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Um dia caminhando pelo centro, pude avistar um camarada na praça, ele sentava

próximo ao banco que eu, momentos antes, planejava sentar para esperar o tempo
passar. Bem que estava com um tempo livre, tinha até as 3 horas da tarde.
Aproximo-me dele e noto, quando já estou a poucos metros, uma caixa de vasilhas
vazias. Logo que me sento,o homem se vira e diz:
- O que acha?
- O que acho? Ora,acho do quê?
- Das minhas pulgas
Naquele momento meu estranhamento não poderia ser maior.
- Pulgas!?
- Sim,olhe a vasilha direito.
E aponta para um dos recipientes na caixa que segura. Aproximo a vista com certo
receio, com o cuidado de quem observa um abismo à frente que sabe que existe.
E ali estão,duas pulguinhas, pulando dentro da caixa em um ritmo quase orquestrado,
como se fossem de brinquedo ou manipuladas por um titereiro, talvez, quem sabe,
ambos.
Vendo aquelas pulgas pularem, me vêm o questionamento: Como diabos elas estão
pulando dentro de uma caixa? Sem ao menos sair de lá? Elas não fogem?
O silêncio calmamente se adequava e se acostumava com o ambiente, quando o rapaz me
indaga:
- Essa cara eu já vi antes, aliás, vejo todo dia.
- Como você faz isso? Domesticou elas? Elas gostam de você?
- Se eu contasse pra qualquer um, não seria eu o maior criador de pulgas dessa
cidade!
- Mas não pode contar? Eu não digo pra ninguém,eu juro.
Não sei porque me veio essa dúvida, mas como ele fazia mesmo aquilo? Ah, eu não
podia ir embora daquela praça sem respostas. Se eu não sei como um encantador de
pulgas encanta pulgas, então pra que sirvo?
Novamente o silêncio busca lugar dentre as rachaduras do banco, coitado, nunca tem
tempo de se acomodar, logo o rapaz me faz a proposta:
- Bem, olhando aqui pra você, pude perceber que é muito bem apessoado, não costuma
andar por aqui pedindo as coisas como eu. Então, se quer ajudar um pobre rapaz e
acabar com a dúvida que te paira, me dê umas 20 pratas e eu te explico.
Eu rapidamente puxo a carteira e entrego a ele uma nota de 20 pratas que, com
certeza, estava ali a mais tempo do que ela gostaria de estar.
- Diga, explique como você faz isso!
- Bem, olhe para elas, pulam sem parar e nunca saem da vasilha, mal sabe quem olha,
que acima de suas cabeças já esteve uma tampa. Assim que peguei elas, coloquei-as
numa vasilha grande, de quase 50 centímetros de altura, e pus uma tampa. Passados
alguns dias, coloquei-as em outra vasilha, mas desta vez bem menor, duas vezes a
altura desta que você vê. Nessa vasilha, as pulgas pulavam e se deparavam sem parar
com a tampa, até que se acostumaram a pular sem tocar a tampa, para que obviamente
não se chocassem com ela. Ao passar de outros dias eu coloquei as pulguinhas de vez
nessa vasilha, tampando apenas no primeiro dia. No segundo dia, tirei a tampa, e cá
estão elas, pulando sem parar na mesma intensidade, acreditando que algo acima
delas lhes limita de sair.
Eu lhe respondo com certa rispidez:
- Entendi.
- Que bom, preciso gastar esse dinheiro, adeus.
O rapaz saiu,mas eu fiquei ali. Pensando porque ,em certas situações, eu me
assemelhava à condição daquelas pulguinhas.
Pode parecer bobagem, não só parece, como duvido que não seja, mas por que eu não
consigo ver diferença de uma pulga para nós?
Nós,sim! Eu e você,humanos.
O instinto de dor é o mais primitivo que existe, nós nem ao menos conseguimos
controlar o corpo quando o nosso sistema nervoso percebe que nós estamos em perigo,
por que achamos que isso é só um fenômeno físico? E quanto aos nossos limites? As
experiências frustradas, as tentativas em vão de tentar tirar você do coração…
brinks, as tentativas em vão, apenas. 
Se aprendemos a viver na zona que nos é confortável, onde sabemos que não iremos
dar de cara com uma tampa, como vamos saber o momento que a vida nos permite ir
além?
Uma vasilha de plástico pode ser bem apetitosa se é isso que nos é oferecido, mas
vale a pena não conhecer tudo que rodeia mundo afora por já ter sido impedido
bruscamente pelo que já passou?
Sim, já passou, acho a filosofia pré-socrática entendiante e ultrapassada, mas de
certo Heráclito sabia o que dizia quando nos contou que o rio nunca é o mesmo.
O que me acarreta trazer como conclusão um pensamento de Aristóteles, já que
comecei com o papo de filosofia. Com certeza ele não citou essas palavras, mas
posso abstrair de sua obra com uma precisão quase cirúrgica essa sentença.
Aristóteles não disse: "A vida vale apenas quando há busca pela excelência, o pleno
desabrochar da natureza de cada indivíduo."
Ou seja, só há vida de verdade quando buscamos extrair ao máximo aquilo que a vida
nos dispõe, aquilo que a realidade coloca na mesa e nos faz escolher cegamente.
E não, não cito a excelência apenas para seus planos pessoais de desenvolvimento,
jamais!
A excelência vale para as pessoas, para seus relacionamentos e para tudo que a vida
pode valer a pena, porque vale, acredite, vale muito.

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