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Filosofia da Linguagem

Vânia Dutra de Azeredo

“[...] a experiência da obra de arte não só é o desvelamento do


oculto, mas, ao mesmo tempo, está realmente aí dentro. Está
dentro como em um recolhimento. A obra de arte é uma
declaração que não constitui nenhuma frase enunciativa, porém é
o que mais diz.
É como um mito, como uma lenda, precisamente porque tanto
retém o que diz, como, por sua vez, o brinda”
Hans-Georg Gadamer

A linguagem é um tema cuja investigação e trato remonta à antiguidade grega;


encontramos menção ao tema já em Parmênides. Platão dedicou o diálogo Crátilo à
investigação sobre os nomes, perguntando se seriam ou não capazes de dizer a essências das
coisas. Aristóteles redigiu livros como: Categorias, Da Interpretação, Analíticos
Anteriores, Analíticos Posteriores, Tópicos e Refutações Sofísticas, posteriormente reunidos
na obra Organon para fazer referência ao conjunto de textos do pensador grego que tratam da
lógica, entendida como instrumento da filosofia e não propriamente como uma parte dela.
Contudo, ainda que possamos encontrar textos sobre a linguagem na antiguidade grega, ela
não constitui o problema central da investigação filosófica em curso. Em nossa ótica, os
pensadores da antiguidade grega tomaram o SER como objeto central de análise,
subordinando, na maior parte das vezes, as demais questões filosóficas a essa questão. Algo
similar, no que tange à linguagem, passa-se na filosofia medieval e moderna. Em ambas,
encontramos escritos sobre a linguagem, mas ela não aparece como tema central de
investigação, pois DEUS é o mote da indagação medieva e o CONHECIMENTO, em termos
de limites e possibilidade, e a SUBJETIVIDADE, enquanto princípio organizador dos tempos
modernos, constituem-se como eixo axiais da perscrutação moderna, permanecendo a
linguagem como assunto subordinado aos já mencionados.

A linguagem vai ser o conteúdo central da filosofia e, dentro das áreas de que ela trata,
especialmente da teoria do conhecimento, somente em meados do século XIX, permanecendo
desde então até os nossos dias. Ocorre o que se denomina de Virada Linguística da Filosofia
Contemporânea, caracterizada pelo paradigma da linguagem enquanto componente a ser
investigado pela filosofia, ainda que de duas formas diametralmente oposta, quais seja, a
hermenêutica e a analítica. A primeira é também denominada de filosofia continental,
enquanto a segunda o é de filosofia anglo-saxônica. Trata-se de duas escolas filosóficas que
ao se aproximarem na tomada da linguagem como eixo central de investigação, separam-se
devido ao método de abordagem e ao trato mesmo da linguagem.

A hermenêutica investiga o que se denomina de linguagem natural ou ordinária, como


as que utilizamos a partir das línguas portuguesa, inglesa, francesa e congêneres; a analítica
busca a estrutura rígida formal existente por trás da linguagem natural. Estrutura essa
denominada de lógica como no caso (p → q) ou (p ^ q). Observaremos que nas duas escolas
filosóficas a linguagem é o tema filosófico constituinte do filosofar, fazendo com que os
demais componentes de investigação a ele se subordinem, seja através da inquirição do
sentido oculto no texto escrito em linguagem ordinária, procurando infinitamente precisá-lo,
mesmo reconhecendo a impossibilidade presente em tal exercício, seja, de outro modo,
reconhecendo a estrutura lógica comum à linguagem ordinária como aquela capaz de levar a
bom termo os problemas filosóficos ao corrigir os erros e as contradições provenientes da
linguagem natural por meio de uma análise lógica rígida.

Comecemos com a hermenêutica, cujo termo provém do verbo grego ‘hermēneuein’


que significa ‘declarar’, ‘anunciar’, ‘interpretar’, ‘esclarecer’ e, por último, ‘traduzir’,
significando o processo de tornar algo compreensível. Em que pese o termo ‘hermenêutica’
derivar do deus da mitologia grega Hermes, que era o mensageiro dos deuses e a ele ser
atribuída a proveniência da linguagem e da escrita, a hermenêutica, enquanto estudo e
método, nasce na Teologia ao buscar elucidar os princípios de compreensão dos textos da
Bíblia sem deles se afastar; ao contrário, reconhecendo no texto a dimensão daquilo que,
significando no dizer, requer uma exegese capaz de precisar o dito, distinguindo-o daquilo
que no texto não foi dito. Tendo, assim, o objetivo de descortinar a intenção do autor, já que,
em uma perspectiva racional, não se tem acesso ao autor original da Bíblia. Daí a necessidade
de aplicar à leitura dos textos princípios de interpretação que constituirão a própria
hermenêutica bíblica enquanto ciência da interpretação. A hermenêutica filosófica nasce,
como já dito, na Teologia e torna-se questão central filosófica com Scheleirmacher. Esse é o
filósofo alemão que confere à hermenêutica o estatuto de instância suprema em filosofia ao
pôr a transcendentalidade, isto é, a condição de possibilidade de compreender todo e qualquer
sentido, na linguagem; realizando o que se denomina de giro linguístico, quer dizer, não mais
o sujeito ou o objeto como dimensão do explicar e do compreender, mas a linguagem
enquanto constituinte do homem e do mundo poderem ser através do dizer.

A tradição analítica ligada ao Círculo de Viena, considera como tendo sentido apenas
as proposições às quais se pode atribuir um valor de verdade, e cuja verificação requer que o
seu significado possa ser reduzido a um conjunto de dados empíricos. A ocorrência desses
dados ou não é que determina a verdade ou falsidade da referida proposição, sendo a
possibilidade de uma tal atribuição condição de significado. R. Carnap em "Pseudoproblemas
na filosofia" afirma: "Somente os enunciados que possuem conteúdo fatual são teoricamente
significativos; enunciados (ostensivos) que não podem, em princípio, estar fundamentados
pela experiência são carentes de significado" (Carnap 3, p. 168). A filiação ou não a esta
tradição tem reflexos marcantes sobre a possibilidade de justificar as normas morais. Para os
que compartem tal fundamentação, não é possível conferir a essas proposições qualquer
função cognitiva, não havendo, assim, possibilidade de sua justificação ou fundamentação
racional.

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