O documento analisa um artigo sobre as visões de Hugo Tristram Engelhardt Junior sobre secularismo, pós-modernidade e justiça na assistência à saúde. O autor critica Engelhardt por não considerar a materialidade histórica e as relações de poder na sociedade, e por ter uma visão ultraliberal que vê a assistência à saúde como mercadoria. O autor defende em contraste um sistema único de saúde organizado pelos trabalhadores.
Descrição original:
Título original
Resenha_Secularismo, pós-modernidade e justiça na assistencia a Saude em Engelhardt
O documento analisa um artigo sobre as visões de Hugo Tristram Engelhardt Junior sobre secularismo, pós-modernidade e justiça na assistência à saúde. O autor critica Engelhardt por não considerar a materialidade histórica e as relações de poder na sociedade, e por ter uma visão ultraliberal que vê a assistência à saúde como mercadoria. O autor defende em contraste um sistema único de saúde organizado pelos trabalhadores.
O documento analisa um artigo sobre as visões de Hugo Tristram Engelhardt Junior sobre secularismo, pós-modernidade e justiça na assistência à saúde. O autor critica Engelhardt por não considerar a materialidade histórica e as relações de poder na sociedade, e por ter uma visão ultraliberal que vê a assistência à saúde como mercadoria. O autor defende em contraste um sistema único de saúde organizado pelos trabalhadores.
Resenha Crítica do artigo da Revista Bioética “Secularismo,
pós-modernidade e justiça na assistência à saúde em Engelhardt’ publicado em 4 de janeiro de 2020
O artigo (CÂNDIDO; ALCÂNTARA; GARRAFA, 2020) se propõem em sua
discussão apresentar os conceitos centrais da obra e da construção do pensamento de Hugo Tristram Engelhardt Junior (1941-2018), médico, filósofo e professor de filosofia da Universidade do Texas em Austin. Engelhardt foi em vida, aprofundado em questões filosóficas e sua leitura de mundo é pós- moderna, na sua obra discute muito o conceito de “estranhos morais”, como grupos coletivos de pessoas que, em conjuntos de sociedades plurais e democráticas, não partilham regras morais e nem convergem à soluções mútuas em suas controvérsias morais e essas não podem ser resolvidas com base em discussão e argumentação racional. Os pressupostos da filosofia de Engelhardt é baseada no colapso do projeto iluminista-burguês de explicar a realidade pela égide da análise epistemológica, onde a realidade se percebe com base no que se vê e se quantifica do real. A alternativa do autor a essa problemática é tender a uma leitura pós-moderna, onde a pluralidade das concepções é pétrea e a ausência de uma moral religiosa e metafísica se fazem necessárias para não se tender a nenhum espectro dentro os “estranhos morais”. A minha crítica principal a leitura do autor sobre a justiça e o direto na assistência à saúde será tecida em conflito entre a linha ideológica dele e a análise baseada no materialismo- histórico-dialético.
Ao se referir ao projeto moral moderno do Iluminismo como aspiração a
uma moralidade comum, a uma união dos povos e a paz perpétua o autor deixa de considerar que o projeto iluminista é um projeto político de uma classe social sobre as demais, e que essas aspirações são aspirações dessa classe que na disputa ideológica da sociedade, essa classe que a coloca como ideologia dominante. Como Marx analisa “a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante (MARX; ENGELS, 1845). Engelhardt chega a pontuar como o Ocidente em geral, cria uma matéria amorfa de racionalismo, não ligada a qualquer pessoa, sem visão normativa e até ahistórica; porém o projeto pós- moderno não amplia essa discussão ao ponto de fazer a análise materialista da situação social, com base na historicidade desses povos, e na relações dialéticas de poder que se constroem socialmente. Apenas trabalha sobre a falência do Iluminismo e continua a reproduzir como visão de mundo a mesma análise pluralista, que não define os “estranhos morais” e os trata como massa amorfa, e ausente de materialidade.
Engelhardt trabalha com um conceito de ética que considera as fronteiras
do raciocínio moral secular, e ao avançar na discussão da construção então de uma moralidade que se desvia do encontro com Deus, e se encontra com a realidade que todos pudessem compartilhar, não atinge seu objetivo de construir uma bioética secular uniforme a esse embate. Essa conclusão à qual se chega da ética se encaminha pra uma ética quase niilista, onde não se pode diferenciar o que é moralmente desviado do que é moralmente errado. E novamente nessa análise aparece a dificuldade de se trabalhar sobre a perspectiva do fracasso iluminista e não se partir a uma leitura totalizante da realidade. A bioética que nasce desse pensamento é petulantemente incerta e impede a formação de autoridade moral para se desenvolver qualquer questão. Esse vazio é gerado em função de se manter uma neutralidade frente aos “estranhos morais”, porém essa neutralidade é fictícia como foi discutido acerca da ideologia, pois ela continua a servir a ideologia dominante, por não a antagonizar nem se propor a construir uma nova hegemonia.
A discussão principal do artigo se dá sobre o direto à saúde em
Engelhardt, onde a ótica do autor fica clara como ultraliberal. Indo em posição contrastante a realidade jurídica brasileira, que reconhece o direito à saúde gratuita de qualidade em sua Carta Magma (a questão continua sendo candente dentro da própria institucionalidade brasileira, e os ataque a esse direito que é fruto da luta organizada dos trabalhadores brasileiro sofre severos ataques diariamente). O autor se alinha muito facilmente aos liberais clássicos americanos, como único e exclusivo papel da justiça seja de resguardar a autonomia individual. Apesar de essa não ser a mesma para todos os indivíduos, o autor novamente não discute a questão, de que autonomia esses indivíduos tem vivendo na égide do capitalismo e do processo de reificação humana, onde o autor trata a assistência a saúde como mais umas das diversas mercadorias presentes no mercado.
A discussão do autor não é ingênua, mas baseada completamente em sua
posição político-ideológica. Fica claro a prioridade que se tem frente a autonomia da propriedade privada e da inerência desse direito em seus inscritos, apesar de um conceito tão amplo como o do direito a saúde ser questionado. O autor coloca a “desigualdade no acesso (…) como moralmente inevitável, por causa dos recursos privados e da liberdade humana” (CÂNDIDO; ALCÂNTARA; GARRAFA, 2020). Ele faz essa ampla defesa com base no argumento de que a proposta de política idealmente igualitária estaria fundada em compromisso impossível e incoerente, pois não poderia, ao mesmo tempo, oferecer a melhor assistência a todos, garantir a igualdade entre prestadores e usuários e conter custos. Sendo que em uma política realmente igualitária o compromisso é de se oferecer o mínimo socialmente necessário a manutenção da saúde de todas as pessoas. Eu amplio minha argumentação pelo exemplo de que, se já é cientificamente possível de que todas as pessoas de uma nação possam ser imunizadas por vacina contra o sarampo, mesmo que não tenham condições materiais de ter um médico para cada 1.000 habitantes. A condição material já é efetiva ao todo da população.
E sobre a argumentação do autor acerca dos custos dessa assistência
popular a saúde, essa só se torna um risco real a partir da mercantilização dessa saúde. Marx trabalha com o conceito de fetichização da mercadoria em sua obra (MARX, 1867) onde essa expressa seu valor com base no trabalho socialmente necessário para a reproduzir. Para que essa se torne material na realidade, só a partir do fim da propriedade privada na área da saúde, e organização direta de seus trabalhadores em um Sistema Único de Saúde, construído pelos trabalhadores e para os trabalhadores, onde o lucro deixe de ser o objetivo inerente a essa construção, mas sim a própria construção de saúde popular por meio da tomada de consciência do povo e emancipação dessa classe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂNDIDO, Artur Mamed; ALCÂNTARA, Ricardo; GARRAFA, Volnei.
Secularismo , pós-modernidade e justiça na assistência à saúde em Engelhardt. Revista Bioética, [S. l.], v. 28, n. 3, p. 471–478, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020283409.
MARX, Karl. Karl Marx: O Capital (Volume 1) - Capitulo 1. 1867. Disponível
Sistema Único de Saúde: Um Direito Fundamental de Natureza Social e Cláusula Pétrea Constitucional: A Cidadania e a Dignidade da Pessoa Humana como Fundamentos do Direito à Saúde no Brasil