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Gabriel Ribeiro de Melo RA.

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Docente: Marcelo Fábio Gouveia Nogueira
Disciplina: EBT0430 – Bioética

Resenha Crítica do artigo da Revista Bioética “Secularismo,


pós-modernidade e justiça na assistência à saúde em
Engelhardt’ publicado em 4 de janeiro de 2020

O artigo (CÂNDIDO; ALCÂNTARA; GARRAFA, 2020) se propõem em sua


discussão apresentar os conceitos centrais da obra e da construção do
pensamento de Hugo Tristram Engelhardt Junior (1941-2018), médico, filósofo e
professor de filosofia da Universidade do Texas em Austin. Engelhardt foi em
vida, aprofundado em questões filosóficas e sua leitura de mundo é pós-
moderna, na sua obra discute muito o conceito de “estranhos morais”, como
grupos coletivos de pessoas que, em conjuntos de sociedades plurais e
democráticas, não partilham regras morais e nem convergem à soluções mútuas
em suas controvérsias morais e essas não podem ser resolvidas com base em
discussão e argumentação racional. Os pressupostos da filosofia de Engelhardt
é baseada no colapso do projeto iluminista-burguês de explicar a realidade pela
égide da análise epistemológica, onde a realidade se percebe com base no que
se vê e se quantifica do real. A alternativa do autor a essa problemática é tender
a uma leitura pós-moderna, onde a pluralidade das concepções é pétrea e a
ausência de uma moral religiosa e metafísica se fazem necessárias para não se
tender a nenhum espectro dentro os “estranhos morais”. A minha crítica principal
a leitura do autor sobre a justiça e o direto na assistência à saúde será tecida em
conflito entre a linha ideológica dele e a análise baseada no materialismo-
histórico-dialético.

Ao se referir ao projeto moral moderno do Iluminismo como aspiração a


uma moralidade comum, a uma união dos povos e a paz perpétua o autor deixa
de considerar que o projeto iluminista é um projeto político de uma classe social
sobre as demais, e que essas aspirações são aspirações dessa classe que na
disputa ideológica da sociedade, essa classe que a coloca como ideologia
dominante. Como Marx analisa “a ideologia dominante é a ideologia da classe
dominante (MARX; ENGELS, 1845). Engelhardt chega a pontuar como o
Ocidente em geral, cria uma matéria amorfa de racionalismo, não ligada a
qualquer pessoa, sem visão normativa e até ahistórica; porém o projeto pós-
moderno não amplia essa discussão ao ponto de fazer a análise materialista da
situação social, com base na historicidade desses povos, e na relações dialéticas
de poder que se constroem socialmente. Apenas trabalha sobre a falência do
Iluminismo e continua a reproduzir como visão de mundo a mesma análise
pluralista, que não define os “estranhos morais” e os trata como massa amorfa,
e ausente de materialidade.

Engelhardt trabalha com um conceito de ética que considera as fronteiras


do raciocínio moral secular, e ao avançar na discussão da construção então de
uma moralidade que se desvia do encontro com Deus, e se encontra com a
realidade que todos pudessem compartilhar, não atinge seu objetivo de construir
uma bioética secular uniforme a esse embate. Essa conclusão à qual se chega
da ética se encaminha pra uma ética quase niilista, onde não se pode diferenciar
o que é moralmente desviado do que é moralmente errado. E novamente nessa
análise aparece a dificuldade de se trabalhar sobre a perspectiva do fracasso
iluminista e não se partir a uma leitura totalizante da realidade. A bioética que
nasce desse pensamento é petulantemente incerta e impede a formação de
autoridade moral para se desenvolver qualquer questão. Esse vazio é gerado
em função de se manter uma neutralidade frente aos “estranhos morais”, porém
essa neutralidade é fictícia como foi discutido acerca da ideologia, pois ela
continua a servir a ideologia dominante, por não a antagonizar nem se propor a
construir uma nova hegemonia.

A discussão principal do artigo se dá sobre o direto à saúde em


Engelhardt, onde a ótica do autor fica clara como ultraliberal. Indo em posição
contrastante a realidade jurídica brasileira, que reconhece o direito à saúde
gratuita de qualidade em sua Carta Magma (a questão continua sendo candente
dentro da própria institucionalidade brasileira, e os ataque a esse direito que é
fruto da luta organizada dos trabalhadores brasileiro sofre severos ataques
diariamente). O autor se alinha muito facilmente aos liberais clássicos
americanos, como único e exclusivo papel da justiça seja de resguardar a
autonomia individual. Apesar de essa não ser a mesma para todos os indivíduos,
o autor novamente não discute a questão, de que autonomia esses indivíduos
tem vivendo na égide do capitalismo e do processo de reificação humana, onde
o autor trata a assistência a saúde como mais umas das diversas mercadorias
presentes no mercado.

A discussão do autor não é ingênua, mas baseada completamente em sua


posição político-ideológica. Fica claro a prioridade que se tem frente a autonomia
da propriedade privada e da inerência desse direito em seus inscritos, apesar de
um conceito tão amplo como o do direito a saúde ser questionado. O autor coloca
a “desigualdade no acesso (…) como moralmente inevitável, por causa dos
recursos privados e da liberdade humana” (CÂNDIDO; ALCÂNTARA;
GARRAFA, 2020). Ele faz essa ampla defesa com base no argumento de que a
proposta de política idealmente igualitária estaria fundada em compromisso
impossível e incoerente, pois não poderia, ao mesmo tempo, oferecer a melhor
assistência a todos, garantir a igualdade entre prestadores e usuários e conter
custos. Sendo que em uma política realmente igualitária o compromisso é de se
oferecer o mínimo socialmente necessário a manutenção da saúde de todas as
pessoas. Eu amplio minha argumentação pelo exemplo de que, se já é
cientificamente possível de que todas as pessoas de uma nação possam ser
imunizadas por vacina contra o sarampo, mesmo que não tenham condições
materiais de ter um médico para cada 1.000 habitantes. A condição material já é
efetiva ao todo da população.

E sobre a argumentação do autor acerca dos custos dessa assistência


popular a saúde, essa só se torna um risco real a partir da mercantilização dessa
saúde. Marx trabalha com o conceito de fetichização da mercadoria em sua obra
(MARX, 1867) onde essa expressa seu valor com base no trabalho socialmente
necessário para a reproduzir. Para que essa se torne material na realidade, só a
partir do fim da propriedade privada na área da saúde, e organização direta de
seus trabalhadores em um Sistema Único de Saúde, construído pelos
trabalhadores e para os trabalhadores, onde o lucro deixe de ser o objetivo
inerente a essa construção, mas sim a própria construção de saúde popular por
meio da tomada de consciência do povo e emancipação dessa classe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂNDIDO, Artur Mamed; ALCÂNTARA, Ricardo; GARRAFA, Volnei.


Secularismo , pós-modernidade e justiça na assistência à saúde em
Engelhardt. Revista Bioética, [S. l.], v. 28, n. 3, p. 471–478, 2020. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020283409.

MARX, Karl. Karl Marx: O Capital (Volume 1) - Capitulo 1. 1867. Disponível


em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap01.htm.
Acesso em: 30 out. 2020.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã- Karl Marx e Engels.


1845. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-
alema-oe/index.htm. Acesso em: 30 out. 2020.

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