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DOSSIÊ DO PROFESSOR PALAVRAS 6

EDUCAÇÃO LITERARIA: OUTRAS LEITURAS

FICHA 5 Alice Vieira, Rosa, Minha Irmã Rosa

A minha irmã nasceu


A mãe volta amanhã para casa.
Mas a casa está diferente, e tenho medo que a mãe
também o esteja.
A cama de grades, de madeira castanha, que serviu
5 para mim, já está posta no seu quarto, embora por agora
a minha irmã vá dormir na alcofa. A banheira pequena,
de plástico azul, também já está na casa de banho,
pronta a servir. Há montanhas de fraldas brancas dentro
de uma gaveta, mas a avó Elisa passa o tempo todo a
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queixar-se de que ainda são poucas.
O pior que tudo foi quando tive de ceder duas gavetas da cómoda do meu
quarto para lá meterem coisas do bebé, pois parece que não cabia tudo na
cómoda da minha mãe.
– Como é que uma criança tão pequena pode precisar de tanta coisa?
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Foi isto mais ou menos que perguntei à minha avó, mas ela estava tão
atarefada a contar pela milionésima vez as fraldas da minha irmã, que só
resmungou entredentes:
– Isto vai ser bonito, vai…
Não percebi o que é que ia ser assim tão bonito, mas decidi não a preocupar,
20 absorvida que estava na contagem das fraldas.
Desde que a minha irmã nasceu, só vejo o meu pai a correr, quando ele tem
tempo para ir jantar a casa da avó.
– Queres ir amanhã comigo buscar a mãe? – perguntou ele.
– Não posso. É dia de ginástica e saio mais tarde da escola.
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Vi que tinha ficado um bocado aborrecido comigo, mas também eu andava
aborrecida com muita coisa e ninguém parecia incomodar-se muito com isso.
– É pena. Podias ajudar a trazer as coisas da mãe, que ainda está um bocado
fraca. Mas deixa lá, havemos de nos arranjar de qualquer maneira. Não me tinha
lembrado da ginástica, desculpa.
Não sei porquê senti um nó no fundo do estômago, uma estúpida vontade de
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chorar, mas abri muito os olhos e fechei as mãos com força (a Rita tinha-me
ensinado este truque de reter o choro quando ele estava mesmo à beirinha dos
olhos) e não disse nada.
Só que o caldo-verde, feito de propósito pela avó para mim, de repente deixou
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Foi nessa altura que ouvi o meu pai perguntar.
– Então e o nome?

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– Qual nome?
– Qual havia de ser… O nome para a tua irmã! Ou tu queres que ela se vá
40 chamar Jaime?
Apesar de toda a minha má disposição ainda consegui sorrir com a ideia. De
facto, todos tínhamos andado nove meses a falar no irmão que ia nascer,
chamando-lhe Jaime para aqui, Jaime para acolá, como se a vinda de um rapaz
fosse coisa tão certa como as 24 horas do dia.
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A tia Magda, que sabia sempre tudo e lia todas as revistas de todas as
tabacarias de toda a cidade, tinha prevenido:
– Olhem que vai ser outra rapariga! Eu tenho cá um sexto sentido que não
falha…
50 Ninguém lhe ligou, e por isso ela agora quando nos vê não para de resmungar:
– Eu bem vos tinha avisado…
Porque além de dizer palavras azedas e de gostar de antúrios e estrelícias, a
tia Magda tem outro defeito: só ela sabe sempre tudo, só ela tem sempre razão.
Quando a vejo, tenho a sensação de que a tia Magda já nasceu assim, com
55 bigode e pele enrugada, ares autoritários e um dente de ouro a espreitar-lhe a
boca.
De súbito a imagem da minha tia, já velha, mas deitada numa cama de bebé,
fez-me rir.
– Que foi? – perguntou o meu pai.
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– Nada – disse eu. – Estava a pensar noutra coisa.
– Então acho melhor que vás começando a pensar também no nome da tua
irmã – disse ele.
E acrescentou, com ar meio sério, meio divertido:
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– Não gosto que uma cidadã deste país esteja muito tempo sem nome…
Pensei no rosto engelhado daquele meio metro de gente que tinha visto no
berço do hospital, e disse para comigo que se todas as cidadãs tivessem aquela
cara, o país estava bem arranjado…
E ainda estou para saber o que me deu para, no fim do jantar, agarrar o braço
70 do meu pai e dizer-lhe:
– Vou amanhã contigo buscar a mãe.
Alice Vieira, Rosa, Minha Irmã Rosa, 22.ª edição,
Editorial Caminho, Alfragide, 2012, págs. 19-21.

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1. Explicita as circunstâncias em que “a mãe volta amanhã para casa” (linha 1).

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2. A casa teve de se adaptar às novas circunstâncias.

Esclarece em que consistiu essa adaptação.

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3. Como reagiu a Mariana a todas estas alterações?

Seleciona a opção que completa a frase seguinte, de acordo com o sentido do texto.

A Mariana reagiu a todas estas alterações

mostrando-se contrariada. com


indiferença.

com entusiasmo. com


alegria.

4. Como justificas a reação da Mariana?

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5. A narradora afirma que a tia Magda sabe sempre tudo. (linha 52)

Por que razão podemos deduzir que a narradora afirma o contrário daquilo em que está a
pensar?

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6. O que pensas da forma como o pai lidou com a dificuldade sentida por Mariana a aceitar o
novo membro da família? Justifica a tua resposta.

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7. Completa a afirmação seguinte com a opção adequada, de acordo com o sentido do texto.

A expressão “daquele meio metro de gente” (linha 65) contém uma

metáfora. personificação.

comparação. perífrase.

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PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO

FICHA 5

1. A mãe terá alta do hospital, onde deu à luz uma menina.

2. Embora a recém-nascida vá começar por ficar deitada numa alcofa, foi já colocada uma cama de
grades no seu quarto. Na casa de banho, passou a existir uma banheira própria para recém-nascidos.
Foram compradas muitas fraldas. Para se guardarem estes e outros objetos, utilizaram-se algumas gavetas
do móvel da mãe e da irmã.

3. mostrando-se contrariada.

4. A Mariana reage contrariada à chegada da irmã, pois vai ter de passar a partilhar tudo com ela: a casa,
o tempo dos pais e o afeto da família.

5. Podemos dizer que a narradora afirma o contrário daquilo em que está a pensar, pois, apesar de
reconhecer que a tia Magda sabia sempre tudo, a narradora sugere que os seus conhecimentos se baseiam
na leitura de revistas e no seu sexto sentido. Talvez por isso ninguém a tenha levado a sério quando ela
assegurou que a criança que iria nascer seria do sexo masculino.

6. O pai lembrou a Mariana que a recém-nascida ainda não tinha nome e pediu-lhe que sugerisse um.
Desta forma, o pai envolveu a Mariana nas decisões sobre a sua irmã, o que contribuiria, sem dúvida, para
superar as suas hesitações e os seus receios.

7. perífrase.

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