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PUC SP
As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC SP
As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design
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Errata da tese de doutorado “As ambiguidades da doutrina: conflitos e tensões
estruturais no campo do design” (Ana Claudia Berwanger)
65. Estética e História das Artes e Técnicas; Ciência da Computação; Plástica; Desenho.
66. Materiais Expressivos e Técnicas de utilização; Expressão; Estudos sociais e Econômicos; Teoria
da Fabricação e Projeto e seu Desenvolvimento.
69. Trata-se dos seguintes projetos de lei: PL 4241/1993; PL. 1965/1996; PL. 6647/2002 (dedicados ao
desenhista industrial) e PL. 2621/2003. PL 3515/1989 e PL 1391/2011 (dedicados ao designer).
71. Ibidem.
73. João Roberto Peixe atualmente é Secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura,
no governo Dilma Rousseff.
74. Trata-se do nome fantasia de um exercício de projeto realizado em grupo, com vistas à elaboração
conceitual da solução de um dado problema, em curtíssimo espaço de tempo, e de uma única vez, sem
interrupções.
75. A revista, por sua vez, foi um formato adotado pelos estudantes em substituição aos tradicionais
anais de congresso, considerados, naquele contexto, chatos, aborrecidos e desinteressantes.
76. http://emec.mec.gov.br/
77. Além dos bacharelados, o Sistema e-Mec registrava também, à época da consulta, a oferta de cursos
em nível tecnológico, na modalidade presencial, distribuídos por especialidade: 70 cursos de Design de
Moda; 69 cursos de Design de Interiores; 53 cursos de Design Gráfico; 18 cursos de Design de
Produtos; 3 cursos de Webdesign; 1 curso de Design (sem especificação da especialidade) e 1 curso de
Design de Jóias. Por fim, o mesmo sistema indica a oferta de três cursos tecnológicos em Design
Gráfico e Webdesign, na modalidade do Ensino à Distância.
78. A primeira formação contou com os professores Rita Maria de Souza Couto (PUC-Rio), Gustavo
Amarante Bonfim (UFPE e PUC-Rio) e Flávio Vinícius Cauduro (UFRGS e PUC-RS); a segunda formação
contou com as professoras Dulce Maria de Paiva Fernandes (UFR); Solange Coutinho (UFPE) e Mirna
Nascimento (UNIP).
79. Alberto Cigada, Carlo Vezzoli, Chiara Colombi, Ezio Manzini, Silvia Pizzocaro, (todos ligados ao
Instituto Politécnico de Milão); Ahmet Çakir (Ergonomic Institute, Berlin); Alpay ER (Departamento
de Desenho Industrial Universidade Técnica de Istambul, Turquia); Andrew Campbell (National
College of Art and Design de Dublin, Irlanda); Austin Adams (Escola de Psicologia, Universidade de
New South Wales, Austrália); Ananthapuram G. Rao (Instituto de Tecnologia de Bombaim, Índia);
Bernard Darras (Diretor do Centro de Pesquisas em Imagens, Culturas e Cognições); Bernhard Bürdek
(Escola Superior de Design de Offenbach); Brigitte Mozota (Escola de Arte e Design Parsons, Paris);
Catherine Dixon (Central St. Martins, Universidade de Artes de Londres, UK); Charles Owen (Institute
of Design, Illinois Institute of Technology); Gregory Votolato (Escola de Artes e Design de
Buckinghamshire, UK); Janet Murray (Universidade de Harvard); Joanna Berzowska (Universidade
de Concórdia); Ken Eason (Departamento de Ergonomia, Universidade de Loughborough, UK); Klaus
Krippendorf’s (Sociedade para os Estudos em Ciência do Design, Japão); Maria Fernanda Camacho
(Pontificia Universidad Javeriana, Colômbia); Neville Stanton (Departamento de Design,
Universidade de Brunel, UK); Patrick Jordan (Pesquisador da Symbian – joint venture da Motorola,
Nokia, Psion, Ericsson e Panasonic); Penny Sparke (Faculdade de Arte, Design e Música, Universidade
de Faculty of Kingston UK); Philipp Heidkamp (Escola Internacional de Design de Colônia,
Alemanha); Ramesh Raskar (Mit Media Lab, EUA); Ron Nabarro (Universidade de Haifa, Academia
de Artes da Eslovênia); Simo Antero Säde (Universidade de Artes e Design de Helsinki); Tony Fry
(Ecodesign Foundation, Sydney, Australia); Victor Margolin (Departamento de História da Arte,
Universidade de Illinois).
80. Os programas de mestrado são mantidos pelas seguintes universidades: UFMA, UFMG, UFPR, UERJ,
UFRGS, UNISINOS, UNIRITTER, UDESC, UAM E UFSC.
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Banca Examinadora
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Agradecimentos
À minha orientadora Maria Celeste Mira, pela leitura atenta de meus escritos e pela orientação
precisa e dedicada. E também pelo humor, paciência e amizade, e pelo incentivo e companhia ao longo
dos mais de cinco anos de escritura desta tese.
Aos professores Guilherme Simões Gomes Jr. e Maria Lucia Bueno, pelas muitas contribuições da-
À amiga Clara Luiza Miranda, professora e colega na ufes, por ter inspirado, ainda em 2005 (mes-
mo sem sabê-lo) alguns insights que foram fundamentais para que minhas impressões vagas se trans-
formassem num projeto de pesquisa. E à Ana Paula Goulart, professora do Programa de Pós-graduação
em Comunicação da ufrj, pela breve e fundamental conversa ocorrida no ano de 2006, durante a qual
fui incentivada a ler a obra Razões práticas sobre a teoria da ação, sugestão mais do que acertada, que
desencadeou todas as minhas escolhas posteriores relativas ao doutoramento e à minha aproximação
da Sociologia.
Com grande admiração, aos professores do programas de pós-graduação em Ciências Sociais, Eco-
puC-sp e da usp, pelo rigor e seriedade exemplares, e por terem me for-
necido recursos inestimáveis que vem transformando a minha compreensão das coisas: Edgar Assis
Carvalho, Franklin Leopoldo e Silva, Jeanne-Marie Gagnebin, João Machado Borges Neto, Katerina
Coltai, Luis Eduardo Waldemarin Wanderley, Maria Celeste Mira, Marilena Chauí, Miguel Wady Chaia
e Salma Tannus Muchail.
À Katia Kreutz, por ter me socorrido prontamente com várias traduções de última hora, ao longo
dos anos em que realizei esta pesquisa. E à Tereza Cristina Mezadre, bibliotecária da Seção de Processa-
mento Técnico da Biblioteca Central da ufes
A João Rotta Neto, Carlos Eduardo de Carvalho Alves e ao amigo Lincoln Guimarães Dias, pelas
observações feitas sobre os ensaios deste texto, essenciais para que eu continuasse escrevendo.
Por suas atuações inspiradoras, aos colegas do Grupo de Pesquisas em Práticas Culturais Contem-
porâneas: Ana Lucia de Castro, André Luiz da Silva, Edson Farias, Elder Patrick Maia Alves, Expedito
Leandro Silva, Jorge Leite Jr, José Paulo Florenzano, Marco Antônio de Almeida, Vera Lúcia Cardim
e Wilken David Sanches. Pelas mesmas razões, aos meus colegas professores: João Carlos de Souza,
Lincoln Guimarães Dias, Maria Regina Rodrigues, Mauri de Carvalho, Mónica Vermes, Nelson Porto
Ribeiro e Raphael Góes Furtado.
Aos amigos que me ajudaram na jornada Vitória-São Paulo-Vitória, sem os quais o peso da mu-
dança e da adaptação teriam sido insuportáveis: Deborah Rosenfeld, Keilly Tozzi, José Luiz Aidar Prado,
José Otávio Name, Lincoln Guimarães Dias e Wrânia de Araújo Brito Nascimento.
Aos amigos queridos que participaram de minha vida durante os quatro anos de minha estadia em
São Paulo: Alessandra Kalko, Alister Wong, Camila Cogo, Cleto Junior Abreu, Daniele Doneda, Deborah
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Rosenfeld, Diamantino Sardinha, Douglas Anfra, Eric Ayala, Erika Kanazawa, Fabiano Laux, Fagner
João Baptista da Costa Aguiar, Juliana Boni, Keilly Tozzi, Lara Frutos, Marcelo Willer, Marcelo Beltra-
me, Marcello Montore, Marcos Bastian, Maria Paula Calvo Marcondes, Mónica Vermes, Natália Leon,
Nixon Malveira, Paulo Vergílio Marques Dias, Renato Seit, Simone Tinti, Sérgio Augusto Kalil e Wrânia
de Araújo Brito Nascimento.
Aos amigos e amigas do “Bonde do Faquir”, com quem tive o privilégio de preparar e publicar o
Faquir Loquaz, livro de autoria do querido amigo, irmão, namorado e companheiro Julio Paulo Calvo
Marcondes, que deixou o nosso convívio prematuramente, em 2010: Assionara Souza, Fabio Liberal,
Soares, Marcelo Solla, Maria Paula Calvo Marcondes, Marina Amazonas, Naíra Frutos González e Sérgio
Augusto Kalil.
Com carinho triplicado e a melhor das saudades, a Alexandre Vaz Oliveira, Armando Gustavo de
Cerqueira, Bernardo Leão Lima, Cecília Valenza, Cleiton Comoretto Barcelos, Dries Noyens, Ethel Leon,
Giovanni Tinti, Haline Zuquim, Hannah Prado, Julio Paulo Calvo Marcondes (in memorian) Lara Fru-
tos, Lincoln Guimarães Dias, Maria Paula Calvo Marcondes, Nick Zuquim, Ryan Stotland e Wrânia de
Araújo Brito Nascimento, amigos queridos (alguns muito pacientes) com quem tive ou tenho o privilégio
de conviver mais intensamente, e cuja companhia me trouxe sempre muita alegria. Por motivos seme-
lhantes, agradeço aos meus analistas Arnaldo Dominguez e Angela Maria Cassol.
Pelas contribuições intelectuais, sem as quais eu não teria escrito metade do que aqui escrevi,
agradeço carinhosamente aos amigos Ethel Leon e Marcello Montore, parceiros assíduos do grupo de
leituras e discussões sobre Pierre Bourdieu e o campo do design. Por razões semelhantes, agradeço
aos amigos Albério Neves, Cleto Junior Abreu, Douglas Anfra, Hugo Cristo Sant’anna, Joanito Teixeira
Machado, Lincoln Guimarães Dias e Paulo Vergílio Marques Dias, pelas muitas horas de conversa e pela
partilha de autores e pontos de vista que enriqueceram esta tese. Muitas das ideias aqui registradas não
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pírito Santo e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelos incentivos
-
mento.
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Resumo
Esta tese apresenta uma visão panorâmica do processo de formação do sistema institucional bra-
sileiro que se erigiu em torno das noções e das práticas nomeadas “desenho industrial” e “design”. Apre-
senta também uma interpretação sobre as disputas travadas no campo acadêmico do design em sua
-
O texto é dividido em duas partes, das quais a primeira é dedicada a apresentar as principais insti-
tuições e eventos formadores do campo, desde a fundação do Instituto de Arte Contemporânea do Mu-
-
gunda parte, e que diz respeito às prescrições atualmente formuladas dentro do campo acadêmico para
a relação entre o designer, o mundo empresarial e as demandas de outras naturezas (social, ambiental,
psicológica etc.) Para sustentar este enfoque foram analisadas diversas tomadas de posição formuladas
no âmbito do campo acadêmico, que oscilam entre a instrumentalização plena do design em relação
ao mundo econômico, e o ocultamento dessa instrumentalidade. A discussão proposta diz respeito às
-
cas do designer. A principal conclusão obtida é que, diferentemente do que ocorria no estágio inicial
da formação deste campo, em meados do século xix, quando o designer era claramente visto como um
sobre a formulação engajada de quaisquer interfaces, que possibilitem a quaisquer usuários e agentes
a consecução de quaisquer tarefas, por meio do uso de quaisquer artefatos e sistemas, independente da
natureza dos mesmos. Tal condição gera um paradoxo segundo o qual o campo do design é tanto mais
autônomo quanto mais heterônomas são suas práticas concretas, e quanto mais seus agentes se espe-
cializam em interpretar e atender às necessidades e interesses de um outro, sejam essas demandas de
natureza econômica ou não.
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Abstract
This thesis presents a panoramic view of the process of formation of the Brazilian institutional
system that was built around the notions and practices called “industrial design” and “design”. It also
(ABDI and APDINS), the downfall of the name “industrial design” and the rise of the name “design”,
the dissemination of the graduation and post-graduation educational system, the growth of the student
movements, the launching of several specialized publications, periodic awards and governmental incen-
in question aimed to present the essential traces of the competition between the institutions along the
of its directions. The institutions were discussed in the thesis according to the view of the social world
forged by the French sociologist Pierre Bourdieu, focusing on the roles developed particularly in regards
also the public distribution and the consecration/legitimization of its agents and practices.
-
tween the designer, the business world, and the demands of other nature (social, environmental, psy-
were analyzed, going from the full exploitation of the design in relation to the economic world, to the
concealment of such exploitation. The discussion proposed is about the strategies and possibilities of
-
19th century, when the designer was clearly seen as an artistic consultant serving the industry, nowa-
something well”; and this doing is extended to the engaged formulation of any interface, which allows
any user or agent to realize any task through the use of any tool or system, independently of their nature.
This condition creates a paradox in which the design is more autonomous the more heteronomous its
concrete practices are, and the more its agents specialize in interpreting and attending to the needs and
interests of each other, either those demands are economical or not.
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Sumário
PARTE 1
Capítulo 1 – apresentação
usos e Conflitos em torno da noção
de design: uma visão panorâmiCa
44.
as origens do design brasileiro
Capítulo 2
a instalação do Campo no brasil:
as primeiras esColas (anos 1950 – 1960)
11
Capítulo 3
luta ConCorrenCial, diversifiCação instituCional
e o fortaleCimento do Campo do design no brasil
82.
84.
PARTE 2
Capítulo 4
tensões estruturais do Campo: o embate entre o
interesse eConômiCo e os interesses humanístiCos e ambientais
Considerações finais
161. algumas questões em aberto:
da bauhaus ao fórum de davos
166. anexo
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14
As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design
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Capítulo 1 – apresentação
usos e Conflitos em torno da noção
de design: uma visão panorâmiCa
Durante uma caminhada pela cidade de São Paulo ou por qualquer outra metrópole bra-
sileira, um observador atento do comércio perceberá a frequente utilização do vocábulo “de-
sign” na fachada de várias lojas, dentre as quais as mais numerosas talvez sejam os salões de
beleza, rebatizados há alguns anos, no Brasil, de estúdios de “hair design”. Na maioria destes
casos o termo é associado aos produtos oferecidos, aos serviços prestados ou ainda ao talento
de seus realizadores, de maneira a exprimir uma qualidade supostamente positiva dos objetos,
O que os responsáveis por tais empreendimentos talvez não imaginem é que, além de
sustentar a existência de um enorme circuito institucional em nível mundial, este vocábulo
abrangentes e precisas, estando ainda na base de muitas querelas sobre a legitimidade e per-
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tinência do uso da alcunha “designer”. Este é o caso da discussão travada entre os partici-
pantes da rede social espaço.com1 em torno das denominações hair designer, cake designer
e food designer -
versitários, para quem os cabeleireiros e confeiteiros estariam usando o termo em questão de
maneira oportunista, prejudicando assim os supostos detentores legítimos do direito de uso
da palavra. Para esses litigantes, os usos corretos do termo estariam ligados às “idéias úteis
e fáceis de usar”, assim como ao pensamento abstrato e às noções de “conceito”, “criação” e
rol a produção de refeições ou de tratamentos capilares, por serem essas ações supostamente
-
forme argumenta um dos partícipes do debate, para quem um bolo é “uma bela peça de arte”
e sua autora “uma ARTISTA, sem dúvida. Mas não uma DESIGNER”. Dentre os argumentos
utilizados em tal defesa, alega-se a inexistência de um vocábulo em português que nomeie o
um sentido positivo.
relacionando “design” a outros conceitos, tais como “máquina”, “mecânica”, “técnica”, “arte”
desde o Renascimento. No artigo Sobre a palavra design (flusser: 2007, 181-186) o autor
lamenta a separação moderna entre “o mundo das artes e o mundo da técnica e das máqui-
nas, de modo que a cultura se dividiu em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo
Flusser faz a
defesa de uma “nova forma de cultura”, que somente seria possível mediante a recuperação
da “conexão interna entre arte e técnica” expressa pelo termo design; ele lembra que a pala-
vra “ocorre em um contexto de astúcias e fraudes”, e assume que objetivo do design é “(...)
trapacear as leis da natureza e, ardilosamente, liberar-nos de nossas condições naturais por
meio da exploração estratégica de uma lei natural”. O autor alerta que, no entanto, o exercício
esgarçado desta consciência do ardil – “um ser humano é um design contra a natureza” –
pode nos levar à renúncia da verdade e da autenticidade, e ao embotamento de fontes de valor
tais como a arte, a técnica, o trabalho, a natureza e o próprio design.
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foco de interesse da atividade, ao propor o esquema ontológico do design, no qual existem três
âmbitos unidos por uma categoria central: um usuário que, para realizar uma ação necessita
do auxílio de um artefato, sendo a interface a categoria central do esquema, e nela residindo o
interesse da ação projetiva do designer.
No que diz respeito aos sentidos públicos deste conceito, uma visita a qualquer uma das
lojas de móveis Tok Stok é capaz de demonstrar que existem diferenças socialmente instaladas
entre os objetos comuns ou vulgares e os chamados “objetos de design”. Esta é uma dualidade
discutida pelo arquiteto português Eduardo Côrte-Real no artigo À procura de uma Designlo-
gia, ou Ciência do Design
quais um objeto possa ser considerado um “objeto de design”, adotando como ponto de partida
-
ticos nem em virtude de suas qualidades intrínsecas, e nem do reconhecimento institucional do
campo da arte, mas por funcionarem “como Arte dentro de uma teoria simbólica, sendo essa
teoria simbólica socialmente construída”. Côrte-Real sublinha que Goodman propõe o aban-
sendo essa abordagem adotada pelo ensaísta português. Para discutir o design, o autor passa,
assim, a indagar “quando é design?”, constatando que existe, inclusive, “um domínio crescente
de objectos feitos para o uso comum que intersectam o domínio das artes” (Côrte-real: 2009,
57-58), sendo necessário compreender as diferentes condições que fazem um mesmo objeto
funcionar ora como Arte, ora como Design, ora como um simples objeto.
Para construir seu raciocínio, Côrte-Real recorre ao argumento de que a palavra design
funciona, no idioma inglês, como um verbo, admitindo o gerúndio designing, o que indica que
o design é algo se dá antes dos objetos existirem em sua forma acabada. O autor argumenta,
assim, que o que chamamos “design” não se refere aos artefatos em si, mas aos processos por
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Reportagem da revista
IstoÉ Dinheiro, divulgando o
trabalho do designer egípcio
Karim Rashid, “um dos artistas
mais premiados do mundo, [que]
dá um toque de charme para os
mais diversos produtos
-
da possível sua fabricação/construção. Por outro lado, ele observa que “a maioria das pessoas,
centenas de Académicos, cada vendedor, todos os apresentadores de programas culturais na
quência, depois do objecto” (Côrte-real: 2009, 59), fornecendo um claro indício da diferença
socialmente reconhecida entre os objetos ordinários e os chamados “objetos de design”.
esboços, esquemas, maquetes, modelos etc. –, simulações nas quais o artefato seria ainda um
objetos”.
os designers e todos aqueles que estudam o design geralmente confundem as qualidades dos produ-
tos existentes com os problemas relativos ao projeto de novos produtos. Existe uma tendência a ver
determinação nos produtos existentes e projetar esta determinação para a atividade e a disciplina
do design. (…) As crenças de um designer são, algumas vezes, elevadas ao estatuto de princípios
determinantes que governam todo e qualquer design, ao invés de uma visão pessoal imersa numa
arte retórica da comunicação e da persuasão (buChanan: 1995, 26. trad. nossa).
Buchanan sugere ainda que esta confusão estaria ligada ao fato de que toda a literatura
crítica ou histórica a respeito do assunto sempre traz pressuposta uma dentre quatro origens
essenciais2 do design, que seriam consideradas tacitamente pelos autores de acordo com seus
res, funcionando como obstruções ideológicas e impedindo que se reconheça que o “design é
uma disciplina na qual a concepção de seu objeto de estudo, método e propósitos são parte
integral da atividade e de seus resultados”, e obscurecendo o fato de que os designers sempre
geram soluções históricas, arbitrárias e circunstanciais, que sempre poderiam ter sido outras
que não aquelas.
das práticas do design não são fruto de um esforço isolado e solitário. Trata-se de uma questão
que vem sendo debatida em muitos fóruns, acadêmicos ou não, gerando, a cada momento,
novos esforços em defesa dos “verdadeiros” sentidos da palavra “design”, bem como dos prati-
cantes supostamente legítimos da atividade, a exemplo da interpelação feita no artigo A No-
menclatura Design ou Este Nome (ainda) é um Problema? ! ..., (2003), no qual moura lamen-
ta que “as pessoas em geral não sabem ou não entendem o que é design ou ainda atribuem
”, e pondera que, “talvez devido a uma estratégia
-
2. De acordo com Buchanan, “alguns argumentam que o design teve início no século 20, a partir da elaboração
da Revolução Industrial com a transformação dos meios de produção e das condições sociais do trabalho. Ainda
outros argumentam que o design teve início no período pré-histórico, com a criação de imagens e objetos por
universo, o primeiro ato de Deus, que representa o modelo ideal de criador, perseguido por todos os designers,
consciente ou inconscientemente.” (buChanan: 1995, 27, trad. nossa).
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-
titularem suas atividades como design
prol do esclarecimento público a respeito da atividade: “quando nos perguntarem o que é de-
utópico ou emancipador.
Dois dicionários especializados3 fornecem um amplo panorama, tanto desse sistema in-
ternacional quanto da complexidade inerente ao conceito. Trata-se do Dictionary of Modern
Design, de autoria do pesquisador britânico Jonathan Woodham (Departamento de Artes da
Universidade de Brighton), e do Design industrial A-Z (2000), de Charlotte e Peter Fiell, pu-
blicado pela editora Taschen.
3. Existem outros dicionários de design publicados, tais como a Enciclopédia do design, de autoria de Mel Byars,
ou o Diccionário crítico del diseño, de Juan Guillermo Tejeda.
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Além de destacar a trajetória de escolas, corporações e designers individuais, ambos os di-
cionários enumeram uma série de conceitos4, exposições5 e prêmiações6, e também de museus7
e associações8 que, desde meados do século xix
lecimento e reconhecimento do “bom design” e para o exercício “honesto” da atividade, bem
Conforme registra Woodham (2004), desde meados do século xx três organizações não-
governamentais de nível internacional vêm se ocupando de defender a relevância dessa prática
na sociedade:
39 países.
design para desporto, design para o terceiro mundo, design ambiental, essencialismo, design médico, design mili-
tar, obsolescência planeada, design utilitário.
5. Britain Can Make It Exhibition, British Empire Exhibition, Great Exhibition (Inglaterra, 1946, 1924 e 1851
respectivamente); Ideal Home Exhibition (Inglaterra, desde 1908); (eua,
1893); Paris Exposition des Arts Décoratifs et Industriels Modernes (França, 1925); Paris Exposition des Arts
et Techniques dans la Vie Moderne (França, 1937); Paris Exposition Universelle (1900); Stockholm Exhibition
(1930).
6. Australian Design Award (desde 1987); (Itália, desde 1954); Design Centre Awards Scheme
(Inglaterra, 1957-1988); G-Mark (Japão, entre 1957 e 1993); Good Design Awards (Japão, desde 1998); Lunning
Prize (Dinamarca, 1951-1972); Maininchi Design Prize (Japão, desde 1952); National Design Awards (eua, desde
1997); Premios Nacionales de Diseño (Espanha, desde 1987).
7. Centre Georges Pompidou (França, 1977); Cooper-Hewitt Museum (Eua, 1897); Design Museum (Inglaterra,
1989); Museu de Arte Moderna (Eua, 1929); Powerhouse Museum (Australia, 1988); Victoria and Albert Museum
(Inglaterra, século XIX, anos 30); Vitra Design Museum (Alemanha, 1989).
8. Associazione per il Disegno Industriale (Itália, desde 1956); Alliance Graphique Internationale (França, desde
1951); American Union of Decorative Artists and Craftsmen (1928-1931); British Institute of Industrial Art
(1922-33); Centre de Création Industrielle (França, desde 1969); Centrum Industriële Vormgaving (Holanda,
1962-70); Design and Industrie Association (Inglaterra, desde 1915); Design Centre (Inglaterra, 1956-1954);
Design Council (Inglaterra, desde 1944); Design Institute of Australia (desde 1983); Deustcher Werkbund (Ale-
manha, desde 1907); Djelo Association for Promoting Craft Art (Croácia, anos 20 e 30); German Design Council
(desde 1953); Industrial Arts Institute (Japão, desde 1928); Industrial Designers Society of America (desde
1965); Instytut Wzornictwa Przemylowego (Varsóvia, desde 1950); Japan Design Foundation (desde 1981);
Japan Industrial Design Association (desde 1952); (desde
1969); Korea Institute of Design Promotion (desde 1970); National Institute of Design (Índia, desde 1961); Nipon
Design Centre (desde 1960); Royal Designers for Industry (Inglaterra, desde 1936); Good Livinf Foudation
(Holanda, desde 1948); Swedish Society for Industrial Design (desde 1845); Unión Centrale des Arts Décoratifs
(França, desde 1882); Urss Research Institute of Industrial Design (desde 1962).
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De acordo com os sites9
-
agendas comuns, a cooperação entre as três instituições deu origem, em 2003, à International
Design Alliance (Aliança Internacional de Design), esforço global empenhado em reunir uma
“comunidade de design trabalhando unida em prol de um mundo mais equilibrado, inclusivo
e sustentável”10 , cujo propósito declarado é demonstrar “as contribuições do design para os
organismos mundiais, os governos, os negócios e a sociedade”11 , e cujas metas assumidas são
servir como uma voz coletiva de design; desenvolver e compartilhar conhecimento sobre design ao
redor do mundo; estimular a inovação por meio da colaboração multidisciplinar em design; pro-
atribuída ao design pela Unesco, por meio de seu programa Rede de Cidades Criativas13 –
ativo desde 2004 –, cujo objetivo declarado é promover globalmente cidades que assumam
diversidade cultural. Uma das vocações culturais em questão é o design – ao lado do cinema,
da música, da literatura, das artes aplicadas e folclóricas, das artes midiáticas e da gastronomia
–, e seu reconhecimento por parte da Unesco garante o título de Cidade do Design14, conferido
àquelas cidades que tenham atendido aos seguintes requisitos:
1. ter uma indústria de design bem estabelecida; 2. ter a paisagem cultural marcada pelo design e
arquitetura moderna (plano de ordenação do território urbano, espaços e edifícios públicos, monu-
Inovação e estratégia de design18 (2006) no qual foram explicitados os vínculos entre os hábi-
tos mentais dos designers e ideias como “inovação”, “liderança” e “economia criativa”: de acor-
do com o resumo do painel, o design é uma atividade que diz respeito à resolução de problemas
supostamente impossíveis de serem resolvidos mediante outras abordagens, em virtude dos
“imperativos criativos” impostos pela economia em escala global.
-
dial que lhe seguiu – e que enfocou os malefícios do capitalismo global, em sua versão desre-
gulada –, os painéis do Fórum dedicados ao design passaram a evidenciar seus potenciais posi-
tivos, neutralizadores ou utópicos, tais como sua capacidade de elaborar produtos e sistemas
sustentáveis e menos poluentes (Estimulando o consumo sustentável19), de fortalecer a identi-
dades culturais regionais (Made in China: a evolução do design20), ou ainda de gerar produtos
).
21
-
sional, travada desde os anos 70 até os dias de hoje, por meio da proposição de vários projetos
de lei, cuja versão mais recente é o texto apresentado ao Poder Legislativo em maio de 2011
pelo deputado José Luis de França Penna (Partido Verde), que obteve aprovação na Comissão
de Constituição e Justiça em 20/03/2013.
27. São 52 bacharelados ofertados em instituições públicas de ensino, e 162 bacharelados ofertados em institu-
Programação Visual; Design Industrial ou de Produtos; Design de Moda; Design de Ambientes e/ou Interiores;
29
30
Nas imagens maiores, alguns
exemplares das revistas
Arcos (esdi-uerj) Revista Design
(Faculdade Belas Artes), Revista da
e revista
Design & Interiores. Nas imagens menores,
à esquerda, algumas páginas internas da
revista ; à direita, páginas
internas da .
31
32
Nas imagens maiores, algumas páginas
da revista Arc Design. Nas imagens menores,
algumas páginas da revista Design &
Interiores. Na página anterior, algumas
capas das revistas Projeto e ABCDesign
e também páginas desta revista.
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elementos da soCiologia para
Compreender o Campo do design
O relato a seguir apresenta uma visão panorâmica dos principais momentos, atores, im-
considerações em questão foram fundamentadas pela visão do mundo social forjada pelo so-
ciólogo francês Pierre Bourdieu, mais conhecida como teoria do campo, bem como pela noção
de habitus, desenvolvida pelo mesmo autor. Este relato consiste, portanto, numa interpretação
sobre a formação do campo do design no Brasil, a partir da institucionalização dessa prática
habitus de in-
divíduos e grupos com o processo relatado. Seis pressupostos da teoria bourdiesiana foram
1. a hipótese de que todo e qualquer campo é, muito mais do que um espaço de consenso,
um território de lutas concorrenciais entre seus partícipes, sejam eles indivíduos ou ins-
tituições, sendo essa batalha travada por meio da atuação dessas últimas em torno da
manutenção do campo, particularmente no que se refere às ações de difusão, reprodução
e legitimação dos princípios e valores, tanto do campo em geral, como de cada instituição;
3. a hipótese de que a busca da autonomia de cada campo, em relação aos demais cam-
pos e à sociedade como um todo, reside justamente na formulação e imposição ininter-
rupta desses valores extra-econômicos, e de critérios próprios para compreender, julgar e
propor intervenções sobre a realidade;
5. a hipótese de que o sucesso (ou fracasso) de um indivíduo dentro do campo não está
ligado a um suposto dom ou talento inato, e sim às suas disposições profundas para sentir,
julgar e agir (habitus) e também ao capital simbólico (prestígio, fama ou reputação) acu-
mulado por ele em decorrência de sua origem social, de sua atuação pregressa no campo
e de sua rede de relações sociais/institucionais (capital social);
34
6. a hipótese de que, a despeito da vontade individual ou da consciência dos produtores
de bens simbólicos (artistas, músicos, designers, professores etc.), muitos desses bens são
utilizados socialmente como signos distintivos, contribuindo para a realização das dife-
renças entre as classes sociais por meio de distinções entre os estilos de vida, o que faz
com que o designer participe, mesmo sem sabê-lo, da manutenção da estrutura que divide
a sociedade em diversas classes sociais.
Para demonstrar que o campo do design não é caracterizado pelo consenso puro e simples
entre seus membros, o presente relato lança mão da noção de illusio (bourdieu: 1996c, 2001),
que vem a ser a crença básica partilhada por todos os membros do campo a respeito daquilo
que os une sob o mesmo espaço social e em nome da que vale a pena bater-se. Trata-se, neste
deve ser discutida, teorizada, descrita, normatizada, defendida e distinguida das demais práti-
cas correlatas, o que se realiza ininterruptamente por meio de tomadas de posição, manifestas
em entrevistas, artigos, depoimentos, aulas, teorias, curadorias, e até mesmo em projetos de
objetos, que trazem implícitas determinadas visões de mundo e do próprio design que não são
exatamente coincidentes com as visões defendidas por outros partícipes ou grupos do campo.
Em termos esquemáticos, trata-se da luta concorrencial entre as concepções ortodoxas de de-
sign de um lado, e as concepções heterodoxas de outro (bourdieu: 2001), travada pelos agentes
bourdieu:
próprio conceito de design (o que inclui a caracterização daquilo que não merece esta alcunha).
Nas páginas a seguir serão apresentados alguns aspectos que estruturam essa luta con-
correncial no Brasil, buscando compor uma versão da história do campo brasileiro do design,
que só pode ser compreendida adequadamente mediante o entendimento de que os agentes
-
ticipam, posto que o mesmo não se realiza de maneira declarada, e nem sempre está ligado à
escolha consciente dos indivíduos, embora eles possam escolher suas formas de adesão, na me-
dida em que reconheçam suas próprias condições e posições na luta (bourdieu: 2001; 2008a).
O fato da batalha concorrencial que estrutura o campo não ser empreendida direta e cons-
do fato de que tal luta é travada principalmente por intermédio de instituições (às quais estão
irreconhecível enquanto tal em grande parte dos episódios relevantes do campo (embora não
pelo protagonismo institucional, como pelos fatos corriqueiros do cotidiano que, ao ocuparem
os agentes, os mantém pouco ou nada conscientes do jogo do qual participam.
35
Outro problema abordado na tese diz respeito às duas principais posições em disputa
no campo em questão: trata-se, por um lado, da concepção que vincula o design à ciência e
à cultura e, por outro, daquela que o vincula à economia e ao mercado, sendo que ambas as
posições apresentam-no, em geral, como instrumento de valorização do homem e da humani-
dade em suas diversas dimensões, porém com diferentes argumentos. Esta tensão é discutida
especialmente nos capítulo 4 e 5, por meio da análise de um conjunto de resumos publicados
nos anais do 9o Congresso P&D (Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), e está
Conforme ensina Bourdieu, a diferença entre essas duas esferas reside no fato de que os
produtores do campo erudito tendem a produzir – neste caso, projetos, pesquisas e discursos
-
guagem (verbal ou estética) tão hermética e especializada, que tende a ser entendida somente
por seus pares. Já os produtores da indústria cultural tendem a dedicar suas produções à con-
quista do grande público (ou seja, um público não-especializado), por meio da vulgarização da
linguagem, com vistas a atingir a maior audiência possível e angariar os chamados “sucessos
de vendas” e grande popularidade (bourdieu: 2001). O antagonismo entre os produtores do
campo erudito e os produtores da indústria cultural se refere, assim, às diferentes relações
estabelecidas por esses dois grupos com os lucros materiais potencialmente advindos de suas
-
humanístico ou cultural), se expressando em grande parte das tomadas de posição dos produ-
tores intelectualizados (neste caso, uma grande parcela dos designers e pesquisadores ligados
ao campo acadêmico). De acordo com esta hipótese geral, os produtores da indústria cultural
seriam motivados, sem disfarces, pelos lucros materiais advindos da comercialização do de-
sign nos circuitos mundanos (bourdieu: 1996b; 2001; 2008b), sendo esta a discussão central
nos dois últimos capítulos desta tese.
e nem tampouco imutáveis em termos absolutos, sendo tecidas continuamente por proprie-
dades complexas, além de serem alvo de disputas permanentes entre indivíduos e grupos, às
vezes mais e às ve-zes menos intensamente, em lutas que ocorrem de maneiras diretas ou
indiretas, calculadas ou inconscientes, por meio de estratégias espontâneas ou organizadas, e
que podem se dar tanto a partir de atitudes pessoais, pontuais e imediatas, quanto de movi-
mentos coleti-vos, cobrindo até mesmo períodos de tempo que atravessam gerações, tal como
é o caso, por exemplo, dos pais que investem num determinado modelo de educação para os
contínuo movimento, segundo o qual uma classe não altera sua própria posição no espaço sem
alterar correlativamente as demais, e sem suscitar suas reações. Esta incessante movimen-
tação social é motivada pela busca constante por distinção (diferenciação) social.
Os fundamentos das diferenças entre as classes sociais e entre suas posições relativas no
espaço social são explicados a partir de um conjunto complexo de fatores, dentre os quais, o
primordial é a posse efetiva de capital e, sobretudo, da combinação entre diferentes tipos de
capital, dos quais os mais fundamentais são: (1) o capital econômico (sob a forma de renda ou
remuneração dos indivíduos, mas, também, de bens possuídos pelas famílias, como terra, im-
óveis ou outros bens); (2) o capital cultural (relativo tanto à educação propriamente escolar e à
posse de títulos acadêmicos, quanto à convivência com a cultura, sob a forma de obras de arte,
livros, discos, frequência a cinemas, concertos, museus, viagens, domínio de instrumentos mu-
sicais, danças ou práticas desportivas, ou ainda conhecimento de idiomas etc) e; (3) o capital
social, relativo à rede de relações sociais mantidas por um indivíduo ou família, que pode ser-
37
De acordo com este entendimento, o espaço social que, grosso modo, divide-se entre a
classe dominante e a classe dominada, subdivide-se em frações de classe caracterizadas por
diferentes combinações dos tipos de capital: “as frações de classe distribuem-se assim, desde
as mais providas, a um só tempo, de capital econômico e cultural, até as mais desprovidas
nestes dois aspectos” (bourdieu: 2008a, 108). Esta divisão não é, no entanto, estável em ter-
mos absolutos, pois, ao longo do tempo, cada classe social, cada família e cada indivíduo bus-
cam manter ou melhorar sua posição no espaço social, aumentando seus patrimônios concreto
sua própria posição, alterando relativamente as posições das demais classes. Tais estratégias,
que podem ser conscientes ou insconscientes, coletivas ou individuais, não dizem respeito só
a uma classe social em si mesma, mas são relativas: (1) aos capitais possuídos por uma classe,
família ou indivíduo num dado momento (os quais se pretende manter ou aumentar); e (2)
às relações de força entre as classes sociais, que determinam, em cada momento da história,
um maior ou menor equilíbrio na distribuição de capital, através de mecanismos variados,
desde os mais explícitos (expressos, por exemplo, no pluripartidarismo, no funcionamento
da democracia representativa e na luta dos movimentos sociais) até os mais sutis, levados a
cabo, por exemplo, pelos meios de comunicação (já que os veículos de imprensa estão sempre
ligados a interesses de classe) e pelos sistemas educacionais (já que os conteúdos transmiti-
dos pelas escolas não são exatamente neutros ou universais, e sim determinados pelas classes
dominantes pelos canais políticos competentes para tanto).
Moema ou Barra da Tijuca difere de morar na Vila Madalena ou no Leblon, embora em termos
econômicos sejam escolhas equivalentes). Este traço, por sua vez, está ligado ao tipo de consu-
mo cultural (como ir aos cinemas de shopping num caso, ou aos cinemas de arte noutro caso),
ocasiões festivas.
No entanto, a combinação entre os dois tipos de capital não determina tais propriedades
de maneira direta e imediata, mas através do intermédio do habitus, que é uma propriedade
fundante enraizada em cada indivíduo e em cada classe social, e que corresponde às disposições
profundas para perceber, sentir e agir, funcionando mais ou menos à maneira de um “sistema
os modos como o mundo é percebido por um indivíduo ou grupo, e conduzindo suas ações e
escolhas cotidianas, tais como as escolhas alimentares, de vestuário, adereços ou de lazer e
38
ou matrimoniais, sendo a motivação de fundo de tais escolhas a conservação ou melhoria da
posição do indivíduo ou do grupo no espaço social, tanto em termos propriamente econômi-
cos, quanto em termos simbólicos/culturais (nogueira e nogueira, 2009). Sendo um conjunto
de princípios de enorme envergadura, abrangência e sistematicidade, o habitus funciona, as-
sim, como uma “segunda natureza”, originando e coligando todas as práticas dos indivíduos e
dos grupos sociais, mesmo aquelas mais aparentemente díspares, tais como a escolha de um
shampoo por meio de sua embalagem, a compra de um novo par de tênis, a escolha do destino
das férias até as preferênciais musicais e as escolhas matrimonais ou eleitorais.
Embora o habitus se transforme ao longo da vida de uma pessoa, as suas disposições mais
elementares, adquiridas durante a infância nos contextos familiar e escolar, são aquelas que
zindo, de maneira invisível, desde as condutas mais corriqueiras (como a forma de segurar os
talheres ou as preferências musicais) às suas atitudes mais supostamente racionais e racioci-
habitus, posto que elas estão em constante transformação, na medida em que se desenrola a
sua trajetória social: assim, é perfeitamente plausível que um indivíduo seja dotado, ao mesmo
tempo, do habitus primário típico da classe mais empobrecida onde nasceu, mas também de
um habitus
tenha recebido uma bolsa de estudos, e ainda, de um habitus
frequentado, por exemplo, a faculdade de Engenharia ou Direito ou Letras ou Design. O que
ocorre é que, ao longo da trajetória social, o habitus, ao mesmo tempo em que se transforma
sutil e lentamente, também determina, de maneira invisível, grande parte das práticas do in-
divíduo. Por outro lado, considerando que as disposições do habitus -
cadoras, e considerando que o capital cultural e econômico possuído por uma indivíduo na sua
para suas aquisições culturais e econômicas futuras, pode-se dizer que as probabilidades para
o desenrolar de sua trajetória social posterior encontram-se mais ou menos inscritas e mais ou
menos limitadas por estes dois aspectos.
39
Quais seriam as ligações entre o funcionamento do campo do design e a estrutura de clas-
ses sustentada pelos diferentes habitus de indivíduos e agrupamentos sociais? Esta é uma das
problemáticas discutidas no capítulo conclusivo da tese, a partir do pressuposto de que os bens
gerados pela atividade do designer são essenciais para demarcar as diferenças entre as classes,
sendo esta determinação assumida e atendida de diferentes maneiras pelas diversas frações do
de uma sociedade sem distinções, regida pelo princípio modernista (formulado pelo arquiteto
Louis Sullivan) segundo a qual a forma segue a função.
Algumas página da
revista especializada
Arc Design.
40
multipliCidade terminológiCa no brasil:
industrial design; desenho industrial; design
Um dos embates travados no campo estudado, tanto no Brasil como em outros países, está
Clive Dilnot aborda o problema em seu artigo Estado da história do design: problemas e pos-
sibilidades33, discutindo as consequências da ambiguidade deste conceito, quando mal com-
preendido pelos historiadores do campo. Ele aponta que, até o momento em que escreveu o
artigo em questão, a maioria dos estudiosos da questão e dos formuladores de políticas de de-
sign negligenciavam, em suas propostas, a multiplicidade de sentidos que é ine-rente ao termo.
-
dade (os objetos e imagens projetados), ou a um valor (um adjetivo, como na noção de ‘bom
design’)”, sendo este embaralhamento de sentidos gerador de algumas graves consequências:
…em primeiro lugar, ao encobrir o que o design é materialmente (…) o potencial entendimento do
design, e portanto, do que são os objetos de design e do que os designers fazem, é tornado mais
difícil, senão impossível. (…) Em segundo lugar, (…) assim como nós estamos, coletivamente, como
estamos intelectualmente cada vez menos conscientes do design como um fragmento de uma con-
strução maior e mais complexa, como se ele existisse somente em si e por si: temos esquecido que
tanto a prática do design como seus resultados (…) têm efeitos variados (ao exercerem funções
econômicas e derivarem desdobramentos sociais e implicacões culturais), muitos dos quais estão
situados fora do conceito Design. (dilnot: 2010, s/p)
33. O artigo foi originalmente escrito em 1984. No entanto, conforme argumentamos ao longo da tese, os proble-
mas apontados pelo autor permanecem, em grande medida, atuais.
41
tido, assim como entrou em declínio o paradigma estético modernista associado a ele, dando
lugar às expressões ditas pós-modernas em design e arquitetura, caracterizadas pelo exagero,
gratuidade ou indolência formal, pelo apelo ao mau gosto, ao lúdico, à afetividade, à ironia ou
ao humor, e ainda à estética artesanal.
Para a autora, o termo “design” emergiu sobretudo para designar as novas relações esta-
belecidas entre o homem e o seu entorno material projetado, que passaram a ser entendidas
como “experiências” (de ordem sensorial, afetiva, identitária e simbólica), e não mais pelo viés
utilitarista, afeito à noção de “valor de uso” e ao ideário modernista-funcionalista, expresso
pela célebre fórmula “a forma segue a função”34 . De acordo com essa compreensão “expe-
riencial” do mundo material, que garante primazia aos seus aspectos estésicos e simbólicos,
o fato dos objetos terem sido produzidos industrialmente deixou de ser decisivo para a cara-
cterização de seus produtores enquanto “designers”, relegando a expressão “desenho indus-
trial” e suas congêneres ao declínio. Para essa autora, a emergência social do termo “design”
indica, portanto, a “superação da noção modernista de desenho industrial” (Cara: 2010, 17).
Além disso, Milene Cara também associa a mudança terminológica em questão ao processo de
autonomização do campo do design, correlato à sua separação do campo da arquitetura, e à
inversão hierárquica entre essas duas noções:
… se nos anos 1950 a noção de desenho industrial dirigia-se somente ao projeto do objeto para
a indústria, como extensão do discurso da arquitetura, tornando-o um campo secundário em
relação à arquitetura, hoje, o conceito de design amplia-se como resposta aos aspectos relativos
às relações contemporâneas do homem e sua experiência e passa a abrigar a arquitetura como uma
das atividades que também respondem às expectativas do planejamento do ambiente a partir de
concepções de espaço. (Cara: 2010, 32. ênfases da autora)
1. a revista de variedades e política Carta Capital que, na seção dedicada a divulgar novi-
dades tecnológicas (denominada “Prazer de Ponta”), vem comentando as formas dos
produtos anunciados em termos de seu “desenho industrial”, raramente usando o termo
“design”. Este é o caso, por exemplo, da descrição da motocicleta Monster 1100, da Duca-
ti35; do aparelho de som Sound Cube, da TDK36; do telefone celular N9, da Nokia37; dos
tablets Kindle Fire38 e Tab39; dos fones de ouvido Moonrock, da Moshi40; da caixa de som
portátil Bruta, da Yamaha41; do computador X51 da Alienware42; da câmera K-01 Pentax43.
34. Trata-se da frase cuja autoria é atribuída ao arquiteto modernista Louis Sullivan (EUA, 1856-1924).
42
2. a revista especializada Arc Design, cuja editora, Maria Helena Estrada, explica as dife-
renças entre “design” e “desenho industrial” em vários de seus editoriais, sem colocá-los em
disputa, conforme os trechos transcritos a seguir:
Se para o desenho industrial temos necessidade (…) de maior desenvolvimento tecnológico, não
há possibilidade de um design com características diferenciadas, brasileiras, sem a utilização de
materiais nacionais ou de um novo original olhar. (revista arC design n. 27, set-out/2002)
O resultado dessa análise nos trouxe algumas conclusões interessantes e a primeira delas – impor-
tante e agradável – foi o conjunto de bons projetos de desenho industrial (…) contra o fraco (…)
painel dos produtos semi-industriais ou artesanais. (revista arC design n. 28, nov-dez/2002)
No Brasil, as diversas vertentes do design são prova, por outro lado, de nossa famosa desigual-
dade: desenho industrial em setores avançados como o da aeronáutica ou dos eletrodomésticos e
eletrônicos, por exemplo; design com forte ligação com o artesanato (…) naqueles em que o con-
sumo não suporta investimentos vultuosos.. (revista arC design n. 37, jul-ago/2004);
Da predominância do design italiano e seus estilos, à ‘cara brasileira’, seja no desenho industrial
ou no seu limite oposto, o design de raiz artesanal, fomos escrevendo uma história que se desloca
(revista arC design n. 40, out/2006);
-
ers. Os primeiros, levando avante o desenho industrial – cada vez com melhores resultados; os
segundos, se ressentindo da falta de apoio, principalmente da indústria. (revista arC design n. 51,
dez/2006);
Como sempre, sem premeditação, os temas se entrecruzam numa mesma edição: design e tecno-
logia avançada, design de universitários, desenho industrial (…). (Revista Arc Design n. 62, set-
out/2008)
O cenário que temos visto no Brasil (…) está se deslocando do que se conven-cionou chamar design
e centrando seu ponto de força no desenho industrial. (revista arC design n. 63, nov-dez/2008);
projetos, dando consistência ao mito da onipotência criativa dos designers, além de manter a
“total ignorância [por parte desses criadores] de seu papel de agentes da ideologia burguesa”
(forty: 2007, 325). Ele alerta que “representar o design como puro ato da criatividade de in-
divíduos (...) realça temporariamente a importância dos designers, mas, em última análise,
degrada o design, ao separá-lo do funcionamento da sociedade” (forty: 2007, 330).
O questionamento dirigido por Forty a essa tradição diz respeito àquilo que Pierre Bour-
dieu chama de ilusão carismática, que é a ideologia, vigente nos campos de produção sim-
bólica, segundo a qual o artista (ou designer, ou compositor, ou dramaturgo etc.) seria o se-
nhor e soberano de suas criações, sendo esta uma ilusão sustentada por obras especialmente
constituídas em torno deste propósito (sejam os seus formuladores conscientes disso, ou não).
aprofundadas no âmbito das discussões sobre a constituição de imagens do Brasil e da brasilidade. As relações
entre design, artesanato e identidade cultural brasileira fazem parte dos problemas que estão sendo investigados
numa pesquisa, ainda em fase inicial, desenvolvida pela autora desta tese junto ao Grupo de Estudos de Práticas
Culturais Contemporâneas. Uma versão preliminar do projeto de pesquisa foi apresentada em 19/10/2012, no 4o
Seminário do referido grupo, na PUC-SP, cuja temática tratou de discutir as “Novas representações do Brasil e da
brasilidade”.
44
que leva o próprio cientista (ou, no caso, o historiador do design) a conceber seus esforços de
pesquisa como uma “ [impedindo] que se conheça e se recon-
habitus
prático (de tipo muito particular)” (bourdieu: 2008d, 58).
No campo do design, outro historiador que discute as razões, sentidos e prejuízos advin-
dos das diversas narrativas ideologizadas da história do design é o americano Clive Dilnot, com
especial destaque para o artigo (já mencionado)
e possibilidades. Neste artigo, Dilnot faz um alerta circunstanciado contra o empirismo empo-
brecedor das pesquisas de muitos historiadores do design, capaz de gerar versões imprecisas e
encantadas da história da atividade:
Se tomarmos como uma auto-evidência que o design é uma “coisa boa”, e que seus valores são in-
corporados pela forma dos objetos de maneira transparente, de uma tal forma que não é necessário
problematizá-los, mas apenas ilustrar a ideia de “bom design” com tais objetos, então rapidamente
torna-se possível uma história canônica do “bom design”, embora neste processo não seja pro-
duzido um entendimento consciente do design. (dilnot: 2010, s/p)
(…) a história do design também tem ignorado outras disciplinas acadêmicas. Se por um lado a po-
tencial natureza interdisciplinar do assunto tem sido exaltada, assim como tem sido reconhecida a
importância do econômico e do social, através da incorporação da história econômica e social nos
planos de estudo dos cursos de graduação em design na Inglaterra, a real integração de percepções
e métodos de outras disciplinas à pesquisa histórica em design tem sido postergada. Com algu-
mas exceções, historiadores do design continuam mantendo-se acentuadamente refratários aos
esquemas conceituais e métodos de interpretação oferecidos aos estudos históricos pela sociologia
clássica, assim como os desenvolvimentos advindos do estruturalismo francês e do pensamento
O embate entre as distintas visões e funções das diversas histórias do design também
ocorre no Brasil. Um de seus articuladores mais atuantes é o historiador Rafael Cardoso, cujo
-
samento moderno a implantação do design no Brasil, por meio da instalação da Escola Supe-
rior de Desenho Industrial, debate que está registrado em seu livro Uma introdução à história
do design (2000), no qual o autor brasileiro contesta o legado da obra Pioneiros do desenho
moderno: de William Morris a Walter Gropius, lançada originalmente em 1936, de autoria do
historiador alemão Nikolaus Pevsner (1902-1983).
Naquela obra, Cardoso tece severas críticas à tradição que vincula as práticas atuais do de-
sign aos cânones europeus consagrados por Pevsner, e também às escolas pioneiras no Brasil,
45
herdeiras do cânone modernista. Para esse autor, tais heranças seriam responsáveis por ocul-
tar a gênese propriamente brasileira do design nacional, que residiria nas experiências pionei-
ras realizadas no país desde o século xix, ocorridas em contextos desvinculados de escolas ou
da tradição modernista européia.
Com formação em sociologia (Universidade Johns Hoskins, 1985) e história da arte (ufrj
e Universidade de Londres, 1995), o autor vem atuando no Brasil desde meados dos anos 90,
orientando pesquisas sobre práticas de projeto tidas como pioneiras no Brasil, em particular
no Programa de Pós-graduação em Design da puC-Rio. Um dos frutos de sua produção recente
é a coletânea
(2005), que reúne artigos de sua autoria e de seus colaboradores e orientandos, sobre em-
preendimentos brasileiros nos quais as ideias de projeto e design são estruturais.
… paralelamente à história do design vista pela ótica de seus praticantes e dos projetos por eles
gerados, existe uma outra história do design que passa pelas escolas e por uma curiosa obsessão
bem recentemente, por exemplo, não era incomum um designer brasileiro querer traçar a sua ge-
esdi para a Escola de Ulm e de lá para a Bauhaus, um tanto como certos
emergentes se dizem descendentes dessa ou daquela casa real da Europa (denis: 1999, 169).
O cânone modernista criticado por Cardoso é alvo dos questionamentos de outra impor-
tante divulgadora do design no Brasil, e que se ocupa também da formulação de hipóteses
sobre as supostas raízes brasileiras da atividade. Trata-se da jornalista Adélia Borges, atuante
no campo desde meados dos anos 80, quando foi editora (entre 1987 e 1994) da Design &
Interiores – primeira revista especializada em design do Brasil –, tendo sido posteriormente
diretora do Museu da Casa Brasileira (entre 2003 e 2007), coordenadora do projeto do Pavi-
lhão das Culturas Brasileiras (2008) e curadora da 3a Bienal Brasileira de Design (2010). Tais
projetos expressam a relevância de sua atuação no campo do design, bem como a proximi-
dade com instâncias do poder público, em particular, o Governo do Estado de São Paulo, a
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
46
O questionamento de Adélia Borges ao cânone modernista está registrado de maneira
explícita em seu recente livro Design + artesanato: o caminho brasileiro (2011), dedicado à
“revitalização do objeto artesanal que vem ocorrendo em nosso país”, com o intuito de “co-
laborar na melhoria da vida dos produtores e usuários e no desenvolvimento da economia do
país” (borges: 2011, 15). Nesta obra, a jornalista denuncia a rejeição das práticas artesanais e
das questões de identidade nacional, supostamente praticada pelos designers do mainstream
modernista nos anos pioneiros do campo, e elege o artesanato como matriz cultural para os
produtos industriais brasileiros, defendendo a ideia de que “o pensamento criativo e a in-
teligência projetual não são privilégio de pessoas com educação formal”, sendo este saber um
“valioso patrimônio, que pode funcionar como uma força propulsora de um desenvolvimento
mais justo e equânime” (borges: 2011, 14).
A ideia de que as genuínas raízes do design brasileiro residem nas práticas artesanais e na
Design. Conforme registram muitos de seus editoriais, as práticas artesanais são apresentadas,
naquela revista, como uma das grandes vias para o futuro do design brasileiro, em oposição ao
chamado desenho industrial, que seria voltado ao atendimento do mercado de massas e ligado
à tecnologia. Para a editora da revista Arc, a jornalista Maria Helena Estrada, o artesanato
deve ser recuperado, disseminado e incentivado tendo em vista vários argumentos e objetivos:
como fonte de técnicas e saberes ancestrais, capazes de dar suporte às inovações do presente;
como fonte identitária primordial de nossa cultura, apta a expressar a brasilidade mais pura
e genuína, e ainda a oferecer produtos competitivos aos mercados globais; como fonte de en-
sinamentos e técnicas sustentáveis, aptas a redimir os atuais problemas ambientais. Dentre
-
As tomadas de posição de Rafael Cardoso, Adélia Borges e Maria Helena Estrada são as-
pectos da luta concorrencial cujos termos estão em discussão ao longo de todo este relato. Elas
design, e somente adquirem sentido quando confrontados com a ortodoxia modernista, que
será apresentada e discutida em pormenores no próximo capítulo, com especial destaque para
a Escola de Ulm (Alemanha, 1953-1968), a Escola Superior de Desenho Industrial (1963-) e a
Escola de Artesanato, idealizada por Lina Bardi na Bahia em 1963.
45. Embora Aloísio Magalhães seja amplamente consagrado por sua produção enquanto designer, e embora ele
tenha cumprido um papel essencial na formulação das políticas culturais no Brasil, sua atuação não será desta-
determinados indivíduos neste trabalho, tais como Lina Bardi, se deve ao fato de que elas representam determina-
das visões de mundo e concepções de design, sendo este o foco da presente pesquisa, e não a consagracão de um
ou outro agente em particular.
48
Capítulo 2
instalação do Campo do design no brasil:
as primeiras esColas (anos 1950 – 1960)
Em sua obra Design no Brasil: origens e instalação niemeyer assinala que “a emergência
institucional do design no Brasil está diretamente ligada à ideologia nacional-desenvolvi-
começaram a tomar força a partir da Semana de 22” (1997, 17). Trata-se do período marcado
por uma grande reestruturação da sociedade brasileira, que introduziu mudanças radicais nos
sociabilidade cotidiana, que passaram a ser marcados pela emulação dos estilos de vida tidos
como “superiores” por todas as classes sociais brasileiras, tendo como modelos os estilos de
vida europeu e americano.
ope-racional; todas elas estão ligadas às demandas técnicas e simbólicas que marcaram o
período, seja para atender ao consumo das novas classes sociais que então se consolidavam,
seja para fornecer instrumentos e dispositivos para o funcionamento do Estado, da indústria
ou da organização urbana, cada vez mais complexos. No artigo Capitalismo tardio e a nova
sociabilidade moderna (1998), novais e mello fazem uma síntese dessas transformações,
no período. Eles enumeram: (1) a migração intensiva da população rural para as cidades, em
particular entre os anos 50 e 70, que ocorre em paralelo à urbanização e à industrialização
aceleradas; (2) a produção brasileira de insumos e energia – petróleo e derivados, aço e asse-
melhados, eletricidade, cimento, vidro, papel etc; (3) a modernização de indústrias de bens de
consumo, alimentos e fármaco-cosmecêuticos; (4) a modernização da infraestrutura nacional
e ampliação da construção civil, com a construção de rodovias e grandes edifícios; (5) a trans-
formação qualitativa e quantitativa dos padrões de consumo, com a ampliação do acesso aos
bens duráveis de uso doméstico e o surgimento/predomínio de alimentos industrializados;
(6) as transformações nas formas de comercialização, com o surgimento dos shoppings, su-
49
permercados, revendas de automóveis e grandes magazines; (7) as mudanças nos padrões de
beleza e higiene pessoal e doméstica, com a difusão de, por exemplo, escovas de dentes, ab-
sorventes femininos, cremes de barbear, itens de maquiagem, bem como o aperfeiçoamento e
que em 1997 eram publicados no Brasil cerca de 1130 diferentes títulos, contra a predominân-
cia da revista nas décadas de 30, 40 e 50.
-
reira”, ou seja, como “instrumento utilitário a ser usado em vista de ambições de dinheiro, de
prazeres de mando”; conforme registram muitos artigos publicados na Revista Habitat, eles
entendiam era preciso combater a cisão profunda entre o povo e a cultura dominante de então
–“ ”, que consistia, “para alguns poucos, na aquisição apres-
Este foi o horizonte ideológico sob o qual foi implantada a primeira escola de design do
Brasil, primeira instituição a congregar, no país, sob um mesmo rótulo disciplinar, atividades
que até então permaneciam desconectadas entre si na prática, como é o caso dos projetos de
mobiliário, bens de consumo duráveis, embalagens, produtos editoriais, vitrinismo, moda etc.
(niemeyer: 1997; leon: 2006). A escola de desenho industrial do iaC-masp funcionou entre
-
víduos que, anos mais tarde, se tornaram protagonistas na consolidação do campo no Brasil.
Entre eles estão Alexandre Wollner, Estela Aronis, Irene Ruchti, Ludovico Martino, Aparício
Basília da Silva, Antonio Maluf e Attilio Baschera. Entre os colaboradores da escola estavam o
fotógrafo Thomaz Farkas; os artistas plásticos Lasar Segal e Elizabeth Nobiling; e os arquitetos
Eduardo Kneese de Melo, Roberto Burle Marx, Lina Bo, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Gian Carlo
Palanti, Alcides da Rocha Miranda e Jacob Ruchti.
46. A pesquisa realizada nos números iniciais da Revista Habitat (um dos principais veículos de difusão do
masp, do iaC e das posições do casal Bardi) sugere que os termos “design” e “desenho industrial” eram utilizados
simultanemaente, sem gerar as confusões terminológicas que mais tarde foram e ainda são lamentadas por muitos
segmentos do campo.
51
Em artigo publicado na terceira edição da revista Habitat (1951) Bardi apresenta o iaC
aos leitores, esclarecendo a complexidade, importância e adequação de seu empreendimento
tanto para o processo de modernização do país como em termos da melhoria da vida privada
dos indivíduos. Em tom pedagógico, ele explica que
O têrmo Desenho Industrial necessita de uma pequena explicação, porquê, atrás dessa denomi-
nação aparentemente simples, encontramos um complexo enorme de conhecimentos e aptidões
que tornam o desenhista industrial, uma das personalidades mais importantes da vida moderna.
-
lema a ser resolvido – atividade crítica e analítica, e terminando pelo projeto da solução técnico-
artística.
O desenhista industrial é responsável pelo projeto de todos os objetos – utensílios, móveis, etc, que
nos cercam – que são produzidos industrialmente e que formam o ambiente em que vivemos, na
rua ou no local de trabalho.
importantes da vida moderna, porquanto é de sua capacidade e formação que depende todo o as-
pecto físico de nossa civilização. O desenhista industrial é o artezão do século 20. Porém, enquanto
o artezão do passado trabalhava com as mãos, e com ferramentas manuais, produzindo ele próprio
os objetos que imaginava – o artezão do século 20 tem por ferramentas as máquinas da indústria
moderna, baseado nas possibilidades técnicas das quais precisa imaginar seus produtos.
– a forma de um objeto depende também da função a que se destina, do material em que vae ser
-
bia em estreita associação com outras práticas, todas elas conexas à crença na modernização e
O homem que trabalha na propaganda, nos vários campos da ideação, do texto, do desenho, da
correspondente a um produto ou a uma idéia adequada, capaz de sustentar uma propalação. (…)
Por isso os homens escolhidos pela propaganda – e logo os insensíveis, os apressados, os intri-
gantes, os deshonestos, são eliminados – constituem uma classe honrada, que desempenha um
trabalho digno de consideração. (revista habitat: 1951, n. 02, 32-33)
vale a pêna lembrar um pensamento do célebre arquiteto francês – um dos pioneiros da arquitetu-
ra contemporânea – Auguste Perret, que disse: ‘Móvel ou imóvel, tudo o que ocupa o espaço – pert-
ence ao domínio da arquitetura.’ E, de fato, nêsse sentido o desenhista industrial é um arquiteto
(…) E é justamente isso que o I.A.C. visa: – a formação de desenhistas industriais com a mentali-
dade de arquitetos. (…) Preciso ainda dizer que o I.A.C. não pretende formar especialistas (…) mas
pretende antes de mais nada, equipar os alunos com uma atitude e orientação que os capacite de
analisar e resolver qualquer problema técnico ou artístico, que tiverem que enfrentar no vastíssimo
ramo do artezanato do século 20: O Desenho Industrial. (revista habitat: 1951, n. 03)
A indústria não pode trabalhar com os moldes do artesanato: os resultados dessas experiências
foram cópias indecorosas, não correspondendo em geral às exigências do custo e do material. O
que é preciso é uma escola nacional de desenho industrial, capaz de formar artistas modernos.
Modernos no sentido de conhecer os materiais, suas propriedades e possibilidades e, portanto, as
formas úteis e expressivas que requerem. Novas ligas metálicas, materiais plásticos, sintéticos, es-
tão paulatinamente substituindo os velhos materiais, madeira, bronze, barro. Transferir as formas
antigo, não será possível encontrar o novo. Desde tempos estamos repetindo: não formando, a
-
dos. (bardi apud leon: 2006)
No que diz respeito aos mecanismos garantidores da legitimidade do iaC, Bardi procurou
divulgado na revista Habitat, o curso foi adaptado do “célebre curso do Institute of Design de
-
pius e Moholy-Nagy como uma continuação do famoso Bauhaus de Dessau”, representando,
portanto, “as principais idéias da Bauhaus, depois de seu contato com a organização indus-
trial norte-americana.”
Conforme discussão apresentada no capítulo 5, desde meados dos anos 90, a adoção de
pedagogias estrangeiras para o ensino brasileiro de design vem sendo severamente questio-
53
nada por alguns segmentos do campo, sob a alegação de que o Brasil detinha, nos anos 50/60,
características culturais e demandas estruturais completamente incompatíveis com o ensino
de viés modernista desenvolvido na Europa, e que foi supostamente adotado às cegas no Bra-
sil. Nos anos 50, no entanto, pelo menos no entender de Pietro Bardi e das pessoas ligadas ao
iaC
tinha a virtude de associar as melhores características das escolas assumidas como parâmetros
(leon iaC-masp – à Bauhaus/Dessau e ao
Institute of Design de Chicago –, o que estava de fato em jogo não era a adoção de um modelo
de ensino, conforme manifestava Bardi, nem tampouco a fundamentação política de caráter
social-democrata proposta por Gropius e Moholy-Nagy para aquelas duas escolas, mas a no-
breza cultural (bourdieu: 2008a) que ambas as escolas e seus mentores adquiri-ram após sua
absorção pela cultura americana no segundo pós-guerra.
Teria sido justamente por isso que Bardi conseguia conciliar, sem constrangimentos, a
social-democracia de Gropius e Moholy-Nagy com sua admiração ao trabalho de Raymond
Loewy, designer francês radicado nos Estados Unidos, severamente combatido pelos mod-
através da sedução dos consumidores pelas formas agradáveis e aerodinâmicas dos produtos.
As posições de Loewy, condizentes com as expectativas do empresariado americano e com o
american way of life, chocavam-se frontalmente com as concepções esquerdistas de arte, ar-
quitetura e design professadas por Gropius e Moholy-Nagy, para quem a educação, o projeto e
-
rista e voltada ao lucro (leon: 2006).
e Moholy-Nagy em solo americano para a condução das escolas que dirigiam, no momento da
“Tributo à Bauhaus
trando o prestígio cultural
do qual ainda desfruta
a escola alemã Bauhaus.
54
fundação do iaC-masp
nos termos da cultura de consumo norte-americana, processo iniciado em 1929 pelo Museu de
Arte Moderna de Nova Iorque, com a promoção de algumas exposições de grande importância.
Assim, se na origem da Bauhaus as preocupações de seus integrantes eram de caráter indisso-
55
Ao adotar a Bauhaus e o Institute of Design como matrizes do iaC-masp, Pietro Bardi
teria sido motivado por uma propriedade simbólica particular de ambas as escolas, especial-
mente forte naquele momento e precisamente no contexto norte-americano: a associação en-
tre a nobreza cultural (bourdieu
“estilo Bauhaus”, construído pelo MoMA mediante a fusão dos pressupostos éticos e estéticos
originais na noção de Good Design – e a operatividade dos métodos projetuais difundidos no
Institute of Design, afeita a atender aos interesses mercantis americanos.
A reputação positiva das duas escolas matrizes do iaC-masp, que conjugava nobreza cul-
tural e pertinência empresarial, era conveniente a Bardi na medida em que seu projeto im-
plicava o combate às elites conservadoras de então, por meio do combate aos seus hábitos e
gostos, ligados ao ecletismo e à noção de artes decorativas, pela proposição do gosto moderno.
Tendo isso em vista, leon (2006) compreende que o lugar destinado ao designer formado pelo
iaC-masp era junto das elites empresariais, como responsável pelo trabalho intelectual de con-
-
sível mediante a circulação de tais pretendentes pelo universo da alta cultura, condição provida
por Bardi no iaC e no masp, o que conferia aos designers o mesmo estatuto dos artistas.
Tratava-se portanto, muito mais de uma luta entre duas frações da classe dominante bra-
sileira, travada por meio da arte e dos estilos de vida (bourdieu: 2008a), do que da defesa dos
ideais originariamente socializantes da Bauhaus. Com efeito, em nenhum trecho de seus dis-
cursos sobre o iaC Bardi evocava o caráter utópico do design ou o seu papel emancipador; para
ele, o que estava em questão era a disseminação de sua ideia de bom gosto, em íntima conexão
com o chamado “espírito contemporâneo” e com o poder econômico ligado aos industriais
(leon: 2006).
No que diz respeito ao fechamento do iaC-masp, Leon explica-o a partir das interpreta-
ções de Florestan Fernandes, Celso Furtado e Novais e Mello sobre o empresariado paulistano,
descartando as hipóteses de que o encerramento da escola tenha ocorrido devido à sua pre-
cariedade, ou à uma suposta disposição anti-capitalista – tais como eram os ideais originais da
-
tese de que não haveria no Brasil público consumidor receptivo (tanto em termos econômicos
que a população urbana e a classe média brasileiras estavam em acelerada ascensão, tendo
seus gostos e hábitos fortemente abertos à renovação. Leon lembra, ainda, que a quantidade de
Para essa autora, o fechamento do instituto é tributário dos seguintes fatores: (1) a capa-
cidade intelectual limitada do empresariado paulistano para compreender os efeitos do ensino
artístico sobre a produção industrial; (2) a vigência da noção de arte como sendo totalmente
56
alheia à atividade industrial, sendo ligada apenas à distinção social e aos privilégios da elite;
(3) o pouco interesse do empresariado em temas como educação, ciência e tecnologia; (4) a
facilidade e suposta liquidez da prática da cópia de modelos de produtos estrangeiros; (5) o
imediatismo do empresariado, e a correlata indisposição do mesmo para envolvimentos de
longo prazo com pesquisa e desenvolvimento de produtos (leon: 2006).
É preciso considerar ainda que tais fatores podem estar associados a uma diferença es-
sencial entre as duas modalidades do design que eram ensinadas no iaC
visual, e o design de produtos –, das quais a primeira é mais próxima da publicidade, sendo
sua implantação mais barata para as empresas (já que poderiam ser contratados consultores
ou agências, ao invés de funcionários permanentes), além de mais rapidamente lucrativa. Já
o design de produtos é uma atividade ligada à inovação técnica, que exige investimentos de
médio prazo com pesquisa e desenvolvimento, a realização de experimentos e modelos, além
da disponibilidade para abandonar ou reiniciar projetos.
mais interessantes aos empresários do que as práticas ligadas ao desenho de produtos, pois
a compreensão dos mesmos a respeito do design aproximava esta atividade da publicidade,
dada a capacidade representacional de ambas as práticas. Segundo esta visão, o que interes-
sava mais aos empresários brasileiros dizia respeito ao estilo dos produtos, ao seu estatuto de
“adorno moderno” e à viabilização da “imitação construtiva”, prática exercida largamente pelo
empresariado brasileiro.
O segundo fator diz respeito à absorção dos designers egressos do iaC-masp quase que
tão somente por empresários com sólida formação cultural ou membros de famílias ligadas à
cultura, tais como Ademar Manarini (industrial e artista concretista, que levou o design para
que contratou Alexandre Wollner para desenhar a identidade visual da Metal Leve) e Aldo
Magnelli (irmão do artista plástico Alberto Magnelli e proprietário da indústria moveleria Se-
curit).
O último fator é fruto de uma comparação entre a experiência brasileira do iaC com o
célebre design italino (lembrando que a Itália é a terra natal de Pietro Bardi), cuja explicação
57
artistas e arquitetos de um lado, e empresários de outro. Essa breve nota, sobre a disposição
intelectual e cultural do empresariado italiano para a inovação, aponta, por contraste, para a
que serão discutidas a seguir. Trata-se da diferença entre duas dinâmicas distintas: (1) aquela
práticas produtivas em curso, sendo gestada nas mentes e mãos de seus efetivos praticantes e
(2) aquela levada a cabo por instituições destinadas a impor, de cima para baixo e de fora para
dentro, supostas verdades a serem seguidas pelo setor produtivo, para o alcance de um ideal
de nação.
Pouco mais de um ano depois do encerramento das atividades do iaC-masp em São Paulo,
tiveram início, em 1953, no Rio de Janeiro, os preparativos para a implantação do ensino regu-
lar do design naquela cidade, que, anos mais tarde, redundaram na fundação da Escola Supe-
rior de Desenho Industrial (esdi). Em seus primórdios, a iniciativa que deu origem à esdi era
vinculada ao campo artístico/museológico, assim como no caso do iaC-masp: trata-se da Escola
Técnica de Criação (etC) do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cujos planos foram
conduzidos por suas diretoras executivas, Niomar Muniz Sodré e Carmen Portinho, a partir
dos contatos com o artista plástico e designer suíço Max Bill, egresso da prestigiosa Bauhaus47
e um dos principais expoentes da Arte Concreta, que esteve no Brasil em 1953 para participar
do júri da II Bienal de São Paulo. Segundo relata niemeyer (1998) Max Bill teria reconhecido no
Rio de Janeiro as condições culturais favoráveis à criação de uma escola de artes alinhada com
a ideia de progresso, e empenhada em conciliar arte e produção industrial com vistas à elabo-
ração de uma estética moderna. Naquele período Bill estava engajado na implantação de outro
empreendimento educacional – a Escola Superior da Forma de Ulm48, na Alemanha que, con-
47. Trata-se da escola de artes, arquitetura e design, que funcionou na Alemanha entre 1919 e 1933, e que se
48. A Escola Superior da Forma de Ulm funcionou em Ulm, na Alemanha, entre 1953 e 1968. Foi fundada em
memória dos irmãos Hans e Sophie Scholl, que eram membros do grupo antinazista Rosa Branca, e que foram
executados pelo regime de Hitler em 1943. Inicialmente idealizada como um instituto de estudos sociais, a Escola
de Ulm foi convertida numa escola de design, com vistas a recuperar o ideário humanista da Bauhaus. De acordo
com alguns de seus críticos, no entanto, ao longo de seu funcionamento, a Escola de Ulm teria abandonado os
preceitos bauhausianos para adotar a razão instrumental como fundamento de seu ensino.
58
De acordo com niemeyer
uma oportunidade para o mam-Rio consolidar seu papel ativo no processo da modernização
brasileira, tanto em termos estéticos quanto econômicos, o que era de enorme interesse dos
intelectuais e empresários ligados à sua fundação e ao seu funcionamento. De acordo com os
relatos dessa autora, e também de souza (1996), alguns passos essenciais foram concretizados
com vistas à instalação da etC-mam: (1) as adaptações arquitetônicas realizadas no projeto
original do museu, inaugurado em janeiro de 1958 por Juscelino Kubitschek; (2) a formu-
lação de planos educacionais, para os quais contribuíram os professores da Escola Superior
da Forma de Ulm Max Bill e Tomas Maldonado49 – este último contratado pelo mam-Rio
para elaborar uma proposta curricular para a etC; (3) a adoção de critérios de admissão e de
concessão de bolsas de estudo, inclusive para alunos de outros países da América Latina; (4)
o plano de aproximação da etC-mam com o setor produtivo; (5) a realização de alguns cursos
isolados em 1959 e 1960 (comunicação visual, ministrado por Tomas Maldonado50 e por Otl
Aicher51 -
meyer menciona a boa receptividade do projeto pela Unesco, então empenhada em fomentar
o papel educativo dos museus e a modernização por meio da educação industrial, e a aceitação
do projeto da etC-mam pela elite carioca.
No entanto, apesar de todos esses bem sucedidos encaminhamentos, ambos os autores re-
latam que o mam -
munerar os professores, o que impediu o início de seu funcionamento. Os planos do mam para
a Escola Técnica de Criação foram então assumidos pelo Governo do Estado da Guanabara,
particularmente por dois de seus membros, interessados no caráter vanguardista da escola: o
governador udenista Carlos Lacerda, a quem interessava associar seu mandato a projetos ino-
vadores para fazer frente ao tom desenvolvimentista do governo de Juscelino, e o então secre-
tário de Educação e Cultura, Carlos Flexa Ribeiro, a quem Carmen Portinho teria atribuído
a intenção de ser o futuro governador, e para quem, portanto, seria desejável ter entre suas
realizações como político a implantação de um empreendimento de vanguarda tal como uma
escola de desenho industrial (niemeyer: 1998, 79-81).
Escola Superior da Forma de Ulm, da qual foi também um de seus diretores; foi autor de projetos visuais para
grandes corporações, dentre elas, a Lufthansa. Seu mais importante trabalho foi o sistema de identidade visual
para os Jogos Olímpicos de Munique (1972). Foi casado com Inge Scholl, irmã de Sophie e Hans Scholl, os irmãos
executados pela Gestapo em 1943, por fazerem questionamentos ao regime nazista, e em memória dos quais foi
fundada a referida Escola de Ulm. (Woodham: 2004; lindinger: 1991)
59
De acordo com souza (1996), é possível atribuir a Carlos Flexa Ribeiro um papel de grande
relevância nesse processo, pois antes de ser secretário de Estado da Educação e Cultura, ele foi
Diretor Executivo do mam-Rio , conhecendo assim todos os detalhes do processo de implan-
tação da etC-mam
Lamartine Oberg, diretor do Instituto de Belas Artes (iba), a quem o Ministério das Relações
experiências de ensino de design para fundamentar a sua intervenção junto ao mam-Rio (nie-
meyer: 1998; souza: 1996). Em tal viagem ele teria sido recepcionado por Tomas Maldonado na
Escola Superior da Forma, em Ulm; teria ainda conhecido a Kunstgewerschule (em Zurique,
Suíça) e o Royal College of Arts (em Londres, Inglaterra); teria também se reunido com Max
Bill. De acordo com souza (1996, 11-12), os argumentos elaborados por Oberg a partir dessa
-
ciando a ambos na decisão de darem continuidade, no âmbito do governo estadual, à empreita-
da iniciada pelo mam-Rio. Souza sugere que o empenho de Oberg era movido pelo seu interesse
em obter o aval governamental para instalar o curso de desenho industrial na instituição que
dirigia, pois, uma vez implantado no iba, tal curso garantiria a credibilidade pública da qual a
escola não desfrutava.
-
tário Flexa Ribeiro fez com que o iba passasse a ser visto como a instituição mais adequada para
implantar o curso de desenho industrial, sendo Oberg nomeado integrante de um grupo de
trabalho responsável por discutir a questão, juntamente com os arquitetos Sérgio Bernardes,
Maurício Roberto – então presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – e Wladimir Alves
de Souza – então diretor na Faculdade Nacional de Arquitetura.
52. A Consultec foi uma consultoria com ampla penetração na máquina burocrática brasileira; um de seus co-
laboradores foi o economista Mario Henrique Simonsen, que foi também Ministro da Fazenda (governo Geisel) e
Ministro do Planejamento (governo Figueiredo); a empresa prestava serviços diversos ao poder público e ao setor
privado, preparando projetos de lei, acordos comerciais e assessorando políticos e parlamentares com discursos e
planos de ação. Em seu livro Esdi , souza (1996) faz uma crítica detalhada ao parecer em
questão, apontando várias de suas inconsistências.
60
desemprego e ao desajuste social, por serem detentores de uma formação por demais avançada
para o Brasil de então (niemeyer: 1998, 84 e souza: 1996, 32-36).
53. Niemeyer aponta que em 1962, por ocasião da apresentação do projeto do curso à Assembléia Legislativa do
Estado da Guanabara, o Conselho Técnico do Instituto de Belas Artes protestou contra o fato de Lamartine Oberg
ter conduzido planos para aquela escola a revelia de seus pares. A autora não esclarece, no entanto, se esse pro-
testo gerou repercussões consideráveis, ou se motivou o impedimento da instalação do curso de desenho indus-
trial nas dependências do iba.
61
potencialidades da indústria, e às demandas dos públicos consumidores/ usuários e também
dos imperativos da economia.
O relatório que Lamartine Oberg encaminhou ao governador Lacerda em 1961, sobre suas
incursões pelas escolas de design européias, expressa não somente seu interesse em acolher o
curso de desenho industrial no iba -
mento Oberg diz o que segue:
Não encontrei (…) após visitar dez países e entrevistar professores, arquitetos, desenhistas indus-
triais e em artigos de revistas especializadas, alguém que defenda a teoria de Maldonado que nega
a necessidade de uma predominância estética na formação do designer, propondo que o ensino
artístico se funde sobre um conhecimento objetivo estatístico, da mecânica perceptiva e dos fatores
formais e psíquicos da informação. (oberg apud souza: 1996, 12)
Conforme relata rinker (2003) a respeito da escola alemã, no discurso de abertura do ano
acadêmico de 1957-58, Maldonado apontou para a necessidade de superação da ideologia de-
fendida por Max Bill, que fazia do designer um artista, e que foi herdada da fase expressionista
da Bauhaus. Para Maldonado, tal ideologia tinha cumprido seu papel histórico, e deveria ser
superada por estar se transformando num novo academicismo, baseado no uso repetitivo e
54
.
O ideário combatido por Maldonado é aquele que confere primazia às questões estéticas
do projeto, e que resultariam, por sua vez, da intuição e da sensibi-lidade do designer-artista,
devendo ser incentivadas por um processo educacional cujas atividades proporcionassem o
embate entre o criador, de um lado, e as questões da forma, de outro, normatizadas pelo para-
digma estético construtivista. De acordo com esse legado bauhausiano/expressionista, a for-
mação ideal do designer deveria se dar primordialmente em ateliers (de pintura, escultura,
-
timamente os materiais, ferramentas e técnicas, por meio da experimentação, elaborando pro-
jetos que resultariam da sua interpretação pessoal a respeito daquela realidade tecnológica/
material, tendo sido já educado anteriormente a respeito dos problemas da pura forma.
-
sos complexos. Na diagramação de jornais, por exemplo, a grid está estruturalmente ligada ao “diagrama”, que
por sua vez sustenta e fornece parâmetros espaciais para a distribuição dos textos, imagens e espaços vazios,
permitindo a organização da página. De acordo com Tymothy Samara, na obra Grid: construção e desconstrução
(Cosac Naify: 2007), “
como guias para a distribuição de elementos num formato” (samara: 2007, 24).
62
A compreensão de tomás maldonado sobre o design rompe radicalmente com tais pres-
supostos, pois ele entendia que essas ideias não eram mais adequadas às condições econômi-
cas, políticas e tecnológicas vigentes nos anos 50/60. Para ele, a equação bauhausiana/expres-
sionista, que conferia primazia à estética do projeto à subjetividade do designer (concebido
como um artista), deixava de lado fatores externos determinantes, “produtivos, construtivos,
econômicos e quiçá também o fator simbólico” (rinker: 2003, 6). Ele advogava, assim, por
uma nova compreensão do designer como um coordenador, cuja
e cultural do consumidor será sua [do designer]. (rinker: 2003, 6. Tradução nossa)
em massa. De acordo com a interpretação de Rinker, essa foi umas das discussões essenciais
engenheiros e artistas. Não havia escolas de design, e até que a bauhaus deu o giro decisivo no
campo do design de produtos industriais, a formação estava subordinada à arquitetura. (rinker,
2003: 5, tradução nossa)
A posição contrária à de maldonado, defendida por Max Bill, pode ser melhor compreen-
dida por meio de um texto de sua autoria, publicado no boletim do mam-Rio, em julho de 1953,
uma continuação da bauhaus (…)
[que] baseava-se ainda na aliança entre as artes e a arquitetura” (bandeira: 2002, 30). Para
Bill, tal aliança teria sido realizada, em Ulm, por meio da “formação da personalidade mesma
no domínio da cultura da nossa idade técnica” (bandeira: 2002, 30). Ele compreendia que
aquela escola deveria formar uma pequena elite que, por sua vez, implantaria escolas de arte e
design ao redor do mundo, responsáveis por formar as elites locais. Esta posição era altamente
A solução que prevaleceu na esdi foi aquela ligada a tomás maldonado, mas não sem distor-
esdi, para quem a escola foi resultado de uma adoção acrítica do modelo ulmiano. Os termos
63
-
cola carioca serão abordado na sequência do capítulo.
da esdi quanto da Escola de Ulm. lindinger (1991) aponta que, ao longo dos quinze anos de
vigência da instituição alemã (1953-1968), é possível reconhecer ao menos seis diferentes fas-
es, dentre as quais a primazia foi, inicialmente, da concepção de design ligada à arte, e em
56
, na fundamentação metodológica
e no formalismo racionalista, de acordo com o qual as formas dos objetos devem decorrer do
desempenho de suas funções.
De acordo com esse e outros autores, durante sua curta existência, a Escola de Ulm foi
palco de muitas querelas e debates, não podendo jamais ser reduzida a uma experiência uni-
dimensional. Uma expressão da riqueza intelectual da Escola de Ulm é o contraste entre a
composição de seu corpo docente permanente – que contava com aproximadamente 20 mem-
-
ger, Reyner Banham, Walter Gropius, Bruce Archer, Charles Eames, Norbert Wiener e Lucius
Buckhardt.
No que diz respeito à esdi, a obra do professor Pedro Luiz Pereira de Souza – Esdi: biogra-
(1996) – apresenta argumentos que também demonstram a complexidade da
escola carioca. Trata-se de uma obra fartamente documentada sobre as primeiras três décadas
da esdi, sendo de especial interesse, para este estudo, o período compreendido entre 1962 e
1969, respectivamente o ano inicial de seu funcionamento e o ano de conclusão da chamada
Assembléia Geral – a grande revisão sobre os primeiros anos da escola, que veio a determinar
lugar, porque, de acordo com Couto (2008), leite (2010) e o próprio souza (1996), foi precisa-
esdi entre 1968 e 1969 que serviu de base para a mul-
55. Notadamente, Paul Edgard Decurtins, Karl Heinz Bergmiller e Alexandre Wollner.
56. Entre os temas debatidos na Escola de Ulm estavam a semiótica, a cibernética, a teoria da informação, a
gestalt etc.
64
visões sobre o que deveria ser a formação do designer/desenhista industrial, que persistem
até os dias de hoje sob diferentes enfoques, e que pressupõem diferentes ideologias e visões a
respeito de temas correlatos, tais como o papel das artes, a concepção de ciência, a importância
do mercado, a dependência ou soberania tecnológica, o capitalismo e o consumo.
De acordo com Souza, os primeiros anos da esdi foram marcados, ao mesmo tempo, pelo
-
bros, cujos desdobramentos foram decisivos para a organização curricular da escola e a fun-
revisão dos anos inaugurais, que aconteceu entre junho de 1968 e agosto de 1969, motivada
pelos questionamentos estudantis a respeito da estrutura e do funcionamento da escola. Esse
-
mentos dirigidos ao Conselho Consultivo da escola pelo DAesdi (Diretório Acadêmico); sua
importância não diz respeito apenas à esdi
a
maioria dos problemas do design brasileiro que foram discutidos nas décadas seguintes, já
estavam presentes dentro da sala da Assembléia Geral” (souza: 1996, 176).
dos problemas enfrentados na escola, seguido de diretrizes para a sua reorganização, que in-
cluiam novos parâmetros para a admissão dos alunos, uma descrição detalhada das atividades
de cada ano da formação, a previsão de um curso de pós-graduação e, o mais importante, uma
esdi.
65
Segundo souza (1996), o documento de Aquino foi a primeira grande revisão crítica lev-
ada a cabo dentro da esdi. Nele, o diretor propunha sua reorganização de acordo com alguns
princípios: (1) o respeito aos fundamentos da Escola de Ulm, “principalmente no seu conceito
de que o designer é um coordenador, que ele não é o artista da forma, nem o engenheiro do
produto” (aquino apud souza
e; (2) a oferta de um ensino baseado no raciocínio lógico e na centralidade da disciplina de Pro-
A esdi existe porque a cadeira de Desenvolvimento de Projeto projeta e não porque as cadeiras de
Cultura Contemporânea ensinem a ver uma obra de arte, a de Mecânica a estática e a dinâmica,
-
Mas, a cadeira de Desenvolvimento do Projeto também deve ter a consciência da visualidade mod-
e que abordam os problemas que vão desde o artesanato até os processos industriais de produção.
(aquino apud souza: 1996, 109)
De acordo com a interpretação de Souza, esse documento ensejava uma compreensão lim-
itada do design, que o vinculava tão somente ao mercado ou ao interesse dos industriais/em-
presários, sem mencionar os benefícios de objetos e sistemas bem desenhados sobre a vida in-
dividual ou coletiva. No entanto, tendo em vista a conjuntura política da época (o ano de 1964)
pode-se supor que o documento de Aquino expressava apenas uma concepção possível de ser
-
turas políticas muito distintas nas quais a esdi deu seus primeiros passos.
Conforme assinala Souza, a escola foi idealizada poucos anos antes do golpe militar de
1964, numa atmosfera cultural e política progressista, favorável à industrialização do país, à
substituição de importações, à democratização do consumo e à eliminação da pobreza, fase
marcada pela compreensão positiva e ativa do papel de artistas e intelectuais na realização
de um projeto de autonomia/soberania nacional. No entanto, a efetiva implantação da ESDI
66
político-ideológica de muitos membros da escola. Em seus primórdios, previa-se que a esdi,
devido ao seu caráter vanguardista, seguiria caminhos diferentes dos modelos burocratizados
de ensino, nos quais os papéis de professores e alunos eram muito distintos, e a transmissão
do conhecimento se dava de maneira verticalizada. Na esdi, o ideal inicialmente proposto era
de colaboração horizontal entre professores e alunos, visando a prática colaborativa do pro-
jeto, com base na experimentação, na descoberta e na argumentação, tendo a racionalidade
como princípio intelectual e formal. No entanto, este modelo colaborativo foi inviabilizado
tanto pela repressão imposta pelo regime militar, que desarticulava os debates intelectuais por
todo o país, quanto pela despolitização, descompromisso, ingenuidade e/ou incompreensão de
muitos membros da escola. Conforme a discussão proposta no capítulo 5, este é um aspecto
que parece ser ignorado pelos críticos da esdi, bem como pelos formuladores de ideologias
alternativas.
Uma das expressões desse quadro diz respeito ao alunado, do qual se esperava, inicial-
mente, uma postura engajada, de acordo com o papel que lhe fora inicialmente atribuído: o
de uma espécie de elite (justamente por se tratar da primeira geração brasileira de designers),
Ao longo dos primeiros anos da escola, no entanto, tal expectativa foi frustrada, em parte
porque os alunos não apresentaram o engajamento esperado; no entanto, aspectos negativos
do cotidiano acadêmico contribuíram para que eles apresentassem atitudes questionadoras,
política que então vigorava. De acordo com Souza, uma das reivindicações implícitas no des-
contentamento dos alunos era justamente a adoção de regras mais claras para o funciona-
mento escolar, o que aproximava a esdi dos modelos burocratizados que ela se propunha, ini-
cialmente, a combater. Por outro lado a angústia estudantil estava ligada à atuação arbitrária
de muitos docentes e, mais importante, ao seu futuro incerto no mercado de trabalho, prob-
lemática que alcançou a centralidade dos debates a partir de 1968, em função da difícil colo-
dos egressos de uma escola vanguardista, portadores de um título ainda sem nenhum prestí-
gio, num país cujo projeto de modernização tinha mudado radicalmente os seus métodos em
função do golpe de 64. Acrescente-se ainda o fato de que, diferentemente da fau-usp (escola
que será discutida na sequência), na esdi seriam formados desenhistas industriais ou design-
-
tavam com o mesmo reconhecimento público da alcunha do arquiteto.
67
No que diz respeito à conduta questionável dos professores, Souza aponta para a resistên-
cia dos teoristas à adaptação de suas práticas pedagógicas ao ensino de design, problema que
tinha como outra face a resistência dos alunos a estudos de caráter teórico e abstrato que não
evidenciassem uma aplicabilidade imediata. Por trás deste impasse havia o difícil equaciona-
mento entre as ciências sociais, as ciências exatas e o design, questão que estava presente tam-
bém nos debates travados na Escola de Ulm (souza: 1996; lindinger: 1991). E ainda, conforme
-
cantes dessas duas modalidades:
menor e, em parte, isso era compreensível. Nenhuma ciência se desenvolve sem seus marcos teóri-
cos elaborados. Muitos cientistas sociais supõem que um trabalho aplicado será menos aceitável
(…) do que aquele desenvolvido na formalização teórica. (…) Um teórico termina adquirindo uma
Há, por outro lado, a tendência do designer a recusar a possível colaboração das ciências sociais em
Outra questão problemática apontada por Souza, e que persiste até os dias de hoje, está
… a convivência da esdi com economistas nunca escapou de equívocos gerados pelo fato destes
considerarem o design como algo semelhante à atividade de um inventor. Sempre houve de sua
parte, um particular interesse em demonstrar didaticamente aos designers, a inviabilidade de sua
que o designer devesse atuar como um inventor era ligada ao equívoco de se entender quaisquer
inovações, até formais, como invenções. (…) A compreensão dos economistas da natureza dessas
atividades terminou sendo mais elitista do que seu próprio exercício, pois segundo ela, só seriam
-
zoáveis encontradas foram aquelas que supunham ser o design um tipo de engenharia, temperado
com esteticismo. (souza: 1996, 178)
68
-
ticos/semióticos, e foi expressa por Décio Pignatari numa proposta de reestruturação escolar,
defendida por ele em 1965. De acordo com Souza, Décio foi um
Sua proposta nunca foi implantada devido ao excessivo vanguardismo para as discussões
do momento, e porque pressupunha uma democratização do consumo de massas que não ac-
onteceu à época. Décio foi um crítico fervoroso do antiintelectualismo e do utilitarismo vigen-
tes na escola, expressos pela valorização excessiva da atividade de projeto. De acordo com suas
propostas, a formação do designer deveria ter como pressupostos:
2. a compreensão de que a atividade deveria referir-se não somente ao desenho dos obje-
tos, mas à programação de um processo, que envolveria produção, distribuição, comunicação,
3. o aprofundamento nos estudos das teorias ligadas à matemática, à lógica, aos meios de
comunicação, à teorias da linguagem, à economia e à sociologia, sendo esta última entendida
por Décio em sua capacidade de explicar o comportamento e as expectativas do consumidor;
5. a recusa da primazia da estética dos objetos em favor das questões de sua quantidade e
7. a recusa das ideias nacionalistas e das tendências que valorizavam a cultura arcaica e
artesanal, e a defesa da obsolescência programada dos objetos, vista como uma característica
intrínseca da produção em massa, conforme ele mesmo assinala:
As ideias praticadas por Daisy Igel na esdi guardavam parentesco com os pressupostos
defendidos por Max Bill na Escola de Ulm. Quando da fundação daquela escola, em 1953, Bill
fazia a defesa da arte como uma instância civilizadora do homem, e do papel do designer e do
arquiteto como agentes civilizadores por excelência, aptos a combater o Disforme em nome
do Belo, do Bom e do Útil que, por sua vez, eram entendidos como qualidades interligadas. De
acordo com Souza, “Max Bill entendia o design através de uma ordem hierárquica, onde en-
genheiros e fabricantes deveriam ser agentes executivos do designer” (souza: 1996, 56). Essa
posição carismática, no entanto, passou a ser severamente combatida pelos professores mais
jovens de Ulm, que entendiam que o projeto deveria ser fundamentado pelo conhecimento
dologias projetivas com etapas claras e delimitadas, que impedissem que as decisões de projeto
Ulm e o seu redirecionamento pedagógico a partir de 1956, rumo ao ensino de um design dito
da estética do objeto como uma questão secundária, sendo essa uma posição formalista, que
conduziu a um academicismo estilístico, segundo visão de muitos críticos da escola carioca.
Muitos são os ataques desferidos contra a esdi, por parte de designers e outros críticos,
que imputam à escola a responsabilidade pela inconsistência atual da identidade do design
De acordo com pereira (2009), a Reforma de 62 resultou de um processo que vinha ocor-
rendo desde os anos 40, relativo ao descolamento da prática e da educação em arquitetura dos
71
domínios das Belas Artes, por um lado, e da Escola Politécnica, por outro. Trata-se do processo
de autonomização daquele campo em relação aos domínios das artes e da engenharia, com
[Para Artigas] não era apenas o habitat que precisava ser reinventado, mas todos os objetos deveri-
am ser redesenhados, seguindo as leis da produção industrial. Diante do esforço para o desenvolvi-
mento das forças produtivas em nosso país, o desenho industrial tornava-se, assim, uma necessi-
dade premente. (…) A tarefa do desenho industrial seria, assim, parte do projeto progressista da
burguesia que, cumprida sua fase heróica, delegaria a um corpo técnico o trabalho de revolucionar
Ao contrário do que ocorreu na esdi, o modelo de ensino então elaborado na fau resultou
de debates travados pelo próprio corpo docente, não resultando de imposições externas e nem
da adoção de experiências pedagógicas preexistentes. Em geral, os seus professores compreen-
diam que a arquitetura, o urbanismo, o desenho industrial e a comunicação visual eram mo-
dalidades concretas e particulares da modalidade geral da prática do projeto, noção concebida
como uma forma de pensamento que interligava todas as práticas particulares mencionadas,
pereira: 2009). Segundo
o arquiteto Lúcio Grinover, o ensino praticado na fau tinha como fundamento fornecer aos
alunos os aportes metodológicos adequados à prática do projeto, independente da natureza
objetiva dos bens projetados (cadeiras, colheres, edifícios ou mensagens visuais). O depoi-
mento de Grinover indica o início da disputa entre os desenhistas industriais (formados pela
esdi) e os arquitetos-designers (formados pela fau) que, mais tarde, entre os anos 60/70, mo-
abdi e a apdins. De acordo com
Pereira, a
72
visão [corrente na fau-usp -
salva de que entre todos, o arquiteto, por sua formação mais ampla, teria as melhores ferramentas
intelectuais e práticas para o exercício do desenho industrial. (pereira: 2009, 96)
No que se refere à fau, um dos pressupostos do ensino então oferecido era a recusa do
estatuto cultural do arquiteto-designer enquanto “inventor”, ou enquanto um “gênio cria-
tivo” a desempenhar sua livre expressão individual movido pela intuição. Por isso, a formação
Na prática, o ensino do desenho industrial na fau-usp foi implantado por meio da oferta
de quatro disciplinas – a chamada Sequência de Desenho Industrial – que eram obrigatórias
em todos os seus anos de formação. Seus programas incluíam a teoria e a prática do desenho
(técnico, de observação, perspectiva e demais modalidades pertinentes), o estudo dos métodos
produtivos, além das propriedades estéticas (textura, cor, proporções etc) e funcionais das for-
mas. Em cada uma das disciplinas, os alunos projetavam objetos e sistemas de uso concretos,
sendo a última etapa da Sequência dedicada a um projeto avaliado com o mesmo rigor que os
trabalhos de conclusão de curso, tanto pelos professores, quanto por representantes do meio
empresarial, com os quais a fau mantinha relações institucionais. Aqui cabe uma comparação
entre a fau-usp e a esdi: enquanto na escola paulista o encadeamento entre os diversos con-
teúdos e aportes teóricos se dava no interior de uma única disciplina, de maneira a fornecer
57. Trata-se de um método projetivo disseminado pelo designer Andries van Onck em mini-cursos ministrado na
fau-usp e na fiesp em 1965, e assimilados por vários professores daquela faculdade.
73
os subsídios aos projetos executados, na esdi, como já vimos, os conteúdos eram ministrados
os projetos que eram desenvolvidos ao mesmo tempo, o que dava origem às já discutidas ten-
sões entre teoristas e práticos. Assim, o estabelecimento dos conteúdos variava de acordo com
o funcionamento de cada um dos modelos curriculares, o que permitia uma maior integração
no caso da fau.
naquela escola: em linhas gerais, uma delas concebia o arquiteto-designer como um intelectual
da cultura, enquanto a outra o considerava como um técnico, cuja formação deveria atender
populacional.
que, ao longo de sua trajetória, conseguiu conciliar a adesão à arquitetura moderna com o
reconhecimento da importância estrutural da tradição artenanal brasileira. Faziam parte dessa
corrente os professores do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto e os
estudantes ligados ao Gfau (o Grêmio da fau). A atuação desses agentes foi dedicada a conec-
tar os estudantes ao passado de seu próprio território/cultura, e não somente a uma tradição
transmitida pelos livros de história. Na prática, eles se empenhavam em compreender a cultu-
vernaculares de interesse histórico. Além disso, conforme defende o professor Julio Katins-
ky, citado por pereira (2009), as disciplinas de História deveriam também associar a prática
do desenho industrial à problemática do trabalho humano, “mostrando como a evolução do
domínio tecnológico repropõe por meio da organização do trabalho as relações entre os ho-
. Katinsky acreditava que, “à medida que evolui o domínio tecnológico humano, na mes-
ma proporção ocorre um reequilíbrio das relações de trabalho, e de uma nova solidariedade
entre os homens” (katinski apud pereira: 2009, 177).
Além das disciplinas de História, outra expressão desse esforço intelectual foi a criação do
Centro de Estudos Folclóricos pelo Gfau, dedicado a investigar técnicas construtivas nativas.
No contexto da fau-usp a noção de “folclore” dizia respeito a uma identidade cultural brasileira
preexistente, que deveria ser descoberta, compreendida e valorizada como uma herança cul-
tural/tecnológica, e cujo reconhecimento não deveria ter um caráter ufanista ou demagógico.
74
Os uspianos ligados a essa tendência tratavam de defender a absorção da tradição (ou seja,
daquilo que chamavam “folclore”) como condição para o desenvolvimento do Brasil, tal como
entendiam ocorrer em países mais industrializados, na Europa, e tal como entendiam também
Lina Bardi e Aloísio Magalhães.
Um dos traços da ideologia defendida por esse grupo era a contestação dos pressupostos
formadores da esdi, no Rio de Janeiro, alinhados, por sua vez, à matriz pedagógica e conceitual
da Escola de Ulm. Para Julio Katinsky, por exemplo, a esdi era uma escola colonizada, que
teria adotado de maneira subserviente e a-histórica pressupostos de Ulm que ele considerava
tecnocráticos, na medida em que representavam a subsunção do trabalho criativo aos impera-
Tratava-se, para esse segundo grupo, de formar o arquiteto-designer para servir às ne-
urbana e às demandas por moradias populares que começavam então a ser alvo de políticas
públicas, com a criação do Banco Nacional de Habitação (bnh) e do Serviço Federal de Ar-
quitetura e Urbanismo (serfhau) em 1964. Segundo Pereira, esta segunda abordagem do de-
senho industrial dentro da fau continha dois fundamentos centrais da arquitetura moderna:
O primeiro deles, a utilização de um novo meio para a sua produção, isto é, a máquina, ou a indús-
por um novo cliente: as demandas das sociedades urbanas de massa. (pereira: 2009, 222)
própria da arquitetura. Para eles, o desenho industrial dizia respeito a um método marcado
pela racionalidade e pelas ideias de modulação e de sistema, que visava obter inúmeras pos-
sibilidades construtivas entre diversos módulos e elementos interconectáveis (os elementos
75
construtivos pré-fabricados). Tal método, por sua vez, não teria como foco a construção de
uma identidade nacional, e sim a industrialização dos componentes da arquitetura com vistas
ao atendimento da demanda concreta e objetiva por moradia das massas urbanas. Em sua tese,
Pereira discute projetos de vários arquitetos58 que colocaram em prática esta abordagem de in-
dustrialização da arquitetura, tanto em termos dos seus elementos leves, quanto dos elementos
pesados de sua estrutura, e que visava, entre outras coisas, que o trabalhador da construção
civil pudesse manipulá-los facilmente no desenrolar da obra. Assim, a almejada industriali-
As divergências entre essas duas posições trazem implícita a relação de subordinação en-
tre as duas competências em disputa (a arquitetura e o desenho industrial). É possível dizer
que, por um lado (para os membros do Departamento de História), o arquiteto era um “ar-
58. Dentre alguns projetos comentados por pereira (2010), estão o edifício da fiesp (Rino Levi), a Estação Fer-
roviária de Jaú (Villanova Artigas), o Ginásio de Utinga (Artigas e Carlos Cascaldi) e o Conjunto Habitacional
CeCap (Artigas, Fábio Penteado, Paulo Mendes da Rocha).
76
Por outro lado, os partidários da visão industrialista acusavam os partidários da visão cul-
turalista de anacronismo, justamente por se vincularem às ideias de artesanato e de artesania
enquanto fundamentos do projeto arquitetônico. Essa é uma crítica que se faz presente tanto
entre os professores do Departamento de Projetos da fau-usp, quanto entre vários professores
da esdi, a exemplo do depoimento de Alexandre Wollner, professor da escola carioca,
Esta diferença de pontos de vista reside no fato de que enquanto na esdi, com sua origem na
Hfg de Ulm, o projetista é absorvido pela indústria como um técnico, para o pessoal da História
da fau-usp, o projetista não abriria mão da manutenção de seu status de artista. Dois pontos de
O legado de cada uma das três instituições inaugurais discutidas até este ponto (iaC-masp,
esdi e fau-usp -
-
ridos desde a fundação do iaC-masp. Além dessas iniciativas, merece destaque ainda a herança
forjada por Lina Bo Bardi, especialmente quando de sua atuação como diretora do Museu de
Arte Moderna da Bahia, em Salvador. Trata-se da Escola de Artesanato, planejada pela ar-
quiteta, e destinada a funcionar no contexto do museu, empreendimento que, embora nunca
tenha sido implantado, forneceu os fundamentos para várias formulações posteriores sobre o
design/desenho industrial, a exemplo das tomadas de posição de Adélia Borges e Maria Helena
Estrada a partir de meados dos aos 90, já discutidas no capítulo 1.
De acordo com pereira (2008), a Escola de Artesanato era um dos principais empreendi-
mentos do projeto de modernização cultural e econômica defendido por Lina Bardi, e tinha
como pressuposto fundamental a incorporação dos saberes ditos arcaicos ao desenvolvimento
das forças produtivas do Nordeste (e não a sua extinção ou substituição); tais saberes eram
relativos às práticas artesanais locais, inventariadas pela arquiteta em suas pesquisas de cam-
po no Recôncavo Baiano. Lina compreendia que o desenvolvimento econômico e cultural no
Brasil deveria resultar da estreita colaboração entre os agentes sociais ligados à esfera erudita
e industrial (industriais, arquitetos, engenheiros, designers) e os agentes da cultura popular
(os artesãos), visando a construção paulatina de um modelo produtivo que integrasse as duas
lógicas59. A partir de suas pesquisas, ela passou a compreender o Nordeste como “uma unidade
manufatureira organizada” (rosseti: 2003, s/p), ao mesmo tempo em que acreditava que a
prática do desenho industrial somente poderia lograr um papel social regenerador no Brasil
77
(papel que fora preconizado 40 anos antes pela Bauhaus, na Alemanha), caso se associasse às
práticas artesanais típicas do país, para forjar uma indústria legitimamente constituída na e
pela realidade brasileira. Lina Bardi se referia, particularmente, à força criativa que encontrou
no Polígono das Secas, que movia os artesãos locais na busca de soluções viáveis para seus
problemas materiais cotidianos, nas e pelas condições de miséria em que viviam.
procura desesperada e raivosamente positiva de homens que não querem ser ‘demitidos’, que rec-
lamam seu direito à vida. [de] Uma luta de cada instante para não afundar no desespero, [de] uma
Lina considerava que a cultura erudita e a cultura popular tinham o mesmo estatuto cul-
tural, sendo o objeto moderno resultante do acúmulo de experiências e elaborações do homem
branco/ocidental, e o objeto arcaico fruto de processos análogos, ocorridos no contexto do
negro e do índio brasileiros. Trata-se de uma compreensão particular do ideário modernista,
segundo a qual a busca do universal – essencial para os arquitetos modernos – deveria ser
realizada por meio da pesquisa e da assimilação de processos e fenômenos locais e particu-
lares – no caso, a produção pré-artesanal61 realizada do Nordeste brasileiro –, o que implicava
59. De acordo com pereira (2008) e rubino (2009), tais abordagens já estavam presentes na prática e nas re-
perei-
ra: 2008, 242-252), o curso teria duração de um ano, ao longo do qual esses diferentes alunos
, visando a sua integração;
64
eles receberiam a mesma formação teórica e técnica, que contemplava conteúdos de Estéti-
ca, História Social da Arte, Desenho Técnico e Geometria Descritiva, além de palestras sobre
manifestações artísticas em geral (literatura, teatro, artes plásticas, dança, música). A seleção
escola visaria a eliminação gradual da diferença de estatuto entre o trabalho manual e alienado
dos artesãos e o trabalho excessivamente intelectual (e também alienado) dos projetistas (en-
genheiros, arquitetos etc). A intenção de Lina era integrar, dessa forma, a teoria e a prática,
criando as bases para a transformação verdadeira do artesanato na base técnica, cultural e
estética do produto industrializado brasileiro.
Ao contrário dos fundamentos do curso do iaC-masp, esse modelo educacional não estava
ligado a um contexto urbano-industrial; tampouco pressupunha o desenho industrial/design
enquanto signo socialmente distintivo, e nem o designer enquanto formulador desses signos. A
atividade idealizada por Lina Bardi dizia respeito, no contexto do Nordeste brasileiro, à eman-
cipação da região e da sua população menos favorecida, por meio do franco aprimoramento de
um modo de produção já existente, e que necessitava de sistematização para crescer. Rosseti
entende que, “para Lina, a brasilidade não seria mais um problema somente plástico, mas
uma questão técnica e socialmente inerentes às responsabilidades políticas do arquiteto. A
cultura popular para Lina Bo Bardi é também questão estratégica” (rosseti: 2003, s/p). Por
isso, embora este autor aponte similaridades entre a Escola de Artesanato e a Bauhaus, ele
61. Para Lina Bardi o “artesanato” propriamente dito não existia no Nordeste brasileiro, pois isso pressuporia
uma organização dos artesãos semelhante às corporações de ofício medievais; para ela, as práticas ditas artesan-
ais constituiam, na verdade, o que ela chamava de “pré-artesanato”, voltado exclusivamente à subsistência mais
elementar de seus praticantes.
62. As iniciativas de Lina Bo Bardi na Bahia estavam alinhadas com as políticas desenvolvimentistas de então,
cuja expressão mais importante foi a fundação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (sudene).
63. Notadamente o maestro Hans Joachim Koellreutter, o escultor Mário Cravo e o professor Martim Gonçalves,
da Escola de Teatro da Bahia.
estamparia e pintura.
79
enfatiza que a arquiteta recusava as heranças européias (precisamente da Bauhaus e da Escola
de Ulm), por considerá-las experimentais e excessivamente metafísicas, e por acreditar que
“uma escola de desenho industrial para o Brasil deveria se preocupar com os fatores primitivos
de uma cultura ligada à terra” (rosseti: 2003, s/p). Para Lina, era imperiosa a incorporação
do artesanato e dos artesãos ao processo de industrialização local, sob o risco de que esses se
tornassem forças conservadoras caso essa vinculação não ocorresse.
80
Capítulo 3
luta ConCorrenCial, diversifiCação instituCional
e o fortaleCimento do Campo do design no brasil
Em seus Escritos sobre o ensino de design no Brasil (2008) Rita Couto comenta que,
apenas cinco anos após a abertura da esdi, teve início um processo de empobrecimento da
formação do designer brasileiro, em decorrência da Reforma Universitária promovida pelo
governo militar por meio da Lei 5.540/68, que vinculou a educação superior estritamente ao
-
mos com conteúdos rigorosamente pré-estabelecidos, restando às mesmas “apenas a escolha
de componentes curriculares complementares, através da oferta de disciplinas optativas”
(Couto: 2008, 17). A autora atribui à referida Reforma a defasagem dos alunos egressos do
seriam voltados ao mercado de trabalho de uma forma mecânica e tecnicista, desprovidos dos
instrumentos conducentes ao exercício crítico.
De acordo niemeyer (1999), braga (2004; 2008) e pereira (2009), a organização política
-
abdi – Associação Brasileira de Desen-
Braga,
A divulgação do design [pela abdi] envolvia um trabalho de conscientização sobre o que é desenho
industrial. Por meio de palestras e publicações direcionadas principalmente aos clientes, poten-
ciais contratantes de designers, objetivava-se não só a abertura do mercado de trabalho de modo
mais amplo, mas também a possibilidade de novos projetos para os membros da ABDI. (BRAGA:
2007, s/p)
82
Ao longo dos seus quinze anos de funcionamento, a associação desenvolveu várias ações
nesse sentido, dentre as quais destacam-se:
(1) a publicação da revista Produto e Linguagem (em 1965, 1966 e 1977), de nove boletins
informativos (entre 1974 e 1977) e do livro Desenho Industrial: aspectos sociais, históricos,
culturais e econômicos (editado em 1964 em parceria com a fiesp);
-
ais e representantes do governo, nas dependências da fiesp, da faap e também das empresas
partícipes da abdi, tais como as moveleiras Oca e Mobília Contemporânea;
(3) a promoção de premiações, em parceria com empresas (prêmios Lúcio Meira, Roberto
Simonsen, Rubem Martins) e;
(4) a realização do Simpósio Design’76, no São Paulo Hilton Hotel, com o intuito de dis-
cutir as relações entre design e indústria.
Braga aponta também que a formação e procedência dos associados, apoiadores e consel-
heiros da abdi era multifacetada, reunindo professores da fau-usp e da esdi (Lucio Grinover,
João Carlos Cauduro, Abraão Sanovicz, Rodolfo Stroeter, Alexandre Wollner e Karl H. Berg-
miller), além de artistas e publicitários (como Décio Pignatari, Willys de Castro e Fernando
Lemos) e também empresários, como Sérgio Pena Kehl, Luís Seincman, C. J. Van Der Klugt
(Philips), Eudoro Villela (Itaú), Giorgio Padovano (Olivetti), Horácio Cherkassky (Klabin),
José Mindlin (Metal Leve), Justo P. Fonseca (Pignatari), Luiz D. Villares (Elevadores Villares),
Robert Blocker (Lar Brasileiro), Virgílio Lopes Silva (Instituto Roberto Simonsen).
De acordo com niemeyer (1999) e braga (2008), tanto a composição da ABDI, quanto
… os designers que fundam a apdins-rj não viam a abdi como a entidade apropriada para discutir e
implementar questões trabalhistas, devido ao seu quadro de associados ter empresas e industriais
apdins-rj objetivava,
-
-
os designers que foram sendo formados pela esdi mantinham reservas quanto à abdi (…) pois
entendiam que, na medida em que a única escola de design do país fosse no Rio de Janeiro, a as-
83
(niemeyer: 1999, 70)
Para Braga, a diferença essencial entre as duas associações pioneiras reside no viés cultu-
ral/empresarial da abdi e no caráter pré-sindical da apdins-rj, cujos esforços se voltaram
essencialmente para as discussões sobre o ensino e o reconhecimento social e político do de-
signer no Brasil. No entanto, conforme sublinha Niemeyer, apesar de suas diferenças, as duas
associações realizaram conjuntamente o 1o endi – Encontro Nacional de Desenho Industrial
(Rio de Janeiro, 1979), cujo principal encaminhamento referiu-se à educação superior, tendo
como fruto as diretrizes para um novo currículo, apresentado no 2o endi (Recife, 1981).
vem sendo formadas e dissolvidas no país. Dentre essas, talvez a mais atuante seja a Asso-
-
”68
defendida inicialmente pela abdi e pela apdins-rj, e que permanece sendo alvo de esforços de
para os desenhistas industriais, cuja autoria é atribuída à abdi por braga (2005), foi apresen-
tado ao legislativo brasileiro em 1980 pelo deputado federal Athiê Coury (PDS), e arquivado
em 1983. Desde então, vários projetos de lei já tramitaram, sendo alguns deles se referentes à
69
;o
último desses projetos (PL 1391/2011) foi apresentado em 18 de maio de 2011 pelo deputado
84
de responsabilidade técnica os projetistas de objetos e sistemas produzidos em série e utili-
zados pelo grande público, na medida em que projetos mal formulados podem efetivamente
plena do designer brasileiro constitui um prejuízo para a própria sociedade, na medida em que
os governos não podem contratar designers por concorrência pública, seja para projetos de identi-
dade visual, sinalização pública de qualquer tipo, para o desenvolvimento de projetos de mobiliário
escolar ou hospitalar ou mesmo para projetos de mobiliário urbano ou equipamentos públicos
como trens de metrô.71
Um aspecto desta problemática que merece destaque é o fato de que a última versão do
projeto de lei (o PL 1391/2011) é praticamente idêntica ao primeiro projeto (PL 2946/1980),
apresentado 31 anos antes, a despeito de todas as reviravoltas institucionais e do esforço de
teorização empreendido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que concederam ao con-
ceito e à prática de design uma complexidade muito maior do que expressam os PLs.
estético, visando a elaboração de projetos de sistemas e/ou produtos e mensagens visuais, que
com tais projetos, os sistemas, produtos e mensagens visuais dos quais se ocupa o designer,
por sua vez, seriam aqueles passíveis de seriação ou industrialização.
contraventores: o artigo 3o
seja exclusivo dos portadores de diplomas de graduação plena ou tecnológica no país – ou no
exterior, desde que os diplomas estrangeiros sejam revalidados no Brasil –, ou daqueles que
-
licação” (PL. 1391/2011, artigo 3o) da lei; os artigos 5o e 6o, reservam as denominações “design”
o
(posse do
diploma universitário); o artigo 7o
vez, ao Decreto-lei 3.688/1941, que prevê penas de multa ou prisão simples pelo prazo máximo
de 3 meses72 (embora o mesmo decreto indique condições que permitam a não aplicação da
pena, conforme dipõe o artigo 8o do referido decreto-lei)
o
, 5o, 6o, e 7o – cujas postu-
lações restritivas e/ou punitivas são objetivas e claras – e os artigos 2o e 4o
o designer e quais são suas atribuições, mas de uma tal maneira abrangente e abstrata, que não
o designer como “todo aquele que desempenha atividade especializada de caráter técnico-
85
-
sagens visuais”, trecho no qual são completamente imprecisas as noções de “atividade espe-
“mensagens visuais”.
Por sua vez, as qualidades desses sistemas, produtos e mensagens, tais como determina-
das pelo artigo 2o do PL 1931/2011, são também imprecisas; segundo o texto elas devem ser
“passíveis de seriação ou industrialização”, o que não indica nem obrigatoriedade e nem torna
gama de objetos e sistemas complexos que são oriundos de atividades de projeto sem que estes
sejam necessariamente produzidos em série.
designer “estabeleçam uma relação com o ser humano, tanto no aspecto de uso, quanto no
aspecto de percepção, de modo a atender necessidades materiais e de informação visual”; não
“ser humano” e “necessidades materiais”, sendo tais expressões ao mesmo tempo vazias e ex-
tremamente abrangentes para caracterizar objetivamente o trabalho do designer, uma vez que
elas se aplicam a inúmeras situações da prática, inclusive aquelas que seriam consideradas
ilegais nos termos do mesmo projeto de lei.
deveria se voltar à reivindicação dos direitos autorais do designer, pois ele considera que “é
a prática do designer “ -
cação, comercialização até o descarte e reciclagem de produtos industriais” (peixe: 1998, 18).
O ponto central colocado por esse autor em seu artigo diz respeito ao fato de que as marcas
globalizadas são, em grande parte, sustentadas por projetos de design, sem que os design-
86
ers tenham participação nos lucros que ajudaram a angariar, sendo este problema ligado, em
última instância, à questão do trabalho e do patrimônio imaterial gerado pela atuação desse
Além das mudanças no padrão de demanda e oferta de serviços e bens de consumo, dest-
aca-se o fato de que o desenvolvimento do design de mobiliário no Brasil foi alicerçado, em
grande parte, pela construção de Brasília, já que “várias empresas de móveis modernos para
escritório, que já vinham mobiliando ministérios e palácios de governo, foram chamadas
para equipar as agências governamentais” (leon e montore: 2008, 72), sendo estabelecidas
à época as empresas de Joaquim Tenreiro (1943), Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti (Estudio
Palma, em 1948), Zanine Caldas (Móveis Z, em 1948), Michel Arnoult e Westwater e Abel Bar-
ros Lima (Mobília Contemporânea, em 1956) Jorge Salszupin (L’Atelier, em 1959), Ernesto
Hauner (Mobilinea, em 1960), além das empresas Forma (1954), Unilabor (1954) e Oca (1955).
televisão, desenvolvimentos que geraram, ao longo de várias décadas, e até os dias de hoje,
87
e uma grande demanda por cartazes para o cinema, capas de discos e livros. Os expoentes
dessas atividades têm recebido cada vez mais atenção dos pequisadores da história do design
brasileiro.
desse últimos nos anos da ditadura: “neste período [anos 70] as identidades visuais de pelo
menos sete bancos foram criadas por Aloísio Magalhães e Alexandre Wollner” (leon e mon-
tore: 2008, 72).
Ainda durante os anos 70, outra frente de atuação dos designers esteve ligada ao cresci-
mento das cidades e das demandas correlatas nos transportes e na infra-estrutura pública em
geral. São exemplos disso a fundação dos metrôs de São Paulo e Rio de Janeiro, que exigiram a
implantação de sistemas de comunicação visual para orientar o público e o desenho de cabines
para o condutor e os passageiros; os telefones públicos dessa mesma cidade; a remodelação
da Avenida Paulista e a também a ampla intervenção urbana promovida por Jaime Lerner em
Curitiba.
É notável ainda o incentivo do Ministério da Indústria e Comércio que lançou, nos anos
70, um programa de fomento ao design brasileiro, levado a cabo pelo Instituto de Desenho In-
dustrial do Mam-Rio, com a realização das Bienais de Desenho Industrial de 1968, 1979 e 1972.
Também a Petrobrás (por meio da Interbras) organizou, em 1975, um grupo de empresas para
produzir vários bens de consumo duráveis (automóveis, televisores, geladeiras etc) a serem ex-
o design se vinculava a projetos
de alta tecnologia”, sendo encarado como aspecto estratégico pelo Estado, a exemplo de pro-
jetos realizados para a Embraer (aviões Bandeirante e Ipanema) e também de projetos ligados
ao setor agrícola, realizados no Instituto Nacional de Tecnologia (leon e montore: 2008, 79).
-
las quais o Brasil passou entre os anos 30 e 70 forjaram, paulatinamente, um mercado de tra-
balho considerável para os desenhistas industriais, desencadeando o processo que deu origem
abdi e a apdins. Essa trajetória do desenvolvimento brasileiro fez com que a noção de desenho
industrial se consolidasse, inicialmente, ligada ao ideário desenvolvimentista, se estruturando
simbólica e objetivamente em torno da indústria e da produção de bens de consumo duráveis,
88
padronizados e fabricados em grande escala, destinados ao consumo de grandes contingentes
de consumidores, sendo o aspecto central da elaboração de tais bens a sua adequação à função
e o seu valor de uso. Conforme compreendem Leon e Montore, esta caracterização conferiu
ao desenho industrial um papel junto ao Estado como um dos viabilizadores de um projeto
público de desenvolvimento nacional: “ao longo dos anos setenta, o design parecia encontrar
seu caminho em direção a incorporar-se às iniciativas estratégicas do país, à modernização
e às políticas multinacionais de desenvolvimento” (leon e montore: 2008, 77).
discutindo, em especial, alguns indicadores da deterioração dos salários das ocupações urba-
nas. Dentre esses indicadores, Baltar salienta tanto a heterogeneidade das ocupações quanto a
enorme variação de suas remunerações, vigentes ao longo de todo o período analisado; salien-
ta também a alta rotatividade no emprego, especialmente no caso de indivíduos detentores de
os sindicatos e o Estado brasileiro, que favoreceu “o livre arbítrio dos empregadores na con-
tratação, uso, remuneração e dispensa dos empregados”, num “regime de uso predatório da
remunerada” que, por sua vez, “contrasta com o nível tecnológico e organizacional atingido
pelo aparelho de produção de bens e de prestação de serviços” (baltar: 1996, 84). O autor
-
ição de carreiras consistentes foram acentuadas a partir do golpe militar de 1964, gerando uma
conjuntura de “violenta repressão às atividades sindicais e partidárias, num retrocesso que
durou 20 anos, tendo ocorrido exatamente num momento crucial de consolidação do desen-
volvimento da economia nacional” (baltar: 1996, 85).
89
No que diz respeito à estagnação da economia brasileira ocorrida nos anos 80, bem como
aos seus efeitos sobre os salários, Baltar destaca alguns pontos: (1) o aumento dos “empregos
formais que exigem uma instrução especial e são ocupados por adultos em plena maturidade
” (baltar: 1996, 90); (2) o aumento da proporção de trabalhadores com renda
inferior ao salário mínimo, chegando a 57% da população economicamente ativa; (3) o au-
mento da participação das mulheres na atividade econômica; (4) a diminuição da quantidade
de trabalhadores no setor agrícola; (5) a diminuição da renda média dos 50% mais pobres em
quase 20%, no período de 1981 a 1989; (6) a elevação da renda média dos 5% mais ricos em
29%, e ainda a dos 15% seguintes em 13%, no mesmo período; (7) a geração de empregos em
proporção inferior ao crescimento da população em idade para o trabalho; (8) o aumento im-
pressionante da ocupação não-agrícola num período de 10 anos, passando de 30,3 milhões de
pessoas, em 1979, para 45,7 milhões, em 1989, “principalmente, no comércio e numa variada
gama de prestação de serviços como administração pública, educação, saúde, alimentação e
alojamento, reparação e manutenção, limpeza e vigilância e todo um conjunto de serviços de
apoio à atividade econômica” (baltar: 1996, 91).
Foi, portanto, só em 1990, com a abrupta abertura às importações, que as empresas aqui instaladas
(nacionais ou estrangeiras) se viram obrigadas a pensar em redução de custos, aumento de produ-
90
tividade e introdução de novas tecnologias. Sua reação assumiu a seguinte feição: aceleraram a
terceirização de atividades, abandonaram linhas de produtos, fecharam plantas, racionalizaram a
produção, importaram máquinas e equipamentos, buscaram parcerias, fusões ou transferência de
controle acionário, e reduziram custos, sobretudo os de mão-de-obra. (piquet: 2004, 146)
No caso brasileiro, muito das grandes empresas verticalmente integradas, diante do novo quadro
concorrencial que se implanta no país, abandonam as a t ividades complementares ao processo
produtivo (tais como transporte , segurança, limpeza e até mesmo atividades consideradas “no-
bres”, como planejamento e desenhos) para comprá-las no mercado a menor preço. Assim, muitas
atividades passam a ser exercidas por pequenos empresários, trabalhadores autônomos, coopera-
tivas de produção etc., o que transforma um certo número de postos de trabalho de empregos
formais em ocupações, que deixam de oferecer as garantias e os direitos habituais. A expressão pre-
carização do trabalho descreve adequadamente essa situação. O declínio do emprego formal (…)
indica que segmentos de mão-de-obra antes pertencentes aos quadros permanentes das empresas
passam para um reservatório mal-pago e mal-organizado de trabalhadores, com as correspond-
piquet: 2004, 151)
Novais e Mello discutem o mesmo processo por outro viés, apontando o crescimento e a
divisão da classe dominante brasileira em vários estratos, tais como a classe política, os altos
funcionários do poder judiciário, da segurança pública, das universidades, das Forças Armadas
-
tressado e à alma talvez atormentada dos endinheirados e de suas famílias: psicanalistas, psicól-
ogos, astrólogos, fonoaudiólogos, acupuntores, pilotos de jatinhos e helicópteros, cardiologistas,
prostitutas de luxo, mesmo que disfarçadas de modelo ou miss, cirurgiões plásticos, promotoras de
festas, psiquiatras, banqueteiras, videntes, parapsicólogos, proprietários de prósperas academias
de ginástica, de dança ou de balé ou de natação ou de tênis, donos de colégios particulares para
a elite, ou de universidades empresariais, ou de cursos de línguas, especialmente a inglesa, gas-
-
vórcios ou em tributação, secretárias obsequiosas, massagistas, decoradores, endocrinologistas,
alfaiates elegantes, donos de spas, psicopedagogas, dermatologistas e tutti quanti. (novais e mello:
1998, 629)
Este é o quadro no qual se encaixam muitas das práticas do design que se tornaram fre-
quentes a partir da década de 80, por meio da disseminação de projetos voltados à produção
consumo, e que buscavam demarcar sua identidade de classe por essa via, lançando mão do de-
sign como um mecanismo de distinção social. Este movimento foi caracterizado pela crescente
91
valorização de formas artesanais de produção, pelo crescimento da ideia de “design autoral”
e pelas críticas ao racionalismo modernista e à estética funcionalista, a exemplo do artigo O
mundo que nos rodeia e atinge, publicado em 1987, na Revista Casa Vogue.
No referido artigo, a jornalista Maria Helena Estrada discute as contradições entre o as-
sim chamado design universal e as particularidades culturais de cada povo ou localidade. Para
a autora, estariam coexistindo, e sendo muitas vezes confundidos, dois diferentes conjuntos
de problemas, merecedores de distintas abordagens de projeto: uma global, de grandes esca-
las e largas séries, e outra individual, ligada ao campo das roupas e do mobiliário. Em meio à
discussão, Maria Helena Estrada ataca a validade das fórmulas universalizantes para situações
locais e/ou individuais, tecendo severas críticas à Escola Superior da Forma de Ulm:
Uma consequência desastrosa desse pensar [padronizador] já aconteceu no Brasil, onde uma rígi-
da estrutura de pensamento, uma metodologia rigorosa e abstrata foi ‘importada’ e proclamada
como única verdade universal e possível, capaz de trazer o Brasil à modernidade. Os pressupostos
da Escola de Ulm tiveram o efeito de uma camisa-de-força e, no dizer de Andrea Branzi, o design
brasileiro perdeu a sua riqueza expressiva, bloqueada na busca de uma improvável e inútil ordem.
(revista Casa vogue: maio-junho/1987, p. 46)
No que diz respeito ao design autoral, Leon e Montore relatam que “objetos que eram
sobretudo domésticos, em pequena escala, começaram a ser vendidos em galerias de arte e
design a preços altos, e destinados às classes mais privilegiadas” (leon e montore: 2008, 81).
São expoentes deste período os irmãos Campana, Etel Carmona, o estúdio de Fábio Falange e
-
dos, ditos “conceituais” ou ligados ao “design-arte”.
O caso dos designers Fernando e Humberto Campana – consagrados pelo Museu de Arte
Moderna de Nova Iorque e também por diversas outras instituições e publicações nacionais e
Campana, como são conhecidos, iniciaram suas atividades de maneira despretensiosa, fabri-
-
Em 1990, o jornalista italiano Marco Romanelli veio ao Brasil e viu as cadeiras Des-Confortáveis,
que nessa altura já estavam quase mofando… Ele gostou e publicou duas páginas na revista Domus
(…) Em 1994, publicou outra matéria (…), em que dizia que nosso trabalho tinha raiz brasileira e
falava uma linguagem internacional.
Em 1995, participamos da primeira exposição Brasil Faz Design (…) realizada no consulado bra-
sileiro durante o Salão do Móvel de Milão. Quando estávamos lá surgiu um convite para participar-
mos da mesa redonda Quite: This is Design, uma conversa entre jovens designers de vários países,
promovida pela Associazione per il Disegno Industriale (ADI), no Palazzo Reale, em Milão. (…)
Em 1996, a segunda Brasil Faz Design (…) incluiu uma exposição individual nossa. Nessa ocasião,
o norte-americano Mel Byars, historiador de design, nos conheceu e decidiu publicar três cadeiras
de nossa autoria no livro 50 Chairs – Innovations in Design and Materials… (Campana: 2009, 38)
93
A partir dessa consagração inicial, os irmãos foram introduzidos no circuito empresarial
italiano, vendendo seus produtos por intermédio de fabricantes como a Oluce (luminárias) e a
de design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – a convidá-los para expor no MoMA,
fato consumado no ano de 1998.
Esta tensão conceitual, inaugurada nos anos 80, deu então origem a uma série de reações
no campo do design, que aconteceram especialmente por meio da organi-zação de debates e
do design. Também no âmbito dos debates acadêmicos essa prática passou a ser discutida
de acordo com novos critérios, passando a ser considerada largamente em termos culturais e
ecológicos, conforme veremos a seguir.
rial. São elas: (1) o workshop intitulado O ensino do desenho industrial nos anos 90 (Flori-
anópolis, 1988); (2) o 5o endi – Encontro Nacional de Desenhistas Industriais (Curitiba, 1988);
(3) a 1a Bienal Brasileira de Design (Curitiba, 1990); (4) o 1o Ndesign – Encontro Nacional de
94
Estudantes de Design (Curitiba, 1991); (5) a fundação da ADG – Associação dos Designers
Segundo artigo do professor Joaquim Redig – egresso da terceira turma da esdi e então
professor da puC-Rio –, a importância daquele workshop está ligada à formação da primeira
associação de ensino da área, condição essencial para que se começasse a
país nos últimos anos, cada vez mais burocratizada, vazia (de idéias), desconceituada, inchada (de
gente), equivocada e inerte… (redig: 1988, 108)
” (redig:
1988, 108). Para ele, a mudança de nome resolveria “uma longa história de equívocos e in-
compreensões que a falta de um nome claro e preciso sempre nos ocasionou” (redig: 1988,
109).
1. “
habilitações desenho de produto e projeto de produto para design industrial e programação
” (abed: 1988, 178) e;
2.2. a recomendação, a ser feita aos cursos superiores de todo o país, para que ofereces-
sem ao alunado um “maior embasamento teórico e histórico sobre o Design, estimulando a 95
-
stituir os princípios e futuros fundamentos do Design (…) [Segundo a Carta de Canasvieiras]
Cada curso deve partir de uma sólida base conceitual sobre o que é design” (abed: 1988, 179);
Além disso, o 5o endi abrigou grupos de trabalho, reunidos em torno dos problemas da
relações com a comunidade e o planejamento do encontro seguinte (que nunca foi realizado).
Segundo leon (1988), o espírito do evento expressava a maturidade institucional dos design-
-
egoria opinar nas políticas industrial e educacional do país de forma coletiva.
Um dos aspectos notáveis do 5o endi é que, dentre os 357 participantes, 60% eram es-
tudantes, os quais foram proibidos de votar as deliberações, criando um espírito de animosi-
dade que conduziu à organização da classe estudantil, que passou então a se empenhar nos
preparativos de seu próprio encontro, cuja primeira edição aconteceu três anos depois (em
1991), também em Curitiba.
A realização do primeiro encontro estudantil – denominado Ndesign – não pode ser com-
preendida fora da conjuntura política e cultural pela qual passava então a cidade de Curitiba,
que também está ligada à realização da 1a Bienal Brasileira de Design, sediada naquela mesma
cidade, em 1990. Tal conjuntura refere-se particularmente do processo de modernização ur-
bana de Curitiba, que teve início nos anos 60, e que resultou, três décadas mais tarde, na dis-
seminação da imagem daquela cidade como um dos melhores lugares do mundo para se viver.
A realização desses eventos do campo do design naquela cidade está alinhada às ideologias
da qualidade de vida e da ecologia, que estavam então sendo associadas à prática do design,
conforme a discussão a seguir.
96
anos 90 - Curitiba: Cidade modelo, Capital
eCológiCa, Capital do design
No livro Curitiba e o mito da cidade modelo (2000), Dennison de Oliveira relata o pro-
cesso por meio do qual aquela cidade construiu a reputação – reconhecida em âmbito nacional
e internacional – de modelo de urbanismo, cidade de primeiro mundo e cidade européia, fa-
zendo uso, entre outras estratégias, da noção de design, renovada desde os anos 90. De acordo
com o autor, o processo teve sua origem no plano preliminar criado, nos anos 60, pela Serete
Engenharia S.A. e pelo escritório do arquiteto Jorge Wilhem – ambos sediados em São Paulo
–, vencedores de uma concorrência promovida pela prefeitura de Curitiba. O plano previa o
controle do crescimento da cidade por meio da descentralização dos locais de moradia, pos-
sibilitado por uma nova organização viária, que seria adequada a um sistema de transporte
o desestímulo ao uso dos veículos individuais, sendo também prevista a criação de um setor
histórico e administrativo no centro da cidade, que abrigasse os edifícios de grande relevância
arquitetônica (a serem tombados pelo patrimônio), e prédios administrativos dos governos
estadual e municipal.
Oliveira relata que a implantação desse plano obteve um sucesso singular, se comparado
com as demais metrópoles brasileiras, em parte pela competência dos técnicos envolvidos no
-
ministrações municipais, em particular aquelas conduzidas pelo arquiteto Jaime Lerner, que
foi prefeito biônico pela arena entre 1971 e 1974 e entre 1979 e 1983, sendo posteriormente
-
Roberto Requião, que foi o primeiro prefeito eleito em Curitiba após o regime militar (1985), e
” (oliveira:
2000, 58).
Oliveira relata que as eleições seguintes à gestão de Requião aconteceram “numa con-
juntura ideológica diametralmente oposta” reacendendo o interesse da população por um
estilo de administração municipal baseada na “mística da tecnocracia como instrumento de
”. No que diz respeito
ao plano urbano de Curitiba, o autor sublinha que, no terceiro mandato de Lerner (1988-1992)
o esgotamento do mesmo conduziu a prefeitura a uma reorientação conceitual e discursiva, ba-
seada na crítica ao cânone modernista que havia inspirado o seu próprio desenho, e na adoção
de uma estratégia de espetacularização da cidade, para a qual a noção de design foi essencial,
sendo associada a obras públicas consagradas pela grande mídia da época, tais como a Ópera
97
de Arame, o Jardim Botânico, a Rua 24 horas e os ônibus Ligeirinhos, o que rendeu bons lucros
políticos a Lerner:
A cidade reatualizou seu mito de vanguarda urbanística, reforçou sua vocação turística e (…) confe-
Uma das dimensões deste processo diz respeito à aproximação das noções de “design” e
“ecologia”, por meio da construção da fama daquela cidade como uma “capital ecológica”, prob-
lemática discutida por Márcio Oliveira no artigo A trajetória do discurso ambiental em Cu-
ritiba (2001). Em seu artigo, Oliveira relata que a reputação de Curitiba como capital ecológica
foi forjada a partir dos anos 90, quando a prefeitura passou a se referir a iniciativas de gestões
anteriores, e que envolviam o meio ambiente de maneira indelével, como se fossem o embrião
de um “projeto ecológico” inerente à cidade e àquelas gestões, e que estaria então em franco
desabrochar. São exemplos dessa abordagem discursiva as menções aos parques Iguaçú, Bar-
igui e São Lourenço, que tinham sido fundados, nos anos 70, para combater as enchentes que
então acometiam a cidade, mas que, a partir dos anos 90, foram reapresentados à população
Imagens da cidade de
Curitiba, nas quais
98
como iniciativas de caráter ecológico, fornecendo um fundamento anacrônico à ideologia da
qualidade de vida ímpar oferecida por Curitiba aos seus moradores. No discurso disseminado
pela prefeitura, todos os aspectos da cidade eram ecológicos, dos ônibus aos parques, passando
pela menta-lidade que conduzia a administração pública.
Um dos aspectos dessa construção discursiva diz respeito à coleta seletiva do lixo, que teve
início com os programas Lixo que não é lixo e Câmbio Verde, sendo este último lançado para
viabilizar a coleta de lixo pelos próprios moradores, em particular nas “áreas de favela, ribeir-
inhas, invadidas, de risco ou de difícil acesso, habitadas via de regra, por comunidades com
renda familiar de até 2 salários mínimos” (oliveira: 2001, 103). De acordo com as regras do
programa, os detritos coletados eram trocados por alimentos hortícolas, resultantes de uma
que fez a população, amedrontada, consumir menos hortaliças. De acordo com Oliveira, em-
bora os problemas atendidos pelo programa Câmbio Verde, em sua origem, fossem de caráter
sanitário, anos mais tarde a coleta seletiva passou a ser apresentada pela prefeitura como des-
tinada a “estabelecer bases para a sustentabilidade da vida no planeta” (2001, 103).
noção de design, e está ligado objetivamente à realização de dois eventos desse campo – ambos
em suas edições inaugurais e ambos sediados naquela cidade. Trata-se da 1a Bienal Brasileira
de Design (realizada em 1990) e do 1o Ndesign – Encontro Nacional dos Estudantes de De-
99
Brasileira de Design 2010, a qual contou a mostra Design urbano: uma trajetória, dedicada à
atuação de Lerner enquanto arquiteto, designer e político.
A 1a Bienal Brasileira de Design foi realizada sob a tutela de duas Secretarias de Estado
– Cultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Econômico –, sendo Álvaro Dias (PST) o
governador à época. O seu patrono político, porém, foi o prefeito Jaime Lerner (PDT) – então
em sua terceira gestão –, que tratou de difundir a associação entre as noções de “cidade” e
“design”, negando o cânone moderno-funcionalista em favor de uma visão supostamente mais
Cidade e design são indissociáveis. Voltados ao novo, ao lúdico das muitas convivências, porque
nem as cidades existem estritamente para o racional, nem o design foi inventado exclusivamente
para a exatidão das funções a que serve. Ambos – cidade e design – costumam extrapolar suas
frias funções, para ganhar sua dimensão real, que é a dimensão do lúdico, do poético e do ousado.
Curitiba e design voltam-se um para o outro, na busca de novas soluções para os velhos sonhos.
(bienal brasileira de design: 1990, xiii)
e cultural do design:
seja visto por parcela da sociedade apenas na relação estética e formal do produto. O design é mais
que isto, é fator de desenvolvimento, extrapolando na razão direta em que também atua no uni-
verso cultural. (bienal brasileira de design: 1990, xiii)
Aquela edição da Bienal contou com duas categorias de premiação – uma para produtos
industrializados e outra para projetos de estudantes – que incluiam as subcategorias projetos
editorias, identidades corporativas, equipamentos agrícolas, hospitalares, cutelaria, eletrodo-
-
tre outros, totalizando 33 categorias. Contou também com uma sala destinada a homenagear
Aloísio Magalhães, considerado um dos pioneiros do campo, devido à sua atuação como de-
signer nos anos 60 e 70. Durante a premiação, a Bienal promoveu ainda diversas palestras e
seminários com personalidades ligadas a escolas estrangeiras, tais como John Wood (Royal
College, Londres), Luiz Alfredo Rodrigues Morales (Universidad Autonoma Metropolitana,
México) e Alexandro Rodrigues Musso (Universidad Catolica Valparaiso, Chile).
Além de aspirar a periodicidade daquele evento, Ivens Fontoura, seu principal idealiza-
dor, propôs a criação de um museu especializado (o Memorial Brasileiro do Design), destinado
então a ser o primeiro do gênero da América Latina e a abordar o design enquanto “cultura
material” e “fonte de conhecimento”. De acordo com Fontoura, a
cultura material é o legado da sociedade para se conhecer e evoluir no âmbito das letras e das
100
consulta e pesquisa, cumprindo, portanto, uma de suas tarefas mais importantes ao propiciar, ao
Repentina74, atividade que passou a ser realizada em todas as edições posteriores do encontro
e a irreverência das vivências estudantis. O tema da Repentina de 1991 fornece dados sobre a
ligação do encontro estudantil com a Curitiba-ecológica, a começar pela participação do próp-
rio prefeito Lerner, que deu início aos trabalhos; durante a atividade, os estudantes foram
instados a projetar brinquedos com detritos recicláveis (o chamado “lixo que não é lixo”), que
seriam mais tarde reproduzidos na Fábrica de Brinquedos de Lixo que não é Lixo, entidade
mantida pela prefeitura na qual crianças carentes aprendiam a confeccionar brinquedos com
detritos, em atividades ditas de educação ambiental. Tanto a equipe da prefeitura quanto os
organizadores do NDesign acreditavam que aquela era uma iniciativa com viés social, voltada
a “sensibilizar a sociedade para o Design enquanto solução para problemas de cunho social
e ecológico” (revista ndesign: 1991, 24).
A periodicidade anual desse evento – infálivel até o ano de 2012 – é considerada por mui-
tos um grande exemplo de articulação e boa vontade dos membros recém-chegados ao campo,
impressão reforçada pela realização de eventos de caráter regional, que passaram a ocorrer na
medida em que o ensino superior da área se expandiu. Além dos encontros, o segmento estu-
dantil do campo mantém também uma ampla rede de comunicação e um complexo sistema de
representação, por meio do Conselho Nacional de Estudantes (CoNE), instituído em 1996, en-
carregado de conduzir a atuação de centros acadêmicos e comissões organizadoras dos even-
Ao longo dos mais de vinte anos em que vem sendo realizado, o encontro estudantil vem
apresentando dimensões cada vez maiores: o evento de 2010, por exemplo, reuniu em Curitiba
cerca de 5.000 estudantes, contra os 700 inscritos no encontro de 1991, realizado na mesma
cidade. A quantidade cada vez maior de participantes, por sua vez, não deriva exatamente de
um interesse crescente do alunado na universidade, em política estudantil ou na discussão so-
Esses dados não podem ser entendidos sem algumas considerações: em primeiro lugar,
102 desde a publicação das Diretrizes Curriculares para os cursos de Design pelo Ministério da
Educação, no início dos anos 2000, os cursos que estavam até então em funcionamento, sob
a denominação Desenho Industrial, vêm sofrendo adaptações curriculares e adotando a de-
nominação Design. Isso sugere que os cursos de Desenho Industrial cadastrados no Sistema
e-Mec correspondem, provavelmente, a currículos em processo de extinção que coexistem
com currículos novos, cadastrados sob a denominação Design; por isso, os cursos de Desenho
Industrial não foram contabilizados aqui como cursos ativos. Em segundo lugar, o relatório
gerado pelo Sistema e-Mec apresenta, em muitos casos, dois ou mais cursos ligados a uma
mesma instituição, o que sugere que existem dois ou mais currículos em vigência numa mesma
instituição, sem que eles correspondam efetivamente a cursos distintos; por isso apenas um
os seguintes dados:
2. 162 bacharelados em Design ofertados por instituições privadas, distribuídos entre: 95 bacha-
Autores como minto (2006) e amaral (2003) discutem a expansão do ensino superior no
Brasil no contexto da reforma do Estado brasileiro, iniciada no governo de Fernando Henrique
Eles apontam que, de acordo com a crítica privatizante, instalada em nível global nos anos 90,
a educação pública seria cara e de má qualidade, devido à suposta incapacidade do Estado gar-
instalado entendia que a função das universidades deveria ser a contrução da empregabilidade
dos indivíduos, ou seja, da sua competência e adequação ao mercado de trabalho e à auto-ed-
ucação posterior. Minto e Amaral discutem as medidas políticas que deram sustentação a essa
guinada, bem como apresentam índices que expressam a diminuição do investimento público
mercado não mais contemplava a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tripé
característico das instituições públicas de ensino superior.
O impacto qualitativo dessas medidas sobre o ensino superior de design só pode ser cor-
-
103
dições objetivas de oferta dos cursos em vigência no Brasil desde os anos 90, o que exige um
-
poníveis, especialmente no que se refere às mudanças implantadas nos anos 2000, a partir da
vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e das Diretrizes Curriculares
2. Couto aponta que, conforme já discutido no início deste capítulo, os termos daquele Currículo
Mínimo eram tão imprecisos e abrangentes, que permitiram a implantação de cursos superiores
com feições extremamente distorcidas em relação ao projeto original da esdi, e que eram muito
heterogêneos e pouco consistentes. Este fato teria conduzido o Conselho Federal de Educação a
instalar, em 1978, uma comissão de especialistas dedicada à elaboração de uma nova versão do
Currículo Mínimo, que foi, por sua vez, sancionada em 1987. Esta nova versão do currículo deter-
3. Como resultado, a autora relata que, dez anos mais tarde, por ocasião do 1o Fórum de Dirigentes
de Cursos de Desenho Industrial realizado em 1997, constatou-se que os quase 40 cursos então em
funcionamento no país não contemplavam somente as duas habilitações previstas no Currículo
Mínimo de 1987; essa constatação teria desencadeado, por sua vez, uma nova reforma educacional,
que ocorreu já na vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996,
em nome da qual foram instituídas Comissões de Especialistas dedicadas a reestruturar todas as
carreiras do ensino superior, sendo o desenho industrial discutido, inicialmente, no âmbito da
Comissão de Especialistas no Ensino das Artes e do Design (entre 1994 a 1998) e, em seguida, na
Comissão de Especialistas em Ensino de Design (CEEDesign);
4. Couto relata ainda que a CEEDesign teve duas formações78 diferentes ao longo de seu funciona-
mento, entre 1998 e 2003, tendo seus trabalhos subsidiados por diversos encontros com dirigentes
104
-
neira, as duas antigas habilitações em Projeto do Produto e Programação Visual deixaram de ser
design de games, design de moda, entre diversos outros atualmente em vigência. Além disso, as no-
Três esferas do campo do design vem se dedicando mais claramente, nos últimos anos, a
esta elaboração: uma delas é a esfera das publicações periódicas; a outra diz respeito às premi-
ações e concursos, e será discutida brevemente na próxima seção deste estudo, sendo alvo da
extensa pesquisa de autoria de Ethel Leon (2013), intitulada Design em exposição: O design no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1968–1978), na Federação das Indústrias de São
Paulo (1978–1984) e no Museu da Casa Brasileira (1986–2002).
-
po do design fornecem dados capazes de subsidiar análises sobre a transformação do conceito
e das práticas em questão, bem como da pretendida inserção dos designers na sociedade. O
crescimento da esfera acadêmica do campo do design pode ser demonstrado a partir de al-
guns números relativos aos Congressos P&D: no que diz respeito à quantidade de indivíduos
envolvidos na organização desses eventos, em 1994, (ano de sua primeira edição), o congresso
-
gresso (2008) e 337 colaboradores em sua nona edição (2010), divididos entre o comitê or-
o
P&D,
realizado em 1996, contou com 80 submissões e 55 aceites; a terceira edição (1998) contou
com 150 submissões e mais de cem artigos aceitos; já o 7o P&D (2008) teve 2.694 submissões
e 548 artigos aprovados.
106
Além desse crescimento exponencial, é notável a inserção da fração acadêmica do campo
brasileiro do design no contexto global, com a participação de conferencistas internacionais79
a partir do 3o P&D, ligados a universidades e centros privados de pesquisa. No mesmo sentido,
é notável a inserção das instituições no contexto institucional internacional, por meio da re-
alização do Ciped em Portugal, e da 8a Conferência do Comitê Internacional para os Estudos
em Design e História do Design (iCdhs), em 2012, na cidade de São Paulo, depois de ter sido
sediada na Bélgica (2010), Japão (2008), Finlândia e Estônia (2006), México (2004), Turquia
(2002), Cuba (2000) e Espanha (1999). O evento em questão, realizado pela fau-usp e pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, discutiu a temática Fronteiras do design: territórios,
conceitos, tecnologias, e contou com a atuação de críticos e historiadores do design de re-
nome internacional, tais como Victor Margolin (Universidade de Illinois), Jonathan Woodham
Martínez (VU University Amsterdam, Holanda), Oscar Salinas Flores (Universidade Nacional
do Mexico) e Haruhiko Fujita (Universidade de Osaka).
pós-graduação atuantes no Brasil desde 1994 (em nível de mestrado) e 2003 (em nível de dou-
torado). De acordo com a Capes funcionavam no Brasil, em 2011, dez programas de mestrado80
em Design (dois dos quais também em nível de doutorado), um programa de mestrado em
ufsC), um programa de mestrado e doutorado em Desenho In-
dustrial (unesp ufpe). Dentre
as instituições que abrigam tais programas, nove são públicas e cinco particulares; em termos
do terri-tório nacional, eles estão distribuídos entre os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Santa Catarina e Pernambuco (com dois programas cada); Minas Gerais e Paraná (com um
programa cada) e Rio Grande do Sul (com três programas).
Os capítulos 4 e 5 desta tese são dedicados a compreensão das forças, pautas e questões
produtores diretos (os próprios designers) pois esta proposição estaria desconsiderando o tra-
balho da maior parte das instituições que contribuem para garantir a visibilidade das produções
Embora possam falar muitas vezes em nome da “pura arte”, do “design em geral” ou do
“puro design”, cada editor (ou cada revista, curador, jornalista, pesquisador, professor, consel-
ho deliberativo etc) tende a falar em nome de sua própria visão do campo, e em nome daqueles
-
sionais por esses agentes de difusão e consagração é tão ou mais importante do que os próprios
projetos, mesmo que as propriedades imanentes dos mesmos sejam distintas dos discursos
sobre eles. É justamente o atrito entre as diferentes visões de mundo, expressas por diferentes
agentes do campo, que produz a luta concorrencial que o move.
Atualmente, o campo do design brasileiro conta com uma série de publicações periódi-
cas, que fazem parte de uma quarta geração brasileira de revistas especia-lizados em design,
linhagem que teve início com a revista Habitat, seguida da revista Projeto e da revista Design
& Interiores. A revista Habitat (publicada entre 1950 e 1965), idealizada por Pietro e Lina Bo
Bardi e dirigida por ambos até seu número 15, tinha sua proposta editorial alinhada ao mesmo
projeto cultural e civilizatório que deu origem ao MASP e ao Instituto de Arte Contemporânea
do museu.
à terceira geração editorial, com a publicação da revista Design & Interiores (publicada entre
1987 e 1996), tida por alguns como o primeiro periódico brasileiro especializado (borges: 2011,
13), e cujos 50 números foram publicados entre 1987 e 1996.
108
público e ao empresariado, por meio de eventos de divulgação e consagração. São diversos
concursos e exposições de design realizadas no Brasil desde 1968, dentre os quais destacam-se
cinco séries de eventos, pela sua frequência, longevidade e importância política: (1) as Bienais
de Desenho Industrial de 1968, 1970 e 1972; (2) as Bienais Brasileiras de Design de 1990 e
1992; (3) as Bienais Brasileiras de Design de 2006, 2008, 2010 e 2012; (4) as Bienais de Design
As primeiras Bienais de Desenho Industrial, realizadas e, 1968, 1970 e 1972, foram pro-
movidas pelo Instituto de Desenho Industrial do mam-Rio (e sediadas no próprio museu), em
conjunto com a esdi, a abdi, a Fundação Bienal de São Paulo, a Confederação Nacional da In-
dústria e o Ministério das Relações Exteriores. Essas mostras tinham como propósito a difusão
de design no Brasil, por meio de seções dedicadas à produção oriunda dos Estados Unidos, In-
glaterra e Canadá em 1968, dos países escandinavos em 1970, e da Alemanha e Suíça em 1972.
Essas bienais abrigaram também stands para divulgação dos trabalhos dos alunos da esdi.
109
As Bienais Brasileiras de Design realizadas em 1990 e 1992 foram sediadas em Curitiba, e
promovidas por uma parceria entre o Governo do Estado do Paraná e a Prefeitura Municipal
Já as Bienais Brasileiras de Design de 2006, 2008, 2010 e 2012 são fruto do Programa
Brasileiro de Design (PBD), uma política do governo federal lançada em 1995 e mantida pelo
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, voltada inicialmente ao de-
senvolvimento dos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs), que antes do PBD se ocu-
PBD, são a madeira, os móveis, as rochas ornamentais, as gemas e jóias, os tecidos e roupas, a
cerâmica, os calçados etc.
designers brasileiros. Um dos traços principais das bienais da ADG é o debate sobre a ‘identi-
-
geva no país, realizada anualmente desde 1986. É promovido pelo Museu da Casa Brasileira
(mCb), antigo Museu do Mobiliário Artístico e Histórico Brasileiro (criado em 1970), e ligado
ao Governo do Estado de São Paulo, sendo considerado o “único do país especializado em de-
sign e arquitetura”.
reúnem uma grande quantidade de evidências a respeito dos usos sociais da noção de design,
bem como sobre os agentes aos quais essa noção interessa. As categorias e critérios formulados
a cada edição de cada uma dessas premiações, bem como a variação entre elas e os artefatos
-
necer indícios importantes a respeito do imaginário e dos interesses dos segmentos sociais aos
quais a noção de design é estratégica a cada momento. Tanto os eventos estudantis, quanto as
revistas e as premiações de design consistem num riquíssimo acervo de fontes primárias que
merecem ser objeto de estudos comparados de ampla envergadura, com vistas a elucidar as
razões por trás da adoção de certas abordagens, e não de outras, bem como a consagração de
certos objetos e não de outros, e ainda a formulação de certas categorias e não de outras, a cada
momento da história do campo e do processo de modernização brasileiro.
110
Capítulo 4
tensões estruturais no Campo do design:
o embate entre o interesse eConômiCo
em função de uma suposta precariedade do sistema educacional, e sim porque essa defasagem
saberes e esquemas de ação e percepção característicos de cada prática. Tal defasagem cumpre,
assim, um papel estrutural na dinâmica de reprodução de todo e qualquer campo, por permitir
a formar agentes que não são exatamente revolucionários ou geniais, pois sua função não é
inovar os termos gerais do campo, e sim inculcar os seus procedimentos e valores na maior
-
cação de esquemas que já estejam consolidados ou estejam até mesmo em franca decadência.
A instituição escolar é, assim, caracterizada pela disseminação de conteúdos semi-sistematiza-
dos e semi-teorizados – ou, no limite, banalizados e neutralizados –, fator essencial à transmis-
são dos procedimentos e valores do campo aos seus agentes iniciantes.
Esta defasagem estrutural explica parcialmente o desconforto sentido por vários mem-
bros do campo do design, que é ilustrado por um documentário divulgado por ocasião do 18o
Encontro Nacional de Estudantes de Design (Manaus, 2008). O documentário em questão,
81
e intitulado A folha que sobrou do caderno,
reúne depoimentos de alunos e professores de diversas partes do país, nos quais expressam
81. Integrantes do Boana Estúdio, um coletivo independente dedicado a “promover o debate e a movimentação
social a cerca de temas ligados à educação.” (Fonte: http://www.boanaestudio.com.br/institucional.html, consul-
tado em 21/04/10)
111
ensino considerado defasado, bem como apontam para atitudes tidas como reprováveis, tanto
por parte do alunado quanto do corpo docente.
amareladas” dos velhos mestres em prol da construção de “uma nova educação”, na qual o
professor ideal seria o “pesquisador dinâmico”, capaz de trabalhar em parceria com o aluno.
-
tidões teóricas” e “aptidões práticas”, incapacitando o jovem a “estruturar um pensamento”
e se expressar por escrito, em especial nos casos de alunos com excelente domínio de ferra-
mentas e processos técnicos. Por outro lado, o documentário registra críticas aos estudantes
mais afeitos à teoria, por serem supostamente incapazes de dominar bem as “ferramentas da
prática”.
Em síntese, o grande entrave a uma “educação em design ideal”, de acordo com vários
entrevistados, seria a excessiva burocracia do sistema universitário brasileiro, responsável por
112
uma produção acadêmica repetitiva e irrelevante, e pela inércia estudantil diante de docentes
arrogantes e envelhecidos, incapazes de formar jovens designers aptos ao ingresso no mer-
cado. As utopias educacionais defendidas no documentário dizem respeito ao equilíbrio entre
teoria e prática, visando a formação de uma “massa crítica de pensadores” aptos a “transfor-
mar a sociedade”, mas também de bons e ágeis “resolvedores de problemas”, que não per-
cam tempo “teorizando sobre erros”. O atendimento aos imperativos da prática seria capaz
da “contestação ao sistema”, em prejuízo daqueles que “realmente vão por a mão na massa e
mudar as coisas”.
Uma das questões em jogo no documentário A folha que sobrou do caderno diz respeito
-
uma instituição de ensino reputada, bem equipada e com uma proposta pedagógica tida como
ensino que, de tão inconsistente e medíocre, estaria condenando seus egressos a um declínio
discutidas por Bourdieu por meio da noção de habitus (nogueira e nogueira, 2009). Trata-se
de uma propriedade adquirida desde a infância, que está enraizada em cada indivíduo, e que
diz respeito às suas disposições profundas para perceber, sentir e agir de uma certa maneira,
e não de outra. A origem do habitus de cada indivíduo é a sua socialização mais elementar,
vivida no âmbito familiar (que, grosso modo, é culturalmente mais rica quanto mais abastada
for a família), seguida da frequência a “boas” escolas infantis e de ensino médio, e das demais
dizem respeito ao ensino de idiomas, práticas desportivas, viagens, atividades culturais diver-
sas etc.
113
não são dotados de vocações inatas, mas têm suas carreiras determinadas pelas disposições
do habitus e pela posse de capital cultural, econômico e social. O caso do designer brasileiro
A.U.D.T (Arquitetura, Urbanismo, Design e Transporte), com sede no Rio de Janeiro e em São
Paulo, Guto é detentor de diversos prêmios, além de ser responsável por projetos variados,
desde embalagens de maquiagem e garrafas térmicas, até barcos, equipamentos de ginástica,
fogões, lavadoras e refrigeradores. Dentro do campo do design, ele é conhecido por ser o autor
do projeto do ventilador de teto Spirit, que recebeu vários prêmios e grande atenção da mídia.
Trata-se de um objeto considerado inovador em vários sentidos: é composto de apenas quatro
peças de policarbonato (ao contrário de seus congêneres, muito mais complexos), produzido
em várias cores e dotado de um desenho aerodinâmico que potencializa seu desempenho, sen-
do comercializado no mercado varejista popular e também em elegantes lojas especializadas
em design.
O sucesso deste projeto, bem como de sua carreira em geral, pode ser com-preendido,
trajetória acadêmica, cujo início se deu na Faculdade da Cidade, conhecida instituição carioca
onde cursou parte da graduação em Desenho Industrial, a qual posteriormente abandonou
para ingressar numa instituição mais reputada – a Art College of Design, na Suíça. Segundo re-
lata Evelise Grunow em seu livro Guto Índio da Costa (2008), o designer teria percebido, ainda
-
-
giou em empresas na França e Dinamarca e, posteriormente, nos Estados Unidos.
A autora relata também que, ainda estudante, Guto Índio da Costa obteve sucesso numa
importante premiação de design promovida pela empresa Sony, o que garantiu a ele um recon-
114
hecimento institucional precoce. A ação do capital econômico familiar no início de sua tra-
evidenciada quando de seu retorno ao Brasil, por ocasião, por exemplo, de sua participação
também recebeu prêmios internacionais. A constituição do grupo responsável pelo projeto in-
No que diz respeito ao papel do capital cultural na trajetória de Guto, o próprio Luis Eduar-
do Índio da Costa relata, em seu livro Cartas a um jovem arquiteto (2011), que a sua atuação
antagonismos estruturais
tensionando o Campo do design
-
plo, responsável por organizar, em maior ou menor grau, todo e qualquer campo de produção
simbólica. O mal-estar estar sentido pelos depoentes do documentário pode ser explicado,
assim, pela força deste antagonismo estrutural, e pelo modo como ele incide sobre a realidade
do campo do design.
bourdieu: 1996b).
Esta oposição de base, que estrutura o espaço social e o funcionamento das instituições,
se manifesta nos campos de produção simbólica por meio do antagonismo entre os valores e
critérios da indústria cultural, de um lado, e da produção erudita de outro (bourdieu: 2001),
opondo os criadores movidos pela lógica da concorrência (dedicados a atingir o maior público
possível com suas criações) aos criadores empenhados em produzir para os seus pares/concor-
-
nidas no interior de um campo qualquer. Os primeiros seriam, assim, movidos pelo interesse
segundos seriam movidos pela defesa de outros tipos de interesse e valor, forjados no interior
do campo pelos seus próprios agentes.
Museu da Casa Brasileira (que promove o Prêmio Design mCb) ou de diversas revistas espe-
cializadas.
No entanto, no caso do campo do design, o trabalho social de elaboração das regras cultas
de produção, apreensão e valorização dos bens produzidos em seu seio – bem como daqueles
produzidos no contexto da indústria cultural – vem sendo realizado principalmente, e com
intensidade cada vez maior, pelas instituições universitárias, especialmente a partir da consti-
tuição de suas frações intelectualizadas, ligadas à emergência das atividades de pesquisa e pós-
mais intensa nos anos 90. Uma das mais importantes expressões deste processo é a realização
dos Congressos P&D (Congressos de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), que ocorrem
bienalmente desde 1994, e cuja organização temática exprime as diversas direções dos esforços
de seus agentes (os professores e pesquisadores do campo) no sentido de elaborar visões da
A organização temática dos dez Congressos P&D já realizados até então, apresentada no
Anexo, demonstra os esforços da fração universitária do campo para negar o antiintelectua-
-
-
sociando seu engajamento a questões de interesse supra-econômico, tais como a emancipação
e valorização dos indivíduos ou da coletividade, a proteção ambiental e o desenvolvimento/
116
progresso da sociedade. Trata-se de um esforço de superação de um estado anterior do cam-
po, no qual esta prática era considerada por muitos tão mais legítima quanto mais habilidoso
fosse o praticante nas técnicas de projeto de artefatos, tais como, por exemplo, a representação
rendering82, desenho técnico etc), a confecção de modelos tridimensionais
(construção de maquetes, protótipos, modelos funcionais, mock-ups83 etc) ou o domínio de
Conforme demonstra a organização temática dos Congressos P&D, este novo estatuto
-
telectuais e conhecimentos teóricos, que se articulam aos saberes práticos que já eram valori-
zados num estado anterior do campo, condição que se evidencia, no caso desses congressos,
por meio da aceitação, num mesmo e único evento, de artigos que:
4. apresentam o design não como uma racionalidade voltada apenas ao projeto de novos
artefatos, mas adequada também à gestão dos complexos processos que viabilizam o fun-
cionamento das empresas que produzem e fazem circular no mercado esses artefatos; este
é o caso das categorias “Design e estratégia”, “Gestão em design” e assemelhadas;
83. Estudo volumétrico de um artefato em fase de projeto, destinado a demonstrar apenas as suas proporções em
escala 1:1. Os mock-ups diferem dos protótipos, pois simulam somente as relações volumétricas fundamentais do
117
categorias constituintes da organização temática dos Congressos P&D, e são correlatos:
-
pos temáticos “Pesquisa e teoria em design”, “Teoria e design” e “Fundamentos teóricos”;
do campo às gerações recém-chegadas ou futuras, por meio dos grupos temáticos dedica-
dos ao ensino e às pedagogias de design;
-
riores”, ligados aos campos disciplinares da arquitetura e do urbanismo; é o caso da ligação entre a temática dos
“materiais e processos em design” com alguns sub-campos da engenharia, tais como a engenharia de materiais
ou a engenharia química; também é o caso da ligação entre os projetos para a Internet, design de multimeios, de
interfaces digitais, de processos interativos, de jogos e redes, com os campos disciplinares da informática e das
transdisciplinar mais antiga do campo do design, travada com o campo das engenharias e o campo da psicologia
desde os anos 70 (soares: 2004, 2-3)
118
notas sobre uma relação tensa:
o Campo aCadêmiCo e o merCado
A variedade temática dos Congressos P&D indica não somente a enorme abrangência que
do campo, devido à sua necessidade de estabelecimento de vínculos com tradições estáveis, ca-
pazes de apresentar garantias mínimas de sucesso futuro. Além disso, tal diversidade permite
compreender como o antagonismo estrutural entre os interesses econômicos e os interesses
Uma das características gerais dos campos de bens simbólicos é a dupla verdade de suas
-
tes, design, música, ciência, jornalismo etc.) produz bens dotados, ao mesmo tempo, de um
campo em questão junto aos poderes econômico e político, e também de acordo com o prestí-
gio de seus criadores num determinado momento (bourdieu: 1996a). No campo do design, um
exemplo muito conhecido da dupla verdade dos bens simbólicos e de sua variabilidade são os
artefatos projetados no contexto da escola alemã Bauhaus (1919-1933), que atualmente são
comercializados no circuito de móveis de luxo (e mesmo nas lojas de museus especializados,
como o MoMA-NY), muito embora tenham sido concebidos de acordo com as possibilidades
técnicas oferecidas pela lógica industrial (produção em série a baixos custos) e com o propósito
utópico de atender as demandas da classe trabalhadora internacional, conciliando os domínios
da arte e da vida cotidiana.
A dupla valorização dos bens simbólicos também está na base da valorização social das
Este é um problema que diz respeito à relação estabelecida, a cada momento, e por cada um
dos campos (e por cada um de seus partícipes, individualmente) com as pressões da economia
(prestígio, fama ou reconhecimento acadêmico), possibilidades tais que, por sua vez, estão ins-
critas em cada uma das diferentes práticas e em cada uma das posições ocupadas pelos seus
praticantes.
-
gramas de fomento e de pós-graduação, nas revistas especializadas etc.) E as diferentes respos-
tas institucionais a tais pressões podem ser percebidas em toda e qualquer tomada de posição
-
119
sional, uma crítica desferida por um jornalista contra um designer, uma aula de projeto numa
faculdade, ou mesmo o projeto de um artefato, que pode ser destinado tanto ao atendimento
de uma necessidade humana substantiva (uma cadeira ou uma embalagem mais ergonômicas)
ou de uma necessidade de mercado (uma cadeira com desenho “inovador” ou uma embalagem
que aumente as vendas de um determinado produto, superando a concorrência).
do campo do design, por meio da análise da organização temática dos Congressos P&D, bem
bem como os modos de explicitação desta relação, tais como elaborados pelos cientistas do
campo. Na sequência deste texto, serão apresentadas algumas conclusões sobre as propostas
para relação design-mercado, tais como elaboradas dentro do campo acadêmico do design,
sendo essas conclusões obtidas por meio da análise de duas dimensões dos Congressos P&D:
(1). a organização temática de cada uma das dez edições do congresso e, em particular, a varia-
ção entre elas e; (2) os diferentes modos de adesão ao mercado, tais como propostos no âmbito
acadêmico do campo, apreendidos pela análise dos 123 resumos de artigos apresentados na
categoria “Projetos” por ocasião da 9a edição do Congresso P&D (realizada no ano de 2010,
cujos anais já se encontravam publicados quando da realização desta pequisa).
Os títulos dos artigos publicados até 2006 sob essas categorias sugerem que as aborda-
gens em questão propõem um ajustamento entre a instância empresarial (geral) e a instância
entre empresários e designers, viabilizando a absorção das contribuições do design pelas em-
presas, apresentadas como estratégias essenciais ao seu funcionamento. Em tais abordagens, o
120
“mundo dos negócios” não é caracterizado como um fator lateral, externo ou eventual à pratica
do design, mas sim como seu elemento central.
Esta abordagem é especialmente evidente nas expressões utilizadas nos títulos dos ar-
valor agregado; fator estratégico; fator de inovação; dinamizador operacional nas empresas;
ferramenta de gestão empresarial; fator de qualidade; diferencial competitivo; gestor de con-
hecimentos; elemento integrador e diferenciador; instância de conciliação entre interesses
empresariais e fatores externos; fator de desenvolvimento; fator de comunicação empresa-
público; instrumento estratégico de promoção de competitividade industrial; fator de imagem
e de valor percebido; ferramenta de integração organizacional.
Para essas autoras, a associação entre o design e a gestão empresarial promove a redução
de custos de produção, agrega qualidade e valor aos produtos, reduz o tempo de lançamento
de novos produtos e eleva potenciais de mercado e lucro das empresas, sejam elas de pequeno,
médio ou grande porte, sejam dotadas de alta, baixa ou média intensidade tecnológica. Para se
adequar a esse novo paradigma, o artigo defende que o designer deve desenvolver competên-
cias múltiplas – de ordem técnica, gerencial, criativa, social, política etc. – superando a mera
habilidade de pro-jetar objetos, e se capacitando para conduzir a gestão estratégica, que diz
respeito à incorporação do design à cultura corporativa, em favor da inovação e da capacidade
o
diretor de Design é o principal intérprete do rol de operações culturais e sociais que a empre-
sa deve desempenhar para se adaptar e manter sua performance no mercado” e sua ação na
empresa tende a gerar “novos conhecimentos, de ordem coletiva, em cada etapa do processo,
que se transformam em crescimento individual e organizacional” (minuzi e pereira: 2002,
s/p). Para as autoras, a ação do gestor de design
121
se constitui em um veículo criativo, que mantém os produtos coerentes com estratégia da empresa,
exercendo um papel prospectivo de questionamento, de comunicação, de vigilância e observação
com relação à qualidade dos produtos, além de proporcionar a integração dos fatores humanos na
concepção dos novos produtos, entre outros. (MINUZZI e PEREIRA: 2002, s/p)
Apesar da pertinência do problema empresarial indicada por vários autores aceitos para
publicação em diversos Congressos P&D, a partir de sua oitava edição (2008) não foram mais
-
tigos sobre a relação designer-empresa. Os motivos concretos da eliminação dessas categorias
-
plesmente passado a se dedicar a outros problemas de pesquisa, ou tenham abandonado a
carreira acadêmica, ou ainda, não tenham formado sucessores em seus anos de atuação. Uma
explicação possível do ocultamento (que é apenas aparente) das abordagens mercadológicas
nos Congressos P&D está ligada ao processo de autonomização do campo do design, e às es-
tratégias empreendidas pelos seus membros e instituições com vistas à impor socialmente a
em realizar as práticas em si, quanto em criar regras e instituições que assegurem a correta
transmissão de seus ensinamentos e a punição dos maus praticantes. Por isso, um dos traços
essenciais do processo de autonomização de um campo consiste na formulação e na divul-
gação de um conjunto de valores e interesses que se diferenciem claramente dos interesses da
tanto mais autônomo quanto mais consegue impor socialmente valores e regras acerca de suas
-
lógica, bem como princípios de percepção, ordenação e julgamento da realidade que sejam
distintos das propostas mercantis. Além disso, um campo é tanto mais autônomo quanto mais
dos anos 90 (sChneider, 2010), e que, no caso dos Congressos P&D, se manifesta por meio da
122
nomeação de categorias especialmente dedicadas ao problema, tais como “Design e meio am-
biente”, “Ecodesign”, “Design e sustentabilidade” e “Design sustentável” (ver Anexo).
No caso dos Congressos P&D, a eliminação das categorias temáticas dedicadas explicita-
mente à relação entre o designer e o funcionamento das empresas parece ser, assim, tributária
de valores tidos como mais elevados ou nobres, pois o mundo universitário é, em geral, carac-
terizado pelo exercício de interesses de natureza intelectual, distintos dos interesses venais
(bourdieu: 1996b, 2004, 2011).
124
a legitimação do design por meio
da adesão ao Campo aCadêmiCo
que não apenas os interesses de mercado. Este movimento geral de desconsideração do mundo
econômico, por sua vez, é um traço estruturante do funcionamento de todo e qualquer campo
(arte, ciência, religião, música etc), e dá consistência à luta concorrencial entre seus membros
A eliminação das categorias temáticas dos Congressos P&D ligadas ao mundo dos negó-
cios é correlata, portanto, à enfatização de outras potencialidades e dimensões da prática e dos
bens simbólicos oriundos desse campo, a exemplo das categorias dedicadas, nomeadamente,
parece estar em curso ao longo deste jogo de nomeação dos aspectos e dimensões que seriam
próprias do design, tal como levado a cabo nos Congressos P&D, é a construção de uma repu-
bens gerados no campo do design o estatuto de meros objetos técnicos, cujo valor residiria
bourdieu: 2008b, 147).
A imposição social destas três condições de maneira articulada não poderia ocorrer em
um espaço social qualquer, no qual uma delas corresse o risco de ser relativizada e esvaziada.
Isso explica o fato de que o campo do design tenha encontrado o seu modelo institucional mais
125
envergadura, por exemplo), pois a universidade é um dos espaços sociais mais fortemente
marcados pela denegação do interesse econômico pela maior parte de seus agentes, e pela
-
cos – emancipação e desenvolvimento humano, busca pela verdade, esclarecimento, método,
racionalidade, neutralidade política, crença no progresso etc. – e que se acomodam sob a égide
da ciência.
Por isso, o pertencimento ao universo acadêmico vem sendo apresentado, cada vez com
mais ênfase, como garantia da validade das proposições dos agentes do campo do design, sen-
do que as manifestações deste pertencimento se dão, entre outros indícios, pela obediência às
regras e procedimentos sociais vigentes na instituição universitária (rituais de defesa de tra-
balhos, realização de eventos nos moldes acadêmicos, uso de vestimentas apropriadas, publi-
estilo linguístico predominante nos circuitos acadêmicos. Trata-se, neste último caso, dos usos
-
raridade intelectual (verdadeira ou falsa) de seus locutores, bem como o seu pertencimento a
Dois artigos da amostragem analisada são exemplares dessa operação linguística que visa
Projeto Mímesis: possibili-
dades criativas entre estamparia, design e elementos naturais” que investiga “formas difer-
enciadas de processo criativo em estamparia”, expondo “
explorado tema borboletas, buscando a inovação” e apresentando “as etapas desenvolvidas
a partir de recursos oferecidos por três laboratórios de duas universidades federais, con-
templado as abordagens: natureza, arte e design” (grifos nossos); e do trabalho intitulado “
uso do vidro artesanal como material decorativo e sustentável no design de interiores”, que
“consiste em construir um , baseado nos princípios básicos do design
sustentável utilizando o vidro reciclado artesanalmente como elemento decorativo capaz de
satisfazer os objetivos estéticos e funcionais aplicados ao design de interiores” (grifos nossos).
126
a instrumentalização do design:
em prol do funCionamento sistêmiCo
-
culos entre a racionalidade de tais práticas e as suas contribuições potenciais e efetivas para o
funcionamento do mercado. Uma prova disso são as altas vendagens de uma série de produtos,
em função propriamente de sua aparência, ou do culto à noção de design implicada em sua cir-
culação no mercado, tal como demonstra o sucesso dos computadores e dispositivos da Apple.
O campo acadêmico também apresenta evidências exemplares dessa relação, conforme il-
-
licados na categoria “Projetos”, nos anais do 9o Congresso P&D, que demonstram que, nesse
-
econômico é assumido, no campo do design, por uma grande parte de sua fração acadêmica,
como uma pretensão tão legítima quanto quaisquer outros tipos de interesse que também são
atendidos pelas práticas do designer.
em sua grande maioria, com a complexidade empresarial e, em menor grau, com a cidade e os
-
reto do próprio empresário ou do gestor público, caracterizados como os sujeitos primordiais
dos serviços em questão, e não como intermediários entre uma unidade produtiva (a empresa
ou a prefeitura, por exemplo) e os interesses e necessidades substantivas dos consumidores e
dos citadinos. Segundo tal concepção, o design é uma ferramenta de natureza técnica e empre-
sarial, dotada de valor em si e por si, não sendo mencionadas razões de ordem extra-econômica
para lastrear essa condição.
No limite dessa perspectiva, a própria prática do design é apresentada como uma ativi-
dade de caráter técnico, mercantil e administrativo voltada à perpetuação de si, conforme re-
gistra o artigo “ ”, que se
propõe a “analisar o processo de gestão de projetos, o qual está presente nas relações entre
pontos fortes e oportunidades de melhorias que possam ser utilizadas em outros escritórios
de design.”
2. “
Coca-Cola”, artigo que visa “entender os efeitos do tempo e exposição de consumidores à marca e
como diferentes gerações relacionam-se emocionalmente com a mesma.”
3. “Emoções e experiências: questões da agenda atual do design em projetos para PDV”, arti-
go que aborda a “ ”, examinando “a
importância das emoções e das experiências nas questões que envolvem os projetos de Design,
especialmente na construção das Atmosferas dos Pontos de Venda das empresas de varejo da
atualidade.”
“ ”,
voltado a equacionar “o tangível e o intangível, o material e o imaterial, as funções produti-
vas e as de valorização.” Vários outros artigos, tais como os comentados abaixo, repetem essa
valorização da atividade:
empresas também é o foco de artigos que não se implicam textualmente na dinâmica merca-
dológica, mas divulgam, no entanto, produtos apresentados como inovadores e com grande
128
potencial de absorção pelo mercado. Este é o caso do artigo “
estampas para tecido feitas com objetos do universo da costura”, dedicado a apresentar um
“projeto de estampas para tecidos feitas com imagens de objetos do universo da costura”,
estampas tais “que enfatizam os aspectos positivos dos objetos – textura, simbologia e ex-
pressão” com vistas à obtenção de “um conjunto de doze estampas representativas da ampli-
”. Também é o caso de “Brasil vestido de sol”,
artigo que trata da “criação de estampas para têxteis, com base no Chitão - tecido com carac-
” visan-
do a criação de “uma futura coleção de roupas de verão feminina”. É ainda o caso do artigo
“ ” que “apresenta o tema Toy Art, defende-o
como objeto de design e desenvolve a proposta de um produto que contemple as peculiari-
dades deste.”
sistemas, embora não explicitamente ao funcionamento do mercado. São artigos que vinculam
a racionalidade do designer a um funcionamento sistêmico equivalente ao mercado em termos
Em tais textos, os sistemas em questão são ligados à manutenção da ordem dos espaços
-
mente em favor de grupos sociais ou do bem-estar da coletividade. Esses são outros interesses
defendidos em abordagens elaboradas no âmbito do campo acadêmico do design, sem que eles
exatamente se contraponham ao caráter instrumental do design, conforme demonstram as
análises a seguir.
Embora todos os 123 textos analisados tenham sido publicados nos anais do 9o Congresso
P&D sob uma mesma categoria temática – a categoria denominada “Projetos”— suas posições
a respeito da relação design-mercado variam bastante, entre a aceitação tácita desse pressu-
posto (conforme a discussão precedente) e a sua desconsideração, passando por interpretações
que propõem a harmonização entre os interesses mercantis e os valores humanitários, ambi-
129
O agrupamento das tomadas de posição que não incluem o mercado em suas formu-
lações tratam de associar explicitamente as práticas do designer ao atendimento de demandas
-
signer é vinculada ao valor de uso de objetos e sistemas e aos sujeitos portadores de necessi-
dades substantivas de variados matizes. Este é o caso do artigo “Acessibilidade em Sistemas de
”, que apresenta critérios e abordagens para pro-
a consideração explícita aos valores de troca dos objetos e sistemas em questão, conforme se
depreende dos exemplos enumerados abaixo:
6. “
conforto do sentar”;
dagógico.”
Um terceiro agrupamento de artigos da amostragem analisada sugere que uma das ca-
pacidades fundamentais do designer é a conciliação ou harmonização entre os interesses mer-
cadológicos e os interesses de natureza não-mercantil. Segundo tais to-madas de posição, a
racionalidade do designer é vinculada a um duplo atendimento: de um lado, as demandas do
mercado e do mundo empresarial; de outro, as demandas de ordem social/inclusivista/hu-
manitária, educacional, cultural/identitária, ergonômica, tecnológica, subjetiva/emocional/
psicológica, ambiental e/ou urbana (agrupadas sob a noção de sustentabilidade) etc. São to-
madas de posição que aderem ao mercado, ao mesmo tempo em que propõem intervenções
de diferentes intensidades, visando compatibilizar o atendimento de demandas substantivas
-
mização dos efeitos negativos da produção seriada de bens sobre a sociedade, o indivíduo e o
meio-ambiente.
-
jetual, relativos aos limites dessa harmonização; tais propostas variam de intensidade, desde
intervenções brandas de caráter técnico-reformista, até as intervenções de caráter messiânico,
heróico ou demiúrgico, nas quais as capacidades do designer são apresentadas como essencial-
1. “Projetos de iniciativa estudantil e transformação social”, que discute tais possibilidades por
meio da realização de projetos junto a produtores de baixa renda e cooperativas populares, além
de propor o exercício “da sensibilidade social que pode enraizar e se estender cada vez mais na
”
2. “Slow shopping: Por um consumo mais sustentável”, artigo que busca repensar “os valores
das ações cotidianas, e propõe uma nova estratégia para o consumo de roupas, de forma mais
131
consciente e sustentável” por intermédio da “
produtos no espaço físico” das lojas, de maneira a proporcionar “ao usuário uma experiência
diferenciada, adequada à necessidade atual de otimização de recursos e negócios sustentáveis no
âmbito econômico, ecológico e, principalmente, social”.
3. “‘
têxteis”; trata-se de um artigo que propõe “alternativas sustentáveis e criativas para o destino
de resíduos têxteis” por meio da “união entre o design, o patrimônio cultural do artesanato e o
7. “Eco-design e embalagens artesanais: uma experiência com foco na geração de renda”; trata-
8. “Pedra São Thomé: valorização regional por meio da revitalização da paisa-gem e da identi-
dade cultural”; trata-se de um artigo baseado na ideia de que o design é uma “área abrangente,
de caráter generalista e humanizador, [e] pode ser considerado elemento de mediação, na busca
pelo atendimento das neces-sidades dos diferentes atores envolvidos”; a intervenção em debate
no artigo propôs “agregar valor à região [de São Thomé das Letras] por meio da revitalização
da paisagem e da re-apropriação da identidade local, por intermédio do desenvolvimento da
“marca São Thomé”;
132
Todos os artigos deste agrupamento, que perfazem a maior parte da amostragem anali-
-
pazes de minimizar, neutralizar ou até mesmo reverter os malefícios dos meios de produção
industriais e do consumismo exacerbado. Por isso, essas tomadas de posição não recusam os
imperativos de mercado, mas tratam de absorvê-los e subsumí-los, incorporando-os ao con-
junto geral de questões das quais se ocupa o designer, sendo este o elo de ligação entre todas as
tomadas de posição em questão.
1.1. “Inovação: o processo de desenvolvimento de uma prancha de wake-skate”, artigo que apre-
senta “dados que norteiem o desenvolvimento de um artigo esportivo para este nicho: uma pran-
cha de wakeskate. Tendo em vista que ferramentas como o design são essenciais na construção
de produtos inovadores”;
1.2. “Embalagem de biscoito wafer para o público infantil”, artigo que propõe “uma embalagem
mais lúdica e reaproveitável” diante da constatação de que “a embalagem de biscoitos wafer
visando o público infantil possui um padrão de mercado com pouca diversidade”;
1.3. “Brechó e Moda: uma alternativa de projeto para substituir o processo de garimpo de peças
do vestuário”, artigo que propõe o atendimento a consumidores de vestuário cujos anseios são,
muitas vezes, negligenciados pela indústria;
1.4. “Brincando com a roupa: um estudo sobre o público infantil e a compreensão das roupas
que atuam como brinquedo”, artigo que coloca em primeiro plano a preocupação com o lúdico e o
desenvolvimento infantil, ao propor fundamentos para a criação de roupas infantis que atendam a
133
2. ora propriamente como usuários, considerados individualmente ou em grupos, a partir
de suas necessidades e desejos substantivos, sem que estes sejam vinculados ao mercado, tal
como ilustram os artigos enumerados e comentados a seguir:
2.1. -
, artigo que “apresenta o projeto de um equipamento residen-
cial para musculação, visando atender um público que possui interesse na prática de atividades
físicas como forma de lazer”;
2.2. “Projeto de produto para o desenvolvimento da criança: um estudo de caso”, artigo que “elu-
cida a contribuição que os produtos podem oferecer ao desenvolvimento das crianças como in-
divíduos, bem como etapas julgadas pertinentes à concepção de um projeto de produto sob o
mesmo enfoque.” Promove a correlação entre “a teoria do desenvolvimento infantil e da aprendi-
;
2.3. “ ”, artigo
que salienta “o papel do design de moda para a o desenvolvimento de produto que atendam as
necessidades deste público e melhore sua relação com a moda”;
2.4. “Análise ergonômica e microbiológica da latinha de alumínio”, artigo que apresenta critérios
de redesenho “de uma lata de alumínio para bebidas cabonatadas” que atendam requisitos er-
gonômicos e de higiene;
2.5. “Preocupações projetuais de conservação e uso para bebedouros públicos do tipo coluna”, ar-
tigo que visa “estabelecer padrões de conservação” para “orientar o desenvolvimento de produtos
higiênicos e econômicos.”
4.1. “ ”,
artigo que propõe a inclusão da sustentabilidade entre os critérios a serem atendidos num projeto
de equipamento para camping;
4.2. “Resíduo de madeira: limites e possibilidades de seu uso como matéria-prima alternativa”,
artigo que busca a “valorização do uso do resíduo de eucalipto produzido em diversas fases do
ciclo de vida da atividade madeireira, incluindo o desdobro da madeira, a fabricação dos produ-
tos e seu pós-uso”;
4.3. “ -
seridas”, “pesquisa [que]
em sua complexidade e na rede interconectada de fatores, de modo a facilitar um melhor plane-
jamento de embalagens para produtos da numa futura sociedade sustentável.”
No que diz respeito aos resultados propriamente materiais dos projetos de design, o con-
-
Em lugar disso, as práticas do designer vêm sendo cada vez mais associadas à manipu-
produção de bens materiais, bem como de sua circulação, de seu uso/consumo e das possibi-
lidades de simbolização desses bens por parte de seus usuários, consumidores, das empresas
concorrentes e da sociedade em geral.
universo da produção/troca/uso/consumo/simbolização/descarte/desmontagem/reciclagem
de bens, o trabalho do designer diz respeito a um “fazer bem feito”, fazer este que pode incidir
-
das à diagramação de um jornal, ao projeto de um brinquedo, de um automóvel, de um equi-
sobre a heteronomia
estrutural do Campo do design
Em sua obra Razões práticas sobre a teoria da ação (1996) Bourdieu discute o funciona-
mento das economias de bens simbólicos, argumentando que elas são movidas duplamente,
por interesses de natureza econômica e, ao mesmo tempo, pela circulação de interesses e lu-
cros de natureza não-econômica, cujos termos são formulados no âmbito dos diversos campos
de produção simbólica.
Ele argumenta que, no entanto, ao contrário do que ocorre na economia vul-gar, nas eco-
-
tes, bem como a explicitação do valor econômico dos bens simbólicos produzidos num campo
qualquer, são capazes de vulgarizar – e mesmo de anular – a raridade tanto do trabalho dos
produtores quanto das obras, ao reduzir a um valor venal o valor de coisas que são tão raras
-
dem a não se apresentar (nem mesmo a si próprios) movidos pelo interesse declarado nos lu-
cros econômicos advindos de suas práticas, mas sim em nome dos princípios do campo ao qual
estão vinculados, e que são supostamente mais nobres que os interesses econômicos, sendo
esses princípios de natureza cultural/artística (caso dos campos das artes plásticas, da música,
Este é um funcionamento geral das economias de bens simbólicos que não se dá, no en-
possível aos seus agentes que atuem apenas “em nome da arte”, sem a obrigação compulsória
de atender a demandas explicitadas por uma clientela. Isto não é possível no campo do de-
sign, antes de mais nada, porque ele foi sendo instituído justamente na medida em que foi se
descolando do próprio campo artístico, ao assumir que uma de suas razões de ser era dotar os
bens produzidos industrialmente de um valor estético mais elevado, visando a conquista de um
-
damentos mais importantes a sua própria instrumentalidade e, assim, a impossibilidade es-
136
trutural de se constituir como um campo plenamente autônomo, sob o risco de elidir uma das
noções chave que dá sustentação ao campo: a noção de “usuário”, este senhor e soberano in-
-
divíduo, com o empresário, com o “público-alvo” ou um nicho de mercado, ou, no limite, com
a humanidade em geral, no caso dos projetos cujo ponto central é a noção de sustentabilidade.
Qual teria sido a razão, então, para que a doutrina que sustenta as práticas do campo
do design passasse a valorizar prioritariamente os interesses dos chamados “usuários”, para
além da conquista de novos mercados, e de uma tal maneira multifacetada, superestimada em
algumas formulações, e tão alheias ao mercado em outras? Essa é uma explicação que exige a
exposição de duas hipóteses em paralelo: uma delas está ligada aos usos sociais dos bens sim-
bólicos em geral na manutenção das diferenças entre as classes sociais, e será desenvolvida no
último capítulo desta tese. A outra hipótese diz respeito ao próprio processo de autonomização
do campo do design, de maneira a caracterizá-lo como um espaço social com regras e saberes
com as competências de práticas análogas (como é o caso da arquitetura e das artes) e nem
permaneçam subservientes aos interesses econômicos aos quais efetivamente atendem.
e heteronomia seriam tão escorchantes, que não seria possível falar em campo: tratar-se-ia
No entanto, sabe-se que um artefato bem projetado pode, efetivamente, atender a deman-
das substantivas que escapam à reprodução de capital, sendo este um aspecto dos projetos que
é tão pregnante e consistente quanto sua instrumentalidade ao mercado. Assim, o desenvolvi-
mento de uma doutrina dentro da qual as noções de “usuário”, “uso”, “necessidade” e “utili-
lógico da constituição deste campo, especialmente para diferenciar as práticas do designer das
práticas do artista, cujos produtos bastam em si e por si mesmos, de acordo com a doutrina do
campo artístico.
As práticas editoriais da revista Arc Design85 constituem um exemplo relevante das opera-
ções atualmente empreendidas, que se destinam a manter a crença de que a ação do designer é
A temática da identidade cultural é tratada pela revista Arc por meio da publicação de uma
série de matérias que enfocam o trabalho de designers e instituições junto a comunidades de
artesãos, cujo resultado são artefatos supostamente expressivos das raízes ancestrais e míticas
de um elevado grau de eticidade. Conforme se lê no editorial n. 26, a revista Arc não aborda a
produção artesanal “
mas do artesanato capaz de agregar valor ao projeto, ao design brasileiro (…) no qual a in-
terferência do designer é respeitosa e sutil.”88
As outras duas temáticas frequentes nas páginas da publicação dizem respeito a uma ética
pública, universal e trans-histórica, e que seria supostamente característica do plano mais abs-
trato e profundo das práticas do designer. Trata-se da defesa do meio ambiente e do futuro da
humanidade, o que se expressa por meio de artigos em defesa da sustentabilidade, quer seja
das cidades, do planeta ou dos hábitos corriqueiros do homem comum, por meio da projetação
de artefatos e sistemas de maneira ecologicamente responsável. Os designs apresentados pela
revista Arc não seriam, assim, apenas exemplares de boa forma ou de relevância cultural, mas
estariam ligados à própria sobrevivência da humanidade, conforme a interpelação dirigida aos
designers no editorial de n. 03: “Estará no design a única possível salvação do planeta?”89. De
acordo com esse entendimento, os designers seriam “os grandes responsáveis pela saúde do
planeta e pela melhoria de nossa qualidade de vida.”90
junto aos indivíduos ou à coletividade, por meio da projetação do entorno material de acordo
com critérios supostamente mais adequados, da manipulação supostamente mais sensata dos
uma compreensão generosa e apurada das particularidades, anseios, demandas e desejos dos
de “usuários”.
Duas abordagens teóricas, que vêm sendo alvo dos esforços intelectuais de pesquisadores
brasileiros nas três últimas décadas, são especialmente representativas deste movimento de
140
valorização do usuário: o Design Emocional e o Design Social. Ambas tratam de apresentar
pressupostos norteadores para a ação dos designers, de maneira a romper com os supostos
tecnicismo e onipotência atribuídos à doutrina modernista, valorizando, assim, a cidadania e a
usuário com o objeto, envolvendo seu processo de compra, exposição e uso. Já o nível comporta-
damazio e menezes (2008), por sua vez, esclarecem que a área de concentração em Design
& Emoção é vinculada à obra de Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Rochberg-Halton, pensa-
da qual as autoras propõem a hipótese de “que a relação afetiva das pessoas com seus objetos
pode estender a vida útil dos produtos, retardar seu descarte e sua substituição” (damazio
e menezes
indivíduos com seus objetos é capaz de refrear os ímpetos de consumo e diminuir a suposta
produção de lixo que é, em geral, oriunda do descarte de artefatos cuja utilidade se esgotou.
Seguindo esta linha, damazio, dal bianCo, lima e menezes (2008) defendem a ideia de que
o designer deve projetar objetos “com foco na promoção de sentimentos positivos e condu-
tas socialmente responsáveis -
os objetos não existem fora das
”, “elos entre as pessoas”,
“testemunhas de nossas vivências” e “podem até mesmo ser os atores principais de nossas
experiências.” Em nome desses ideais, as autoras tratam de difundir uma prática desenvolvida
na puC-Rio, denominada Design em Parceria, que “consiste no envolvimento ativo do usuário
em praticamente todas as etapas do processo projetual”, de maneira a aproximar designer
e usuário, viabilizando a construção de objetos supostamente impregnados de um sentido de
141
co-autoria e de emoções potenciais, pelo fato de sua gênese ter sido compartilhada. damazio e
lima (2008) também contribuem para a construção deste arcabouço teórico, ao argumentarem
que “algumas marcas se tornam queridas”, lembrando que,
de acordo com grande parte dos adeptos da abordagem do Design & Emoção, os produ-tos do
Design têm ‘competência emocional’ e desencadeiam emoções e sentimentos de intensidades vari-
adas em seus usuários, são mediadores das ações da nossa vida cotidiana, elos entre as pessoas e
testemunhas de nossas vivências. (damazio e lima 2008, s/p)
com os autores, o Design Social teria surgido como uma alternativa a tais abordagens, sendo
um de seus principais alicerces a inclusão dos usuários nas decisões de projeto. Os autores
explicam que, no contexto europeu, a ascensão desta abordagem deu-se em função do estrei-
tamento de laços colaborativos entre as indústrias e as universidades, o que teria promovido
Pacheco e Toledo lembram que a denominação Design Social é, muitas vezes, mal com-
preendida e confundida com assistência social, o que levou seus formuladores a adotar a no-
menclatura Design Coletivo e, posteriormente, Living Design, sendo esta uma expressão que
atualmente dá nome ao Laboratório de Investigação em Living Design, no Departamento de
Artes e Design da PuC-Rio, e que é coordenado pelo professor Ripper. No que diz respeito ao
funcionamento desta metodologia de ensino de projeto, os autores esclarecem que ela se dá
mediante o incentivo aos alunos para que procurem um grupo social fora do contexto univer-
sitário, com o qual deverão criar laços, visando o “desenvolvimento de um projeto de design
’” (paCheCo e toledo: 2012, 91). A partir da formação de tal laço, os estudantes
pessoas engajadas, portadoras de um metafórico “brilho nos olhos”, suposta força motriz das
ações concretas em processo, na direção das quais deve se dirigir a investigação dos alunos.
O projeto deve se dar, assim, no contexto de ações entusiasmadas e que sejam preexistentes à
presença dos estudantes, de maneira que a intervenção projetual destes últimos aconteça em
potenciais.
Mais esclarecimentos sobre o Design Social são prestados pela pesquisadora Zoy Anas-
tassakis, no artigo Design em contexto: algumas considerações sobre o ensino de design no
Brasil (2012). Neste artigo, a autora também apresenta a gênese do Design Social, explicando
que seus formuladores se viam insatisfeitos com a dinâmica pedagógica excessivamente cen-
trada na relação professor-aluno. Como solução, Anastassakis relata que os professores Rip-
per e Branco (já mencionados) formularam uma metodologia que consiste em “transformar
o sujeito para quem se projeta em alguém com quem se projeta, em um parceiro de projeto”,
combatendo, desta maneira, práticas de ensino de projeto que julgavam girar em torno de situ-
-
forme aponta Anastassakis, o fundamento principal da metodologia do Design Social reside
na integração do designer com o contexto no qual ele atua. Segundo esta abordagem, o efetivo
ensino de projeto só é possível a partir de plataformas externas à universidade, em situações
do projeto ocorra de acordo com o diálogo efetivo instalado entre esses parceiros e o projetista.
Por isso, a sustentação teórica do Design Social é dada principalmente por autores ligados à
Antropologia – Bronislaw Malinowski, Willian Foote-Whyte, Roberto Cardoso de Oliveira –,
bem como por técnicas típicas da pesquisa antropólogica – nomeadamente, a pesquisa et-
busca-se sensibilizar os alunos,
que acabam de ingressar na universidade, para as questões da cultura, dos contextos, das
identidades, da alteridade e da diversidade cultural” (anastassakis: 2012, s/p).
Neste mesmo artigo, a autora esclarece que, no Brasil, o Design Social é uma reação a uma
suposta hegemonia do paradigma disseminado pela Escola Superior de Desenho Industrial
144
(esdi) desde os anos 70. De acordo com Anastassakis, este paradigma teria como característica
dos pressupostos norteadores da educação dos designers. A crítica desferida à esdi pela autora
se assenta em duas premissas centrais:
1. a ideia de que a escola carioca teria implantado e disseminado pelo Brasil, de maneira
direta, ditatorial e calculada, uma gramática visual dita “germânica”, com vistas a impor
uma certa hegemonia que, por sua vez, seria a causadora de uma suposta crise posterior
na identidade do design brasileiro. Este paradigma estético, dito “germânico”, teria sido
formulado, por sua vez, na Escola de Ulm (Alemanha, 1953-1968), sendo ligado a um
contexto cultural também dito “germânico”, e que seria, portanto, estranho ao Brasil e
completamente inadequado ao país;
2. a ideia de que as imposições esdianas seriam dotadas de uma tal força institucional
que teriam sido capazes, por si próprias, de paralisar quaisquer formulações alternativas
(muito embora a própria autora apresente, em seu artigo, o legado intelectual de Lina Bo
Bardi e da Escola de Desenho Industrial e Artesanato, planejada pela arquiteta na mesma
época de implantação da esdi, e que jamais funcionou devido à intervenção do governo
militar).
Entramos no século XXI com a cópia mal operada da estrutura de ensino adotada no pós-guerra,
carregando ainda parte da prática pedagógica dos anos 20, e, sobretudo, seguindo a matriz do de-
sign europeu de origem alemã, portanto oriunda de uma realidade muito distante da nossa (leite:
2008, 277).
Em sua pesquisa de doutorado, Ethel Leon (2013) sugere que as acusações de autorita-
rismo e desconhecimento de nosso legado cultural, perpetradas à esdi a partir dos anos 90, são
um aspecto da luta concorrencial do campo, sendo explicadas, em parte, pelo enfraquecimento
real do mercado de trabalho dos designers brasileiros, em função da queda das barreiras al-
fandegárias aos produtos importados, bem como pela entrada de multinacionais no mercado
-
nais ao “design de autor”, cujo trabalho se caracteriza pelas pequenas tiragens, pela relativa
indepedência dos meios de produção industriais, pelo investimento prioritário nos aspectos
simbólicos/artísticos das formas dos objetos (em detrimento dos aspectos funcionais) e pelo
atendimento de segmentos da sociedade interessados em artefatos de luxo e em seu potencial
ornamental/decorativo/distintivo. A ideia de “design de autor” seria, então, completamente
incompatível com o ideário moderno disseminado pela esdi
trajetória do campo. De acordo com essa perspectiva, a esdi estaria cumprindo o papel de
bode expiatório de uma problemática muito mais ampla e complexa do que fazem supor os
argumentos de seus detratores. Leon menciona ainda o desconhecimento, por parte dos ques-
tionadores da escola carioca, tanto da produção efetiva de seus egressos, quanto da intensa
movimentação crítica operada na esdi nos anos 70, e que é relatado em riqueza de detalhes por
Pedro Luís Pereira de Sousa em seu livro Esdi , publicado há mais de
15 anos.
No que diz respeito aos fundamentos das críticas de Anastassakis e João Leite, é notável
a completa desconsideração de que a implantação da esdi deu-se sob o clima repressivo do
146
regime militar instalado no Brasil em 1964, muito embora seu projeto original – então in-
édito no país – tenha sido formulado dentro de uma atmosfera cultural claramente politizada,
democrática, desenvolvimentista e progressista. É justamente a ocultação dessa conjuntura
histórica que dá consistência à luta concorrencial do campo e ao mito segundo o qual a esdi
teria sido efetivamente partidária da alardeada estética “germânica”, e que a teria imposto “à
força” – e sem os intermédios do Estado –, às demais escolas do país, determinando de modo
irreversível os caminhos posteriores do design brasileiro, que teria sido, assim, culturalmente
interrompido.
Esta é uma versão dos fatos que tenta fazer crer que há um problema no design bra-
sileiro; que este problema diz respeito a uma suposta falta de consistência cultural atualmente
vigente, sendo este o efeito negativo de um suposto plano maquinado pela esdi, como que num
ataque deliberado e maquiavélico a um genuíno e frágil arcabouço cultural nacional. De acordo
com esta ideologia anti-esdi, o paradigma inspirador da escola carioca (gestado na Escola de
Ulm) era dotado de estabilidade e rigidez inabaláveis, além de ser efetivamente “germânico”, e
-
maram a existência da escola alemã, registrados em diversas publicações. Segundo tal visão, a
suposta estética ulmiana pode ser efetivamente reduzida, sem considerações, a um formalismo
a disseminação da estética funcionalista pela esdi advém tão somente da cegueira ideológica
de seus multiplicadores, não tendo nenhuma relação, por exemplo, com as deformações cur-
riculares impostas à escola pelo Conselho Estadual de Educação à época do regime militar.
147
o desapareCimento da indústria e do merCado
de algumas abordagens Contemporâneas
As três abordagens comentadas neste capítulo – Design Emocional, Design Social e aque-
la que toma o design como expressão da identidade cultural – têm em comum o fato de coloca-
De acordo com a visão do Design Emocional, faz parte das prerrogativas da atividade do
designer a concepção de instrumentos de análise que possibilitem a compreensão dos afetos
entre usuários e artefatos, de maneira que esses possam ser antecipadamente agenciados no
momento do projeto. Já para o Design Social, a prática de projeto diria respeito, antes de
mais nada, à interpretação das motivações intrínsecas dos destinatários do mesmo. No caso
antes de mais nada, um agente engajado, antes de mais nada, na constituição de um projeto
-
belece, individualmente, e a cada projeto, os seus compromissos de trabalho. Nenhuma das
três abordagens coloca em questão a natureza, os propósitos, os limites e os problemas técni-
co-construtivos das produções geradas a partir das práticas de projeto. Os agentes envolvidos,
por sua vez, não são nomeados, nos artigos discutidos, de acordo com seu estatuto propria-
mente econômico: o de contratantes e/ou clientes, ou o de consumidores e/ou compradores,
ou seja, o de agentes remuneradores do trabalho de design, quer essa remuneração seja feita
de maneira direta ou indireta. Em tais prescrições, tudo se passa como se o designer atuasse
num mundo supra-econômico, movido apenas por interesses de ordem altruísta ou cultural
imprecisão, produzindo a impressão difusa de que ela diz respeito ao atendimento genérico e
bem realizado dos interesses alheios (do país, do empresariado ou dos indivíduos) por meio
redundar na produção de novos artefatos, e cuja única força motriz parece ser a satisfação de
um “outro”.
148
eram claramente ligadas à implantação de um parque industrial brasileiro e à necessidade de
formação de técnicos habilitados para nele atuarem, bem como da emergência correlata de
um mercado consumidor que, desde então, não parou mais de crescer, de segmentar-se e de
apresentar demandas cada vez mais multifacetadas aos designers. Esse abismo salta mais aos
olhos na medida em que essas proposições contemporâneas fazem pouca ou nenhuma alusão
à tecnologia e aos meios produtivos ou ao consumo de massa, fazendo crer que a prática do
designer se dá separada desses âmbitos.
Qual seria então a explicação dessa guinada conceitual, que alterou o estatuto inicial do
designer – o de consultor artístico da indústria, a serviço de um projeto político expansionista
– forjado a partir da primeira metade do século xix, para estatutos que fazem desaparecer do
horizonte do designer tanto o mercado quanto a indústria e suas tecnologias, promovendo uma
1. Recusar o caráter não somente instrumental, mas também subserviente, das práticas
do designer em relação à organização produtiva capitalista e, sobretudo, em relação ao
funcionamento desumano e predatório da econo-mia de mercado, paradigmas nos quais
149
-
tintivas que movem os diversos usos públicos da noção de design, bem como dos bens
-
-
mar a superioridade de um grupo social em relação aos demais, por meio da imposição de
estilos de vida supostamente mais legítimos e exemplares, problemática da qual faz parte
uma das noções mais centrais na trajetória histórica deste campo, que é a noção de “bom
gosto”;
ao exercício da violência simbólica pelas classes sociais mais abastadas, que se valem, para
tanto, de recursos estilísticos diversos, por meio da posse, uso e ostentação de bens diver-
sos, muitos dos quais são oriundos das práticas de projeto aqui discutidas. Os dois últimos
pontos desta hipótese se baseiam na interpretação do funcionamento social apresentada
por Pierre Bourdieu na obra A distinção: crítica social do julgamento, problemática que
será discutida a seguir.
Para Bourdieu (2008a), quanto mais abastado é um grupo social, mais as suas maneiras
de ser, agir e pensar tendem a se realizar através de atitudes estéticas, que se expressam não
apenas na relação com a arte, mas em toda e qualquer prática, seja nos hábitos alimentares
e atitudes à mesa, nas formas de higiene corporal, maneiras de vestir, usar adornos e arru-
cônjuges e, até mesmo, nas atitudes corporais mais impensadas, como a maneira de se aco-
ou pequenas corporações).
Os artefatos oriundos das práticas do design são, assim, essenciais para a realização das
dinâmicas distintivas entre as classes, pois contribuem para que as predisposições das classes
dominantes se realizem numa “arte de viver”, que produz modos e maneiras estilizadas, estet-
icamente motivadas e calculadas, ainda que isso ocorra sem que os indivíduos propriamente
-
quisas realizadas por designers e suas equipes a respeito dos usuários pressupostos em seus
projetos são, na verdade, investigações sobre as predisposições de classe para a valorização e
simbolização de novos produtos, e não exatamente para a adequação aos usos objetivos que
na relação biunívoca entre usuário e objeto, quanto na relação com outros “usuários” de produ-
tos idênticos (pertencentes à mesma classe social), ou de produtos similares (pertencentes a
-
tanto, que o designer contemporâneo é, de maneira cada vez mais acentuada, não exatamente
um especialista nas questões técnico-construtivas ou operacionais/funcionais de novos artefa-
tos ou sistemas, mas sim um especialista no desvendamento do universo imaginário dos gru-
pos sociais pressupostos em seus projetos, principalmente nos termos dos usos simbólicos de
No que diz respeito ao conhecimento dos membros das classes dominantes sobre os prob-
lemas das classes subalternas, é objetivamente possível que, devido à posse de grande quanti-
dade de capital econômico, tais indivíduos se mantenham completamente alheios aos con-
strangimentos e impasses advindos das limitações econômicas. Por isso, uma das tendências
centrais nas práticas dos membros das classes dominantes é a indiferença e o não-reconheci-
mento de que, nas classes sociais dominadas, o consumo e as formas de vida são determinadas
pela falta de recursos de toda espécie e, em especial, de recursos econômicos. Isso explica
porque a disposição estética culta
151
pressupõe o distanciamento ao mundo (…) que é o princípio da experiência burguesa do mundo.
(…) O poder econômico é, antes de tudo, o poder de colocar a necessidade econômica à distância:
-
tatório, no desperdício e em todas as formas do luxo gratuito. (bourdieu: 2008a, 55)
comunicação institucional.
152
na sua apreciação do mundo e na sua condução da vida, o Belo sempre interessa antes de mais
nada.
Os dois tipos de disposição estética em questão (a estética regida pelas referências cultas e
pelo excedente de capital econômico, e estética regida pela privação de recursos) diferem entre
si na relação que cada uma estabelece entre a forma e a função das coisas do mundo, tanto no
caso das obras de arte, quanto do consumo em geral, ou em quaisquer situações onde juízos e
escolhas estéticas estejam em questão. De acordo com a estética culta, a compra de um artefato
tem como critério relevante a exclusividade e a raridade da forma e, por conseguinte, a sua ca-
pacidade de fazer-se um objeto exclusivo, e de tornar seu possuidor um indivíduo único e raro.
Ao contrário, no caso da estética da necessidade, os critérios passam, ao mesmo tempo, pela
limitação econômica, pela função objetiva a ser cumprida pelo artefato e pela sua conveniência
aos seus usuários. As atitudes estéticas das classes dominantes dão origem, assim, a tipos de
também pela negação tanto do mundo social em sua verdade mais atroz, quanto da função ob-
culta.
153
Em razão do excedente ou da privação dos capitais cultural e econômico que, em geral,
caracterizam o patrimônio das famílias desde antes do nascimento de seus herdeiros, as con-
dutas e escolhas dos membros tanto das classes dominantes, quanto das classes dominadas,
são regidas por princípios e valores abstratos que, de tão enraizados, tendem a ser sentidos,
por um indivíduo, como se fossem referências naturais, e não construídas social e historica-
mente. No plano do consumo corriqueiro de uma pessoa, as disposições estéticas típicas de sua
classe social tendem a desaguar em ações concretas por intermédio do gosto, que é um meca-
nismo capaz de converter as predisposições abstratas em escolhas concretas das mais variadas
ordens, grande parte das quais referidas aos bens oriundos das práticas do designer. O sistema
que se estrutura em torno da oposição entre estética culta e estética popular dá origem, no
nível do gosto, a outro par estrutural de opostos: de um lado, os gostos de luxo ou de liber-
dade, que “caracterizam os indivíduos que são produto de condições materiais de existência
-
cilidades garantidas pela posse de um capital”; no outro extremo, os gostos de necessidade
apenas de forma negativa, por falta,
pela relação de privação que mantém com os outros estilos de vida” (bourdieu: 2008a, 170).
do campo do design em nome do bom gosto – e que teve grande repercussão internacional –
foi empreendido pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque entre 1950 e 1955, por meio
das Good Design Exhibitions, série de mostras nas quais se colocava em debate o excesso e a
gratuidade formal de diversos artefatos desenhados e consumidos nos Estados Unidos, com-
parados aos seus congêneres desenhados na Europa de acordo com o cânone modernista, su-
postamente superior por não ser motivado, explicitamente, ao atendimento dos imperativos
de mercado.
154
contra as classes dominadas, e que intrínseca a essa sistêmica, deve ser alvo de adaptações
Nesse artigo, as autoras defendem a ideia de que os artefatos de luxo, dada a sua alta com-
petitividade, podem ser viabilizadores do progresso e do “desenvolvimento econômico de uma
nação”, na medida em que a produção de tais bens gera mais empregos, melhora a distribuição
de renda e a valorização identitária da região onde são produzidos. No que diz respeito aos
benefícios gerados pelos objetos de luxo aos seus usuários, as autoras assinalam aqueles de
ordem subjetiva/psicológica, como a valorização da auto-estima e da individualidade, o “sen-
timento de prazer da alma
Gilles Lipovetski, para quem o luxo é um mecanismo de humanização, na medida em que at-
ende a complexidade existencial de nossas necessidades (“o luxo torna-se produto de primeira
necessidade para toda a sociedade
de espetáculo ou de escândalo. Por isso, elas defendem o “luxo acessível”, modalidade que
-
que está na base de um “ritual diário de busca em alcançar um novo estilo de vida” (faggiani e
nojima: 2006, s/p).
No que diz respeito à aproximação entre o luxo e o design, as autoras argumentam que
essas duas noções já foram alvo de grandes mal-entendidos, por serem tomadas como sinôni-
mos, mas que, atualmente, a distinção é clara, sendo o design “a essência dos produtos de
luxo”, além de uma ferramenta estratégica para a compreensão das expectativas dos consumi-
dores deste segmento e para o seu atendimento, mediante a oferta de produtos que sejam aptos
a se converter em referências universais, intemporais e eternas – as supostas características
do luxo. Em síntese, as autoras associam os artefatos e o consumo de luxo à melhoria social
pela via de sua democratização, ou seja, pelo reconhecimento que todos têm direito ao luxo; ao
mesmo tempo, elas defendem que os projetistas desses artefatos não projetam apenas “coisas”,
Visando garantir a consistência política de sua posição, o autor evoca diversas situações
de miséria e privação, gerando um efeito de contraste entre as ilustrações glamourizantes dos
livros em questão e um cenário social dramático, sobre o qual ele enfatiza: a quantidade de
mortos por acidentes de trabalho no país; a baixa avaliação do Brasil no Programa Internac-
ional de Avaliação de Alunos do ensino fundamental; as penúrias sofridas pelos trabalhadores
da agricultura brasileira ou por outros trabalhadores urbanos privados de sono apropriado; a
crescente população de idosos, supostamente desatendida pelos designers; as populações at-
ingidas por catástrofes naturais; a pobreza extrema de 5,8 bilhões de habitantes do planeta; a
concentração de riqueza nas mãos de poucos indivíduos; a subnutrição infantil; as vítimas de
minas terrestres; as vítimas da malária; as vítimas da seca. Para o autor, todas essas realidades
estariam sendo desconsideradas como alvos da ação dos designers, desinteresse explicado por
92. Os autores evocados por Frank Barral em sua tese foram, notadamente, Richard Buchanan, Gui Bonsiepe,
Charles Eames e Tomás Maldonado.
93. De acordo com Dieter Rams, “o bom design é inovador (…); tem qualidades estéticas (…); faz com que um
produto seja útil (…); torna um produto compreensível (…); não é obstrutivo (…); é honesto (…); tem vida longa
(…); é consistente até o último detalhe (…); é amigável em termos ambientais” (rams apud dodd: 2011, 26)
156
livros ilustrados de design estariam se prestando à formação de uma ideologia segundo a qual
as injustiças sociais existentes no mundo de hoje em nada se relacionam com o universo do de-
sign. Para Frank Barral, seria condenável que alguém possa pensar “em produtos de consumo,
em luxo, arte (comercial) e moda” (dodd: 2011, 34) diante de tal cenário. Por isso, ele coloca
em questão o trabalho de designers que projetam objetos com “motivações semióticas”, ou que
atuam na fronteira entre a arte e o design, como é o caso do francês Philipe Starck, criador da
nos morros do Rio de Janeiro ou por soldados mirins em Moçambique. Para Frank Barral
trata-se de um design de “gosto duvidoso”, “um produto de marketing para manter em evi-
dência o nome de seu criador, o que ajuda a vender escovas de dente, cadeiras e aquecedores
de mamadeira de sua criação (…). É o choque a serviço da autopromoção” (dodd: 2011, 34).
157
Ainda com vistas à legitimar suas críticas, o professor Frank Barral menciona a série de
exposições , promovidas pelo Cooper-Hewitt National Design Mu-
seum (Nova Iorque), que tratam de divulgar projetos desenvolvidos por designers, engenhei-
ros, arquitetos e empreendedores sociais, visando o atendimento de populações carentes ou
vítimas de desastres e guerras. A alusão de Barral ao Cooper-Hewitt Design Museum levanta
uma questão central para as dinâmicas do campo: qual seria a contribuição dos museus espe-
-
lação da crença partilhada internamente, pelos agentes do campo? Seria a abordagem denun-
cista do Cooper-Hewitt Museum uma regra, ou trata-se de um iniciativa isolada? Esta é uma
problemática debatida pela pesquisadora Ethel Leon em sua tese de doutorado (2013), na qual
dedicou-se a compreender o sentido da musealização do design, e particularmente das inicia-
tivas do Idi/Mam-Rio, da fiesp e do Museu da Casa Brasileira.
94. Museu de Arte Moderna e Cooper-Hewitt, em Nova York; Centro Georges Pompidou e Museu de Artes Deco-
rativas de Paris, em Paris; Pinakothek der Moderne, em Munique; Museu Victoria e Albert e Museu de Design em
Londres, Design Center em Copenhagen; Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.
158
higienistas (forty: 2007; leon: 2013), ligadas ao corpo e à saúde, e às transformações então
perpetradas na organização da vida privada das camadas médias da sociedade britânica, no
período vitoriano. Trata-se da ascensão do modo de vida burguês e das mudanças relativas à
organização da família, na qual a mulher passava a exercer o papel de gestora da casa, prove-
dora da educação da prole e guardiã da saúde de todos, o que requeria uma infraestrutura
ensejada no seio da família. Neste paradigma, o lar passou a representar o refúgio no qual o
homem (o marido) encontraria proteção e repouso em relação às agruras do mundo exterior,
sendo a decoração e os artefatos do lar itens essenciais para a realização desta visão de mundo.
Leon lembra que, além de representar o espaço protegido do mundo exterior, a moradia bur-
guesa também passou a ser o palco de um novo tipo de sociabilidade, no qual a família recebia
seus convidados para saraus e reuniões, num cenário que deveria estar organizado, dividido e
entre a sala de jantar (espaço social, ocupado pelo casal, sua prole e convidados) e a cozinha ou
o quatro de engomar (espaço dos serviçais, destinado à realização de tarefas penosas). No que
diz respeito ao higienismo, ela destaca a ascensão do banheiro como peça mais moderna da
moradia, espaço de privacidade, individualidade e atenção ao corpo, no qual se realizava a as-
sociação entre higiene e saúde, em torno de artefatos desenhados especialmente para amparar
A autora explica que, por trás da maioria dos objetos que vem sendo consagrados pelos
acervos de design desde o século xix, em museus e outras instituições similares, existe outro
moderna, de bem-estar físico e material, sendo esta disseminada tanto por meio dos artefa-
do consumo das famílias para se manter operativo. Neste sentido, Leon aponta, por exemplo,
que o “conforto do lar” se constituiu, durante a Guerra Fria, num “campo de batalha entre o
159
modelo norte-americado e o soviético” (leon: 2013, 78). Para a autora, o que está por trás da
não é exatamente o elogio do bem-estar, mas sim a manutenção de um modelo societário que
depende do consumo familiar e individual para se perpetuar. Dentro deste modelo, o papel
desempenhado pelas famílias é o de unidades de rendimento (na medida em que elas for-
necem ao sistema a sua força de trabalho) e unidades de consumo, na medida em que “a casa
unifamiliar se tornou o alvo das indústrias de bens de consumo, cada vez mais próximas
do mundo da moda, no lançamento sazonal de produtos”, se constituindo como a “unidade-
destino dos diferentes serviços ofertados por empresas estatais ou privadas, como luz, água,
gás, telefone” (leon: 2013, 72). Isso exige que o consumo seja sempre estimulado, seja pelos
95
dos objetos e sistemas, que são levados a cabo pela musealização de determinadas
categorias de bens (e não de outras), conferindo a nobreza cultural necessária para mascarar a
arbitrariedade ou a conspicuidade de grande parte das práticas consumidoras.
-
mação de pessoas, coisas e práticas não-artísticas em pessoas, coisas e práticas tidas como “artísticas”, cujo
estatuto é transformado por intermédio da atuação de agentes socialmente reconhecidos para realizar esta
operação. Trata-se de um conceito desenvolvido no âmbito da Sociologia da Arte pelas sociólogas Roberta Shapiro
e Natalie Heinich.
160
Considerações finais
algumas questões em aberto:
da bauhaus ao fórum de davos
Assim como diversas abordagens apresentadas ao longo desta tese, as duas últimas – a
que adere ao luxo e a que o combate – creditam ao design a capacidade de promover o desen-
volvimento humano e social, seja por meio da distribuição da riqueza gerada pela produção de
bens de luxo, seja pelo provimento de recursos técnicos, destinados a minimizar o sofrimento
real de indivíduos e populações vitimados pela miséria, pela fome, pela guerra, por mutilações
em decorrência do trabalho, pela falta de moradia digna, assistência à saúde, acesso à escola,
ao trabalho e à renda. O mesmo pode ser dito das abordagens ecologistas, culturalistas, emo-
cionalistas ou ergonomistas (grosso modo, aquelas voltadas ao desenho de postos de trabalho
e artefatos mais adequados a viabilizar a execução de tarefas sem lesionar os corpos dos usuári-
os). E também das abordagens museológicas, tal como discutidas no capítulo anterior, que
associam o design ao conforto doméstico e ao bem-estar individual.
Cada uma dessas tomadas de posição enfatiza algum tipo de benefício humano suposta-
mente promovido pela atuação direta do designer, seja em termos da economia energética nos
sistemas produtivos, da proteção ambiental decorrente de escolhas de matérias-primas menos
poluentes, da saúde física e psíquica dos usuários dos artefatos projetados, do bem-estar exis-
tencial, emocional e corporal promovido por objetos e próteses em geral, ou da partilha social
possa chamar de “artístico”, ainda que sejam simples adornos corporais. Algumas proposições
– em particular as ligadas ao Design Social – ampliam essa ênfase, ao não associar o benefí-
cio da atuação do designer propriamente aos sistemas e artefatos projetados, mas ao próprio
processo de elaboração dos projetos, mediante a participação ativa dos usuários nas decisões
projetuais, o que promoveria a recuperação de uma cidadania que é supostamente desconsi-
derada pelas teorias e práticas de raiz modernista.
161
campo, a primeira dessas formulações aconteceu na Inglaterra, na segunda metade do século
xix, e foi protagonizada por William Morris e John Ruskin. Como se sabe, eles se empenharam
na crítica à produção industrial de bens, alegando que a divisão do trabalho subjacente a esse
sistema gerava não somente infortúnios aos operários – outrora artesãos, agora despossuídos
do controle de seus ofícios pela instituição do sistema fabril – mas também produzia um ac-
ervo de objetos desprovidos das qualidades formais/artísticas que seriam fundamentais para
paim: 2000). Eles defendiam
o retorno aos meios de produção medievais, por entenderem que a organização do trabalho
artesanal em guildas era capaz de harmonizar a boa forma dos objetos com as boas condições
de trabalho e de vida de seus produtores (paim: 2000), dotando os artefatos de uma espécie de
espiritualidade.
marcenaria, da arquitetura etc. –, assumindo explicitamente que tais práticas não poderiam
ser realizadas de maneira politicamente neutra, mas sim vinculadas a uma opção política que
era elaborada e manifesta enquanto tal. Não por acaso ambas as escolas foram fechadas por
motivações políticas (respectivamente por Hitler e Stalin), e também tiveram suas histórias
interfaces etc. que permitam que um enorme contingente de indivíduos se relacione de ma-
máquinas complexas que povoam o cotidiano. Efetivamente, um bom projeto pode dar origem
Assim, cabe perguntar: é realmente possível que o designer venha a transformar positiva-
mente a realidade por seus próprios meios, movido somente por uma força vontade corpora-
tiva, promovendo o desenvolvimento humano e a igualdade social? Seriam suas competências
seria possível apenas promover o bem-estar, o conforto e as boas condições materiais de vida
somente às parcelas solventes da sociedade, capazes de remunerar não somente o trabalho do
designer, mas todo o sistema que de produção de artefatos e dispositivos? Seria o designer um
163
agente essencialmente dotado de capacidades intelectivas capazes de instalar socialmente, e
sem intermediários políticos, formas de consumo mais sustentáveis e novos mundos, mais de-
sejáveis, agradáveis, amigáveis e legítimos? Ou seria o designer, ele mesmo, um intermediário
de competência técnico-artística e cultural a serviço do poder político em voga (tal como ilus-
e pelos direitos autorais? Seria a realidade do mercado passível de ser colocada à parte?
um de seus praticantes do capital do poder necessário à condução dos projetos de acordo com
sua própria ética e procedimentos, supostamente mais adequados aos problemas humanos do
que outros. No entanto, conforme argumenta o historiador Adrian Forty, embora uma parte
Diante dessa constatação, é preciso indagar em que medida as prescrições para o de-
sign – em particular aquelas mais moralmente guarnecidas, elaboradas no interior do campo
acadêmico – não estariam ocultando, inclusive de seus próprios formuladores, a desconfor-
tável condição estrutural de instrumentalidade desta prática, capaz de atuar não exatamente
em favor do “bem”, e nem exatamente em favor do “mal”, mas em prol de um “fazer bem feito”,
ou seja, em prol da formulação engajada de quaisquer interfaces, que possibilitem a quaisquer
usuários a consecução de quaisquer tarefas, por meio do uso de quaisquer artefatos e sistemas,
independente da natureza moral ou da destinação social dos mesmos.
Neste sentido, é preciso investigar por quais razões – e por intermédio de quais agen-
tes – deu-se a mudança da valorização atribuída ao design nos painéis do Fórum Econômico
Mundial (tal como ilustra o relato do capítulo 1 desta tese), que era claramente associado às
ideias de “inovação”, “estratégia” e “liderança” antes da crise econômica de 2008, o que pas-
sou a ser discutido em termos utópicos, ligados a interesses humanos universais (e, portanto,
supra-políticos), tais como a viabilização do consumo sustentável, a promoção de identidades
culturais regionais, a promoção da felicidade humana e da consciência coletiva, culminando
com a invenção de um novo homem.
165
anexo
tabela Comparativa da organização
temátiCa dos Congressos p&d (de 1994 a 2012)
Design,
designers
e utopia
166
7o p&d 8o p&d 2008 9o p&d 2010 10o p&d 2012
2006 Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos
Design e cultura Teoria e crítica Aspectos Teoria e crítica Aspectos Teoria e crítica Aspectos
Design e estética do design artísticos do do design artísticos do do design artísticos do
design design design
Design e ética
Aspectos Aspectos Aspectos
Design e estudos
de subjetividade design design design
Design e gestão
Design de jóias
Design de moda
167
anexo / Continuação
tabela Comparativa da organização temátiCa dos Congressos p&d (de 1994 a 2012)
Design de
interfaces,
web design
168
7o p&d 8o p&d 2008 9o p&d 2010 10o p&d 2012
2006 Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos
Design editorial
Design de Design e Design para Design e Design para Design e Design para
interfaces tecnologia meios tecnologia meios tecnologia meios
digitais eletrônicos e eletrônicos e eletrônicos e
digitais digitais digitais
Design de
processos
interativos e
imersivos
Design de jogos
Design de redes
Design mate-
riais e processos
de fabricação
Design e
ambiente
construído
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