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“Vida de Galileu”, peça teatral de Bertolt Brecht (1898-1956), escrita entre 1938-1939 e estreada em Zurique
em 1943. A peça se passa na Itália, no século XVII e se estende por um período de 28 anos. Galileu, no início da
peça, tem 46 anos, mora em Pádua com sua filha Virgínia, sua empregada Dona Sarti e o filho dela, Andrea
Sarti. Ele ganha a vida como professor de Matemática e como inventor (bomba d’água, telescópio etc.)
Cena 1
Galileu Galilei, professor de Matemática em Pádua, quer demonstrar o novo sistema copernicano
do Universo.
Quarto de estudo de Galileu, em Pádua; o aspecto é pobre. É de manhã. O menino Andrea, filho da governanta,
traz um copo de leite e um pão.
[...]
GALILEU – Veja o que eu trouxe para você, ali atrás dos mapas astronômicos.
Andrea procura atrás dos mapas, de onde tira um grande modelo de sistema ptolomaico, feito de madeira.
GALILEU – É um astrolábio; mostra como as estrelas se movem à volta da Terra, segundo a opinião dos antigos.
ANDREA – E como é?
ANDREA – A bola embaixo é a Lua, é o que está escrito. Mais em cima é o Sol.
GALILEU (se enxugando) – É, foi o que eu também senti, quando vi essa coisa pela primeira vez. Há mais gente
que sente assim. (Joga a toalha para Andrea para que ele lhe esfregue as costas.) Há dois mil anos a
humanidade acredita que o Sol e as estrelas do céu giram em torno dela. O papa, os cardeais, os príncipes, os
sábios, capitães, comerciantes, peixeiras e crianças de escolas, todos achando que estão imóveis nessa bola de
cristal. [...] O tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a humanidade terá uma ideia clara de sua
casa, do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhes basta mais. Pois onde a fé teve mil
anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo diz: é, está nos livros – mas nós queremos ver com
nossos olhos. […] O que era indubitável [sem dúvidas], agora é posto em dúvida.
[...]
GALILEU – É.
ANDREA – Não. Por que o senhor quer que eu entenda? É muito difícil, e eu ainda não fiz onze anos, vou fazer
em outubro.
GALILEU – Mas eu quero que também você entenda. É para que se entendam essas coisas que eu trabalho e
compro livros caros em lugar de pagar o leiteiro.
ANDREA – Mas eu vejo que o Sol de tarde não está onde estava de manhã. Quer dizer que ele não pode estar
parado! Nunca e jamais!
“VIDA DE GALILEU”, DE BERTOLT BRECHT
GALILEU – Você vê! O que é que você vê? Você não vê nada! Você arregala os olhos e arregalar os olhos não é
ver. (Galileu põe uma bacia de ferro no centro do quarto.) Bem, isto é o Sol. Sente-se aí. (Andrea se senta na
única cadeira; Galileu está de pé, atrás dele.) Onde está o Sol, à direita ou à esquerda?
ANDREA – À esquerda.
GALILEU – E não tem outro jeito? (Levanta Andrea e a cadeira do chão, faz meia-volta com ele). Agora, onde é
que o Sol está?
ANDREA – À direita.
ANDREA – Eu.
DONA SARTI (que entrou para fazer a cama e assistiu à cena) – Seu Galileu, o que o senhor está fazendo com o
meu menino?
DONA SARTI – Mas é verdade mesmo que o senhor ensina essas bobagens? Depois ele vai e fala essas coisas na
escola, e os padres vêm me procurar, porque ele fica dizendo coisas que são contra a religião. [...] (Sai.)
GALILEU (pegando uma maçã) – Bom, isto é a Terra, e você está aqui. (Tira uma lasca de um toro de lenha e
finca na maçã.) E agora a Terra gira.
GALILEU – O quê? (Gira em sentido contrário, até a primeira posição.) A cabeça não está no mesmo lugar? Os
pés não estão mais no chão? Quando eu viro, você por acaso fica assim? (Tira e inverte a lasca.)
GALILEU – Porque você vai junto. Você e o ar que está em cima de você e tudo o que está sobre a esfera.
BRECHT, Bertolt. Vida de Galileu. In: Teatro completo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 55-62.