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@marcellesteves

Índice

1 Motivo

2 Ar Livre

3 Monólogo

4 Leveza

5 Equilibrista

6 Apresentação

7
Vida
Motivo

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,


não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.


Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Ar Livre

A menina translúcida passa.


Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio do cabelo.


Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem.


É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,


em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.
Monólogo

Para onde vão minhas palavras,


se já não me escutas?
Para onde iriam, quando me escutavas?
E quando me escutaste? - Nunca.

Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!


Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.

De um lado das águas, de um lado da morte,


tua sede brilhou nas águas escuras.
E hoje, que barca te socorre?
Que deus te abraça? Com que deus lutas?

Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,


com as minhas perguntas.
Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.
Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que se lembra, ouvindo-se


deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
Equilibrista

Alto, pálido vidente,


caminhante do vazio,
cujo solo suficiente
é um frágil, aéreo fio!

Sem transigência nenhuma,


experimentas teu passo,
com levitações de pluma
e rigores de compasso.

No mundo, jogam à sorte,


detrás de formosos muros,
à espera de tua morte
e dos despojos futuros.

E tu, cintilante louco,


vais, entre a nuvem e o solo,
só com teu ritmo - tão pouco!
Estrela no alto do polo.
Apresentação

Aqui está minha vida - esta areia tão clara


com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz - esta concha vazia,


sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor - este coral quebrado,


sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança - este mar solitário,


que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
Vida

Do pano mais velho usava.


Do pão mais velho comia.
Num leito de vides secas,
E de cilícios vestida,
Em travesseiro de pedra,
Seu curto sono dormia.
Cada vez mais pobre
Tinha de ser sua vida,
Entre orações e trabalhos
E milagres que fazia,
A salvar a humanidade
Dolorida.
Mãos no altar, a acender luzes,
Pés na pedra fria.
Humilde, entre as companheiras;
Diante do mal, destemida,
Irmã Clara, em seu mosteiro,
Tênue vivia.
Transforme a leitura em
memórias para a sua família

@marcellesteves

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