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A ORIGEM DOS MITOS

Yara

CAP. 1

Era noite. Sob a luz das estrelas e ventos revoltosos, o mar mostrava toda a sua fúria e as águas
sacudiam o grande navio, a ponto de levar parte dos que tentavam, a todo custo, segurar em
alguma coisa. Foi uma noite de gritos agonizantes e pedidos de socorro.

Em meio a grande tempestade, uma corajosa jovem, chamada Zanoa, carregava em seu colo
dois meninos, (filhos de Zacú) (SACI) e (MESI). Lutando durante toda a noite para salvá-los, ela
prometeu que daria a sua vida para que os dois pequenos saíssem dali vivos. Então rasgou
parte de seu vestido amarrou as crianças em suas costas, e segurando com toda força no
mastro.

Diante do brilho da lua, o desespero imperou naquela noite. Sob a regência das águas, tendo
as estrelas como testemunhas, o navio não suportou tamanha rebeldia dos ventos e cedeu,
partindo-se ao meio, fazendo com que todos os que estavam a bordo fossem engolidos pela
força dos mares ou levados pelo soprar do vento.

Foi o fim de um gigante navio que transportava escravos, vindo do continente africano.

Ao nascer do sol, nas areias da praia, balançavam-se os incontáveis corpos, espalhados ao que
sobrou daquele grande navio.

Pouco a pouco, providos de arcos e flechas, surgiam, com passos cautelosos, habitantes
daquele lugar. Eram os verdadeiros donos daquela terra, a tribo (VERIFICAR NOME), que,
comandada pelo jovem líder TUPÃ, averiguavam o local.

Espantados com tantos destroços jogados ao mar, imaginaram que fosse um aviso da grande
mãe, de que o dia da revolta estaria perto.

- A grande mãe está mandando algum aviso!

- Mas o que será que ela quer nos dizer?

Comentou o jovem RAONI, discípulo de TUPÃ!

- Com certeza, algum recado ela quer nos passar...

- Ela sempre nos diz algo...

- A natureza sempre fala conosco, cabe a nós sabermos escutar.

Exclamou Raoni.

- Ou não.

Concluiu outro jovem.

Ao observar os destroços, TUPÃ encontrou duas crianças na areia, amarrados em uma jovem
mulher. Sua pele escura e seus cabelos crespos lhes chamaram atenção, e ao aproximar-se, o
vento soprou e revelou que esses dois meninos carregavam um cordão com um pingente,
pendurados em seus pescoços. Ao observar mais de perto, O JOVEM LÍDER PERCEBEU que eles
não estavam mortos.
- Chamem o Ancião agora!

- RAONI, venha aqui, rápido!

Clamou TUPÃ, assustado!

RAONI então correu e ajudou seu líder TUPÃ a tirar a o tecido que os prendia ao corpo da
mulher.

- MEU DEUS (verificar expressão correta), ainda estão vivos!

- Como isso é possível?

Questionou RAONI.

- Vamos cuidar para que esses meninos possam viver, pois, certamente, há um propósito para
eles. São apenas bebês, como NINA e KAUÊ.

Disse Tupã, olhando fixamente os rostos dos meninos, enquanto segurava em seu colo.

- E o que faremos com a moça que os segurava?

- Levarei comigo?

Perguntou seu discípulo RAONI.

- Até que nosso ancião chegue, vamos cuidar para que ela fique viva, pois, ao que tudo indica,
lutou com todas as forças para salvar essas crianças, até mesmo dando sua própria vida. Sua
força deve ser de outro mundo, ou a Mãe de todos os Seres a protegeu, de alguma forma.

Respondeu TUPÃ.

Então levaram a jovem ZANOA e os dois meninos até a aldeia.

Espantados, todos daquela aldeia, Sob o comando de KARASI, mãe de Tupã, correram para
preparar chás e tudo que pudesse ajudar a salvar as vidas das crianças e de ZANOA.

KARASI é a mulher mais sábia da aldeia, e a única que conhece todas as ervas da aldeia, que
poderiam salvar as crianças e Zanoa.

Ao fim da tarde, eis que surgiu um homem, de cabelos vermelhos e pele clara, com braços
longos e pés virados para trás, diante do qual todos se curvaram.

Calmo como neblina, se aproximou das crianças, e, observou atentamente. E como que tivesse
parado no tempo, segurou o pingente de um dos meninos, quando foi interrompido por Tupã:

- Mestre, há também uma jovem que encontramos com os eles, venha ver!

- Ela estava com os dois meninos amarrados em seu corpo. No início, achamos que estavam
mortos... Não entendemos como podem ter sobrevivido. Todos morreram, menos eles.
Comentou Tupã.

O Ancião tremeu, mas manteve a calma ao olhar ZANOA, deitada, enquanto KARASI cuidava
dela. Ele, então, se apartou e caminhou devagar.

- Realmente, é impressionante!

Diz o ancião, enquanto se afasta.


- Como pode ainda estar viva, diante daquela tragédia?

- Uma coisa é certa: Eles não sobreviveram à toa. Algo muito grande está por vir.

Questionou TUPÃ

- Cuidem deles e me avisem quando acordarem!

Concluiu o Ancião, caminhando floresta adentro.

Ainda conturbado, Tupã, então, voltou pensando em tudo o que estava acontecendo, quando
avistou RAONI observando a jovem ZANOA.

- Bela, não é?!

Comentou Tupã com RAONI, que observava atentamente o rosto da jovem, que permanecia
desacordada.

- Sim, é uma perfeição!

Responde RAONI, sem desviar os olhos da menina.

E assim, anoiteceu e acenderam uma pequena fogueira perto da aldeia, intrigados, comeram e
conversaram sobre os acontecimentos daquele dia.

- TUPÃ, conte pra gente, o que você acha que está acontecendo?

Disse, Raoni.

Com calma, TUPÃ explicou sobre a profecia e que temia que esse dia tivesse chegado.

- Há muito tempo, não havia separação no mundo. Ele não era tão hostil como conhecemos.
As pessoas não adoeciam, não havia guerra e a paz reinava sobre todos.

Como o nosso ancião, havia outros protetores, que possuíam talentos maravilhosos e usavam
apenas para proteger a mãe de todos os seres. Mas chegou um tempo em que o céu escureceu
e começou a chover por vários dias. A chuva só parou depois que uma grande bola de fogo
surgiu ao longe. Desde então, os mares separaram as nossas terras e os povos. Doenças
começaram a surgir e as pessoas passaram a lutar umas contra as outras.

-Como você sabe dessas coisas?

Questionou um jovem discípulo.

- Assim como eu ensino a vocês, meus pais e avós nos ensinaram, de geração em geração.

Respondeu TUPÃ.

- Mas o que essas crianças têm a ver? Como elas conseguiram sobreviver a uma tragédia como
essa? Você acha que a mãe de todos os seres os protegeu? E por quê?

Perguntou outro jovem.

- Existe uma profecia de que a grande mãe irá cobrar por todo mal causado na terra, nem que
para isso, tudo TENHA que começar novamente. Receio que esses meninos tragam essa
cobrança.

- Vamos nos acolher, quem sabe essas crianças e a jovem não acordam amanhã?!
Concluiu TUPÃ.

E assim, todos se recolhem e se deitam.

Pensativo, Tupã demorou a pegar no sono, enquanto tentava imaginar o que poderia estar por
trás disso tudo. Tantos corpos espalhados, um enorme navio destroçado, e duas crianças e
uma jovem conseguem, milagrosamente, sobreviver.

Tupã demora, mas finalmente dorme. E durante seu sono, imagens de um futuro distante vem
em sonhos, que mais pareciam uma visão. Eram imagens de guerras, fome, desmatamentos, e
grandes desastres naturais. O homem destruindo tudo em sua volta, e a natureza
respondendo com seu furor. O amor entre as pessoas deixou de existir, e tudo o que sobrou
foi uma luta constante por sobrevivência.

E em meio a tanta tragédia, uma grande voz falou em seu sonho: TUPÃ, isso que você vê,
certamente acontecerá. A humanidade perdeu a razão de viver nesta terra. Não existirá
bondade, nem respeito, nem amor nesse tempo, e será então o dia em que a cobrança
chegará, mas você pode mudar o destino de muita gente, através do presente que recebeu.

Aquela voz foi ficando cada vez mais distante.

Sonolento, TUPÃ ouve, de longe RAONI o chamando.

- TUPÃ, acorda!

- Acorda, TUPÃ! A jovem...

Assustado, ele então abre os olhos.

CAP. 2 O grande milagre


Amanheceu. E sem entender muito o que era real e o que era sonho, perguntou o que havia
com a jovem...

- O que há com a moça?

Questionou TUPÃ.

- Ela piorou.

- KARASI disse que não tem mais jeito.

- Ela vai morrer, TUPÃ...

Responde RAONI, entristecido.

- Se acalme!

- Vá e chame o ancião, ele deve saber uma forma dela melhorar.

Respondeu TUPÃ.

Então RAONI saiu mata adentro, correndo, em busca do ancião.

- Já foi um milagre essa moça ter sobrevivido todo esse tempo. Seria demais exigir da grande
mãe que a mantivesse viva. Eu fiz tudo o que pude, mas não consegui.
- Fico pensando o quanto ela foi forte e como deve ter sofrido...

Diz KARASI, pensativa, passando a mão sobre a cabeça da jovem.

E em pouco tempo, RAONI chega com o ancião.

- Venha, somente o Sr poderá salvá-la.

- Não deixe que ela morra, mestre, ajude!

Com tranquilidade, o ancião pegou a jovem e pediu que todos fizessem uma corrente em sua
volta. Então ele a deitou no chão, pegou uma parte de cada elemento, uma tocha com fogo,
uma bacia com água, e um punhado de terra, colocou um em cada membro de seu corpo, seus
pés, suas mãos e cabeça. E fazendo um círculo em sua volta, segurando as mãos, sopraram
forte, formando o quarto elemento, o ar. Repetiram o ritual por diversas vezes, enquanto o
ancião invocava a mãe natureza, mas nada adiantava.

Entristecido, RAONI soltou a mão de seu mestre e chorou.

Ao perceber que ela não respondia, o ancião baixou sua cabeça e se levantou, e sem dizer
nada, foi embora.

Aquilo foi um choque pra todo mundo. O próprio ancião desistir, foi como que ele tivesse
confirmado a morte da jovem. Então, um a um foi se retirando, até que apenas RAONI E TUPÃ
ficassem.

- Eu queria, pelo menos ouvir a história dela, de onde ela veio, o que aconteceu com aquele
navio. A única pessoa que poderia explicar pra gente, era ela.

-Ela era a única resposta da mãe natureza que a gente tinha, e eu estava confiante de que ela
iria acordar. Agora ela se foi.

Disse RAONI, de cabeça baixa.

- Ainda tem os meninos, vamos cuidar deles agora.

Comenta TUPÃ.

- Ela era a resposta.

Conclui RAONI, enquanto olha para a jovem deitada no chão.

TUPÃ se levanta, conforta seu discípulo, e sai.

Sozinho, RAONI permanece sentado no chão. Ele abaixa a cabeça e chora.

Em seguida, se aproxima da jovem, deita-se ao seu lado e volta a chamar pela mãe natureza,
bem baxinho, mas com firmeza. Ele continua pedindo pela vida da jovem, sem cansar.

O tempo fica nublado, e as primeiras gotas de chuva começam a pingar no chão. A chuva
aumenta e um vento sopra, de forma circular. RAONI se levanta, assustado, e vê aquele vento
forte em volta da jovem. Aos poucos, a terra, o fogo e a água se juntam, formando um único
elemento, como um barro quente. O vento então o arremessa sobre a jovem, que acorda com
um grande suspiro, enquanto RAONI sorria e chorava ao mesmo tempo.

Em seguida, o vento parou, e ZANOA caiu, amparada por RAONI, em seu colo.
Ele olha em seus olhos e sorri.

- Você voltou!

Disse RAONI, emocionado.

Impressionado, RAONI ouve os gritos de alegria daquela aldeia, enquanto a chuva cai. Ele olha
para o alto e agradece a Mãe-Natureza, quando seus amigos o cercam e lhe abraçam.

Foi um dia de grande comemoração, e um grande banquete foi oferecido a toda a vizinhança
para prestigiar o que havia acontecido.

Um desfecho completamente inesperado, em que um simples discípulo conseguiu invocar a


Grande Mãe, trazendo de volta a vida uma mulher que o próprio ancião havia desistido.

Ao fim do dia, enquanto as pessoas comemoravam com a chuva, Raoni se aproxima de Zanoa,
que continua fraca, mas lúcida.

- Qual o seu nome?


Pergunta Raoni, olhando nos olhos da menina.

Sem entender seu idioma, ela se assusta e se afasta, quando chega o ancião e fala com Raoni:

- Ela não entende nossa língua, veio de outro povo. Teremos que aprender como conversar
com ela.

Dê um tempo, para que ela fique mais tranquila.

Orienta o Ancião.

Apesar do conselho, RAONI não tira os olhos da menina, e tenta, em todo o tempo, puxar
assunto com ela, que sempre sai e o deixa sozinho.

Zanoa, então, vai em busca dos meninos, que haviam acordado durante a invocação de RAONI,
e brincavam na aldeia. Ela os abraça e fica isolada, cuidando das crianças.

Ao perceber, RAONI sorri, e se afasta.

A festa dura por toda a noite, mas ZANOA ainda está confusa e cansada. Então vai dormir, ao
som de canções de felicidade do povo da aldeia.

Ao amanhecer, RAONI é o primeiro a levantar, prepara o café da manhã e leva até ZANOA e as
crianças, que brincava com as crianças, na rede. Desconfiada, ela aceita, mas não dá muita
ideia. Os meninos se escondem atrás da moça e, também não vão muito com a cara do rapaz,
que se sente desprezado, até mesmo pelas crianças.

- Não sabia que era tão feio, a ponto de causar medo.

Reclama RAONI com a moça.

- Qual o seu nome?

Pergunta o rapaz.

Zanoa sorri, mas se afasta, levando as crianças com ela.

Sozinho, RAONI fica pensativo, com olhar distante, observando a moça e as crianças
caminharem pela aldeia.
CAP. 3 Conhecendo a história
- É, Raoni, pelo menos disfarça!

Brinca seu melhor amigo, PORÃ.

- Do que está falando?

Pergunta RAONI.

- Ah , RAONI, dá pra ver em teus olhos.

Completa PORÃ.

Espantado, RAONI acaba tropeçando, chamando atenção de ZANOA, que ri novamente do


rapaz.

Logo em seguida, o ancião aparece e chama Tupã para conversar.

- Vamos caminhar um pouco, precisamos conversar... Diz o ancião.

Eles vão até um lindo lago, cercado de belas flores e com uma cachoeira de tirar o fôlego, e
conversam, enquanto caminham.

- Passei a noite tentando entender os últimos acontecimentos. Nada disso é normal, e tudo o
que vimos deve ter algum sentido. Diz o ancião a Tupã.

- Desde o início, eu também tenho pensado nisso. Nada daquilo é possível. As crianças, a
jovem.... Eu até sonhe... imaginei o que poderia estar por trás, mas não entendo.

Comenta Tupã, ocultando a parte do sonho que teve.

- Mas eu encontrei algumas respostas. São poucas, mas pode explicar de onde são as crianças
e a jovem.

Completa o velho ancião, que começa a explicar.

- Há algum tempo, a mãe de todos os seres vem me dando alguns sinais, em forma de sonhos.
O último que tive, mostrou uma guerra entre um povo parecido com essa jovem.

Nessa guerra, as pessoas entregavam seus amigos para serem escravos.

Eu não conseguia ver o rosto de quem levava essas pessoas, mas estou certo que tem tudo a
ver com os mortos que encontraram na praia.

Eu vou buscar ajuda da mãe de todos os seres para me revelar uma forma de conversar com
essa jovem. Só assim poderemos entender toda a história.

Concluiu o ancião, deixando Tupã sem palavras.

Mais tarde, enquanto todos trabalhavam, Raoni se aproxima da jovem e tenta puxar assunto.
Ele olha sem graça e oferece uma pequena fruta. Ela aceita e sorri, mas se distancia, deixando
o jovem contente.

Dois dias depois, o velho ancião retorna e convida Tupã para outra conversa, mas dessa vez,
chama a jovem para conversar.
Ela deixa as crianças com as mulheres da aldeia e acompanha o velho ancião até o lago,
sentam em uma pedra, e o Ancião começa a falar o idioma da jovem, deixando Tupã confuso.

A jovem conta tudo o que aconteceu, confirmando os sonhos do velho ancião.

- Nosso povo era feliz!

Respira fundo, a jovem Zanoa, com olhar distante, enquanto conta detalhes da guerra que seu
povo enfrentou, até o dia em que o grande navio foi engolido pelo mar.

- Depois disso, tudo o que eu lembro é daquele moço me segurando nos braços, no meio da
chuva.

Conclui Zanoa, entristecida, deixando o Ancião abalado.

Ele agradece pela conversa e garante que ali, ela está segura, assim como as duas crianças, e
que ele próprio passaria a ensinar o idioma de seu povo.

Após a conversa, Zanoa volta a aldeia e pega as crianças em seu colo, senta-se em baixo de
uma árvore e observa os meninos brincarem.

Ainda ao lado do lago, Tupã continua confuso, pois não entende o idioma em que Zanoa
conversava, e questiona o ancião sobre o que conversaram.

- Mestre, em qual idioma vocês conversaram? Eu não consegui entender uma palavra sequer.

Pergunta Tupã, com um olhar fixo ao Ancião.

- Essa menina é especial, Tupã! Tanto ela, quanto as crianças, não vieram até aqui a toa.

Explica o Ancião, enquanto caminha.

- Sim, eu sempre tive esse pensamento, mas vocês conversaram muito e eu não consegui
entender nada. O que ela contou?

Pergunta novamente Tupã.

- Você vai saber de tudo, Tupã! Mas no tempo certo. Tenha calma e se dedique em cuidar
deles, entendeu?

Responde de forma mais firme, o Ancião.

- Ok, mestre! Está certo.

Diz Tupã, claramente contrariado.

O tempo passa, e o Ancião passa a ensinar o idioma e toda a cultura de seu povo a Zanoa, que,
com o tempo, vai repassando para as crianças. Neste mesmo período, Saci e Mesi aprendem a
dizer as primeiras palavras.

A aldeia vive feliz e as crianças dão muita alegria a todo o povo, que ri com as estripulias de um
dos meninos. Ele não para quieto e deixa Zanoa de cabelo em pé, quando brinca com os
animais, derruba entre tantas outras traquinagens fora do comum.

Agora, Zanoa já sabe conversar um pouco com as outras pessoas, já que está aprendendo mais
sobre o idioma e vem se acostumando com a cultura daquele povo.
Percebendo isso, Raoni não perde tempo e tenta cada vez mais se aproximar da moça, que não
o despreza, mas resiste quando ele puxa assunto. Ela sempre tem uma atividade pendente,
uma tarefa ou esqueceu de fazer algo. Mas a verdade, é que ela não está muito a fim de
conversar com o rapaz.

Mas ele é insistente, e está sempre disposto a conquistar a amizade da estrangeira.

Cap. 4 Uma grande amizade

Em um dia de interno calor, Zanoa vai até ao lago. Sozinha, a moça senta-se em uma pedra e
começa a relembrar de seu povo. A jovem parece viajar em suas memórias e tudo parece real,
até que ela vê, no meio do lago, seus pais pedindo socorro, dentro de um pequeno barco. Ela
se desespera e se joga na água para tentar salvá-los.

Nesse momento, Raoni vê a menina se afogando, e também se atira no lago, e retira a menina,
já cansada. Ele a deita no chão e, preocupado, pergunta:

- O que deu em você, menina? Você ia morrer.

Só então Zanoa percebe que, apesar de ser tão real, tudo não se passou de uma miragem.

Mesmo assim, ela não aceita a ajuda do discípulo de Tupã, levanta e sai, ainda um pouco tonta.

- Eu já estava conseguindo sair.

Responde a moça, enquanto caminha.

- Sair? Só se for morta. Você estava se afogando. Por que não admite que eu te salvei? Aliás,
pela segunda vez.

Diz, enfurecido o rapaz.

Zanoa olha pra trás, e olha nos olhos de Raoni, depois segue em frente e deixa o rapaz sozinho,
na beira do lago.

Mais tarde, enquanto Zanoa brinca com as crianças, Raoni se aproxima e pede pra sentar ao
lado. Ela permite, mas não dá muita bola.

- Olha, quero lhe pedir desculpas por hoje mais cedo. Fui grosso com você.

Diz o rapaz de cabeça baixa, enquanto Zanoa observa as crianças.

- Não tem que pedir desculpas. Realmente, você me salvou. Eu que deveria agradecer, mas fui
orgulhosa. Aliás, este é um grande problema meu, admito.

Responde a moça, sem olhar o rosto do rapaz.

- O que aconteceu? Como foi parar no meio do lago? Podia se banhar próximo a pedra, mas
você foi parar lá no meio.

Pergunta o jovem rapaz, olhando pra moça.

Então ela olha para o rosto dele e conta o que aconteceu.

- Eu não ia entrar na água. Mas de repente, meus pais estavam no meio do lago, em um
barquinho, que pegava fogo. Eu não pensei duas vezes e corri para salvá-los. Parecia que a
água me puxava para o meio do lago, eu não sei como explicar. Depois disso, só lembro de
você me segurar. De novo.

Conclui a jovem, olhando fixamente nos olhos de Raoni, e agradece.

- Eu sei que fui ingrata, reconheço isso. Muito obrigada por me salvar. Duas vezes.

- Meu Deus (VERIFICAR TERMO CORRETO), Saciiii!

Grita Zanoa, espantada, quando vê o menino subindo em uma árvore.

Raoni corre e pega o garoto nos braços, e sorri.

- Esse menino ainda vai acabar me deixando de cabelos brancos.

Desabafa a jovem, enquanto toma a criança de seu colo.

- Mesmo assim, continuará linda.

Elogia o rapaz, deixando a moça sem graça.

Após esse dia, Zanoa e Raoni passam a conversar com mais frequência, e se tornam bons
amigos. O jeito atrapalhado do rapaz torna tudo mais leve e faz com que ela se apegue a ele
cada dia mais. O jeito orgulhoso da moça torna um desafio diário para Raoni, que se
compromete em conquista-la a cada dia.

O tempo passa, e a amizade entre Zanoa e Raoni cresce constantemente.

Toda tarde, eles se encontravam na beira do lago e conversavam, sentados na pedra.

- Você precisa ter mais atenção, Raoni, vive se distraindo! Olha, você é um ótimo guerreiro,
igual o seu mestre. A diferença é que ele é super concentrado, enquanto você é
destrambelhado.

Brinca a jovem, com o rapaz.

- Porque não me ensina a ter concentração? Meus pais sempre reclamaram, mas nunca me
ajudaram.

Responde o discípulo, enquanto joga pedras ao lago.

- Me ensina a ser uma guerreira, que eu te ensino a ter concentração.

Propõe Zanoa, enquanto desenha no chão.

- Fechado, você será a melhor guerreira dessa aldeia.

Conclui o rapaz.

A partir de então, as margens do lago se tornam palco dos encontros de Zanoa e Raoni, que
passam a ensinar um ao outro o que sabem.

A rotina aventureira do casal ficava cada dia mais divertida e estimulante. Cada aprendizado,
cada treinamento, fazia com que ambos se aproximassem de seus objetivos. Zanoa estava
cada vez mais forte e Raoni cada vez mais concentrado.
Certo dia, enquanto treinavam à beira do lago, Raoni percebe que, conforme o treinamento se
intensificava, as águas se moviam na direção de Zanoa, como que fosse um imã, atraído pela
garota.

- Você já percebeu que a força do lago te acompanha?

Pergunta o rapaz, ofegante.

- Isso não é hora de brincadeiras, Raoni, se concentre.

Responde a moça, que se espanta ao ver a água indo contra a correnteza.

- Meu Deus (VERIFICAR TERMO CORRETO).

Diz a moça, boquiaberta, que começa a adaptar seus movimentos para controlar a correnteza
do rio.

Assim, ela percebe que possui algum poder sobrenatural e que consegue controlar as águas do
lago.

O tempo passa e a aldeia continua em paz. Zanoa E Raoni continuam bons amigos e firmes nos
treinamentos. Saci e Mesi estão crescendo e cada dia mais espertos. Saci surpreendo a cada
dia, com suas estripulias, enquanto Mesi, ainda mais concentrado e sério.

Cap. 5 – Solidão

O tempo passa, e os encontros de Zanoa e Raoni são cada vez mais comuns. Dia após dia, os
treinamentos seguem firmes, ao entardecer, assim como a amizade do casal, que fica cada dia
mais especial.

- Afinal, por que Tupã cria seus filhos sozinho? Onde está a mãe de Cauê e Nina, que têm a
mesma idade de Saci e Mesi? Ela morreu?

Questiona Zanoa a Raoni, enquanto conversam, sentados, na beira do lago, ao pôr do sol,
ponto de encontro do casal de amigos.

- Ele não gosta de tocar nesse assunto. É algo que o incomoda profundamente. Toda vez que a
gente fala sobre ela, ele se prende em casa por vários dias. É como que ele morresse junto
com ela.

Explica Raoni, deixando a moça reflexiva.

- Tupã é um líder extraordinário, mas desde que Nina e Cauê nasceram, ele se tornou um
enigma.

Completa o rapaz, pensativo, enquanto observa o lago...

- Mas o que aconteceu com ela?

Questiona Zanoa.

- Vamos subir, está anoitecendo. Já é hora de acender a fogueira...

Finaliza o Rapaz, que se levanta, estende a mão pra moça e a puxa. Eles se aproximam e olham
nos olhos.

- Vamos?
Se afasta Zanoa, deixando o Rapaz em pé...

Ao anoitecer, eles ascendem a fogueira e conversam, enquanto comem. Todos estão alegres e
contentes, em um clima leve e descontraído.

- É, Raoni, cuidado com o lago, pra não acabar te afogando, heim...

Brinca Porã, falando sobre os encontros...

- Zanoa é uma excelente guerreira.

- Tem uma força impressionante e sabe conduzir bem a força das águas. Certamente, a grande
mãe tem uma missão pra ela.

Responde Raoni, tentando disfarçar a timidez.

- Pelo jeito, não é só a força das águas que ela conduz não, heim...

Completa Porã, deixando a moça também sem graça, que se levanta e se distancia da roda de
conversa.

- Não teve graça, Porã! Não teve graça nenhuma.

Reclama Raoni.

- Que foi? só disse a verdade. Ela só confirmou o que eu disse.

Conclui Porã, deixando Raoni sem graça.

Neste momento, Zanoa vê Tupã, sozinho, sentado em uma pedra, a beira de outra fogueira. Ela
se aproxima e Conversa com o rapaz.

- Por que está sozinho? Não prefere ficar com seus discípulos?

Pergunta Zanoa, sentando-se a beira da fogueira.

- Hoje não é um bom dia.

Responde, sério, o mestre.

- Tem a ver com sua esposa?

Continua Zanoa, deixando o rapaz incomodado.

Ele se levanta, olha nos olhos da moça e diz:

- Não é de sua conta!

Responde irritado, Tupã.

- Sei que não é de minha conta, mas....

Insiste Zanoa, sendo interrompida imediatamente....

- Não pense que tem o direito de falar o que quiser. Eu sou o mestre aqui, e você deve se pôr
em seu lugar.

Responde Tupã, que se afasta, deixando a moça boquiaberta. Ela nunca havia presenciado um
temperamento tão hostil de alguém naquela aldeia, mas principalmente por Tupã.
Chateada, ela se levanta e vai se deitar ao lado das crianças. De longe, ela observa a roda de
amigos, conversando, em volta da fogueira. Em seguida, vira-se para o outro lado e dorme.

Amanhece e, aos cantos dos pássaros e o nascer do sol, a aldeia volta com suas atividades. As
mulheres indo pescar, os homens cuidando da caça e de plantio, enquanto os jovens seguem
para o treinamento.

Neste dia, o treinamento seria sobre a responsabilidade do grande ancião, que passaria
ensinamentos especiais aos alunos de Tupã.

Enquanto o grande ancião instrui os jovens, de longe, Tupã observa Zanoa, enquanto cuida dos
meninos. Então percebe que agiu mal na noite anterior e decide conversar com a moça. Ele se
aproxima, se encosta em uma árvore, olha desconfiado e puxa assunto.

- Ser adulto é uma responsabilidade muito grande. Às vezes, sinto vontade de voltar a ser
criança, igual aos meninos.

Comenta Tupã, olhando para as crianças.

Zanoa então se levanta, se aproxima de Tupã e responde:

- Não precisamos sofrer por toda vida, por algo que passou. O passado é imutável, e não há
nada que podemos fazer.

Tupã, então, abaixa a cabeça e fica em silêncio.

Zanoa encosta-se ao lado da árvore, e conclui, enquanto observa as crianças brincarem.

- As vezes, nós escolhemos continuar sofrendo, pra manter por perto aquilo que já se foi.

Tupã olha pra ela, e chora.

De cabeça baixa, ele conta sobre seu passado, sua paixão, e seu luto diário.

- Não faz muito tempo. Eu tinha tudo o que precisava.

- Tinha família, amigos, e um amor. Um amor tão forte, e tão puro, que até a grande mãe se
orgulhava dele.

- Nos casamos e tivemos dois filhos. Nina e Kauê.

Encantada, Zanoa ouve cada detalhe do mestre de Raoni. Seus olhos brilham ao falar de sua
amada, que não está mais com eles.

- E onde ela está?

Questiona Zanoa, emocionada.

- Ela morreu em meus braços. Comemorávamos um ano de Kauê. Alguém entrou em nossa
casa e tentou levar Nina, nossa filha, que estava nos braços dela.

- Ela se em recusou entregar a criança. Eu tentei protegê-la, mas fui ferido nas costas, e
alguém me segurou. Não sei quem me feriu, mas vi minha esposa ser atacada por homens,
enquanto defendia nossos filhos.
- Ao perceber o barulho, as pessoas chegaram pra nos ajudar. Foi então que eles fugiram. Mas
já era tarde. Eu a segurei em meus braços, e a vi morrer. Janaína defendeu nossos filhos até a
morte, e eu não pude fazer nada.

- Mas quem fez isso?

Questiona Zanoa.

- Eu não sei. Mas vou descobrir. Eu não posso morrer antes de descobrir quem matou Janaína.

- Ele pagará por todo sofrimento causado a mim e meus filhos.

Decreta Tupã, olhando nos olhos de Zanoa.

Tupã chora como criança, e é consolado por Zanoa, que fica em silêncio. Apenas o abraça e,
reflexiva, o consola.

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