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JUSTIÇA SOCIAL E DIREITOS HUMANOS: ENSAIOS FILOSÓFICOS. Dias MC. Rio


de Janeiro: Editora Pirilampo; 2015. 186 p. ISBN: 978-85-89664-15-8

Article  in  Cadernos de saúde pública / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública · January 2016
DOI: 10.1590/0102-311X00194215

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Wallace. S. Moraes Miriam Ventura


Federal University of Rio de Janeiro Federal University of Rio de Janeiro
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resenhas Book reviews 1

JUSTIÇA SOCIAL E DIREITOS HUMANOS: EN- se compreender os limites da efetivação de direitos e


SAIOS FILOSÓFICOS. Dias MC. Rio de Janeiro: as necessárias transformações de um mundo no qual
Editora Pirilampo; 2015. 186 p. ISBN: 978-85- poucos ainda têm muito, enquanto muitos pouco têm.
89664-15-8 O descontentamento da autora com a forma de or-
ganização societal e política e a defesa de um espaço
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00194215 inclusivo para todos, torna a sua obra instigante e me-
recedora de elogios. Sua principal contribuição está no
O livro Justiça Social e Direitos Humanos: Ensaios Filo- cerne das questões filosóficas ligadas à ética, que ser-
sóficos, de Maria Clara Dias, é um daqueles essenciais virão como concepções-guias para as políticas.
para leitura, sobretudo num momento de ataques su- O trabalho perpassa em revista alguns autores
cessivos à ampliação de direitos e liberdades. A obra clássicos como Habermas, Rawls, Dworkin, Miller,
permite refletir e fortalecer argumentos em prol des- Tugendhat, Amartya Sen, Walzer e até mais antigos co-
se ideário de justiça social, a partir de temas centrais mo Kant, Hume, Mill e Aristóteles. A descrição das te-
como: a relação entre moralidade e legalidade; justiça ses desses autores é feita com absoluta honestidade e
social e democracia; ética, mecanismos institucionais competência, oferecendo ao leitor uma noção do que
de gestão e identidade feminina. foi defendido por esses clássicos.
O foco central de sua análise é a caracterização dos Uma das principais virtudes da autora é sua origi-
direitos humanos como básicos universais. A saúde nalidade. Apresenta os autores sempre com indepen-
como um direito humano tem sustentado transforma- dência, estabelecendo um debate crítico, coerente, por
ções nas leis e políticas públicas de saúde, preventivas vezes duro, com eles. Com base nesses intensos diálo-
e assistenciais, e nas relações entre Estado e sociedade. gos, Dias constrói suas próprias hipóteses com muita
Os temas trazidos à discussão na obra convergem com coragem, em tempos de capitulações e de reprodução
as preocupações da Saúde na busca de ações equâni- acrítica de teses alheias.
mes que reduzam as desigualdades. Sua preocupação central é sustentar um argumen-
Para aqueles que defendem a saúde como expres- to moral para o reconhecimento dos direitos sociais
são de cidadania e justiça social, o estudo amplia esta básicos que, por conseguinte, garanta uma vida digna
compreensão ao problematizar questões contemporâ- a todos. O princípio “de moral do respeito universal”
neas e enfrentar debates com intelectuais renomados lhe serve de alicerce, em suas palavras: “Reconhecer
das Ciências Humanas, por meio de uma linguagem alguém como portador de direitos significa tomar o
objetiva, agradável e fincada nas reflexões que con- outro não como mero objeto de nossas obrigações, mas
templam a ética, a política e a filosofia. Embora o livro reconhecer nossas próprias obrigações como reflexo de
contenha dez capítulos e uma introdução, escritos em seus direitos. Apenas no âmbito de uma comunidade
diferentes momentos, eles parecem ter sido pensados assim definida, pode cada indivíduo reclamar seus di-
para uma única obra. A coerência argumentativa sem reitos como algo independente do arbítrio dos demais”
tergiversação idealista sintetiza muito bem a trajetória (p. 19).
acadêmica da professora de Filosofia da Universidade Essa reflexão é fundamental para repensarmos as
Federal do Rio de Janeiro, com doutorado em Berlim, nossas ações nos diversos campos de atuação e do sa-
na Freie Universitat, e pós-doutorados nas Universida- ber, com vistas a tratar o outro como portador de di-
des de Connecticut e Oxford, respectivamente. reito e não como objeto que possa garantir benesses
Fiel à sua preocupação com os princípios de direi- individuais ou coletivas.
tos humanos e com o desassistido, com aquele que não O próximo passo é convencer o leitor de que os
tem autonomia, mas precisa ter seus direitos garan- direitos humanos são constituídos por direitos sociais
tidos, a autora lança sua publicação no ano de 2015. básicos. Inicialmente, ela entende que cada indivíduo
Ano no qual um negro governa os Estados Unidos, enquanto membro da comunidade deve ser cooperati-
mulheres governam a Argentina, o Chile e o Brasil, um vo, e não se pode tratar os seres humanos como meios,
indígena governa a Bolívia, um ex-camelô a Venezuela, tampouco instrumentalizá-los para fins privados. A
e um dos remanescentes do movimento sandinista go- igualdade universalista, o respeito mútuo e a recipro-
verna a Nicarágua. As leis de inclusão da pessoa com cidade estão postos aqui em primeiro lugar.
deficiência (Lei no 13.146/2015) e de proteção e acesso Respeitadas essas premissas, a autora defende que
ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional todos devem usufruir de uma vida digna, composta
(Lei no 13.123/2015) sancionadas em 2015, dão eficácia pelos direitos básicos, como a saúde, educação, mora-
nacional às novas Convenções Internacionais de Direi- dia, formação profissional, trabalho etc. Esses direitos
tos Humanos reafirmando o princípio constitucional são associados e somente contemplados se garantidos
da prevalência dos direitos humanos no Brasil. com independência face ao arbítrio dos demais e que
Não obstante todos os avanços destacados, persis- tenham a possibilidade de automanutenção, em duas
tem ainda a desigualdade e a carência de direitos uni- palavras: autonomia e liberdade.
versais que possibilitem a negros, indígenas, mulheres Essa argumentação de Dias é importante jus-
e trabalhadores alcançarem dignidade no planeta. tamente para criar um contraponto à maior parte
Por tudo, as reflexões de Dias são atuais, úteis para dos intelectuais que se limitam a defender apenas a

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 32(3):e00194215, mar, 2016


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liberdade individual como premissa imprescindível cimento de direitos básicos universais. Esses seriam
para um bem-viver. Essa, aliás, constitui a base do pen- os únicos pontos que poderíamos sugerir um olhar
samento clássico liberal, que preocupado com a liber- mais profundo: tratar por uma perspectiva histórica
dade de mercado e com a não intervenção do Estado e mais crítica o papel dessas instituições, favorecendo
absolutista sobre os negócios da nascente burguesia, reflexões sobre novas institucionalidades inclusivas e
defendia com toda sua força a liberalidade de acumu- emancipadoras dos sujeitos.
lar, negligenciando e se contrapondo aos princípios de Foi um enorme prazer ler e discutir a obra em
igualdade social, ou mesmo de reprodução social dos diálogo interdisciplinar, da ciência política, direito
não proprietários. Dias ultrapassa essa questão e asse- e saúde coletiva. Sua perspectiva filosófica de justi-
vera que a comunidade moral deve preocupar-se com ça diferenciada em tempos de filosofia e teoria social
todos e para além da liberdade, pois aqueles que são individualistas nos levou a pensar não só na inclusão
carentes de autonomia, como idosos, crianças e pes- social, mas nos que não têm autonomia. Assim, a au-
soas com deficiências, devem ser compensados com tora cumpre a sua preocupação inicial “como educa-
outros direitos que lhes garantam vida digna. dora, pesquisadora, filósofa e cidadã”, e o faz de forma
Com essas palavras, Dias combate o utilitarismo, indubitavelmente eficaz. Esperamos que essa obra
o liberalismo e, por consequência, todas as formas tenha o impacto necessário em prol da alteridade, do
disfarçadas de egoísmo. Sustenta ainda que se tanto é amor, do respeito e da construção de um mundo justo
gasto com segurança pelo Estado, seria legítimo inves- e inclusivo.
tir tanto quanto ou mais em diretos sociais básicos.
Sem tirar o mérito de suas teses cujas premissas
incorporam o Estado e o nacionalismo como garan- Wallace dos Santos de Moraes
Programa de Pós-graduação em História Comparada,
tias, podemos observar que do ponto de vista histórico
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
essas instituições serviram mais como obstáculo pa- wmoraes@ifcs.ufrj.br
ra garantir uma vida inclusiva para todos, atendendo
prioritariamente interesses de determinados grupos Miriam Ventura
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do
ou classes sociais, do que preocupado com estabele-
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
miriam.ventura@iesc.ufrj.br

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 32(3):e00194215, mar, 2016

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