n ~

que se pode facilmente integrar:


Z t
i 0
c(1)
m (t) =− dt0 hm|H
b (1) (t0 )|ai eiωma t . (1.249)
~ 0

Esta é a correção ao vetor estado em primeira ordem de teoria de perturbações.


Introduzindo este resultado na terceira equação do sistema 1.244 e integrando a
equação resultante obter-se-ia a correção de segunda ordem. Recorde-se que o es-
tado do sistema não perturbado (o estado inicial...) era o estado |ai. Pode-se re-
escrever a equação anterior de modo a tornar esta informação mais evidente:

i t 0
Z
(1)
cf (t) = − dt hf |Hb (1) (t0 )|ii eiωf i t0 , (1.250)
~ 0

onde os ı́ndices i e f indicam o estado inicial e final, respetivamente.


A probabilidade de a perturbação induzir uma transição do estado i
para o estado f obtém-se, obviamente, calculando |cf |2 :
2
1 t 0
Z
(1) 0 iωf i t0

Pf i (t) = 2 dt hf |H (t )|ii e
b
. (1.251)
~ 0
1.10 Teoria de perturbações dependente do tempo 49

Perturbação sinusoidal no tempo

Quando a perturbação tem uma dependência temporal simples, seja porque é


constante no tempo ou porque é sinusoidal, é possı́vel obter uma expressão mais
simples para a probabilidade de transição.
No caso da perturbação ser constante no tempo
2
1 b (1) 2 t 0 iωf i t0
Z
Pf i (t) = 2 hf |H |ii dt e
~ 0

2
1 b (1) 2 eiωf i t −1

= 2 hf |H |ii
~ ωf i
1 b (1) 2 sin2 (ωf i t/2)
= 2 hf |H |ii . (1.252)
~ (ωf i /2)2

Se a perturbação for sinusoidal, isto é, se H b (1) e−iωt :


b (1) (t) = H
2
1 b (1) 2 t 0 i(ωf i −ω)t0
Z
Pf i (t) = 2 hf |H |ii dt e
~ 0

2
1 b (1) 2 ei(ωf i −ω)t −1
= 2 hf |H |ii
ωf i − ω

~
1 b (1) 2 sin2 ((ωf i − ω) t/2)
= 2 hf |H |ii . (1.253)
~ ((ωf i − ω) /2)2
Em ambas as situações a dependência temporal da probabilidade de transição é
dada por uma função
2
2 sin ((ωf i − ω) t/2)
F (ωf i − ω, t) = t (1.254)
((ωf i − ω) t/2)2
(a perturbação constante no tempo corresponde a ω = 0), isto é,
1 b (1) 2
Pf i (t) = 2 hf |H |ii F (ωf i − ω, t) . (1.255)
~
A função F (ωf i − ω, t) só tem valores significativos para

|ωf i − ω| < . (1.256)
t
Para t grande (mas não o suficiente para invalidar a teoria de perturbações...15 ) a
função assemelha-se a uma função-δ de Dirac. De facto,
Z ∞ Z ∞
2 2 sin2 (x)
dω F (ωf i − ω, t) = t dx = 2πt , (1.257)
−∞ −∞ t x2
15
Repare-se que, de acordo com a equação 1.255, limt→∞ Pf i (t) = ∞, o que, para uma probabili-
dade, é francamente absurdo...
50 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

F (ωf i − ω, t)
t2

ωf i − ω
− 4π
t − 2π
t

t

t

Figura 1.3: Gráfico da função F (ωf i − ω, t).

o que, conjugado com a análise da função, permite escrever:


t→∞
F (ωf i − ω, t) −−−→ 2πtδ(ωf i − ω, t) . (1.258)

Pode-se interpretar este resultado como sendo uma expressão do princı́pio da


incerteza de Heisenberg: uma perturbação que atue durante um intervalo de tempo
finito induz transições entre nı́veis mesmo que a energia da onda incidente não seja
exatamente igual à diferença de energia entre esses nı́veis. Neste caso particular,
pode-se dizer que a transição ocorre se

|ωf i − ω| < ⇔ t∆E < 2π~ ⇔ t∆E < h . (1.259)
t

1.11 Bibliografia recomendada


• Quantum Mechanics
Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë
Wiley (2006), ISBN 978-0471569527

II.A — II.D, BII — EII


1.11 Bibliografia recomendada 51

III.A — III.E
VI.A — VI.D, AVI
X.A — X.C, AX — BX
XI.A — XI.C, EXI
XIII.A — XIII.C

• Physics of Atoms and Molecules


B. H. Bransden, C. J. Joachain
Prentice Hall (2003), ISBN 978-0582356924

2.2 — 2.3, 2.5, 2.8


Apêndice 4

• Molecular Quantum Mechanics


Peter W. Atkins, Ronald S. Friedman
Oxford University Press (2010), ISBN 978-0199541423

1.1 — 1.14, 1.20 — 1.21


4.1 — 4.8, 4.9 — 4.12
6.1 — 6.10, 6.11 — 6.18

• Atomic Physics
Christopher J. Foot
Oxford University Press (2005), ISBN 978-0198506966

2.1
Apêndice A

• Atoms, Molecules and Photons: An Introduction to Atomic, Molecu-


lar and Quantum Physics
Wolfgang Demtröder
Springer (2010), ISBN 978-3642102974

4.4

• Quantum Chemistry
Ira N. Levine
Pearson Education (2014), ISBN 978-0321803450

3.1 – 3.3
52 Revisões de conceitos de Mecânica Quântica

5.1 — 5.4
7.1 – 7.10
8.1
9.1, 9.2, 9.5, 9.6, 9.8
Capı́tulo 2

Átomos hidrogenóides

2.1 O modelo atómico de Bohr


A descoberta do eletrão por J. J. Thomson em 1897 levou à proposta de um
modelo para o átomo em que os eletrões se encontravam incrustados num fundo
uniforme de carga positiva. Este modelo, conhecido como “modelo do bolo de amei-
xas (ou de passas)”, foi posto em causa pelas experiências realizadas por H. Geiger
e E. Marsden em 1909, tendo sido suplantado pelo modelo planetário para o átomo
proposto por Ernest Rutherford em 1911. Neste modelo, os eletrões deslocavam-se
em órbitas clássicas em torno de um núcleo bastante mais pequeno que o átomo e
que concentrava em si toda a carga positiva que anteriormente se supunha unifor-
memente distribuı́da por todo o volume do átomo (o protão foi proposto por Ernest
Rutherford em 1920 e o neutrão só foi descoberto por James Chadwick em 1932).
No modelo de Rutherford os átomos seriam pequenos sistemas solares, sendo a
força de Coulomb entre os eletrões e o núcleo a força responsável pela estabilidade
do sistema, tal como a gravidade é a “cola” do sistema solar. Para um eletrão (de
carga −e) em órbita em torno de um núcleo de carga Ze (um átomo “hidrogenóide”),
a segunda lei de Newton seria:
1 Ze2 v2
Fe = mac ⇔ = me , (2.1)
4πε0 r2 r
em que r é o raio da órbita (suposta circular) e v é a velocidade orbital (suposta
constante, pois a órbita é circular). Resolvendo esta equação em ordem a v vem:
s
1 Ze2
v= . (2.2)
4πε0 me r
A energia cinética do eletrão numa órbita de raio r seria dada por
1 1 Ze2
Ec = me v 2 = (2.3)
2 4πε0 2r
54 Átomos hidrogenóides

e a sua energia potencial elétrica seria

1 Ze2
Ep = − . (2.4)
4πε0 r

A energia total (mecânica) do eletrão seria então

1 Ze2
E = Ec + Ep = − . (2.5)
4πε0 2r

Embora o modelo de Rutherford explicasse os resultados da experiência de Gei-


ger e Marsden, havia um problema preocupante: de acordo com as leis do eletro-
magnetismo, uma carga acelerada (o eletrão numa órbita circular) devia perder
energia continuamente por emissão de radiação. Isto levaria à diminuição gradual
do raio da órbita do eletrão, acabando este por cair no núcleo.
Ao tentar explicar os espetros de emissão obtidos quando se produziam des-
cargas elétricas em ampolas com gases rarefeitos, Niels Bohr propôs, em 1913, a
introdução de uma condição de quantização no modelo de Rutherford. De acordo
com o modelo de Bohr, as órbitas planetárias deviam ser tais que o momento angu-
lar do eletrão fosse um múltiplo da constante de Planck, isto é,

` = me vr = n~ (n = 1, 2, 3, . . .) . (2.6)

Esta condição limita os valores de r possı́veis:


s
1 Ze2 4πε0 ~2 2
me vr = n~ ⇔ me r = n~ ⇔ rn = n , (2.7)
4πε0 me r Ze2 me

resolvendo o problema do modelo de Rutherford: os eletrões não espiralam até ao


núcleo porque não há um contı́nuo de órbitas permitidas. As energias cinética,
potencial e mecânica de um eletrão no modelo de Bohr são:

e4 me Z 2
Ec,n = (2.8)
32π 2 ε20 ~2 n2
e4 me Z 2
Ep,n = − (2.9)
16π 2 ε20 ~2 n2
e4 me Z 2
En = − . (2.10)
32π 2 ε20 ~2 n2

As expressões para as energias e para o raio da órbita podem-se simplificar


introduzindo as constantes
4πε0 ~2
a0 = = 0,52917721092(17) Å (2.11)
e2 me
2.1 O modelo atómico de Bohr 55

(raio de Bohr) e

e4 me ~2
Eh = = = 4,359744650(54) × 10−18 J = 27,21138602(17) eV . (2.12)
16π 2 ε20 ~2 m e a0 2

Recorrendo a estas constantes, as expressões anteriores ficam:


a0 2
rn = n (2.13)
Z
Z 2 Eh 1
Ec,n = (2.14)
2 n2
1
Ep,n = −Z 2 Eh 2 (2.15)
n
2
Z Eh 1
En = − . (2.16)
2 n2
No sistema de unidades atómicas tem-se que:

e2
=1 me = 1 ~=1, (2.17)
4πε0

logo, neste sistema,


a0 = 1 (a.u.) (2.18)

e
Eh = 1 (a.u.) (2.19)

são as unidades de comprimento (bohr) e energia (hartree). A unidade de tempo


neste sistema de unidades é dada por ~/Eh e vale

1 a.u. = 2,418884326505(16) × 10−17 s . (2.20)

A velocidade da luz neste sistema de unidades obtém-se recorrendo à constante


de estrutura fina

1 e2
α= = 7,2973525664(17) × 10−3 , (2.21)
4πε0 ~c

que é uma constante adimensional e tem, portanto, o mesmo valor em qualquer


sistema de unidades. No sistema de unidades atómicas,

1
c= = 137,035999139(31) (2.22)
α
é também uma constante adimensional. Por vezes recorre-se a outra unidade de
energia, o rydberg (1 hartree=2 Ry).
56 Átomos hidrogenóides

As expressões para os raios e energias das órbitas de Bohr, no sistema de uni-


dades atómicas, são:
n2
rn = (2.23)
Z
Z2
Ec,n = 2 (2.24)
2n
Z2
Ep,n = − 2 (2.25)
n
Z2
En = − 2 . (2.26)
2n
O modelo de Bohr foi melhorado por Sommerfeld, que o estendeu para incluir
efeitos relativistas e órbitas elı́pticas.

2.2 As séries de Lyman, Balmer, Paschen, Brackett


e Pfund
As riscas obtidas nos espetros de emissão de lâmpadas de descarga em gases
foram atribuı́das por Bohr a transições radiativas entre nı́veis diferentes do átomo.
Para um átomo hidrogenóide (um eletrão em órbita em torno de um núcleo de carga
Ze) e em unidades atómicas (com m > n),
Z2
 
1 1
hν = Em − En = − − , (2.27)
2 m2 n2
ou, recorrendo à constante de Rydberg R∞ 1 ,
 
1 2 1 1
= R∞ Z − , (2.28)
λ n2 m2
onde
e4 me
R∞ = 2 3
= 1,0973731568508(65) × 107 m−1 . (2.29)
8ε0 h c
Em unidades atómicas
α
R∞ = . (2.30)

A diferentes nı́veis finais (valores diferentes de n) correspondem séries de riscas
diferentes. Há um grupo de riscas no ultravioleta (série de Lyman), outro no visı́vel
(série de Balmer) e vários no infravermelho (séries de Paschen, Brackett, Pfund,
etc.).
1
Por vezes recorre-se a uma constante muito parecida, RH , cujo valor se obtém substituindo a
massa do eletrão em 2.29 pela massa reduzida do átomo de hidrogénio: RH = R∞ / (1 + me /mp ) —
ver Secção 2.3.
2.2 As séries de Lyman, Balmer, Paschen, Brackett e Pfund 57

2.2.1 Série de Lyman (n = 1) para o hidrogénio

 
1 1
hν = Em − En = 1− 2 m = 2, 3, 4, · · · (2.31)
2 m

m hν (a.u.) hν (eV) ν (THz) λ = c/ν (nm) k = ν/c (cm−1 )


2 0,375 10,204 2467,4 121,502 82303,0
3 0,444 12,094 2924,3 102,518 97544,3
4 0,469 12,755 3084,2 97,202 102878,7
5 0,480 13,061 3158,2 94,924 105347,8
∞ 0,500 13,606 3289,8 91,127 109737,3

2.2.2 Série de Balmer (n = 2) para o hidrogénio

 
1 1 1
hν = Em − En = − 2 m = 3, 4, 5, · · · (2.32)
2 4 m

m hν (a.u.) hν (eV) ν (THz) λ = c/ν (nm) k = ν/c (cm−1 )


3 0,069 1,890 456,9 656,112 15241,3
4 0,094 2,551 616,8 486,009 20575,7
5 0,105 2,857 690,9 433,937 23044,8
6 0,111 3,023 731,1 410,070 24386,1
∞ 0,125 3,401 822,5 364,507 27434,3

2.2.3 Série de Paschen (n = 3) para o hidrogénio

 
1 1 1
hν = Em − En = − 2 m = 4, 5, 6, · · · (2.33)
2 9 m

m hν (a.u.) hν (eV) ν (THz) λ = c/ν (nm) k = ν/c (cm−1 )


4 0,024 0,661 159,9 1874,606 5334,5
5 0,036 0,968 233,9 1281,469 7803,5
6 0,042 1,134 274,2 1093,520 9144,8
7 0,045 1,234 298,4 1004,672 9953,5
∞ 0,056 1,512 365,5 820,140 12193,0
58 Átomos hidrogenóides

2.2.4 Série de Brackett (n = 4) para o hidrogénio


 
1 1 1
hν = Em − En = − 2 m = 5, 6, 7 · · · (2.34)
2 16 m

m hν (a.u.) hν (eV) ν (THz) λ = c/ν (nm) k = ν/c (cm−1 )


5 0,011 0,306 74,0 4050,075 2469,1
6 0,017 0,472 114,2 2624,449 3810,3
7 0,021 0,573 138,5 2164,949 4619,0
8 0,023 0,638 154,2 1944,036 5143,9
∞ 0,031 0,850 205,6 1458,027 6858,6

2.2.5 Série de Pfund (n = 5) para o hidrogénio


 
1 1 1
hν = Em − En = − 2 m = 6, 7, 8, · · · (2.35)
2 25 m

m hν (a.u.) hν (eV) ν (THz) λ = c/ν (nm) k = ν/c (cm−1 )


6 0,006 0,166 40,2 7455,821 1341,2
7 0,010 0,267 64,5 4651,259 2150,0
8 0,012 0,332 80,2 3738,531 2674,8
9 0,014 0,376 91,0 3295,207 3034,7
∞ 0,020 0,544 131,6 2278,167 4389,5

2.3 Partı́cula clássica num potencial central


Embora as previsões do modelo de Bohr para os comprimentos de onda das ris-
cas dos espetros de absorção/emissão dos átomos hidrogenóides sejam particular-
mente próximas dos resultados experimentais (sobretudo se forem tidas em conta
as diferentes massas reduzidas), há aspetos experimentais que o modelo não prevê
como, por exemplo, a intensidade relativa das diferentes riscas. Para obter esta
informação é necessário passar a uma teoria mais fundamental como, por exem-
plo, a Mecânica Quântica não-relativista. Mas antes de estudarmos as soluções da
equação de Schrödinger para uma partı́cula num potencial central vamos recordar
alguns aspetos da formulação clássica do problema.
Diz-se que uma partı́cula clássica de massa me está sujeita a um potencial cen-
tral quando a energia potencial depende apenas da distância a um ponto, a “origem”
2.3 Partı́cula clássica num potencial central 59

do potencial, isto é, quando


V (r) ≡ V (r) . (2.36)
Neste caso, a força que atua sobre a partı́cula será:
dV (r)
F = −∇V (r) = − r̂ (2.37)
dr
e o momento angular será uma constante do movimento, pois
 
dL d dr dp dV (r)
= (r × p) = ×p+r× =v×p+r× − r̂ = 0 + 0 = 0 . (2.38)
dt dt dt dt dr
Este resultado indica que a trajetória da partı́cula será planar. Ora, se se decom-
puser a velocidade (planar. . . ) nas suas componentes radial e tangencial vem:
dr
vr = (2.39)
dt
e
|L|
|vt | = , (2.40)
me r
pois, sendo vt a velocidade tangencial da partı́cula,

|L| = |r × me v| = me r |vt | . (2.41)

A energia total da partı́cula fica então:


1
E = me v 2 + V (r)
2
1 1
= me vr2 + me vt2 + V (r)
2 2
1 L2
= me vr2 + + V (r) . (2.42)
2 2me r2
Como L é constante, se só se quiser analisar a evolução da coordenada r da partı́cula,
o problema pode ser visto como se fosse um sistema unidimensional de uma partı́cula
de massa me sujeita a um potencial efetivo
L2
Veff = + V (r) . (2.43)
2me r2
No caso de termos duas partı́culas em interação, sendo o potencial de interação
um potencial central, a energia total do sistema escrever-se-á:
1 1
E = m1 v12 + m2 v22 + V (|r1 − r2 |) , (2.44)
2 2
sendo r1 e r2 os vetores posição das duas partı́culas (de massas m1 e m2 , respetiva-
mente). Ora, visto que o potencial depende apenas da distância relativa entre as
60 Átomos hidrogenóides

partı́culas, é possı́vel fazer uma mudança de variável que permita a separação do


problema em dois problemas: um para a coordenada relativa das duas partı́culas e
outro para a coordenada do centro de massa do sistema. Para obter esta separação
introduzem-se as coordenadas
r = r1 − r2 (2.45)
e
m1 r1 + m2 r2
R= (2.46)
m1 + m2
e as velocidades
v = v1 − v2 (2.47)
e
m1 v1 + m2 v2
V = . (2.48)
m1 + m2
Assim, 
 r1 = R + m2
m1 +m2
r
, (2.49)
 r2 = R − m1
m1 +m2
r
o que implica que
1 1
E = m1 v12 + m2 v22 + V (|r1 − r2 |)
2 2
 2  2
1 m2 1 m1
= m1 V + v + m2 V − v + V (r)
2 m1 + m2 2 m1 + m2
1 1 m1 m2 2
= (m1 + m2 ) V 2 + v + V (r) . (2.50)
2 2 m1 + m2
Esta expressão pode ser interpretada como a soma de duas parcelas: a energia
cinética do centro de massa e a energia total de uma “partı́cula” de massa
m1 m2
µ= (2.51)
m1 + m2
sujeita a um potencial central. A massa µ designa-se por massa reduzida do
sistema. Estando o sistema isolado, a velocidade do centro de massa será constante,
logo é lı́cito considerar que a energia total do sistema é dada apenas por
1
E = µv 2 + V (r) (2.52)
2
e descrever o sistema recorrendo apenas à coordenada que dá a posição relativa
das duas partı́culas. Como o momento angular se conserva, é possı́vel exprimir a
energia total apenas em função da coordenada radial:
1 L2
E = µvr2 + + V (r) , (2.53)
2 2µr2
tal como foi feito para uma partı́cula sujeita a uma força central.
2.4 A equação de Schrödinger para um potencial central 61

2.4 A equação de Schrödinger para um potencial


central
Partindo da expressão 2.522 , a equação de Schrödinger independente do tempo,
na representação das coordenadas, para um átomo hidrogenóide (um eletrão de
carga −e e massa me e um núcleo pontual de carga Ze e massa infinita3 ) será:

~2 2 Ze2
 
− ∇ − Ψ(r) = EΨ(r) , (2.54)
2me 4π0 r

Dada a forma do potencial, é aconselhável trabalhar em coordenadas polares


esféricas4 . O operador laplaciano nestas coordenadas pode-se escrever

∂2
   
2 1 ∂ 2 ∂ 1 1 ∂ ∂
∇ = 2 r + 2 2 + sin θ . (2.55)
r ∂r ∂r r sin θ ∂φ2 r2 sin θ ∂θ ∂θ

A equação de Schrödinger pode-se tentar resolver, sem perda de generalidade, por


separação de variáveis, isto é, escrevendo:

Ψ(r) ≡ R(r)Y (θ, φ) . (2.56)

Assim, a equação de Schrödinger ficaria:

~2 1 ∂2
    
∂ 2 ∂ 1 ∂ ∂
− r + + sin θ R(r)Y (θ, φ)+
2me r2 ∂r ∂r sin2 θ ∂φ2 sin θ ∂θ ∂θ
Ze2
− R(r)Y (θ, φ) = ER(r)Y (θ, φ) , (2.57)
4π0 r
que se pode re-escrever como:

~2 ∂ Ze2
   
2 ∂
Y (θ, φ) − r − − E R(r) =
2me r2 ∂r ∂r 4π0 r
~2 1 ∂2
  
1 ∂ ∂
= R(r) + sin θ Y (θ, φ) . (2.58)
2me r2 sin2 θ ∂φ2 sin θ ∂θ ∂θ
2
Um potencial central em Mecânica Quântica é representado por um operador Vb tal que
hr |Vb |ri ≡ V (r)δ (r − r 0 ).
0
3
Se se considerar que a massa do núcleo, M , é finita, então me deverá ser substituı́do por µ onde
M me 1
µ= = me .
M + me 1 + me /M

Esta correção será discutida na secção 2.6.


4
As coordenadas de um ponto serão: r, a distância à origem do sistema de coordenadas, 0 ≤ θ ≤ π,
o ângulo (polar) entre o vetor posição do ponto e o eixo Oz e 0 ≤ φ < 2π, o ângulo (azimutal) entre a
projeção do vetor posição no plano xy e o eixo Ox.
62 Átomos hidrogenóides

Esta igualdade implica que:


 h i
2 ∂ ∂
 Ze2 ~2
 − 2m~e r2 ∂r
 r2 ∂r − 4π 0 r
− E R(r) = Λ 2m er
2 R(r)
h i , (2.59)
1 ∂2 1 ∂ ∂

 2
sin θ ∂φ2
+ sin θ ∂θ
sin θ ∂θ
Y (θ, φ) = ΛY (θ, φ)
sendo Λ uma constante.
Vamos analisar um pouco melhor a segunda das equações anteriores, a equação
angular. Facilmente se vê que esta equação pode ser re-escrita recorrendo a 1.65
como
L2 Y (θ, φ) = −~2 ΛY (θ, φ) , (2.60)
o que permite identificar as funções Y (θ, φ) como funções próprias do operador L2 e
Λ = −`(` + 1) . (2.61)
O hamiltoniano para um átomo hidrogenóide fica então:
~2 1 ∂ L2 Ze2
 
2 ∂
Ĥ = − r + − . (2.62)
2me r2 ∂r ∂r 2me r2 4π0 r
O significado das várias parcelas torna-se evidente quando se compara esta ex-
pressão com 2.42 (ou 2.53, caso se considere a massa do núcleo finita). . .
Dado que os termos do hamiltoniano ou dependem exclusivamente de r ou de-
pendem exclusivamente das coordenadas angulares (i.e., não há termos que envol-
vam derivadas mistas de coordenadas radiais e angulares), é óbvio que:
h i
2
Ĥ, L = 0 . (2.63)
Mas também se tem que
h i
Ĥ, L̂i = 0 ∀ i = 1, 2, 3 . (2.64)
Podemos portanto procurar soluções da equação de Schrödinger (estados próprios
do hamiltoniano) que sejam simultaneamente vetores próprios dos operadores L2 e
L̂z 5 .

2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo


hidrogenóide
Agora estamos finalmente em condições de escrever a equação diferencial para
a parte radial da função de onda (recorde-se a equação 2.62):
~2 1 d `(` + 1)~2 Ze2
   
2 d
− r + − R(r) = ER(r) , (2.65)
2me r2 dr dr 2me r2 4π0 r
h i
5
Visto que, como L̂i , L̂j = i~ijk L̂k , só é possı́vel recorrer a um dos operadores L̂i para formar
um conjunto completo de observáveis que comutam.
2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide 63

pois, se procurarmos estados próprios do hamiltoniano que sejam simultaneamente


estados próprios de L2 e L̂z a função de onda será

Ψ(r) = R(r)Y`m (θ, φ) . (2.66)

Como a equação acima depende explicitamente de `, as soluções radiais serão de


ora em diante designadas por Rk` (r), em que o ı́ndice k distingue soluções diferentes
da equação para um dado valor de `. O ı́ndice ` serve para recordar que a equação
(e portanto as suas soluções) é diferente para diferentes valores de `. Do mesmo
modo, E Ek` . Repare-se que as soluções não dependem do valor de m, o que
indica uma degenerescência dos valores próprios da energia: cada um dos valores
próprios Ek` possui uma degenerescência de ordem 2` + 1.
É fácil re-escrever o termo que inclui as derivadas em r de modo a que a equação
radial fique:

~2 d2 `(` + 1)~2 Ze2


 
− r+ − Rk` (r) = Ek` Rk` (r) . (2.67)
2me r dr2 2me r2 4π0 r

A forma da equação sugere naturalmente a substituição

uk` (r)
Rk` (r) = , (2.68)
r
com a consequente simplificação de 2.67:

~2 d2 `(` + 1)~2 Ze2


 
− + − uk` (r) = Ek` uk` (r) . (2.69)
2me dr2 2me r2 4π0 r

Esta equação assemelha-se à equação de Schrödinger unidimensional para uma


partı́cula sujeita a um potencial efetivo

`(` + 1)~2 Ze2


Veff (r) = − . (2.70)
2me r2 4π0 r
Dada a forma assimptótica deste potencial (tende para zero quando r → ∞), as
soluções clássicas seriam órbitas (abertas) hiperbólicas ou parabólicas para Ek` ≥ 0,
e órbitas (fechadas) elı́pticas ou circulares para Ek` < 0. Também aqui há uma
distinção entre as soluções para energia positiva e energia negativa: as primeiras
serão os chamados estados de colisão, descrevendo a dispersão de um eletrão
pelo núcleo hidrogenóide, e as segundas serão os chamados estados ligados, que
são o objeto do nosso estudo.
Embora pareça que agora só nos resta resolver a equação 2.67 (ou 2.69), há
ainda um problema: a escolha das coordenadas polares esféricas leva a uma ex-
pressão para o laplaciano que não está bem definida no ponto r = 0. Por outras
64 Átomos hidrogenóides

Veff (r)

`=1

`=2

`=0 r

Figura 2.1: O potencial efetivo para diferentes valores de `.

palavras: a expressão a que recorremos não é válida na origem. . . É necessário por


isso garantir que as soluções da equação radial a que chegámos são ainda solução
da equação de Schrödinger 2.54. Tal consegue-se impondo que Rk` (r) seja suficien-
temente regular na origem. Vamos então analisar a equação 2.67 quando r → 0.
Para chegar a uma solução tão geral quanto possı́vel, vamos assumir que o poten-
cial se comporta, perto da origem, como
r→0 A
V (r) −−→ (ε > 0) . (2.71)

É claro que o potencial de Coulomb satisfaz esta condição (com ε = 1. . . ) Va-
mos ainda considerar que o termo dominante da expansão em série de Laurent
da função Rk` (r), perto da origem, é
r→0
Rk` (r) −−→ Crδ . (2.72)

Neste limite a equação 2.67 fica então

~2 d2 `(` + 1)~2 A
 
− 2
r+ 2
+ ε Crδ = Ek` Crδ ⇔
2me r dr 2me r r
2
~ `(` + 1)~2 δ−2
⇔− δ(δ + 1)Crδ−2 + Cr + ACrδ−ε = Ek` Crδ . (2.73)
2me 2me
Se ε < 2, os termos dominantes perto da origem são os termos em rδ−2 . Para que
estes termos sejam nulos
`(` + 1) = δ(δ + 1) . (2.74)
2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide 65

Esta equação tem duas soluções:


(
δ=`
. (2.75)
δ = −(` + 1)

Isto significa que, para um certo valor próprio Ek` , há duas soluções linearmente in-
dependentes da equação de Schrödinger que, perto da origem, se comportam como

 r` Y m (θ, φ)
r→0 `
Ψk`m (r) −−→ . (2.76)
1 m
 `+1
r
Y ` (θ, φ)

Para garantir que a escolha do sistema de coordenadas não introduziu soluções


espúrias na equação de Schrödinger, vamos escolher apenas a primeira das soluções
acima, o que implica que todas as funções radiais com ` 6= 0 se anulam na origem.
Podemos fazer uma análise semelhante para o caso em que r → ∞. Neste limite
a equação 2.69 fica:
~2 d2 uk` (r)
− = Ek` uk` (r) . (2.77)
2me dr2
o que implica que
r→∞
uk` (r) −−−→ C1 eλk` r +C2 e−λk` r (2.78)

onde r
2me Ek`
λk` = − (2.79)
~2
(recorde-se que estamos apenas interessados nas soluções para as quais Ek` < 0. . . ).
Como a função de onda tem de ser normalizável, excluı́mos a primeira parcela
e concluı́mos que, quando r → ∞, as soluções radiais decaem exponencialmente,
sendo a “constante de decaimento” proporcional à raı́z quadrada da energia do es-
tado.
Podemos agora, finalmente, encarar a resolução completa da equação 2.67, im-
pondo às soluções os comportamentos assimptóticos acima estudados. Mas não
o iremos fazer aqui. . . A solução detalhada pode ser encontrada, por exemplo, no
capı́tulo VII.C do livro de Claude Cohen-Tannoudji mencionado na bibliografia. Al-
gumas das soluções da equação podem ser consultadas na Tabela 2.1 (ver também a
Figura 2.3 e a Tabela 2.2). Note-se que, quer nas tabelas quer na figura, as soluções
são designadas por Rn` (r) e não por Rk` (r). Acontece que a solução da equação con-
duz a um conjunto de valores próprios discretizados

e4 me Z2
Ek` = − , (2.80)
32π 2 ε20 ~2 (k + `)2
66 Átomos hidrogenóides

o que motiva a introdução de um novo número quântico, o número quântico prin-


cipal,
n=k+`. (2.81)
Deste modo, os valores próprios da energia dependem apenas de um número quântico6
e4 me Z 2 Z2
Ek` En = − = − Eh . (2.82)
32π 2 ε20 ~2 n2 2n2
Esta dependência significa que, além da degenerescência em m (dita uma degene-
rescência essencial), os nı́veis de energia dos átomos hidrogenóides possuem um
grau de degenerescência adicional (dito acidental):

k ` n
1 0 1
2 0 2 
3 0 3 ?
···
1 1 2 
2 1 3 ?
3 1 4 ◦
···
1 2 3 ?
2 2 4 ◦
3 2 5

Os ı́ndices k e n são diferentes! O primeiro indica apenas a posição do nı́vel


de energia no sub-espaço de momento angular associado a `, mas o segundo in-
dica a posição desse nı́vel no conjunto global de valores próprios da energia, isto é,
k, ` = 3, 2 designa o terceiro dos estados associados a ` = 2, mas n, ` = 3, 2 indica o
estado com ` = 2 que é o terceiro estado de mais baixa energia do sistema (e o pri-
meiro dos estados associados a ` = 2. . . ). Enquanto a degenerescência em m é uma
consequência direta da invariância rotacional do hamiltoniano (o potencial de Cou-
lomb é um potencial central. . . ), este grau adicional de degenerescência resulta da
forma particular do potencial de Coulomb e poderá não estar presente para outros
potenciais centrais. A combinação das duas degenerescências leva a que o grau de
degenerescência do nı́vel n seja n2 (ver Figura 2.2):
n−1
X (n − 1)n
gn = (2` + 1) = 2 + n = n2 . (2.83)
`=0
2
2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide 67

k=4 k=3 k=2 k=1


n=4 (2×0+1)+(2×1+1)+(2×2+1)+(2×3+1)=16

k=3 k=2 k=1


n=3 (2×0+1)+(2×1+1)+(2×2+1)=9

k=2 k=1
n=2 (2×0+1)+(2×1+1)=4

k=1
n=1 2×0+1=1

`=0 `=1 `=2 `=3

Figura 2.2: Diagrama dos primeiros nı́veis de energia dos átomos hidrogenóides. A
coluna da direita indica o grau de degenerescência do nı́vel em questão.
68 Átomos hidrogenóides

Rnl (r)

R20 (r)

 3/2
1 Z
2 a0 R10 (r)

 3/2
1 Z
4 a0

R30 (r)

 3/2
1 Z
6 a0

 3/2
1 Z
8 a0
R31 (r) R21 (r)

R32 (r)

r
a0 3a0 5a0 7a0 9a0 11a0 13a0
Z Z Z Z Z Z Z

Figura 2.3: As soluções radiais de mais baixa energia.


2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide 69

n ` Rn` (r)
 3/2
Z
1 0 2 e−Zr/a0
a0
 3/2  
Z Zr
2 0 2 1− e−Zr/2a0
2a0 2a0
 3/2  
1 Z Zr −Zr/2a0
2 1 √ e
3 2a0 a0
 3/2 
2Zr 2Z 2 r2 −Zr/3a0

Z
3 0 2 1− + e
3a0 3a0 27a02
√  3/2   
4 2 Z Zr Zr −Zr/3a0
3 1 1− e
9 3a0 6a0 a0
 3/2  2
4 Z Zr
3 2 √ e−Zr/3a0
27 10 3a0 a0

Tabela 2.1: Algumas das soluções radiais de energia mais baixa.

Olhando agora para as expressões das várias funções de onda radiais é fácil
verificar que o número de zeros (excluindo um eventual zero na origem) depende
dos números quânticos n e `, ou melhor, do número quântico k:

# zeros = k − 1 = n − ` − 1 . (2.84)

O número de zeros da função de onda radial pode ser associado à ortogonalização


das várias soluções para um dado valor de `: a solução de mais baixa energia (k = 1)
não possui qualquer zero (exceto eventualmente na origem), mas a solução seguinte
na escala de energia (k = 2) já necessita de ter um zero para garantir que
Z ∞

dr r2 R2` (r)R1` (r) = 0 . (2.85)
0

Como a densidade de probabilidade radial (probabilidade de encontrar o eletrão


em torno do núcleo na camada esférica entre r e r + dr) se obtém integrando a
densidade de probabilidade sobre as coordenadas angulares
Z 2π Z π
ρn` (r) dr = dφ dθ sin θ |Ψn`m (r)|2 r2 dr
0 0
2
= |Rn` (r)| r2 dr , (2.86)
6
Note-se que estes valores coincidem perfeitamente com os valores previstos pelo modelo de Bohr!
70 Átomos hidrogenóides

n ` m Ψn`m (r)
 3/2
1 Z
1 0 0 √ e−Zr/a0
π a0
 3/2  
1 Z Zr
2 0 0 √ 1− e−Zr/2a0
2 2π a 0 2a 0
 3/2  
1 Z Zr −Zr/2a0
2 1 0 √ e cos θ
4 2π a0 a0
 3/2  
1 Z Zr −Zr/2a0
2 1 ±1 ∓ √ e sin θ e±iφ
8 π a0 a0
 3/2 
2Zr 2Z 2 r2 −Zr/3a0

1 Z
3 0 0 √ 1− + e
3 3π a0 3a0 27a02
√  3/2   
2 2 Z Zr Zr −Zr/3a0
3 1 0 √ 1− e cos θ
27 π a0 6a0 a0
 3/2   
2 Z Zr Zr −Zr/3a0
3 1 ±1 ∓ √ 1− e sin θ e±iφ
27 π a0 6a0 a0
 3/2  2
1 Z Zr
e−Zr/3a0 3 cos2 θ − 1

3 2 0 √
81 6π a0 a0
 3/2  2
1 Z Zr
3 2 ±1 ∓ √ e−Zr/3a0 sin θ cos θ e±iφ
81 π a0 a0
 3/2  2
1 Z Zr
3 2 ±2 √ e−Zr/3a0 sin2 θ e±2iφ
162 π a0 a0

Tabela 2.2: Algumas das funções de onda de energia mais baixa.


2.5 A equação de Schrödinger radial para um átomo hidrogenóide 71

o número de nodos de ρn` (r) (incluindo agora o nodo na origem. . . ) é

# nodos = n − ` . (2.87)

É também fácil verificar que as únicas funções de onda que não são nulas na
origem são as associadas a ` = 0, como tı́nhamos estabelecido ao estudar a forma
assimptótica das mesmas. O valor dessas funções na origem é
1 Z3
|Ψn00 (0)|2 = |Rn0 (0)|2 = , (2.88)
4π πa03 n3
Se olharmos para o potencial efetivo reparamos que, para ` = 0, o termo centrı́fugo
é nulo, o que já não acontece para outros valores de `. Como o termo centrı́fugo
funciona como uma barreira que impede o acesso à origem, as soluções para ` = 0
são as únicas que podem não ser nulas na origem. Para todos os outros valores do
momento angular, a barreira centrı́fuga “obriga” a função de onda radial a ser nula
na origem. . .
Anotemos agora algumas expressões que podem ser úteis no futuro. Defina-se
Z
hr in`m = dr Ψ∗n`m (r) rk Ψn`m (r)
k

Z ∞ Z π Z 2π
= dr dθ dφ r2 sin θ |Rn` (r)|2 |Y`m (θ, φ)|2 rk
Z0 ∞ 0 0

= dr |Rn` (r)|2 rk+2 . (2.89)


0

Então
n2
  
1 `(` + 1)
hrin`m = a0 1+ 1− , (2.90)
Z 2 n2
4
  
2 2n 3 `(` + 1) − 1/3
hr in`m = a0 2 1 + 1− , (2.91)
Z 2 n2

n6
   
3 3 27 1 35 10
hr in`m = a0 3 1+ 1− 2 − (` + 2)(` − 1)
Z 8 n 27 9

1
+ 4 (` + 2)(` + 1)`(` − 1) , (2.92)
9n
 
1 Z
= , (2.93)
r n`m a0n2
Z2
 
1
= (2.94)
r2 n`m a02 n3 (` + 1/2)
e
Z3
 
1
= . (2.95)
r3 n`m a03 n3 `(` + 1/2)(` + 1)
72 Átomos hidrogenóides

2.6 Desvios isotópicos


Ao escrever a equação de Schrödinger para um potencial central, equação 2.54,
considerou-se que:

• a massa do núcleo era infinita;

• o núcleo era bem representado por uma carga pontual.

Ora, nenhuma destas hipóteses é verdadeira, embora sejam uma excelente aproximação
em quase todas as situações.

2.6.1 Massa finita dos núcleos


O efeito da massa finita dos núcleos nos átomos hidrogenóides é fácil de calcular:
basta trocar me pela massa reduzida

M me 1
µ= = me . (2.96)
M + me 1 + me /M

para o núcleo em questão. Em termos de espetro de emissão ou absorção, o efeito


da massa finita traduz-se por um desvio nas linhas previstas pelo modelo de Bohr.
Vejamos: os nı́veis de energia EnM quando se considera a massa M do núcleo são, por
simples inspeção da equação 2.82 para os nı́veis de energia En∞ quando se assume
que a massa do núcleo é infinita,

µ ∞ 1  me  ∞
EnM = En = En∞ ≈ 1 − En , (2.97)
me 1 + me /M M

o que indica que o efeito da massa finita é uma ligeirı́ssima “subida” dos nı́veis de
energia (recorde-se que En∞ < 0). Então

∞ hc hc me ∞
∆λn→m = λM
n→m − λn→m = − ∞ = λ , (2.98)
M
Em M
− En ∞
Em − En M n→m

indicando que há um desvio para o vermelho (maiores comprimentos de onda. . . )


das riscas de Bohr dos átomos hidrogenóides e que esse desvio é inversamente
proporcional à massa do núcleo. Em átomos pesados o desvio é, portanto, muito
pequeno, mas para o hidrogénio este desvio é suficientemente grande para distin-
guir as riscas do hidrogénio das riscas do deutério. Foi aliás assim que Harold Urey
e George Murphy descobriram o deutério em 1931, antes de James Chadwick ter
descoberto o neutrão.
2.6 Desvios isotópicos 73

2.6.2 Átomos muónicos


Um sistema em que o efeito da massa finita do núcleo é mais notório são os
átomos muónicos. Nestes “átomos” o eletrão é substituı́do por um muão, cuja
massa é cerca de 207 vezes superior à do eletrão, o que implica que o raio de
Bohr muónico seja 207 vezes mais pequeno e que os nı́veis de energia muónicos
sejam 207 vezes mais baixos. Da equação 2.98 conclui-se também que, para átomos
muónicos, o desvio isotópico é 207 vezes maior, isto é,
∆λµn→m ∆λen→m
≈ 207 e,∞ (2.99)
λµ,∞
n→m λn→m
o que torna a identificação de isótopos muito mais fácil quando se analisa o espe-
tro de átomos muónicos, se assumirmos que a capacidade de deteção de radiação
com comprimento de onda λµ,M n→m é semelhante à de deteção de radiação com com-
primento de onda λe,M
n→m .

2.6.3 Volume finito dos núcleos


O facto de isótopos diferentes poderem ter volumes nucleares diferentes levou
Pauli e Peierls a propôr, em 1931, que deveria haver desvios isotópicos devidos à
distribuição volumétrica (não pontual) da carga do núcleo. Não estando a carga
nuclear concentrada num ponto, o potencial eletrostático no interior do núcleo não
seguirá a lei de Coulomb, sendo a sua forma ditada pela distribuição de carga no
núcleo. Este efeito de volume pode ser estimado assumindo um modelo simples
para a carga do núcleo: (
Ze
4πR3 /3
, r≤R
ρ(r) = (2.100)
0 , r>R
em que R ≈ r0 A1/3 é o raio do núcleo e r0 = 1,2 × 10−15 m. O potencial gerado por
esta distribuição de carga é
(  2 
Ze2 r
8π0 R R 2 − 3 , r≤R
V (r) = 2
(2.101)
Ze
− 4π 0r
, r > R

que deve agora substituir o potencial de Coulomb na equação 2.54. Atendendo


a que este potencial difere do potencial de Coulomb apenas numa região muito
pequena, é possı́vel resolver o problema recorrendo à teoria de perturbações. O
termo perturbativo é a diferença entre o potencial 2.101 e o potencial de Coulomb,
isto é, (  2 
Ze2 r 2R
8π0 R R2
+ r −3 , r≤R
H1 (r) = . (2.102)
0 , r>R
74 Átomos hidrogenóides

Em primeira ordem de teoria de perturbações, os valores próprios da energia de


um átomo hidrogenóide em que a carga nuclear se distribui homogeneamente no
volume do núcleo são:
Z2
En = − 2 + En(1) , (2.103)
2n
em que
Z R
Ze2
 2 
(1) 2 2 r 2R
En = hn ` m|H1 |n ` mi = dr r |Rn` (r)| + −3 , (2.104)
8π0 R 0 R2 r

visto que os harmónicos esféricos estão normalizados à unidade. Como R é muito


pequeno (cinco ordens de grandeza mais pequeno que o raio de Bohr. . . ), é possı́vel
aproximar Rn` (r) pelo seu valor na origem. Então
Z R
Ze2
 4
Ze2 3

(1) 2 r 2 2 R
En ≈ |Rn` (0)| dr + 2Rr − 3r = |Rn` (0)| . (2.105)
8π0 R 0 R2 8π0 R 5

Ora apenas as funções de onda radiais dos estados com ` = 0 são não nulas na
origem, logo, atendendo a 2.88,
(
Z 4 R2 e2
(1) 10π0 a03 n3
, `=0
En ≈ . (2.106)
0 , ` 6= 0

A análise deste resultado mostra que este efeito é mais notório nos átomos hi-
drogenóides de maior Z e nos nı́veis mais baixos (menor n). Também é evidente da
expressão que o desvio isotópico é maior para os isótopos de maior raio.
Como seria de esperar, visto que o raio de Bohr é 207 vezes mais pequeno em
átomos muónicos, é nestes sistemas que este desvio isotópico é mais notório, pois
há maior probabilidade de um muão “atravessar” o núcleo.

2.7 Bibliografia recomendada


• Quantum Mechanics
Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë
Wiley (2006), ISBN 978-0471569527

VII.A — VII.C, AVII , CVII , EVII


DXI
2.7 Bibliografia recomendada 75

• Physics of Atoms and Molecules


B. H. Bransden, C. J. Joachain
Prentice Hall (2003), ISBN 978-0582356924

1.6 — 1.7
2.6
3.1 — 3.6
5.3 (parte final)
Apêndice 2

• Molecular Quantum Mechanics


Peter W. Atkins, Ronald S. Friedman
Oxford University Press (2010), ISBN 978-0199541423

0.4
3.9 — 3.14
Further information 8 — 9

• Atomic Physics
Christopher J. Foot
Oxford University Press (2005), ISBN 978-0198506966

1.2 — 1.3
2.1
6.2

• Atoms, Molecules and Photons: An Introduction to Atomic, Molecu-


lar and Quantum Physics
Wolfgang Demtröder
Springer (2010), ISBN 978-3642102974

2.8
3.4
5.1
76 Átomos hidrogenóides

• Quantum Chemistry
Ira N. Levine
Pearson Education (2014), ISBN 978-0321803450

6.1 — 6.7
Capı́tulo 3

Espetroscopia dos átomos


hidrogenóides

No capı́tulo anterior obtiveram-se as soluções da equação de Schrödinger para


um átomo hidrogenóide. O resultado experimental que se pretende descrever com
estas soluções é o espetro de absorção ou emissão do hidrogénio atómico (ou de qual-
quer outro átomo hidrogenóide). A figura 3.1 mostra o espetro visı́vel do hidrogénio
atómico1 . Como se pode ver, os picos de absorção correspondem aos previstos pelo
modelo de Bohr (são visı́veis os picos correspondentes às transições da série de Bal-
mer, ver tabela da secção 2.2.2). Mas o espetro fornece informação adicional: as
intensidades relativas de cada pico. . . Para obter essa informação é necessário ir
para além do simples cálculo das diferenças de energia entre nı́veis e estudar o
átomo de hidrogénio em interação com uma onda eletromagnética.

3.1 O hamiltoniano clássico para uma partı́cula car-


regada num campo eletromagnético

Embora nas leis de Newton apareçam explicitamente os campos elétrico e/ou


de indução magnética com que uma partı́cula carregada interaja, são os potenci-
ais vetor e escalar que surgem numa formulação lagrangiana ou hamiltoniana da
Mecânica Clássica. O mesmo se passa na Mecânica Quântica.
Os campos elétrico e de indução magnética estão relacionados com os potenciais

1
Dados extraı́dos da página do “National Institute of Standards and Technology”, https://
physics.nist.gov/PhysRefData/ASD/lines_form.html.
78 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Secção eficaz (unidades arbitrárias)

700 650 600 550 500 450 400


λ (nm)

Figura 3.1: Espetro de absorção do hidrogénio atómico na região do visı́vel.

vetor (A(r, t)) e escalar (V (r, t)) da seguinte forma:


(
∂A(r,t)
E(r, t) = −∇V (r, t) − ∂t
, (3.1)
B(r, t) = ∇ × A(r, t)

em que as transformações
(
V (r, t) V (r, t) − ∂χ(r,t)
∂t
(3.2)
A(r, t) A(r, t) + ∇χ(r, t)

conduzem aos mesmos campos seja qual for a função escalar χ(r, t). Chama-se a
esta invariância uma invariância de padrão (ou invariância de gauge). Esta in-
variância dá-nos a liberdade de escolher uma gauge particular, visto que os campos
fı́sicos não se alteram qualquer que esta seja. Iremos explorar esta propriedade
mais tarde.
O lagrangiano de uma partı́cula carregada de massa me e carga q em interação
com um campo eletromagnético é:

1
L(r, v, t) = me v 2 − qV + qA · v . (3.3)
2

É fácil demonstrar que este lagrangiano permite obter as equações do movimento


da partı́cula. De facto, as equações de Euler-Lagrange serão (para a coordenada x,
3.2 Interação de um átomo hidrogenóide com uma onda eletromagnética
79

por exemplo):
 
d ∂L ∂L d ∂V ∂Ax ∂Ay ∂Az
= ⇔ (me vx + qAx ) = −q +q vx + vy + vz ⇔
dt ∂vx ∂x dt ∂x ∂x ∂x ∂x
   
∂Ax ∂Ax ∂Ax ∂Ax ∂V ∂Ax ∂Ay ∂Az
⇔ me ax +q vx + vy + vz + = −q +q vx + vy + vz ⇔
∂x ∂y ∂z ∂t ∂x ∂x ∂x ∂x
     
∂V ∂Ax ∂Ax ∂Ay ∂Ax ∂Az
⇔ me ax = −q + −q − vy − q − vz ⇔
∂x ∂t ∂y ∂x ∂z ∂x
⇔ me ax = qEx + qBz vy − qBy vz ,

que é a força de Lorentz


me a = qE + qv × B (3.4)
se os campos E(r, t) e B(r, t) forem definidos como nas equações 3.1.
O hamiltoniano obtém-se agora fazendo a transformada de Legendre

H(r, p, t) = v · p − L(r, v, t) , (3.5)

onde
∂L(r, v, t)
p= ≡ ∇v L(r, v, t) . (3.6)
∂v
Neste caso,  
∂ 1 2
p= me v − qV + qA · v = me v + qA , (3.7)
∂v 2
donde se conclui que
p − qA
v= . (3.8)
me
Então

H(r, p, t) = v · p − L(r, v, t)
 2
p − qA 1 p − qA p − qA
= · p − me + qV − qA ·
me 2 me me
(p − qA)2
= + qV . (3.9)
2me

3.2 Interação de um átomo hidrogenóide com uma


onda eletromagnética
Partindo do hamiltoniano clássico e seguindo a prescrição habitual de quantização,
a equação de Schrödinger dependente do tempo para uma partı́cula de carga −e e
massa me num campo eletromagnético será
" #
∂ (−i~∇ + eA)2
i~ Ψ(r, t) = − eV Ψ(r, t) . (3.10)
∂t 2me
80 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Vamos considerar que há duas contribuições distintas para o campo eletromagnético:
um potencial escalar eletrostático que descreve a interação de um eletrão com o
núcleo de um átomo hidrogenóide de carga Ze e uma onda eletromagnética que per-
turba o sistema. Vamos ainda assumir, sem perda de generalidade, que o potencial
escalar associado à onda eletromagnética é nulo. Assim a equação de Schrödinger
ficará " #
∂ (−i~∇ + eA)2 e2 Z
i~ Ψ(r, t) = − Ψ(r, t) . (3.11)
∂t 2me 4π0 r
Ora,
(−i~∇ + eA)2 = −~2 ∇2 + e2 A2 − ie~∇ · A − ie~A · ∇ . (3.12)

Mas
∇ · AΨ ≡ ∇ · (AΨ) = A · (∇Ψ) + (∇ · A) Ψ . (3.13)

Se aproveitarmos a liberdade de escolha de uma gauge, podemos impôr que

∇ · A(r, t) = 0 , (3.14)

que corresponde a escolher a chamada gauge de Coulomb. Então

∇ · (AΨ) = A · (∇Ψ) (3.15)

(isto é, podemos dizer que [∇, A] = 0) e

(−i~∇ + eA)2 = −~2 ∇2 + e2 A2 − 2ie~A · ∇ , (3.16)

ficando a equação de Schrödinger


 2
e2 2 ie~ e2 Z

∂ −~ 2
i~ Ψ(r, t) = ∇ + A − A·∇− Ψ(r, t) . (3.17)
∂t 2me 2me me 4π0 r

Se o campo produzido pela onda eletromagnética que incide no sistema não for
muito intenso, podemos desprezar o termo em A2 . Nesse caso estaremos a igno-
rar processos de absorção/emissão simultânea de mais de um fotão. A equação de
Schrödinger que teremos então de resolver é
 2
e2 Z ie~

∂ −~ 2
i~ Ψ(r, t) = ∇ − − A · ∇ Ψ(r, t) . (3.18)
∂t 2me 4π0 r me

Para resolver esta equação, vamos tratar o termo em A como uma perturbação
dependente do tempo, isto é, vamos re-escrever a equação como

∂ h i
i~ Ψ(r, t) = Ĥ0 + Ĥ1 (t) Ψ(r, t) , (3.19)
∂t
3.3 Potencial vetor para ondas monocromáticas 81

onde (
−~ 2 2
e Z
Ĥ0 = 2m ∇2 − 4π 0 r
e
ie~
. (3.20)
Ĥ1 (t) = − m e
A · ∇
De acordo com a teoria de perturbações dependente do tempo, conjugando as equa-
ções 1.238 e 1.249, a função de onda pode-se aproximar por
(0)
− ~i Em t
X
δma + c(1)
 (0)
Ψ(r, t > 0) ≈ m (t) Ψm (r, t) e , (3.21)
m

(0) (0)
onde se assume que o sistema está inicialmente (para t < 0) no estado Ψa (r, t), Ψn
(0)
e En indicam, respetivamente, o n-ésimo vetor e valor próprio do hamiltoniano Ĥ0
e Z t
e 0
(1)
cm (t) = − dt0 hm|A · ∇|ai eiωma t . (3.22)
me 0
Recorde-se que
(0)
~ωma = Em − Ea(0) (3.23)
(0)
e que Ψn (r, t) = hr, t|ni.

3.3 Potencial vetor para ondas monocromáticas


Vamos agora considerar que a onda eletromagnética é monocromática. Tal
consideração não afeta o caráter geral dos resultados que iremos deduzir, pois po-
demos sempre considerar qualquer onda eletromagnética como uma sobreposição
de ondas monocromáticas. Isto é,
Z
A(r, t) = dω A(r, t; ω) , (3.24)

em que
A0 (ω) cos (k · r − ωt + δ(ω))
A(r, t; ω) = 2ˆ (3.25)
(assumindo que a polarização ˆ e a direção de propagação k̂ são as mesmas para
todas as componentes, embora se admita que a fase δ(ω) de diferentes componentes
possa não ser igual. . . ) Outra forma, mais conveniente, de escrever o potencial
vetor é
A0 (ω) e−i(k·r−ωt+δ(ω)) .
A(r, t; ω) = ˆA0 (ω) ei(k·r−ωt+δ(ω)) +ˆ (3.26)
É esta a forma que iremos usar. . . Repare-se que

∇ · A = −2A0 (ω)k · ˆ sin (k · r − ωt + δ(ω)) (3.27)

pelo que a escolha da gauge de Coulomb resulta na imposição de ondas transversas:

∇ · A = 0 ⇒ k · ˆ = 0 . (3.28)
82 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Os campos elétrico e de indução magnética descritos por este potencial vetor são,
respetivamente,
(
E = −2ωA0 (ω)ˆ
 sin (k · r − ωt + δ(ω))
. (3.29)
B = −2A0 (ω)(k × ˆ) sin (k · r − ωt + δ(ω))

Para perceber melhor o significado do versor que indica a polarização, vamos


considerar, sem que isso introduza qualquer perda de generalidade, que a onda se
propaga ao longo do eixo z, isto é, que k = k ẑ. Então ˆ é necessariamente um
vetor no plano xy: ˆ = ax̂ + bŷ. Caso a e b sejam dois números reais quaisquer
(com a2 + b2 = 1), estamos na presença de uma polarização linear na direção ˆ e os
campos elétrico e magnético oscilam numa direção fixa do espaço (no plano xy — é
uma onda transversa). Mas muitas vezes temos radiação circularmente polarizada,
isto é, ondas cuja direção de oscilação “roda” num plano. Como deverá ser o vetor
ˆ para descrever estas situações? A resposta é simples. . . Vejamos o que acontece
quando
1
ˆ− = √ (x̂ − iŷ) . (3.30)
2

Neste caso os campos elétrico e de indução magnética serão:




 Ex = −2ωA0 (ω) √12 sin (kz − ωt + δ(ω))
Ey = 2ωA0 (ω) √i2 sin (kz − ωt + δ(ω))






 E =0
z
i


 Bx = −2A0 (ω)k √2 sin (kz − ωt + δ(ω))

By = −2A0 (ω)k √12 sin (kz − ωt + δ(ω))






 B =0
z



 Ex = −2ωA0 (ω) √12 sin (kz − ωt + δ(ω))
Ey = 2ωA0 (ω) √12 cos (kz − ωt + δ(ω))






 E =0
z
⇔ 1
. (3.31)

 B x = −2A0 (ω)k √2 cos (kz − ωt + δ(ω))

By = −2A0 (ω)k √12 sin (kz − ωt + δ(ω))






 B =0
z

A figura seguinte representa os dois campos em dois instantes próximos. Facil-


mente se comprova que este vetor polarização descreve uma situação em que há, ao
longo do tempo, uma rotação horária dos vetores campo. É por isso uma polarização
circular negativa.
3.3 Potencial vetor para ondas monocromáticas 83

B(t + ∆t) y

B(t) E(t)

E(t + ∆t)

A polarização circular positiva será descrita por um vetor polarização


1
ˆ+ = √ (x̂ + iŷ) . (3.32)
2
A amplitude do potencial vetor pode ser facilmente convertida numa grandeza
diretamente comparável com as grandezas experimentalmente acessı́veis. Veja-
mos. . . A densidade (volumétrica) de radiação de frequência ω é dada por
N (ω)~ω
ρ(ω) = , (3.33)
V
em que N (ω) é o número de fotões de frequência ω presentes e V é o volume do
sistema. Podemos calcular esta quantidade de outra forma, recorrendo aos cam-
pos elétrico e de indução magnética e relembrando que a densidade de energia do
campo é dada por
 
1 1 2
0 E + B = 40 ω 2 A20 (ω) sin2 (k · r − ωt + δ(ω)) ,
2
(3.34)
2 µ0
onde 0 e µ0 são, respetivamente, a permitividade elétrica e a permeabilidade magnética
do vácuo. Basta agora integrar sobre um perı́odo de oscilação para obter
Z t0 + 2π
ω
ρ(ω) = dt 40 ω 2 A20 (ω) sin2 (k · r − ωt + δ(ω)) = 20 ω 2 A20 (ω) . (3.35)
t0

Conclui-se assim que


~
A20 (ω) = N (ω) . (3.36)
20 ωV
Podia-se também ter recorrido ao vetor de Poynting
1
P = E×B , (3.37)
µ0
que representa a taxa de fluxo de energia através de uma seção unitária perpendi-
cular à direção de propagação da onda. A sua média temporal sobre um perı́odo de
oscilação dá-nos a intensidade da radiação incidente

I(ω) = 20 ω 2 cA20 (ω) = ρ(ω)c . (3.38)


84 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

3.4 Interação de um átomo hidrogenóide com uma


onda eletromagnética monocromática
Voltemos então à expressão 3.22. Introduzindo a forma 3.26, esta expressão fica
Z t
e 0 0
c(1)
m (t) = − A0 (ω) eiδ(ω))
hm| e ˆ · ∇|ai dt0 e−iωt eiωma t +
ik·r
me 0
Z t
e −iδ(ω)) −ik·r 0 0
− A0 (ω) e hm| e ˆ · ∇|ai dt0 eiωt eiωma t (3.39)
me 0

Vamos analisar, para já, apenas a primeira parcela desta expressão. A probabi-
lidade de transição do estado |ai para o estado |mi quando o sistema é perturbado
é dada por
2
= e A20 (ω) hm| eik·r ˆ · ∇|ai 2 F (ωma − ω, t) ,
2
Pm←a (t) = c(1)
m (t) (3.40)
m2e

onde F (ωma − ω, t) é a função definida em 1.254. De acordo com o estudo que na


altura se fez desta função, se a perturbação atuar durante um intervalo de tempo
suficientemente grande, a função F (ωma − ω, t) só será não nula se

ωma − ω ≈ 0 , (3.41)

o que implica que a probabilidade de transição só será não nula se


(0) (0)
Em − Ea (0)
≈ω ⇔ Em ≈ Ea(0) + ~ω , (3.42)
~
que nos permite interpretar a primeira parcela de 3.39 como sendo a descrição de
um processo de absorção.
Do mesmo modo, se analisarmos separadamente a segunda parcela de 3.39,
concluı́mos que, neste caso, a probabilidade de transição só será não nula se
(0)
Em ≈ Ea(0) − ~ω , (3.43)

o que nos leva a interpretar esta parcela como a descrição de um processo de


emissão. Mas é um processo de emissão um pouco bizarro, pois a sua probabi-
lidade de ocorrência é proporcional a A20 (ω), o que significa que este processo não
ocorreria se não incidisse qualquer radiação no átomo. Não é, por isso, um pro-
cesso de emissão espontânea! É emissão estimulada, um processo em que
ocorre emissão de radiação se o átomo for perturbado por radiação perfeitamente
idêntica à que virá a emitir. Este processo tinha sido postulado por Albert Eins-
tein ainda antes do advento da Mecânica Quântica. . . A descrição da interação de
3.5 Coeficientes de Einstein 85

radiação com um átomo hidrogenóide não contempla, aparentemente, a emissão


espontânea. Porquê? A resposta é simples: não havendo qualquer perturbação,
isto é, quando A = 0, o hamiltoniano do sistema é simplesmente o hamiltoniano de
um átomo hidrogenóide, cujos estados próprios são estados estacionários. . . Seria
necessário introduzir uma descrição “quântica” do campo eletromagnético para per-
mitir a “criação de um quanta”, isto é, o surgimento de um fotão. Isto só é possı́vel
se recorrermos à Teoria Quântica de Campos.

3.5 Coeficientes de Einstein


Em 1916, Albert Einstein debruçou-se sobre o problema da emissão e absorção
de luz por um gás atómico. O sistema estudado foi um gás atómico em equilı́brio
termodinâmico com um campo de radiação. Os átomos do sistema possuı́am apenas
dois nı́veis atómicos, com energias Eb > Ea , havendo, em equilı́brio, Nb átomos no
nı́vel de energia Eb e Na átomos no nı́vel de energia Ea . O sistema estava isolado e
em equilı́brio termodinâmico à temperatura T .
Seja ρ(ω) a densidade de energia do campo radiativo, isto é, o produto da energia
de cada modo (~ω) pelo número de fotões dessa frequência por unidade de volume. O
número de átomos que transitam do nı́vel a para o nı́vel b por absorção de radiação,
por unidade de tempo, é:
dNb←a
= Bba Na ρ(ωba ) , (3.44)
dt
onde Bba é uma constante de proporcionalidade (a probabilidade de absorção por
unidade de tempo...) e
Eb − Ea
ωba = . (3.45)
~
Do mesmo modo
dNa←b
= Aab Nb , (3.46)
dt
onde Aab é a probabilidade de emissão por unidade de tempo. Como o sistema está
em equilı́brio
dNb←a dNa←b
= ⇔ (3.47)
dt dt
⇔ Bba Na ρ(ωba ) = Aab Nb ⇔ (3.48)
Aab Nb
⇔ ρ(ωba ) = . (3.49)
Bba Na
Por outro lado, estando o sistema em equilı́brio termodinâmico,
Na E −E
− a b
~ωba
= e kB T = e kB T , (3.50)
Nb
86 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

logo
Aab − ~ω ba
ρ(ωba ) = e kB T . (3.51)
Bba
Mas a lei de Planck estipula que, havendo equilı́brio termodinâmico entre os átomos
e o campo de radiação,
~ω 3 1
ρ(ω) = 2 3 ~ω , (3.52)
π c e kB T −1
que é incompatı́vel com 3.51.
A solução proposta por Einstein foi inclui um termo extra em 3.46:

dNa←b
= Aab Nb + Bab Nb ρ(ωba ) . (3.53)
dt
Este termo é um pouco estranho... Fisicamente, representa um processo de emissão
de radiação e consequente desexcitação do nı́vel b. Mas é um processo em que
há emissão apenas se estiver previamente presente um fotão igual ao que vai ser
emitido na desexcitação (é esse o significado do fator ρ(ωba )). Para distinguir este
processo do processo “normal” de emissão, diz-se que esta é emissão estimulada,
por oposição à emissão “normal” (dita espontânea). Com este termo adicional,

dNb←a dNa←b
= ⇔ (3.54)
dt dt
⇔ Bba Na ρ(ωba ) = Aab Nb + Bab Nb ρ(ωba ) ⇔ (3.55)
Aab Nb
⇔ ρ(ωba ) = = (3.56)
Bba Na − Bab Nb
Aab
= Na
= (3.57)
Bba N b − Bab
Aab
= ~ωba . (3.58)
Bba e kB T
−Bab

Para obter a expressão de Planck para a densidade de radiação, basta que os coe-
ficientes de Einstein satisfaçam as relações
(
Bab = Bba ≡ B
~ω 3 (3.59)
Aab ≡ A = π2 cba3 B .

Caso os nı́veis a e b tenham graus de degenerescência diferentes (ga e gb ), é ne-


cessário corrigir estas expressões. Nesse caso temos

 gb Bab = ga Bba
3
(3.60)
 A ≡ A = ~ωba B .
ab π 2 c3 ab
3.6 Regras de seleção 87

O resultado deste “exercı́cio” foi a “descoberta” de um terceiro mecanismo de


excitação/desexcitação radiativa de um átomo: a emissão estimulada. Este pro-
cesso levou, vários anos depois, à descoberta dos princı́pios operacionais de “Micro-
wave Amplification by Stimulated Emission of Radiation” e “Light Amplification
by Stimulated Emission of Radiation” e à invenção do laser.

3.6 Regras de seleção


(1)
Da análise que fizemos atrás à expressão 3.39 resulta que, ao calcular |cm (t)|2 ,
podemos sempre separar o resultado em duas parcelas distintas, ignorando os ter-
(0) (0)
mos cruzados, pois a primeira parcela implica Em ≈ Ea + ~ω enquanto a segunda
(0) (0)
implica Em ≈ Ea − ~ω. Temos portanto, para a absorção,

abs e2 2 ik·r
2
Pm←a (t) = A (ω) hm| e ˆ
 · ∇|ai F (ωma − ω, t) (3.61)
m2e 0

e, para a emissão estimulada,

em est e2 2 −ik·r
2
Pm←a (t) = A (ω) hm| e ˆ
 · ∇|ai F (ωma + ω, t) (3.62)
m2e 0

Vamos agora analisar cuidadosamente os termos

hm| e±ik·r ˆ · ∇|ai . (3.63)

Se expandirmos e±ik·r em série de Taylor obteremos:

1
e±ik·r ≈ 1 ± ik · r − (k · r)2 + · · · (3.64)
2!
Qual é o valor tı́pico do número de onda para os casos que nos interessam? Vejamos:
para radiação visı́vel (400 − 700 nm), 0,9 × 107 < |k| < 1,6 × 107 m−1 . Para radiação
ultra-violeta com energia da ordem da energia de ionização do átomo de hidrogénio,
|k| ∼ 8 × 107 m−1 . Então, atendendo a que as funções de onda hidrogenóides de-
caem exponencialmente para zero numa região da ordem de alguns raios de Bohr,
é seguro dizer que |k · r| < 10−2 . Podemos pois desprezar todos os termos exceto
o primeiro na expansão em série da exponencial. Esta aproximação corresponde
a assumir que a radiação incidente no átomo tem um comprimento de onda muito
superior às dimensões deste. Pode-se portanto considerar que a onda incidente está
na mesma fase em toda a região ocupada pelo átomo. Assim,

hm| e±ik·r ˆ · ∇|ai ≈ hm|ˆ


 · ∇|ai . (3.65)
88 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Esta aproximação designa-se por aproximação dipolar elétrica, por razões que
veremos mais à frente. Ora,
i
∇= p. (3.66)
~
Recordemos que, na representação dos momentos,

r = i~∇p . (3.67)

Vamos passar para a representação dos momentos para calcular o seguinte comu-
tador: i  p2  p2
 
h i~
r, Ĥ0 = r, + [r, V (r)] = i~∇p , = p. (3.68)
2me 2me me
Então
me h i
hm|ˆ
 · ∇|ai = hm|ˆ  · 2 r, Ĥ0 |ai =
~
me (0) (0)

= 2 Ea − Em ˆ · hm|r|ai =
~
me
= − ωma ˆ · hm|r|ai =
~
me
= ωma ˆ · hm|π|ai , (3.69)
e~
onde π = −er é o operador momento dipolar elétrico. Podemos então finalmente
escrever, na aproximação dipolar elétrica, que, na absorção,
2
ωma
abs
Pm←a (t) =  · hm|π|ai|2 F (ωma − ω, t)
A2 (ω) |ˆ (3.70)
~2 0
e que, na emissão estimulada,
2
ωma
em est
Pm←a (t) = 2
 · hm|π|ai|2 F (ωma + ω, t) .
A20 (ω) |ˆ (3.71)
~
Estas duas expressões mostram que, se estiverem reunidas as condições para os
processos ocorrerem, estes são igualmente prováveis. Foi esta precisamente a con-
clusão de Einstein: os coeficientes de Einstein, que são a probabilidade por unidade
de tempo de o processo a eles associado ocorrer, são iguais para a absorção e para
a emissão estimulada (ver 3.59). Repare-se que a probabilidade de ocorrer emissão
espontânea pode ser obtida recorrendo às relações entre os coeficientes de Eins-
tein. . .
Repare-se ainda que o elemento de matriz hm|π|ai é a peça “fundamental” destas
expressões: se for nulo, as transições em causa têm probabilidade nula de ocorrer,
isto é, são transições proibidas. Ou melhor, são transições dipolares elétricas
proibidas. . . Só serão verdadeiramente proibidas se hm| e−ik·r ˆ · ∇|ai for nulo! Se
este elemento de matriz não for nulo, mas hm|π|ai = 0, estaremos na presença de
3.6 Regras de seleção 89

uma transição dipolar magnética, ou quadrupolar elétrica, ou. . . Embora seja uma
transição permitida, será, seguramente, muito menos provável que as transições
dipolares elétricas permitidas. Isto refletir-se-á no espetro experimental por um
pico muito pouco pronunciado quando comparado com os outros. Vamos então des-
cobrir algumas regras que nos permitam, rapidamente, dizer se o elemento de ma-
triz do momento dipolar elétrico é nulo ou não.
Comecemos por considerar uma reflexão em torno da origem: r −r. Sendo r
uma variável (muda) de integração, o resultado não deve mudar, isto é,

hm|π|ai ≡ hn0 `0 m0 |π|n`mi =


Z ∞ Z π Z 2π
0∗
= dr dθ dφ r2 sin(θ)Rn∗ 0 `0 (r)Y`m
0 (θ, φ) (−er) Rn` (r)Y`m (θ, φ) =
Z0 ∞ Z0 π Z0 2π
0∗
= dr dθ dφ r2 sin(π − θ)Rn∗ 0 `0 (r)Y`m 0 (π − θ, π + φ)·
0 0 0

· (er) Rn` (r)Y`m (π − θ, π + φ) (3.72)

pois esta inversão, em coordenadas polares esféricas, corresponde à transformação



 r
 r
θ π−θ . (3.73)

φ π+φ

Ora, das propriedades dos harmónicos esféricos, sabemos que

Y`m (π − θ, π + φ) = (−1)` Y`m (θ, φ) , (3.74)

logo a função integranda da equação 3.72 vem afetada de um sinal


0 0
(−1)` (−1)(−1)` = (−1)`+` +1 . (3.75)

Caso o resultado seja −1, a função integranda é ı́mpar e o integral é nulo. Portanto,
para que o elemento de matriz não seja nulo, a soma `+`0 +1 tem de ser um número
par, isto é, ` + `0 tem de ser ı́mpar. Por outras palavras: os estados |mi e |ai têm
de ter paridades diferentes. . .
Vamos agora fazer a seguinte transformação, recorrendo aos harmónicos esféricos2
e aos versores de polarização introduzidos na secção 3.3,

r = r (sin θ cos φ x̂ + sin θ sin φ ŷ + cos θ ẑ) =


r  −1
4π Y1 (θ, φ) − Y11 (θ, φ) Y11 (θ, φ) + Y1−1 (θ, φ)

0
=r √ x̂ + i √ ŷ + Y1 (θ, φ)ẑ =
3 2 2
r

Y1−1 (θ, φ)ˆ
+ − Y11 (θ, φ)ˆ − + Y10 (θ, φ)ẑ .

=r (3.76)
3
2
p
Recorrendo aos harmónicos esféricos reais: r = r 4π/3 (Y1,1 (θ, φ)x̂ + Y1,−1 (θ, φ)ŷ + Y1,0 (θ, φ)ẑ).
90 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Podemos assim analisar facilmente o produto

ˆ · hm|π|ai =
Z ∞ Z π Z 2π
0
= dr dθ dφ r2 sin(θ)Rn∗ 0 `0 (r)Y`m
0

 · r) Rn` (r)Y`m (θ, φ) . (3.77)
(θ, φ) (−eˆ
0 0 0
Centremo-nos no integral em φ. Só os harmónicos esféricos dependem desta variável.
E dependem de uma forma simples:
Y`m (θ, φ) = f (θ) eimφ . (3.78)
Então, o integral nesta variável é apenas
Z 2π
0
dφ e−im φ c+ e−iφ −c− eiφ +cz eimφ ,

(3.79)
0
onde c+ = ˆ · ˆ+ , c− = ˆ · ˆ− e cz = ˆ · ẑ e se usou a expansão 3.76 para escrever o
operador momento dipolar elétrico. Como tanto m como m0 são números inteiros,
Z 2π
0
dφ e−im φ c+ e−iφ −c− eiφ +cz eimφ = c+ δm,m0 +1 − c− δm,m0 −1 + cz δm,m0 , (3.80)

0
o que permite dizer que só há transição se m = m0 ou se m = m0 ±1. Mas, mesmo que
estas condições sejam satisfeitas, pode acontecer que o integral em θ seja nulo. . . Os
harmónicos esféricos formam uma base completa para as funções angulares, isto é,
qualquer função que dependa apenas das coordenadas angulares pode ser escrita
como uma combinação linear de harmónicos esféricos. Podemos pois olhar para
os produtos de harmónicos esféricos que resultam do produto do momento dipolar
elétrico pelo estado |ai na expressão 3.77 como um caso particular de uma função
das coordenadas angulares. Esses produtos são da forma:
Y10,±1 (θ, φ)Y`m (θ, φ) . (3.81)
Ora isto significa que, na expansão destes produtos em harmónicos esféricos, só
vão aparecer termos Yqp (θ, φ) em que p = m, m ± 1 e |` − 1| ≤ q ≤ ` + 1. Mas ainda
0∗
falta multiplicar por Y`m0 (θ, φ) e integrar em θ e φ. Como os harmónicos esféricos
obedecem à relação de ortogonalização 1.115, este integral só vai ser não nulo se
`0 = q (e m0 = p, como já vimos). Mas a regra deduzida acima (na análise da
paridade da função integranda) proı́be que ` seja igual a `0 . . . Juntando então todas
estas regras, chegamos às

Regras de seleção para as transições dipolares elétricas

∆` = ±1
∆m = 0, ±1
3.6 Regras de seleção 91

Uma consequência óbvia destas regras é que o estado |n = 2, ` = 0, m = 0i


é estável, isto é, quando um sistema é excitado para este estado permanece nele
para sempre (assumindo que o sistema está isolado e não interage com qualquer
outro sistema): a única transição “descendente” possı́vel é para o estado |n = 1, ` =
0, m = 0i, e esta está proibida pois implicaria ∆` = 0. É claro que este raciocı́nio
só é válido se ignorarmos todos os tipos de transição exceto as transições dipola-
res elétricas. . . Na realidade o tempo de vida deste estado é 1/7 s, que é muito
maior que os tempos de vida tı́picos dos estados excitados (∼ 1 ns). Os estados
com um tempo de vida muito maior que o “normal” são designados por estados
meta-estáveis.
Podemos agora tentar intuir quais serão as regras de seleção para transições de
ordem superior. Comecemos por considerar o termo seguinte na expansão de e±ik·r
em 3.65. Vamos, sem perda de generalidade, escolher a direção de propagação
da onda como sendo a direção y, isto é, k̂ ≡ ŷ. Como o vetor de polarização é
perpendicular à direção de propagação, podemos escolher uma polarização linear
ˆ ≡ ẑ. O elemento da matriz de transição fica:
i
hm|(ik · r) ˆ · ∇|ai = hm|iky P̂z |ai =
~
k 1  1 
= − hm| ŷ P̂z − ẑ P̂y + ŷ P̂z + ẑ P̂y |ai =
~ 2 2
k k
= − hm|L̂x |ai − ha|ŷ P̂z + ẑ P̂y |ai . (3.82)
2~ 2~
Podemos desde já constatar que a regra relativa à paridade dos estados é diferente:
comparando com 3.65, estes termos têm um operador posição “a mais”. Então o
operador cujo elemento de matriz estamos a calcular é um operador par (pois o
da Eq. 3.65 era ı́mpar), o que força os dois estados a possuı́rem a mesma pari-
dade, isto é, na ausência de outras regras, ∆` = 0, ±2, ±4, . . . As duas parcelas de
3.82 são facilmente interpretadas: a primeira representa as transições dipolares
magnéticas e a segunda as transições quadrupolares elétricas. As respetivas
regras de seleção são:

Regras de seleção para as transições dipolares magnéticas3

∆` = 0
∆m = 0, ±1

3
Estas regras estão incompletas, pois não faz sentido falar de transições magnéticas sem consi-
derar o spin do eletrão. As regras corretas serão apresentadas mais tarde.
92 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Regras de seleção para as transições quadrupolares elétricas

∆` = 0, ±2
∆m = 0, ±1, ±2

Vamos voltar a olhar para


2
ωma
abs
Pm←a (t) =  · hm|π|ai|2 F (ωma − ω, t) ,
A2 (ω) |ˆ (3.83)
~2 0
assumindo agora que a onda de radiação incidente não é monocromática, mas que
tem uma gama de frequências distribuı́da em torno de ωma . Então
Z ωma −∆ω
ω2 2
abs
Pm←a (t) = dω ma
2
 · hm|π|ai|2 F (ωma − ω, t) .
A0 (ω) |ˆ (3.84)
ωma +∆ω ~
Se o tempo de atuação da perturbação for longo o suficiente para se poder conside-
rar
F (ωma − ω, t) ≈ 2πtδ(ωma − ω, t) (3.85)
(ver 1.258), mas não tão longo que invalide a teoria de perturbações,
Z ωma −∆ω
ω2 2
abs
Pm←a (t) = dω ma 2
 · hm|π|ai|2 2πtδ(ωma − ω, t) =
A0 (ω) |ˆ
ωma +∆ω ~
2
2πωma 2
=  · hm|π|ai|2 .
A0 (ωma )t |ˆ (3.86)
~2
A taxa de transição será então
d abs
Rabs
m←a = P (t) =
dt m←a
2
2πωma
= 2
 · hm|π|ai|2 =
A20 (ωma ) |ˆ
~
πωma
=  · hm|π|ai|2 =
N (ωma ) |ˆ
~0 V
π
= 2 I(ωma ) |ˆ  · hm|π|ai|2 . (3.87)
~ 0 c
É costume definir-se ainda a secção eficaz de absorção4 dividindo a taxa de
transição pelo fluxo de fotões incidentes (I/~ω):
π
abs
σm←a =  · hm|π|ai|2 =
ωma |ˆ
~0 c
 · hm|r|ai|2 ,
= 4π 2 α ωma |ˆ (3.88)
4
A secção eficaz de absorção é a área de um disco absorvente que, quando colocado perpendicu-
larmente ao feixe de fotões, absorveria o mesmo número de fotões por segundo.
3.6 Regras de seleção 93

onde α é a constante de estrutura fina, e a oscillator strength, que é uma gran-


deza adimensional:
2me ωma
fma = |hm|r|ai|2 . (3.89)
3~
Procedendo do mesmo modo para a emissão estimulada, podemos obter a taxa
de transição para este processo. Basta reparar que a única diferença entre as ex-
pressões 3.70 e 3.71 é o sinal de ω em F (ωma + ω, t). Então,
d em est
Rem est
m←a = P (t) =
dt m←a
2
2πωma
=  · hm|π|ai|2 =
A20 (ωma ) |ˆ
~2
πωma
=  · hm|π|ai|2 =
N (ωma ) |ˆ
~0 V
π
= 2 I(ωma ) |ˆ  · hm|π|ai|2 , (3.90)
~ 0 c
e
em est
σm←a  · hm|r|ai|2 .
= 4π 2 α ωma |ˆ (3.91)
Repare-se que todas as expressões obtidas até agora para a emissão estimulada
e para a absorção assumem radiação polarizada na direção ˆ, o que pressupõe
também uma direção bem definida para a propagação da onda eletromagnética
(a direção de k. . . ). Se a radiação eletromagnética incidente no átomo não for bem
descrita por uma onda plana polarizada é necessário calcular a média das taxas de
transição sobre todas as direções de incidência e/ou de polarização da onda.
Se dividirmos Rem est abs
m←a e Rm←a por ρ (ωma ) = I (ωma ) /c, obtemos os coeficientes de
Einstein, na aproximação dipolar elétrica, para a emissão estimulada e a absorção,
respetivamente. Caso se pretendam obter os coeficientes de Einstein “globais”,
basta não recorrer à aproximação dipolar elétrica. Nesse caso viria, por exemplo,

abs 4π 2 α~2 2
σm←a = 2
hm| eik·r ˆ · ∇|ai (3.92)
me ωma
e
4π 2 α~2 2
em est
σm←a = 2
hm| e−ik·r ˆ · ∇|ai . (3.93)
me ωma
Para calcular a taxa de transição por emissão espontânea, na aproximação di-
polar elétrica, podemos partir de 3.90
πωma
Rem est
m←a = N (ωma ) |ˆ  · hm|π|ai|2 . (3.94)
~0 V
O fator N (ωma ) indica a densidade de radiação, isto é, o número de fotões presentes.
Como na emissão espontânea esse número não se conserva, é lı́cito assumir que
πωma
Rem
m←a =  · hm|π|ai|2
(N (ωma ) + 1) |ˆ (3.95)
~0 V
94 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

seria a taxa de transição para a emissão quando se consideram, em simultâneo,


ambos os processos de emissão. Este é, aliás, o resultado que se obtém quando se
quantiza o campo eletromagnético. . . Então, para a emissão espontânea apenas,
πωma
Rem esp
m←a =  · hm|π|ai|2 .
|ˆ (3.96)
~0 V
Mas esta taxa de transição depende da polarização ˆ e direção k̂ do fotão emitido.
Não estando estas condicionadas, a taxa de transição deverá ser a soma sobre todas
as direções de propagação e polarização da expressão acima. Ora o número de
estados do fotão numa caixa cúbica de lado L com número de onda entre k e k + dk
é  3  3
L L
dN = dk = k 2 dkdΩ ,
2π 2π
onde dΩ é o ângulo sólido subtendido por k e k + dk. Como a relação de dispersão
para radiação eletromagnética no vazio é ω = ck, vem
V 1
dN = 3 3 ω 2 dωdΩ ,
8π c
ou seja,
Z
em esp d X
em esp
Rm←a = dN Pm←a (t) =
dt

d
Z Z X V ω2 ω2 ~
= dω dΩ ma
3 c3 ~2 2 ωV
 · hm|π|ai|2 F (ωma + ω, t) =

dt 8π 0

Z X ω 3
= dΩ 2
ma
3
 · hm|π|ai|2 ,
|ˆ (3.97)
ˆ
8π 0 c ~


onde se assumiu uma integração em ω raciocinando da mesma forma que em 3.86.


Como só há duas direções de polarização independentes, o integral sobre todas as
possı́veis direções de emissão do fotão resulta em:
3
ωma
Rem
m←a
esp
= 3
|hm|π|ai|2 . (3.98)
3π~0 c

3.7 Regra de soma de Thomas-Reiche-Kuhn


Vamos agora analisar em maior detalhe a oscillator strength (3.89). Como esta
grandeza está associada aos elementos de matriz de um operador vetorial, podemos
separar o seu cálculo em três parcelas, uma para cada uma das componentes do
operador posição:
2me ωma
x
fma = |hm|x̂|ai|2 =
3~
2me ωma
= ha|x̂|mihm|x̂|ai . (3.99)
3~
3.8 Tempos de vida de estados excitados 95

Por outro lado,


i
hm|x̂|ai = − hm|p̂x |ai , (3.100)
me ωma
logo
x 2i
fma = ha|p̂x |mihm|x̂|ai (3.101)
3~
ou
x 2i
fma =−ha|x̂|mihm|p̂x |ai . (3.102)
3~
Se somarmos as duas parcelas e dividirmos por 2,

x i
fma = (ha|p̂x |mihm|x̂|ai − ha|x̂|mihm|p̂x |ai) . (3.103)
3~
Como os estados |mi formam uma base,
X
x i
fma = (ha|p̂x x̂|ai − ha|x̂p̂x |ai)
m
3~
i
= ha| [p̂x , x̂] |ai
3~
1
= . (3.104)
3
Obtemos assim a regra de soma de Thomas-Reiche-Kuhn:
X
fma = 1 . (3.105)
m

3.8 Tempos de vida de estados excitados


O estado fundamental de um sistema qualquer é, por definição, um estado
estável, isto é, na ausência de uma perturbação externa, o sistema mantém-se in-
definidamente no mesmo estado. O mesmo não acontece para estados excitados. No
caso dos átomos hidrogenóides, nem sequer é necessário que haja uma perturbação
externa, basta que o estado excitado tenha uma probabilidade não nula de decair
por emissão espontânea. Se tal acontecer, e uma vez que a probabilidade de de-
caimento é independente do número de sistemas Na (t) que se encontram no es-
tado excitado |ai num dado instante t, verifica-se uma lei de decaimento “tı́pica”,
idêntica à lei de decaimento radioativo, pois, se se considerarem todos os possı́veis
decaimentos deste estado para um outro estado qualquer,
d X
Na (t) = −Na (t) Rem esp
m←a , (3.106)
dt m

ou seja,
Na (t) = Na (0) e−t/τa , (3.107)
96 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Estado τ (s)
2s 0,13
2p 0,16 × 10−8
3s 16 × 10−8
3p 0,54 × 10−8
3d 1,56 × 10−8
4s 23 × 10−8
4p 1,24 × 10−8
4d 3,65 × 10−8
4f 7,3 × 10−8

Tabela 3.1: Tempos médios de vida de alguns estados excitados do átomo de hi-
drogénio.

em que τa é o tempo médio de vida desse estado excitado e


1 X
= Rem esp
m←a . (3.108)
τa m

A tabela 3.1 mostra os tempos de vida de alguns estados excitados do átomo de


hidrogénio. Note-se que, na aproximação dipolar, o estado 2s tem uma vida média
infinita. . .
Se se tiver em conta o tempo de vida dos estados excitados, é necessário modifi-
car as condições iniciais 1.247, que passam a ser
−t/2τa
c(0)
n (t) = δna e . (3.109)

Assim, 1.248 fica


(1)
dcm (t) iX
=− δna e−t/2τa hm|H
b (1) (t)|ni eiωmn t =
dt ~ n
i b (1) (t)|ai eiωma t e−t/2τa ,
= − hm|H (3.110)
~
o que leva a que 1.253 (para uma perturbação sinusoidal no tempo) fique
2 Z t 2
1 (1) 0 i(ωma −ω)t0 −t0 /2τa

Pma (t) = 2 hm|H |ai dt e e =
b
~ 0

1 2 ei(ωma −ω)t e−t/2τa −1 2


(1)
= 2 hm|H |ai =
b
~ i (ωma − ω) − 1/2τa
−t/τa
1 b (1) |ai 1 + e
2 − ei(ωma −ω)t e−t/2τa − e−i(ωma −ω)t e−t/2τa
= 2 hm|H . (3.111)
~ (ωma − ω)2 + (1/2τa )2
3.8 Tempos de vida de estados excitados 97

Quando t  τa , a probabilidade de transição é então proporcional a


1
2 , (3.112)
(ωma − ω) + (1/2τa )2
atingindo o seu máximo quando ω = ωma e decaindo para metade desse máximo
quando
1 Em − Ea ± Γ/2
ω = ωma ± = ,
2τa ~
onde
~
Γ=
τa
é a largura da risca (ver figura 3.2) associada à transição do estado |ai para o es-
tado |mi. Na realidade, embora esse aspeto não tenha sido explicitado, em toda
a dedução feita atrás assumiu-se que o estado final era um estado estável, visto
que não se considerou a variação da sua ocupação por outro motivo que não o de-
caimento do estado inicial. Ora, o único estado garantidamente estável é o estado
fundamental. Quando tal acontece, isto é, quando se analisa a risca associada ao
decaimento de um estado excitado para o estado fundamental, a largura da risca,
Γ/~, é chamada de largura natural da risca. A distribuição de probabilidade
contida em 3.112 é conhecida por distribuição lorentziana. Caso se pretenda
normalizar esta distribuição à unidade, isto é, caso se pretenda que
Z ∞
dω L(ω) = 1 ,
−∞

é necessário multiplicar a expressão acima por uma constante:


1 Γ/2~
L(ω) = . (3.113)
π (ω − ω0 )2 + (Γ/2~)2
Esta função tem o seu máximo para ω = ω0 e a largura do pico a meia altura é Γ/~.
É possı́vel analisar a relação entre o tempo de vida do estado e a largura da
risca à luz do princı́pio da incerteza de Heisenberg. Considere-se o observável A(t)
b
e calcule-se o seu valor expectável num estado |Ψ(t)i qualquer:

hA(t)i
b = hΨ(t)|A(t)|Ψ(t)i
b . (3.114)

Este valor expectável varia com o tempo e


     
d b d d b d
hA(t)i = hΨ(t)| A(t)|Ψ(t)i + hΨ(t)|
b A(t) |Ψ(t)i + hΨ(t)|A(t)
b |Ψ(t)i =
dt dt dt dt
   
i ∂ A(t)
b i
= hΨ(t)|Hb A(t)|Ψ(t)i
b + hΨ(t)| |Ψ(t)i + hΨ(t)|A(t)
b − H|Ψ(t)i
b =
~ ∂t ~
i hb b i ∂ A(t)
b
= h H, A(t) i + h i, (3.115)
~ ∂t
98 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

L(ω)

1 ~
πΓ

ω
Γ Γ
ωma − 2~ ωma ωma + 2~

1 Γ/2~
Figura 3.2: Gráfico de uma distribuição lorentziana L(ω) = π (ω−ωma )2 +(Γ/2~)2
.

ou, se o operador A
b não depender explicitamente do tempo,

d b i hb b i
hA(t)i = h H, A(t) i . (3.116)
dt ~
Esta equação é o análogo quântico da equação de Hamilton clássica que relaciona
a variação temporal de uma grandeza fı́sica A com o hamiltoniano
dA ∂A
= {A, H} + (3.117)
dt ∂t
(onde {, } são os parênteses de Poisson). Assim, no quadro de Heisenberg5 , seria
ainda possı́vel escrever
dA
b 1 h b b i ∂Ab
= A, H + (3.118)
dt i~ ∂t
e, se o observável A
b não dependesse explicitamente do tempo,

dA
b 1 h b bi
= A, H . (3.119)
dt i~
5
O quadro de Heisenberg é uma formulação da Mecânica Quântica em que os estados não depen-
dem do tempo, sendo a evolução temporal dos mesmos associada exclusivamente a uma dependência
explı́cita no tempo dos vários observáveis.
3.8 Tempos de vida de estados excitados 99

Estas duas equações são apenas a expressão, no quadro de Heisenberg, das equações
3.115 e 3.116.
Definamos agora um vetor
h    i
|ui = r A − hAi + i H − hHi |Ψi ,
b b b b (3.120)

onde r é um número real qualquer. A norma deste vetor é


h    i h    i
hu|ui = hΨ| r A b − hAi
b −i H b − hHi
b r Ab − hAi
b +i H b − hHi
b |Ψi =
 2  2
= r2 hΨ| Ab − hAi
b |Ψi + hΨ| H b − hHi
b |Ψi+
     
+ irhΨ| A − hAi H − hHi |Ψi − irhΨ| H − hHi A − hAi |Ψi =
b b b b b b b b
 2  2
2
= r hΨ| A − hAi |Ψi + hΨ| H − hHi |Ψi+
b b b b
     
+ irhΨ| A b − hAi
b Hb − hHi
b |Ψi − irhΨ| H b − hHi
b b − hAi
A b |Ψi =
h i
= r2 (∆A)2 + (∆E)2 + irhΨ| A, bH b |Ψi . (3.121)

Ora, como a norma de um vetor é um número real positivo, a expressão acima pode
ser lida como uma inequação do segundo grau
h i
2 2 2
r (∆A) + (∆E) + irhΨ| A, H |Ψi ≥ 0
b b (3.122)

(a incerteza ∆A na medida de um operador A b obtém-se calculando o valor ex-


pectável hΨ| A b − hAi
b |Ψi). Como é óbvio, esta equação de segundo grau em r não
pode ter mais do que uma raı́z real, logo o polinómio discriminante tem de ser
negativo ou nulo:
h i 2
2 2 1 h i
hΨ| A, H |Ψi − 4 (∆E) (∆A) ≤ 0 ⇔ (∆E) (∆A) ≥ hΨ| A, H |Ψi . (3.123)
b b b b
2
Introduzindo agora 3.116 na inequação acima, vem:

1 d b
(∆E) (∆A) ≥ ~ hAi . (3.124)
2 dt
Podemos agora interpretar esta equação como uma relação entre a variação tem-
poral do valor expectável de um certo operador e a incerteza na sua medida. É
claro que, para se detectar a variação do valor expectável de um operador qual-
quer A, b esta tem de ser pelo menos comparável à incerteza ∆A. Para tal aconte-
cer, é necessário que decorra algum tempo. . . Se for preciso esperar muito tempo
para detetar a evolução do estado, então ele estará num estado quase estacionário.
Nesse caso, como os estados estacionários são estados próprios do hamiltoniano, a
100 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

incerteza na energia deverá ser muito pequena. Inversamente, se a evolução for


muito rápida, a incerteza na energia será grande, visto que o estado será subs-
tancialmente diferente de um estado estacionário. A inequação anterior pode ser
aproximada por
1 ∆hAi
b
(∆E) (∆A) ≥ ~ , (3.125)
2 ∆t
de onde, de acordo com o raciocı́nio acima exposto sobre a relação entre a variação
do valor expectável de um observável e a incerteza na medida desse mesmo ob-
servável, se extrai o princı́pio de incerteza tempo-energia:

~
∆E∆t ≥ . (3.126)
2
Se um certo estado excitado tem uma vida média τa e decai para o estado fun-
damental, a aplicação do princı́pio da incerteza tempo-energia indica que há uma
incerteza ∆E ≈ τ~a na posição do nı́vel do estado excitado, o que significa que a risca
associada a esta transição terá uma largura

~
Γ= .
τa

Caso o estado final do sistema não seja o estado fundamental, é necessário entrar
em conta também com o seu tempo médio de vida. Nesse caso, a largura da risca
será
~ ~
Γ= + .
τa τm
A análise das riscas do espetro de absorção ou emissão permite assim obter informação
sobre o tempo de vida dos estados excitados.
Mas pode haver influência externa no decaimento de um estado excitado: se
a amostra não for um gás extremamente rarefeito, poderá haver colisões entre
átomos que induzam o decaimento de um átomo de um estado excitado para um
outro estado de menor energia ou a sua excitação para um outro estado excitado de
maior energia. Podemos contabilizar o efeito desses processos na largura das riscas
do espetro se soubermos o número Pc de colisões por unidade de tempo que condu-
zem a uma desexcitação não radiativa do sistema. Nesse caso, o número total de
transições por unidade de tempo do estado excitado para um outro estado qualquer
será
1
Rtotal = Pc +
τ
e a largura da risca será  
1
Γ = ~ Pc + . (3.127)
τ
3.8 Tempos de vida de estados excitados 101

Para reduzir a largura das riscas bastará portanto reduzir a pressão do gás, de
modo a diminuir o número de colisões por unidade de tempo.
Um outro fenómeno que contribui para a largura das riscas do espetro é o efeito
Doppler. Se o átomo que decai se deslocar numa certa direção com uma velocidade
(não-relativista) v, o comprimento de onda da radiação por ele emitida quando decai
será  v
λ = λ0 1 ±
c
sempre que o observador se encontre na direção de propagação do fotão emitido (λ0
é o comprimento de onda natural da radiação emitida, isto é, o comprimento de
onda da radiação emitida se o átomo estivesse em repouso). Se assumirmos que a
amostra de átomos é um gás a uma temperatura constante T , a probabilidade de
encontrar um átomo com velocidade entre v e v + dv numa certa direção será dada
pela distribuição de velocidades de Maxwell
2 /2k T
dN = N0 e−M v B
dv

em que M é a massa atómica, kB é a constante de Boltzmann e N0 é uma constante.


Como há uma relação linear entre velocidade do átomo e desvio Doppler,
2πc 2πc 2πc  v  ω0
∆ω = ω − ω0 = − ≈ ∓ =∓ v,
λ λ0 λ0 c c

este efeito conduzirá a um alargamento Doppler das riscas que é bem descrito
por   2 ω−ω0 2
Mc
− 2k
I(ω) = I(ω0 ) e BT ω0
, (3.128)

onde I(ω0 ) é a intensidade da radiação de frequência angular ω0 emitida quando se


ignora o efeito Doppler. A largura da risca devida apenas ao efeito Doppler pode-se
obter determinando os valores de ω para os quais I(ω) = I(ω0 )/2:
r
2~ω0 2kB T log 2
ΓD = . (3.129)
c M
Este valor é, em geral, muito superior à largura natural da risca. Para diminuir
o impacto do efeito Doppler ter-se-á de baixar a temperatura, o que nem sempre é
possı́vel. O perfil da risca será assim, em geral, uma combinação deste perfil gaus-
siano com o perfil lorentziano associado ao tempo de vida do estado em análise.
Esta convolução designa-se por perfil de Voigt. Como, à medida que nos afasta-
mos do centro do pico, o perfil gaussiano se aproxima de zero mais depressa que o
perfil lorentziano, a cauda da risca será sempre, em boa aproximação, lorentziana.
Repare-se ainda que o alargamento Doppler:
102 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

·104
Secção eficaz (unidades arbitrárias)
2,5

1,5

0,5

0
486,15 486,1
λ (nm)

Figura 3.3: Dubleto 2s-4p do espetro de absorção do hidrogénio atómico.

• é inversamente proporcional à raiz quadrada da massa do átomo, sendo por


isso menos importante para átomos mais pesados;

• é diretamente proporcional à frequência central da risca, sendo por isso mais


importante para as transições mais energéticas.

3.9 Efeitos relativistas


Quando se consegue controlar a montagem experimental de modo a que as ris-
cas fiquem extremamente finas (realizando a experiência a baixa temperatura e
com um gás rarefeito, por exemplo) e a resolução do espetrómetro seja suficiente
para as analisar em detalhe, conclui-se que as riscas associadas aos nı́veis de Bohr
têm uma estrutura inesperada. A figura 3.3 mostra uma ampliação da figura 3.1
na região associada à transição n = 2 m = 4 (série de Balmer): a risca de 486 nm
afinal é um dubleto, não previsto pela equação de Schrödinger.
A equação de Schrödinger é uma equação não-relativista e só com a inclusão
de efeitos relativistas é possı́vel explicar os vários desdobramentos das riscas. A
equação relativista para um eletrão num potencial central é a equação de Dirac,
que tem uma estrutura totalmente diferente da da equação de Schrödinger. É uma
equação de primeira ordem, em que espaço e tempo são tratados em pé de igual-
dade, como se espera de uma equação relativista. Mas tem algumas caracterı́sticas
3.9 Efeitos relativistas 103

adicionais “inesperadas”: a função de onda é substituı́da por um vetor com quatro


componentes. A resolução desta equação é razoavelmente difı́cil, mas é possı́vel
fazer uma expansão da equação em v/c, onde v é a velocidade.

3.9.1 A equação de Pauli


Partindo da equação de Dirac para um eletrão num campo eletromagnético des-
crito pelos potenciais escalar V e vetorial A, o primeiro passo que se dá é considerar
que quer a energia cinética do eletrão quer a energia potencial elétrica são muito
menores que a massa em repouso deste. Desta aproximação resulta que duas das
componentes do vetor função de onda são desprezáveis quando comparadas com as
outras duas. Assim, em primeira ordem em v/c, a equação de Dirac transforma-se
na equação de Pauli:
!
∂ ψα (r, t)
i~ =
∂t ψβ (r, t)
" # !
(−i~∇ + eA)2 e~ ψ α (r, t)
= + σ · B − eV + me c2 , (3.130)
2me 2me ψβ (r, t)

onde B = ∇ × A, σ é o vetor

σ = σx x̂ + σy ŷ + σz ẑ (3.131)

e σi são as matrizes de Pauli:


! ! !
0 1 0 −i 1 0
σx = σy = σz = . (3.132)
1 0 i 0 0 −1

Comparando 3.10 com 3.130 saltam à vista duas diferenças: a equação 3.130 tem
um termo adicional, envolvendo um campo magnético, e a função de onda tem duas
componentes. Ambas as diferenças resultam do spin do eletrão, que não foi consi-
derado até este ponto mas que surge naturalmente da equação de Dirac. As duas
componentes do vetor função de onda (designado por spinor de duas componen-
tes) são as funções de onda associadas aos dois estados possı́veis de spin do eletrão,
genericamente identificados como |αi e |βi, que correspondem aos habituais estados
“spin up” e “spin down”. A equação 3.130 pode assim ser entendida como um sis-
tema de equações diferenciais acopladas, uma para cada canal de spin. O termo que
envolve σ · B descreve a interação do eletrão com o campo magnético externo. Esta
interação deve-se ao seu spin, isto é, devido ao seu momento magnético intrı́nseco.
O operador de spin do eletrão é
~
S= σ (3.133)
2
104 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

e o seu momento magnético intrı́nseco é


µB
µs = −gs S, (3.134)
~
onde
e~
µB = (3.135)
2me
é o magnetão de Bohr e gs é a razão giromagnética de spin do eletrão. Experi-
mentalmente sabe-se que gs = 2,0023193043617 e a Eletrodinâmica Quântica prevê
que gs = 2 (1 + α/2π + · · · ). O valor de gs que resulta diretamente da equação de
Dirac pode-se obter analisando o termo em σ · B da equação de Pauli (3.130):

e~ 2 1
σ · B = µB S · B = − 2µs · B −µs · B , (3.136)
2me ~ gs

o que indica que, neste nı́vel de teoria, gs = 2.


A interpretação do termo adicional da equação de Pauli é ainda mais evidente
se se expandir o termo cinético da equação 3.130 recorrendo a 3.16 e desprezando
o termo quadrático no potencial vetor:

(−i~∇ + eA)2 ≈ −~2 ∇2 − 2ie~A · ∇ . (3.137)

O termo em A da equação anterior pode ser re-escrito de uma forma simples, se se


assumir que o campo magnético é uniforme. Nesse caso
1
A= B×r , (3.138)
2
e
− 2ie~A · ∇ = −ie~(B × r) · ∇ = e [r × (−i~∇)] · B = eL · B , (3.139)

onde L é o momento angular do eletrão. Neste caso particular, a equação de Pauli


(3.130) fica então:
!
∂ ψα (r, t)
i~ =
∂t ψβ (r, t)
!
~2 2
 
e ψα (r, t)
= − ∇ + (L + 2S) · B − eV + me c2 , (3.140)
2me 2me ψβ (r, t)

que coloca em evidência as duas contribuições para o momento magnético do eletrão:


orbital (proporcional a L) e intrı́nseca (proporcional a S).
A equação de Pauli dependente do tempo pode ser transformada numa equação
independente do tempo recorrendo à habitual fatorização da dependência temporal.
3.9 Efeitos relativistas 105

Esta fatorização pode aliás ser aproveitada para, adicionalmente, redefinir o zero
da energia. Para isso basta escrever o spinor como
! !
ψα (r, t) ψα (r) i i 2
= e− ~ Et e− ~ me c t . (3.141)
ψβ (r, t) ψβ (r)

Nesse caso, a equação de Pauli independente do tempo para um campo magnético


uniforme fica
! !
~2 2
 
e ψα (r) ψα (r)
− ∇ + (L + 2S) · B − eV =E . (3.142)
2me 2me ψβ (r) ψβ (r)

Repare-se que E fica neste caso referido à energia em repouso (me c2 ). . .


Como os estados passam a ser descritos por spinores, é necessário repensar a
base até agora utilizada para calcular as propriedades dos átomos hidrogenóides.
Na realidade o processo é bastante simples, visto que os spinores são apenas um
par de funções de onda espaciais, uma para cada valor do spin do eletrão. Aliás, os
spinores da equação 3.130 podem ser escritos numa forma que torna mais evidente
este facto: ! ! !
ψα (r, t) 1 0
= ψα (r, t) + ψβ (r, t) . (3.143)
ψβ (r, t) 0 1
Assim, pode-se obter facilmente uma base para os spinores fazendo o produto ten-
sorial dos vetores |n ` mi (que na representação das coordenadas são as funções da
Tabela 2.2) pelos vetores |s ms i, com s = 12 e ms = ± 12 , definidos como
!
1 1 1
| i = |αi = (3.144)
2 2 0

(que representa o estado de spin up) e


!
1 1 0
| − i = |βi = (3.145)
2 2 1

(que representa o estado de spin down). Estes dois vetores formam uma base do
espaço dos estados das partı́culas com spin 21 . A base “completa” dos estados des-
critos pela equação de Pauli é então o conjunto dos vetores

{|n ` mi ⊗ |s ms i} . (3.146)

Note-se que estes vetores são na realidade uma combinação de vetores de espaços
vetoriais diferentes. . . Esta base é muitas vezes indicada numa notação mais sim-
ples em que a existência de dois espaços vetoriais diferentes é omitida:

{|n ` m s ms i} . (3.147)
106 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

3.9.2 Correções relativistas no átomo de hidrogénio


Se se continuar a expansão da equação de Dirac até à ordem (v/c)2 , conclui-se
que é necessário adicionar alguns termos ao hamiltoniano de Pauli. Se os campos
eletromagnéticos não dependerem do tempo, obtém-se a equação
! "
∂ ψα (r, t) (−i~∇ + eA)2 e~
i~ = + σ · B − eV + me c2 +
∂t ψβ (r, t) 2me 2me
!
4 2 2

(−i~∇) ie~ e~ ψα (r, t)
− 3 2
+ 2 2
σ · [∇ × E − 2E × ∇] + 2 2
∇·E , (3.148)
8me c 8me c 8me c ψβ (r, t)

onde E = −∇V e B = ∇ × A.
Se o potencial elétrico for o potencial esfericamente simétrico devido a uma
carga pontual Ze na origem, como num átomo hidrogenóide,

Ze  ∇×E =0

V (r) ≡ V (r) = ∇ · E = Ze
0
δ(r) . (3.149)
4π0 r  Ze
(−i~)E × ∇ = 4π0 r3 L

A equação 3.148 fica então:


! "
∂ ψα (r, t) (−i~∇ + eA)2 e
i~ = + S · B − eV + me c2 +
∂t ψβ (r, t) 2me me
!
(−i~∇)4 Ze2 e~2 Ze

1 ψα (r, t)
− + S·L+ δ(r) , (3.150)
8m3e c2 8π0 m2e c2 r3 8m2e c2 0 ψβ (r, t)

com S = ~2 σ. O contributo dos termos que foram adicionados ao hamiltoniano de


Pauli pode ser calculado recorrendo à teoria de perturbações para estados degene-
rados.

A correção à energia cinética

O primeiro termo adicional da equação 3.150 (por comparação com a equação


3.148) representa uma correção à energia cinética. Com efeito, partindo da ex-
pressão relativista clássica para a energia cinética de uma partı́cula de massa me ,
e expandindo-a em potências de v/c, vem
!
1
T = (γ − 1) me c2 = p − 1 me c2
1 − (v/c)2
1 2 3 2  v 4 5  v 6
≈ mv + mc + mc2 + ···
2 8 c 16 c
p2 3p4 5p6
= + + + ··· (3.151)
2m 8m3 c2 16m5 c4
3.9 Efeitos relativistas 107

o que permite identificar o termo em (−i~∇)4 com a primeira correção relativista à


energia cinética.
A correção perturbativa, em primeira ordem, associada a este termo é fácil de
calcular se se reparar que
2 2
(−i~∇)4 ~2 2 Ze2
 
1 1
H1 = −
b =− − ∇ =− H0 +
b (3.152)
8m3e c2 2me c2 2me 2me c2 4π0 r

onde H
b 0 é o hamiltoniano da equação 2.54. Deviam-se agora calcular os elementos
de matriz desta perturbação

hn `0 m0 s0 m0s |H
b 1 |n ` m s ms i (3.153)

e resolver a equação de valores próprios da teoria de perturbações independente


do tempo para estados degenerados. Mas a matriz é obviamente diagonal, por isso
basta calcular os valores dos elementos da diagonal, visto que os estados próprios
se manterão inalterados. Ora, recorrendo aos integrais 2.89, vem:

∆Ecinet = hn ` m s ms |H b 1 |n ` m s ms i =
2
Ze2

1
= − hn ` m| H0 +b |n ` mi =
2me c2 4π0 r
2
   2 2   !
1 Ze 1 Ze 1
= − 2
En2 + 2En +
2me c 4π0 r n`m 4π0 r2 n`m
 2  
Zα 3 n
= −En − , (3.154)
n 4 ` + 1/2

onde α é a constante de estrutura fina anteriormente introduzida e En é a ener-


gia do nı́vel hidrogenóide não perturbado.

O acoplamento spin-órbita

O segundo termo adicional da equação 3.150 é conhecido como correção de


spin-órbita. Representa uma interação entre os momentos angulares orbital e
intrı́nseco do eletrão. Numa interpretação clássica e simplificada deste termo,
pode-se dizer que representa a interação do momento magnético intrı́nseco do e-
letrão com o campo magnético gerado pelo núcleo enquanto este “orbita” em torno
do eletrão. Com efeito, esta leitura da interação permite deduzir uma expressão
clássica que apenas difere da expressão obtida em 3.150 por um fator de 12 . Este
fator é recuperado tendo em conta que, para deduzir a expressão, é necessário tra-
balhar no referencial do eletrão, que é um referencial não inercial que, por isso,
precessa. Esta precessão é conhecida como precessão de Thomas.
108 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

Tal como na correção anterior, para determinar o efeito do termo de spin-órbita


será necessário recorrer à teoria de perturbações independente do tempo para es-
tados degenerados. Mas neste caso a matriz que representa a perturbação nos
sub-espaços degenerados não é diagonal. Temos duas hipóteses: ou calculamos a
matriz na base canónica ({|n ` m s ms i}) e diagonalizamo-la para obter os novos
estados próprios, ou tentamos encontrar logo à partida uma outra base em que a
matriz seja diagonal. É este segundo o caminho que vamos seguir. O operador que
queremos representar na base que ainda não descobrimos é:

Ze2 1
H
b2 = S·L. (3.155)
8π0 me c r3
2 2

Este operador comuta com L2 , visto que se pode escrever como


 
Hb 2 = χ(r) Sbx L
bx + Sby L
by + Sbz L
bz (3.156)

• L2 só envolve derivadas das coordenadas angulares e por isso comuta com
χ(r);

• L2 comuta com todas as componentes do momento angular orbital (ver 1.61);

• L2 comuta com todas as componentes do momento angular intrı́nseco pois são


operadores definidos em espaços vetoriais diferentes.
b 2 comuta com S 2 :
Também é fácil provar que H

• S 2 é um operador definido no espaço vetorial do spin e por isso comuta com


χ(r) e com todas as componentes do momento angular orbital;

• S 2 comuta com todas as componentes do momento angular intrı́nseco, pois


são operadores de momento angular (ver 1.69).

Mas H b 2 não comuta com L


bz nem com Sbz , como se pode facilmente comprovar recor-
rendo a 1.67. Isto indica que Hb 2 não será diagonal na base {|n ` m s ms i}. A solução
é introduzir o momento angular total

J =L+S (3.157)

procedendo do mesmo modo que em 1.122, com J1 L e J2 S. Com o auxı́lio do


momento angular total o hamiltoniano de spin-órbita fica
2 2 2
b 2 = χ(r) J − L − S .
H (3.158)
2
3.9 Efeitos relativistas 109

Ora, tal como se viu na Secção 1.7, como J 2 , L2 , S 2 e Jbz comutam todos entre
si, é possı́vel construir uma base com os vetores próprios comuns a todos estes
operadores: {|n ` s j mj i}. Mais, como H b 2 só envolve os operadores J 2 , L2 e S 2 ,
este operador é obviamente diagonal na base {|n ` s j mj i}. Fica então resolvido o
problema de diagonalizar a perturbação. . .
A correção perturbativa, em primeira ordem, associada à interação spin-órbita
é então
∆ESO = hn ` s j mj |H
b 2 |n ` s j mj i =

1
2  `
 ,j =`+ 2
(Zα)
= −En 0 ,`=0 (3.159)
2n`(` + 12 )(` + 1)  1
−` − 1 ,j =`−

2

(recorrendo mais uma vez aos integrais 2.89).

O termo de Darwin

A terceira e última correção relativista é a mais difı́cil de interpretar, pois


tem origem num efeito claramente fora do âmbito da mecânica clássica: a inter-
ferência entre as soluções de energia positiva e energia negativa da equação de
Dirac (a partı́cula e a sua anti-partı́cula). Ao analisar a trajetória do eletrão numa
aproximação semi-clássica, verifica-se que esta interferência leva a uma oscilação
(um “tremor”) do eletrão em torno dessa trajetória. Este “tremor” designa-se por
zitterbewegung. Do ponto de vista do eletrão, a sua oscilação é lida como uma
oscilação do núcleo, o que significa que apenas os estados que não sejam nulos na
origem se apercebem do “tremor”.
Este é o termo mais simples de calcular, pois os seus elementos de matriz são
nulos exceto quando são calculados entre dois estados de momento angular orbital
nulo, pois só estes são não nulos na origem. A matriz que representa a perturbação
é, portanto, mais uma vez diagonal. . .

∆EDarwin = hn ` m s ms |H b 3 |n ` m s ms i =
e~2 Ze
= hn ` m s ms | 2 2 δ(r)|n ` m s ms i =
8me c 0
e~2 Ze
= |Ψn`m (0)|2 =
8m2e c2 0
(Zα)2
= −En (se ` = 0) . (3.160)
n
Juntando agora todas as contribuições, conclui-se que as correções relativistas
se podem resumir a:
110 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

• mudar para a base {|n ` s j mj i};

• corrigir a energia total do átomo adicionando as 3 correções atrás calculadas:

En En + ∆Ecinet + ∆ESO + ∆EDarwin . (3.161)

Curiosamente, a soma ∆Enj = ∆Ecinet + ∆ESO + ∆EDarwin das várias contribuições


resulta numa correção que não depende de `, apenas de j, embora as várias parcelas
dependam de ambos os números quânticos:
 2  
Zα n 3
Enj = En + ∆Enj = En + En 1 − (3.162)
n j+ 2
4

Isto acontece apenas nos átomos hidrogenóides, onde as três parcelas têm valores
comparáveis. Em átomos com mais de um eletrão a interação spin-órbita sobrepõe-
se às outras duas correções relativistas, sendo estas habitualmente ignoradas.
A figura 3.4 mostra o efeito das várias correções relativistas no estado n = 3 do
átomo de hidrogénio. Note-se que as correções relativistas conduzem a um levanta-
mento parcial da degenerescência dos nı́veis dos átomos hidrogenóides, que passam
a ter energias diferentes para diferentes valores de j, sendo a correção maior para
os nı́veis com menor valor de j. Para um dado valor de n, os valores possı́veis de j
são
1 3 5 1
j = , , ,··· ,n − , (3.163)
2 2 2 2
havendo dois valores possı́veis para ` em todos os casos exceto quando j = n − 12 .
Recorde-se que estes nı́veis continuam ainda a ser degenerados, sendo 2(2j + 1) o
grau de degenerescência do nı́vel Enj para j 6= n − 12 e 2j + 1 para j = n − 21 . Assim,
os 18 estados degenerados com n = 3 (não esquecendo o spin), reagrupam-se agora
em 4 estados degenerados com j = 12 (` =0 ou 1), 8 estados degenerados com j = 32
(` =1 ou 2) e 6 estados degenerados com j = 25 (apenas ` =2). Este grupo de estados
designa-se por multipleto de estrutura fina para n = 3. A notação usada para
indicar estes estados é a seguinte:

|n ` s j mj i n λj , (3.164)

onde λ significa que o momento angular orbital é indicado usando letras (s, p, d, f , g,
h, i, etc.) e não números inteiros (que seriam, respetivamente, ` = 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, . . .).
Assim, os estados degenerados |3 1 12 32 mj i, por exemplo, são designados por esta-
dos 3p3/2 , sendo ignorado o valor de mj visto a energia não depender deste número
quântico (o número quântico s é omitido apenas porque o seu valor, para os átomos
hidrogenóides, é sempre o mesmo: 21 ). A figura 3.4 representa, de novo, o multipleto
3.9 Efeitos relativistas 111

`=0

`=1,j=3/2
`=2,j=5/2
`=0,1,2 `=1,2
n=3 j=5/2
`=0,j=1/2
`=2
`=2,j=3/2
j=3/2

`=1 `=1,j=1/2

j=1/2

`=0

Enão rel Enão rel + ∆Ecinet Enão rel + ∆ESO Enão rel + ∆EDarwin Erel

Figura 3.4: Correções relativistas para o nı́vel n = 3 do átomo de hidrogénio. Note-


se que a escala está grandemente ampliada. . . Por exemplo, a diferença entre os
nı́veis da figura associados à correção de Darwin é 9, 86 × 10−7 u.a., isto é, 2, 68 ×
10−5 eV.
112 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

E
3s, 3p, 3d
n=3 3d5/2

3p3/2 , 3d3/2

3s1/2 , 3p1/2

En Enj

Figura 3.5: Correções relativistas para o nı́vel n = 3 do átomo de hidrogénio.

de estrutura fina para o nı́vel n = 3, mas desta vez apenas com a correção completa
e usando a notação acima descrita para os estados.
A energia total dos átomos hidrogenóides (com as correções relativistas) em uni-
dades atómicas é
Z2 Z 4 α2
 
n 3
Enj = − 2 − − , (3.165)
2n 2n4 j + 12 4
o que nos permite concluir que, para um certo valor de Z, as correções relativistas
serão menos importantes para valores elevados de n, e que, para um certo valor
de n, serão mais importantes para valores elevados de Z. Os nı́veis em que estas
correções serão mais importantes serão, por isso, os nı́veis de menor energia (n
baixo) dos átomos hidrogenóides com Z elevado. O facto das correções de estrutura
fina serem proporcionais a α2 é a razão para o nome desta constante.
Os nı́veis de energia (medida a partir da energia em repouso do eletrão) re-
sultantes da solução analı́tica (exata) da equação de Dirac para um átomo hidro-
genóide são dados, em unidades atómicas, pela expressão
 
vu 1 
2 u
Enj = c u 2 − 1 , (3.166)


√ 12
t Zα

1+ 1 2
n−j− 2 + (j+ 2 ) −(Zα)

(recordar que c = 1/α em unidades atómicas) e as duas primeiras parcelas da ex-


pansão em potências de α desta expressão coincidem exatamente com 3.165.
Temos agora de voltar a olhar para as regras de seleção. . . A tarefa é fácil, visto
que as correções relativistas apenas originaram a mistura de alguns dos estados
3.9 Efeitos relativistas 113

obtidos ao resolver a equação de Schrödinger para os átomos hidrogenóides e a


inclusão do spin. As funções de onda espaciais são as calculadas anteriormente,
por isso a paridade dos “novos” estados é dada ainda pelo valor de `. Como o ope-
rador momento dipolar elétrico não depende do spin, as regras de seleção para
as transições dipolares elétricas relativas ao número quântico ` mantêm-se. Não
podemos é continuar a utilizar as regras para o número quântico m, visto que
este número já não é um bom número quântico, não sendo por isso usado na
identificação dos estados (Lbz não faz parte do conjunto de observáveis que comu-
tam utilizado para construir a base do espaço dos estados. . . ). A não dependência
no spin do operador momento dipolar elétrico tem ainda como consequência que o
número quântico j não pode variar por mais de uma unidade, pois o spin dos es-
tados inicial e final de uma transição será obrigatoriamente o mesmo. Assim, as
regras de seleção para as transições dipolares elétricas com correções relativistas
são:

Regras de seleção para as transições dipolares elétricas

∆` = ±1
∆j = 0, ±1
∆mj = 0, ±1

Do mesmo modo, as regras de seleção para as transições dipolares magnéticas


passam a ser

Regras de seleção para as transições dipolares magnéticas

∆` = 0
∆j = 0, ±1
∆mj = 0, ±1

Se analisarmos agora as transições do nı́vel n = 3 para o nı́vel n = 2, vemos que:

• desprezando as correções relativistas, há três transições possı́veis (3d → 2p,


3p → 2s e 3s → 2p), todas com a mesma energia, surgindo por isso apenas uma
risca;
114 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

• quando se consideram as correções relativistas, há sete transições possı́veis:


3d5/2 → 2p3/2 , 3d3/2 → 2p3/2 , 3d3/2 → 2p1/2 , 3p3/2 → 2s1/2 , 3p1/2 → 2s1/2 , 3s1/2 →
2p3/2 e 3s1/2 → 2p1/2 ;

• como os nı́veis 3d3/2 e 3p3/2 são degenerados, assim como os nı́veis 3p1/2 e 3s1/2 e
os nı́veis 2p1/2 e 2s1/2 , as sete transições apenas geram cinco riscas diferentes.
Note-se que se considerarem outras transições da série de Balmer, isto é, transições
de nı́veis com n > 3 para os nı́veis com n = 2, vão-se encontrar sempre apenas cinco
riscas. O espaçamento entre estas riscas é fundamentalmente determinado pela
separação entre os nı́veis 2p3/2 e 2p1/2 /2s1/2 , pois a separação entre os nı́veis de
estrutura fina ndj , npj e nsj diminui com o aumento de n. Isto leva a que a série
de Balmer do hidrogénio seja, à primeira vista, um conjunto de dubletos. Só após
inspeção cuidada se percebe o desdobramento adicional devido ao nı́vel superior.

3.10 O desvio de Lamb


Na realidade, uma análise muito precisa da série de Balmer do hidrogénio mos-
tra que aparecem mais do que cinco riscas diferentes associadas às transições entre
os nı́veis n = 3 e n = 2. A observação deste inesperado desdobramento é extrema-
mente difı́cil devido ao alargamento das riscas, mas uma experiência concebida e
executada por Willis E. Lamb e Robert C. Retherford em 1947 demonstrou que os
nı́veis 2p1/2 e 2s1/2 não estão efetivamente degenerados. A não-degenerescência não
é explicável pela equação de Dirac. Só recorrendo à Teoria Quântica de Campos é
possı́vel explicar o levantamento desta degenerescência. Nesta teoria, o campo ele-
tromagnético é também quantizado, deixando de ser descrito de uma forma clássica
(o potencial de Coulomb). As oscilações de ponto zero associadas ao campo eletro-
magnético quantizado perturbam o eletrão, levando-o a oscilar rapidamente em
torno da sua posição média e reduzindo assim a atração exercida pelo núcleo. Os
estados de momento angular ` = 0 serão os mais sensı́veis a esta perturbação,
dado que as funções de onda espaciais não são nulas na origem, onde se encontra
o núcleo. Estas correções, ditas correções radiativas à equação de Dirac, são a
origem do desvio de Lamb e originaram o desenvolvimento da Eletrodinâmica
Quântica por Richard Feynman, entre outros.
A montagem experimental de Willis e Rutherford baseou-se na indução de tran-
sições do nı́vel 2s1/2 do átomo de hidrogénio para os nı́veis 2p3/2 e 2p1/2 . Sendo estes
nı́veis muito próximos uns dos outros, a radiação associada a estas transições é
na zona das micro-ondas, mais concretamente entre 1000 MHz e 10000 MHz. Es-
tas frequências são significativamente mais pequenas que as da radiação na zona
3.10 O desvio de Lamb 115

do visı́vel e ultravioleta associada às transições “óticas” das séries de Lyman, Bal-
mer, etc. (entre 40 e 3000 THz). Como o alargamento Doppler é proporcional à
frequência da risca (ver 3.129), a escolha destas transições reduz enormemente o
impacto do alargamento Doppler, ao ponto de poder ser mesmo ignorado. Por ou-
tro lado, uma frequência baixa implica uma baixa probabilidade de transição por
emissão espontânea (proporcional ao cubo da frequência, como se pode ver nos coe-
ficientes de Einstein da equação 3.59). A solução é recorrer à emissão estimulada,
procurando induzir transições entre os nı́veis que se querem estudar irradiando os
átomos com radiação com a frequência apropriada. No entanto, a probabilidade de
ocorrer emissão estimulada é igual à probabilidade de ocorrer absorção (consultar
de novo a equação 3.59) se as populações dos nı́veis envolvidos forem as mesmas.
Para efetuar estas medidas é por isso necessário garantir que os nı́veis envolvidos
estão muito diferentemente populados. Ora o estado 2s1/2 é meta-estável, com um
tempo de vida muito longo, muito mais longo que o dos estados 2p3/2 e 2p1/2 . . . A
proposta de Willis e Retherford foi assim produzir uma amostra de átomos de hi-
drogénio no estado 2s1/2 e induzir transições destes para os estados 2p3/2 e 2p1/2
bombardeando-os com micro-ondas.
A medida do desvio de Lamb foi então efetuada do seguinte modo:
• foram produzidos átomos de hidrogénio por aquecimento e consequente disso-
ciação de hidrogénio molecular numa fornalha a 2500 K;

• a velocidade média do feixe de átomos que emergiu da fornalha era da ordem


de 8 × 104 m/s;

• o feixe de átomos foi bombardeado com eletrões cuja energia cinética era ligei-
ramente superior à diferença de energias entre os nı́veis 1s e 2s do átomo de
hidrogénio (∼ 10, 2 eV), excitando assim uma pequena fração dos átomos para
os nı́veis 2s1/2 , 2p3/2 e 2p1/2 ;

• o detetor era uma placa metálica colocada a 10 cm da fornalha e o sinal de


chegada de um átomo ao detetor era dado pela transferência de energia deste
para os eletrões da placa, ejetando-os e originando uma corrente elétrica na
placa — visto que a energia cinética dos átomos era muito baixa (cerca de
0,2 meV), só os átomos num dos estados excitados possuı́am energia suficiente
para ejetar os eletrões (transitando para o estado fundamental na colisão com
a placa e libertando a diferença de energia para a placa);

• como os tempos de vida dos estados 2p3/2 e 2p1/2 são cerca de 1, 6 × 10−9 s, os
átomos nestes estados decaı́am para o estado 1s1/2 a 1, 3×10−3 cm da fornalha,
nunca atingindo a placa;
116 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

• a corrente na placa era assim proporcional ao número de átomos no estado


2s1/2 que a atingia;

• se o feixe de átomos, no caminho entre a fornalha e o detetor, atravessasse


uma região onde existisse um campo eletromagnético com a frequência ne-
cessária para estimular a transição do estado 2s1/2 para os nı́veis 2p3/2 ou 2p1/2 ,
uma fração dos átomos no estado 2s1/2 transitaria para estes outros nı́veis e
decairia rapidamente para o estado 1s1/2 , deixando de possuir energia sufici-
ente para gerar um sinal ao atingir a placa do detetor;

• a presença do campo eletromagnético com a frequência “certa” seria assim


detetável através de uma diminuição da corrente no detetor.
Uma dificuldade técnica adicional desta experiência foi a necessidade de ga-
rantir que a frequência da radiação eletromagnética fosse ajustável mantendo a
potência radiada pela fonte constante. Para contornar esta dificuldade, Willis e
Retherford optaram por uma fonte de radiação de frequência constante e sobrepu-
seram a este campo eletromagnético um campo magnético variável. Assim, não só
resolveram o problema da fonte de radiação como também evitaram os decaimentos
fortuitos do estado 2s1/2 por mistura com os estados 2p devido ao efeito Stark (ver
secção ??). Para obter o equivalente a uma frequência variável, Willis e Retherford
variaram o valor do campo magnético aplicado, jogando com o efeito Zeeman (ver
secção 3.11). A frequência de ressonância foi depois obtida por extrapolação para
campo magnético nulo.
Os resultados desta experiência estão exemplificados na figura 3.6, que tem
uma escala vertical severamente distorcida, já que a separação entre os nı́veis da
estrutura fina nela representados é cerca de 10 vezes maior que o desvio de Lamb
(tradicionalmente designa-se por desvio de Lamb a diferença de energia entre os
nı́veis 2s1/2 e 2p1/2 devido às correções radiativas). Note-se no entanto que, para
valores de Z mais elevados, o desvio de Lamb é significativamente maior, sendo de
75 eV para o átomo hidrogenóide com Z = 92 (“urânio hidrogenóide”).

3.11 Efeito Zeeman


Em 1896, Pieter Zeeman reparou que as riscas espetrais atómicas se dividiam
quando o átomo era sujeito a um campo magnético externo. Para discutir este
fenómeno, vamos considerar um átomo hidrogenóide sujeito a um campo magnético
uniforme B. Nesse caso, como já vimos atrás, o potencial vetor A fica
1
A= B×r . (3.167)
2
3.11 Efeito Zeeman 117

2p3/2

8 MHz

2p3/2

10949 MHz 2s1/2

1040 MHz

2s1/2 , 2p1/2 17 MHz

2p1/2

Enj Enj +correções radiativas

Figura 3.6: Desvio de Lamb no nı́vel n = 2 do átomo de hidrogénio.

Juntando as equações 3.140 e 3.150 e mantendo o termo em A2 que anteriormente


foi eliminado, o hamiltoniano do sistema será
2
b = − ~ ∇2 − eV + µB (L + 2S) · B + χ(r)L · S+
H
2me ~
e2 (−i~∇)4 e~2 Ze
+ (B × r)2 + me c2 − + δ(r) (3.168)
8me 8m3e c2 8m2e c2 0
onde
Ze2 1
χ(r) = (3.169)
8π0 m2e c2 r3
e o magnetão de Bohr é
e~
.
µB = (3.170)
2me
Visto que em átomos poli-eletrónicos as correções de Darwin e da energia cinética
são desprezáveis por comparação com a interação spin-órbita, vamos ignorá-las de
ora em diante. O termo que contém a massa em repouso é facilmente eliminado do
hamiltoniano por uma redefinição do zero da energia. Para simplificar ainda mais
o hamiltoniano convém ainda analisar em detalhe o termo quadrático em B. Tome-
se a direção do campo magnético como referência para o eixo Z, isto é, considere-se
que B = B ẑ. Nesse caso, o hamiltoniano acima, com as simplificações entretanto
introduzidas, fica:
2 2
b = − ~ ∇2 − eV + µB L bz + 2Sbz B + χ(r)L · S + e B 2 r2 sin2 θ
 
H (3.171)
2me ~ 8me
118 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

onde θ é o ângulo entre r e o eixo Z. O termo linear em B é o termo para-


magnético e o termo quadrático em B é o termo diamagnético. A grandeza
relativa destes dois termos pode ser facilmente estimada. O termo diamagnético,
recorrendo de novo aos integrais 2.89 e assumindo que ` não é muito elevado, será
da ordem de
e2 2 2 n4
B a0 2 . (3.172)
8me Z
O termo diamagnético é da ordem de grandeza de
µB
~B . (3.173)
~
O quociente destes dois termos deverá por isso ser da ordem de
e2 4
dia 8me
B 2 a02 Zn 2 ea02 n4 B n4 B
= = ≈ × 10−6 . (3.174)
para µB B 4~Z 2 Z2
Atendendo a que o campo magnético alcançável em laboratório é da ordem de 10—
100 T, para o que o termo diamagnético seja significativo é necessário que n seja
muito elevado. Para n = 10 e Z = 20, por exemplo, vem
dia 104
≈ 2 × 10−4 = 2, 5 × 10−3 . (3.175)
para 20
o que indica que se pode desprezar o termo diamagnético. É claro que em zonas de
campo magnético muito elevado (como no interior das estrelas de neutrões) o termo
diamagnético assume um papel preponderante.
Temos assim finalmente uma expressão para o hamiltoniano que descreve um
átomo hidrogenóide num campo magnético uniforme:
µB  b 
H = H0 +
b b Lz + 2Sz B + χ(r)L · S
b (3.176)
~
onde
2
Hb 0 = − ~ ∇2 − eV (3.177)
2me
é o hamiltoniano dos átomos hidrogenóides cujas soluções foram analisadas no
Capı́tulo ??. Os termos adicionais podem agora ser tratados no quadro da teoria
das perturbações independente do tempo para estados degenerados. Mas são dois
termos... Podemos dividir o problema em três casos distintos, consoante a intensi-
dade do campo magnético:
• o campo magnético é tão intenso que o efeito de spin-órbita é desprezável;

• a interação com o campo magnético é a interação dominante, mas já não se


pode desprezar o efeito de spin-órbita;

• o efeito de spin-órbita sobrepõe-se à contribuição da interação com o campo


magnético.
3.11 Efeito Zeeman 119

m=+1, ms =+ 12

µB B m=0, ms =+ 21

µB B m=±1, ms =∓ 12
np
µB B m=0, ms =− 21

µB B m=−1, ms =− 12

B=0 B 6= 0

Figura 3.7: Efeito de Zeeman normal para um nı́vel np de um átomo hidrogenóide.

3.11.1 Campo forte: efeito Zeeman


Quando o campo magnético é muito forte, o termo de spin-órbita de 3.176 pode
ser completamente ignorado. Nesse caso, a matriz da perturbação é diagonal na
base {|n ` m s ms i} (as correções relativistas foram completamente desprezadas...)
e a correção perturbativa à energia En do nı́vel n é:
µB  b 
∆E = hn ` m s ms | Lz + 2Sbz B|n ` m s ms i = µB B(m + 2ms ) . (3.178)
~
Note-se que, mais uma vez, não é necessário diagonalizar a matriz da perturbação
de estados degenerados porque esta já é diagonal na base escolhida. A perturbação
mantém a degenerescência em ` mas, ao privilegiar uma direção no espaço (a
direção de B), levanta parcialmente a degenerescência em m e ms . Este efeito é
conhecido como efeito de Zeeman normal e o levantamento parcial da degene-
rescência está exemplificado na figura 3.7 para um nı́vel np.
O efeito Zeeman normal resulta num desdobramento das riscas de emissão em
três linhas (um tripleto de Lorentz) quaisquer que sejam os estados envolvidos na
transição. Por exemplo, para uma transição n0 d → np, temos a situação ilustrada
pela figura 3.8. As diferenças de energia entre os nı́veis são:

~ω = [En0 d + µB B(m0 + 2m0s )] − [Enp + µB B(m + 2ms )] =


= En0 − En + µB B(m0 − m) (3.179)

pois as regras de seleção para as transições dipolares elétricas impõem que ∆m =


0, ±1 e ∆ms = 0. A risca associada às transições em que ∆m = 0 designa-se por
risca π. As outras duas são as riscas σ.
120 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

m=+2, ms =+ 21

m=+1, ms =+ 21

m=0, ms =+ 12 | m=+2, ms =− 12

m=±1, ms =∓ 21

n0 d
m=−2, ms =+ 12 | m=0, ms =− 12

m=−1, ms =− 21

m=−2, ms =− 21

m=+1, ms =+ 21

m=0, ms =+ 12

m=±1, ms =∓ 21
np
m=0, ms =− 12

m=−1, ms =− 21

B=0 B 6= 0

Figura 3.8: Transições entre nı́veis Zeeman (se ms = + 12 as transições estão indica-
das a preto, se ms = − 21 estão indicadas a vermelho).
3.11 Efeito Zeeman 121

3.11.2 Campo intermédio: efeito Paschen-Back


Para valores de B não tão intensos que se possa ignorar completamente o termo
de spin-órbita, é preciso corrigir 3.178 incluindo a contribuição da interação spin-
órbita. Isto pode ser feito recorrendo à teoria de perturbações independente do
tempo, “corrigindo a correção” já feita para o efeito de Zeeman normal. A justificação
para este procedimento é simples: o termo paramagnético é ainda bem mais impor-
tante que o termo de spin-órbita, por isso corresponde a uma correção de ordem
mais baixa. Daı́ que se possa pensar em aplicar de novo a teoria de perturbações a
um sistema que já foi perturbado anteriormente. A primeira perturbação foi efetu-
ada no quadro da teoria de perturbações para estados degenerados, embora tal não
tenha sido óbvio, pois a matriz da perturbação era diagonal. Mas a perturbação não
levantou completamente a degenerescência... Para aplicar agora de novo a teoria
de perturbações (para o termo de spin-órbita) é necessário reparar que, para os es-
tados que já não estão degenerados, se pode aplicar a teoria de perturbações para
estados não degenerados. Mas para os estados que ainda estão degenerados, tal
não é possı́vel, e é necessário usar, em princı́pio, a teoria de perturbações para es-
tados degenerados. Os estados degenerados são estados com ms de sinal contrário
e m que diferem por duas unidades, para que m + 2 × 12 = (m + 2) + 2 × (− 21 ). Os
estados |n 1 − 1 21 + 12 i e |n 1 + 1 21 − 12 i são um bom exemplo (ver figura 3.8).
Ora, é fácil provar que
1 1 1 1
hn ` m + |χ(r)L · S|n ` m + 2 − i=0. (3.180)
2 2 2 2
Basta para isso escrever o operador de spin-órbita recorrendo aos operadores es-
cada do momento angular:
 
1 
χ(r)L · S = χ(r) Lbz Sbz + L
b+ Sb− + L
b− Sb+ (3.181)
2
e reparar que
 
1 b b 1 1
χ(r) Lz Sz +
b b L+ S− + L− S+ |n ` m + 2
b b − i=
2 2 2
1 1 1
= −χ(r)(m + 2) ~2 |n ` m + 2 − i+
2 2 2
1p 2 1 1
+ `(` + 1) − (m + 2)(m + 1)~ |n ` m + 1 + i , (3.182)
2 2 2
que prova o que querı́amos demonstrar.
Assim, a matriz que representa a perturbação de spin-órbita aos estados re-
sultantes da interação paramagnética é claramente diagonal, podendo-se recor-
rer à teoria de perturbações para estados não degenerados. Então, o efeito desta
122 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

perturbação é uma correção adicional à energia do estado no valor de

δE = hn ` m s ms |χ(r)L · S|n ` m s ms i =
 
1 b b
= hn ` m s ms |χ(r) Lz Sz +
b b L+ S− + L− S+ |n ` m s ms i =
b b
2
= hn ` m s ms |χ(r)L
bz Sbz |n ` m s ms i =
Z 2 α2 m ms
= −En (se ` 6= 0) . (3.183)
n `(` + 12 )(` + 1)

A correção total aos nı́veis de energia neste regime obtém-se combinando ambas
as perturbações (termo paramagnético e termo de spin-órbita)

∆E = µB B(m + 2ms ) + λn` m ms , (3.184)

onde
Z 2 α2 1
λn` = −En 1 . (3.185)
n `(` + 2 )(` + 1)
As riscas que se observam no efeito Paschen-Back são

~ω = En0 − En + µB B(m0 − m) + (λn0 `0 m0 − λn` m) ms . (3.186)

3.11.3 Campo fraco: efeito Zeeman anómalo


Quando o campo magnético aplicado é fraco, o termo de spin-órbita domina.
Neste caso, o procedimento para calcular a correção aos nı́veis de energia devido ao
termo paramagnético consiste em calcular primeiro as correções relativistas e de-
pois determinar o efeito da perturbação paramagnética. Ora, isso significa calcular
os elementos de matriz6

µB  
hn ` s j m0j | Lz + 2Sz B|n ` s j mj i =
b b
~
µB  b 
= hn ` s j m0j | Jz + Sbz B|n ` s j mj i =
~
µB
= µB Bmj δm0j mj + Bhn ` s j m0j |Sbz |n ` s j mj i . (3.187)
~

Não é tarefa fácil, pois os estados |n ` s j mj i não são estados próprios de Sbz . Mas
podemos rapidamente concluir que esta matriz é diagonal. Com efeito, os estados
(“relativistas”) |n ` s j mj i são uma combinação linear dos estados (“não relativis-
tas”) |n ` mj − 21 s 12 i e |n ` mj + 12 s − 12 i, visto que mj = m + ms . Como Sbz só atua no
6
Note-se que, se só se considerar o termo de spin-órbita, a única degenerescência que não é
levantada é a degenerescência em mj ...
3.12 Bibliografia recomendada 123

espaço de spin, os elementos de matriz fora da diagonal serão a soma de parcelas


da forma
1 1 1 1
hn ` m0j ∓ s ± |Sbz |n ` mj ∓ s ± i (3.188)
2 2 2 2
que são obviamente nulos exceto quando m0j = mj .
Para calcular os termos da diagonal da matriz que representa a perturbação, o
método mais fácil consiste em utilizar a relação

hj mj |(V · J )J |j mj i
hj mj |V |j mj i = , (3.189)
j(j + 1)~2

válida para qualquer operador vetorial V 7 . Nesse caso,

hn ` s j mj |(S · J )Jbz |n ` s j mj i
hn ` s j mj |Sbz |n ` s j mj i = =
j(j + 1)~2
2 2 2
hn ` s j mj | J +S2 −L Jbz |n ` s j mj i
= =
j(j + 1)~2
j(j + 1) + s(s + 1) − `(` + 1)
= mj ~ . (3.190)
2j(j + 1)

A correção à energia de um átomo hidrogenóide sujeito a um campo magnético


fraco é então
∆E = ∆ESO + gµB Bmj (3.191)

em que
j(j + 1) + s(s + 1) − `(` + 1)
g =1+ . (3.192)
2j(j + 1)
Vê-se facilmente que a separação dos nı́veis não é a mesma para cada multipleto
(os fatores g podem ser diferentes...), o que significa que os tripletos de Lorentz não
aparecem neste caso, isto é, que o número de riscas em que se desdobra cada risca
do espetro quando é aplicado o campo magnético não é o mesmo. Por isso, este
efeito é conhecido como efeito de Zeeman anómalo.

3.12 Bibliografia recomendada


• Quantum Mechanics
Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë
Wiley (2006), ISBN 978-0471569527

7
Um operador vetorial V possui três componentes na direção de três eixos ortogonais, Vbx , Vby e
Vbz , que se transformam numa rotação como as componentes de um vetor.
124 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides

EII
HIII , KIII
AIV
DVII
XII.A — XII.C, BXII , EXII
AXIII

• Physics of Atoms and Molecules


B. H. Bransden, C. J. Joachain
Prentice Hall (2003), ISBN 978-0582356924

4.1 — 4.7
5.1 — 5.2
6.1 — 6.2
Apêndices 6 e 7

• Molecular Quantum Mechanics


Peter W. Atkins, Ronald S. Friedman
Oxford University Press (2010), ISBN 978-0199541423

6.17 — 6.18
7.1 — 7.7, 7.19 — 7.21
Further information 16 — 21

• Atomic Physics
Christopher J. Foot
Oxford University Press (2005), ISBN 978-0198506966

1.4, 1.7 — 1.8


2.2 — 2.3
7.2, 7.7

• Atoms, Molecules and Photons: An Introduction to Atomic, Molecu-


lar and Quantum Physics
Wolfgang Demtröder
Springer (2010), ISBN 978-3642102974

5.2 — 5.10
7.1 — 7.4
3.12 Bibliografia recomendada 125

• Quantum Chemistry
Ira N. Levine
Pearson Education (2014), ISBN 978-0321803450

6.8
9.9
10.1 — 10.2
126 Espetroscopia dos átomos hidrogenóides
Capı́tulo 4

Átomos poli-eletrónicos

4.1 Bibliografia recomendada


• Quantum Mechanics
Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë
Wiley (2006), ISBN 978-0471569527

XIV.A — XIV.D, AXIV , BXIV

• Physics of Atoms and Molecules


B. H. Bransden, C. J. Joachain
Prentice Hall (2003), ISBN 978-0582356924

7.1 — 7.6
8.1 — 8.2, 8.5
9.2, 9.6
Apêndice 8

• Molecular Quantum Mechanics


Peter W. Atkins, Ronald S. Friedman
Oxford University Press (2010), ISBN 978-0199541423

7.8 — 7.18

• Atomic Physics
Christopher J. Foot
Oxford University Press (2005), ISBN 978-0198506966
128 Átomos poli-eletrónicos

3.1 — 3.3
4.3
5.1 — 5.4

• Atoms, Molecules and Photons: An Introduction to Atomic, Molecu-


lar and Quantum Physics
Wolfgang Demtröder
Springer (2010), ISBN 978-3642102974

6.1 — 6.2, 6.4.1, 6.5, 6.6.1

• Quantum Chemistry
Ira N. Levine
Pearson Education (2014), ISBN 978-0321803450

9.3 — 9.4, 9.7


10.4 — 10.6
11.2 — 11.7
Capı́tulo 5

Moléculas

5.1 Bibliografia recomendada


• Quantum Mechanics
Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë
Wiley (2006), ISBN 978-0471569527

GXI

• Physics of Atoms and Molecules


B. H. Bransden, C. J. Joachain
Prentice Hall (2003), ISBN 978-0582356924

10.1 — 10.2, 10.3 (páginas 485 — 488 e 490 — 495)

• Molecular Quantum Mechanics


Peter W. Atkins, Ronald S. Friedman
Oxford University Press (2010), ISBN 978-0199541423

8.1 — 8.4, 8.6 — 8.7


9.19 — 9.20

• Atoms, Molecules and Photons: An Introduction to Atomic, Molecu-


lar and Quantum Physics
Wolfgang Demtröder
Springer (2010), ISBN 978-3642102974

9.1 — 9.2
10.1.1 — 10.1.3
130 Moléculas

• Quantum Chemistry
Ira N. Levine
Pearson Education (2014), ISBN 978-0321803450

13.1 — 13.9

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