Você está na página 1de 2

A Pulga Teimosa

Aquela Pulga era tão pequenina, tão pequenina, que o Cão Calcinhas não
conseguia vê-la. Ele resmungava e ela ria às gargalhadas, saltando daqui para
ali e dali para acolá. Mal ele acabava de coçar uma pata, já ela estava na
barriga, coçava a barriga, ela
saltava para uma orelha, e assim
sucessivamente.
O Cão Calcinhas que era muito
esperto, farto da Pulga Teimosa e
das gargalhadas que ela dava a
troçar dele, pensou:
- Espera lá, pulga marota, que vou
chegar para ti. Estás a armar-te
em esperta e a brincar comigo,
mas vais arrepender-te.
Sem mais delongas, o Cão
Calcinhas pôs-se a caminho do rio.
Chegado lá, deu um mergulho, mas arrepiou-se todo, porque a água estava
muito fria. Voltou a resmungar qualquer coisa que a pulga não entendeu, mas
como era bom nadador e porque depois do primeiro impacto com a água se
sentiu bem, deixou-se ficar um bocado, foi nadando, nadando, e acabou por se
esquecer da pulga. Quando se cansou de nadar, saíu da água, foi estender-se
ao sol para secar o pêlo e descansar um pouco. Porém, mal se tinha
acomodado, ouviu uma gargalhada, sentiu uma picada numa orelha e então
sim, lembrou-se que, apesar de ter estado dentro de água para se ver livre da
Pulga, não tinha resultado.
A Pulga ria, ria, picava aqui e ali, o Cão Calcinhas coçava ali e acolá e a dada
altura ela disse:
- Que bem que se estava dentro de água! Por que não mergulhas outra vez?
Nem me apeteceu picar-te e estava tão consolada, que queria ficar lá o dia
todo. Como o tempo está quente, sabe mesmo bem dar uns mergulhos, não
achas? Vá, anda daí se não continuo a picar-te!
-Ó Pulga duma figa, desaparece do meu corpo, senão...
-Ah, ah, ah... que bem se está aqui! - disse ela - Estou bem alimentada, porque
o teu sangue é bom, bem cheirosa, porque o teu pêlo é um asseio, e tens um
perfume que me agrada, que mais eu quero? Nem penses que algum dia sairei
daqui, Cão Calcinhas! Só se me matares, o que é difícil, porque quando vieres
com a pata ao sítio onde eu estiver, saltarei logo para outro e continuaremos a
brincar às escondidas, o que me divertirá imenso.
O Cão Calcinhas, mal disposto e irritado, disse:
- Espera aí que te hei-de apanhar, Pulga maldita.
E pôs-se a correr à volta de uma árvore; correu, correu, até ficar tão cansado
que caiu estonteado e a ver tudo a andar à roda. Fechou os olhos e, dali a
pouco, já menos estonteado, pensou:
- Fiquei exausto, mas valeu a pena. Irra, que a maldita da Pulga nunca mais
me deixava! Se calhar, ficou tonta como eu e caiu.
- Ah, ah, ah, ah... - Era de novo a Pulga que, sem mais aquelas, pregou-lhe
uma picadela, desta vez na ponta do focinho. - Querias expulsar-me, não era?
Pensavas, que por andares feito tonto, à roda da árvore, eu ficaria tonta como
tu, não? Enganaste-te redondamente, porque adorei e diverti-me imenso.
Aquele ventinho que passava pelo meu pêlo, à medida que te deslocavas,
soube-me tão bem, que estou aqui fresca que nem uma alface acabadinha de
colher na horta.
- Ora esta! Que hei-de fazer para me livrar desta maldita? - pensava o Cão
Calcinhas, muito aborrecido com a situação - Se a apanho, dou-lhe uma
dentada que a desfaço.
Por mais pensamentos, por mais voltas que desse à imaginação, o Cão
Calcinhas não conseguia descobrir uma maneira de fazer desaparecer a Pulga
Teimosa, porque ela, espertalhona, ainda que não se sentisse bem com as
experiências feitas por ele, dizia que lhe tinha agradado muito, aconselhando-o
a repetir.
O Cão Calcinhas sentia uma grande frustração por não conseguir expulsar a
Pulga Teimosa do seu corpo, e um dia, já cansado de tanta luta, resolveu
deixar de fazer diligências nesse sentido, pois andava tão cansado, tão
cansado, que já nem tinha forças.
A Pulga Teimosa picava, picava, e o Cão Calcinhas nem se queixava, apesar
do incómodo que lhe causava.
Ora, a Pulga Teimosa começou a ficar irritada com a situação, dado que, por
mais que picasse o Cão Calcinhas, ele não se queixava e, como deixou de ter
luta, um dia aborreceu-se a sério com tanta monotonia, e foi-se embora.
Nessa altura é que o Cão Calcinhas suspirou de alívio, mas não disse nada,
não fosse ela ouvir e voltar a instalar-se no seu corpo, para o aborrecer.

Você também pode gostar