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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC SP

Ana Claudia Berwanger

As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design

Doutorado em Ciências Sociais


São Paulo
2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC SP

Ana Claudia Berwanger

As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design

Tese apresentada à banca examinadora


como exigência parcial para a obtenção do título de
Doutora em Ciências Sociais, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da professora Dra. Maria Celeste Mira.

Doutorado em Ciências Sociais


São Paulo
2013

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Errata da tese de doutorado “As ambiguidades da doutrina: conflitos e tensões
estruturais no campo do design” (Ana Claudia Berwanger)

Notas faltantes na página 82:

65. Estética e História das Artes e Técnicas; Ciência da Computação; Plástica; Desenho.

66. Materiais Expressivos e Técnicas de utilização; Expressão; Estudos sociais e Econômicos; Teoria
da Fabricação e Projeto e seu Desenvolvimento.

67. Conselho Internacional das Associações de Design Industrial.

Notas faltantes na página 84:

68. Fonte: http://www.adg.org.br/adgbrasil.php (consultado em 24/03/2013, às 12:13h).

69. Trata-se dos seguintes projetos de lei: PL 4241/1993; PL. 1965/1996; PL. 6647/2002 (dedicados ao
desenhista industrial) e PL. 2621/2003. PL 3515/1989 e PL 1391/2011 (dedicados ao designer).

70. Fonte: http://www.designbrasil.org.br/designnapratica/regulamentacao-do-designer-quem-


interessa, (consultado em 18/04/2011, às 09:17h).

Notas faltantes na página 85:

71. Ibidem.

72. Cf. Artigo 47, decreto-lei 3688/1941.

Nota faltante na página 86:

73. João Roberto Peixe atualmente é Secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura,
no governo Dilma Rousseff.

Notas faltantes na página 101:

74. Trata-se do nome fantasia de um exercício de projeto realizado em grupo, com vistas à elaboração
conceitual da solução de um dado problema, em curtíssimo espaço de tempo, e de uma única vez, sem
interrupções.

75. A revista, por sua vez, foi um formato adotado pelos estudantes em substituição aos tradicionais
anais de congresso, considerados, naquele contexto, chatos, aborrecidos e desinteressantes.

Notas faltantes na página 102:

76. http://emec.mec.gov.br/

77. Além dos bacharelados, o Sistema e-Mec registrava também, à época da consulta, a oferta de cursos
em nível tecnológico, na modalidade presencial, distribuídos por especialidade: 70 cursos de Design de
Moda; 69 cursos de Design de Interiores; 53 cursos de Design Gráfico; 18 cursos de Design de
Produtos; 3 cursos de Webdesign; 1 curso de Design (sem especificação da especialidade) e 1 curso de
Design de Jóias. Por fim, o mesmo sistema indica a oferta de três cursos tecnológicos em Design
Gráfico e Webdesign, na modalidade do Ensino à Distância.

Nota faltante na página 104:

78. A primeira formação contou com os professores Rita Maria de Souza Couto (PUC-Rio), Gustavo
Amarante Bonfim (UFPE e PUC-Rio) e Flávio Vinícius Cauduro (UFRGS e PUC-RS); a segunda formação
contou com as professoras Dulce Maria de Paiva Fernandes (UFR); Solange Coutinho (UFPE) e Mirna
Nascimento (UNIP).

Notas faltantes na página 107:

79. Alberto Cigada, Carlo Vezzoli, Chiara Colombi, Ezio Manzini, Silvia Pizzocaro, (todos ligados ao
Instituto Politécnico de Milão); Ahmet Çakir (Ergonomic Institute, Berlin); Alpay ER (Departamento
de Desenho Industrial Universidade Técnica de Istambul, Turquia); Andrew Campbell (National
College of Art and Design de Dublin, Irlanda); Austin Adams (Escola de Psicologia, Universidade de
New South Wales, Austrália); Ananthapuram G. Rao (Instituto de Tecnologia de Bombaim, Índia);
Bernard Darras (Diretor do Centro de Pesquisas em Imagens, Culturas e Cognições); Bernhard Bürdek
(Escola Superior de Design de Offenbach); Brigitte Mozota (Escola de Arte e Design Parsons, Paris);
Catherine Dixon (Central St. Martins, Universidade de Artes de Londres, UK); Charles Owen (Institute
of Design, Illinois Institute of Technology); Gregory Votolato (Escola de Artes e Design de
Buckinghamshire, UK); Janet Murray (Universidade de Harvard); Joanna Berzowska (Universidade
de Concórdia); Ken Eason (Departamento de Ergonomia, Universidade de Loughborough, UK); Klaus
Krippendorf’s (Sociedade para os Estudos em Ciência do Design, Japão); Maria Fernanda Camacho
(Pontificia Universidad Javeriana, Colômbia); Neville Stanton (Departamento de Design,
Universidade de Brunel, UK); Patrick Jordan (Pesquisador da Symbian – joint venture da Motorola,
Nokia, Psion, Ericsson e Panasonic); Penny Sparke (Faculdade de Arte, Design e Música, Universidade
de Faculty of Kingston UK); Philipp Heidkamp (Escola Internacional de Design de Colônia,
Alemanha); Ramesh Raskar (Mit Media Lab, EUA); Ron Nabarro (Universidade de Haifa, Academia
de Artes da Eslovênia); Simo Antero Säde (Universidade de Artes e Design de Helsinki); Tony Fry
(Ecodesign Foundation, Sydney, Australia); Victor Margolin (Departamento de História da Arte,
Universidade de Illinois).

80. Os programas de mestrado são mantidos pelas seguintes universidades: UFMA, UFMG, UFPR, UERJ,
UFRGS, UNISINOS, UNIRITTER, UDESC, UAM E UFSC.
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Banca Examinadora

5
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Agradecimentos

À minha orientadora Maria Celeste Mira, pela leitura atenta de meus escritos e pela orientação
precisa e dedicada. E também pelo humor, paciência e amizade, e pelo incentivo e companhia ao longo
dos mais de cinco anos de escritura desta tese.

Aos professores Guilherme Simões Gomes Jr. e Maria Lucia Bueno, pelas muitas contribuições da-

e outras seguem registradas para pesquisas que eu ainda espero realizar.

À amiga Clara Luiza Miranda, professora e colega na ufes, por ter inspirado, ainda em 2005 (mes-
mo sem sabê-lo) alguns insights que foram fundamentais para que minhas impressões vagas se trans-
formassem num projeto de pesquisa. E à Ana Paula Goulart, professora do Programa de Pós-graduação
em Comunicação da ufrj, pela breve e fundamental conversa ocorrida no ano de 2006, durante a qual
fui incentivada a ler a obra Razões práticas sobre a teoria da ação, sugestão mais do que acertada, que
desencadeou todas as minhas escolhas posteriores relativas ao doutoramento e à minha aproximação
da Sociologia.

Com grande admiração, aos professores do programas de pós-graduação em Ciências Sociais, Eco-
puC-sp e da usp, pelo rigor e seriedade exemplares, e por terem me for-
necido recursos inestimáveis que vem transformando a minha compreensão das coisas: Edgar Assis
Carvalho, Franklin Leopoldo e Silva, Jeanne-Marie Gagnebin, João Machado Borges Neto, Katerina
Coltai, Luis Eduardo Waldemarin Wanderley, Maria Celeste Mira, Marilena Chauí, Miguel Wady Chaia
e Salma Tannus Muchail.

À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da usp, pelo empenho na manutenção de sua excelente


biblioteca; em especial, a todos os seus funcionários. Pelas mesmas razões, à fea-usp e eCa-usp, à Escola
Superior de Propaganda e Marketing, à Faculdade Santa Marcelina e à Universidade Presbiteriana Ma-
ckenzie, particularmente pelos seus notáveis acervos de periódicos.

À Katia Kreutz, por ter me socorrido prontamente com várias traduções de última hora, ao longo
dos anos em que realizei esta pesquisa. E à Tereza Cristina Mezadre, bibliotecária da Seção de Processa-
mento Técnico da Biblioteca Central da ufes

A João Rotta Neto, Carlos Eduardo de Carvalho Alves e ao amigo Lincoln Guimarães Dias, pelas
observações feitas sobre os ensaios deste texto, essenciais para que eu continuasse escrevendo.

À Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e


Semiótica da puC-sp , orientadora de minha pesquisa de mestrado, por ter me ensinado como sobreviver

Por suas atuações inspiradoras, aos colegas do Grupo de Pesquisas em Práticas Culturais Contem-
porâneas: Ana Lucia de Castro, André Luiz da Silva, Edson Farias, Elder Patrick Maia Alves, Expedito
Leandro Silva, Jorge Leite Jr, José Paulo Florenzano, Marco Antônio de Almeida, Vera Lúcia Cardim
e Wilken David Sanches. Pelas mesmas razões, aos meus colegas professores: João Carlos de Souza,
Lincoln Guimarães Dias, Maria Regina Rodrigues, Mauri de Carvalho, Mónica Vermes, Nelson Porto
Ribeiro e Raphael Góes Furtado.

Aos amigos que me ajudaram na jornada Vitória-São Paulo-Vitória, sem os quais o peso da mu-
dança e da adaptação teriam sido insuportáveis: Deborah Rosenfeld, Keilly Tozzi, José Luiz Aidar Prado,
José Otávio Name, Lincoln Guimarães Dias e Wrânia de Araújo Brito Nascimento.

Aos amigos queridos que participaram de minha vida durante os quatro anos de minha estadia em
São Paulo: Alessandra Kalko, Alister Wong, Camila Cogo, Cleto Junior Abreu, Daniele Doneda, Deborah
7
Rosenfeld, Diamantino Sardinha, Douglas Anfra, Eric Ayala, Erika Kanazawa, Fabiano Laux, Fagner

João Baptista da Costa Aguiar, Juliana Boni, Keilly Tozzi, Lara Frutos, Marcelo Willer, Marcelo Beltra-
me, Marcello Montore, Marcos Bastian, Maria Paula Calvo Marcondes, Mónica Vermes, Natália Leon,
Nixon Malveira, Paulo Vergílio Marques Dias, Renato Seit, Simone Tinti, Sérgio Augusto Kalil e Wrânia
de Araújo Brito Nascimento.

Aos amigos e amigas do “Bonde do Faquir”, com quem tive o privilégio de preparar e publicar o
Faquir Loquaz, livro de autoria do querido amigo, irmão, namorado e companheiro Julio Paulo Calvo
Marcondes, que deixou o nosso convívio prematuramente, em 2010: Assionara Souza, Fabio Liberal,

Soares, Marcelo Solla, Maria Paula Calvo Marcondes, Marina Amazonas, Naíra Frutos González e Sérgio
Augusto Kalil.

Com carinho triplicado e a melhor das saudades, a Alexandre Vaz Oliveira, Armando Gustavo de
Cerqueira, Bernardo Leão Lima, Cecília Valenza, Cleiton Comoretto Barcelos, Dries Noyens, Ethel Leon,
Giovanni Tinti, Haline Zuquim, Hannah Prado, Julio Paulo Calvo Marcondes (in memorian) Lara Fru-
tos, Lincoln Guimarães Dias, Maria Paula Calvo Marcondes, Nick Zuquim, Ryan Stotland e Wrânia de
Araújo Brito Nascimento, amigos queridos (alguns muito pacientes) com quem tive ou tenho o privilégio
de conviver mais intensamente, e cuja companhia me trouxe sempre muita alegria. Por motivos seme-
lhantes, agradeço aos meus analistas Arnaldo Dominguez e Angela Maria Cassol.

Pelas contribuições intelectuais, sem as quais eu não teria escrito metade do que aqui escrevi,
agradeço carinhosamente aos amigos Ethel Leon e Marcello Montore, parceiros assíduos do grupo de
leituras e discussões sobre Pierre Bourdieu e o campo do design. Por razões semelhantes, agradeço
aos amigos Albério Neves, Cleto Junior Abreu, Douglas Anfra, Hugo Cristo Sant’anna, Joanito Teixeira
Machado, Lincoln Guimarães Dias e Paulo Vergílio Marques Dias, pelas muitas horas de conversa e pela
partilha de autores e pontos de vista que enriqueceram esta tese. Muitas das ideias aqui registradas não

-
pírito Santo e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelos incentivos
-
mento.

Dedico esta tese à memória de Percília Berwanger,


Lauro Gildo Gorchinski, Neide Lucia de Albuquerque e
Julio Paulo Calvo Marcondes.

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Resumo

Esta tese apresenta uma visão panorâmica do processo de formação do sistema institucional bra-
sileiro que se erigiu em torno das noções e das práticas nomeadas “desenho industrial” e “design”. Apre-
senta também uma interpretação sobre as disputas travadas no campo acadêmico do design em sua
-

O texto é dividido em duas partes, das quais a primeira é dedicada a apresentar as principais insti-
tuições e eventos formadores do campo, desde a fundação do Instituto de Arte Contemporânea do Mu-

travados nas primeiras escolas (esdi e fau-usp


(abdi e apdins), pelo declínio da nomenclatura “desenho industrial” e ascensão da nomenclatura “de-
sign”, pela disseminação do sistema de ensino de graduação e pós-graduação, pelo crescimento do movi-
mento estudantil, pela instalação de diversas publicações especializadas, premiações periódicas e pro-

como a arquitetura e as artes. No panorama em questão, buscou-se apresentar os traços essenciais da


luta concorrencial travada entre as instituições ao longo da trajetória do campo, e também as pressões
externas mais relevantes, que contribuiram para determinar muitas de suas direções. As instituições
foram discutidas na tese de acordo com a visão do mundo social forjada pelo sociólogo francês Pierre
Bourdieu, enfocando os papéis por elas desempenhados, particularmente no que se refere à produção

e à consagração/legitimação de seus agentes e práticas.

-
gunda parte, e que diz respeito às prescrições atualmente formuladas dentro do campo acadêmico para
a relação entre o designer, o mundo empresarial e as demandas de outras naturezas (social, ambiental,
psicológica etc.) Para sustentar este enfoque foram analisadas diversas tomadas de posição formuladas
no âmbito do campo acadêmico, que oscilam entre a instrumentalização plena do design em relação
ao mundo econômico, e o ocultamento dessa instrumentalidade. A discussão proposta diz respeito às
-
cas do designer. A principal conclusão obtida é que, diferentemente do que ocorria no estágio inicial
da formação deste campo, em meados do século xix, quando o designer era claramente visto como um

sobre a formulação engajada de quaisquer interfaces, que possibilitem a quaisquer usuários e agentes
a consecução de quaisquer tarefas, por meio do uso de quaisquer artefatos e sistemas, independente da
natureza dos mesmos. Tal condição gera um paradoxo segundo o qual o campo do design é tanto mais
autônomo quanto mais heterônomas são suas práticas concretas, e quanto mais seus agentes se espe-
cializam em interpretar e atender às necessidades e interesses de um outro, sejam essas demandas de
natureza econômica ou não.

Palavras chave: campo do design, design brasileiro, ensino do design.

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Abstract

This thesis presents a panoramic view of the process of formation of the Brazilian institutional
system that was built around the notions and practices called “industrial design” and “design”. It also

(ABDI and APDINS), the downfall of the name “industrial design” and the rise of the name “design”,
the dissemination of the graduation and post-graduation educational system, the growth of the student
movements, the launching of several specialized publications, periodic awards and governmental incen-

in question aimed to present the essential traces of the competition between the institutions along the

of its directions. The institutions were discussed in the thesis according to the view of the social world
forged by the French sociologist Pierre Bourdieu, focusing on the roles developed particularly in regards

also the public distribution and the consecration/legitimization of its agents and practices.

-
tween the designer, the business world, and the demands of other nature (social, environmental, psy-

were analyzed, going from the full exploitation of the design in relation to the economic world, to the
concealment of such exploitation. The discussion proposed is about the strategies and possibilities of
-

19th century, when the designer was clearly seen as an artistic consultant serving the industry, nowa-

something well”; and this doing is extended to the engaged formulation of any interface, which allows
any user or agent to realize any task through the use of any tool or system, independently of their nature.
This condition creates a paradox in which the design is more autonomous the more heteronomous its
concrete practices are, and the more its agents specialize in interpreting and attending to the needs and
interests of each other, either those demands are economical or not.

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Sumário

PARTE 1
Capítulo 1 – apresentação
usos e Conflitos em torno da noção
de design: uma visão panorâmiCa

17. A presença do “design”, da Rua 25 de Março ao Fórum de Davos

23. Um complexo sistema institucional

27. O sistema institucional brasileiro

34. Elementos da sociologia para compreender o campo do design

37. Alguns fundamentos da distinção social

41. Multiplicidade terminológica no Brasil: industrial design;


desenho industrial; design

44.
as origens do design brasileiro

Capítulo 2
a instalação do Campo no brasil:
as primeiras esColas (anos 1950 – 1960)

49. Anos 50 - O Instituto de Arte Contemporânea do masp

58. Anos 50/60 - O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e a


gênese da Escola Superior de Desenho industrial

dos planos da etC-mam e da esdi

64. Anos 60 - Tomadas de posição na Escola


Superior de Desenho Industrial (1962-1969)

71. Anos 60 – O ensino do desenho industrial na fau-usp

74. Tomadas de posição na fau-usp

77. Anos 60 – A Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna da Bahia

11
Capítulo 3
luta ConCorrenCial, diversifiCação instituCional
e o fortaleCimento do Campo do design no brasil

(dos anos 70 à atualidade)

81. Anos 70 – A difusão do ensino superior em desenho industrial

82.

84.

87. Anos 70 – Desenho industrial e desenvolvimento nacional

88. Anos 80 – Do desenho industrial ao design: notas sobre a


mudança de estatuto cultural

97. Anos 90 – Curitiba: cidade modelo, capital ecológica, capital do design

102. Anos 90 – Expansão do ensino superior

105. Anos 2000 – Ascensão do campo acadêmico no Brasil

107. Difusão pública, legitimação e consagração: as bienais,


revistas e prêmios de design

PARTE 2
Capítulo 4
tensões estruturais do Campo: o embate entre o
interesse eConômiCo e os interesses humanístiCos e ambientais

111. Mal estar e desconforto n’A folha que sobrou do caderno

113. Carreiras bem sucedidas: basta frequentar uma boa faculdade?

115. Antagonismos estruturais tensionando o campo do design

119. Notas sobre uma relação tensa: o campo acadêmico e o mercado

120. O lugar do interesse econômico nos congressos P&D

122. Um ponto de ruptura: “negócios à parte” no campo acadêmico

125. A legitimação do design pela adesão ao campo acadêmico

127. A instrumentalização do design: em prol do funcionamento sistêmico

129. A desconsideração do mercado e a primazia do valor de uso

136. Sobre a heteronomia estrutural do campo do design


12
Capítulo 5
138. ajustes e desajustes no Campo do design:
entre o bem Comum, o bem-estar e a estratifiCação soCial

148. O desaparecimento da indústria e do mercado em


algumas abordagens contemporâneas

150. Os modos de vida das classes dominantes:


atitudes estéticas, gostos de liberdade e nichos de mercado

Considerações finais
161. algumas questões em aberto:
da bauhaus ao fórum de davos

166. anexo

tabela Comparativa da organização

temátiCa dos Congressos p&d (de 1994 a 2012)

170. referênCias bibliográfiCas

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As ambiguidades da doutrina
Conflitos e tensões estruturais no Campo do design

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16
Capítulo 1 – apresentação
usos e Conflitos em torno da noção
de design: uma visão panorâmiCa

a presença da palavra “design”,


da rua 25 de março ao fórum de davos

Durante uma caminhada pela cidade de São Paulo ou por qualquer outra metrópole bra-
sileira, um observador atento do comércio perceberá a frequente utilização do vocábulo “de-
sign” na fachada de várias lojas, dentre as quais as mais numerosas talvez sejam os salões de
beleza, rebatizados há alguns anos, no Brasil, de estúdios de “hair design”. Na maioria destes
casos o termo é associado aos produtos oferecidos, aos serviços prestados ou ainda ao talento
de seus realizadores, de maneira a exprimir uma qualidade supostamente positiva dos objetos,

serviços de manicure e tratamentos de cabelo, como também oferece “design in beleza”; ou da


loja de objetos decorativos africanos, que os apresenta como “design e cultura”, dentre tantos
outros casos.

O que os responsáveis por tais empreendimentos talvez não imaginem é que, além de
sustentar a existência de um enorme circuito institucional em nível mundial, este vocábulo

abrangentes e precisas, estando ainda na base de muitas querelas sobre a legitimidade e per-

17
tinência do uso da alcunha “designer”. Este é o caso da discussão travada entre os partici-
pantes da rede social espaço.com1 em torno das denominações hair designer, cake designer
e food designer -
versitários, para quem os cabeleireiros e confeiteiros estariam usando o termo em questão de
maneira oportunista, prejudicando assim os supostos detentores legítimos do direito de uso
da palavra. Para esses litigantes, os usos corretos do termo estariam ligados às “idéias úteis
e fáceis de usar”, assim como ao pensamento abstrato e às noções de “conceito”, “criação” e

rol a produção de refeições ou de tratamentos capilares, por serem essas ações supostamente
-
forme argumenta um dos partícipes do debate, para quem um bolo é “uma bela peça de arte”
e sua autora “uma ARTISTA, sem dúvida. Mas não uma DESIGNER”. Dentre os argumentos
utilizados em tal defesa, alega-se a inexistência de um vocábulo em português que nomeie o

1. http://espaco.com/design/a-moda-dos-x-designers/#more-518, consultado em 10/03/2011; a discussão foi


iniciada em dezembro de 2007.
18
que “realmente” faz um designer, problema que já não ocorreria no caso do cabeleireiro e do

palhaçadas”, “cultura do oba-


oba” ou “modinha”. Para os detratores das denominações hair-designer e similares, tudo se
passa como se as práticas de cortar e tratar cabelos pudessem ser realizadas com base na pura
intuição, sem a aplicação de conhecimentos complexos, sem o manejo exímio de diversas fer-
ramentas, e sem a elaboração prévia de etapas encadeadas que venham a conduzir a um de-
terminado resultado, inicialmente previsto e discutido com um cliente, processo que costuma
receber o nome de “projeto”.

Enquanto os jovens designers diplomados acusam os hair designers de oportunismo mer-


-
toriador americano Adrian Forty (2007) salienta que a mesma “nasceu em um determinado
estágio da história do capitalismo e desempenhou papel vital na criação de riqueza indus-
trial”, sendo sua função primordial “tornar os produtos vendáveis e lucrativos” (forty: 2007,

as qualidades estéticas/artísticas dos artefatos projetados, não mencionando as ligações en-


tre esta atividade e o comércio. Forty argumenta que o termo “design” não diz respeito ape-
nas à forma dos artefatos, mas também – e sobretudo – “à preparação de instruções para a
produção de bens manufaturados”, sendo “a aparência das coisas (...) uma consequência das
condições de sua produção” (forty

um sentido positivo.

relacionando “design” a outros conceitos, tais como “máquina”, “mecânica”, “técnica”, “arte”

desde o Renascimento. No artigo Sobre a palavra design (flusser: 2007, 181-186) o autor
lamenta a separação moderna entre “o mundo das artes e o mundo da técnica e das máqui-
nas, de modo que a cultura se dividiu em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo
Flusser faz a
defesa de uma “nova forma de cultura”, que somente seria possível mediante a recuperação
da “conexão interna entre arte e técnica” expressa pelo termo design; ele lembra que a pala-
vra “ocorre em um contexto de astúcias e fraudes”, e assume que objetivo do design é “(...)
trapacear as leis da natureza e, ardilosamente, liberar-nos de nossas condições naturais por
meio da exploração estratégica de uma lei natural”. O autor alerta que, no entanto, o exercício
esgarçado desta consciência do ardil – “um ser humano é um design contra a natureza” –
pode nos levar à renúncia da verdade e da autenticidade, e ao embotamento de fontes de valor
tais como a arte, a técnica, o trabalho, a natureza e o próprio design.

19
foco de interesse da atividade, ao propor o esquema ontológico do design, no qual existem três
âmbitos unidos por uma categoria central: um usuário que, para realizar uma ação necessita
do auxílio de um artefato, sendo a interface a categoria central do esquema, e nela residindo o
interesse da ação projetiva do designer.

Imagens ilustrativas do esquema


ontológico do design,
idealizado por Gui Bonsiepe.

No que diz respeito aos sentidos públicos deste conceito, uma visita a qualquer uma das
lojas de móveis Tok Stok é capaz de demonstrar que existem diferenças socialmente instaladas
entre os objetos comuns ou vulgares e os chamados “objetos de design”. Esta é uma dualidade
discutida pelo arquiteto português Eduardo Côrte-Real no artigo À procura de uma Designlo-
gia, ou Ciência do Design
quais um objeto possa ser considerado um “objeto de design”, adotando como ponto de partida
-
ticos nem em virtude de suas qualidades intrínsecas, e nem do reconhecimento institucional do
campo da arte, mas por funcionarem “como Arte dentro de uma teoria simbólica, sendo essa
teoria simbólica socialmente construída”. Côrte-Real sublinha que Goodman propõe o aban-

sendo essa abordagem adotada pelo ensaísta português. Para discutir o design, o autor passa,
assim, a indagar “quando é design?”, constatando que existe, inclusive, “um domínio crescente
de objectos feitos para o uso comum que intersectam o domínio das artes” (Côrte-real: 2009,
57-58), sendo necessário compreender as diferentes condições que fazem um mesmo objeto
funcionar ora como Arte, ora como Design, ora como um simples objeto.

Para construir seu raciocínio, Côrte-Real recorre ao argumento de que a palavra design
funciona, no idioma inglês, como um verbo, admitindo o gerúndio designing, o que indica que
o design é algo se dá antes dos objetos existirem em sua forma acabada. O autor argumenta,
assim, que o que chamamos “design” não se refere aos artefatos em si, mas aos processos por
20
Reportagem da revista
IstoÉ Dinheiro, divulgando o
trabalho do designer egípcio
Karim Rashid, “um dos artistas
mais premiados do mundo, [que]
dá um toque de charme para os
mais diversos produtos

-
da possível sua fabricação/construção. Por outro lado, ele observa que “a maioria das pessoas,
centenas de Académicos, cada vendedor, todos os apresentadores de programas culturais na

quência, depois do objecto” (Côrte-real: 2009, 59), fornecendo um claro indício da diferença
socialmente reconhecida entre os objetos ordinários e os chamados “objetos de design”.

A partir dessas considerações, o autor argumenta que, entre a elaboração mental de um


artefato e a sua forma concreta e acabada – quer seja numa situação de uso, num museu de
design ou na vitrine de uma loja –, há uma situação intermediária por ele denominada “pré-

esboços, esquemas, maquetes, modelos etc. –, simulações nas quais o artefato seria ainda um

em relação a esses últimos os papéis de apresentação, impressão e autenticação (Côrte-real,


2009).

O pressuposto central da argumentação do autor é a ideia de que “Design será qualquer


coisa que pareça ou que aparente funcionar como Design (…). Será qualquer acção ou
(Côrte-real: 2009, 58). Para
Côrte-Real, a percepção social dos “objetos de design” enquanto tais se dá justamente quando
reconhecemos neles a existência e os papéis de seus pré-objetos, o que independe do desem-
penho de suas funções objetivas, pois em tais momentos a ligação entre ambos é secundária

objetos”.

Diferentemente do arquiteto português, o professor Richard Buchanan, considerado um


dos principais teóricos do design na atualidade, argumenta que a diversidade de artefatos e
21
de concepções vigentes para o termo “design” tem por trás de si um traço fundamental desta
disciplina, que é a completa indeterminação de seu objeto de estudo. No artigo Rethoric, Hu-
manism, and Design (1995) ele compara as práticas do designer, do arquiteto e do engenheiro
com as atividades do cientista, argumentando que, no segundo caso, o que está em questão é
o desvendamento de processos que preexistem ao indivíduo, e no primeiro, trata-se da criação
de objetos e sistemas cujos fundamentos e pressupostos são forjados quase que simultanea-
mente à elaboração dos próprios artefatos. Ele explica que esta condição é pouco reconhecida
devido ao fato que

os designers e todos aqueles que estudam o design geralmente confundem as qualidades dos produ-
tos existentes com os problemas relativos ao projeto de novos produtos. Existe uma tendência a ver
determinação nos produtos existentes e projetar esta determinação para a atividade e a disciplina
do design. (…) As crenças de um designer são, algumas vezes, elevadas ao estatuto de princípios
determinantes que governam todo e qualquer design, ao invés de uma visão pessoal imersa numa
arte retórica da comunicação e da persuasão (buChanan: 1995, 26. trad. nossa).

Buchanan sugere ainda que esta confusão estaria ligada ao fato de que toda a literatura
crítica ou histórica a respeito do assunto sempre traz pressuposta uma dentre quatro origens
essenciais2 do design, que seriam consideradas tacitamente pelos autores de acordo com seus

res, funcionando como obstruções ideológicas e impedindo que se reconheça que o “design é
uma disciplina na qual a concepção de seu objeto de estudo, método e propósitos são parte
integral da atividade e de seus resultados”, e obscurecendo o fato de que os designers sempre
geram soluções históricas, arbitrárias e circunstanciais, que sempre poderiam ter sido outras
que não aquelas.

das práticas do design não são fruto de um esforço isolado e solitário. Trata-se de uma questão
que vem sendo debatida em muitos fóruns, acadêmicos ou não, gerando, a cada momento,
novos esforços em defesa dos “verdadeiros” sentidos da palavra “design”, bem como dos prati-
cantes supostamente legítimos da atividade, a exemplo da interpelação feita no artigo A No-
menclatura Design ou Este Nome (ainda) é um Problema? ! ..., (2003), no qual moura lamen-
ta que “as pessoas em geral não sabem ou não entendem o que é design ou ainda atribuem
”, e pondera que, “talvez devido a uma estratégia
-

2. De acordo com Buchanan, “alguns argumentam que o design teve início no século 20, a partir da elaboração

da Revolução Industrial com a transformação dos meios de produção e das condições sociais do trabalho. Ainda
outros argumentam que o design teve início no período pré-histórico, com a criação de imagens e objetos por

universo, o primeiro ato de Deus, que representa o modelo ideal de criador, perseguido por todos os designers,
consciente ou inconscientemente.” (buChanan: 1995, 27, trad. nossa).
22
-
titularem suas atividades como design
prol do esclarecimento público a respeito da atividade: “quando nos perguntarem o que é de-

professores ou pesquisadores, de explicar corretamente, de divulgar e conscientizar sobre o


que é Design.”

Página da revista de moda Vogue,


que ilustra um dos múltiplos usos do
termo design, muitos dos quais
considerados inadequados e mesmo
ofensivos por uma parcela dos
praticantes desta atividade.

um Complexo sistema instituCional

Além de alimentar debates e esforços intelectuais, a prática, o conceito e a nomenclatura


“design” dão sustentação, há mais de 170 anos, a um enorme sistema de instituições, de âmbito

editoras e sites especializados, institutos governamentais e privados de fomento e pesquisa,


além de escritórios e lojas, que atuam tanto em escala global quanto em contextos regionais,
ora privilegiando os resultados econômicos e o caráter estratégico do design, ora promoven-

utópico ou emancipador.

Dois dicionários especializados3 fornecem um amplo panorama, tanto desse sistema in-
ternacional quanto da complexidade inerente ao conceito. Trata-se do Dictionary of Modern
Design, de autoria do pesquisador britânico Jonathan Woodham (Departamento de Artes da
Universidade de Brighton), e do Design industrial A-Z (2000), de Charlotte e Peter Fiell, pu-
blicado pela editora Taschen.

3. Existem outros dicionários de design publicados, tais como a Enciclopédia do design, de autoria de Mel Byars,
ou o Diccionário crítico del diseño, de Juan Guillermo Tejeda.
23
Além de destacar a trajetória de escolas, corporações e designers individuais, ambos os di-
cionários enumeram uma série de conceitos4, exposições5 e prêmiações6, e também de museus7
e associações8 que, desde meados do século xix
lecimento e reconhecimento do “bom design” e para o exercício “honesto” da atividade, bem

Conforme registra Woodham (2004), desde meados do século xx três organizações não-
governamentais de nível internacional vêm se ocupando de defender a relevância dessa prática
na sociedade:

(1) o iCsid (Conselho Internacional das Associações de Design Industrial), fundado em


1957, reunindo aproximadamente 150 associações de 50 países;

1963, reunindo aproximadamente 70 associações de mais de 50 países e;

(3) o ifi (Federação Internacional de Arquitetos e Designers de Interiores), também fun-

39 países.

design para desporto, design para o terceiro mundo, design ambiental, essencialismo, design médico, design mili-
tar, obsolescência planeada, design utilitário.
5. Britain Can Make It Exhibition, British Empire Exhibition, Great Exhibition (Inglaterra, 1946, 1924 e 1851
respectivamente); Ideal Home Exhibition (Inglaterra, desde 1908); (eua,
1893); Paris Exposition des Arts Décoratifs et Industriels Modernes (França, 1925); Paris Exposition des Arts
et Techniques dans la Vie Moderne (França, 1937); Paris Exposition Universelle (1900); Stockholm Exhibition
(1930).
6. Australian Design Award (desde 1987); (Itália, desde 1954); Design Centre Awards Scheme
(Inglaterra, 1957-1988); G-Mark (Japão, entre 1957 e 1993); Good Design Awards (Japão, desde 1998); Lunning
Prize (Dinamarca, 1951-1972); Maininchi Design Prize (Japão, desde 1952); National Design Awards (eua, desde
1997); Premios Nacionales de Diseño (Espanha, desde 1987).
7. Centre Georges Pompidou (França, 1977); Cooper-Hewitt Museum (Eua, 1897); Design Museum (Inglaterra,
1989); Museu de Arte Moderna (Eua, 1929); Powerhouse Museum (Australia, 1988); Victoria and Albert Museum
(Inglaterra, século XIX, anos 30); Vitra Design Museum (Alemanha, 1989).
8. Associazione per il Disegno Industriale (Itália, desde 1956); Alliance Graphique Internationale (França, desde
1951); American Union of Decorative Artists and Craftsmen (1928-1931); British Institute of Industrial Art
(1922-33); Centre de Création Industrielle (França, desde 1969); Centrum Industriële Vormgaving (Holanda,
1962-70); Design and Industrie Association (Inglaterra, desde 1915); Design Centre (Inglaterra, 1956-1954);
Design Council (Inglaterra, desde 1944); Design Institute of Australia (desde 1983); Deustcher Werkbund (Ale-
manha, desde 1907); Djelo Association for Promoting Craft Art (Croácia, anos 20 e 30); German Design Council
(desde 1953); Industrial Arts Institute (Japão, desde 1928); Industrial Designers Society of America (desde
1965); Instytut Wzornictwa Przemylowego (Varsóvia, desde 1950); Japan Design Foundation (desde 1981);
Japan Industrial Design Association (desde 1952); (desde
1969); Korea Institute of Design Promotion (desde 1970); National Institute of Design (Índia, desde 1961); Nipon
Design Centre (desde 1960); Royal Designers for Industry (Inglaterra, desde 1936); Good Livinf Foudation
(Holanda, desde 1948); Swedish Society for Industrial Design (desde 1845); Unión Centrale des Arts Décoratifs
(França, desde 1882); Urss Research Institute of Industrial Design (desde 1962).
24
De acordo com os sites9
-

através do design, em termos ambientais, econômicos e culturais; e a discussão sobre a respon-

agendas comuns, a cooperação entre as três instituições deu origem, em 2003, à International
Design Alliance (Aliança Internacional de Design), esforço global empenhado em reunir uma
“comunidade de design trabalhando unida em prol de um mundo mais equilibrado, inclusivo
e sustentável”10 , cujo propósito declarado é demonstrar “as contribuições do design para os
organismos mundiais, os governos, os negócios e a sociedade”11 , e cujas metas assumidas são

servir como uma voz coletiva de design; desenvolver e compartilhar conhecimento sobre design ao
redor do mundo; estimular a inovação por meio da colaboração multidisciplinar em design; pro-

design por meio da construção de relações com os organismos mundiais.12

atribuída ao design pela Unesco, por meio de seu programa Rede de Cidades Criativas13 –
ativo desde 2004 –, cujo objetivo declarado é promover globalmente cidades que assumam

diversidade cultural. Uma das vocações culturais em questão é o design – ao lado do cinema,
da música, da literatura, das artes aplicadas e folclóricas, das artes midiáticas e da gastronomia
–, e seu reconhecimento por parte da Unesco garante o título de Cidade do Design14, conferido
àquelas cidades que tenham atendido aos seguintes requisitos:

1. ter uma indústria de design bem estabelecida; 2. ter a paisagem cultural marcada pelo design e
arquitetura moderna (plano de ordenação do território urbano, espaços e edifícios públicos, monu-

centros de pesquisa em design; 4. abrigar grupos de criadores e designers em atividade contínua


em nível local e/ou nacional; 5. ter tradição na organização de salões, eventos e mostras dedicadas
ao design; 6. apresentar possibilidades para que os designers e urbanistas locais aproveitem os ma-
teriais locais e as condições e entornos urbanos e naturais; 7. abrigar indústrias criativas inspiradas
no design, como a arquitetura e o design de interiores, moda e design textil, acessórios e joalhe-
ria, comunicação visual, design digital e interativo, design urbano, design para o desenvolvimento
sutentável. (unesCo apud berWanger: 2010.)

10. Fonte: http://www.icsid.org/about/IDA.htm, consultado em 06/03/2011, às 21:42h, tradução nossa.


11. Ibidem.
12. Ibidem.
13. Fonte: http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php-URL_ID=36746&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SEC-
TION=201.html, consultado em 07/03/2011, às 19:33.
14. De acordo com dados do site da Unesco, até o início de 2011, as Cidades do Design eram Buenos Aires, Mon-
treal, Berlin, Nagoya, Kobe, Shenzhen, Shangai, Seoul e Saint-Etienne.
25
Além deste programa, a Unesco também manteve, entre 1995 e 2009, uma competição
mundial destinada a descobrir e promover “jovens talentos de todas as partes do mundo,
encorajando o espírito de compreensão e partilha entre jovens criadores de diferentes cul-
turas”16. Trata-se da competição intitulada Design 21, que reuniu projetos de mais de 5000
Um mun-
do unido para a futura geração (1995-1996); (1997-1998); Conexão Contínua (2001-
2002) e Amor; por que? (2004-2005), sendo esta última dedicada a evidenciar a capacidade
dos objetos estabelecerem laços afetivos entre os indivíduos e os povos. Tal competição teve
como desdobramento, em 2008, a implantação da Social Design Network (Rede de Design
Social), cujo propósito foi reunir “uma comunidade virtual, dedicada ao design para o bem

e indivíduos socialmente conscientes


“para resolver problemas por meio do design.”17

Outra expressão da importância recente atribuída ao design é a incorporação deste tema


à pauta das reuniões anuais do Fórum Econômico Mundial, organização não-governamental
tradicionalmente dedicada a discutir mecanismos de aperfeiçoamento do capitalismo, tais
como a divisão internacional do trabalho e a governança mundial. Desde 2006, as reuniões
anuais do Fórum, realizadas na cidade de Davos (Suíça), vem enfocando o design de maneira

Inovação e estratégia de design18 (2006) no qual foram explicitados os vínculos entre os hábi-
tos mentais dos designers e ideias como “inovação”, “liderança” e “economia criativa”: de acor-
do com o resumo do painel, o design é uma atividade que diz respeito à resolução de problemas
supostamente impossíveis de serem resolvidos mediante outras abordagens, em virtude dos
“imperativos criativos” impostos pela economia em escala global.

-
dial que lhe seguiu – e que enfocou os malefícios do capitalismo global, em sua versão desre-
gulada –, os painéis do Fórum dedicados ao design passaram a evidenciar seus potenciais posi-
tivos, neutralizadores ou utópicos, tais como sua capacidade de elaborar produtos e sistemas
sustentáveis e menos poluentes (Estimulando o consumo sustentável19), de fortalecer a identi-
dades culturais regionais (Made in China: a evolução do design20), ou ainda de gerar produtos
).
21

16. Fonte: http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php-URL_ID=35082&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SEC-


TION=201.html, consultado em 07/03/2011, às 19:51h, tradução nossa.
17. Ibidem.
18. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2006/KN_SESS_SUMM_15904?url=/en/knowl-
edge/Events/2006/KN_SESS_SUMM_15904, consultado em 13/06/2010, às 13:58.
19. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_29142?url=/en/knowl-
edge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_29142, consultado em 13/06/2010, às 15:20.
26
Especialmente em 2010, algumas discussões apresentadas no Fórum ressaltaram os po-
tenciais utópicos do design, como é o caso do painel Um Futuro por meio do Design22, que
convoca os governos e a sociedade a não mais subestimarem sua capacidade de “
o mundo de maneiras positivas”23, de “promover mais efetivamente a felicidade humana por
meio de intervenções mais diretas” e, em conexão com as descobertas da neurociência, de
“liderar a evolução de uma maior consciência coletiva, transformando a estrutura cerebral
.”

Tais atribuições utópicas também marcaram o painel Design para a Transformação24,


segundo o qual “o design atua como uma lente útil, por meio da qual muitas atividades hu-
manas podem ser favoravelmente compreendidas, gerando insights que as disciplinas mais
tradicionais não promoveriam.”25 De acordo com as ideias apresentadas no painel em questão,
as formas de pensar do designer são ontologicamente marcadas por princípios tais como a sus-
tentabilidade, a transformação, a busca por “soluções simples, claras e honestas” para proble-
mas complexos, o respeito ao contexto histórico e espaço-temporal e a inclusão/colaboração
de todos os agentes envolvidos em um processo.

o sistema instituCional brasileiro

Também no Brasil o conjunto de instituições que se ocupam do design é complexo e mul-


tifacetado. No âmbito do ensino, por exemplo, o país contava, em dezembro de 2011, com
a oferta26 de cerca de 214 cursos de graduação27 e mais de 215 cursos em nível tecnológico,
contra os 40 cursos superiores ofertados em 1997 (Couto: 2008). Desde 1994, a pesquisa e a
pós-graduação na área vêm tomando forma, a partir da fundação do programa de mestrado em
design da puC-Rio, seguido de diversos outros programas de mestrado e doutorado28, e do fun-

20. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_29329?url=/en/knowl-


edge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_29329 (acessado em 13/06/2010, às 15:22).
21. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_26581?url=/en/knowl-
edge/Events/2009/KN_SESS_SUMM_26581 (acessado em 13/06/2010, às 15:37; tradução nossa).
22. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2010/KN_SESS_SUMM_30511?url=/en/knowl-
edge/Events/2010/KN_SESS_SUMM_30511 (acessado em 13/06/2010, às 15:58; tradução nossa).
23. Idem.
24. Fonte: http://www.weforum.org/en/knowledge/Events/2010/KN_SESS_SUMM_30483?url=/en/knowl-
edge/Events/2010/ KN_SESS_SUMM_30483 (acessado em 13/06/2010, às 16:04; tradução nossa).
25. Idem.
26. Dados obtidos pelo Sistema e-Mec, no site do Ministério da Educação (http://emec.mec.gov.br/), nos dias 04
e 06 de dezembro de 2011.
27
de Ergonomia), criada em 1983; a aend-br (Associação de Ensino de Design), criada em 1988;
a Anpedesign (Associação Nacional de Pesquisa em Design) e a sbdi (Sociedade Brasileira de
Design da Informação), ambas fundadas em 2002.

Merece destaque a realização periódica de congressos de pesquisa dedicados ao design,


tais como o Congresso P&D (Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), reali-
zado desde 1994, e o Ciped (Congresso Internacional de Pesquisa em Design)29, realizado desde
2002, e que, em 2011, teve sua sexta edição realizada em Portugal, indicando a inserção dos
pesquisadores e instituições brasileiras no cenário global. Também é exemplar dessa expansão
a 8a Conferência do Comitê Internacional para a História do Design e Estudos em Design, rea-
lizada em setembro de 2012 na cidade de São Paulo, nas sedes da fau-usp e da Universidade
Mackenzie.

Na esfera governamental, além das Bienais Brasileiras do mdiC, merecem destaque as


políticas de incentivo ligadas ao Programa Brasileiro de Design, vigente desde 1995, cujas ações

brasileiros em premiações internacionais, e em particular, da premiação da Feira Internacio-


nal de Design de Hannover, por meio do Programa Design Excellence Brazil, ativo desde 2003.
Merece destaque ainda a manutenção do portal DesignBrasil30, na Internet, dedicado a “pro-
mover a integração, a convergência e a cooperação entre as diversas ações na área do design
em todo o país”31 e a “
estudantes, empresários e todos os que vivem design no Brasil.”32

-
sional, travada desde os anos 70 até os dias de hoje, por meio da proposição de vários projetos
de lei, cuja versão mais recente é o texto apresentado ao Poder Legislativo em maio de 2011
pelo deputado José Luis de França Penna (Partido Verde), que obteve aprovação na Comissão
de Constituição e Justiça em 20/03/2013.

27. São 52 bacharelados ofertados em instituições públicas de ensino, e 162 bacharelados ofertados em institu-

Programação Visual; Design Industrial ou de Produtos; Design de Moda; Design de Ambientes e/ou Interiores;

discutida a expansão do ensino superior em design no Brasil.


28. Mantidos pelas seguintes universidades: puC-Rio, ufpe, ufma, ufmg, ufpr, uerj, ufrgs, udesC, uam, unisinos,
uniritter, e ufsC (dados obtidos no site da Capes em setembro de 2011).
29. Sua primeira edição ocorreu junto com o 5o P&D, em 2002, tornado-se independente a partir de então.
30. http://www.designbrasil.org.br
31. Fonte: http://www.designbrasil.org.br/institucional, consultado em 04/02/2012, às 11:47h.
32. Ibidem.
28
Além da expansão do ensino superior e da pesquisa em design, a realização de diversas
mostras e prêmiações periódicas indica o fortalecimento da área, a exemplo das exposições
e Tipos Latinos

pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (mdiC) em 2006, 2008,


2010 e 2012. Neste quesito, merece destaque ainda a atuação do Museu da Casa Brasileira, que
promove anualmente, desde 1986, o Prêmio Design mCb, além de manter um acervo perma-
nente e exibir mostras temporárias nacionais e internacionais.

No plano internacional, vários designers brasileiros vêm sendo consagrados no exterior,


como é o caso de Rico Lins, Guto Índio da Costa e, em especial, dos irmãos Fernando e Hum-
berto Campana, cujo trabalho se tornou célebre por meio do Museu de Arte Moderna de Nova

editoras especializadas 2AB e Rosari (criadas respectivamente em 1997 e 2000), e a implan-


-

meados da década de 90, com o surgimento das revistas , Arc Design,


co, abcDesign, Zupi, entre outras.

Alguns exemplares das


revistas Arc Design e Zupi.
Acima, à direita, uma das
páginas da revista Arc.

29
30
Nas imagens maiores, alguns
exemplares das revistas
Arcos (esdi-uerj) Revista Design
(Faculdade Belas Artes), Revista da

e revista
Design & Interiores. Nas imagens menores,
à esquerda, algumas páginas internas da
revista ; à direita, páginas
internas da .

31
32
Nas imagens maiores, algumas páginas
da revista Arc Design. Nas imagens menores,
algumas páginas da revista Design &
Interiores. Na página anterior, algumas
capas das revistas Projeto e ABCDesign
e também páginas desta revista.

33
elementos da soCiologia para
Compreender o Campo do design

O relato a seguir apresenta uma visão panorâmica dos principais momentos, atores, im-

da primeira escola especializada do país – o Instituto de Arte Contemporânea do Museu de

considerações em questão foram fundamentadas pela visão do mundo social forjada pelo so-
ciólogo francês Pierre Bourdieu, mais conhecida como teoria do campo, bem como pela noção
de habitus, desenvolvida pelo mesmo autor. Este relato consiste, portanto, numa interpretação
sobre a formação do campo do design no Brasil, a partir da institucionalização dessa prática
habitus de in-
divíduos e grupos com o processo relatado. Seis pressupostos da teoria bourdiesiana foram

1. a hipótese de que todo e qualquer campo é, muito mais do que um espaço de consenso,
um território de lutas concorrenciais entre seus partícipes, sejam eles indivíduos ou ins-
tituições, sendo essa batalha travada por meio da atuação dessas últimas em torno da
manutenção do campo, particularmente no que se refere às ações de difusão, reprodução
e legitimação dos princípios e valores, tanto do campo em geral, como de cada instituição;

2. a hipótese de que os interesses defendidos em um campo estão referidos, por um lado,

3. a hipótese de que a busca da autonomia de cada campo, em relação aos demais cam-
pos e à sociedade como um todo, reside justamente na formulação e imposição ininter-
rupta desses valores extra-econômicos, e de critérios próprios para compreender, julgar e
propor intervenções sobre a realidade;

4. a hipótese de que os bens simbólicos em geral (objetos de design, peças musicais ou de


teatro, obras de arte, textos literários etc) são dotados de um valor econômico e um valor
cultural, que não são nem completamente imanentes, e nem absolutos ou estáveis, sendo

pelas diversas instâncias e instituições do campo e do mercado, e que dependem apenas


parcialmente das propriedades intrínsecas da obra;

5. a hipótese de que o sucesso (ou fracasso) de um indivíduo dentro do campo não está
ligado a um suposto dom ou talento inato, e sim às suas disposições profundas para sentir,
julgar e agir (habitus) e também ao capital simbólico (prestígio, fama ou reputação) acu-
mulado por ele em decorrência de sua origem social, de sua atuação pregressa no campo
e de sua rede de relações sociais/institucionais (capital social);
34
6. a hipótese de que, a despeito da vontade individual ou da consciência dos produtores
de bens simbólicos (artistas, músicos, designers, professores etc.), muitos desses bens são
utilizados socialmente como signos distintivos, contribuindo para a realização das dife-
renças entre as classes sociais por meio de distinções entre os estilos de vida, o que faz
com que o designer participe, mesmo sem sabê-lo, da manutenção da estrutura que divide
a sociedade em diversas classes sociais.

Para demonstrar que o campo do design não é caracterizado pelo consenso puro e simples
entre seus membros, o presente relato lança mão da noção de illusio (bourdieu: 1996c, 2001),
que vem a ser a crença básica partilhada por todos os membros do campo a respeito daquilo
que os une sob o mesmo espaço social e em nome da que vale a pena bater-se. Trata-se, neste

deve ser discutida, teorizada, descrita, normatizada, defendida e distinguida das demais práti-
cas correlatas, o que se realiza ininterruptamente por meio de tomadas de posição, manifestas
em entrevistas, artigos, depoimentos, aulas, teorias, curadorias, e até mesmo em projetos de
objetos, que trazem implícitas determinadas visões de mundo e do próprio design que não são
exatamente coincidentes com as visões defendidas por outros partícipes ou grupos do campo.
Em termos esquemáticos, trata-se da luta concorrencial entre as concepções ortodoxas de de-
sign de um lado, e as concepções heterodoxas de outro (bourdieu: 2001), travada pelos agentes
bourdieu:

próprio conceito de design (o que inclui a caracterização daquilo que não merece esta alcunha).

Nas páginas a seguir serão apresentados alguns aspectos que estruturam essa luta con-
correncial no Brasil, buscando compor uma versão da história do campo brasileiro do design,
que só pode ser compreendida adequadamente mediante o entendimento de que os agentes
-
ticipam, posto que o mesmo não se realiza de maneira declarada, e nem sempre está ligado à
escolha consciente dos indivíduos, embora eles possam escolher suas formas de adesão, na me-
dida em que reconheçam suas próprias condições e posições na luta (bourdieu: 2001; 2008a).

O fato da batalha concorrencial que estrutura o campo não ser empreendida direta e cons-

do fato de que tal luta é travada principalmente por intermédio de instituições (às quais estão

irreconhecível enquanto tal em grande parte dos episódios relevantes do campo (embora não

pelo protagonismo institucional, como pelos fatos corriqueiros do cotidiano que, ao ocuparem
os agentes, os mantém pouco ou nada conscientes do jogo do qual participam.
35
Outro problema abordado na tese diz respeito às duas principais posições em disputa
no campo em questão: trata-se, por um lado, da concepção que vincula o design à ciência e
à cultura e, por outro, daquela que o vincula à economia e ao mercado, sendo que ambas as
posições apresentam-no, em geral, como instrumento de valorização do homem e da humani-
dade em suas diversas dimensões, porém com diferentes argumentos. Esta tensão é discutida
especialmente nos capítulo 4 e 5, por meio da análise de um conjunto de resumos publicados
nos anais do 9o Congresso P&D (Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), e está

oposição entre o campo erudito e o campo da indústria cultural.

Conforme ensina Bourdieu, a diferença entre essas duas esferas reside no fato de que os
produtores do campo erudito tendem a produzir – neste caso, projetos, pesquisas e discursos
-
guagem (verbal ou estética) tão hermética e especializada, que tende a ser entendida somente
por seus pares. Já os produtores da indústria cultural tendem a dedicar suas produções à con-
quista do grande público (ou seja, um público não-especializado), por meio da vulgarização da
linguagem, com vistas a atingir a maior audiência possível e angariar os chamados “sucessos
de vendas” e grande popularidade (bourdieu: 2001). O antagonismo entre os produtores do
campo erudito e os produtores da indústria cultural se refere, assim, às diferentes relações
estabelecidas por esses dois grupos com os lucros materiais potencialmente advindos de suas
-

humanístico ou cultural), se expressando em grande parte das tomadas de posição dos produ-
tores intelectualizados (neste caso, uma grande parcela dos designers e pesquisadores ligados
ao campo acadêmico). De acordo com esta hipótese geral, os produtores da indústria cultural
seriam motivados, sem disfarces, pelos lucros materiais advindos da comercialização do de-
sign nos circuitos mundanos (bourdieu: 1996b; 2001; 2008b), sendo esta a discussão central
nos dois últimos capítulos desta tese.

A segunda e a terceira hipóteses da teoria do campo consideradas nesta pesquisa se refe-


rem ao seu processo de autonomização em relação às pressões e imposições advindas de ins-
tâncias exteriores ao campo e, em particular, do mercado (bourdieu: 2001). Tendo como ponto

do campo do design às imposições econômicas, de um lado, e culturais/ambientais/sociais de


outro, sendo este um dos debates dos capítulos 4 e 5, nos quais são discutidas as estratégias
utilizadas pelos seus membros intelectualizados para promover o reconhecimento social de
que os designers são os verdadeiros e legítimos especialistas no assunto e, portanto, os verda-
deiros e legítimos detentores do direito a agir e falar em nome do design. As demais hipóteses
bourdiesianas aqui consideradas referem-se ao duplo valor dos bens simbólicos (neste caso,
os objetos e sistemas projetados pelos designers), às condições sociais de constituição deste
36
valor e, principalmente, aos usos sociais de tais bens em prol da manutenção das diferenças

e nem tampouco imutáveis em termos absolutos, sendo tecidas continuamente por proprie-
dades complexas, além de serem alvo de disputas permanentes entre indivíduos e grupos, às
vezes mais e às ve-zes menos intensamente, em lutas que ocorrem de maneiras diretas ou
indiretas, calculadas ou inconscientes, por meio de estratégias espontâneas ou organizadas, e
que podem se dar tanto a partir de atitudes pessoais, pontuais e imediatas, quanto de movi-
mentos coleti-vos, cobrindo até mesmo períodos de tempo que atravessam gerações, tal como
é o caso, por exemplo, dos pais que investem num determinado modelo de educação para os

no futuro. Como tais dinâmicas acontecem de maneira muldimensional, ininterrupta e sem-

continuamente suas feições, hábitos e patrimômios tomando como parâmetros (positivos ou


negativos) as demais classes sociais, visando a conservação ou melhoria de sua própria posição
no espaço social. De acordo com esta visão, o espaço social é, também, um campo de batalhas
permanentes nas quais os indivíduos não atuam somente de acordo com seu livre-arbítrio,
mas segundo as determinações da classe social na qual nasceram e da própria estrutura das
relações entre as classes. Considerando que cada classe atua no espaço social tomando a si
própria em referência às demais, e tendo em vista que este é um movimento simultâneo entre

contínuo movimento, segundo o qual uma classe não altera sua própria posição no espaço sem
alterar correlativamente as demais, e sem suscitar suas reações. Esta incessante movimen-
tação social é motivada pela busca constante por distinção (diferenciação) social.

alguns fundamentos da distinção soCial

Os fundamentos das diferenças entre as classes sociais e entre suas posições relativas no
espaço social são explicados a partir de um conjunto complexo de fatores, dentre os quais, o
primordial é a posse efetiva de capital e, sobretudo, da combinação entre diferentes tipos de
capital, dos quais os mais fundamentais são: (1) o capital econômico (sob a forma de renda ou
remuneração dos indivíduos, mas, também, de bens possuídos pelas famílias, como terra, im-
óveis ou outros bens); (2) o capital cultural (relativo tanto à educação propriamente escolar e à
posse de títulos acadêmicos, quanto à convivência com a cultura, sob a forma de obras de arte,
livros, discos, frequência a cinemas, concertos, museus, viagens, domínio de instrumentos mu-
sicais, danças ou práticas desportivas, ou ainda conhecimento de idiomas etc) e; (3) o capital
social, relativo à rede de relações sociais mantidas por um indivíduo ou família, que pode ser-
37
De acordo com este entendimento, o espaço social que, grosso modo, divide-se entre a
classe dominante e a classe dominada, subdivide-se em frações de classe caracterizadas por
diferentes combinações dos tipos de capital: “as frações de classe distribuem-se assim, desde
as mais providas, a um só tempo, de capital econômico e cultural, até as mais desprovidas
nestes dois aspectos” (bourdieu: 2008a, 108). Esta divisão não é, no entanto, estável em ter-
mos absolutos, pois, ao longo do tempo, cada classe social, cada família e cada indivíduo bus-
cam manter ou melhorar sua posição no espaço social, aumentando seus patrimônios concreto

sua própria posição, alterando relativamente as posições das demais classes. Tais estratégias,
que podem ser conscientes ou insconscientes, coletivas ou individuais, não dizem respeito só
a uma classe social em si mesma, mas são relativas: (1) aos capitais possuídos por uma classe,
família ou indivíduo num dado momento (os quais se pretende manter ou aumentar); e (2)
às relações de força entre as classes sociais, que determinam, em cada momento da história,
um maior ou menor equilíbrio na distribuição de capital, através de mecanismos variados,
desde os mais explícitos (expressos, por exemplo, no pluripartidarismo, no funcionamento
da democracia representativa e na luta dos movimentos sociais) até os mais sutis, levados a
cabo, por exemplo, pelos meios de comunicação (já que os veículos de imprensa estão sempre
ligados a interesses de classe) e pelos sistemas educacionais (já que os conteúdos transmiti-
dos pelas escolas não são exatamente neutros ou universais, e sim determinados pelas classes
dominantes pelos canais políticos competentes para tanto).

A combinação entre a quantidade de capital econômico e as diferentes variantes do capital

de classe, propriedades tais que se entrelaçam e muitas vezes se determinam mutuamente:


por exemplo, a combinação entre certa quantidade de capital econômico e certo tipo de capital

Moema ou Barra da Tijuca difere de morar na Vila Madalena ou no Leblon, embora em termos
econômicos sejam escolhas equivalentes). Este traço, por sua vez, está ligado ao tipo de consu-
mo cultural (como ir aos cinemas de shopping num caso, ou aos cinemas de arte noutro caso),

ocasiões festivas.

No entanto, a combinação entre os dois tipos de capital não determina tais propriedades
de maneira direta e imediata, mas através do intermédio do habitus, que é uma propriedade
fundante enraizada em cada indivíduo e em cada classe social, e que corresponde às disposições
profundas para perceber, sentir e agir, funcionando mais ou menos à maneira de um “sistema

os modos como o mundo é percebido por um indivíduo ou grupo, e conduzindo suas ações e
escolhas cotidianas, tais como as escolhas alimentares, de vestuário, adereços ou de lazer e
38
ou matrimoniais, sendo a motivação de fundo de tais escolhas a conservação ou melhoria da
posição do indivíduo ou do grupo no espaço social, tanto em termos propriamente econômi-
cos, quanto em termos simbólicos/culturais (nogueira e nogueira, 2009). Sendo um conjunto
de princípios de enorme envergadura, abrangência e sistematicidade, o habitus funciona, as-
sim, como uma “segunda natureza”, originando e coligando todas as práticas dos indivíduos e
dos grupos sociais, mesmo aquelas mais aparentemente díspares, tais como a escolha de um
shampoo por meio de sua embalagem, a compra de um novo par de tênis, a escolha do destino
das férias até as preferênciais musicais e as escolhas matrimonais ou eleitorais.

Embora o habitus se transforme ao longo da vida de uma pessoa, as suas disposições mais
elementares, adquiridas durante a infância nos contextos familiar e escolar, são aquelas que

zindo, de maneira invisível, desde as condutas mais corriqueiras (como a forma de segurar os
talheres ou as preferências musicais) às suas atitudes mais supostamente racionais e racioci-

habitus, posto que elas estão em constante transformação, na medida em que se desenrola a
sua trajetória social: assim, é perfeitamente plausível que um indivíduo seja dotado, ao mesmo
tempo, do habitus primário típico da classe mais empobrecida onde nasceu, mas também de
um habitus
tenha recebido uma bolsa de estudos, e ainda, de um habitus
frequentado, por exemplo, a faculdade de Engenharia ou Direito ou Letras ou Design. O que
ocorre é que, ao longo da trajetória social, o habitus, ao mesmo tempo em que se transforma
sutil e lentamente, também determina, de maneira invisível, grande parte das práticas do in-
divíduo. Por outro lado, considerando que as disposições do habitus -
cadoras, e considerando que o capital cultural e econômico possuído por uma indivíduo na sua

para suas aquisições culturais e econômicas futuras, pode-se dizer que as probabilidades para
o desenrolar de sua trajetória social posterior encontram-se mais ou menos inscritas e mais ou
menos limitadas por estes dois aspectos.

Segundo esta interpretação, os indivíduos não se movem no espaço social ao acaso, de


acordo com sorte ou azar, mas de acordo com as possibilidades que são inerentes às suas pro-
priedades fundantes, ou seja, ao seu habitus primário, seus títulos escolares ou nobiliárquicos
e seus capitais de origem. Ou, conforme explica Bourdieu: “a determinado volume de capi-
tal herdado corresponde um feixe de trajetórias praticamente equiprováveis que levam a
posições praticamente equivalentes – trata-se do campo dos possíveis oferecido objetiva-
mente a determinado agente.” (bourdieu: 2008a, 104).

39
Quais seriam as ligações entre o funcionamento do campo do design e a estrutura de clas-
ses sustentada pelos diferentes habitus de indivíduos e agrupamentos sociais? Esta é uma das
problemáticas discutidas no capítulo conclusivo da tese, a partir do pressuposto de que os bens
gerados pela atividade do designer são essenciais para demarcar as diferenças entre as classes,
sendo esta determinação assumida e atendida de diferentes maneiras pelas diversas frações do

de uma sociedade sem distinções, regida pelo princípio modernista (formulado pelo arquiteto
Louis Sullivan) segundo a qual a forma segue a função.

Algumas página da
revista especializada
Arc Design.

40
multipliCidade terminológiCa no brasil:
industrial design; desenho industrial; design

Um dos embates travados no campo estudado, tanto no Brasil como em outros países, está

Clive Dilnot aborda o problema em seu artigo Estado da história do design: problemas e pos-
sibilidades33, discutindo as consequências da ambiguidade deste conceito, quando mal com-
preendido pelos historiadores do campo. Ele aponta que, até o momento em que escreveu o
artigo em questão, a maioria dos estudiosos da questão e dos formuladores de políticas de de-
sign negligenciavam, em suas propostas, a multiplicidade de sentidos que é ine-rente ao termo.

-
dade (os objetos e imagens projetados), ou a um valor (um adjetivo, como na noção de ‘bom
design’)”, sendo este embaralhamento de sentidos gerador de algumas graves consequências:

…em primeiro lugar, ao encobrir o que o design é materialmente (…) o potencial entendimento do
design, e portanto, do que são os objetos de design e do que os designers fazem, é tornado mais
difícil, senão impossível. (…) Em segundo lugar, (…) assim como nós estamos, coletivamente, como

estamos intelectualmente cada vez menos conscientes do design como um fragmento de uma con-
strução maior e mais complexa, como se ele existisse somente em si e por si: temos esquecido que
tanto a prática do design como seus resultados (…) têm efeitos variados (ao exercerem funções
econômicas e derivarem desdobramentos sociais e implicacões culturais), muitos dos quais estão
situados fora do conceito Design. (dilnot: 2010, s/p)

No Brasil, a nomenclatura é particularmente problemática devido à duplicidade lexical


vigente desde os anos 50, conforme discute a pesquisadora Milene Cara, no livro Do desenho
industrial ao design no Brasil (2010). Nesta obra, a autora aponta que os problemas em torno
da palavra “design” não derivam da pura e simples disputa social em torno de seus usos, mas
advêm também da vigência paralela da expressão “desenho industrial”, uma transposição do
inglês “industrial design” operada ainda nos anos 50, e que, em alguns anos, mostrou-se inad-

Conforme argumenta a autora, a nomenclatura aportuguesada “desenho industrial” foi


particularmente adequada ao contexto do desenvolvimentismo brasileiro, marcado pelo acen-
tuado crescimento da indústria nacional e pela crença ufanista no progresso do país. No en-
tanto, Milene Cara aponta que, na medida em que a produção propriamente industrial de bens
deixou protagonizar a economia nacional, o termo “desenho industrial” deixou de fazer sen-

33. O artigo foi originalmente escrito em 1984. No entanto, conforme argumentamos ao longo da tese, os proble-
mas apontados pelo autor permanecem, em grande medida, atuais.
41
tido, assim como entrou em declínio o paradigma estético modernista associado a ele, dando
lugar às expressões ditas pós-modernas em design e arquitetura, caracterizadas pelo exagero,
gratuidade ou indolência formal, pelo apelo ao mau gosto, ao lúdico, à afetividade, à ironia ou
ao humor, e ainda à estética artesanal.

Para a autora, o termo “design” emergiu sobretudo para designar as novas relações esta-
belecidas entre o homem e o seu entorno material projetado, que passaram a ser entendidas
como “experiências” (de ordem sensorial, afetiva, identitária e simbólica), e não mais pelo viés
utilitarista, afeito à noção de “valor de uso” e ao ideário modernista-funcionalista, expresso
pela célebre fórmula “a forma segue a função”34 . De acordo com essa compreensão “expe-
riencial” do mundo material, que garante primazia aos seus aspectos estésicos e simbólicos,
o fato dos objetos terem sido produzidos industrialmente deixou de ser decisivo para a cara-
cterização de seus produtores enquanto “designers”, relegando a expressão “desenho indus-
trial” e suas congêneres ao declínio. Para essa autora, a emergência social do termo “design”
indica, portanto, a “superação da noção modernista de desenho industrial” (Cara: 2010, 17).
Além disso, Milene Cara também associa a mudança terminológica em questão ao processo de
autonomização do campo do design, correlato à sua separação do campo da arquitetura, e à
inversão hierárquica entre essas duas noções:

… se nos anos 1950 a noção de desenho industrial dirigia-se somente ao projeto do objeto para
a indústria, como extensão do discurso da arquitetura, tornando-o um campo secundário em
relação à arquitetura, hoje, o conceito de design amplia-se como resposta aos aspectos relativos
às relações contemporâneas do homem e sua experiência e passa a abrigar a arquitetura como uma
das atividades que também respondem às expectativas do planejamento do ambiente a partir de
concepções de espaço. (Cara: 2010, 32. ênfases da autora)

No entanto, apesar da envergadura e da atual hegemonia do termo “design” para desig-


nar os fenômenos e agentes ligados ao universo do bens projetados, nos últimos anos o termo
“desenho industrial” vem sendo reabilitado. Duas publicações periódicas fornecem os indícios
desta reabilitação:

1. a revista de variedades e política Carta Capital que, na seção dedicada a divulgar novi-
dades tecnológicas (denominada “Prazer de Ponta”), vem comentando as formas dos
produtos anunciados em termos de seu “desenho industrial”, raramente usando o termo
“design”. Este é o caso, por exemplo, da descrição da motocicleta Monster 1100, da Duca-
ti35; do aparelho de som Sound Cube, da TDK36; do telefone celular N9, da Nokia37; dos
tablets Kindle Fire38 e Tab39; dos fones de ouvido Moonrock, da Moshi40; da caixa de som
portátil Bruta, da Yamaha41; do computador X51 da Alienware42; da câmera K-01 Pentax43.

34. Trata-se da frase cuja autoria é atribuída ao arquiteto modernista Louis Sullivan (EUA, 1856-1924).
42
2. a revista especializada Arc Design, cuja editora, Maria Helena Estrada, explica as dife-
renças entre “design” e “desenho industrial” em vários de seus editoriais, sem colocá-los em
disputa, conforme os trechos transcritos a seguir:

Se para o desenho industrial temos necessidade (…) de maior desenvolvimento tecnológico, não
há possibilidade de um design com características diferenciadas, brasileiras, sem a utilização de
materiais nacionais ou de um novo original olhar. (revista arC design n. 27, set-out/2002)

O resultado dessa análise nos trouxe algumas conclusões interessantes e a primeira delas – impor-
tante e agradável – foi o conjunto de bons projetos de desenho industrial (…) contra o fraco (…)
painel dos produtos semi-industriais ou artesanais. (revista arC design n. 28, nov-dez/2002)

No Brasil, as diversas vertentes do design são prova, por outro lado, de nossa famosa desigual-
dade: desenho industrial em setores avançados como o da aeronáutica ou dos eletrodomésticos e
eletrônicos, por exemplo; design com forte ligação com o artesanato (…) naqueles em que o con-
sumo não suporta investimentos vultuosos.. (revista arC design n. 37, jul-ago/2004);

Da predominância do design italiano e seus estilos, à ‘cara brasileira’, seja no desenho industrial
ou no seu limite oposto, o design de raiz artesanal, fomos escrevendo uma história que se desloca
(revista arC design n. 40, out/2006);

-
ers. Os primeiros, levando avante o desenho industrial – cada vez com melhores resultados; os
segundos, se ressentindo da falta de apoio, principalmente da indústria. (revista arC design n. 51,
dez/2006);

Como sempre, sem premeditação, os temas se entrecruzam numa mesma edição: design e tecno-
logia avançada, design de universitários, desenho industrial (…). (Revista Arc Design n. 62, set-
out/2008)

O cenário que temos visto no Brasil (…) está se deslocando do que se conven-cionou chamar design
e centrando seu ponto de força no desenho industrial. (revista arC design n. 63, nov-dez/2008);

Publicamos um primeiro recorte da Bienal Brasileira de Design, e muita aten-ção é dedicada ao


desenho industrial (…) sem esquecer outros destaques do design brasileiro. (revista arC design n.
72, jun-jul/2010)

35. Carta Capital n. 644, 04/05/2011, p 52.


36. Carta Capital n. 648, 01/06/2011, p 60.
37. Carta Capital n. 652, 29/06/2011, p 66.
38. Carta Capital n. 667, 11/10/2011, p 73.
39. Carta Capital n. 617, 13/10/2010, p 53.
40. Carta Capital n. 669, 26/10/2011, p 66.
41. Carta Capital n. 673, 23/11/2011, p. 75.
42. Carta Capital n. 685, 22/02/2012, p. 53.
43. Carta Capital n. 683, 08/02/2012, p. 51.
43
Esta reabilitação recente do termo “desenho industrial” pode ser entendida como corre-
lata à emergência da ideia de que as práticas artesanais são as matrizes culturais fundamentais
do design brasileiro, capazes de lhe conferir uma autenticidade e identidade inigualáveis nos
mercados globais.44

Conflitos no Campo historiográfiCo: diferentes


visões sobre as origens do design brasileiro

O embate em torno das nomenclaturas e do conceito de design se exprime nas diferentes


-
de 1750, o historiador Adrian Forty fornece um panorama da tensão no campo ao questio-
nar a tradição que se dedica a enfatizar personalidades célebres (ou celebrizar personalidades
desconhecidas), segundo a qual o design pode ser compreendido apenas por meio dos relatos
dos designers. Ele aponta que “a história da arquitetura e do design está cheia de tentativas de
-
cidos” (forty -

projetos, dando consistência ao mito da onipotência criativa dos designers, além de manter a
“total ignorância [por parte desses criadores] de seu papel de agentes da ideologia burguesa”
(forty: 2007, 325). Ele alerta que “representar o design como puro ato da criatividade de in-
divíduos (...) realça temporariamente a importância dos designers, mas, em última análise,
degrada o design, ao separá-lo do funcionamento da sociedade” (forty: 2007, 330).

O questionamento dirigido por Forty a essa tradição diz respeito àquilo que Pierre Bour-
dieu chama de ilusão carismática, que é a ideologia, vigente nos campos de produção sim-
bólica, segundo a qual o artista (ou designer, ou compositor, ou dramaturgo etc.) seria o se-
nhor e soberano de suas criações, sendo esta uma ilusão sustentada por obras especialmente
constituídas em torno deste propósito (sejam os seus formuladores conscientes disso, ou não).

No que se refere propriamente aos historiadores empenhados na construção da ilusão


carismática em torno dos criadores de qualquer campo, estes são sustentados, também, por
uma ilusão a respeito de si próprios e de seu trabalho – a ilusão intelectualista ou escolástica,

aprofundadas no âmbito das discussões sobre a constituição de imagens do Brasil e da brasilidade. As relações
entre design, artesanato e identidade cultural brasileira fazem parte dos problemas que estão sendo investigados
numa pesquisa, ainda em fase inicial, desenvolvida pela autora desta tese junto ao Grupo de Estudos de Práticas
Culturais Contemporâneas. Uma versão preliminar do projeto de pesquisa foi apresentada em 19/10/2012, no 4o
Seminário do referido grupo, na PUC-SP, cuja temática tratou de discutir as “Novas representações do Brasil e da
brasilidade”.
44
que leva o próprio cientista (ou, no caso, o historiador do design) a conceber seus esforços de
pesquisa como uma “ [impedindo] que se conheça e se recon-
habitus
prático (de tipo muito particular)” (bourdieu: 2008d, 58).

No campo do design, outro historiador que discute as razões, sentidos e prejuízos advin-
dos das diversas narrativas ideologizadas da história do design é o americano Clive Dilnot, com
especial destaque para o artigo (já mencionado)
e possibilidades. Neste artigo, Dilnot faz um alerta circunstanciado contra o empirismo empo-
brecedor das pesquisas de muitos historiadores do design, capaz de gerar versões imprecisas e
encantadas da história da atividade:

Se tomarmos como uma auto-evidência que o design é uma “coisa boa”, e que seus valores são in-
corporados pela forma dos objetos de maneira transparente, de uma tal forma que não é necessário
problematizá-los, mas apenas ilustrar a ideia de “bom design” com tais objetos, então rapidamente
torna-se possível uma história canônica do “bom design”, embora neste processo não seja pro-
duzido um entendimento consciente do design. (dilnot: 2010, s/p)

Em seus escritos, Dilnot também aponta para o paradoxal antiintelectualismo de muitas

(…) a história do design também tem ignorado outras disciplinas acadêmicas. Se por um lado a po-
tencial natureza interdisciplinar do assunto tem sido exaltada, assim como tem sido reconhecida a
importância do econômico e do social, através da incorporação da história econômica e social nos
planos de estudo dos cursos de graduação em design na Inglaterra, a real integração de percepções
e métodos de outras disciplinas à pesquisa histórica em design tem sido postergada. Com algu-
mas exceções, historiadores do design continuam mantendo-se acentuadamente refratários aos
esquemas conceituais e métodos de interpretação oferecidos aos estudos históricos pela sociologia
clássica, assim como os desenvolvimentos advindos do estruturalismo francês e do pensamento

dilnot: 2010, s/p)

O embate entre as distintas visões e funções das diversas histórias do design também
ocorre no Brasil. Um de seus articuladores mais atuantes é o historiador Rafael Cardoso, cujo
-
samento moderno a implantação do design no Brasil, por meio da instalação da Escola Supe-
rior de Desenho Industrial, debate que está registrado em seu livro Uma introdução à história
do design (2000), no qual o autor brasileiro contesta o legado da obra Pioneiros do desenho
moderno: de William Morris a Walter Gropius, lançada originalmente em 1936, de autoria do
historiador alemão Nikolaus Pevsner (1902-1983).

Naquela obra, Cardoso tece severas críticas à tradição que vincula as práticas atuais do de-
sign aos cânones europeus consagrados por Pevsner, e também às escolas pioneiras no Brasil,
45
herdeiras do cânone modernista. Para esse autor, tais heranças seriam responsáveis por ocul-
tar a gênese propriamente brasileira do design nacional, que residiria nas experiências pionei-
ras realizadas no país desde o século xix, ocorridas em contextos desvinculados de escolas ou
da tradição modernista européia.

Com formação em sociologia (Universidade Johns Hoskins, 1985) e história da arte (ufrj
e Universidade de Londres, 1995), o autor vem atuando no Brasil desde meados dos anos 90,
orientando pesquisas sobre práticas de projeto tidas como pioneiras no Brasil, em particular
no Programa de Pós-graduação em Design da puC-Rio. Um dos frutos de sua produção recente
é a coletânea
(2005), que reúne artigos de sua autoria e de seus colaboradores e orientandos, sobre em-
preendimentos brasileiros nos quais as ideias de projeto e design são estruturais.

As motivações principais da coletânea, bem como do projeto intelectual de Cardoso, são


o questionamento do mito segundo o qual “o design brasileiro teve sua gênese por volta de
” (Cardoso: 2005, 7) e a recuperação de um passado projetual anterior a essa época, que
permita “uma melhor compreensão daquilo que pode ser entendido como uma identidade
brasileira no campo do design” (Cardoso: 2005, 12). Para esse autor, teria surgido nos anos
50/60 “não o design propriamente dito – ou seja, as atividades projetuais relacionadas à
produção e ao consumo em escala industrial –, mas antes a consciência do design como con-
” (Cardoso: 2005, 7).

… paralelamente à história do design vista pela ótica de seus praticantes e dos projetos por eles
gerados, existe uma outra história do design que passa pelas escolas e por uma curiosa obsessão

bem recentemente, por exemplo, não era incomum um designer brasileiro querer traçar a sua ge-
esdi para a Escola de Ulm e de lá para a Bauhaus, um tanto como certos
emergentes se dizem descendentes dessa ou daquela casa real da Europa (denis: 1999, 169).

O cânone modernista criticado por Cardoso é alvo dos questionamentos de outra impor-
tante divulgadora do design no Brasil, e que se ocupa também da formulação de hipóteses
sobre as supostas raízes brasileiras da atividade. Trata-se da jornalista Adélia Borges, atuante
no campo desde meados dos anos 80, quando foi editora (entre 1987 e 1994) da Design &
Interiores – primeira revista especializada em design do Brasil –, tendo sido posteriormente
diretora do Museu da Casa Brasileira (entre 2003 e 2007), coordenadora do projeto do Pavi-
lhão das Culturas Brasileiras (2008) e curadora da 3a Bienal Brasileira de Design (2010). Tais
projetos expressam a relevância de sua atuação no campo do design, bem como a proximi-
dade com instâncias do poder público, em particular, o Governo do Estado de São Paulo, a
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
46
O questionamento de Adélia Borges ao cânone modernista está registrado de maneira
explícita em seu recente livro Design + artesanato: o caminho brasileiro (2011), dedicado à
“revitalização do objeto artesanal que vem ocorrendo em nosso país”, com o intuito de “co-
laborar na melhoria da vida dos produtores e usuários e no desenvolvimento da economia do
país” (borges: 2011, 15). Nesta obra, a jornalista denuncia a rejeição das práticas artesanais e
das questões de identidade nacional, supostamente praticada pelos designers do mainstream
modernista nos anos pioneiros do campo, e elege o artesanato como matriz cultural para os
produtos industriais brasileiros, defendendo a ideia de que “o pensamento criativo e a in-
teligência projetual não são privilégio de pessoas com educação formal”, sendo este saber um
“valioso patrimônio, que pode funcionar como uma força propulsora de um desenvolvimento
mais justo e equânime” (borges: 2011, 14).

Para Borges, as atividades do design e do artesanato no Brasil “sempre viveram em mun-


dos separados, situados em campos até mesmo opostos” (borges: 2011, 31), em função do que
ela considera ser um abandono deliberado da tradição da produção manual (o “sepultamento”
de um “saber ancestral”, nas palavras da autora) em prol da produção industrial de objetos, no
contexto das políticas desenvolvimentistas dos anos JK e posteriores. Em seu livro, a jornalista
denuncia a adesão supostamente acrítica aos princípios modernistas formulados na Escola
Superior da Forma de Ulm (Alemanha) e adotados, no Brasil, pela Escola Superior de Desenho
Industrial a partir de 1963, ano de sua fundação, na cidade do Rio de Janeiro. Para Adélia

por um suposto solapamento da cultura nacional (incluído aí o artesanato) e pela incorporação


equivocada e esterilizante do chamado Estilo Internacional ao design brasileiro.
47
designer Aloísio Magalhães45 (que foi diretor do iphan entre 1979 e 1982, e criador do Centro
-
mação do campo será discutida em pormenores na sequência desta tese .

A ideia de que as genuínas raízes do design brasileiro residem nas práticas artesanais e na

Design. Conforme registram muitos de seus editoriais, as práticas artesanais são apresentadas,
naquela revista, como uma das grandes vias para o futuro do design brasileiro, em oposição ao
chamado desenho industrial, que seria voltado ao atendimento do mercado de massas e ligado
à tecnologia. Para a editora da revista Arc, a jornalista Maria Helena Estrada, o artesanato
deve ser recuperado, disseminado e incentivado tendo em vista vários argumentos e objetivos:
como fonte de técnicas e saberes ancestrais, capazes de dar suporte às inovações do presente;
como fonte identitária primordial de nossa cultura, apta a expressar a brasilidade mais pura
e genuína, e ainda a oferecer produtos competitivos aos mercados globais; como fonte de en-
sinamentos e técnicas sustentáveis, aptas a redimir os atuais problemas ambientais. Dentre
-

em geral isolados em localidades do interior do país, e redescobertos por projetos e missões


institucionais (tais como os projetos do sebrae) dedicadas ao resgate de expressões culturais
materiais e à sua veiculação em mercados internacionais.

As tomadas de posição de Rafael Cardoso, Adélia Borges e Maria Helena Estrada são as-
pectos da luta concorrencial cujos termos estão em discussão ao longo de todo este relato. Elas

design, e somente adquirem sentido quando confrontados com a ortodoxia modernista, que
será apresentada e discutida em pormenores no próximo capítulo, com especial destaque para
a Escola de Ulm (Alemanha, 1953-1968), a Escola Superior de Desenho Industrial (1963-) e a
Escola de Artesanato, idealizada por Lina Bardi na Bahia em 1963.

45. Embora Aloísio Magalhães seja amplamente consagrado por sua produção enquanto designer, e embora ele
tenha cumprido um papel essencial na formulação das políticas culturais no Brasil, sua atuação não será desta-

determinados indivíduos neste trabalho, tais como Lina Bardi, se deve ao fato de que elas representam determina-
das visões de mundo e concepções de design, sendo este o foco da presente pesquisa, e não a consagracão de um
ou outro agente em particular.
48
Capítulo 2
instalação do Campo do design no brasil:
as primeiras esColas (anos 1950 – 1960)

anos 50 - o instituto de arte


Contemporânea do masp

Em sua obra Design no Brasil: origens e instalação niemeyer assinala que “a emergência
institucional do design no Brasil está diretamente ligada à ideologia nacional-desenvolvi-

começaram a tomar força a partir da Semana de 22” (1997, 17). Trata-se do período marcado
por uma grande reestruturação da sociedade brasileira, que introduziu mudanças radicais nos

sociabilidade cotidiana, que passaram a ser marcados pela emulação dos estilos de vida tidos
como “superiores” por todas as classes sociais brasileiras, tendo como modelos os estilos de
vida europeu e americano.

Essas rápidas e profundas transformações são intrinsecamente ligadas à emergência da

ope-racional; todas elas estão ligadas às demandas técnicas e simbólicas que marcaram o
período, seja para atender ao consumo das novas classes sociais que então se consolidavam,
seja para fornecer instrumentos e dispositivos para o funcionamento do Estado, da indústria
ou da organização urbana, cada vez mais complexos. No artigo Capitalismo tardio e a nova
sociabilidade moderna (1998), novais e mello fazem uma síntese dessas transformações,

no período. Eles enumeram: (1) a migração intensiva da população rural para as cidades, em
particular entre os anos 50 e 70, que ocorre em paralelo à urbanização e à industrialização
aceleradas; (2) a produção brasileira de insumos e energia – petróleo e derivados, aço e asse-
melhados, eletricidade, cimento, vidro, papel etc; (3) a modernização de indústrias de bens de
consumo, alimentos e fármaco-cosmecêuticos; (4) a modernização da infraestrutura nacional
e ampliação da construção civil, com a construção de rodovias e grandes edifícios; (5) a trans-
formação qualitativa e quantitativa dos padrões de consumo, com a ampliação do acesso aos
bens duráveis de uso doméstico e o surgimento/predomínio de alimentos industrializados;
(6) as transformações nas formas de comercialização, com o surgimento dos shoppings, su-
49
permercados, revendas de automóveis e grandes magazines; (7) as mudanças nos padrões de
beleza e higiene pessoal e doméstica, com a difusão de, por exemplo, escovas de dentes, ab-
sorventes femininos, cremes de barbear, itens de maquiagem, bem como o aperfeiçoamento e

com o surgimento de tecidos sintéticos, a abolição de muitos itens do vestuário (abotoaduras,


suspensórios, chapéu, cinta-liga etc), a aproximação entre as formas de vestir de homens e
mulheres e também entre as diferentes faixas etárias, o surgimento da calça jeans e de outros
itens que tornaram a vestimenta menos formal, tais como o tênis, o mocassim, as alpargatas

o consumo de bens duráveis; (10) a transformação da estrutura do Estado, com a criação de


“funções cada vez mais especializadas nas áreas de arrecadação de impostos, elaboração de
orçamentos, controle do gasto público etc” (novais e mello: 1998, 594); (11) a transformação
do aparelho social do Estado, com a expansão do sistema público de educação e saúde; (12)
o surgimento de uma classe de burocratas ligada à gestão do Estado e também a ascensão de

então (engenheiros, administradores, economistas, atuários, publicitários).

Também mira (2001) indica a emergência e o crescimento ininterrupto do mercado edito-


rial brasileiro a partir dos anos 50, que passou a expressar e atender à segmentação cultural
cada vez mais acentuada, por meio de ampla variedade de revistas voltadas ao atendimento de

que em 1997 eram publicados no Brasil cerca de 1130 diferentes títulos, contra a predominân-
cia da revista nas décadas de 30, 40 e 50.

No que diz respeito propriamente à formação do campo do design, a primeira institu-


ição a se ocupar claramente dessa prática no Brasil, entendendo-a como uma atividade dotada
iaC) do masp, ativo entre
leon: 2006; niemeyer: 1998). Trata-se da escola de design/
desenho industrial, criada por Pietro Maria e Lina Bo Bardi sob os auspícios de Francisco de
Assis Chateaubriand, destinada a contribuir com o alcance das metas civilizatórias determina-
das por seus patronos: a reestruturação do acesso à cultura por parte da população em geral
e a promoção da modernização cultural por meio do questionamento dos gostos e atitudes
culturais das classes dominantes, herdeiras da burguesia cafeeira então decadente. O iaC foi
implantado juntamente com uma escola de propaganda – que mais tarde deu origem à espm
– Escola Superior de Propaganda e Marketing – no contexto do aggiornamento cultural pelo
qual passava então a cidade de São Paulo, com a fundação do masp (1947) por Chateaubriand,
e do mam (1948) pelo industrial Francisco Matarazzo, sendo tais instituições responsáveis pela
introdução das novidades modernistas em termos culturais, além da realização da 1a Bienal de
São Paulo (1951) e da comemoração do 4o Centenário de São Paulo (leon e montore: 2008).
50
O ensino proposto por Bardi no iaC-masp visava o combate aberto à ostentação e ao pe-
dantismo das elites dominantes, interessadas em manter a distinção entre alta e baixa cultura
a seu favor. Um dos questionamentos do casal Bardi dizia respeito ao “puro amor à arte” tal
como o percebiam vigorar no Brasil, e que entendiam ser uma versão brasileira do “decaden-
tismo europeu”. Eles defendiam a aproximação entre os intelectuais e os problemas da esfera
pública, concebendo o masp como uma instituição dedicada a incentivar “uma cultura real-
mente viva, em que povo esteja integrado e, ao mesmo tempo, no sentido de um humanismo
verdadeiro, positivo, concreto”, por meio de “uma análise em profundidade da própria vida
da arte compreendida como manifestação da realidade humana como consciência universal”
(revista habitat: 1951, 3, 2.). Para o casal, a cultura entendida dessa maneira seria uma das
molas centrais do desenvolvimento de um legítimo processo civilizador, crença ligada à fé na
-
cava a condução dada por eles às atividades e ações do museu, bem como sua compreensão do
papel da educação, do desenho industrial46 e da propaganda.

-
reira”, ou seja, como “instrumento utilitário a ser usado em vista de ambições de dinheiro, de
prazeres de mando”; conforme registram muitos artigos publicados na Revista Habitat, eles
entendiam era preciso combater a cisão profunda entre o povo e a cultura dominante de então
–“ ”, que consistia, “para alguns poucos, na aquisição apres-

de doutor” (revista habitat: 1951, 3, 2).

Este foi o horizonte ideológico sob o qual foi implantada a primeira escola de design do
Brasil, primeira instituição a congregar, no país, sob um mesmo rótulo disciplinar, atividades
que até então permaneciam desconectadas entre si na prática, como é o caso dos projetos de
mobiliário, bens de consumo duráveis, embalagens, produtos editoriais, vitrinismo, moda etc.
(niemeyer: 1997; leon: 2006). A escola de desenho industrial do iaC-masp funcionou entre
-
víduos que, anos mais tarde, se tornaram protagonistas na consolidação do campo no Brasil.
Entre eles estão Alexandre Wollner, Estela Aronis, Irene Ruchti, Ludovico Martino, Aparício
Basília da Silva, Antonio Maluf e Attilio Baschera. Entre os colaboradores da escola estavam o
fotógrafo Thomaz Farkas; os artistas plásticos Lasar Segal e Elizabeth Nobiling; e os arquitetos
Eduardo Kneese de Melo, Roberto Burle Marx, Lina Bo, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Gian Carlo
Palanti, Alcides da Rocha Miranda e Jacob Ruchti.

46. A pesquisa realizada nos números iniciais da Revista Habitat (um dos principais veículos de difusão do
masp, do iaC e das posições do casal Bardi) sugere que os termos “design” e “desenho industrial” eram utilizados
simultanemaente, sem gerar as confusões terminológicas que mais tarde foram e ainda são lamentadas por muitos
segmentos do campo.
51
Em artigo publicado na terceira edição da revista Habitat (1951) Bardi apresenta o iaC
aos leitores, esclarecendo a complexidade, importância e adequação de seu empreendimento
tanto para o processo de modernização do país como em termos da melhoria da vida privada
dos indivíduos. Em tom pedagógico, ele explica que

O têrmo Desenho Industrial necessita de uma pequena explicação, porquê, atrás dessa denomi-
nação aparentemente simples, encontramos um complexo enorme de conhecimentos e aptidões
que tornam o desenhista industrial, uma das personalidades mais importantes da vida moderna.

-
lema a ser resolvido – atividade crítica e analítica, e terminando pelo projeto da solução técnico-
artística.

O desenhista industrial é responsável pelo projeto de todos os objetos – utensílios, móveis, etc, que
nos cercam – que são produzidos industrialmente e que formam o ambiente em que vivemos, na
rua ou no local de trabalho.

importantes da vida moderna, porquanto é de sua capacidade e formação que depende todo o as-
pecto físico de nossa civilização. O desenhista industrial é o artezão do século 20. Porém, enquanto
o artezão do passado trabalhava com as mãos, e com ferramentas manuais, produzindo ele próprio
os objetos que imaginava – o artezão do século 20 tem por ferramentas as máquinas da indústria
moderna, baseado nas possibilidades técnicas das quais precisa imaginar seus produtos.

– a forma de um objeto depende também da função a que se destina, do material em que vae ser

coordenará todos esses fatores no seu projeto.

-
bia em estreita associação com outras práticas, todas elas conexas à crença na modernização e

O homem que trabalha na propaganda, nos vários campos da ideação, do texto, do desenho, da

correspondente a um produto ou a uma idéia adequada, capaz de sustentar uma propalação. (…)
Por isso os homens escolhidos pela propaganda – e logo os insensíveis, os apressados, os intri-
gantes, os deshonestos, são eliminados – constituem uma classe honrada, que desempenha um
trabalho digno de consideração. (revista habitat: 1951, n. 02, 32-33)

Conforme ilustram os dois excertos a seguir, Bardi concebia a prática do design/desenho


industrial como uma variante das práticas do arquiteto, e conjugava ambas ao fazer artístico,
em sintonia com o ideário das vanguardas, que não reconhecia distinções entre artes puras e
52
artes úteis. Ao mesmo tempo, ele desprezava a validade das práticas artesanais como funda-
mento para a produção de bens industriais, práticas que, mais tarde, foram associadas posi-
tivamente ao design, porém de maneiras diferentes, em pelo menos três situações distintas:
(1) pela própria Lina Bo Bardi, cerca de uma década após o fechamento do iaC, quando de sua
atuação como diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia; (2) pelos professores do Departa-
mento de Teoria e História da Arquitetura da fau-usp, ainda nos anos 60 e (3) a partir de mea-
dos dos anos 90, em função do debate sobre a identidade do design brasileiro, especialmente
por meio atuação das jornalistas Adélia Borges e Maria Helena Estrada, já comentada na seção
anterior. A rejeição ou incorporação do artesanato, bem como o reconhecimento ou refutação
da ligação entre as práticas do designer e do arquiteto, constituem etapas do processo de au-
tonomização do campo estudado. No que diz respeito à relação entre design, arquitetura e
artesanato, Bardi comenta:

vale a pêna lembrar um pensamento do célebre arquiteto francês – um dos pioneiros da arquitetu-
ra contemporânea – Auguste Perret, que disse: ‘Móvel ou imóvel, tudo o que ocupa o espaço – pert-
ence ao domínio da arquitetura.’ E, de fato, nêsse sentido o desenhista industrial é um arquiteto
(…) E é justamente isso que o I.A.C. visa: – a formação de desenhistas industriais com a mentali-
dade de arquitetos. (…) Preciso ainda dizer que o I.A.C. não pretende formar especialistas (…) mas
pretende antes de mais nada, equipar os alunos com uma atitude e orientação que os capacite de
analisar e resolver qualquer problema técnico ou artístico, que tiverem que enfrentar no vastíssimo
ramo do artezanato do século 20: O Desenho Industrial. (revista habitat: 1951, n. 03)

A indústria não pode trabalhar com os moldes do artesanato: os resultados dessas experiências
foram cópias indecorosas, não correspondendo em geral às exigências do custo e do material. O
que é preciso é uma escola nacional de desenho industrial, capaz de formar artistas modernos.
Modernos no sentido de conhecer os materiais, suas propriedades e possibilidades e, portanto, as
formas úteis e expressivas que requerem. Novas ligas metálicas, materiais plásticos, sintéticos, es-
tão paulatinamente substituindo os velhos materiais, madeira, bronze, barro. Transferir as formas

antigo, não será possível encontrar o novo. Desde tempos estamos repetindo: não formando, a
-
dos. (bardi apud leon: 2006)

No que diz respeito aos mecanismos garantidores da legitimidade do iaC, Bardi procurou

divulgado na revista Habitat, o curso foi adaptado do “célebre curso do Institute of Design de
-
pius e Moholy-Nagy como uma continuação do famoso Bauhaus de Dessau”, representando,
portanto, “as principais idéias da Bauhaus, depois de seu contato com a organização indus-
trial norte-americana.”

Conforme discussão apresentada no capítulo 5, desde meados dos anos 90, a adoção de
pedagogias estrangeiras para o ensino brasileiro de design vem sendo severamente questio-
53
nada por alguns segmentos do campo, sob a alegação de que o Brasil detinha, nos anos 50/60,
características culturais e demandas estruturais completamente incompatíveis com o ensino
de viés modernista desenvolvido na Europa, e que foi supostamente adotado às cegas no Bra-
sil. Nos anos 50, no entanto, pelo menos no entender de Pietro Bardi e das pessoas ligadas ao
iaC
tinha a virtude de associar as melhores características das escolas assumidas como parâmetros
(leon iaC-masp – à Bauhaus/Dessau e ao
Institute of Design de Chicago –, o que estava de fato em jogo não era a adoção de um modelo
de ensino, conforme manifestava Bardi, nem tampouco a fundamentação política de caráter
social-democrata proposta por Gropius e Moholy-Nagy para aquelas duas escolas, mas a no-
breza cultural (bourdieu: 2008a) que ambas as escolas e seus mentores adquiri-ram após sua
absorção pela cultura americana no segundo pós-guerra.

Teria sido justamente por isso que Bardi conseguia conciliar, sem constrangimentos, a
social-democracia de Gropius e Moholy-Nagy com sua admiração ao trabalho de Raymond
Loewy, designer francês radicado nos Estados Unidos, severamente combatido pelos mod-

através da sedução dos consumidores pelas formas agradáveis e aerodinâmicas dos produtos.
As posições de Loewy, condizentes com as expectativas do empresariado americano e com o
american way of life, chocavam-se frontalmente com as concepções esquerdistas de arte, ar-
quitetura e design professadas por Gropius e Moholy-Nagy, para quem a educação, o projeto e
-
rista e voltada ao lucro (leon: 2006).

e Moholy-Nagy em solo americano para a condução das escolas que dirigiam, no momento da

Páginas da revista Vogue,

“Tributo à Bauhaus
trando o prestígio cultural
do qual ainda desfruta
a escola alemã Bauhaus.

54
fundação do iaC-masp
nos termos da cultura de consumo norte-americana, processo iniciado em 1929 pelo Museu de
Arte Moderna de Nova Iorque, com a promoção de algumas exposições de grande importância.
Assim, se na origem da Bauhaus as preocupações de seus integrantes eram de caráter indisso-

styling, que era

Good Design, e seus princípios estéticos – bastante assemelhados ao cânone modernista –,


baseavam-se na ausência de ornamentações, no respeito às formas geométricas puras, no uso
de uma paleta cromática reduzida e no uso não-subversivo de matérias-primas; esses princí-
pios rivalizavam com a estética do chamado styling que, por sua vez, era assumida como um
mecanismo de sedução para atrair os consumidores e alavancar as vendas (Woodham: 2004,
177).

As imagens do lado esquerdo (barbeador


da Braun e mobília desenhada por Marcel
Breuer nos anos 20) representam os
ideiais da boa forma, em contraposição
aos ideias da estética do styling, represen-
tada pela imagem acima (uma encera-
deira, desenhada pelo designer francês
Raymond Loewy)

55
Ao adotar a Bauhaus e o Institute of Design como matrizes do iaC-masp, Pietro Bardi
teria sido motivado por uma propriedade simbólica particular de ambas as escolas, especial-
mente forte naquele momento e precisamente no contexto norte-americano: a associação en-
tre a nobreza cultural (bourdieu
“estilo Bauhaus”, construído pelo MoMA mediante a fusão dos pressupostos éticos e estéticos
originais na noção de Good Design – e a operatividade dos métodos projetuais difundidos no
Institute of Design, afeita a atender aos interesses mercantis americanos.

A reputação positiva das duas escolas matrizes do iaC-masp, que conjugava nobreza cul-
tural e pertinência empresarial, era conveniente a Bardi na medida em que seu projeto im-
plicava o combate às elites conservadoras de então, por meio do combate aos seus hábitos e
gostos, ligados ao ecletismo e à noção de artes decorativas, pela proposição do gosto moderno.
Tendo isso em vista, leon (2006) compreende que o lugar destinado ao designer formado pelo
iaC-masp era junto das elites empresariais, como responsável pelo trabalho intelectual de con-
-
sível mediante a circulação de tais pretendentes pelo universo da alta cultura, condição provida
por Bardi no iaC e no masp, o que conferia aos designers o mesmo estatuto dos artistas.

Tratava-se portanto, muito mais de uma luta entre duas frações da classe dominante bra-
sileira, travada por meio da arte e dos estilos de vida (bourdieu: 2008a), do que da defesa dos
ideais originariamente socializantes da Bauhaus. Com efeito, em nenhum trecho de seus dis-
cursos sobre o iaC Bardi evocava o caráter utópico do design ou o seu papel emancipador; para
ele, o que estava em questão era a disseminação de sua ideia de bom gosto, em íntima conexão
com o chamado “espírito contemporâneo” e com o poder econômico ligado aos industriais
(leon: 2006).

No que diz respeito ao fechamento do iaC-masp, Leon explica-o a partir das interpreta-
ções de Florestan Fernandes, Celso Furtado e Novais e Mello sobre o empresariado paulistano,
descartando as hipóteses de que o encerramento da escola tenha ocorrido devido à sua pre-
cariedade, ou à uma suposta disposição anti-capitalista – tais como eram os ideais originais da
-
tese de que não haveria no Brasil público consumidor receptivo (tanto em termos econômicos

que a população urbana e a classe média brasileiras estavam em acelerada ascensão, tendo
seus gostos e hábitos fortemente abertos à renovação. Leon lembra, ainda, que a quantidade de

nesse fator a razão fechamento do iaC.

Para essa autora, o fechamento do instituto é tributário dos seguintes fatores: (1) a capa-
cidade intelectual limitada do empresariado paulistano para compreender os efeitos do ensino
artístico sobre a produção industrial; (2) a vigência da noção de arte como sendo totalmente
56
alheia à atividade industrial, sendo ligada apenas à distinção social e aos privilégios da elite;
(3) o pouco interesse do empresariado em temas como educação, ciência e tecnologia; (4) a
facilidade e suposta liquidez da prática da cópia de modelos de produtos estrangeiros; (5) o
imediatismo do empresariado, e a correlata indisposição do mesmo para envolvimentos de
longo prazo com pesquisa e desenvolvimento de produtos (leon: 2006).

É preciso considerar ainda que tais fatores podem estar associados a uma diferença es-
sencial entre as duas modalidades do design que eram ensinadas no iaC
visual, e o design de produtos –, das quais a primeira é mais próxima da publicidade, sendo
sua implantação mais barata para as empresas (já que poderiam ser contratados consultores
ou agências, ao invés de funcionários permanentes), além de mais rapidamente lucrativa. Já
o design de produtos é uma atividade ligada à inovação técnica, que exige investimentos de
médio prazo com pesquisa e desenvolvimento, a realização de experimentos e modelos, além
da disponibilidade para abandonar ou reiniciar projetos.

Três fatores corroboram as hipóteses da autora sobre o fechamento do iaC, em face do


desinteresse geral do empresariado paulistano. O primeiro fator diz respeito à continuidade da
outra escola mantida pelo masp – a escola de propaganda – que, mesmo tendo se desvinculado
do museu, continuou suas atividades sob outros auspícios, tendo se transformado na Escola
Superior de Propaganda e Marketing, que atualmente mantém sedes também no Rio de Janei-
ro, Porto Alegre e Brasília, oferecendo, inclusive, cursos de graduação em design. Leon ressalta
que o mesmo não ocorreu com o curso de desenho industrial do iaC, e que a continuidade e o

mais interessantes aos empresários do que as práticas ligadas ao desenho de produtos, pois
a compreensão dos mesmos a respeito do design aproximava esta atividade da publicidade,
dada a capacidade representacional de ambas as práticas. Segundo esta visão, o que interes-
sava mais aos empresários brasileiros dizia respeito ao estilo dos produtos, ao seu estatuto de
“adorno moderno” e à viabilização da “imitação construtiva”, prática exercida largamente pelo
empresariado brasileiro.

O segundo fator diz respeito à absorção dos designers egressos do iaC-masp quase que
tão somente por empresários com sólida formação cultural ou membros de famílias ligadas à
cultura, tais como Ademar Manarini (industrial e artista concretista, que levou o design para

que contratou Alexandre Wollner para desenhar a identidade visual da Metal Leve) e Aldo
Magnelli (irmão do artista plástico Alberto Magnelli e proprietário da indústria moveleria Se-
curit).

O último fator é fruto de uma comparação entre a experiência brasileira do iaC com o
célebre design italino (lembrando que a Itália é a terra natal de Pietro Bardi), cuja explicação

57
artistas e arquitetos de um lado, e empresários de outro. Essa breve nota, sobre a disposição
intelectual e cultural do empresariado italiano para a inovação, aponta, por contraste, para a

que serão discutidas a seguir. Trata-se da diferença entre duas dinâmicas distintas: (1) aquela

práticas produtivas em curso, sendo gestada nas mentes e mãos de seus efetivos praticantes e
(2) aquela levada a cabo por instituições destinadas a impor, de cima para baixo e de fora para
dentro, supostas verdades a serem seguidas pelo setor produtivo, para o alcance de um ideal
de nação.

anos 50/60 - o museu de arte moderna do


rio de janeiro e a gênese da esCola
superior de desenho industrial

Pouco mais de um ano depois do encerramento das atividades do iaC-masp em São Paulo,
tiveram início, em 1953, no Rio de Janeiro, os preparativos para a implantação do ensino regu-
lar do design naquela cidade, que, anos mais tarde, redundaram na fundação da Escola Supe-
rior de Desenho Industrial (esdi). Em seus primórdios, a iniciativa que deu origem à esdi era
vinculada ao campo artístico/museológico, assim como no caso do iaC-masp: trata-se da Escola
Técnica de Criação (etC) do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cujos planos foram
conduzidos por suas diretoras executivas, Niomar Muniz Sodré e Carmen Portinho, a partir
dos contatos com o artista plástico e designer suíço Max Bill, egresso da prestigiosa Bauhaus47
e um dos principais expoentes da Arte Concreta, que esteve no Brasil em 1953 para participar
do júri da II Bienal de São Paulo. Segundo relata niemeyer (1998) Max Bill teria reconhecido no
Rio de Janeiro as condições culturais favoráveis à criação de uma escola de artes alinhada com
a ideia de progresso, e empenhada em conciliar arte e produção industrial com vistas à elabo-
ração de uma estética moderna. Naquele período Bill estava engajado na implantação de outro
empreendimento educacional – a Escola Superior da Forma de Ulm48, na Alemanha que, con-

47. Trata-se da escola de artes, arquitetura e design, que funcionou na Alemanha entre 1919 e 1933, e que se

48. A Escola Superior da Forma de Ulm funcionou em Ulm, na Alemanha, entre 1953 e 1968. Foi fundada em
memória dos irmãos Hans e Sophie Scholl, que eram membros do grupo antinazista Rosa Branca, e que foram
executados pelo regime de Hitler em 1943. Inicialmente idealizada como um instituto de estudos sociais, a Escola
de Ulm foi convertida numa escola de design, com vistas a recuperar o ideário humanista da Bauhaus. De acordo
com alguns de seus críticos, no entanto, ao longo de seu funcionamento, a Escola de Ulm teria abandonado os
preceitos bauhausianos para adotar a razão instrumental como fundamento de seu ensino.
58
De acordo com niemeyer
uma oportunidade para o mam-Rio consolidar seu papel ativo no processo da modernização
brasileira, tanto em termos estéticos quanto econômicos, o que era de enorme interesse dos
intelectuais e empresários ligados à sua fundação e ao seu funcionamento. De acordo com os
relatos dessa autora, e também de souza (1996), alguns passos essenciais foram concretizados
com vistas à instalação da etC-mam: (1) as adaptações arquitetônicas realizadas no projeto
original do museu, inaugurado em janeiro de 1958 por Juscelino Kubitschek; (2) a formu-
lação de planos educacionais, para os quais contribuíram os professores da Escola Superior
da Forma de Ulm Max Bill e Tomas Maldonado49 – este último contratado pelo mam-Rio
para elaborar uma proposta curricular para a etC; (3) a adoção de critérios de admissão e de
concessão de bolsas de estudo, inclusive para alunos de outros países da América Latina; (4)
o plano de aproximação da etC-mam com o setor produtivo; (5) a realização de alguns cursos
isolados em 1959 e 1960 (comunicação visual, ministrado por Tomas Maldonado50 e por Otl
Aicher51 -
meyer menciona a boa receptividade do projeto pela Unesco, então empenhada em fomentar
o papel educativo dos museus e a modernização por meio da educação industrial, e a aceitação
do projeto da etC-mam pela elite carioca.

No entanto, apesar de todos esses bem sucedidos encaminhamentos, ambos os autores re-
latam que o mam -
munerar os professores, o que impediu o início de seu funcionamento. Os planos do mam para
a Escola Técnica de Criação foram então assumidos pelo Governo do Estado da Guanabara,
particularmente por dois de seus membros, interessados no caráter vanguardista da escola: o
governador udenista Carlos Lacerda, a quem interessava associar seu mandato a projetos ino-
vadores para fazer frente ao tom desenvolvimentista do governo de Juscelino, e o então secre-
tário de Educação e Cultura, Carlos Flexa Ribeiro, a quem Carmen Portinho teria atribuído
a intenção de ser o futuro governador, e para quem, portanto, seria desejável ter entre suas
realizações como político a implantação de um empreendimento de vanguarda tal como uma
escola de desenho industrial (niemeyer: 1998, 79-81).

de visões incompatíveis sobre o ensino, a prática e o estatuto cultural do design/desenho industrial.


50. Tomás Maldonado (Argentina, 1921-) é artista plástico, designer industrial e teórico do design; foi um dos
diretores da Escola Superior da Forma de Ulm, circunstância que o levou a elaborar suas principais ideias para o
campo, e que consistem num dos cânones do pensamento em design do século XX. (Woodham: 2004).

Escola Superior da Forma de Ulm, da qual foi também um de seus diretores; foi autor de projetos visuais para
grandes corporações, dentre elas, a Lufthansa. Seu mais importante trabalho foi o sistema de identidade visual
para os Jogos Olímpicos de Munique (1972). Foi casado com Inge Scholl, irmã de Sophie e Hans Scholl, os irmãos
executados pela Gestapo em 1943, por fazerem questionamentos ao regime nazista, e em memória dos quais foi
fundada a referida Escola de Ulm. (Woodham: 2004; lindinger: 1991)
59
De acordo com souza (1996), é possível atribuir a Carlos Flexa Ribeiro um papel de grande
relevância nesse processo, pois antes de ser secretário de Estado da Educação e Cultura, ele foi
Diretor Executivo do mam-Rio , conhecendo assim todos os detalhes do processo de implan-
tação da etC-mam

Lamartine Oberg, diretor do Instituto de Belas Artes (iba), a quem o Ministério das Relações

experiências de ensino de design para fundamentar a sua intervenção junto ao mam-Rio (nie-
meyer: 1998; souza: 1996). Em tal viagem ele teria sido recepcionado por Tomas Maldonado na

Escola Superior da Forma, em Ulm; teria ainda conhecido a Kunstgewerschule (em Zurique,
Suíça) e o Royal College of Arts (em Londres, Inglaterra); teria também se reunido com Max
Bill. De acordo com souza (1996, 11-12), os argumentos elaborados por Oberg a partir dessa
-
ciando a ambos na decisão de darem continuidade, no âmbito do governo estadual, à empreita-
da iniciada pelo mam-Rio. Souza sugere que o empenho de Oberg era movido pelo seu interesse
em obter o aval governamental para instalar o curso de desenho industrial na instituição que
dirigia, pois, uma vez implantado no iba, tal curso garantiria a credibilidade pública da qual a
escola não desfrutava.

-
tário Flexa Ribeiro fez com que o iba passasse a ser visto como a instituição mais adequada para
implantar o curso de desenho industrial, sendo Oberg nomeado integrante de um grupo de
trabalho responsável por discutir a questão, juntamente com os arquitetos Sérgio Bernardes,
Maurício Roberto – então presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – e Wladimir Alves
de Souza – então diretor na Faculdade Nacional de Arquitetura.

Niemeyer menciona que, na continuidade do processo, novas viagens foram realizadas


por Oberg à Europa e aos Estados Unidos, com vistas a apresentar os planos da nova escola a
-
mentos junto à Unesco e outros organismos. Além disso, os preparativos para este curso con-
taram com a consultoria de Joseph Carreiro, então diretor da Escola de Desenho Industrial do
52
, que desaconselhou o projeto
por considerar prematura a implantação de tal escola diante da precária realidade industrial
brasileira, e também por entender que os futuros egressos da escola estariam condenados ao

52. A Consultec foi uma consultoria com ampla penetração na máquina burocrática brasileira; um de seus co-
laboradores foi o economista Mario Henrique Simonsen, que foi também Ministro da Fazenda (governo Geisel) e
Ministro do Planejamento (governo Figueiredo); a empresa prestava serviços diversos ao poder público e ao setor
privado, preparando projetos de lei, acordos comerciais e assessorando políticos e parlamentares com discursos e
planos de ação. Em seu livro Esdi , souza (1996) faz uma crítica detalhada ao parecer em
questão, apontando várias de suas inconsistências.
60
desemprego e ao desajuste social, por serem detentores de uma formação por demais avançada
para o Brasil de então (niemeyer: 1998, 84 e souza: 1996, 32-36).

A despeito do parecer negativo da Consultec, Lacerda manteve os propósitos da fundação


do curso, passando a investigar locais para sediá-lo. Dentre as possibilidades estavam a Fac-
uldade de Arquitetura da Universidade do Brasil, o próprio Instituto de Belas Artes53 e as de-
pendências do Mam-Rio, fortemente consideradas por terem sido projetadas para abrigar uma
escola daquele tipo. No entanto, a parceria entre o Mam-Rio e o Governo do Estado da Guana-
bara não chegou a se consolidar devido à diferença de natureza política das duas instituições
– em particular, devido ao fato do museu atender a interesses privados e desejar resguardar a
sua liberdade institucional –; e também, em função de disputas políticas entre o governador
Lacerda e Paulo Bittencourt, proprietário do jornal Correio da Manhã e companheiro de Nio-
mar Muniz Sodré, diretora do museu (niemeyer: 1998; e souza: 1996).

Diante da recusa do Mam


próprios imóveis, um que pudesse ser adaptado à implantação da escola, optando pelo edifício
que a abriga até os dias atuais, nas proximidades dos Arcos da Lapa, e que então sediava a Rá-
dio Roquete Pinto e um departamento da própria Secretaria de Educação e Cultura (niemeyer:
1998; e souza: 1996). O curso de desenho industrial foi então diretamente vinculado à Secre-
taria de Educação e Cultura do Estado da Guanabara, e não ao Instituto de Belas Artes como se
propunha inicialmente. Era o início da esdi – Escola Superior de Desenho Industrial.

a influênCia da esCola ulm na formulação


dos planos da etC-mam e da esdi

Em seu livro Esdi (1996), souza relata que, durante as discussões


sobre o currículo da escola, as questões mais relevantes giraram em torno do tipo de formação
a ser ali disseminada, tal como já havia ocorrido na etC-mam e em seguida no iba. A prob-

industrial: (1) o investimento na intuição/subjetividade do aluno, com vistas a transformá-lo


num formulador privilegiado da cultura contemporânea e da identidade brasileira por meio

53. Niemeyer aponta que em 1962, por ocasião da apresentação do projeto do curso à Assembléia Legislativa do
Estado da Guanabara, o Conselho Técnico do Instituto de Belas Artes protestou contra o fato de Lamartine Oberg
ter conduzido planos para aquela escola a revelia de seus pares. A autora não esclarece, no entanto, se esse pro-
testo gerou repercussões consideráveis, ou se motivou o impedimento da instalação do curso de desenho indus-
trial nas dependências do iba.
61
potencialidades da indústria, e às demandas dos públicos consumidores/ usuários e também
dos imperativos da economia.

O relatório que Lamartine Oberg encaminhou ao governador Lacerda em 1961, sobre suas
incursões pelas escolas de design européias, expressa não somente seu interesse em acolher o
curso de desenho industrial no iba -
mento Oberg diz o que segue:

Não encontrei (…) após visitar dez países e entrevistar professores, arquitetos, desenhistas indus-
triais e em artigos de revistas especializadas, alguém que defenda a teoria de Maldonado que nega
a necessidade de uma predominância estética na formação do designer, propondo que o ensino
artístico se funde sobre um conhecimento objetivo estatístico, da mecânica perceptiva e dos fatores
formais e psíquicos da informação. (oberg apud souza: 1996, 12)

Independente de veracidade de seus relatos ou da consistência de seus argumentos, a


posição de Oberg exprime os termos da disputa conceitual que permeou a implantação da
esdi, e que também tinha sido travada, poucos anos antes, por Max Bill e pelo artista concreto
argentino Tomás Maldonado, na Escola Superior da Forma, em Ulm.

Conforme relata rinker (2003) a respeito da escola alemã, no discurso de abertura do ano
acadêmico de 1957-58, Maldonado apontou para a necessidade de superação da ideologia de-
fendida por Max Bill, que fazia do designer um artista, e que foi herdada da fase expressionista
da Bauhaus. Para Maldonado, tal ideologia tinha cumprido seu papel histórico, e deveria ser
superada por estar se transformando num novo academicismo, baseado no uso repetitivo e
54
.

O ideário combatido por Maldonado é aquele que confere primazia às questões estéticas
do projeto, e que resultariam, por sua vez, da intuição e da sensibi-lidade do designer-artista,
devendo ser incentivadas por um processo educacional cujas atividades proporcionassem o
embate entre o criador, de um lado, e as questões da forma, de outro, normatizadas pelo para-
digma estético construtivista. De acordo com esse legado bauhausiano/expressionista, a for-
mação ideal do designer deveria se dar primordialmente em ateliers (de pintura, escultura,
-
timamente os materiais, ferramentas e técnicas, por meio da experimentação, elaborando pro-
jetos que resultariam da sua interpretação pessoal a respeito daquela realidade tecnológica/
material, tendo sido já educado anteriormente a respeito dos problemas da pura forma.

-
sos complexos. Na diagramação de jornais, por exemplo, a grid está estruturalmente ligada ao “diagrama”, que
por sua vez sustenta e fornece parâmetros espaciais para a distribuição dos textos, imagens e espaços vazios,
permitindo a organização da página. De acordo com Tymothy Samara, na obra Grid: construção e desconstrução
(Cosac Naify: 2007), “
como guias para a distribuição de elementos num formato” (samara: 2007, 24).
62
A compreensão de tomás maldonado sobre o design rompe radicalmente com tais pres-
supostos, pois ele entendia que essas ideias não eram mais adequadas às condições econômi-
cas, políticas e tecnológicas vigentes nos anos 50/60. Para ele, a equação bauhausiana/expres-
sionista, que conferia primazia à estética do projeto à subjetividade do designer (concebido
como um artista), deixava de lado fatores externos determinantes, “produtivos, construtivos,
econômicos e quiçá também o fator simbólico” (rinker: 2003, 6). Ele advogava, assim, por
uma nova compreensão do designer como um coordenador, cuja

… Responsabilidade será coordenar, em estreita colaboração com um grande número de especialis-


tas, os mais variados requisitos da fabricação e do uso de produtos; [para maldonado] a responsa-

e cultural do consumidor será sua [do designer]. (rinker: 2003, 6. Tradução nossa)

As ideias de maldonado expressam uma mudança no estatuto cultural do design, que


deixava de ser então uma questão de ênfase artística, para tornar-se uma questão técnico-

em massa. De acordo com a interpretação de Rinker, essa foi umas das discussões essenciais

necessário separar a atividade de projeto e colocá-la em mãos especializadas. Até aproximada-

engenheiros e artistas. Não havia escolas de design, e até que a bauhaus deu o giro decisivo no
campo do design de produtos industriais, a formação estava subordinada à arquitetura. (rinker,
2003: 5, tradução nossa)

A posição contrária à de maldonado, defendida por Max Bill, pode ser melhor compreen-
dida por meio de um texto de sua autoria, publicado no boletim do mam-Rio, em julho de 1953,
uma continuação da bauhaus (…)
[que] baseava-se ainda na aliança entre as artes e a arquitetura” (bandeira: 2002, 30). Para
Bill, tal aliança teria sido realizada, em Ulm, por meio da “formação da personalidade mesma

no domínio da cultura da nossa idade técnica” (bandeira: 2002, 30). Ele compreendia que
aquela escola deveria formar uma pequena elite que, por sua vez, implantaria escolas de arte e
design ao redor do mundo, responsáveis por formar as elites locais. Esta posição era altamente

A solução que prevaleceu na esdi foi aquela ligada a tomás maldonado, mas não sem distor-

esdi, para quem a escola foi resultado de uma adoção acrítica do modelo ulmiano. Os termos
63
-
cola carioca serão abordado na sequência do capítulo.

anos 60 - tomadas de posição na esCola


superior de desenho industrial (1962-1969)

Em alguns circuitos institucionais brasileiros, é bastante disseminada a ideia de que a


esdi
declarada, na qual se formaram alguns designers55 que efetivamente atuaram na escola cari-

da esdi quanto da Escola de Ulm. lindinger (1991) aponta que, ao longo dos quinze anos de
vigência da instituição alemã (1953-1968), é possível reconhecer ao menos seis diferentes fas-
es, dentre as quais a primazia foi, inicialmente, da concepção de design ligada à arte, e em
56
, na fundamentação metodológica
e no formalismo racionalista, de acordo com o qual as formas dos objetos devem decorrer do
desempenho de suas funções.

De acordo com esse e outros autores, durante sua curta existência, a Escola de Ulm foi
palco de muitas querelas e debates, não podendo jamais ser reduzida a uma experiência uni-
dimensional. Uma expressão da riqueza intelectual da Escola de Ulm é o contraste entre a
composição de seu corpo docente permanente – que contava com aproximadamente 20 mem-

-
ger, Reyner Banham, Walter Gropius, Bruce Archer, Charles Eames, Norbert Wiener e Lucius
Buckhardt.

No que diz respeito à esdi, a obra do professor Pedro Luiz Pereira de Souza – Esdi: biogra-
(1996) – apresenta argumentos que também demonstram a complexidade da
escola carioca. Trata-se de uma obra fartamente documentada sobre as primeiras três décadas
da esdi, sendo de especial interesse, para este estudo, o período compreendido entre 1962 e
1969, respectivamente o ano inicial de seu funcionamento e o ano de conclusão da chamada
Assembléia Geral – a grande revisão sobre os primeiros anos da escola, que veio a determinar

lugar, porque, de acordo com Couto (2008), leite (2010) e o próprio souza (1996), foi precisa-
esdi entre 1968 e 1969 que serviu de base para a mul-

55. Notadamente, Paul Edgard Decurtins, Karl Heinz Bergmiller e Alexandre Wollner.
56. Entre os temas debatidos na Escola de Ulm estavam a semiótica, a cibernética, a teoria da informação, a
gestalt etc.
64
visões sobre o que deveria ser a formação do designer/desenhista industrial, que persistem
até os dias de hoje sob diferentes enfoques, e que pressupõem diferentes ideologias e visões a
respeito de temas correlatos, tais como o papel das artes, a concepção de ciência, a importância
do mercado, a dependência ou soberania tecnológica, o capitalismo e o consumo.

De acordo com Souza, os primeiros anos da esdi foram marcados, ao mesmo tempo, pelo
-
bros, cujos desdobramentos foram decisivos para a organização curricular da escola e a fun-

revisão dos anos inaugurais, que aconteceu entre junho de 1968 e agosto de 1969, motivada
pelos questionamentos estudantis a respeito da estrutura e do funcionamento da escola. Esse
-
mentos dirigidos ao Conselho Consultivo da escola pelo DAesdi (Diretório Acadêmico); sua
importância não diz respeito apenas à esdi
a
maioria dos problemas do design brasileiro que foram discutidos nas décadas seguintes, já
estavam presentes dentro da sala da Assembléia Geral” (souza: 1996, 176).

Nos anos anteriores à Assembléia Geral os debates já vinham acontecendo cotidiana-


-
quiteto Maurício Roberto, e em seguida pelo também arquiteto e crítico de arte Flávio de Aqui-
no. Num primeiro momento, os problemas em pauta estavam ligados ao funcionamento do
cotidiano escolar, considerado por muitos inconsistente, o que incluía a prática pedagógica e
a conduta dos professores, a falta de clareza dos programas didáticos, os critérios de avaliação
(que eram, muitas vezes, obscuros) e, num plano mais abrangente, a integração do corpo do-
cente e a falta de sintonia entre as disciplinas ditas teóricas e as práticas.

Esses últimos aspectos levavam o Conselho Consultivo a exigir, frequentemente, que os


professores apresentassem por escrito os programas de suas disciplinas. No entanto, a proble-
mática não dizia respeito apenas ao descompromisso dos mesmos, ou à falta de integração

o problema foi o documento intitulado Reformulação de um Programa, redigido e apresentado

dos problemas enfrentados na escola, seguido de diretrizes para a sua reorganização, que in-
cluiam novos parâmetros para a admissão dos alunos, uma descrição detalhada das atividades
de cada ano da formação, a previsão de um curso de pós-graduação e, o mais importante, uma
esdi.
65
Segundo souza (1996), o documento de Aquino foi a primeira grande revisão crítica lev-
ada a cabo dentro da esdi. Nele, o diretor propunha sua reorganização de acordo com alguns
princípios: (1) o respeito aos fundamentos da Escola de Ulm, “principalmente no seu conceito
de que o designer é um coordenador, que ele não é o artista da forma, nem o engenheiro do
produto” (aquino apud souza
e; (2) a oferta de um ensino baseado no raciocínio lógico e na centralidade da disciplina de Pro-

variedade de problemas a serem enfrentados no campo da produção industrial. Aquino defen-


dia a centralidade da disciplina de Projeto na organização curricular, de maneira a conferir às
demais um caráter instrumental e de apoio, conforme o trecho a seguir:

A esdi existe porque a cadeira de Desenvolvimento de Projeto projeta e não porque as cadeiras de
Cultura Contemporânea ensinem a ver uma obra de arte, a de Mecânica a estática e a dinâmica,
-

Mas, a cadeira de Desenvolvimento do Projeto também deve ter a consciência da visualidade mod-

e que abordam os problemas que vão desde o artesanato até os processos industriais de produção.
(aquino apud souza: 1996, 109)

De acordo com a interpretação de Souza, esse documento ensejava uma compreensão lim-
itada do design, que o vinculava tão somente ao mercado ou ao interesse dos industriais/em-
presários, sem mencionar os benefícios de objetos e sistemas bem desenhados sobre a vida in-
dividual ou coletiva. No entanto, tendo em vista a conjuntura política da época (o ano de 1964)
pode-se supor que o documento de Aquino expressava apenas uma concepção possível de ser

Conforme sugere o documento de Aquino, as queixas sobre o cotidiano escolar eram a


esdi
-
rada, em parte como resultado do processo de modernização antecedente e, em parte devido à
guinada imposta pelo regime militar que então se instalou. Tratava-se dos vínculos – que ainda

-
turas políticas muito distintas nas quais a esdi deu seus primeiros passos.

Conforme assinala Souza, a escola foi idealizada poucos anos antes do golpe militar de
1964, numa atmosfera cultural e política progressista, favorável à industrialização do país, à
substituição de importações, à democratização do consumo e à eliminação da pobreza, fase
marcada pela compreensão positiva e ativa do papel de artistas e intelectuais na realização
de um projeto de autonomia/soberania nacional. No entanto, a efetiva implantação da ESDI
66
político-ideológica de muitos membros da escola. Em seus primórdios, previa-se que a esdi,
devido ao seu caráter vanguardista, seguiria caminhos diferentes dos modelos burocratizados
de ensino, nos quais os papéis de professores e alunos eram muito distintos, e a transmissão
do conhecimento se dava de maneira verticalizada. Na esdi, o ideal inicialmente proposto era
de colaboração horizontal entre professores e alunos, visando a prática colaborativa do pro-
jeto, com base na experimentação, na descoberta e na argumentação, tendo a racionalidade
como princípio intelectual e formal. No entanto, este modelo colaborativo foi inviabilizado
tanto pela repressão imposta pelo regime militar, que desarticulava os debates intelectuais por
todo o país, quanto pela despolitização, descompromisso, ingenuidade e/ou incompreensão de
muitos membros da escola. Conforme a discussão proposta no capítulo 5, este é um aspecto
que parece ser ignorado pelos críticos da esdi, bem como pelos formuladores de ideologias
alternativas.

Uma das expressões desse quadro diz respeito ao alunado, do qual se esperava, inicial-
mente, uma postura engajada, de acordo com o papel que lhe fora inicialmente atribuído: o
de uma espécie de elite (justamente por se tratar da primeira geração brasileira de designers),

Ao longo dos primeiros anos da escola, no entanto, tal expectativa foi frustrada, em parte
porque os alunos não apresentaram o engajamento esperado; no entanto, aspectos negativos
do cotidiano acadêmico contribuíram para que eles apresentassem atitudes questionadoras,

política que então vigorava. De acordo com Souza, uma das reivindicações implícitas no des-
contentamento dos alunos era justamente a adoção de regras mais claras para o funciona-
mento escolar, o que aproximava a esdi dos modelos burocratizados que ela se propunha, ini-
cialmente, a combater. Por outro lado a angústia estudantil estava ligada à atuação arbitrária
de muitos docentes e, mais importante, ao seu futuro incerto no mercado de trabalho, prob-
lemática que alcançou a centralidade dos debates a partir de 1968, em função da difícil colo-

dos egressos de uma escola vanguardista, portadores de um título ainda sem nenhum prestí-
gio, num país cujo projeto de modernização tinha mudado radicalmente os seus métodos em
função do golpe de 64. Acrescente-se ainda o fato de que, diferentemente da fau-usp (escola
que será discutida na sequência), na esdi seriam formados desenhistas industriais ou design-
-
tavam com o mesmo reconhecimento público da alcunha do arquiteto.
67
No que diz respeito à conduta questionável dos professores, Souza aponta para a resistên-
cia dos teoristas à adaptação de suas práticas pedagógicas ao ensino de design, problema que
tinha como outra face a resistência dos alunos a estudos de caráter teórico e abstrato que não
evidenciassem uma aplicabilidade imediata. Por trás deste impasse havia o difícil equaciona-
mento entre as ciências sociais, as ciências exatas e o design, questão que estava presente tam-
bém nos debates travados na Escola de Ulm (souza: 1996; lindinger: 1991). E ainda, conforme
-
cantes dessas duas modalidades:

menor e, em parte, isso era compreensível. Nenhuma ciência se desenvolve sem seus marcos teóri-
cos elaborados. Muitos cientistas sociais supõem que um trabalho aplicado será menos aceitável
(…) do que aquele desenvolvido na formalização teórica. (…) Um teórico termina adquirindo uma

própria prática, entendendo-a como desvirtuamento da teoria pura.

Há, por outro lado, a tendência do designer a recusar a possível colaboração das ciências sociais em

sempre considerado curto, dentro de um padrão de desenvolvimento de projeto tradicional, orien-


tado a três etapas básicas: a análise, a síntese e a apresentação. Argumenta-se que se o tempo
dedicado à análise e à investigação for demasiado, restará pouco espaço para a ação real de projeto,
que é o que importa. Estabelece-se a dicotomia, em tese não desejada, entre a teoria e a prática e
resolve-se o problema em favor da última, pois ela pode proporcionar a experiência real. (souza:
1996, 134-135)

Outra questão problemática apontada por Souza, e que persiste até os dias de hoje, está

… a convivência da esdi com economistas nunca escapou de equívocos gerados pelo fato destes
considerarem o design como algo semelhante à atividade de um inventor. Sempre houve de sua
parte, um particular interesse em demonstrar didaticamente aos designers, a inviabilidade de sua

que o designer devesse atuar como um inventor era ligada ao equívoco de se entender quaisquer
inovações, até formais, como invenções. (…) A compreensão dos economistas da natureza dessas
atividades terminou sendo mais elitista do que seu próprio exercício, pois segundo ela, só seriam
-
zoáveis encontradas foram aquelas que supunham ser o design um tipo de engenharia, temperado
com esteticismo. (souza: 1996, 178)

De acordo com o autor, só é possível compreender com clareza os acontecimentos ocor-


ridos na esdi àquele período de maneira retrospectiva; esses ensejavam o embate entre três
diferentes fundamentações para as práticas do design: uma delas de caráter subjetivista/intui-

68
-
ticos/semióticos, e foi expressa por Décio Pignatari numa proposta de reestruturação escolar,
defendida por ele em 1965. De acordo com Souza, Décio foi um

questionador, por natureza, de todas as tendências da esdi, renovador da linguagem e, portanto, do


pensamento em design e militante contra tendências hegemônicas do formalismo técnico, contra
o conteudismo populista de esquerda, contra o neoculturalismo e seus aspectos folclóricos e pas-
sadistas e contra o intuicionismo regressivo (souza: 1996, 126).

Sua proposta nunca foi implantada devido ao excessivo vanguardismo para as discussões
do momento, e porque pressupunha uma democratização do consumo de massas que não ac-
onteceu à época. Décio foi um crítico fervoroso do antiintelectualismo e do utilitarismo vigen-
tes na escola, expressos pela valorização excessiva da atividade de projeto. De acordo com suas
propostas, a formação do designer deveria ter como pressupostos:

1. a “descoberta como principal fator de trabalho do designer” (souza: 1996, 113);

2. a compreensão de que a atividade deveria referir-se não somente ao desenho dos obje-
tos, mas à programação de um processo, que envolveria produção, distribuição, comunicação,

3. o aprofundamento nos estudos das teorias ligadas à matemática, à lógica, aos meios de
comunicação, à teorias da linguagem, à economia e à sociologia, sendo esta última entendida
por Décio em sua capacidade de explicar o comportamento e as expectativas do consumidor;

4. a compreensão dos papéis de professor e aluno de uma maneira horizontal e colabora-

como “linha de montagem da informação”;

5. a recusa da primazia da estética dos objetos em favor das questões de sua quantidade e

6. a compreensão do mercado como uma instância revolucionária, “capaz de abalar as


ideologias que sustentavam um passadismo cultural reacionário e elitista” (souza: 1996,
125);

7. a recusa das ideias nacionalistas e das tendências que valorizavam a cultura arcaica e
artesanal, e a defesa da obsolescência programada dos objetos, vista como uma característica
intrínseca da produção em massa, conforme ele mesmo assinala:

Compete-mos lembrar, como exemplo, que a recuperação do Nordeste implica o desmantelamento


da estrutura tradicional (artesanal) (…) Em face da produção em massa, motivação fundamental
do desenho industrial, o problema da qualidade do objeto em si passa a ser secundário, porque o
que importa é a qualidade do processo. Em outras palavras, a quantidade exige uma nova noção
69
de qualidade que não é mais do objeto isolado porque na época da produção em massa e do avanço
tecnológico, o objeto não é mais feito para durar sempre e sim para ser substituído e renovado, Isto
quer dizer que não é possível aparelhar-se uma indústria para a produção em massa sem aquele
nível necessário de qualidade. (pignatari apud souza: 1996, 120-121)

A abordagem subjetivista/intuicionista teve como principal formuladora a designer Daisy


Igel, professora da esdi entre 1966 e 1967. Seu trabalho pedagógico era voltado à valorização da
intuição e da criatividade do designer ou, conforme resume Souza, “a exemplo do vorkurs de
Itten na Bauhaus, seu ensino visava colocar o aluno em condições de produzir trabalhos per-
sonalizados, através do conhecimento sensorial e de uma aproximação experimental obtida
diretamente do trato com diversos materiais” (souza: 1996, 128). Segundo esta concepção, o
que interessava na determinação do trabalho do designer era a formulação de objetos raros e
exclusivos, advindos de uma particular genialidade, desenvolvida por meio de práticas ligadas
à valorização artística e subjetiva. Ao contrário das outras duas abordagens, não estava em
primeiro plano, naquele caso, o funcionamento da economia, os interesses da indústria ou dos
consumidores.

As ideias praticadas por Daisy Igel na esdi guardavam parentesco com os pressupostos
defendidos por Max Bill na Escola de Ulm. Quando da fundação daquela escola, em 1953, Bill
fazia a defesa da arte como uma instância civilizadora do homem, e do papel do designer e do
arquiteto como agentes civilizadores por excelência, aptos a combater o Disforme em nome
do Belo, do Bom e do Útil que, por sua vez, eram entendidos como qualidades interligadas. De
acordo com Souza, “Max Bill entendia o design através de uma ordem hierárquica, onde en-
genheiros e fabricantes deveriam ser agentes executivos do designer” (souza: 1996, 56). Essa
posição carismática, no entanto, passou a ser severamente combatida pelos professores mais
jovens de Ulm, que entendiam que o projeto deveria ser fundamentado pelo conhecimento

dologias projetivas com etapas claras e delimitadas, que impedissem que as decisões de projeto

do desenvolvimento do design sistemático e combinatório, baseado na teoria da percepção, na


matemática, na estatística, na teoria da informação etc.

Ulm e o seu redirecionamento pedagógico a partir de 1956, rumo ao ensino de um design dito

os planos da etC-mam, e posteriormente da esdi. No entanto, em termos formais, os resultados


dos projetos na Escola de Ulm mantiveram o parentesco formal com o construtivismo e com o
racionalismo funcionalista – ausência de ornamentos, uso de cores primárias, predominância
de linhas retas e formas geométricas – que já caracterizava os projetos da fase anterior, ligados
ao pensamento de Max Bill. Esse paradigma estético-formal era conhecido como Gutte Forme
70
e tinha em Bill um de seus principais formuladores; em termos políticos, a Gutte Forme pode
ser vista como uma “moral dos objetos”, pois ela se dirigia criticamente ao styling que, por sua
vez, era a prática americana de estilização dos objetos destinada a seduzir os consumidores e
alavancar as vendas. As formas dos objetos desenhados segundo os princípios do styling eram
acusadas pelo defensores da Gutte Forme de serem arbitrárias, desonestas, ligadas ao efemêro
e à moda e destinadas tão somente à obtenção dos lucros de vendas.

A estética da Gutte Forme -


jeto, defendidos pelos sucessores de Max Bill em Ulm, formaram a base da terceira fundamen-
tação do design praticada na esdi
Como herança dos anos iniciais, sobrou o “legado” da falta de engajamento dos professores
teoristas ao projeto da escola, que impediu que as atividades de projeto fossem desenvolvidas
sobre uma sólida base teórico-crítica: esse foi um dos fatores que conduziu à adoção do forma-
lismo racionalista e da prática do projeto como eixo condutor predominante das atividades da
escola. Souza aponta também que o choque entre as diversas visões do vínculo entre sociedade,
design, economia, política e tecnologia não foi produtivo como poderia ter sido, pois cada um
de seus formuladores compreendia seu próprio ponto de vista como sendo universal e incom-
patível com os demais. Assim, a forma de se fazer e ensinar o design que passou a predominar
na esdi -

da estética do objeto como uma questão secundária, sendo essa uma posição formalista, que
conduziu a um academicismo estilístico, segundo visão de muitos críticos da escola carioca.

Muitos são os ataques desferidos contra a esdi, por parte de designers e outros críticos,
que imputam à escola a responsabilidade pela inconsistência atual da identidade do design

debates atualmente em voga no campo acadêmico do design.

anos 60 – o ensino do desenho industrial na fau-usp

Além do iaC-masp e da esdi, outro empreendimento é apontado como pioneiro na insta-


lação do campo design no Brasil: trata-se do ensino de desenho industrial implantado, em
1962, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, iniciativa resultante

Reforma Artigas, em referência ao arquiteto e professor João Baptista Villanova Artigas, um


de seus principais formuladores.

De acordo com pereira (2009), a Reforma de 62 resultou de um processo que vinha ocor-
rendo desde os anos 40, relativo ao descolamento da prática e da educação em arquitetura dos
71
domínios das Belas Artes, por um lado, e da Escola Politécnica, por outro. Trata-se do processo
de autonomização daquele campo em relação aos domínios das artes e da engenharia, com

então dava passos importantes no processo de modernização, e a correlata discussão sobre a


formação e a organização institucional mais adequadas a essas mudanças. Tais debates estiver-
am fortemente ligados às discussões travadas na Europa por meio das vanguardas artísticas,

e as proposições da Bauhaus. Conforme se verá, no contexto da fau-usp, a prática do desenho


industrial foi assumida como um desdobramento lógico da prática dos arquitetos.

Tanto no Brasil quanto na Europa, o debate versava sobre o papel da arquitetura e do


desenho industrial num mundo em vertiginosa transformação, tanto em termos sociais, políti-
cos e econômicos, quanto estéticos e tecnológicos. Politicamente, a implantação do ensino de
desenho industrial na fau tinha como um de seus pressupostos o fomento à indústria na-
cional, em oposição à instalação de indústrias estrangeiras no país. Conforme ressalta arantes
(2004), a compreensão de Artigas a respeito, quando de sua atuação na Reforma de 62, estava
alinhada a tal debate:

[Para Artigas] não era apenas o habitat que precisava ser reinventado, mas todos os objetos deveri-
am ser redesenhados, seguindo as leis da produção industrial. Diante do esforço para o desenvolvi-
mento das forças produtivas em nosso país, o desenho industrial tornava-se, assim, uma necessi-
dade premente. (…) A tarefa do desenho industrial seria, assim, parte do projeto progressista da
burguesia que, cumprida sua fase heróica, delegaria a um corpo técnico o trabalho de revolucionar

designers. (arantes: 2004, 30)

Ao contrário do que ocorreu na esdi, o modelo de ensino então elaborado na fau resultou
de debates travados pelo próprio corpo docente, não resultando de imposições externas e nem
da adoção de experiências pedagógicas preexistentes. Em geral, os seus professores compreen-
diam que a arquitetura, o urbanismo, o desenho industrial e a comunicação visual eram mo-
dalidades concretas e particulares da modalidade geral da prática do projeto, noção concebida
como uma forma de pensamento que interligava todas as práticas particulares mencionadas,
pereira: 2009). Segundo
o arquiteto Lúcio Grinover, o ensino praticado na fau tinha como fundamento fornecer aos
alunos os aportes metodológicos adequados à prática do projeto, independente da natureza
objetiva dos bens projetados (cadeiras, colheres, edifícios ou mensagens visuais). O depoi-
mento de Grinover indica o início da disputa entre os desenhistas industriais (formados pela
esdi) e os arquitetos-designers (formados pela fau) que, mais tarde, entre os anos 60/70, mo-
abdi e a apdins. De acordo com
Pereira, a
72
visão [corrente na fau-usp -
salva de que entre todos, o arquiteto, por sua formação mais ampla, teria as melhores ferramentas
intelectuais e práticas para o exercício do desenho industrial. (pereira: 2009, 96)

Conforme veremos, foram muitas as comparações entre o funcionamento da esdi e da


fau-usp. No entanto, é importante considerar que, quando da implantação do ensino de de-
senho industrial na fau, os seus professores já se encontravam integrados entre si pela con-
vivência em torno do curso de Arquitetura e Urbanismo sendo que, na esdi, ao contrário, o
corpo docente foi mobilizado a partir de imperativos externos advindos do Governo do Estado
da Guanabara, com vistas a colocar em prática, desde o princípio, um modelo de ensino que até
então não tinha precedentes no Brasil. A diferença entre essas duas conjunturas torna impro-
cedente grande parte das comparações feitas entre as duas escolas pioneiras. Não obstante, são

No que se refere à fau, um dos pressupostos do ensino então oferecido era a recusa do
estatuto cultural do arquiteto-designer enquanto “inventor”, ou enquanto um “gênio cria-
tivo” a desempenhar sua livre expressão individual movido pela intuição. Por isso, a formação

naquela proposta, o chamado desenho da matemática57 era preferencial em relação ao chama-


do desenho artístico. Na fau os primeiros projetos desenvolvidos nas aulas de Desenho In-
dustrial não eram sequer pensandos em função da relação homem-objeto, mas em função da
sua viabilidade produtiva e de sua acomodação posterior em sistemas complexos (tal como a
adequação de um objeto ao seu transporte ou armazenamento). Por isso, algumas noções eram
centrais no desenvolvimento dos projetos, tais como as ideias de módulo, sistema componível
e composição modular, todas elas ligadas à problemática da forma, e não exatamente do valor
de uso ou da identidade cultural.

Na prática, o ensino do desenho industrial na fau-usp foi implantado por meio da oferta
de quatro disciplinas – a chamada Sequência de Desenho Industrial – que eram obrigatórias
em todos os seus anos de formação. Seus programas incluíam a teoria e a prática do desenho
(técnico, de observação, perspectiva e demais modalidades pertinentes), o estudo dos métodos
produtivos, além das propriedades estéticas (textura, cor, proporções etc) e funcionais das for-
mas. Em cada uma das disciplinas, os alunos projetavam objetos e sistemas de uso concretos,
sendo a última etapa da Sequência dedicada a um projeto avaliado com o mesmo rigor que os
trabalhos de conclusão de curso, tanto pelos professores, quanto por representantes do meio
empresarial, com os quais a fau mantinha relações institucionais. Aqui cabe uma comparação
entre a fau-usp e a esdi: enquanto na escola paulista o encadeamento entre os diversos con-
teúdos e aportes teóricos se dava no interior de uma única disciplina, de maneira a fornecer

57. Trata-se de um método projetivo disseminado pelo designer Andries van Onck em mini-cursos ministrado na
fau-usp e na fiesp em 1965, e assimilados por vários professores daquela faculdade.
73
os subsídios aos projetos executados, na esdi, como já vimos, os conteúdos eram ministrados

os projetos que eram desenvolvidos ao mesmo tempo, o que dava origem às já discutidas ten-
sões entre teoristas e práticos. Assim, o estabelecimento dos conteúdos variava de acordo com
o funcionamento de cada um dos modelos curriculares, o que permitia uma maior integração
no caso da fau.

tomadas de posição na fau-usp

Embora vigorasse na fau um consenso geral a respeito da primazia do arquiteto para

naquela escola: em linhas gerais, uma delas concebia o arquiteto-designer como um intelectual
da cultura, enquanto a outra o considerava como um técnico, cuja formação deveria atender

populacional.

A vertente que considerava o arquiteto-designer fundamentalmente como um intelectual

que, ao longo de sua trajetória, conseguiu conciliar a adesão à arquitetura moderna com o
reconhecimento da importância estrutural da tradição artenanal brasileira. Faziam parte dessa
corrente os professores do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto e os
estudantes ligados ao Gfau (o Grêmio da fau). A atuação desses agentes foi dedicada a conec-
tar os estudantes ao passado de seu próprio território/cultura, e não somente a uma tradição
transmitida pelos livros de história. Na prática, eles se empenhavam em compreender a cultu-

vernaculares de interesse histórico. Além disso, conforme defende o professor Julio Katins-
ky, citado por pereira (2009), as disciplinas de História deveriam também associar a prática
do desenho industrial à problemática do trabalho humano, “mostrando como a evolução do
domínio tecnológico repropõe por meio da organização do trabalho as relações entre os ho-
. Katinsky acreditava que, “à medida que evolui o domínio tecnológico humano, na mes-
ma proporção ocorre um reequilíbrio das relações de trabalho, e de uma nova solidariedade
entre os homens” (katinski apud pereira: 2009, 177).

Além das disciplinas de História, outra expressão desse esforço intelectual foi a criação do
Centro de Estudos Folclóricos pelo Gfau, dedicado a investigar técnicas construtivas nativas.
No contexto da fau-usp a noção de “folclore” dizia respeito a uma identidade cultural brasileira
preexistente, que deveria ser descoberta, compreendida e valorizada como uma herança cul-
tural/tecnológica, e cujo reconhecimento não deveria ter um caráter ufanista ou demagógico.

74
Os uspianos ligados a essa tendência tratavam de defender a absorção da tradição (ou seja,
daquilo que chamavam “folclore”) como condição para o desenvolvimento do Brasil, tal como
entendiam ocorrer em países mais industrializados, na Europa, e tal como entendiam também
Lina Bardi e Aloísio Magalhães.

Um dos traços da ideologia defendida por esse grupo era a contestação dos pressupostos
formadores da esdi, no Rio de Janeiro, alinhados, por sua vez, à matriz pedagógica e conceitual
da Escola de Ulm. Para Julio Katinsky, por exemplo, a esdi era uma escola colonizada, que
teria adotado de maneira subserviente e a-histórica pressupostos de Ulm que ele considerava
tecnocráticos, na medida em que representavam a subsunção do trabalho criativo aos impera-

esperança no mundo contemporâneo, nas imensas


possibilidades que se abrem diante de nós e das novas gerações, para a libertação do homem
da opressão’” (katinski apud pereira:: 2009, 177) por meio da técnica e da tecnologia.

A posição prevista para o arquiteto na sociedade, tal como defendiam os professores do


Departamento de História da fau, era acusada, pelos seus opositores (dentro da própria fau),
de manter uma ligação elitista entre arquitetura e arte, de uma tal maneira que os mantinha
afastados da realidade produtiva e urbana do país, ou seja, da grande indústria e dos proble-
mas urbanos advindos do crescimento populacional e da modernização/industrialização em
geral. Esses opositores eram os professores do Departamento de Projetos daquela escola, que
se posicionavam favoravelmente à Escola de Ulm e à esdi, adotando uma abordagem mais téc-
nica, funcionalista e pragmática do desenho industrial.

Tratava-se, para esse segundo grupo, de formar o arquiteto-designer para servir às ne-

urbana e às demandas por moradias populares que começavam então a ser alvo de políticas
públicas, com a criação do Banco Nacional de Habitação (bnh) e do Serviço Federal de Ar-
quitetura e Urbanismo (serfhau) em 1964. Segundo Pereira, esta segunda abordagem do de-
senho industrial dentro da fau continha dois fundamentos centrais da arquitetura moderna:

O primeiro deles, a utilização de um novo meio para a sua produção, isto é, a máquina, ou a indús-

por um novo cliente: as demandas das sociedades urbanas de massa. (pereira: 2009, 222)

De acordo com esses princípios, a aproximação entre a arquitetura e o desenho industrial


era inevitável. Para esse segundo grupo da fau, o desenho industrial não era caracterizado

própria da arquitetura. Para eles, o desenho industrial dizia respeito a um método marcado
pela racionalidade e pelas ideias de modulação e de sistema, que visava obter inúmeras pos-
sibilidades construtivas entre diversos módulos e elementos interconectáveis (os elementos
75
construtivos pré-fabricados). Tal método, por sua vez, não teria como foco a construção de
uma identidade nacional, e sim a industrialização dos componentes da arquitetura com vistas
ao atendimento da demanda concreta e objetiva por moradia das massas urbanas. Em sua tese,
Pereira discute projetos de vários arquitetos58 que colocaram em prática esta abordagem de in-
dustrialização da arquitetura, tanto em termos dos seus elementos leves, quanto dos elementos
pesados de sua estrutura, e que visava, entre outras coisas, que o trabalhador da construção
civil pudesse manipulá-los facilmente no desenrolar da obra. Assim, a almejada industriali-

industrial) visava atender, ao mesmo tempo, às necessidades de moradia da população, às

As divergências entre essas duas posições trazem implícita a relação de subordinação en-
tre as duas competências em disputa (a arquitetura e o desenho industrial). É possível dizer
que, por um lado (para os membros do Departamento de História), o arquiteto era um “ar-

patrimônio cultural; segundo esse paradigma, o desenho industrial seria um desdobramento


da atividade criativa e criadora do arquiteto, sendo a indústria criticada por copiar modelos

lado, os partidários da visão oposta (a da industrialização da arquitetura) concebiam o de-


senho industrial como uma evolução inevitável da noção e da prática de arquitetura, sendo o

intelectuais da cultura), o principal problema da concepção defendida pelo segundo grupo (o


dos técnicos) era que a pré-fabricação dos elementos arquitetônicos conduziria a prática da ar-
quitetura à franca decadência, exatamente por tornar o papel do arquiteto menos importante
na elaboração das obras.

Um dos pontos do debate diz respeito à importância da produção em série na determi-


-
delével pelos membros do Departamento de Projetos da fau, mas lamentada pelos seus oposi-
tores. pereira (2009) entende que a visão industrialista tinha por trás de si a subordinação
intelectual e lógica da arquitetura ao desenho industrial, pois o que se buscava era o projeto
de componentes arquitetônicos modulares e intercambiáveis, que viabilizassem a construção
de uma maneira mais ágil. Tratava-se da discussão sobre a natureza do trabalho do arquiteto-
designer em relação à escala de produção do objeto projetado. Ao fazer a defesa da visão in-
telectualista da arquitetura, Katinsky sugere, por exemplo, que mesmo os objetos únicos (um
navio, um edifício público ou uma usina, por exemplo) seriam alvos do mesmo tipo de elabo-
ração intelectual que os projetos destinados à produção industrial.

58. Dentre alguns projetos comentados por pereira (2010), estão o edifício da fiesp (Rino Levi), a Estação Fer-
roviária de Jaú (Villanova Artigas), o Ginásio de Utinga (Artigas e Carlos Cascaldi) e o Conjunto Habitacional
CeCap (Artigas, Fábio Penteado, Paulo Mendes da Rocha).
76
Por outro lado, os partidários da visão industrialista acusavam os partidários da visão cul-
turalista de anacronismo, justamente por se vincularem às ideias de artesanato e de artesania
enquanto fundamentos do projeto arquitetônico. Essa é uma crítica que se faz presente tanto
entre os professores do Departamento de Projetos da fau-usp, quanto entre vários professores
da esdi, a exemplo do depoimento de Alexandre Wollner, professor da escola carioca,

Esta diferença de pontos de vista reside no fato de que enquanto na esdi, com sua origem na
Hfg de Ulm, o projetista é absorvido pela indústria como um técnico, para o pessoal da História
da fau-usp, o projetista não abriria mão da manutenção de seu status de artista. Dois pontos de

(Wollner apud pereira: 2009, 176)

anos 60 – a esCola de artesanato do


museu de arte moderna da bahia

O legado de cada uma das três instituições inaugurais discutidas até este ponto (iaC-masp,
esdi e fau-usp -
-
ridos desde a fundação do iaC-masp. Além dessas iniciativas, merece destaque ainda a herança
forjada por Lina Bo Bardi, especialmente quando de sua atuação como diretora do Museu de
Arte Moderna da Bahia, em Salvador. Trata-se da Escola de Artesanato, planejada pela ar-
quiteta, e destinada a funcionar no contexto do museu, empreendimento que, embora nunca
tenha sido implantado, forneceu os fundamentos para várias formulações posteriores sobre o
design/desenho industrial, a exemplo das tomadas de posição de Adélia Borges e Maria Helena
Estrada a partir de meados dos aos 90, já discutidas no capítulo 1.

De acordo com pereira (2008), a Escola de Artesanato era um dos principais empreendi-
mentos do projeto de modernização cultural e econômica defendido por Lina Bardi, e tinha
como pressuposto fundamental a incorporação dos saberes ditos arcaicos ao desenvolvimento
das forças produtivas do Nordeste (e não a sua extinção ou substituição); tais saberes eram
relativos às práticas artesanais locais, inventariadas pela arquiteta em suas pesquisas de cam-
po no Recôncavo Baiano. Lina compreendia que o desenvolvimento econômico e cultural no
Brasil deveria resultar da estreita colaboração entre os agentes sociais ligados à esfera erudita
e industrial (industriais, arquitetos, engenheiros, designers) e os agentes da cultura popular
(os artesãos), visando a construção paulatina de um modelo produtivo que integrasse as duas
lógicas59. A partir de suas pesquisas, ela passou a compreender o Nordeste como “uma unidade
manufatureira organizada” (rosseti: 2003, s/p), ao mesmo tempo em que acreditava que a
prática do desenho industrial somente poderia lograr um papel social regenerador no Brasil
77
(papel que fora preconizado 40 anos antes pela Bauhaus, na Alemanha), caso se associasse às
práticas artesanais típicas do país, para forjar uma indústria legitimamente constituída na e
pela realidade brasileira. Lina Bardi se referia, particularmente, à força criativa que encontrou
no Polígono das Secas, que movia os artesãos locais na busca de soluções viáveis para seus
problemas materiais cotidianos, nas e pelas condições de miséria em que viviam.

Em sua militância, ela tratava de colocar em xeque a primazia da cultura erudita/univer-


sitária/urbana sobre a cultura popular/arcaica, sendo esta última entendida como “patrimônio
nacional” e “fermento vivo”, repertório dos valores culturais e urbanos pré-existentes, cons-
tituintes de um legado a ser compreendido, assimilado e transformado dinamicamente pelo
contato com as formulações eruditas/modernistas, e não apenas catalogado por estudiosos
como manifestações do folclore60 destinadas aos museus. Tratava-se, para Lina, de resgatar,
compreender e reconhecer a legitimidade daquilo que ela chamava de “civilização”, termo usa-
do para designar o “aspecto prático da cultura” (bardi apud pereira: 2008, 100) que permeia
“a vida dos homens em todos os instantes” (bardi apud pereira: 2008, 197), e cujas expressões
seriam os produtos da ação humana tais como elaborados apesar e por meio das vicissitudes
locais, ou seja, da miséria e da escassez generalizada de recursos, típicas do nordeste brasileiro,
e que moviam uma produção de artefatos de uso cotidiano. Tal produção era entendida por
Lina Bardi como forma de resistência do povo nordestino, e também como demonstração da

procura desesperada e raivosamente positiva de homens que não querem ser ‘demitidos’, que rec-
lamam seu direito à vida. [de] Uma luta de cada instante para não afundar no desespero, [de] uma

pode dar. (bardi apud pereira: 2008, 198)

Lina considerava que a cultura erudita e a cultura popular tinham o mesmo estatuto cul-
tural, sendo o objeto moderno resultante do acúmulo de experiências e elaborações do homem
branco/ocidental, e o objeto arcaico fruto de processos análogos, ocorridos no contexto do
negro e do índio brasileiros. Trata-se de uma compreensão particular do ideário modernista,
segundo a qual a busca do universal – essencial para os arquitetos modernos – deveria ser
realizada por meio da pesquisa e da assimilação de processos e fenômenos locais e particu-
lares – no caso, a produção pré-artesanal61 realizada do Nordeste brasileiro –, o que implicava

da obra de arte quanto do lugar social privilegiado do artista e do arquiteto.

59. De acordo com pereira (2008) e rubino (2009), tais abordagens já estavam presentes na prática e nas re-

arquitetura que abrigavam o debate sobre os temas em questão.


60. O folclore, por sua vez, era uma noção combatida por Lina Bardi, pois ela o compreendia como sendo um dos
aspectos de uma ideologia conservadora da cultura, disposta a rechaçar todo tipo de modernização. A despeito
dessa compreensão da noção de folclore, essas ideias de Lina estavam em grande consonância com as ideias dos
uspianos ligados ao Departamento de Teoria e História da Arquitetura da fau-usp, cujas posições foram discuti-
das.
78
Na prática, as ideias de Lina Bo Bardi deram origem a vários projetos62, tais como as ex-
posições Bahia no Ibirapuera e Civilização Nordeste, as Crônicas publicadas no Diário de Notí-
cias de Salvador, e as diversas atividades culturais promovidas no Museu de Arte Moderna da
Bahia, em parceria com outros intelectuais63, visando promover a conscientização política do
povo nordestino e aproximá-lo do universo da chamada alta cultura.

perei-
ra: 2008, 242-252), o curso teria duração de um ano, ao longo do qual esses diferentes alunos
, visando a sua integração;
64

eles receberiam a mesma formação teórica e técnica, que contemplava conteúdos de Estéti-
ca, História Social da Arte, Desenho Técnico e Geometria Descritiva, além de palestras sobre
manifestações artísticas em geral (literatura, teatro, artes plásticas, dança, música). A seleção

escola visaria a eliminação gradual da diferença de estatuto entre o trabalho manual e alienado
dos artesãos e o trabalho excessivamente intelectual (e também alienado) dos projetistas (en-
genheiros, arquitetos etc). A intenção de Lina era integrar, dessa forma, a teoria e a prática,
criando as bases para a transformação verdadeira do artesanato na base técnica, cultural e
estética do produto industrializado brasileiro.

Ao contrário dos fundamentos do curso do iaC-masp, esse modelo educacional não estava
ligado a um contexto urbano-industrial; tampouco pressupunha o desenho industrial/design
enquanto signo socialmente distintivo, e nem o designer enquanto formulador desses signos. A
atividade idealizada por Lina Bardi dizia respeito, no contexto do Nordeste brasileiro, à eman-
cipação da região e da sua população menos favorecida, por meio do franco aprimoramento de
um modo de produção já existente, e que necessitava de sistematização para crescer. Rosseti
entende que, “para Lina, a brasilidade não seria mais um problema somente plástico, mas
uma questão técnica e socialmente inerentes às responsabilidades políticas do arquiteto. A
cultura popular para Lina Bo Bardi é também questão estratégica” (rosseti: 2003, s/p). Por
isso, embora este autor aponte similaridades entre a Escola de Artesanato e a Bauhaus, ele

61. Para Lina Bardi o “artesanato” propriamente dito não existia no Nordeste brasileiro, pois isso pressuporia
uma organização dos artesãos semelhante às corporações de ofício medievais; para ela, as práticas ditas artesan-
ais constituiam, na verdade, o que ela chamava de “pré-artesanato”, voltado exclusivamente à subsistência mais
elementar de seus praticantes.
62. As iniciativas de Lina Bo Bardi na Bahia estavam alinhadas com as políticas desenvolvimentistas de então,
cuja expressão mais importante foi a fundação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (sudene).
63. Notadamente o maestro Hans Joachim Koellreutter, o escultor Mário Cravo e o professor Martim Gonçalves,
da Escola de Teatro da Bahia.

estamparia e pintura.
79
enfatiza que a arquiteta recusava as heranças européias (precisamente da Bauhaus e da Escola
de Ulm), por considerá-las experimentais e excessivamente metafísicas, e por acreditar que
“uma escola de desenho industrial para o Brasil deveria se preocupar com os fatores primitivos
de uma cultura ligada à terra” (rosseti: 2003, s/p). Para Lina, era imperiosa a incorporação
do artesanato e dos artesãos ao processo de industrialização local, sob o risco de que esses se
tornassem forças conservadoras caso essa vinculação não ocorresse.

80
Capítulo 3
luta ConCorrenCial, diversifiCação instituCional
e o fortaleCimento do Campo do design no brasil

(dos anos 1970 à atualidade)

O funcionamento da Sequência de Desenho Industrial da fau-usp, em São Paulo, e da


esdi no Rio de Janeiro, deu início a um processo de institucionalização da prática do design
que contou, desde então e até os dias de hoje, com a implantação de diversas escolas e asso-
ciações, o estabelecimento de mostras, premiações e iniciativas editoriais diversas, e também
com o apoio governamental, mais intenso em alguns momentos e menos em outros. Este capí-
tulo busca apresentar uma visão panorâmica da consolidação do campo do design no Brasil a
partir dos anos 70, tratando de elencar suas principais instituições e eventos e demonstrar a
-
cionamento conta com instituições dedicadas a desempenhar funções de reprodução, difusão
e legitimação/consagração de suas visões de mundo (bourdieu: 1996c, 2001).

anos 70 – a difusão do ensino


superior em desenho industrial

Em seus Escritos sobre o ensino de design no Brasil (2008) Rita Couto comenta que,
apenas cinco anos após a abertura da esdi, teve início um processo de empobrecimento da
formação do designer brasileiro, em decorrência da Reforma Universitária promovida pelo
governo militar por meio da Lei 5.540/68, que vinculou a educação superior estritamente ao
-
mos com conteúdos rigorosamente pré-estabelecidos, restando às mesmas “apenas a escolha
de componentes curriculares complementares, através da oferta de disciplinas optativas”
(Couto: 2008, 17). A autora atribui à referida Reforma a defasagem dos alunos egressos do

seriam voltados ao mercado de trabalho de uma forma mecânica e tecnicista, desprovidos dos
instrumentos conducentes ao exercício crítico.

Para Couto, a Reforma Universitária teria solapado os fundamentos do ensino de design


no Brasil, que ainda dava seus primeiro passos, e que eram, em seu entendimento, bastante
81
da Escola de Ulm na formulação do projeto da esdi, que era dotado, em sua formulação inicial,
de um “desejável equilíbrio entre ciências humanas e conhecimentos tecnológicos” (Couto:
2008, 22), o que teria sido suprimido pelo modelo curricular imposto pelo governo militar.
Couto comenta que, após ter sido submetido a diversas deformações, o currículo original da
esdi -
trial, prevendo a ministração de matérias básicas 65 66
, que deveriam ser
desdobradas em disciplinas, ocupando 2.700 horas distribuídas ao longo de um período que
poderia variar de três a seis anos.

A autora aponta também que a imprecisão e a abrangência das matérias determinadas


pelo Currículo Mínimo permitia interpretações bastante livres por parte de cada instituição, o
que resultou na criação de cursos superiores de desenho industrial de acordo com condições
pré-existentes em cada instituição, tais como a oferta disciplinas já ministradas em outros
cursos. A “livre interpretação” daquele currículo mínimo teria ensejado a inserção de conteú-
-
clore Brasileiro, Arquitetura Analítica, Elementos de Máquinas, Mecânica dos Fluídos, Termo-
dinâmica, Introdução às Artes Cênicas, Introdução à Música, Latim” (Couto: 2008, 24).

anos 70 – as primeiras organizações profissionais

De acordo niemeyer (1999), braga (2004; 2008) e pereira (2009), a organização política

-
abdi – Associação Brasileira de Desen-

iCsid67), que “incentivou


a criação de uma associação para divulgação de informação sobre design e suas expectati-
vas” (niemeyer: 1999, 68). Segundo a autora, e também de acordo com braga (2007) e pereira
(2009), os interesses e ações da abdi eram prioritariamente de natureza empresarial, voltados

Braga,

A divulgação do design [pela abdi] envolvia um trabalho de conscientização sobre o que é desenho
industrial. Por meio de palestras e publicações direcionadas principalmente aos clientes, poten-
ciais contratantes de designers, objetivava-se não só a abertura do mercado de trabalho de modo
mais amplo, mas também a possibilidade de novos projetos para os membros da ABDI. (BRAGA:
2007, s/p)
82
Ao longo dos seus quinze anos de funcionamento, a associação desenvolveu várias ações
nesse sentido, dentre as quais destacam-se:

(1) a publicação da revista Produto e Linguagem (em 1965, 1966 e 1977), de nove boletins
informativos (entre 1974 e 1977) e do livro Desenho Industrial: aspectos sociais, históricos,
culturais e econômicos (editado em 1964 em parceria com a fiesp);

-
ais e representantes do governo, nas dependências da fiesp, da faap e também das empresas
partícipes da abdi, tais como as moveleiras Oca e Mobília Contemporânea;

(3) a promoção de premiações, em parceria com empresas (prêmios Lúcio Meira, Roberto
Simonsen, Rubem Martins) e;

(4) a realização do Simpósio Design’76, no São Paulo Hilton Hotel, com o intuito de dis-
cutir as relações entre design e indústria.

Braga aponta também que a formação e procedência dos associados, apoiadores e consel-
heiros da abdi era multifacetada, reunindo professores da fau-usp e da esdi (Lucio Grinover,
João Carlos Cauduro, Abraão Sanovicz, Rodolfo Stroeter, Alexandre Wollner e Karl H. Berg-
miller), além de artistas e publicitários (como Décio Pignatari, Willys de Castro e Fernando
Lemos) e também empresários, como Sérgio Pena Kehl, Luís Seincman, C. J. Van Der Klugt
(Philips), Eudoro Villela (Itaú), Giorgio Padovano (Olivetti), Horácio Cherkassky (Klabin),
José Mindlin (Metal Leve), Justo P. Fonseca (Pignatari), Luiz D. Villares (Elevadores Villares),
Robert Blocker (Lar Brasileiro), Virgílio Lopes Silva (Instituto Roberto Simonsen).

De acordo com niemeyer (1999) e braga (2008), tanto a composição da ABDI, quanto

interesses e estratégias diferentes: trata-se da apdins-rj


nhistas Industriais de Nível Superior do Rio de Janeiro), criada em 1978, na cidade do Rio de
esdi. Braga relata que

… os designers que fundam a apdins-rj não viam a abdi como a entidade apropriada para discutir e
implementar questões trabalhistas, devido ao seu quadro de associados ter empresas e industriais
apdins-rj objetivava,
-
-

braga: 2008, s/p)

No mesmo sentido, Niemeyer comenta que

os designers que foram sendo formados pela esdi mantinham reservas quanto à abdi (…) pois
entendiam que, na medida em que a única escola de design do país fosse no Rio de Janeiro, a as-
83
(niemeyer: 1999, 70)

Para Braga, a diferença essencial entre as duas associações pioneiras reside no viés cultu-
ral/empresarial da abdi e no caráter pré-sindical da apdins-rj, cujos esforços se voltaram
essencialmente para as discussões sobre o ensino e o reconhecimento social e político do de-
signer no Brasil. No entanto, conforme sublinha Niemeyer, apesar de suas diferenças, as duas
associações realizaram conjuntamente o 1o endi – Encontro Nacional de Desenho Industrial
(Rio de Janeiro, 1979), cujo principal encaminhamento referiu-se à educação superior, tendo
como fruto as diretrizes para um novo currículo, apresentado no 2o endi (Recife, 1981).

vem sendo formadas e dissolvidas no país. Dentre essas, talvez a mais atuante seja a Asso-
-

”68

notas sobre a luta pela


regulamentação profissional

defendida inicialmente pela abdi e pela apdins-rj, e que permanece sendo alvo de esforços de

para os desenhistas industriais, cuja autoria é atribuída à abdi por braga (2005), foi apresen-
tado ao legislativo brasileiro em 1980 pelo deputado federal Athiê Coury (PDS), e arquivado
em 1983. Desde então, vários projetos de lei já tramitaram, sendo alguns deles se referentes à
69
;o
último desses projetos (PL 1391/2011) foi apresentado em 18 de maio de 2011 pelo deputado

De acordo com o principal articulador da luta pela regulamentação na atualidade – o de-


signer Freddy van Camp, egresso da esdi em 1968 e professor da mesma escola desde 1982 –, a
regulamentação faria justiça, antes de mais nada, ao rigoroso treinamento a que se submetem
-
galidade as responsabilidades sociais implicadas nessa prática. No artigo Regulamentação do
Designer: a quem interessa?70, Van Camp argumenta que deveriam ser passíveis de atribuição

84
de responsabilidade técnica os projetistas de objetos e sistemas produzidos em série e utili-
zados pelo grande público, na medida em que projetos mal formulados podem efetivamente

plena do designer brasileiro constitui um prejuízo para a própria sociedade, na medida em que

os governos não podem contratar designers por concorrência pública, seja para projetos de identi-
dade visual, sinalização pública de qualquer tipo, para o desenvolvimento de projetos de mobiliário
escolar ou hospitalar ou mesmo para projetos de mobiliário urbano ou equipamentos públicos
como trens de metrô.71

Um aspecto desta problemática que merece destaque é o fato de que a última versão do
projeto de lei (o PL 1391/2011) é praticamente idêntica ao primeiro projeto (PL 2946/1980),
apresentado 31 anos antes, a despeito de todas as reviravoltas institucionais e do esforço de
teorização empreendido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que concederam ao con-
ceito e à prática de design uma complexidade muito maior do que expressam os PLs.

estético, visando a elaboração de projetos de sistemas e/ou produtos e mensagens visuais, que

com tais projetos, os sistemas, produtos e mensagens visuais dos quais se ocupa o designer,
por sua vez, seriam aqueles passíveis de seriação ou industrialização.

Além de determinar as atribuições do desenhista industrial e do designer, ambos os PLs

contraventores: o artigo 3o
seja exclusivo dos portadores de diplomas de graduação plena ou tecnológica no país – ou no
exterior, desde que os diplomas estrangeiros sejam revalidados no Brasil –, ou daqueles que
-
licação” (PL. 1391/2011, artigo 3o) da lei; os artigos 5o e 6o, reservam as denominações “design”
o
(posse do
diploma universitário); o artigo 7o
vez, ao Decreto-lei 3.688/1941, que prevê penas de multa ou prisão simples pelo prazo máximo
de 3 meses72 (embora o mesmo decreto indique condições que permitam a não aplicação da
pena, conforme dipõe o artigo 8o do referido decreto-lei)

o
, 5o, 6o, e 7o – cujas postu-
lações restritivas e/ou punitivas são objetivas e claras – e os artigos 2o e 4o
o designer e quais são suas atribuições, mas de uma tal maneira abrangente e abstrata, que não

o designer como “todo aquele que desempenha atividade especializada de caráter técnico-
85
-
sagens visuais”, trecho no qual são completamente imprecisas as noções de “atividade espe-

“mensagens visuais”.

Por sua vez, as qualidades desses sistemas, produtos e mensagens, tais como determina-
das pelo artigo 2o do PL 1931/2011, são também imprecisas; segundo o texto elas devem ser
“passíveis de seriação ou industrialização”, o que não indica nem obrigatoriedade e nem torna

gama de objetos e sistemas complexos que são oriundos de atividades de projeto sem que estes
sejam necessariamente produzidos em série.

designer “estabeleçam uma relação com o ser humano, tanto no aspecto de uso, quanto no
aspecto de percepção, de modo a atender necessidades materiais e de informação visual”; não

“ser humano” e “necessidades materiais”, sendo tais expressões ao mesmo tempo vazias e ex-
tremamente abrangentes para caracterizar objetivamente o trabalho do designer, uma vez que
elas se aplicam a inúmeras situações da prática, inclusive aquelas que seriam consideradas
ilegais nos termos do mesmo projeto de lei.

Além da luta pela regulamentação, o reconhecimento social e político reivin-dicado pela

encontra expressão no artigo


(1998), de autoria de João Roberto Peixe73, designer pernambucano atuante no movimento
-

globalizada e do processo explícito de desregulamentação da economia mundial e das relações

deveria se voltar à reivindicação dos direitos autorais do designer, pois ele considera que “é

da imagem e da empresa e se constrói o processo de comunicação com o mercado” (peixe:


1998, 19). Para o autor, trata-se de um problema de propriedade intelectual, típico da chamada
sociedade do conhecimento, dentro da qual o designer teria um papel estratégico a desempen-
har, em virtude de sua “visão ampla e generalista”, capaz de articular muitas dimensões de um

a prática do designer “ -
cação, comercialização até o descarte e reciclagem de produtos industriais” (peixe: 1998, 18).
O ponto central colocado por esse autor em seu artigo diz respeito ao fato de que as marcas
globalizadas são, em grande parte, sustentadas por projetos de design, sem que os design-
86
ers tenham participação nos lucros que ajudaram a angariar, sendo este problema ligado, em
última instância, à questão do trabalho e do patrimônio imaterial gerado pela atuação desse

anos 70 – desenho industrial e desenvolvimento naCional

No capítulo dedicado ao Brasil da Historia del diseño en América Latina y el Caribe


(2008), Leon e Montore enumeram vários empreendimentos e iniciativas de caráter privado
ou estatal, ocorridas entre as décadas de 50 e 70, que estão diretamente ligadas à emergência

Os autores mencionam a ascensão de várias empresas voltadas à produção de bens de


consumo duráveis, tais como Walitta e Arno (eletrodomésticos), Invictus (rádios e televisores),
Brastemp, Clímax e Gelomatic (geladeiras), nos anos 50. Nas décadas seguintes, destacam a
expansão da indústria de objetos de plástico (Goyana, Deca, Wallig e Sunbeam). Lembram
ainda que a diminuição dos tamanhos das residências abriu um amplo mercado para novos
projetos de móveis modulares, mostrando o sentido das discussão travadas entre os membros
da fau-usp a respeito da arquitetura industrializada. Mencionam também, como grande in-

cotidiano, com a expansão do sistema supermercadista, que demandou projetos de embala-


gens e demais sistemas de apoio a essa modalidade de comercialização de mercadorias.

Além das mudanças no padrão de demanda e oferta de serviços e bens de consumo, dest-
aca-se o fato de que o desenvolvimento do design de mobiliário no Brasil foi alicerçado, em
grande parte, pela construção de Brasília, já que “várias empresas de móveis modernos para
escritório, que já vinham mobiliando ministérios e palácios de governo, foram chamadas
para equipar as agências governamentais” (leon e montore: 2008, 72), sendo estabelecidas
à época as empresas de Joaquim Tenreiro (1943), Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti (Estudio
Palma, em 1948), Zanine Caldas (Móveis Z, em 1948), Michel Arnoult e Westwater e Abel Bar-
ros Lima (Mobília Contemporânea, em 1956) Jorge Salszupin (L’Atelier, em 1959), Ernesto
Hauner (Mobilinea, em 1960), além das empresas Forma (1954), Unilabor (1954) e Oca (1955).

No âmbito das comunicações e da indústria cultural, contribuíram para o estabelecimen-

televisão, desenvolvimentos que geraram, ao longo de várias décadas, e até os dias de hoje,

87
e uma grande demanda por cartazes para o cinema, capas de discos e livros. Os expoentes
dessas atividades têm recebido cada vez mais atenção dos pequisadores da história do design
brasileiro.

Também as empresas estatais e as instituições bancárias exerceram um papel fundamen-

desse últimos nos anos da ditadura: “neste período [anos 70] as identidades visuais de pelo
menos sete bancos foram criadas por Aloísio Magalhães e Alexandre Wollner” (leon e mon-
tore: 2008, 72).

Ainda durante os anos 70, outra frente de atuação dos designers esteve ligada ao cresci-
mento das cidades e das demandas correlatas nos transportes e na infra-estrutura pública em
geral. São exemplos disso a fundação dos metrôs de São Paulo e Rio de Janeiro, que exigiram a
implantação de sistemas de comunicação visual para orientar o público e o desenho de cabines
para o condutor e os passageiros; os telefones públicos dessa mesma cidade; a remodelação
da Avenida Paulista e a também a ampla intervenção urbana promovida por Jaime Lerner em
Curitiba.

É notável ainda o incentivo do Ministério da Indústria e Comércio que lançou, nos anos
70, um programa de fomento ao design brasileiro, levado a cabo pelo Instituto de Desenho In-
dustrial do Mam-Rio, com a realização das Bienais de Desenho Industrial de 1968, 1979 e 1972.
Também a Petrobrás (por meio da Interbras) organizou, em 1975, um grupo de empresas para
produzir vários bens de consumo duráveis (automóveis, televisores, geladeiras etc) a serem ex-
o design se vinculava a projetos
de alta tecnologia”, sendo encarado como aspecto estratégico pelo Estado, a exemplo de pro-
jetos realizados para a Embraer (aviões Bandeirante e Ipanema) e também de projetos ligados
ao setor agrícola, realizados no Instituto Nacional de Tecnologia (leon e montore: 2008, 79).

anos 80 - do desenho industrial ao design:


primeiros indíCios da mudança de estatuto Cultural

-
las quais o Brasil passou entre os anos 30 e 70 forjaram, paulatinamente, um mercado de tra-
balho considerável para os desenhistas industriais, desencadeando o processo que deu origem

abdi e a apdins. Essa trajetória do desenvolvimento brasileiro fez com que a noção de desenho
industrial se consolidasse, inicialmente, ligada ao ideário desenvolvimentista, se estruturando
simbólica e objetivamente em torno da indústria e da produção de bens de consumo duráveis,
88
padronizados e fabricados em grande escala, destinados ao consumo de grandes contingentes
de consumidores, sendo o aspecto central da elaboração de tais bens a sua adequação à função
e o seu valor de uso. Conforme compreendem Leon e Montore, esta caracterização conferiu
ao desenho industrial um papel junto ao Estado como um dos viabilizadores de um projeto
público de desenvolvimento nacional: “ao longo dos anos setenta, o design parecia encontrar
seu caminho em direção a incorporar-se às iniciativas estratégicas do país, à modernização
e às políticas multinacionais de desenvolvimento” (leon e montore: 2008, 77).

Este entendimento sobre a noção e a prática do desenho industrial/design, que é ao mes-


mo tempo modernizante e instrumental, passou a ceder espaço, a partir dos anos 80, a uma
outra compreensão das palavras e da prática em questão, que associa o termo inglês aos va-
lores propriamente simbólico-distintivos dos objetos, ou seja, a um desenho tido como “mais
aprimorado” (por vezes até luxuoso), inclusive no caso de bens de uso corriqueiro e consumo
cotidiano, capacitando-os a exercer propriedades de diferenciação social (bourdieu: 2008a).

A emergência da acepção do termo “design” com ênfase nas propriedades simbólico-dis-


tintivas dos bens de consumo, por sua vez, é uma consequência do esgotamento do ciclo desen-
volvimentista da economia brasileira, cujos efeitos objetivos são discutidos por Paulo Eduardo
Baltar no artigo Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano no Brasil
(1996). Nesse artigo, o autor faz um balanço das transformações do emprego urbano no Brasil,

discutindo, em especial, alguns indicadores da deterioração dos salários das ocupações urba-
nas. Dentre esses indicadores, Baltar salienta tanto a heterogeneidade das ocupações quanto a
enorme variação de suas remunerações, vigentes ao longo de todo o período analisado; salien-
ta também a alta rotatividade no emprego, especialmente no caso de indivíduos detentores de

a pouca capacidade do aparelho produtivo brasileiro gerar oportunidades reais de constitu-

os sindicatos e o Estado brasileiro, que favoreceu “o livre arbítrio dos empregadores na con-
tratação, uso, remuneração e dispensa dos empregados”, num “regime de uso predatório da

remunerada” que, por sua vez, “contrasta com o nível tecnológico e organizacional atingido
pelo aparelho de produção de bens e de prestação de serviços” (baltar: 1996, 84). O autor
-
ição de carreiras consistentes foram acentuadas a partir do golpe militar de 1964, gerando uma
conjuntura de “violenta repressão às atividades sindicais e partidárias, num retrocesso que
durou 20 anos, tendo ocorrido exatamente num momento crucial de consolidação do desen-
volvimento da economia nacional” (baltar: 1996, 85).

89
No que diz respeito à estagnação da economia brasileira ocorrida nos anos 80, bem como
aos seus efeitos sobre os salários, Baltar destaca alguns pontos: (1) o aumento dos “empregos
formais que exigem uma instrução especial e são ocupados por adultos em plena maturidade
” (baltar: 1996, 90); (2) o aumento da proporção de trabalhadores com renda
inferior ao salário mínimo, chegando a 57% da população economicamente ativa; (3) o au-
mento da participação das mulheres na atividade econômica; (4) a diminuição da quantidade
de trabalhadores no setor agrícola; (5) a diminuição da renda média dos 50% mais pobres em
quase 20%, no período de 1981 a 1989; (6) a elevação da renda média dos 5% mais ricos em
29%, e ainda a dos 15% seguintes em 13%, no mesmo período; (7) a geração de empregos em
proporção inferior ao crescimento da população em idade para o trabalho; (8) o aumento im-
pressionante da ocupação não-agrícola num período de 10 anos, passando de 30,3 milhões de
pessoas, em 1979, para 45,7 milhões, em 1989, “principalmente, no comércio e numa variada
gama de prestação de serviços como administração pública, educação, saúde, alimentação e
alojamento, reparação e manutenção, limpeza e vigilância e todo um conjunto de serviços de
apoio à atividade econômica” (baltar: 1996, 91).

Em seu artigo A reestruturação da economia brasileira: desnacionalização e desem-


prego (2004), Rosélia Piquet também analisa as mudanças promovidas na economia do país
desde os anos 70, e seu impacto sobre a indústria nacional e a geração de empregos, com es-
pecial destaque para a onda de privatizações ocorrida nos anos 90, e também para a abertura
indiscriminada do mercado brasileiro às importações. Ela aponta que, a partir daquela déca-
da, tornou-se evidente o desaparecimento da estrutura econômica e produtiva que, até então,
vinha sustentando a economia e a modernização brasileiras, e que caracterizava o paradigma
no qual deu-se a a fundação da esdi e do qual ela foi uma decorrência. De acordo com a au-
tora, essa estrutura contava com uma combinação de (1) empresas estrangeiras, (2) empresas
familiares nacionais de grande porte e (3) empresas estatais, responsáveis, respectivamente:
(1) pela produção de bens de consumo duráveis (indústria automobilística, etc.); (2) pela
produção de bens de consumo não-duráveis (alimentos, etc.) e; (3) pelo fornecimento de insu-
mos básicos (mineração, energia etc.) e também pelo investimento pesado em infra-estrutura.
Piquet aponta que tal estrutura foi desmontada a partir dos anos 90 por meio do Programa
Nacional de Desestatização, o que transferiu à iniciativa privada o controle de 124 estatais (de
variados setores, tais como siderurgia, mineração, ferrovias e estradas, portos, energia, água,
transportes urbanos, telefonia, água e esgoto), ocasionando, por exemplo, a fragilização das
empresas que eram, até então, fornecedoras das estatais, e também povocando uma onda de
demissões. Também a abertura comercial às importações e a ausência de políticas industriais
são discutidas pela autora, em face da vulnerabilidade a que foram submetidas as indústrias
brasileiras:

Foi, portanto, só em 1990, com a abrupta abertura às importações, que as empresas aqui instaladas
(nacionais ou estrangeiras) se viram obrigadas a pensar em redução de custos, aumento de produ-
90
tividade e introdução de novas tecnologias. Sua reação assumiu a seguinte feição: aceleraram a
terceirização de atividades, abandonaram linhas de produtos, fecharam plantas, racionalizaram a
produção, importaram máquinas e equipamentos, buscaram parcerias, fusões ou transferência de
controle acionário, e reduziram custos, sobretudo os de mão-de-obra. (piquet: 2004, 146)

No caso brasileiro, muito das grandes empresas verticalmente integradas, diante do novo quadro
concorrencial que se implanta no país, abandonam as a t ividades complementares ao processo
produtivo (tais como transporte , segurança, limpeza e até mesmo atividades consideradas “no-
bres”, como planejamento e desenhos) para comprá-las no mercado a menor preço. Assim, muitas
atividades passam a ser exercidas por pequenos empresários, trabalhadores autônomos, coopera-
tivas de produção etc., o que transforma um certo número de postos de trabalho de empregos
formais em ocupações, que deixam de oferecer as garantias e os direitos habituais. A expressão pre-
carização do trabalho descreve adequadamente essa situação. O declínio do emprego formal (…)
indica que segmentos de mão-de-obra antes pertencentes aos quadros permanentes das empresas
passam para um reservatório mal-pago e mal-organizado de trabalhadores, com as correspond-
piquet: 2004, 151)

Novais e Mello discutem o mesmo processo por outro viés, apontando o crescimento e a
divisão da classe dominante brasileira em vários estratos, tais como a classe política, os altos
funcionários do poder judiciário, da segurança pública, das universidades, das Forças Armadas

seus técnicos; e ainda um agrupamento voltado à prestação de serviços simbólicos (bourdieu:


2008), que os autores explicam tratar-se de:

-
tressado e à alma talvez atormentada dos endinheirados e de suas famílias: psicanalistas, psicól-
ogos, astrólogos, fonoaudiólogos, acupuntores, pilotos de jatinhos e helicópteros, cardiologistas,
prostitutas de luxo, mesmo que disfarçadas de modelo ou miss, cirurgiões plásticos, promotoras de
festas, psiquiatras, banqueteiras, videntes, parapsicólogos, proprietários de prósperas academias
de ginástica, de dança ou de balé ou de natação ou de tênis, donos de colégios particulares para
a elite, ou de universidades empresariais, ou de cursos de línguas, especialmente a inglesa, gas-

-
vórcios ou em tributação, secretárias obsequiosas, massagistas, decoradores, endocrinologistas,
alfaiates elegantes, donos de spas, psicopedagogas, dermatologistas e tutti quanti. (novais e mello:
1998, 629)

Este é o quadro no qual se encaixam muitas das práticas do design que se tornaram fre-
quentes a partir da década de 80, por meio da disseminação de projetos voltados à produção

consumo, e que buscavam demarcar sua identidade de classe por essa via, lançando mão do de-
sign como um mecanismo de distinção social. Este movimento foi caracterizado pela crescente
91
valorização de formas artesanais de produção, pelo crescimento da ideia de “design autoral”
e pelas críticas ao racionalismo modernista e à estética funcionalista, a exemplo do artigo O
mundo que nos rodeia e atinge, publicado em 1987, na Revista Casa Vogue.

No referido artigo, a jornalista Maria Helena Estrada discute as contradições entre o as-
sim chamado design universal e as particularidades culturais de cada povo ou localidade. Para
a autora, estariam coexistindo, e sendo muitas vezes confundidos, dois diferentes conjuntos
de problemas, merecedores de distintas abordagens de projeto: uma global, de grandes esca-
las e largas séries, e outra individual, ligada ao campo das roupas e do mobiliário. Em meio à
discussão, Maria Helena Estrada ataca a validade das fórmulas universalizantes para situações
locais e/ou individuais, tecendo severas críticas à Escola Superior da Forma de Ulm:

Uma consequência desastrosa desse pensar [padronizador] já aconteceu no Brasil, onde uma rígi-
da estrutura de pensamento, uma metodologia rigorosa e abstrata foi ‘importada’ e proclamada
como única verdade universal e possível, capaz de trazer o Brasil à modernidade. Os pressupostos
da Escola de Ulm tiveram o efeito de uma camisa-de-força e, no dizer de Andrea Branzi, o design
brasileiro perdeu a sua riqueza expressiva, bloqueada na busca de uma improvável e inútil ordem.
(revista Casa vogue: maio-junho/1987, p. 46)

No que diz respeito ao design autoral, Leon e Montore relatam que “objetos que eram
sobretudo domésticos, em pequena escala, começaram a ser vendidos em galerias de arte e
design a preços altos, e destinados às classes mais privilegiadas” (leon e montore: 2008, 81).
São expoentes deste período os irmãos Campana, Etel Carmona, o estúdio de Fábio Falange e
-
dos, ditos “conceituais” ou ligados ao “design-arte”.

O caso dos designers Fernando e Humberto Campana – consagrados pelo Museu de Arte
Moderna de Nova Iorque e também por diversas outras instituições e publicações nacionais e

Campana, como são conhecidos, iniciaram suas atividades de maneira despretensiosa, fabri-
-

momento, e devido à resistência de outros fabricantes em viabilizar tiragens mais competitivas


de seus produtos.

Segundo relatam em suas Cartas a um jovem designer (2009), as mudanças aconteceram


a partir da intervenção de agentes consagradores do campo artístico, em função do projeto,
desenvolvido por eles, de estranhas cadeiras metálicas (posterior-mente batizadas de Des-
Confortáveis), cujo desenho tirava partido das falhas típicas dos processos de usinagem. As ca-
deiras teriam chamado a atenção de ninguém menos que Pietro Maria Bardi, o diretor do masp,
-
sado em expô-las na loja do museu, mas os Campana teriam declinado do convite convencidos
92
pela empresária Adriana Adam e pela jornalista Maria Helena Estrada, também interessadas
em exibir as cadeiras em outra exposição, organizada sob os auspícios de ambas e da empresa
Nucleon 8, que investia então na reedição de peças clássicas do mobiliário moderno brasileiro.
Segundo o relato dos Campanas, a exposição Des-Confortáveis foi um sucesso e, a partir de sua
relação com Adriana Adam e Maria Helena Estrada, seus projetos passaram a obter notorie-
dade internacional, sendo reconhecidos por jornalistas e instituições especializadas em design,
conforme expressa o excerto abaixo:

Em 1990, o jornalista italiano Marco Romanelli veio ao Brasil e viu as cadeiras Des-Confortáveis,
que nessa altura já estavam quase mofando… Ele gostou e publicou duas páginas na revista Domus
(…) Em 1994, publicou outra matéria (…), em que dizia que nosso trabalho tinha raiz brasileira e
falava uma linguagem internacional.

Em 1995, participamos da primeira exposição Brasil Faz Design (…) realizada no consulado bra-
sileiro durante o Salão do Móvel de Milão. Quando estávamos lá surgiu um convite para participar-
mos da mesa redonda Quite: This is Design, uma conversa entre jovens designers de vários países,
promovida pela Associazione per il Disegno Industriale (ADI), no Palazzo Reale, em Milão. (…)

Em 1996, a segunda Brasil Faz Design (…) incluiu uma exposição individual nossa. Nessa ocasião,
o norte-americano Mel Byars, historiador de design, nos conheceu e decidiu publicar três cadeiras
de nossa autoria no livro 50 Chairs – Innovations in Design and Materials… (Campana: 2009, 38)
93
A partir dessa consagração inicial, os irmãos foram introduzidos no circuito empresarial
italiano, vendendo seus produtos por intermédio de fabricantes como a Oluce (luminárias) e a

de design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – a convidá-los para expor no MoMA,
fato consumado no ano de 1998.

Conforme avalia a dupla, “


para abrir as portas das empresas”; mediante tal consagração, eles foram contratados para
desenvolver projetos para grandes empresas brasileiras – como a Companhia dos Tapetes Oci-
dentais, Tok Stok, H. Stern, Grendene, Habitart –, e também estrangeiras – como a Fontana
Arte, Swarovski, Capellini/Progetto Oggetto, Alessi, Disney Studios, Magis, Tacrea, MoMA
Store e Artecnica –, e ainda convidados por “empresas atuantes no nicho do design diferen-
ciado, voltado para um mercado consumidor mais esclarecido (…) como a Arredamento, La
Lampe e Forma.” (Campana: 2009, 57-58)

A emergência e disseminação dessas práticas de projeto, por meio de revistas de moda

campo, na medida em que introduziu e popularizou uma compreensão do design ligada ao


deleite, à fruição individual, aos estilos de vida estetizados, e que são severamente antagônic-
os ao ideário modernista que fundamenta a noção de desenho industrial, que conferia clara
primazia ao desenvolvimento da economia e da indústria como mecanismos para diminuir
desigualdades sociais e modernizar os aspectos mais corriqueiros da vida dos indivíduos, nos
espaços público ou privado.

Esta tensão conceitual, inaugurada nos anos 80, deu então origem a uma série de reações
no campo do design, que aconteceram especialmente por meio da organi-zação de debates e

do design. Também no âmbito dos debates acadêmicos essa prática passou a ser discutida
de acordo com novos critérios, passando a ser considerada largamente em termos culturais e
ecológicos, conforme veremos a seguir.

chamado “desenho industrial”) e dos designers (antes chamados “desenhistas industriais”) no

rial. São elas: (1) o workshop intitulado O ensino do desenho industrial nos anos 90 (Flori-
anópolis, 1988); (2) o 5o endi – Encontro Nacional de Desenhistas Industriais (Curitiba, 1988);
(3) a 1a Bienal Brasileira de Design (Curitiba, 1990); (4) o 1o Ndesign – Encontro Nacional de
94
Estudantes de Design (Curitiba, 1991); (5) a fundação da ADG – Associação dos Designers

O workshop dedicado a , que reuniu repre-


sentantes de todas as 26 escolas de design de então, aconteceu em julho de 1988, em Flori-
anópolis, na sede do lbdi – Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial –, e foi patrocinado
pelo CNPq, Capes e sesu. O objetivo do encontro era a discussão sobre a realidade do ensino

Segundo artigo do professor Joaquim Redig – egresso da terceira turma da esdi e então
professor da puC-Rio –, a importância daquele workshop está ligada à formação da primeira
associação de ensino da área, condição essencial para que se começasse a

país nos últimos anos, cada vez mais burocratizada, vazia (de idéias), desconceituada, inchada (de
gente), equivocada e inerte… (redig: 1988, 108)

Redig menciona o enfrentamento aberto da coexistência das nomenclaturas desenhis-


ta industrial e designer, o que gerou uma proposta encaminhada ao fórum do 5o Endi (que
aconteceu um mês depois, em Curitiba) com vistas a “assumir o termo design como nome da

” (redig:
1988, 108). Para ele, a mudança de nome resolveria “uma longa história de equívocos e in-
compreensões que a falta de um nome claro e preciso sempre nos ocasionou” (redig: 1988,
109).

O workshop de Florianópolis deu origem ao documento intitulado Carta de Canasvierias


(abed: 1988), importante referência da história do ensino de design, que preconizou, entre
outras coisas, os seguintes pontos:

1. “
habilitações desenho de produto e projeto de produto para design industrial e programação
” (abed: 1988, 178) e;

2. criação da abed — Associação Brasileira do Ensino de Design, cujas principais ações


deveriam ser:

2.1. o encaminhamento, ao Ministério da Educação, de sugestão de elaboração de uma


voltar ao núcleo comum do 1° e 2° graus o ensino do desenho como
linguagem e expressão, e como instrumento necessário ao desenvolvimento da capacidade
crítica e criativa em todos os níveis” (abed: 1988, 179);

2.2. a recomendação, a ser feita aos cursos superiores de todo o país, para que ofereces-
sem ao alunado um “maior embasamento teórico e histórico sobre o Design, estimulando a 95
-
stituir os princípios e futuros fundamentos do Design (…) [Segundo a Carta de Canasvieiras]
Cada curso deve partir de uma sólida base conceitual sobre o que é design” (abed: 1988, 179);

2.3. a recomendação para a “constituição de um grupo de trabalho, constituído principal-


mente de pós-graduados em design, para início dos estudos com vistas a implantação de um
curso de pós-graduação, a nível de mestrado, em design no País” (abed: 1988, 182).

Um mês após o workshop de Florianópolis, Curitiba veio a sediar o 5o endi – Encontro


Nacional de Desenhistas Industriais –, que acatou a mudança de nomenclatura proposta na
Carta de Canasvieiras, optando por consolidar a decisão com referendos locais. As atividades
do encontro incluíram palestras e mesas redondas abordando as seguintes temáticas:

a) ‘Sociedade – o Descrédito Social’; b) ‘Tecnologia – a Inviabilidade Provisória de Novos Mate-


riais’, ‘Novos Materiais, Novos Processos, Novos Valores’, ‘Artesanato e Sociedade Pós-industrial’;
c) ‘Estética – o Caso na Estética’, ‘Pós-moderno?’, ‘A Adulteração do Belo’. (revista design & inte-
riores n. 09, 1988)

Além disso, o 5o endi abrigou grupos de trabalho, reunidos em torno dos problemas da

relações com a comunidade e o planejamento do encontro seguinte (que nunca foi realizado).
Segundo leon (1988), o espírito do evento expressava a maturidade institucional dos design-
-
egoria opinar nas políticas industrial e educacional do país de forma coletiva.

Um dos aspectos notáveis do 5o endi é que, dentre os 357 participantes, 60% eram es-
tudantes, os quais foram proibidos de votar as deliberações, criando um espírito de animosi-
dade que conduziu à organização da classe estudantil, que passou então a se empenhar nos
preparativos de seu próprio encontro, cuja primeira edição aconteceu três anos depois (em
1991), também em Curitiba.

A realização do primeiro encontro estudantil – denominado Ndesign – não pode ser com-
preendida fora da conjuntura política e cultural pela qual passava então a cidade de Curitiba,
que também está ligada à realização da 1a Bienal Brasileira de Design, sediada naquela mesma
cidade, em 1990. Tal conjuntura refere-se particularmente do processo de modernização ur-
bana de Curitiba, que teve início nos anos 60, e que resultou, três décadas mais tarde, na dis-
seminação da imagem daquela cidade como um dos melhores lugares do mundo para se viver.
A realização desses eventos do campo do design naquela cidade está alinhada às ideologias
da qualidade de vida e da ecologia, que estavam então sendo associadas à prática do design,
conforme a discussão a seguir.

96
anos 90 - Curitiba: Cidade modelo, Capital
eCológiCa, Capital do design

No livro Curitiba e o mito da cidade modelo (2000), Dennison de Oliveira relata o pro-
cesso por meio do qual aquela cidade construiu a reputação – reconhecida em âmbito nacional
e internacional – de modelo de urbanismo, cidade de primeiro mundo e cidade européia, fa-
zendo uso, entre outras estratégias, da noção de design, renovada desde os anos 90. De acordo
com o autor, o processo teve sua origem no plano preliminar criado, nos anos 60, pela Serete
Engenharia S.A. e pelo escritório do arquiteto Jorge Wilhem – ambos sediados em São Paulo
–, vencedores de uma concorrência promovida pela prefeitura de Curitiba. O plano previa o
controle do crescimento da cidade por meio da descentralização dos locais de moradia, pos-
sibilitado por uma nova organização viária, que seria adequada a um sistema de transporte

o desestímulo ao uso dos veículos individuais, sendo também prevista a criação de um setor
histórico e administrativo no centro da cidade, que abrigasse os edifícios de grande relevância
arquitetônica (a serem tombados pelo patrimônio), e prédios administrativos dos governos
estadual e municipal.

Oliveira relata que a implantação desse plano obteve um sucesso singular, se comparado
com as demais metrópoles brasileiras, em parte pela competência dos técnicos envolvidos no
-
ministrações municipais, em particular aquelas conduzidas pelo arquiteto Jaime Lerner, que
foi prefeito biônico pela arena entre 1971 e 1974 e entre 1979 e 1983, sendo posteriormente
-

Roberto Requião, que foi o primeiro prefeito eleito em Curitiba após o regime militar (1985), e

” (oliveira:
2000, 58).

Oliveira relata que as eleições seguintes à gestão de Requião aconteceram “numa con-
juntura ideológica diametralmente oposta” reacendendo o interesse da população por um
estilo de administração municipal baseada na “mística da tecnocracia como instrumento de
”. No que diz respeito
ao plano urbano de Curitiba, o autor sublinha que, no terceiro mandato de Lerner (1988-1992)
o esgotamento do mesmo conduziu a prefeitura a uma reorientação conceitual e discursiva, ba-
seada na crítica ao cânone modernista que havia inspirado o seu próprio desenho, e na adoção
de uma estratégia de espetacularização da cidade, para a qual a noção de design foi essencial,
sendo associada a obras públicas consagradas pela grande mídia da época, tais como a Ópera
97
de Arame, o Jardim Botânico, a Rua 24 horas e os ônibus Ligeirinhos, o que rendeu bons lucros
políticos a Lerner:

A cidade reatualizou seu mito de vanguarda urbanística, reforçou sua vocação turística e (…) confe-

titulares nacional e internacionalmente. (oliveira: 2000, 60)

Uma das dimensões deste processo diz respeito à aproximação das noções de “design” e
“ecologia”, por meio da construção da fama daquela cidade como uma “capital ecológica”, prob-
lemática discutida por Márcio Oliveira no artigo A trajetória do discurso ambiental em Cu-
ritiba (2001). Em seu artigo, Oliveira relata que a reputação de Curitiba como capital ecológica
foi forjada a partir dos anos 90, quando a prefeitura passou a se referir a iniciativas de gestões
anteriores, e que envolviam o meio ambiente de maneira indelével, como se fossem o embrião
de um “projeto ecológico” inerente à cidade e àquelas gestões, e que estaria então em franco
desabrochar. São exemplos dessa abordagem discursiva as menções aos parques Iguaçú, Bar-
igui e São Lourenço, que tinham sido fundados, nos anos 70, para combater as enchentes que
então acometiam a cidade, mas que, a partir dos anos 90, foram reapresentados à população

Imagens da cidade de
Curitiba, nas quais

mobiliário urbano que


notabilizaram
a cidade como modelo
de urbanização e
design público.

98
como iniciativas de caráter ecológico, fornecendo um fundamento anacrônico à ideologia da
qualidade de vida ímpar oferecida por Curitiba aos seus moradores. No discurso disseminado
pela prefeitura, todos os aspectos da cidade eram ecológicos, dos ônibus aos parques, passando
pela menta-lidade que conduzia a administração pública.

Um dos aspectos dessa construção discursiva diz respeito à coleta seletiva do lixo, que teve
início com os programas Lixo que não é lixo e Câmbio Verde, sendo este último lançado para
viabilizar a coleta de lixo pelos próprios moradores, em particular nas “áreas de favela, ribeir-
inhas, invadidas, de risco ou de difícil acesso, habitadas via de regra, por comunidades com
renda familiar de até 2 salários mínimos” (oliveira: 2001, 103). De acordo com as regras do
programa, os detritos coletados eram trocados por alimentos hortícolas, resultantes de uma

que fez a população, amedrontada, consumir menos hortaliças. De acordo com Oliveira, em-
bora os problemas atendidos pelo programa Câmbio Verde, em sua origem, fossem de caráter
sanitário, anos mais tarde a coleta seletiva passou a ser apresentada pela prefeitura como des-
tinada a “estabelecer bases para a sustentabilidade da vida no planeta” (2001, 103).

O processo de construção da identidade de Curitiba como modelo de urbanidade e capital

noção de design, e está ligado objetivamente à realização de dois eventos desse campo – ambos
em suas edições inaugurais e ambos sediados naquela cidade. Trata-se da 1a Bienal Brasileira
de Design (realizada em 1990) e do 1o Ndesign – Encontro Nacional dos Estudantes de De-

99
Brasileira de Design 2010, a qual contou a mostra Design urbano: uma trajetória, dedicada à
atuação de Lerner enquanto arquiteto, designer e político.

A 1a Bienal Brasileira de Design foi realizada sob a tutela de duas Secretarias de Estado
– Cultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Econômico –, sendo Álvaro Dias (PST) o
governador à época. O seu patrono político, porém, foi o prefeito Jaime Lerner (PDT) – então
em sua terceira gestão –, que tratou de difundir a associação entre as noções de “cidade” e
“design”, negando o cânone moderno-funcionalista em favor de uma visão supostamente mais

Cidade e design são indissociáveis. Voltados ao novo, ao lúdico das muitas convivências, porque
nem as cidades existem estritamente para o racional, nem o design foi inventado exclusivamente
para a exatidão das funções a que serve. Ambos – cidade e design – costumam extrapolar suas
frias funções, para ganhar sua dimensão real, que é a dimensão do lúdico, do poético e do ousado.
Curitiba e design voltam-se um para o outro, na busca de novas soluções para os velhos sonhos.
(bienal brasileira de design: 1990, xiii)

No mesmo catálogo, o professor Ivens Fontoura, então vinculado à ufpr, presidente do

e cultural do design:

seja visto por parcela da sociedade apenas na relação estética e formal do produto. O design é mais
que isto, é fator de desenvolvimento, extrapolando na razão direta em que também atua no uni-
verso cultural. (bienal brasileira de design: 1990, xiii)

Aquela edição da Bienal contou com duas categorias de premiação – uma para produtos
industrializados e outra para projetos de estudantes – que incluiam as subcategorias projetos
editorias, identidades corporativas, equipamentos agrícolas, hospitalares, cutelaria, eletrodo-
-
tre outros, totalizando 33 categorias. Contou também com uma sala destinada a homenagear
Aloísio Magalhães, considerado um dos pioneiros do campo, devido à sua atuação como de-
signer nos anos 60 e 70. Durante a premiação, a Bienal promoveu ainda diversas palestras e
seminários com personalidades ligadas a escolas estrangeiras, tais como John Wood (Royal
College, Londres), Luiz Alfredo Rodrigues Morales (Universidad Autonoma Metropolitana,
México) e Alexandro Rodrigues Musso (Universidad Catolica Valparaiso, Chile).

Além de aspirar a periodicidade daquele evento, Ivens Fontoura, seu principal idealiza-
dor, propôs a criação de um museu especializado (o Memorial Brasileiro do Design), destinado
então a ser o primeiro do gênero da América Latina e a abordar o design enquanto “cultura
material” e “fonte de conhecimento”. De acordo com Fontoura, a

cultura material é o legado da sociedade para se conhecer e evoluir no âmbito das letras e das
100
consulta e pesquisa, cumprindo, portanto, uma de suas tarefas mais importantes ao propiciar, ao

representativo da cultura material do país estará gradativamente compondo o acervo do Memorial


Brasileiro do Design. (…) O referido Memorial terá seu embrião a partir da primeira edição da Bi-
enal, ainda em 1990, iniciando, primeiramente, com os produtos e projetos premiados (…) (bienal
brasileira de design: 1990, xiii)

Os preparativos para a 1a Bienal contaram com a colaboração de alguns estudantes da ufpr


ligados a Fontura, que passaram a planejar, em meio àquele processo, o encontro estudantil
que aconteceria um ano mais tarde. Tais estudantes estavam então movidos pelo entusiasmo
da Bienal e também pela interdição sofrida no 5o endi -
sionais de votar as deliberações daquele encontro. Em grande medida, o 1o NDesign foi fruto
dos dois eventos anteriores (a 1a Bienal e o 5o endi) e sua realização foi tributária da crença
então vigente na ideologia urbano-ecológica de então. O encontro aconteceu em julho de 1991,
reunindo cerca de 700 estudantes de quase todas as faculdades do Brasil; em sua programação

Repentina74, atividade que passou a ser realizada em todas as edições posteriores do encontro

e a irreverência das vivências estudantis. O tema da Repentina de 1991 fornece dados sobre a
ligação do encontro estudantil com a Curitiba-ecológica, a começar pela participação do próp-
rio prefeito Lerner, que deu início aos trabalhos; durante a atividade, os estudantes foram
instados a projetar brinquedos com detritos recicláveis (o chamado “lixo que não é lixo”), que
seriam mais tarde reproduzidos na Fábrica de Brinquedos de Lixo que não é Lixo, entidade
mantida pela prefeitura na qual crianças carentes aprendiam a confeccionar brinquedos com
detritos, em atividades ditas de educação ambiental. Tanto a equipe da prefeitura quanto os
organizadores do NDesign acreditavam que aquela era uma iniciativa com viés social, voltada
a “sensibilizar a sociedade para o Design enquanto solução para problemas de cunho social
e ecológico” (revista ndesign: 1991, 24).

O vínculo entre os estudantes e o poder público paranaense, sob o enfoque da mística da


cidade-modelo, é assumido explicitamente nos relatos da Revista NDesign75, publicada pelos
organizadores do evento para registrar as atividades daquela semana de julho de 91. Alguns
artigos da revista são marcados por uma crença devocional (bourdieu: 2008b) à cidade e ao
seu prefeito, convidado para proferir a palestra de abertura do evento, estando presente tam-
bém na solenidade de encerramento. De acordo com a Revista NDesign, o evento “aconteceu
numa cidade que privilegia a relação entre homem e natureza [e] … reaproveita seu lixo, tem
abundantes áreas verdes e inova no Design urbano” (revista ndesign: 1991, 04).

O evento foi considerado, à época, um grande exemplo da capacidade de organização dos


101
os estudantes viraram a
mesa
depoimento de Ivens Fontoura, tratou-se de “
-
” (Revista De-
sign & Interiores n. 25, p. 79).

A periodicidade anual desse evento – infálivel até o ano de 2012 – é considerada por mui-
tos um grande exemplo de articulação e boa vontade dos membros recém-chegados ao campo,
impressão reforçada pela realização de eventos de caráter regional, que passaram a ocorrer na
medida em que o ensino superior da área se expandiu. Além dos encontros, o segmento estu-
dantil do campo mantém também uma ampla rede de comunicação e um complexo sistema de
representação, por meio do Conselho Nacional de Estudantes (CoNE), instituído em 1996, en-
carregado de conduzir a atuação de centros acadêmicos e comissões organizadoras dos even-

anos 90 - expansão do ensino superior

Ao longo dos mais de vinte anos em que vem sendo realizado, o encontro estudantil vem
apresentando dimensões cada vez maiores: o evento de 2010, por exemplo, reuniu em Curitiba
cerca de 5.000 estudantes, contra os 700 inscritos no encontro de 1991, realizado na mesma
cidade. A quantidade cada vez maior de participantes, por sua vez, não deriva exatamente de
um interesse crescente do alunado na universidade, em política estudantil ou na discussão so-

compreendida em face da multiplicação de cursos superiores no país, que somavam aproxi-


madamente 29 em 1991, 36 em 1993 (aend-br: 1993) e cerca de 40 cursos em 1997 (Couto:
2008, 26).

Atualmente é difícil precisar quantos cursos da graduação funcionam no Brasil, embora


o Ministério da Educação disponibilize dados a respeito na internet, por meio do Sistema e-
Mec76, no qual é possível saber sobre cursos ativos ou extintos, bem como sobre as instituições
de ensino cadastradas no país. A consulta realizada ao Sistema e-Mec em 04 e 06 de dezem-
bro de 2011 indicou um total 30777
seguinte maneira: dez bacharelados em Desenho Industrial e 63 bacharelados em Design, ca-
dastrados por instituições públicas de ensino e 34 bacharelados em Desenho Industrial e 200
bacharelados em Design, cadastrados por instituições privadas.

Esses dados não podem ser entendidos sem algumas considerações: em primeiro lugar,
102 desde a publicação das Diretrizes Curriculares para os cursos de Design pelo Ministério da
Educação, no início dos anos 2000, os cursos que estavam até então em funcionamento, sob
a denominação Desenho Industrial, vêm sofrendo adaptações curriculares e adotando a de-
nominação Design. Isso sugere que os cursos de Desenho Industrial cadastrados no Sistema
e-Mec correspondem, provavelmente, a currículos em processo de extinção que coexistem
com currículos novos, cadastrados sob a denominação Design; por isso, os cursos de Desenho
Industrial não foram contabilizados aqui como cursos ativos. Em segundo lugar, o relatório
gerado pelo Sistema e-Mec apresenta, em muitos casos, dois ou mais cursos ligados a uma
mesma instituição, o que sugere que existem dois ou mais currículos em vigência numa mesma
instituição, sem que eles correspondam efetivamente a cursos distintos; por isso apenas um

os seguintes dados:

1. 52 cursos de bacharelado em Design ofertados por instituições públicas, distribuídos nas


-

em Design de Moda; 4 bacharelados em Design de Ambientes e/ou Interiores; 1 bacharelado em


-
sign; 1 bacharelado em Design Digital e 1 bacharelado em Interdisciplinar em Artes e Design

2. 162 bacharelados em Design ofertados por instituições privadas, distribuídos entre: 95 bacha-

Design Industrial ou de Produtos; 8 bacharelados em Decorações e Design de Ambientes e/ou In-


teriores; 5 bacharelados em Design Digital; 1 bacharelado em Design de Games e 1 bacharelado em

Autores como minto (2006) e amaral (2003) discutem a expansão do ensino superior no
Brasil no contexto da reforma do Estado brasileiro, iniciada no governo de Fernando Henrique

Eles apontam que, de acordo com a crítica privatizante, instalada em nível global nos anos 90,
a educação pública seria cara e de má qualidade, devido à suposta incapacidade do Estado gar-

instalado entendia que a função das universidades deveria ser a contrução da empregabilidade
dos indivíduos, ou seja, da sua competência e adequação ao mercado de trabalho e à auto-ed-
ucação posterior. Minto e Amaral discutem as medidas políticas que deram sustentação a essa
guinada, bem como apresentam índices que expressam a diminuição do investimento público

mercado não mais contemplava a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tripé
característico das instituições públicas de ensino superior.

O impacto qualitativo dessas medidas sobre o ensino superior de design só pode ser cor-
-
103
dições objetivas de oferta dos cursos em vigência no Brasil desde os anos 90, o que exige um
-
poníveis, especialmente no que se refere às mudanças implantadas nos anos 2000, a partir da
vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e das Diretrizes Curriculares

Nacional de Educação. Este é um processo relatado em pormenores pela pesquisadora Rita


Couto (2008), que apresenta uma retrospectiva que remonta à fundação da esdi, sobre a qual
destacamos os seguintes pontos:

1. Em 1968, pressionados pelo regime militar, os integrantes da esdi


curricular da escola (originalmente baseada na Escola de Ulm), de maneira a obter sua aprovação
do Conselho Federal de Educação, dando origem ao documento que, em seguida, serviu de base
para o texto do Currículo Mínimo; este último, por sua vez, teria sido adotado, a partir de então,
pelas demais escolas de desenho industrial do país;

2. Couto aponta que, conforme já discutido no início deste capítulo, os termos daquele Currículo
Mínimo eram tão imprecisos e abrangentes, que permitiram a implantação de cursos superiores
com feições extremamente distorcidas em relação ao projeto original da esdi, e que eram muito
heterogêneos e pouco consistentes. Este fato teria conduzido o Conselho Federal de Educação a
instalar, em 1978, uma comissão de especialistas dedicada à elaboração de uma nova versão do
Currículo Mínimo, que foi, por sua vez, sancionada em 1987. Esta nova versão do currículo deter-

metodológica e duas únicas habilitações: o Projeto de Produto – ligado a projetos de sistemas de


uso tridimensionais – e a Programação Visual – ligado a projetos de sistemas visuais bidimensio-
nais. Couto comenta que, ao contrário do primeiro Currículo Mínimo, esta segunda versão era a
que praticamente não permitia aos cursos respeitar suas próprias
vocações nem novas habilitações e ênfases que surgiram em função das demandas de mercado”
(COUTO: 2008, 24).

3. Como resultado, a autora relata que, dez anos mais tarde, por ocasião do 1o Fórum de Dirigentes
de Cursos de Desenho Industrial realizado em 1997, constatou-se que os quase 40 cursos então em
funcionamento no país não contemplavam somente as duas habilitações previstas no Currículo
Mínimo de 1987; essa constatação teria desencadeado, por sua vez, uma nova reforma educacional,
que ocorreu já na vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996,
em nome da qual foram instituídas Comissões de Especialistas dedicadas a reestruturar todas as
carreiras do ensino superior, sendo o desenho industrial discutido, inicialmente, no âmbito da
Comissão de Especialistas no Ensino das Artes e do Design (entre 1994 a 1998) e, em seguida, na
Comissão de Especialistas em Ensino de Design (CEEDesign);

4. Couto relata ainda que a CEEDesign teve duas formações78 diferentes ao longo de seu funciona-
mento, entre 1998 e 2003, tendo seus trabalhos subsidiados por diversos encontros com dirigentes
104
-
neira, as duas antigas habilitações em Projeto do Produto e Programação Visual deixaram de ser

design de games, design de moda, entre diversos outros atualmente em vigência. Além disso, as no-

da validade de outras atividades acadêmicas diferentes da ministração de aulas.

anos 2000 – asCensão do Campo aCadêmiCo no brasil

As mudanças no sistema de ensino superior no Brasil expressas pela adoção do nome


Design e pela superação das habilitações em Projeto do Produto e Programação Visual con-
stituem um aspecto do processo de autonomização do campo em questão; este é processo que
resulta de um trabalho coletivo de elaboração, empreendido por todos os membros campo ao
longo de sua história, com vistas à imposição social das particularidades que caracterizam a
prática do design, em contraposição a práticas análogas, e em favor do reconhecimento social
de sua importância e legitimidade (bourdieu: 1996c).

Três esferas do campo do design vem se dedicando mais claramente, nos últimos anos, a
esta elaboração: uma delas é a esfera das publicações periódicas; a outra diz respeito às premi-
ações e concursos, e será discutida brevemente na próxima seção deste estudo, sendo alvo da
extensa pesquisa de autoria de Ethel Leon (2013), intitulada Design em exposição: O design no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1968–1978), na Federação das Indústrias de São
Paulo (1978–1984) e no Museu da Casa Brasileira (1986–2002).

A terceira esfera está ligada ao contexto acadêmico/universitário, à pesquisa e à pós-grad-


uação, âmbito que vem se constituindo desde a virada dos anos 80, a partir da iniciativa de
alguns professores universitários, que deram os primeiros passos para consolidar o design
como área de conhecimento, o que ocorreu em 1988, por ocasião do já discutido workshop de
Florianópolis. Naquela ocasião deram-se os esforços iniciais para a implantação do primeiro
programa de mestrado em design do país; também foi formada ali a Associação Brasileira de
Ensino de Design (abed), rebatizada em 1992 de Associação de Ensino de Design (AEnD-BR).
No ano de 1993 a seção carioca da AEnD-BR deu continuidade ao processo, fundando a re-
vista Estudos em Design, dedicada abrigar artigos sobre a atividade do design que, até então,
era considerada por muitos como uma prática sobre a qual não eram pertinentes quais-quer
teorizações (AEnD-BR: 1993, 4); a revista passou a reunir traduções de artigos, resenhas, ar-
tigos dos poucos pesquisadores brasileiros então titulados e atuantes, além de contribuições
105
respectivamente, a mesma associação realizou as duas primeiras edições do Congresso P&D
(Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), com vistas a reunir os pesquisadores
brasileiros num evento efetivamente acadêmico, marcando o início da fase intelectualizada do
campo, conforme expressam os excertos a seguir:

(…) um congresso de pesquisa e desenvolvimento. Como acontece nas engenharias, na arquitetura,


na informática. (aend: 1994, 5)

Do mesmo modo que antropólogos, psicólogos, sociólogos, economistas, comunicadores, in-


formáticos, engenheiros, arquitetos, artistas, os designers trataram de questões metodológicas,
didáticas, tecnológicas, culturais. Democraticamente, pluralmente todos mostraram suas preocu-
pações, análises e conclusões. (…) Garantimos nosso espaço na universidade. Contribuímos para a
consolidação do design entre nós. (aend: 1996, 9)

nacional, além de inúmeros colóquios, seminários e congressos regionais. Merecem destaque


três eventos de alcance nacional: (1) o já mencionado Congresso P&D, cujas edições bienais
ocorrem regular e ininterruptamente desde 1994; (2) o Ciped (Congresso Internacional de Pes-
quisa em Design), cuja primeira edição ocorreu em 2002, paralelamente ao 5o Congresso P&D,
tornado-se independente a partir de então, sendo sua sexta edição realizada no ano de 2011,
em Portugal, no Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (Lisboa); (3) o
Cidi (Congresso Internacional de Design da Informação), realizado bienalmente desde 2003
pela sbdi (Sociedade Brasileira de Design da Informação), paralelamente ao Congresso Bra-
sileiro de Design da Informação e ao ConCig
Design da Informação).

-
po do design fornecem dados capazes de subsidiar análises sobre a transformação do conceito
e das práticas em questão, bem como da pretendida inserção dos designers na sociedade. O
crescimento da esfera acadêmica do campo do design pode ser demonstrado a partir de al-
guns números relativos aos Congressos P&D: no que diz respeito à quantidade de indivíduos
envolvidos na organização desses eventos, em 1994, (ano de sua primeira edição), o congresso
-
gresso (2008) e 337 colaboradores em sua nona edição (2010), divididos entre o comitê or-

o
P&D,
realizado em 1996, contou com 80 submissões e 55 aceites; a terceira edição (1998) contou
com 150 submissões e mais de cem artigos aceitos; já o 7o P&D (2008) teve 2.694 submissões
e 548 artigos aprovados.
106
Além desse crescimento exponencial, é notável a inserção da fração acadêmica do campo
brasileiro do design no contexto global, com a participação de conferencistas internacionais79
a partir do 3o P&D, ligados a universidades e centros privados de pesquisa. No mesmo sentido,
é notável a inserção das instituições no contexto institucional internacional, por meio da re-
alização do Ciped em Portugal, e da 8a Conferência do Comitê Internacional para os Estudos
em Design e História do Design (iCdhs), em 2012, na cidade de São Paulo, depois de ter sido
sediada na Bélgica (2010), Japão (2008), Finlândia e Estônia (2006), México (2004), Turquia
(2002), Cuba (2000) e Espanha (1999). O evento em questão, realizado pela fau-usp e pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, discutiu a temática Fronteiras do design: territórios,
conceitos, tecnologias, e contou com a atuação de críticos e historiadores do design de re-
nome internacional, tais como Victor Margolin (Universidade de Illinois), Jonathan Woodham

Martínez (VU University Amsterdam, Holanda), Oscar Salinas Flores (Universidade Nacional
do Mexico) e Haruhiko Fujita (Universidade de Osaka).

pós-graduação atuantes no Brasil desde 1994 (em nível de mestrado) e 2003 (em nível de dou-
torado). De acordo com a Capes funcionavam no Brasil, em 2011, dez programas de mestrado80
em Design (dois dos quais também em nível de doutorado), um programa de mestrado em
ufsC), um programa de mestrado e doutorado em Desenho In-
dustrial (unesp ufpe). Dentre
as instituições que abrigam tais programas, nove são públicas e cinco particulares; em termos
do terri-tório nacional, eles estão distribuídos entre os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Santa Catarina e Pernambuco (com dois programas cada); Minas Gerais e Paraná (com um
programa cada) e Rio Grande do Sul (com três programas).

Os capítulos 4 e 5 desta tese são dedicados a compreensão das forças, pautas e questões

difusão públiCa, legitimação e Consagração:


as bienais, revistas e prêmios de design

produtores diretos (os próprios designers) pois esta proposição estaria desconsiderando o tra-
balho da maior parte das instituições que contribuem para garantir a visibilidade das produções

O trabalho de constituição de qualquer campo de bens simbólicos consiste, em grande


parte, na realização de atos e processos de difusão e consagração das obras, de seus criadores,
107
valores e ideologias, sendo empreendido, nos casos das artes, da arquitetura, da música, da
gastronomia ou do design, por revistas e outras publicações nas quais atuam jornalistas, críti-
cos e outros formadores de opinião, e também por museus e outras instituições análogas, que
tratam de disseminar certos aspectos e valores do campo, e não outros. Cada uma dessas insti-
tuições e publicações, por sua vez, não representa nem o “campo em geral”, nem a totalidade
-
cas de mundo dos grupos que lhes dão sustentação (bourdieu: 1996c, 2001).

Embora possam falar muitas vezes em nome da “pura arte”, do “design em geral” ou do
“puro design”, cada editor (ou cada revista, curador, jornalista, pesquisador, professor, consel-
ho deliberativo etc) tende a falar em nome de sua própria visão do campo, e em nome daqueles
-
sionais por esses agentes de difusão e consagração é tão ou mais importante do que os próprios
projetos, mesmo que as propriedades imanentes dos mesmos sejam distintas dos discursos
sobre eles. É justamente o atrito entre as diferentes visões de mundo, expressas por diferentes
agentes do campo, que produz a luta concorrencial que o move.

Atualmente, o campo do design brasileiro conta com uma série de publicações periódi-
cas, que fazem parte de uma quarta geração brasileira de revistas especia-lizados em design,
linhagem que teve início com a revista Habitat, seguida da revista Projeto e da revista Design
& Interiores. A revista Habitat (publicada entre 1950 e 1965), idealizada por Pietro e Lina Bo
Bardi e dirigida por ambos até seu número 15, tinha sua proposta editorial alinhada ao mesmo
projeto cultural e civilizatório que deu origem ao MASP e ao Instituto de Arte Contemporânea
do museu.

Já na revista Projeto – lançada em 1977, dando início à segunda geração de publicações –,


o então chamado desenho industrial apareceu subordinado à arquite-tura, até o momento em
-

à terceira geração editorial, com a publicação da revista Design & Interiores (publicada entre
1987 e 1996), tida por alguns como o primeiro periódico brasileiro especializado (borges: 2011,
13), e cujos 50 números foram publicados entre 1987 e 1996.

As revistas atualmente publicadas no Brasil fazem parte da quarta geração de periódicos


especializados em design no Brasil, marcada por uma acentuada divisão disciplinar do campo,
e que deu origem a publicações dedicadas a clientelas altamen-te especializadas e segmenta-
das, por um lado, e a clientelas de consumidores esclare-cidos, aptos a absorver e sustentar a
existência de tais revistas.

108
público e ao empresariado, por meio de eventos de divulgação e consagração. São diversos
concursos e exposições de design realizadas no Brasil desde 1968, dentre os quais destacam-se
cinco séries de eventos, pela sua frequência, longevidade e importância política: (1) as Bienais
de Desenho Industrial de 1968, 1970 e 1972; (2) as Bienais Brasileiras de Design de 1990 e
1992; (3) as Bienais Brasileiras de Design de 2006, 2008, 2010 e 2012; (4) as Bienais de Design

promovido desde 1986 pelo Museu da Casa Brasileira.

As primeiras Bienais de Desenho Industrial, realizadas e, 1968, 1970 e 1972, foram pro-
movidas pelo Instituto de Desenho Industrial do mam-Rio (e sediadas no próprio museu), em
conjunto com a esdi, a abdi, a Fundação Bienal de São Paulo, a Confederação Nacional da In-
dústria e o Ministério das Relações Exteriores. Essas mostras tinham como propósito a difusão

de design no Brasil, por meio de seções dedicadas à produção oriunda dos Estados Unidos, In-
glaterra e Canadá em 1968, dos países escandinavos em 1970, e da Alemanha e Suíça em 1972.
Essas bienais abrigaram também stands para divulgação dos trabalhos dos alunos da esdi.

Acima, imagens das exposições


em homenagem às Bienais de

em Curitiba. Ao lado, imagem da


exposição Design urbano: uma
trajetória, em homenagem ao
arquiteto Jaime Lerner. Todas as
homenagens ocorreram por
ocasião da Bienal de Design 2010,
também realizada em Curitiba.

109
As Bienais Brasileiras de Design realizadas em 1990 e 1992 foram sediadas em Curitiba, e
promovidas por uma parceria entre o Governo do Estado do Paraná e a Prefeitura Municipal

como modelo de urbanismo e capital ecológica.

Já as Bienais Brasileiras de Design de 2006, 2008, 2010 e 2012 são fruto do Programa
Brasileiro de Design (PBD), uma política do governo federal lançada em 1995 e mantida pelo
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, voltada inicialmente ao de-
senvolvimento dos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs), que antes do PBD se ocu-

PBD, são a madeira, os móveis, as rochas ornamentais, as gemas e jóias, os tecidos e roupas, a
cerâmica, os calçados etc.

designers brasileiros. Um dos traços principais das bienais da ADG é o debate sobre a ‘identi-

-
geva no país, realizada anualmente desde 1986. É promovido pelo Museu da Casa Brasileira
(mCb), antigo Museu do Mobiliário Artístico e Histórico Brasileiro (criado em 1970), e ligado
ao Governo do Estado de São Paulo, sendo considerado o “único do país especializado em de-
sign e arquitetura”.

reúnem uma grande quantidade de evidências a respeito dos usos sociais da noção de design,
bem como sobre os agentes aos quais essa noção interessa. As categorias e critérios formulados
a cada edição de cada uma dessas premiações, bem como a variação entre elas e os artefatos
-
necer indícios importantes a respeito do imaginário e dos interesses dos segmentos sociais aos
quais a noção de design é estratégica a cada momento. Tanto os eventos estudantis, quanto as
revistas e as premiações de design consistem num riquíssimo acervo de fontes primárias que
merecem ser objeto de estudos comparados de ampla envergadura, com vistas a elucidar as
razões por trás da adoção de certas abordagens, e não de outras, bem como a consagração de
certos objetos e não de outros, e ainda a formulação de certas categorias e não de outras, a cada
momento da história do campo e do processo de modernização brasileiro.

110
Capítulo 4
tensões estruturais no Campo do design:
o embate entre o interesse eConômiCo

e os interesses humanístiCos e ambientais

mal estar e desConforto


n’a folha que sobrou do caderno

No artigo (2001), Bourdieu discute a defasagem que car-


acteriza as escolas (instâncias de reprodução) em relação ao chamado mercado de trabalho
(instância de produção) de qualquer campo. Ele argumenta que a lentidão e a inércia das in-

em função de uma suposta precariedade do sistema educacional, e sim porque essa defasagem

saberes e esquemas de ação e percepção característicos de cada prática. Tal defasagem cumpre,
assim, um papel estrutural na dinâmica de reprodução de todo e qualquer campo, por permitir

a formar agentes que não são exatamente revolucionários ou geniais, pois sua função não é
inovar os termos gerais do campo, e sim inculcar os seus procedimentos e valores na maior
-
cação de esquemas que já estejam consolidados ou estejam até mesmo em franca decadência.
A instituição escolar é, assim, caracterizada pela disseminação de conteúdos semi-sistematiza-
dos e semi-teorizados – ou, no limite, banalizados e neutralizados –, fator essencial à transmis-
são dos procedimentos e valores do campo aos seus agentes iniciantes.

Esta defasagem estrutural explica parcialmente o desconforto sentido por vários mem-
bros do campo do design, que é ilustrado por um documentário divulgado por ocasião do 18o
Encontro Nacional de Estudantes de Design (Manaus, 2008). O documentário em questão,
81
e intitulado A folha que sobrou do caderno,
reúne depoimentos de alunos e professores de diversas partes do país, nos quais expressam

brasileira. Em seus relatos, os depoentes oferecem explicações e soluções para um sistema de

81. Integrantes do Boana Estúdio, um coletivo independente dedicado a “promover o debate e a movimentação
social a cerca de temas ligados à educação.” (Fonte: http://www.boanaestudio.com.br/institucional.html, consul-
tado em 21/04/10)
111
ensino considerado defasado, bem como apontam para atitudes tidas como reprováveis, tanto
por parte do alunado quanto do corpo docente.

Uma das causas apontadas no documentário para explicar a indiferença e individualismo


dos alunos é a reforma educacional promovida pelo governo militar em 1968, acusada de ter
corroído lentamente o senso de coletividade e o espaço polí-tico construído nas “turmas”, e
de ter promovido, por meio do sistema de créditos acadêmicos, a competição individual na
busca de uma formação exclusiva, gerando uma ilusão de liberdade de escolha entre os alunos
que persistiria até os dias de hoje. Tal processo teria dado origem a uma geração de alunos
despolitizados e carreiristas, por um lado, preguiçosos e apáticos por outro, e ainda tímidos
e/ou submissos, atentos apenas ao cumprimento servil e/ou cínico das tarefas e prazos deter-
minados pelos professores. Os professores mais antigos também são criticados em função de
suas atuações saudosistas e por serem supostamente incapazes de acompanhar as exigências
do mercado de maneira a “entender e adequar a realidade dos cursos de design às demandas
existentes.”

Tanto estudantes apáticos e/ou cínicos quanto professores supostamente desatualizados


são incentivados, no documentário, a uma mudança de postura, advinda de um aconselhável
processo de auto-conhecimento, visando uma descoberta subjetiva que daria suporte a um

amareladas” dos velhos mestres em prol da construção de “uma nova educação”, na qual o
professor ideal seria o “pesquisador dinâmico”, capaz de trabalhar em parceria com o aluno.

Também o funcionamento burocratizado das universidades é apontado como um fator


negativamente relevante, por conferir primazia aos procedimentos operacionais (ensalamen-
tos, horários de aulas, prazos administrativos) em detrimento das discussões propriamente

se engajarem apenas em políticas mesquinhas em torno da obtenção de prestígio e privilégios


pessoais.

-
tidões teóricas” e “aptidões práticas”, incapacitando o jovem a “estruturar um pensamento”
e se expressar por escrito, em especial nos casos de alunos com excelente domínio de ferra-
mentas e processos técnicos. Por outro lado, o documentário registra críticas aos estudantes
mais afeitos à teoria, por serem supostamente incapazes de dominar bem as “ferramentas da
prática”.

Em síntese, o grande entrave a uma “educação em design ideal”, de acordo com vários
entrevistados, seria a excessiva burocracia do sistema universitário brasileiro, responsável por
112
uma produção acadêmica repetitiva e irrelevante, e pela inércia estudantil diante de docentes
arrogantes e envelhecidos, incapazes de formar jovens designers aptos ao ingresso no mer-
cado. As utopias educacionais defendidas no documentário dizem respeito ao equilíbrio entre
teoria e prática, visando a formação de uma “massa crítica de pensadores” aptos a “transfor-
mar a sociedade”, mas também de bons e ágeis “resolvedores de problemas”, que não per-
cam tempo “teorizando sobre erros”. O atendimento aos imperativos da prática seria capaz

da “contestação ao sistema”, em prejuízo daqueles que “realmente vão por a mão na massa e
mudar as coisas”.

Carreiras bem suCedidas: basta


frequentar uma boa faCuldade?

Uma das questões em jogo no documentário A folha que sobrou do caderno diz respeito
-

uma instituição de ensino reputada, bem equipada e com uma proposta pedagógica tida como

ensino que, de tão inconsistente e medíocre, estaria condenando seus egressos a um declínio

para o exercício de uma dada atividade?

discutidas por Bourdieu por meio da noção de habitus (nogueira e nogueira, 2009). Trata-se
de uma propriedade adquirida desde a infância, que está enraizada em cada indivíduo, e que
diz respeito às suas disposições profundas para perceber, sentir e agir de uma certa maneira,
e não de outra. A origem do habitus de cada indivíduo é a sua socialização mais elementar,
vivida no âmbito familiar (que, grosso modo, é culturalmente mais rica quanto mais abastada
for a família), seguida da frequência a “boas” escolas infantis e de ensino médio, e das demais

dizem respeito ao ensino de idiomas, práticas desportivas, viagens, atividades culturais diver-
sas etc.

Um estudo comparado sobre as origens e trajetórias sociais de diversos designers (dos


mais renomados aos claramente marginalizados pelo campo) pode revelar, assim, que uma

113
não são dotados de vocações inatas, mas têm suas carreiras determinadas pelas disposições
do habitus e pela posse de capital cultural, econômico e social. O caso do designer brasileiro

A.U.D.T (Arquitetura, Urbanismo, Design e Transporte), com sede no Rio de Janeiro e em São
Paulo, Guto é detentor de diversos prêmios, além de ser responsável por projetos variados,
desde embalagens de maquiagem e garrafas térmicas, até barcos, equipamentos de ginástica,
fogões, lavadoras e refrigeradores. Dentro do campo do design, ele é conhecido por ser o autor
do projeto do ventilador de teto Spirit, que recebeu vários prêmios e grande atenção da mídia.
Trata-se de um objeto considerado inovador em vários sentidos: é composto de apenas quatro
peças de policarbonato (ao contrário de seus congêneres, muito mais complexos), produzido
em várias cores e dotado de um desenho aerodinâmico que potencializa seu desempenho, sen-
do comercializado no mercado varejista popular e também em elegantes lojas especializadas
em design.

O sucesso deste projeto, bem como de sua carreira em geral, pode ser com-preendido,

trajetória acadêmica, cujo início se deu na Faculdade da Cidade, conhecida instituição carioca
onde cursou parte da graduação em Desenho Industrial, a qual posteriormente abandonou
para ingressar numa instituição mais reputada – a Art College of Design, na Suíça. Segundo re-
lata Evelise Grunow em seu livro Guto Índio da Costa (2008), o designer teria percebido, ainda
-
-
giou em empresas na França e Dinamarca e, posteriormente, nos Estados Unidos.

A autora relata também que, ainda estudante, Guto Índio da Costa obteve sucesso numa
importante premiação de design promovida pela empresa Sony, o que garantiu a ele um recon-
114
hecimento institucional precoce. A ação do capital econômico familiar no início de sua tra-

prestígio, além de tê-lo munido, previamente, dos conhecimentos idiomáticos necessários à


vivência em vários países.

evidenciada quando de seu retorno ao Brasil, por ocasião, por exemplo, de sua participação

também recebeu prêmios internacionais. A constituição do grupo responsável pelo projeto in-

Eduardo Índio da Costa, partícipe de vários episódios importantes do campo arquitetônico no

No que diz respeito ao papel do capital cultural na trajetória de Guto, o próprio Luis Eduar-
do Índio da Costa relata, em seu livro Cartas a um jovem arquiteto (2011), que a sua atuação

lenta e precoce da intimidade com materiais e procedimentos típicos da atividade projetual,


que certamente vieram a forjar as capacidades do renomado designer. Essas são capacidades
habitus deste designer, que não foram exatamente forjadas em um
curso superior, mas muito antes, por meio de sua lenta e precoce socialização elementar, ainda
no âmbito privado da família.

antagonismos estruturais
tensionando o Campo do design

Buscando fornecer uma explicação para o desconforto manifesto pelos integrantes do

-
plo, responsável por organizar, em maior ou menor grau, todo e qualquer campo de produção
simbólica. O mal-estar estar sentido pelos depoentes do documentário pode ser explicado,
assim, pela força deste antagonismo estrutural, e pelo modo como ele incide sobre a realidade
do campo do design.

A oposição em questão diz respeito ao choque entre os interesses e valores materiais,


-
ituais, humanísticos, ambientais, artísticos etc. – de outro, que são professados por diversos
115
agrupamentos e instituições do campo, estruturando assim o espaço social em geral, a exemplo
das conhecidas diferenças entre as razões de ser das instituições bancárias e do mundo empre-

bourdieu: 1996b).

Esta oposição de base, que estrutura o espaço social e o funcionamento das instituições,
se manifesta nos campos de produção simbólica por meio do antagonismo entre os valores e
critérios da indústria cultural, de um lado, e da produção erudita de outro (bourdieu: 2001),
opondo os criadores movidos pela lógica da concorrência (dedicados a atingir o maior público
possível com suas criações) aos criadores empenhados em produzir para os seus pares/concor-
-
nidas no interior de um campo qualquer. Os primeiros seriam, assim, movidos pelo interesse

segundos seriam movidos pela defesa de outros tipos de interesse e valor, forjados no interior
do campo pelos seus próprios agentes.

A formulação dos critérios propriamente eruditos de apreensão e julgamento dos bens


simbólicos (quer sejam peças musicais, obras de arte ou artefatos utilitários), se dá na e pela
atuação de instituições que são reconhecidas socialmente para tanto; este é o caso, por exem-

Museu da Casa Brasileira (que promove o Prêmio Design mCb) ou de diversas revistas espe-
cializadas.

No entanto, no caso do campo do design, o trabalho social de elaboração das regras cultas
de produção, apreensão e valorização dos bens produzidos em seu seio – bem como daqueles
produzidos no contexto da indústria cultural – vem sendo realizado principalmente, e com
intensidade cada vez maior, pelas instituições universitárias, especialmente a partir da consti-
tuição de suas frações intelectualizadas, ligadas à emergência das atividades de pesquisa e pós-

mais intensa nos anos 90. Uma das mais importantes expressões deste processo é a realização
dos Congressos P&D (Congressos de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), que ocorrem
bienalmente desde 1994, e cuja organização temática exprime as diversas direções dos esforços
de seus agentes (os professores e pesquisadores do campo) no sentido de elaborar visões da

A organização temática dos dez Congressos P&D já realizados até então, apresentada no
Anexo, demonstra os esforços da fração universitária do campo para negar o antiintelectua-
-
-
sociando seu engajamento a questões de interesse supra-econômico, tais como a emancipação
e valorização dos indivíduos ou da coletividade, a proteção ambiental e o desenvolvimento/
116
progresso da sociedade. Trata-se de um esforço de superação de um estado anterior do cam-
po, no qual esta prática era considerada por muitos tão mais legítima quanto mais habilidoso
fosse o praticante nas técnicas de projeto de artefatos, tais como, por exemplo, a representação
rendering82, desenho técnico etc), a confecção de modelos tridimensionais
(construção de maquetes, protótipos, modelos funcionais, mock-ups83 etc) ou o domínio de

Conforme demonstra a organização temática dos Congressos P&D, este novo estatuto
-
telectuais e conhecimentos teóricos, que se articulam aos saberes práticos que já eram valori-
zados num estado anterior do campo, condição que se evidencia, no caso desses congressos,
por meio da aceitação, num mesmo e único evento, de artigos que:

1. abordam aspectos tecnológicos/instrumentais da produção de artefatos, tal como


exprimem as categorias “Design, tecnologia, materiais”, “Design, materiais e processos de
fabricação” e “Materiais e processos em design do produto”;

têxtil e de vestuário”, “Design editorial”, “Design informacional”, “Design de interfaces


digitais”, “Design de processos interativos e imersivos”, “Design de jogos”, “Design de
redes”, “Design urbano”, “Design de interiores” e “Design e ambiente construído”84;

3. discutem o impacto concreto dos artefatos e ambientes projetados sobre o homem e o


ambiente, sendo este o caso das categorias “Design e meio ambiente”, “Ecodesign”, “De-
sign e sustentabilidade”, “Ergonomia de produtos”, “Ergonomia de sistemas”, “Ergono-
mia ambiental”, “Design ergonomia e usabilidade”, “Ergonomia informacional”, “Design
para usuários especiais”;

4. apresentam o design não como uma racionalidade voltada apenas ao projeto de novos
artefatos, mas adequada também à gestão dos complexos processos que viabilizam o fun-
cionamento das empresas que produzem e fazem circular no mercado esses artefatos; este
é o caso das categorias “Design e estratégia”, “Gestão em design” e assemelhadas;

5. discutem o design com a linguagem e o arcabouço teórico-metodológico das disciplinas


humanísticas, o que exprime os esforços do campo em busca da elevação do estatuto cul-

83. Estudo volumétrico de um artefato em fase de projeto, destinado a demonstrar apenas as suas proporções em
escala 1:1. Os mock-ups diferem dos protótipos, pois simulam somente as relações volumétricas fundamentais do

117
categorias constituintes da organização temática dos Congressos P&D, e são correlatos:

-
pos temáticos “Pesquisa e teoria em design”, “Teoria e design” e “Fundamentos teóricos”;

sétima edição do evento;

5.3. à promoção da intelectualização do campo, por meio da aproximação com discipli-

ciências humanas e os estudos de linguagem, conforme exprimem os grupos temáticos


intitulados “Design e cultura”, “Design e estética”, “Design e ética”, “Design e estudos de
subjetividade”, “Design e semiótica” e “Comunicação em design”;

do campo às gerações recém-chegadas ou futuras, por meio dos grupos temáticos dedica-
dos ao ensino e às pedagogias de design;

5.5. à formalização/descrição/sistematização dos fundamentos que regem propriamente


as práticas do design, o que se exprime nos grupos temáticos intitulados “Metodologia de
projeto” e “Metodologia de design”;

5.6. à organização dos antecedentes históricos do campo, visando à constituição de uma


tradição ou herança cultural, das quais seus membros atuais seriam os herdeiros, esforço
registrado pelos grupos temáticos dedicados à “História do Design”.

-
riores”, ligados aos campos disciplinares da arquitetura e do urbanismo; é o caso da ligação entre a temática dos
“materiais e processos em design” com alguns sub-campos da engenharia, tais como a engenharia de materiais
ou a engenharia química; também é o caso da ligação entre os projetos para a Internet, design de multimeios, de
interfaces digitais, de processos interativos, de jogos e redes, com os campos disciplinares da informática e das

transdisciplinar mais antiga do campo do design, travada com o campo das engenharias e o campo da psicologia
desde os anos 70 (soares: 2004, 2-3)
118
notas sobre uma relação tensa:
o Campo aCadêmiCo e o merCado

A variedade temática dos Congressos P&D indica não somente a enorme abrangência que

do campo, devido à sua necessidade de estabelecimento de vínculos com tradições estáveis, ca-
pazes de apresentar garantias mínimas de sucesso futuro. Além disso, tal diversidade permite
compreender como o antagonismo estrutural entre os interesses econômicos e os interesses

Uma das características gerais dos campos de bens simbólicos é a dupla verdade de suas
-
tes, design, música, ciência, jornalismo etc.) produz bens dotados, ao mesmo tempo, de um

campo em questão junto aos poderes econômico e político, e também de acordo com o prestí-
gio de seus criadores num determinado momento (bourdieu: 1996a). No campo do design, um
exemplo muito conhecido da dupla verdade dos bens simbólicos e de sua variabilidade são os
artefatos projetados no contexto da escola alemã Bauhaus (1919-1933), que atualmente são
comercializados no circuito de móveis de luxo (e mesmo nas lojas de museus especializados,
como o MoMA-NY), muito embora tenham sido concebidos de acordo com as possibilidades
técnicas oferecidas pela lógica industrial (produção em série a baixos custos) e com o propósito
utópico de atender as demandas da classe trabalhadora internacional, conciliando os domínios
da arte e da vida cotidiana.

A dupla valorização dos bens simbólicos também está na base da valorização social das

Este é um problema que diz respeito à relação estabelecida, a cada momento, e por cada um
dos campos (e por cada um de seus partícipes, individualmente) com as pressões da economia

(prestígio, fama ou reconhecimento acadêmico), possibilidades tais que, por sua vez, estão ins-
critas em cada uma das diferentes práticas e em cada uma das posições ocupadas pelos seus
praticantes.

-
gramas de fomento e de pós-graduação, nas revistas especializadas etc.) E as diferentes respos-
tas institucionais a tais pressões podem ser percebidas em toda e qualquer tomada de posição
-
119
sional, uma crítica desferida por um jornalista contra um designer, uma aula de projeto numa
faculdade, ou mesmo o projeto de um artefato, que pode ser destinado tanto ao atendimento
de uma necessidade humana substantiva (uma cadeira ou uma embalagem mais ergonômicas)
ou de uma necessidade de mercado (uma cadeira com desenho “inovador” ou uma embalagem
que aumente as vendas de um determinado produto, superando a concorrência).

A diversidade e a qualidade das reações do campo do design às pressões da economia pode


ser apreendida por meio da investigação de inúmeras fontes documentais que registram toma-
das de posição (individuais ou institucionais), tais como as revistas especializadas. No presente

do campo do design, por meio da análise da organização temática dos Congressos P&D, bem

bem como os modos de explicitação desta relação, tais como elaborados pelos cientistas do
campo. Na sequência deste texto, serão apresentadas algumas conclusões sobre as propostas
para relação design-mercado, tais como elaboradas dentro do campo acadêmico do design,
sendo essas conclusões obtidas por meio da análise de duas dimensões dos Congressos P&D:
(1). a organização temática de cada uma das dez edições do congresso e, em particular, a varia-
ção entre elas e; (2) os diferentes modos de adesão ao mercado, tais como propostos no âmbito
acadêmico do campo, apreendidos pela análise dos 123 resumos de artigos apresentados na
categoria “Projetos” por ocasião da 9a edição do Congresso P&D (realizada no ano de 2010,
cujos anais já se encontravam publicados quando da realização desta pequisa).

diferentes lugares para o interesse


eConômiCo nos Congressos p&d

As diferenças evidentes na organização temática das várias edições do Congresso P&D


(ver Anexo) sugerem que o caráter instrumental do design em relação ao funcionamento do
mercado foi explicitamente assumido nesse meio acadêmico entre a segunda e a sétima edições
do evento (1994 a 2006), entrando em declínio a partir de sua oitava edição (2008). Nas seis

às categorias “Design e estratégia”, “Gestão em design” e assemelhadas.

Os títulos dos artigos publicados até 2006 sob essas categorias sugerem que as aborda-
gens em questão propõem um ajustamento entre a instância empresarial (geral) e a instância

entre empresários e designers, viabilizando a absorção das contribuições do design pelas em-
presas, apresentadas como estratégias essenciais ao seu funcionamento. Em tais abordagens, o
120
“mundo dos negócios” não é caracterizado como um fator lateral, externo ou eventual à pratica
do design, mas sim como seu elemento central.

Esta abordagem é especialmente evidente nas expressões utilizadas nos títulos dos ar-

valor agregado; fator estratégico; fator de inovação; dinamizador operacional nas empresas;
ferramenta de gestão empresarial; fator de qualidade; diferencial competitivo; gestor de con-
hecimentos; elemento integrador e diferenciador; instância de conciliação entre interesses
empresariais e fatores externos; fator de desenvolvimento; fator de comunicação empresa-
público; instrumento estratégico de promoção de competitividade industrial; fator de imagem
e de valor percebido; ferramenta de integração organizacional.

O artigo Gestão do Design x Designers - entre a teoria e a prática (minuzi e pereira:


2002), publicado nos anais do 5o Congresso P&D, é particularmente representativo desta ideo-
logia. No artigo, as autoras apontam a necessidade de incorporação do design às estratégias
de administração de empresas, dada a superação da resistência geral dos empresários, vigente
na década de 90, e dado o novo paradigma de gestão empresarial imposto pela globalização de

tido como complexo e imprevisível. A necessidade de adesão ao novo paradigma do plane-


jamento estratégico é defendido, pelas autoras, a partir de exemplos de grandes empresas, e
também de países que já implantaram políticas de aproximação entre as duas esferas, como
Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Japão e Finlândia.

Para essas autoras, a associação entre o design e a gestão empresarial promove a redução
de custos de produção, agrega qualidade e valor aos produtos, reduz o tempo de lançamento
de novos produtos e eleva potenciais de mercado e lucro das empresas, sejam elas de pequeno,
médio ou grande porte, sejam dotadas de alta, baixa ou média intensidade tecnológica. Para se
adequar a esse novo paradigma, o artigo defende que o designer deve desenvolver competên-
cias múltiplas – de ordem técnica, gerencial, criativa, social, política etc. – superando a mera
habilidade de pro-jetar objetos, e se capacitando para conduzir a gestão estratégica, que diz
respeito à incorporação do design à cultura corporativa, em favor da inovação e da capacidade

o
diretor de Design é o principal intérprete do rol de operações culturais e sociais que a empre-
sa deve desempenhar para se adaptar e manter sua performance no mercado” e sua ação na
empresa tende a gerar “novos conhecimentos, de ordem coletiva, em cada etapa do processo,
que se transformam em crescimento individual e organizacional” (minuzi e pereira: 2002,
s/p). Para as autoras, a ação do gestor de design

121
se constitui em um veículo criativo, que mantém os produtos coerentes com estratégia da empresa,
exercendo um papel prospectivo de questionamento, de comunicação, de vigilância e observação
com relação à qualidade dos produtos, além de proporcionar a integração dos fatores humanos na
concepção dos novos produtos, entre outros. (MINUZZI e PEREIRA: 2002, s/p)

um ponto de ruptura: mantendo os “negóCios


à parte” no Campo aCadêmiCo do design

Apesar da pertinência do problema empresarial indicada por vários autores aceitos para
publicação em diversos Congressos P&D, a partir de sua oitava edição (2008) não foram mais
-
tigos sobre a relação designer-empresa. Os motivos concretos da eliminação dessas categorias
-
plesmente passado a se dedicar a outros problemas de pesquisa, ou tenham abandonado a
carreira acadêmica, ou ainda, não tenham formado sucessores em seus anos de atuação. Uma
explicação possível do ocultamento (que é apenas aparente) das abordagens mercadológicas
nos Congressos P&D está ligada ao processo de autonomização do campo do design, e às es-
tratégias empreendidas pelos seus membros e instituições com vistas à impor socialmente a

O processo de autonomização de um campo qualquer equivale à construção e à imposição


pública de um conjunto de argumentos articulados que demonstrem à sociedade que deter-
-

em realizar as práticas em si, quanto em criar regras e instituições que assegurem a correta
transmissão de seus ensinamentos e a punição dos maus praticantes. Por isso, um dos traços
essenciais do processo de autonomização de um campo consiste na formulação e na divul-
gação de um conjunto de valores e interesses que se diferenciem claramente dos interesses da

tanto mais autônomo quanto mais consegue impor socialmente valores e regras acerca de suas
-
lógica, bem como princípios de percepção, ordenação e julgamento da realidade que sejam
distintos das propostas mercantis. Além disso, um campo é tanto mais autônomo quanto mais

seus próprios termos, e assim reapresentá-las à sociedade (bourdieu: 2004). Um exemplo da


absorção e retradução das imposições externas ao campo do design é a inclusão dos impera-

dos anos 90 (sChneider, 2010), e que, no caso dos Congressos P&D, se manifesta por meio da
122
nomeação de categorias especialmente dedicadas ao problema, tais como “Design e meio am-
biente”, “Ecodesign”, “Design e sustentabilidade” e “Design sustentável” (ver Anexo).

No caso dos Congressos P&D, a eliminação das categorias temáticas dedicadas explicita-
mente à relação entre o designer e o funcionamento das empresas parece ser, assim, tributária

a adesão do campo do design às regras de funcionamento do campo acadêmico, bem como o


usufruto da respeitabilidade que tal adesão proporciona, exige que os interesses vulgares no

de valores tidos como mais elevados ou nobres, pois o mundo universitário é, em geral, carac-
terizado pelo exercício de interesses de natureza intelectual, distintos dos interesses venais
(bourdieu: 1996b, 2004, 2011).

eliminar as categorias temáticas que explicitam a instrumentalidade comercial do design, a


ambiguidade que caracteriza tais práticas certamente não deixou de existir, assim como suas
potencialidades positivas e não-mercantis não são meros recursos retóricos. Uma síntese da
força desta ambiguidade estrutural é apresentada no artigo intitulado Nova objetividade do
Desenho Industrial: das necessidades sociais às virtualidades do lucro (batista: 2006), pu-
blicado nos anais do 6o Congresso P&D. O artigo apresenta um panorama das tensões do de-
bate institucional do campo, em torno da subserviência dos designers aos imperativos de mer-
cado. Seu autor enumera algumas tomadas de posição de relevo internacional, que se deram
em torno do antagonismo estrutural aqui discutido: de um lado, a subordinação do design ao
funcionamento das empresas e à obtenção de lucros; de outro lado, o atendimento a questões
supra-mercadológicas, supostamente mais nobres ou relevantes.

Um dos destaques da síntese apresentada no artigo é a posição do designer austríaco


Victor Papanek, registrada em seu livro Design for the real world (1971), no qual ele ques-

no atendimento a demandas sociais substantivas, além de propor uma concepção de design


segundo a qual a capacidade de desenvolver projetos é universal e, portanto, inerente a todo
e qualquer indivíduo. Batista salienta que “as ideias de Papanek provocaram efervescência
no meio acadêmico”, tornando-se “referência para projetos alternativos e para correntes de
pensamento ou movimentos de preservação ambiental” (batista: 2006, s/p).

Na mesma linha, o autor do artigo destaca também a realização do X Congresso do In-


ternational Council of Societies of Industrial Design (iCsid), em Moscou (1975), cujo tema foi
Design para o homem e a sociedade, durante o qual os debates sublinharam “a necessidade de
pesquisas, de fundamentação teórica e de levantamento de situações críticas que permitam
que o Desenho Industrial possa contemplar necessidades substantivas”, particularmente em
123
países periféricos, caracterizados pelo atraso tecnológico. Batista aponta que, naquele evento,
“a tônica das discussões recai[u]
sobre mecanismos para “evitar a degradação das condições de vida”, além das “indagações
sobre o papel do Desenho Industrial em países socialistas.” Ainda evocando episódios do
debate internacional, o autor do artigo menciona a realização do simpósio Design for Need,
promovido em 1976 pelo Royal College of Art (Londres), cujo slogan expressa claramete a
denegação do interesse econômico de uma parcela dos membros do campo, bem como a for-
mulação de outros compromissos e interesses de envergadura social e utópica. O slogan em
questão – “Não estamos nisso por dinheiro – estamos nisso pela vida” – expressa, assim, a
tensão estrutural fundamental do campo do design: de um lado, o serviço prestado aos inter-
esses mercantis; de outro, a “vocação social” e o design como “vetor de valores como solidarie-
dade, igualdade, justiça e fraternidade” (batista: 2006, s/p).

A síntese apresentada neste artigo caracteriza os trinta primeiros anos do pós-guer-


ra como o período de vigência de uma agenda não-mercantilista para o design, baseada na

suas práticas, com investimento maciço no desenvolvimento disciplinar da ergonomia e do par

no Estado e suas instituições, pelo esvaziamento da esfera pública e pelo estabelecimento do


mercado como espaço central das dinâmicas sociais. Para o autor, essas transformações na
esfera política e na ordem simbólica coletiva teriam causado a alteração profunda da agenda
do campo do design, deslocando seu interesse de questões supra-mercadológicas e de interesse
público/humanitário para questões de adequação ao funcionamento empresarial e à satisfação
das necessidades objetivas e/ou simbólicas de indivíduos e grupos de procedências culturais
diversas, desde que solventes e/ou lucrativos.

Ele dá como exemplo do posicionamento neoliberal o lema adotado pelo International


Council of Societies of Industrial Design (iCsid) em 1985 – –, segundo o qual
o design é a nova plataforma do lucro; dentro do ideário liberal, “a objetividade e a funcion-
alidade dos projetos está direcionada para a obtenção de lucro”, de maneira que algumas
noções tidas como inerentes à concepção geral de design – funcionalidade, necessidade, utili-
dade etc – não são exatamente superadas, mas subsumidas pelos interesses mercantis.

124
a legitimação do design por meio
da adesão ao Campo aCadêmiCo

Conforme já argumentado, a eliminação das categorias “Gestão em design” ou “Design


e estratégia” da organização temática dos Congressos P&D, a partir de sua oitava edição, é um
indício do movimento, empreendido por parte do campo acadêmico do design, no sentido de

que não apenas os interesses de mercado. Este movimento geral de desconsideração do mundo
econômico, por sua vez, é um traço estruturante do funcionamento de todo e qualquer campo
(arte, ciência, religião, música etc), e dá consistência à luta concorrencial entre seus membros

da denúncia dos comprometimentos mercantis ou das manobras calculistas do adversário”


(bourdieu
declaram desinteressados, e que explicitam continuamente os termos e características de suas

das batalhas discursivas travadas no interior dos campos.

A eliminação das categorias temáticas dos Congressos P&D ligadas ao mundo dos negó-
cios é correlata, portanto, à enfatização de outras potencialidades e dimensões da prática e dos
bens simbólicos oriundos desse campo, a exemplo das categorias dedicadas, nomeadamente,

parece estar em curso ao longo deste jogo de nomeação dos aspectos e dimensões que seriam
próprias do design, tal como levado a cabo nos Congressos P&D, é a construção de uma repu-

1. em primeiro lugar, da denegação da condição instrumental de tais práticas, no que diz


respeito ao funcionamento do mercado;

2. em segundo lugar, da diferenciação do campo do design em relação a outros campos,


-

de seus aspectos, partilhando os demais aspectos com o campo da ciência;

bens gerados no campo do design o estatuto de meros objetos técnicos, cujo valor residiria
bourdieu: 2008b, 147).

A imposição social destas três condições de maneira articulada não poderia ocorrer em
um espaço social qualquer, no qual uma delas corresse o risco de ser relativizada e esvaziada.
Isso explica o fato de que o campo do design tenha encontrado o seu modelo institucional mais
125
envergadura, por exemplo), pois a universidade é um dos espaços sociais mais fortemente
marcados pela denegação do interesse econômico pela maior parte de seus agentes, e pela
-
cos – emancipação e desenvolvimento humano, busca pela verdade, esclarecimento, método,
racionalidade, neutralidade política, crença no progresso etc. – e que se acomodam sob a égide
da ciência.

Por isso, o pertencimento ao universo acadêmico vem sendo apresentado, cada vez com
mais ênfase, como garantia da validade das proposições dos agentes do campo do design, sen-
do que as manifestações deste pertencimento se dão, entre outros indícios, pela obediência às
regras e procedimentos sociais vigentes na instituição universitária (rituais de defesa de tra-
balhos, realização de eventos nos moldes acadêmicos, uso de vestimentas apropriadas, publi-

estilo linguístico predominante nos circuitos acadêmicos. Trata-se, neste último caso, dos usos
-

raridade intelectual (verdadeira ou falsa) de seus locutores, bem como o seu pertencimento a

da capacidade de enuciá-los de maneira verossímil (bourdieu: 2008c).

Dois artigos da amostragem analisada são exemplares dessa operação linguística que visa
Projeto Mímesis: possibili-
dades criativas entre estamparia, design e elementos naturais” que investiga “formas difer-
enciadas de processo criativo em estamparia”, expondo “
explorado tema borboletas, buscando a inovação” e apresentando “as etapas desenvolvidas
a partir de recursos oferecidos por três laboratórios de duas universidades federais, con-
templado as abordagens: natureza, arte e design” (grifos nossos); e do trabalho intitulado “
uso do vidro artesanal como material decorativo e sustentável no design de interiores”, que
“consiste em construir um , baseado nos princípios básicos do design
sustentável utilizando o vidro reciclado artesanalmente como elemento decorativo capaz de
satisfazer os objetivos estéticos e funcionais aplicados ao design de interiores” (grifos nossos).

126
a instrumentalização do design:
em prol do funCionamento sistêmiCo

-
culos entre a racionalidade de tais práticas e as suas contribuições potenciais e efetivas para o
funcionamento do mercado. Uma prova disso são as altas vendagens de uma série de produtos,
em função propriamente de sua aparência, ou do culto à noção de design implicada em sua cir-
culação no mercado, tal como demonstra o sucesso dos computadores e dispositivos da Apple.

O campo acadêmico também apresenta evidências exemplares dessa relação, conforme il-
-
licados na categoria “Projetos”, nos anais do 9o Congresso P&D, que demonstram que, nesse
-

econômico é assumido, no campo do design, por uma grande parte de sua fração acadêmica,
como uma pretensão tão legítima quanto quaisquer outros tipos de interesse que também são
atendidos pelas práticas do designer.

Embora estejam situadas fora de categorias temáticas explicitamente dedicadas à relação

em sua grande maioria, com a complexidade empresarial e, em menor grau, com a cidade e os
-
reto do próprio empresário ou do gestor público, caracterizados como os sujeitos primordiais
dos serviços em questão, e não como intermediários entre uma unidade produtiva (a empresa
ou a prefeitura, por exemplo) e os interesses e necessidades substantivas dos consumidores e
dos citadinos. Segundo tal concepção, o design é uma ferramenta de natureza técnica e empre-
sarial, dotada de valor em si e por si, não sendo mencionadas razões de ordem extra-econômica
para lastrear essa condição.

No limite dessa perspectiva, a própria prática do design é apresentada como uma ativi-
dade de caráter técnico, mercantil e administrativo voltada à perpetuação de si, conforme re-
gistra o artigo “ ”, que se
propõe a “analisar o processo de gestão de projetos, o qual está presente nas relações entre

pontos fortes e oportunidades de melhorias que possam ser utilizadas em outros escritórios
de design.”

Outras expressões dessa abordagem são os artigos enumerados e comentados abaixo,


nos quais os consumidores não são concebidos como sujeitos cujas demandas deveriam ser
127
compreendidas e atendidas pela empresa, mas como “alvos” a serem atingidos, por meio do
mapeamento de suas vulnerabilidades psicológicas, assumidas como plataformas de trabalho
e de ação pelas estratégias do design:

1. “Design de embalagens: caracterização de tendências de consumo e percepção dos consumi-


dores em relação às embalagens de refrigerantes”, artigo que se propõe a “analisar a importância

consumo e percepção dos consumidores”;

2. “
Coca-Cola”, artigo que visa “entender os efeitos do tempo e exposição de consumidores à marca e
como diferentes gerações relacionam-se emocionalmente com a mesma.”

3. “Emoções e experiências: questões da agenda atual do design em projetos para PDV”, arti-
go que aborda a “ ”, examinando “a
importância das emoções e das experiências nas questões que envolvem os projetos de Design,
especialmente na construção das Atmosferas dos Pontos de Venda das empresas de varejo da
atualidade.”

A caracterização do designer como um agente instrumental das empresas ocorre, em al-


guns textos da amostragem, de maneira sutil, sem que sejam feitas alusões diretas ao uni-
verso do consumo. Este é o caso do artigo “Do costureiro ao designer de moda: a evolução
das competências pelo aumento de complexidade da atuação”, que descreve o universo da
produção de moda e vestuário como um sistema dotado de alta complexidade, ao qual somente

“ ”,
voltado a equacionar “o tangível e o intangível, o material e o imaterial, as funções produti-
vas e as de valorização.” Vários outros artigos, tais como os comentados abaixo, repetem essa
valorização da atividade:

1. “Design de Jóias: da arte à produção industrial”, cujo resumo propõe “


áreas de criação joalheira, especialmente no Brasil, como forma de entender o processo criativo
-
”;

2. “ ”, que discute critérios e estratégias


para melhorar a apresentação da informação em revistas de grande circulação, de maneira a au-
mentar a performance desses veículos de imprensa.

empresas também é o foco de artigos que não se implicam textualmente na dinâmica merca-
dológica, mas divulgam, no entanto, produtos apresentados como inovadores e com grande
128
potencial de absorção pelo mercado. Este é o caso do artigo “
estampas para tecido feitas com objetos do universo da costura”, dedicado a apresentar um
“projeto de estampas para tecidos feitas com imagens de objetos do universo da costura”,
estampas tais “que enfatizam os aspectos positivos dos objetos – textura, simbologia e ex-
pressão” com vistas à obtenção de “um conjunto de doze estampas representativas da ampli-
”. Também é o caso de “Brasil vestido de sol”,
artigo que trata da “criação de estampas para têxteis, com base no Chitão - tecido com carac-
” visan-
do a criação de “uma futura coleção de roupas de verão feminina”. É ainda o caso do artigo
“ ” que “apresenta o tema Toy Art, defende-o
como objeto de design e desenvolve a proposta de um produto que contemple as peculiari-
dades deste.”

sistemas, embora não explicitamente ao funcionamento do mercado. São artigos que vinculam
a racionalidade do designer a um funcionamento sistêmico equivalente ao mercado em termos

São exemplos desta visão os artigos: “


do Terminal Integrado do Centro de Florianópolis”; “Criação de mobiliário para sala de ar-
tes a partir da recuperação de móveis e reutilização de materiais” e “
”.

Em tais textos, os sistemas em questão são ligados à manutenção da ordem dos espaços
-
mente em favor de grupos sociais ou do bem-estar da coletividade. Esses são outros interesses
defendidos em abordagens elaboradas no âmbito do campo acadêmico do design, sem que eles
exatamente se contraponham ao caráter instrumental do design, conforme demonstram as
análises a seguir.

a desConsideração do merCado e a primazia do valor de uso

Embora todos os 123 textos analisados tenham sido publicados nos anais do 9o Congresso
P&D sob uma mesma categoria temática – a categoria denominada “Projetos”— suas posições
a respeito da relação design-mercado variam bastante, entre a aceitação tácita desse pressu-
posto (conforme a discussão precedente) e a sua desconsideração, passando por interpretações
que propõem a harmonização entre os interesses mercantis e os valores humanitários, ambi-

129
O agrupamento das tomadas de posição que não incluem o mercado em suas formu-
lações tratam de associar explicitamente as práticas do designer ao atendimento de demandas

-
signer é vinculada ao valor de uso de objetos e sistemas e aos sujeitos portadores de necessi-
dades substantivas de variados matizes. Este é o caso do artigo “Acessibilidade em Sistemas de
”, que apresenta critérios e abordagens para pro-

Também é o caso do artigo “


de inclusão” de “ ” por meio da
“ ”. É ainda o caso do artigo que apresenta o “Projeto
de Troféu realizado pelo curso de Design da UFSC para o Campeonato Catarinense 2010 de
Futebol”, e também do artigo “AJURI, um experimento de interação”, que discute “técnicas de
realidade aumentada e o caráter lúdico dos processos interativos”, que visam “experimentar
novas formas lúdicas de aprendizagem.”

a consideração explícita aos valores de troca dos objetos e sistemas em questão, conforme se
depreende dos exemplos enumerados abaixo:

1. “Desenvolvimento de produto para a realização das manobras de higiene brônquica”;

2. “Jogos de mesa para idosos – análise e considerações sobre o dominó”;

3. “Bicicletas para uso personalizado: recomendações antropométricas”;

4. “Apontamentos de problemas ergonômicos e de usabilidade em sapatilhas de ponta”;

5. “Análise de instruções visuais sobre aplicação de insulina” ;

6. “
conforto do sentar”;

7. “A otimização do uso no desenvolvimento do vestuário para dança de salão”.

Porém, embora os artigos representativos desta concepção não mencionem a instância


do mercado em suas formulações, os artefatos e sistemas apresentados são plenamente assimi-
láveis às dinâmicas mercantis, indicando a dupla verdade das práticas do designer, como for-
mulador da dimensão do valor de uso dos artefatos e, em consequência, do incremento do va-
lor de troca das mercadorias, e que é denominado, em muitos casos, de “valor agregado”. Esta
dualidade se exprime, por exemplo, no artigo “ ,
que apresenta “um móvel prático e diferenciado, agregando valor estético, com uso de cores e
formatos geométricos”. Também está presente no artigo “Análise de interface do produto mi-
cro system”, cuja conclusão é que a maioria dos modelos existentes “exclui parte da população
por exigir um esforço cognitivo alto e conhecimento prévio de terminologias e idiomas es-
130
trangeiros”. Esta ideia está presente ainda no artigo “Escrivaninha com Prateleira Multiuso”,
que descreve “um móvel infantil, de estudo e lazer para crianças (…) onde seu diferencial são
suas diferentes formas de uso, com o objetivo de fazer as crianças se divertirem e ao mesmo
tempo despertar o interesse pelos estudos”. E ainda no artigo “Representações visuais: uma
análise em jogos digitais educacionais”, que buscou “investigar se as representações tra-

dagógico.”

uma harmonização possível: sistemas


efiCientes e desenvolvimento humano

Um terceiro agrupamento de artigos da amostragem analisada sugere que uma das ca-
pacidades fundamentais do designer é a conciliação ou harmonização entre os interesses mer-
cadológicos e os interesses de natureza não-mercantil. Segundo tais to-madas de posição, a
racionalidade do designer é vinculada a um duplo atendimento: de um lado, as demandas do
mercado e do mundo empresarial; de outro, as demandas de ordem social/inclusivista/hu-
manitária, educacional, cultural/identitária, ergonômica, tecnológica, subjetiva/emocional/
psicológica, ambiental e/ou urbana (agrupadas sob a noção de sustentabilidade) etc. São to-
madas de posição que aderem ao mercado, ao mesmo tempo em que propõem intervenções
de diferentes intensidades, visando compatibilizar o atendimento de demandas substantivas
-
mização dos efeitos negativos da produção seriada de bens sobre a sociedade, o indivíduo e o
meio-ambiente.

-
jetual, relativos aos limites dessa harmonização; tais propostas variam de intensidade, desde
intervenções brandas de caráter técnico-reformista, até as intervenções de caráter messiânico,
heróico ou demiúrgico, nas quais as capacidades do designer são apresentadas como essencial-

culturais/sociais, existenciais/emocionais/psicológicos e/ou ambientais. Alguns exemplos


desta ênfase heroicizante são os artigos enumerados e comentados abaixo:

1. “Projetos de iniciativa estudantil e transformação social”, que discute tais possibilidades por
meio da realização de projetos junto a produtores de baixa renda e cooperativas populares, além
de propor o exercício “da sensibilidade social que pode enraizar e se estender cada vez mais na

2. “Slow shopping: Por um consumo mais sustentável”, artigo que busca repensar “os valores
das ações cotidianas, e propõe uma nova estratégia para o consumo de roupas, de forma mais
131
consciente e sustentável” por intermédio da “
produtos no espaço físico” das lojas, de maneira a proporcionar “ao usuário uma experiência
diferenciada, adequada à necessidade atual de otimização de recursos e negócios sustentáveis no
âmbito econômico, ecológico e, principalmente, social”.

3. “‘
têxteis”; trata-se de um artigo que propõe “alternativas sustentáveis e criativas para o destino
de resíduos têxteis” por meio da “união entre o design, o patrimônio cultural do artesanato e o

4. “Design sustentável aplicado à decoração de Natal do Shopping Popular de Curitiba”, artigo


que apresenta “
importância, métodos e resultados” por meio de “uma metodologia baseada em questões sociais,
”;

5. “Desenvolvimento de produtos sustentáveis para produção em comunidade de baixa renda”,


artigo que discute sobre “o design para sustentabilidade voltado para geração de trabalho e ren-
da de forma não assistencialista”;

6. , artigo que faz “ -


mento de pequenas comunidades (…), discutindo como as recomendações e as diretrizes globais
da sustentabilidade podem ser aplicadas a um contexto local e como as experiências de comuni-
dades criativas locais podem ser compartilhadas para ampliar o conhecimento sobre a relação
entre design e sustentabilidade em um contexto global”;

7. “Eco-design e embalagens artesanais: uma experiência com foco na geração de renda”; trata-

design – cujo objetivo principal é “ -


do “atingir o desenvolvimento sustentável” e ainda – nesse caso – promover a inserção econômica
de um grupo de mulheres, embora o resumo enfatize abordagens produto-centradas, por meio da

do grupo, e aperfeiçoamento das técnicas de produção”;

8. “Pedra São Thomé: valorização regional por meio da revitalização da paisa-gem e da identi-
dade cultural”; trata-se de um artigo baseado na ideia de que o design é uma “área abrangente,
de caráter generalista e humanizador, [e] pode ser considerado elemento de mediação, na busca
pelo atendimento das neces-sidades dos diferentes atores envolvidos”; a intervenção em debate
no artigo propôs “agregar valor à região [de São Thomé das Letras] por meio da revitalização
da paisagem e da re-apropriação da identidade local, por intermédio do desenvolvimento da
“marca São Thomé”;
132
Todos os artigos deste agrupamento, que perfazem a maior parte da amostragem anali-
-
pazes de minimizar, neutralizar ou até mesmo reverter os malefícios dos meios de produção
industriais e do consumismo exacerbado. Por isso, essas tomadas de posição não recusam os
imperativos de mercado, mas tratam de absorvê-los e subsumí-los, incorporando-os ao con-
junto geral de questões das quais se ocupa o designer, sendo este o elo de ligação entre todas as
tomadas de posição em questão.

No que diz respeito aos interesses e demandas de natureza não-empresarial e não-mer-


-
signer, a amostragem de resumos apresenta uma enorme variedade, sendo os sujeitos destina-
tários da ação projetual apresentados, mesmo que implicitamente, de acordo com diferentes
estatutos:

1. ora como consumidores, a serem atendidos no contexto do mercado, e portanto, con-


siderados ao mesmo tempo em sua capacidade de solvência e em suas necessidades e desejos,
sendo organizados em nichos de mercado de acordo com faixa etária, preferências esportivas,
demandas psicológicas e simbólico-identitárias, características corporais etc. Alguns exemplos
deste estatuto são os artigos comentados a seguir:

1.1. “Inovação: o processo de desenvolvimento de uma prancha de wake-skate”, artigo que apre-
senta “dados que norteiem o desenvolvimento de um artigo esportivo para este nicho: uma pran-
cha de wakeskate. Tendo em vista que ferramentas como o design são essenciais na construção
de produtos inovadores”;

1.2. “Embalagem de biscoito wafer para o público infantil”, artigo que propõe “uma embalagem
mais lúdica e reaproveitável” diante da constatação de que “a embalagem de biscoitos wafer
visando o público infantil possui um padrão de mercado com pouca diversidade”;

1.3. “Brechó e Moda: uma alternativa de projeto para substituir o processo de garimpo de peças
do vestuário”, artigo que propõe o atendimento a consumidores de vestuário cujos anseios são,
muitas vezes, negligenciados pela indústria;

1.4. “Brincando com a roupa: um estudo sobre o público infantil e a compreensão das roupas
que atuam como brinquedo”, artigo que coloca em primeiro plano a preocupação com o lúdico e o
desenvolvimento infantil, ao propor fundamentos para a criação de roupas infantis que atendam a

1.5.“ ”: artigo que apresenta os fundamentos


para o desenvolvimento de livros ilustrados, visando a exploração de um nicho de mercado infan-
til, tendo como fundamento o estímulo da criatividade infantil “por meio de sensações diversas”;

133
2. ora propriamente como usuários, considerados individualmente ou em grupos, a partir
de suas necessidades e desejos substantivos, sem que estes sejam vinculados ao mercado, tal
como ilustram os artigos enumerados e comentados a seguir:

2.1. -
, artigo que “apresenta o projeto de um equipamento residen-
cial para musculação, visando atender um público que possui interesse na prática de atividades
físicas como forma de lazer”;

2.2. “Projeto de produto para o desenvolvimento da criança: um estudo de caso”, artigo que “elu-
cida a contribuição que os produtos podem oferecer ao desenvolvimento das crianças como in-
divíduos, bem como etapas julgadas pertinentes à concepção de um projeto de produto sob o
mesmo enfoque.” Promove a correlação entre “a teoria do desenvolvimento infantil e da aprendi-
;

2.3. “ ”, artigo
que salienta “o papel do design de moda para a o desenvolvimento de produto que atendam as
necessidades deste público e melhore sua relação com a moda”;

2.4. “Análise ergonômica e microbiológica da latinha de alumínio”, artigo que apresenta critérios
de redesenho “de uma lata de alumínio para bebidas cabonatadas” que atendam requisitos er-
gonômicos e de higiene;

2.5. “Preocupações projetuais de conservação e uso para bebedouros públicos do tipo coluna”, ar-
tigo que visa “estabelecer padrões de conservação” para “orientar o desenvolvimento de produtos
higiênicos e econômicos.”

3. ora como trabalhadores, considerados e atendidos na medida de uma suposta me-


lhoria da sua infraestrutura de trabalho, tal como defende o artigo intitulado “A luz além da
”, que
na saúde e no bem-estar de
funcionárias de lojas de rua e de shopping centers”, “corroborando a hipótese de que ele está
inadequado para atender aos requisitos de saúde e bem-estar das trabalhadoras lojas e que
as estratégias de lighting design precisam ser revisadas.”

4. no limite, os sujeitos aos quais potencialmente se destinam as ações do designer se


confudem com a própria humanidade, na medida em que as ações de projeto são virtualmente
capazes de criar mecanismos protetores do meio-ambiente, bem como de incentivar estilos de
vida supostamente mais sustentáveis e “corretos”, garantindo o bem-estar e as condições de
vida desta e das futuras gerações. No que diz respeito ao atendimento das demandas simbóli-
cas dos indivíduos, é possível dizer ainda que a sustentabilidade é apresentada como um apelo
134
emocional daqueles que se dizem adeptos de modali-dades de consumo tidas como ambien-
talmente corretas, o que confere o estatuto triplo de valor de uso, valor de consumo e valor
agregado ao interesse ambiental e aos produtos projetados com esta ênfase. Os resumos co-
mentados abaixo evidenciam essas valorizações:

4.1. “ ”,
artigo que propõe a inclusão da sustentabilidade entre os critérios a serem atendidos num projeto
de equipamento para camping;

4.2. “Resíduo de madeira: limites e possibilidades de seu uso como matéria-prima alternativa”,
artigo que busca a “valorização do uso do resíduo de eucalipto produzido em diversas fases do
ciclo de vida da atividade madeireira, incluindo o desdobro da madeira, a fabricação dos produ-
tos e seu pós-uso”;

4.3. “ -
seridas”, “pesquisa [que]
em sua complexidade e na rede interconectada de fatores, de modo a facilitar um melhor plane-
jamento de embalagens para produtos da numa futura sociedade sustentável.”

No que diz respeito aos resultados propriamente materiais dos projetos de design, o con-
-

primórdios da organização institucional do campo, quando a prática do design girava em torno


da projetação de artefatos para viabilizar sua reprodução no sistema de fábrica, e tal como

noções indeléveis, tais como “espaço” e “edifício”.

Em lugar disso, as práticas do designer vêm sendo cada vez mais associadas à manipu-

produção de bens materiais, bem como de sua circulação, de seu uso/consumo e das possibi-
lidades de simbolização desses bens por parte de seus usuários, consumidores, das empresas
concorrentes e da sociedade em geral.

universo da produção/troca/uso/consumo/simbolização/descarte/desmontagem/reciclagem
de bens, o trabalho do designer diz respeito a um “fazer bem feito”, fazer este que pode incidir
-
das à diagramação de um jornal, ao projeto de um brinquedo, de um automóvel, de um equi-

ou remédio, de um móvel, de um livro infantil, de equipamentos tecnológicos ou urbanos, de


135
esquadrias pré-fabricadas, de sapatos, roupas e/ou jóias, de uma interface de atendimento
eletrônico bancário, da iluminação de um ambiente e até mesmo de armas e equipamentos de

sobre a heteronomia
estrutural do Campo do design

Em sua obra Razões práticas sobre a teoria da ação (1996) Bourdieu discute o funciona-
mento das economias de bens simbólicos, argumentando que elas são movidas duplamente,
por interesses de natureza econômica e, ao mesmo tempo, pela circulação de interesses e lu-
cros de natureza não-econômica, cujos termos são formulados no âmbito dos diversos campos
de produção simbólica.

Ele argumenta que, no entanto, ao contrário do que ocorre na economia vul-gar, nas eco-
-
tes, bem como a explicitação do valor econômico dos bens simbólicos produzidos num campo
qualquer, são capazes de vulgarizar – e mesmo de anular – a raridade tanto do trabalho dos
produtores quanto das obras, ao reduzir a um valor venal o valor de coisas que são tão raras
-
dem a não se apresentar (nem mesmo a si próprios) movidos pelo interesse declarado nos lu-
cros econômicos advindos de suas práticas, mas sim em nome dos princípios do campo ao qual
estão vinculados, e que são supostamente mais nobres que os interesses econômicos, sendo
esses princípios de natureza cultural/artística (caso dos campos das artes plásticas, da música,

do design) ou espiritual (caso do campo religioso).

Este é um funcionamento geral das economias de bens simbólicos que não se dá, no en-

possível aos seus agentes que atuem apenas “em nome da arte”, sem a obrigação compulsória
de atender a demandas explicitadas por uma clientela. Isto não é possível no campo do de-
sign, antes de mais nada, porque ele foi sendo instituído justamente na medida em que foi se
descolando do próprio campo artístico, ao assumir que uma de suas razões de ser era dotar os
bens produzidos industrialmente de um valor estético mais elevado, visando a conquista de um

da produção industrial (Cardoso: 1999).

-
damentos mais importantes a sua própria instrumentalidade e, assim, a impossibilidade es-
136
trutural de se constituir como um campo plenamente autônomo, sob o risco de elidir uma das
noções chave que dá sustentação ao campo: a noção de “usuário”, este senhor e soberano in-
-
divíduo, com o empresário, com o “público-alvo” ou um nicho de mercado, ou, no limite, com
a humanidade em geral, no caso dos projetos cujo ponto central é a noção de sustentabilidade.

Qual teria sido a razão, então, para que a doutrina que sustenta as práticas do campo
do design passasse a valorizar prioritariamente os interesses dos chamados “usuários”, para
além da conquista de novos mercados, e de uma tal maneira multifacetada, superestimada em
algumas formulações, e tão alheias ao mercado em outras? Essa é uma explicação que exige a
exposição de duas hipóteses em paralelo: uma delas está ligada aos usos sociais dos bens sim-
bólicos em geral na manutenção das diferenças entre as classes sociais, e será desenvolvida no
último capítulo desta tese. A outra hipótese diz respeito ao próprio processo de autonomização
do campo do design, de maneira a caracterizá-lo como um espaço social com regras e saberes

com as competências de práticas análogas (como é o caso da arquitetura e das artes) e nem
permaneçam subservientes aos interesses econômicos aos quais efetivamente atendem.

Se as práticas do design tivessem se desenvolvido apenas de acordo com os imperativos

e heteronomia seriam tão escorchantes, que não seria possível falar em campo: tratar-se-ia

funcionamento vulgar da economia.

No entanto, sabe-se que um artefato bem projetado pode, efetivamente, atender a deman-
das substantivas que escapam à reprodução de capital, sendo este um aspecto dos projetos que
é tão pregnante e consistente quanto sua instrumentalidade ao mercado. Assim, o desenvolvi-
mento de uma doutrina dentro da qual as noções de “usuário”, “uso”, “necessidade” e “utili-

lógico da constituição deste campo, especialmente para diferenciar as práticas do designer das
práticas do artista, cujos produtos bastam em si e por si mesmos, de acordo com a doutrina do
campo artístico.

O investimento intelectual dos membros do campo do design é destinado, assim, a impor

a um só tempo, ao atendimento dos imperativos do mercado e do funcionamento empresarial


e econômico – o que lhe confere um caráter instrumental – e ao atendimento de demandas
humanas, sociais, ambientais, afetivas etc. – o que neutraliza a instrumentalidade primeira,
gerando um paradoxo, segundo o qual, o campo do design é tanto mais autônomo quanto mais
heterônomas são suas práticas pontuais, e quanto mais seus agentes se especializam em inter-
pretar e atender às necessidades e interesses de um outro, sejam tais demandas de natureza
econômica ou não.
137
Capítulo 5 – ConClusão
ajustes e desajustes no Campo do design:
entre o bem Comum, o bem-estar e a estratifiCação soCial

A ideia de que o designer é um agente social dotado de instrumentos intelectuais e esque-


mas de ação e percepção naturalmente destinados à promoção de benefícios sociais é tanto
mais forte quanto mais são colocadas em segundo plano as condições concretas nas quais ac-
ontecem as práticas efetivas de projeto –principalmente aquelas relativas ao contexto do mer-
cado e do mundo empresarial –, quanto mais são desconsideradas as circunstâncias históricas
-
-
tamente características dos designers e seus incentivadores.

As práticas editoriais da revista Arc Design85 constituem um exemplo relevante das opera-
ções atualmente empreendidas, que se destinam a manter a crença de que a ação do designer é

atividade como essencialmente dotada de potencialidades altruístas, salvacionistas e demiúr-


gicas, em particular no que diz respeito ao futuro e à ecologia, além de ser a agenciadora da
recuperação de uma raiz cultural brasileira supostamente genuína. Vários de seus editoriais
conferem ao design o estatuto de expressão cultural por excelência (em sua acepção mais ele-
vada), em detrimento, por exemplo, das questões de mercado, sugerindo que há uma eticidade
e uma nobreza cultural intrínsecas tanto às práticas do design quanto às práticas editoriais da
própria revista. Conforme se lê no editorial de n. 44 (set-out, 2008), a revista Arc se declara
uma publicação que “surgiu diferente, sem acreditar que apenas a economia seja a mola do
mundo. Há muito mais que nos incita e estimula a buscar a raiz dos fatos, a desvelar o ainda
não pensando.”86 Por isso, as principais análises e designs publicados em suas páginas não são
discutidos explicitamente em termos comerciais ou de vantagens competitivas, mas sim em
termos de inovação, riqueza cultural e “utopias plausíveis”. Tais utopias, por sua vez, dizem
respeito a três grandes temáticas pautadas pela revista: o futuro da humanidade, a salvação do
planeta e a identidade cultural brasileira.

A temática da identidade cultural é tratada pela revista Arc por meio da publicação de uma
série de matérias que enfocam o trabalho de designers e instituições junto a comunidades de
artesãos, cujo resultado são artefatos supostamente expressivos das raízes ancestrais e míticas

85. Revista especializada em design, publicada desde 1997.

86. revista arC design: editorial n. 44, setembro-outubro de 2004.


138
da cultura brasileira. A revista trata de celebrizar, assim, uma “estética brasileira [que está]
ganhando o mundo (…) resgatando, palmo a palmo, um mundo mágico – brasileiro”87, ao
fazer o elogio de uma identidade cultural supostamente original e pura, tendo em vista, por

de um elevado grau de eticidade. Conforme se lê no editorial n. 26, a revista Arc não aborda a
produção artesanal “
mas do artesanato capaz de agregar valor ao projeto, ao design brasileiro (…) no qual a in-
terferência do designer é respeitosa e sutil.”88

As outras duas temáticas frequentes nas páginas da publicação dizem respeito a uma ética
pública, universal e trans-histórica, e que seria supostamente característica do plano mais abs-
trato e profundo das práticas do designer. Trata-se da defesa do meio ambiente e do futuro da
humanidade, o que se expressa por meio de artigos em defesa da sustentabilidade, quer seja
das cidades, do planeta ou dos hábitos corriqueiros do homem comum, por meio da projetação
de artefatos e sistemas de maneira ecologicamente responsável. Os designs apresentados pela
revista Arc não seriam, assim, apenas exemplares de boa forma ou de relevância cultural, mas
estariam ligados à própria sobrevivência da humanidade, conforme a interpelação dirigida aos
designers no editorial de n. 03: “Estará no design a única possível salvação do planeta?”89. De
acordo com esse entendimento, os designers seriam “os grandes responsáveis pela saúde do
planeta e pela melhoria de nossa qualidade de vida.”90

Algumas páginas da revista Arc Design, que ilustram as tomadas de posição da


publicação sobre os destinos demiúrgicos do designer contemporâneo.

87. revista arC design: editorial n. 40, janeiro-fevereiro de 2005.

88. revista arC design: editorial n. 26.

89. revista arC design: editorial n. 03, janeiro-fevereiro de 1998.

90. revista arC design: editorial n. 42, maio-junho de 2005.


139
Mais algumas páginas da revista Arc Design, que exprimem
a visão da publicação sobre as supostas virtudes do design.

No âmbito do campo acadêmico, a validação intelectual e nobiliárquica das práticas em


questão se dá por meio da formulação de arcabouços teóricos destinados, também, a associá-
las a valores dotados de nobreza humanitária, sejam eles ligados à defesa do meio-ambiente e
à construção de um mundo sustentável, à melhoria do desenho dos postos de trabalho (de ma-
neira a proteger a integridade física e mental dos trabalhadores) ou ao reconhecimento geral
da legitimidade de toda e qualquer demanda humana que possa, porventura, ser atendida pe-

junto aos indivíduos ou à coletividade, por meio da projetação do entorno material de acordo
com critérios supostamente mais adequados, da manipulação supostamente mais sensata dos

uma compreensão generosa e apurada das particularidades, anseios, demandas e desejos dos

de “usuários”.

Duas abordagens teóricas, que vêm sendo alvo dos esforços intelectuais de pesquisadores
brasileiros nas três últimas décadas, são especialmente representativas deste movimento de
140
valorização do usuário: o Design Emocional e o Design Social. Ambas tratam de apresentar
pressupostos norteadores para a ação dos designers, de maneira a romper com os supostos
tecnicismo e onipotência atribuídos à doutrina modernista, valorizando, assim, a cidadania e a

De acordo com fontoura e zaCar (2008), o Design Emocional é um campo disciplinar


referido à “ligação afetiva entre as pessoas e os objetos”, e cuja problemática de base é a con-
statação de que os objetos podem causar emoções nas pessoas, mobilizando suas condições
afetivas em prol de algum tipo de ação, por meio do acionamento de três níveis do funciona-

acordo com os autores,

usuário com o objeto, envolvendo seu processo de compra, exposição e uso. Já o nível comporta-

funcionalidade, e é vastamente abordado em projetos com foco em usabilidade. O nível visceral,


por sua vez, é de impacto rápido, por vezes imediato e pré-consciente, e relaciona-se à primeira im-
pressão causada pelo produto, à sua aparência, toque e sensação. Está ligado às emoções primárias
e às pre-ferências universais, referentes às programações primitivas do cérebro. Essas preferên-
cias englobam padrões de formas, cores, sons e sensações que provocam uma reação visceral sobre
o observador. (fontoura e zaCar: 2008, s/p)

damazio e menezes (2008), por sua vez, esclarecem que a área de concentração em Design
& Emoção é vinculada à obra de Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Rochberg-Halton, pensa-

da qual as autoras propõem a hipótese de “que a relação afetiva das pessoas com seus objetos
pode estender a vida útil dos produtos, retardar seu descarte e sua substituição” (damazio
e menezes
indivíduos com seus objetos é capaz de refrear os ímpetos de consumo e diminuir a suposta
produção de lixo que é, em geral, oriunda do descarte de artefatos cuja utilidade se esgotou.
Seguindo esta linha, damazio, dal bianCo, lima e menezes (2008) defendem a ideia de que
o designer deve projetar objetos “com foco na promoção de sentimentos positivos e condu-
tas socialmente responsáveis -
os objetos não existem fora das
”, “elos entre as pessoas”,
“testemunhas de nossas vivências” e “podem até mesmo ser os atores principais de nossas
experiências.” Em nome desses ideais, as autoras tratam de difundir uma prática desenvolvida
na puC-Rio, denominada Design em Parceria, que “consiste no envolvimento ativo do usuário
em praticamente todas as etapas do processo projetual”, de maneira a aproximar designer
e usuário, viabilizando a construção de objetos supostamente impregnados de um sentido de
141
co-autoria e de emoções potenciais, pelo fato de sua gênese ter sido compartilhada. damazio e
lima (2008) também contribuem para a construção deste arcabouço teórico, ao argumentarem
que “algumas marcas se tornam queridas”, lembrando que,

de acordo com grande parte dos adeptos da abordagem do Design & Emoção, os produ-tos do
Design têm ‘competência emocional’ e desencadeiam emoções e sentimentos de intensidades vari-
adas em seus usuários, são mediadores das ações da nossa vida cotidiana, elos entre as pessoas e
testemunhas de nossas vivências. (damazio e lima 2008, s/p)

As autoras apresentam um aporte teórico vinculado à Antropologia, escolha baseada no


pressuposto de que “ -
fera social, e de que as marcas não existem fora das relações sociais”. Além disso, as autoras
apresentam uma dinâmica discutida na , desenvolvida
por professores da Loughborough University, baseada na premissa de que “os produtos são
símbolos da identidade de seus usuários, uma vez que são lembranças constantes de quem
essas pessoas são, de suas atividades e de sua história.” A dinâmica discutida pelas autoras
brasileiras diz respeito à investigação conduzida pelos pesquisadores ingleses, cujo objetivo
era “ajudar os estudantes a explorar o relacionamento emocional entre usuários e produtos”
de maneria a fazê-los obter subsídios para o desenho de novos produtos supostamente aptos
a desencadear emoções em seus usuários, diante da compreensão de que o designer deve se
empenhar em projetar “experiências”, e não meros produtos funcionais.

queiroz, Cardoso e gontijo (2008) também partem do pressuposto de que existem


“múltiplas relações entre usuários e objetos, entre eles, a relação emocional entre sujeitos e
objetos -
ham Moles, para quem um objeto é “um elemento do mundo exterior fabricado pelo homem
e que este pode segurar e manipular”, e defendem a ideia de que o designer deve se valer dos
estudos em Design Emocional para projetar “produtos que afetem o usuário de modo positivo
e despertem o prazer de ter e de usar determinado objeto.” No artigo em questão, são discuti-
das duas diferentes categorias de objetos (utilitário e estético) bem como diferentes categorias

autoras defendem o desenvolvimento de mecanismos que possibilitem aos designers mapear

obter subsídios para os projetos.

Enquanto a abordagem do Design Emocional concentra sua discussão na relação afe-


tiva entre indivíduos e os objetos de sua posse ou uso, a abordagem do Design Social se desloca
dos objetos para as relações entre os sujeitos partícipes do processo geral do projeto. No artigo
(Um brilho nos olhos das pessoas) paCheCo e toledo (2012) apre-
142
sentam os antecedentes e desdobramentos da abordagem metodológica do Design Social, es-
clarecendo que ela teve origem nos anos 70, a partir de discussões sobre co-criação, co-autoria,
criação coletiva e design participativo, fruto da crítica a metodologias conhecidas como user-
centered design (projeto centrado no usuário), marcadas pela não-participação dos usuários

com os autores, o Design Social teria surgido como uma alternativa a tais abordagens, sendo
um de seus principais alicerces a inclusão dos usuários nas decisões de projeto. Os autores
explicam que, no contexto europeu, a ascensão desta abordagem deu-se em função do estrei-
tamento de laços colaborativos entre as indústrias e as universidades, o que teria promovido

empresas por projetistas mais afeitos ao trabalho colaborativo.

No que diz respeito ao contexto nacional, os autores localizam o desenvolvimento do De-


sign Social na PuC-Rio, no início dos anos 80, a partir da atuação de Ana Maria Branco e José
Luiz Ripper91, que tratavam então de questionar “o lugar ocupado pelo mercado nas práticas
de ensino de projeto” (paCheCo e toledo: 2012, 91), bem como questionavam a adequação das

considerarem tais metodologias oriundas de realidades estranhas às “condições brasileiras”.


De acordo com os autores, o Design Social foi implantado no contexto brasileiro como uma me-
todologia educacional destinada a proporcionar aos alunos “uma verdadeira interação com a
sociedade”, mediante o incentivo do engajamento desses últimos em “pequenas comunidades”
e em “situações da vida real”, nas quais os problemas de projeto não fossem simulações labora-
toriais e abstratas e nem oriundos ou tributários de questões técnicas da produção industrial.

de novas possibilidades e “mundos potenciais”, mediante o relacionamento intenso e verda-


deiro com comunidades e indivíduos, a partir do qual o projeto viria a emergir.

Pacheco e Toledo lembram que a denominação Design Social é, muitas vezes, mal com-
preendida e confundida com assistência social, o que levou seus formuladores a adotar a no-
menclatura Design Coletivo e, posteriormente, Living Design, sendo esta uma expressão que
atualmente dá nome ao Laboratório de Investigação em Living Design, no Departamento de
Artes e Design da PuC-Rio, e que é coordenado pelo professor Ripper. No que diz respeito ao
funcionamento desta metodologia de ensino de projeto, os autores esclarecem que ela se dá
mediante o incentivo aos alunos para que procurem um grupo social fora do contexto univer-
sitário, com o qual deverão criar laços, visando o “desenvolvimento de um projeto de design
’” (paCheCo e toledo: 2012, 91). A partir da formação de tal laço, os estudantes

interlocutor, indivíduo pertencente ao contexto e eleito como especialista em suas questões

91. Ambos professores do curso de graduação em Desenho Industrial daquela instituição.


143
como o aprendizado dos procedimentos projetuais, resultariam assim da relação dinâmica en-
tre estudantes e interlocutores, tendo em vista a motivação intrínseca destes últimos, bem
como sua cultura, valores, recursos e demais considerações pertinentes. De acordo com os pre-

valorizados na compreensão do contexto são aqueles de caráter positivo (e não as “carências”


ou “problemas” em jogo), tais como as ações permeadas pelo entusiasmo (“joyful actions”) e,
sobretudo, as ações concretas dos partícipes, e não apenas as declarações obtidas pelos alunos
por meio de entrevistas. Ainda de acordo com os autores, os estudantes são incentivados a

pessoas engajadas, portadoras de um metafórico “brilho nos olhos”, suposta força motriz das
ações concretas em processo, na direção das quais deve se dirigir a investigação dos alunos.
O projeto deve se dar, assim, no contexto de ações entusiasmadas e que sejam preexistentes à
presença dos estudantes, de maneira que a intervenção projetual destes últimos aconteça em

potenciais.

Mais esclarecimentos sobre o Design Social são prestados pela pesquisadora Zoy Anas-
tassakis, no artigo Design em contexto: algumas considerações sobre o ensino de design no
Brasil (2012). Neste artigo, a autora também apresenta a gênese do Design Social, explicando
que seus formuladores se viam insatisfeitos com a dinâmica pedagógica excessivamente cen-
trada na relação professor-aluno. Como solução, Anastassakis relata que os professores Rip-
per e Branco (já mencionados) formularam uma metodologia que consiste em “transformar
o sujeito para quem se projeta em alguém com quem se projeta, em um parceiro de projeto”,
combatendo, desta maneira, práticas de ensino de projeto que julgavam girar em torno de situ-
-
forme aponta Anastassakis, o fundamento principal da metodologia do Design Social reside
na integração do designer com o contexto no qual ele atua. Segundo esta abordagem, o efetivo
ensino de projeto só é possível a partir de plataformas externas à universidade, em situações

do projeto ocorra de acordo com o diálogo efetivo instalado entre esses parceiros e o projetista.
Por isso, a sustentação teórica do Design Social é dada principalmente por autores ligados à
Antropologia – Bronislaw Malinowski, Willian Foote-Whyte, Roberto Cardoso de Oliveira –,
bem como por técnicas típicas da pesquisa antropólogica – nomeadamente, a pesquisa et-
busca-se sensibilizar os alunos,
que acabam de ingressar na universidade, para as questões da cultura, dos contextos, das
identidades, da alteridade e da diversidade cultural” (anastassakis: 2012, s/p).

Neste mesmo artigo, a autora esclarece que, no Brasil, o Design Social é uma reação a uma
suposta hegemonia do paradigma disseminado pela Escola Superior de Desenho Industrial
144
(esdi) desde os anos 70. De acordo com Anastassakis, este paradigma teria como característica

dos pressupostos norteadores da educação dos designers. A crítica desferida à esdi pela autora
se assenta em duas premissas centrais:

1. a ideia de que a escola carioca teria implantado e disseminado pelo Brasil, de maneira
direta, ditatorial e calculada, uma gramática visual dita “germânica”, com vistas a impor
uma certa hegemonia que, por sua vez, seria a causadora de uma suposta crise posterior
na identidade do design brasileiro. Este paradigma estético, dito “germânico”, teria sido
formulado, por sua vez, na Escola de Ulm (Alemanha, 1953-1968), sendo ligado a um
contexto cultural também dito “germânico”, e que seria, portanto, estranho ao Brasil e
completamente inadequado ao país;

2. a ideia de que as imposições esdianas seriam dotadas de uma tal força institucional
que teriam sido capazes, por si próprias, de paralisar quaisquer formulações alternativas
(muito embora a própria autora apresente, em seu artigo, o legado intelectual de Lina Bo
Bardi e da Escola de Desenho Industrial e Artesanato, planejada pela arquiteta na mesma
época de implantação da esdi, e que jamais funcionou devido à intervenção do governo
militar).

A compreensão dessa autora é compartilhada com o designer e professor João de Souza


Leite, tal como registra o artigo de sua lavra, intitulado De costas para o Brasil: o ensino de um
design internacionalista (2008), no qual atribui ao modelo esdiano um suposto desentendi-
-
oca foi responsável pela implantação autoritária de uma “matriz alemã vitoriosa” cujo maior
dano foi a “adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às
características da cultura brasileira” (leite: 2008, 253). O autor lamenta que o designer for-
mado no paradigma esdiano seja “arrogante, portador de uma voz detentora de um pretenso
conhecimento a respeito de como o moderno deveria se constituir, independentemente do
contexto no qual estivesse operando” (leite: 2008, 253-254).

Em sua visão, a esdi


quais o autor, no entanto, não tece nenhum esclarecimento), tendo sido uma escola autori-
tária, que “pretendeu constituir-se como a escola de design moderno no país, não uma escola
de design em sentido mais amplo” (leite: 2008, 259, grifo do autor), e tendo se dedicado a um
país que existe apenas na fantasia da instituição: “um Brasil em abstrato, condizente com a
idéia de um não lugar em um não-tempo (…) autodenominado-se paradigma único do design
no país” (leite: 2008, 277-279).
145
O autor lamenta ainda o fato de a esdi ter adotado “uma versão do mito bauhausiano
parcialmente transformado em totem funcionalista, provido de intensa coerção formal alicer-
çada em uma coibida razão crítica e investigativa” (leite: 2008, 277). Para João Leite, a Escola
de Ulm – modelo que deu origem à esdi – estaria na origem dos percalços enfrentados mais
tarde no âmbito da cultura brasileira, na medida em que aquela escola teria disseminado um
estilo cultural-mente estéril, visando “eliminar o ‘mau gosto’ pela imposição de rígidas regras
formais” (leite: 2008, 273), que expressavam a arrogância de uma visão de mundo moderni-
zante, universalista e negativamente utópica, sendo, por isso mesmo, “alheia às circunstâncias
contextualizadoras” (leite: 2008, 266). Na visão do autor, as duas escolas seriam, por essas
razões, responsáveis por uma suposta falência do atual ensino brasileiro de design, conforme
registra o excerto abaixo:

Entramos no século XXI com a cópia mal operada da estrutura de ensino adotada no pós-guerra,
carregando ainda parte da prática pedagógica dos anos 20, e, sobretudo, seguindo a matriz do de-
sign europeu de origem alemã, portanto oriunda de uma realidade muito distante da nossa (leite:
2008, 277).

Em sua pesquisa de doutorado, Ethel Leon (2013) sugere que as acusações de autorita-
rismo e desconhecimento de nosso legado cultural, perpetradas à esdi a partir dos anos 90, são
um aspecto da luta concorrencial do campo, sendo explicadas, em parte, pelo enfraquecimento
real do mercado de trabalho dos designers brasileiros, em função da queda das barreiras al-
fandegárias aos produtos importados, bem como pela entrada de multinacionais no mercado
-
nais ao “design de autor”, cujo trabalho se caracteriza pelas pequenas tiragens, pela relativa
indepedência dos meios de produção industriais, pelo investimento prioritário nos aspectos
simbólicos/artísticos das formas dos objetos (em detrimento dos aspectos funcionais) e pelo
atendimento de segmentos da sociedade interessados em artefatos de luxo e em seu potencial
ornamental/decorativo/distintivo. A ideia de “design de autor” seria, então, completamente
incompatível com o ideário moderno disseminado pela esdi
trajetória do campo. De acordo com essa perspectiva, a esdi estaria cumprindo o papel de
bode expiatório de uma problemática muito mais ampla e complexa do que fazem supor os
argumentos de seus detratores. Leon menciona ainda o desconhecimento, por parte dos ques-
tionadores da escola carioca, tanto da produção efetiva de seus egressos, quanto da intensa
movimentação crítica operada na esdi nos anos 70, e que é relatado em riqueza de detalhes por
Pedro Luís Pereira de Sousa em seu livro Esdi , publicado há mais de
15 anos.

No que diz respeito aos fundamentos das críticas de Anastassakis e João Leite, é notável
a completa desconsideração de que a implantação da esdi deu-se sob o clima repressivo do
146
regime militar instalado no Brasil em 1964, muito embora seu projeto original – então in-
édito no país – tenha sido formulado dentro de uma atmosfera cultural claramente politizada,
democrática, desenvolvimentista e progressista. É justamente a ocultação dessa conjuntura
histórica que dá consistência à luta concorrencial do campo e ao mito segundo o qual a esdi
teria sido efetivamente partidária da alardeada estética “germânica”, e que a teria imposto “à
força” – e sem os intermédios do Estado –, às demais escolas do país, determinando de modo
irreversível os caminhos posteriores do design brasileiro, que teria sido, assim, culturalmente
interrompido.

Esta é uma versão dos fatos que tenta fazer crer que há um problema no design bra-
sileiro; que este problema diz respeito a uma suposta falta de consistência cultural atualmente
vigente, sendo este o efeito negativo de um suposto plano maquinado pela esdi, como que num
ataque deliberado e maquiavélico a um genuíno e frágil arcabouço cultural nacional. De acordo
com esta ideologia anti-esdi, o paradigma inspirador da escola carioca (gestado na Escola de
Ulm) era dotado de estabilidade e rigidez inabaláveis, além de ser efetivamente “germânico”, e
-
maram a existência da escola alemã, registrados em diversas publicações. Segundo tal visão, a
suposta estética ulmiana pode ser efetivamente reduzida, sem considerações, a um formalismo

a disseminação da estética funcionalista pela esdi advém tão somente da cegueira ideológica
de seus multiplicadores, não tendo nenhuma relação, por exemplo, com as deformações cur-
riculares impostas à escola pelo Conselho Estadual de Educação à época do regime militar.

na formulação de um projeto para o ensino do desenho industrial no Brasil não é um aspecto


totalmente desconhecido dos pesquisadores do campo: Rita Couto esclarece que a primeira
grade curricular da esdi herdou da Escola de Ulm o “desejável equilíbrio entre ciências hu-
manas e conhecimentos tecnológicos” (Couto: 2008, 22), expresso pela presença de discipli-
nas como Cultura Contemporânea, Psicologia, Antropologia Cultural, Sociologia e Economia.
No entanto, segundo a autora, alguns anos mais tarde este equilíbrio foi suprimido por um
novo modelo curricular, idealizado para atender aos imperativos do governo militar, “que de-
sencorajava cursos nas áreas artísticas e humanísticas, que poderiam tornar-se poderosos
focos de críticas, [e] incentivava as áreas tecnológicas que ajudariam a fazer do Brasil um
país que iria pra frente.” (Couto: 2008, 23) Conforme o esquema curricular apresentado por
Couto, este segundo modelo tratou de despolitizar o conteúdo das humanidades, tendo sido
reproduzido, em 1976, em “dezesseis cursos de design, dos quais 50% eram cursos de arte,
-
erno federal” (Couto: 2008, 23).

147
o desapareCimento da indústria e do merCado
de algumas abordagens Contemporâneas

As três abordagens comentadas neste capítulo – Design Emocional, Design Social e aque-
la que toma o design como expressão da identidade cultural – têm em comum o fato de coloca-

técnico-instrumentais do designer (outrora desenhista industrial) e que são imprescindíveis à


produção de artefatos – seja em pequenas ou grandes tiragens, seja por meios mecânicos ou
manuais – ou à reprodução/disseminação pública de impressos ou audiovisuais. Também têm
em comum o fato de desconsiderarem que as práticas do designer se dão, inevitavelmente em

de serviços especializados por remuneração (salário/honorários) e na celebração de contratos


segundo os quais os papéis dos agentes não são balizados pela amizade, pela solidariedade
fraterna ou pela partilha de valores comunitários, e sim pelos interesses de todas as partes
envolvidas, sendo o mais comum deles de natureza econômica.

De acordo com a visão do Design Emocional, faz parte das prerrogativas da atividade do
designer a concepção de instrumentos de análise que possibilitem a compreensão dos afetos
entre usuários e artefatos, de maneira que esses possam ser antecipadamente agenciados no
momento do projeto. Já para o Design Social, a prática de projeto diria respeito, antes de
mais nada, à interpretação das motivações intrínsecas dos destinatários do mesmo. No caso

antes de mais nada, um agente engajado, antes de mais nada, na constituição de um projeto
-
belece, individualmente, e a cada projeto, os seus compromissos de trabalho. Nenhuma das
três abordagens coloca em questão a natureza, os propósitos, os limites e os problemas técni-
co-construtivos das produções geradas a partir das práticas de projeto. Os agentes envolvidos,
por sua vez, não são nomeados, nos artigos discutidos, de acordo com seu estatuto propria-
mente econômico: o de contratantes e/ou clientes, ou o de consumidores e/ou compradores,
ou seja, o de agentes remuneradores do trabalho de design, quer essa remuneração seja feita
de maneira direta ou indireta. Em tais prescrições, tudo se passa como se o designer atuasse
num mundo supra-econômico, movido apenas por interesses de ordem altruísta ou cultural

imprecisão, produzindo a impressão difusa de que ela diz respeito ao atendimento genérico e
bem realizado dos interesses alheios (do país, do empresariado ou dos indivíduos) por meio

redundar na produção de novos artefatos, e cuja única força motriz parece ser a satisfação de
um “outro”.

148
eram claramente ligadas à implantação de um parque industrial brasileiro e à necessidade de
formação de técnicos habilitados para nele atuarem, bem como da emergência correlata de
um mercado consumidor que, desde então, não parou mais de crescer, de segmentar-se e de
apresentar demandas cada vez mais multifacetadas aos designers. Esse abismo salta mais aos
olhos na medida em que essas proposições contemporâneas fazem pouca ou nenhuma alusão
à tecnologia e aos meios produtivos ou ao consumo de massa, fazendo crer que a prática do
designer se dá separada desses âmbitos.

Qual seria então a explicação dessa guinada conceitual, que alterou o estatuto inicial do
designer – o de consultor artístico da indústria, a serviço de um projeto político expansionista
– forjado a partir da primeira metade do século xix, para estatutos que fazem desaparecer do
horizonte do designer tanto o mercado quanto a indústria e suas tecnologias, promovendo uma

A hipótese que apresentamos aqui é a de que muitas proposições contemporâneas so-


-

1. Recusar o caráter não somente instrumental, mas também subserviente, das práticas
do designer em relação à organização produtiva capitalista e, sobretudo, em relação ao
funcionamento desumano e predatório da econo-mia de mercado, paradigmas nos quais

tais como o uso desmedido de recursos produtivos, a desatenção às condições materiais de


atuação dos trabalhadores, a produção descontrolada de resíduos oriundos da fabricação
e do consumo desmedido de bens diversos, a obsolescência programada dos artefatos
(tanto em termos funcionais quanto estilísticos), ou a manipulação formal dos artefatos
visando a manipulação simbólica/ psicológica dos consumidores e o aumento das vendas
dos produtos;

2. Colocar em evidência os benefícios substantivos da atuação do designer, nos termos da


-
mente capaz de diminuir impactos ambientais, melho-rar as condições de vida e de tra-
balho dos indivíduos por meio da projeta-ção de artefatos e máquinas (cujo uso pode ser
tornado mais adequado, agradável, fácil e/ou menos prejudicial), proporcionar melhores
condições para o descarte de artefatos cujo ciclo de vida tenha se esgotado, dentre outros
benefícios que não dizem respeito direto às vantagens econômicas largamente proporcio-

149
-
tintivas que movem os diversos usos públicos da noção de design, bem como dos bens
-
-
mar a superioridade de um grupo social em relação aos demais, por meio da imposição de
estilos de vida supostamente mais legítimos e exemplares, problemática da qual faz parte
uma das noções mais centrais na trajetória histórica deste campo, que é a noção de “bom
gosto”;

ao exercício da violência simbólica pelas classes sociais mais abastadas, que se valem, para
tanto, de recursos estilísticos diversos, por meio da posse, uso e ostentação de bens diver-
sos, muitos dos quais são oriundos das práticas de projeto aqui discutidas. Os dois últimos
pontos desta hipótese se baseiam na interpretação do funcionamento social apresentada
por Pierre Bourdieu na obra A distinção: crítica social do julgamento, problemática que
será discutida a seguir.

os modos de vida das Classes dominantes:


atitudes estétiCas, gostos de liberdade, niChos de merCado

Para Bourdieu (2008a), quanto mais abastado é um grupo social, mais as suas maneiras
de ser, agir e pensar tendem a se realizar através de atitudes estéticas, que se expressam não
apenas na relação com a arte, mas em toda e qualquer prática, seja nos hábitos alimentares
e atitudes à mesa, nas formas de higiene corporal, maneiras de vestir, usar adornos e arru-

cônjuges e, até mesmo, nas atitudes corporais mais impensadas, como a maneira de se aco-

assim, um habitus de classe, partilhado por indivíduos “situados em condições homogêneas


de existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo sistemas de disposições
homogêneas, próprias a engendrar práticas semelhantes” (bourdieu: 2008a, 97), caracteri-
zando, por exemplo, o que é conhecido entre os especialistas em marketing por “nichos de
mercado”. Essas atitudes estéticas, que se realizam nos modos e maneiras por meio das quais
os indivíduos buscam se distinguir, se exprimem, em grande medida, nos consumos alimentar,
cultural e voltado à aparência e à representação de si (vestuário, cosmética etc.), consumos
tais que são sustentados materialmente por bens simbólicos, muitos dos quais oriundos das
150
práticas do design, tais como itens do vestuário, adereços, objetos de uso íntimo, e também
embalagens de itens de higiene pessoal, cosméticos, alimentos etc., automóveis, equipamentos
e acessórios desportivos (incluídas aí as roupas), móveis, itens decorativos e equipamentos da
casa, todos os equipamentos necessários às práticas alimentares (louças, talheres, etc.) e os
bens materiais ligados ao consumo cultural e ao entretenimento, tais como livros e revistas,
cartazes de teatro e cinema, dispositivos eletrônicos de comunicação, informação e fruição
artística (tablets, aparelhos sonoros, celulares, televisores e todos os acessórios que fazem

complexo universo das identidades de marca (de entretenimento, alimentos corriqueiros ou de


luxo, cosméticos e remédios, bens tecnológicos, automóveis, comidas para cães e gatos, eletro-

ou pequenas corporações).

Os artefatos oriundos das práticas do design são, assim, essenciais para a realização das
dinâmicas distintivas entre as classes, pois contribuem para que as predisposições das classes
dominantes se realizem numa “arte de viver”, que produz modos e maneiras estilizadas, estet-
icamente motivadas e calculadas, ainda que isso ocorra sem que os indivíduos propriamente
-
quisas realizadas por designers e suas equipes a respeito dos usuários pressupostos em seus
projetos são, na verdade, investigações sobre as predisposições de classe para a valorização e
simbolização de novos produtos, e não exatamente para a adequação aos usos objetivos que

na relação biunívoca entre usuário e objeto, quanto na relação com outros “usuários” de produ-
tos idênticos (pertencentes à mesma classe social), ou de produtos similares (pertencentes a
-
tanto, que o designer contemporâneo é, de maneira cada vez mais acentuada, não exatamente
um especialista nas questões técnico-construtivas ou operacionais/funcionais de novos artefa-
tos ou sistemas, mas sim um especialista no desvendamento do universo imaginário dos gru-
pos sociais pressupostos em seus projetos, principalmente nos termos dos usos simbólicos de

No que diz respeito ao conhecimento dos membros das classes dominantes sobre os prob-
lemas das classes subalternas, é objetivamente possível que, devido à posse de grande quanti-
dade de capital econômico, tais indivíduos se mantenham completamente alheios aos con-
strangimentos e impasses advindos das limitações econômicas. Por isso, uma das tendências
centrais nas práticas dos membros das classes dominantes é a indiferença e o não-reconheci-
mento de que, nas classes sociais dominadas, o consumo e as formas de vida são determinadas
pela falta de recursos de toda espécie e, em especial, de recursos econômicos. Isso explica
porque a disposição estética culta

151
pressupõe o distanciamento ao mundo (…) que é o princípio da experiência burguesa do mundo.
(…) O poder econômico é, antes de tudo, o poder de colocar a necessidade econômica à distância:
-
tatório, no desperdício e em todas as formas do luxo gratuito. (bourdieu: 2008a, 55)

das classes desfavorecidas e, portanto, à própria noção de necessidade, a disposição estética


culta equivale a “uma dimensão da relação global com o mundo e com os outros”, caracteri-
zada “pelo distanciamento objetivo e subjetivo em relação à urgência prática, fundamento
do distanciamento objetivo e subjetivo em relação aos grupos submetidos” à falta de recursos
econômicos e culturais, ou seja, à pobreza, à privação e/ou à miséria (bourdieu: 2008a, 54).
De acordo com esta sistêmica, a única função das classes populares “no sistema das tomadas
de posição estética é certamente a de contraste e ponto de referência negativo em relação ao
” (bourdieu: 2008a, 57-58). E, por-
tanto, no sistema de disposições segundo o qual vive a classe dominante, a ética encontra-se
subordinada à estética, sendo o princípio segundo o qual as coisas do mundo são valorizadas:

Algumas peças publicitárias da


marca de cosméticos Natura,
que se vale do discurso eco-
logicamente correto, e investe
pesadamente no design de suas
embalagens, identidade grá-

comunicação institucional.

152
na sua apreciação do mundo e na sua condução da vida, o Belo sempre interessa antes de mais
nada.

Os dois tipos de disposição estética em questão (a estética regida pelas referências cultas e
pelo excedente de capital econômico, e estética regida pela privação de recursos) diferem entre
si na relação que cada uma estabelece entre a forma e a função das coisas do mundo, tanto no
caso das obras de arte, quanto do consumo em geral, ou em quaisquer situações onde juízos e
escolhas estéticas estejam em questão. De acordo com a estética culta, a compra de um artefato
tem como critério relevante a exclusividade e a raridade da forma e, por conseguinte, a sua ca-
pacidade de fazer-se um objeto exclusivo, e de tornar seu possuidor um indivíduo único e raro.
Ao contrário, no caso da estética da necessidade, os critérios passam, ao mesmo tempo, pela
limitação econômica, pela função objetiva a ser cumprida pelo artefato e pela sua conveniência
aos seus usuários. As atitudes estéticas das classes dominantes dão origem, assim, a tipos de

também pela negação tanto do mundo social em sua verdade mais atroz, quanto da função ob-

culta.

Algumas páginas da revista Vogue, que exprimem a assimilação do


conceito de design à arte de viver, e aos estilos de vida distintos, elegantes e chiques.

153
Em razão do excedente ou da privação dos capitais cultural e econômico que, em geral,
caracterizam o patrimônio das famílias desde antes do nascimento de seus herdeiros, as con-
dutas e escolhas dos membros tanto das classes dominantes, quanto das classes dominadas,
são regidas por princípios e valores abstratos que, de tão enraizados, tendem a ser sentidos,
por um indivíduo, como se fossem referências naturais, e não construídas social e historica-
mente. No plano do consumo corriqueiro de uma pessoa, as disposições estéticas típicas de sua
classe social tendem a desaguar em ações concretas por intermédio do gosto, que é um meca-
nismo capaz de converter as predisposições abstratas em escolhas concretas das mais variadas
ordens, grande parte das quais referidas aos bens oriundos das práticas do designer. O sistema
que se estrutura em torno da oposição entre estética culta e estética popular dá origem, no
nível do gosto, a outro par estrutural de opostos: de um lado, os gostos de luxo ou de liber-
dade, que “caracterizam os indivíduos que são produto de condições materiais de existência
-
cilidades garantidas pela posse de um capital”; no outro extremo, os gostos de necessidade
apenas de forma negativa, por falta,
pela relação de privação que mantém com os outros estilos de vida” (bourdieu: 2008a, 170).

A história do design, e em particular a história das tomadas de posição institucionais


formuladas no âmbito do campo, é fortemente marcada pela associação entre as noções de
design, estilo e gosto, o que ocorre de maneiras ora declaradas e ora como uma negação ex-
plícita, ou ainda de forma denegada, sob o uso de eufemismos destinados a ocultar que se
trata de imposições de um gosto arbitrário que se quer apresentar publicamente como legítimo
ou natural. Conforme argumentam Cardoso (1999), Woodham (2004), forty (2007), dilnot
(2010) e leon (2013), entre outros autores, as associações explícitas entre design, estilo e bom/
mau gosto constituem um dos eixos estruturais de muitas narrativas históricas do design, bem
como de ações paradigmáticas realizadas pelas instituições de consagração do campo, visando

do campo do design em nome do bom gosto – e que teve grande repercussão internacional –
foi empreendido pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque entre 1950 e 1955, por meio
das Good Design Exhibitions, série de mostras nas quais se colocava em debate o excesso e a
gratuidade formal de diversos artefatos desenhados e consumidos nos Estados Unidos, com-
parados aos seus congêneres desenhados na Europa de acordo com o cânone modernista, su-
postamente superior por não ser motivado, explicitamente, ao atendimento dos imperativos
de mercado.

Assim como a questão da sustentabilidade ou da ligação afetiva entre pessoas e artefatos,


tanto a estética culta quanto a estética da necessidade dão origem a sistemas de valores efe-
tivamente passíveis de atendimento pelas práticas do design, bem como de assimilação à sua

154
contra as classes dominadas, e que intrínseca a essa sistêmica, deve ser alvo de adaptações

os argumentos de faggiani e nojima (2006), registrados no artigo Luxo e design: um esforço


de progresso, apresentado no 7o Congresso P&D.

Nesse artigo, as autoras defendem a ideia de que os artefatos de luxo, dada a sua alta com-
petitividade, podem ser viabilizadores do progresso e do “desenvolvimento econômico de uma
nação”, na medida em que a produção de tais bens gera mais empregos, melhora a distribuição
de renda e a valorização identitária da região onde são produzidos. No que diz respeito aos
benefícios gerados pelos objetos de luxo aos seus usuários, as autoras assinalam aqueles de
ordem subjetiva/psicológica, como a valorização da auto-estima e da individualidade, o “sen-
timento de prazer da alma
Gilles Lipovetski, para quem o luxo é um mecanismo de humanização, na medida em que at-
ende a complexidade existencial de nossas necessidades (“o luxo torna-se produto de primeira
necessidade para toda a sociedade

de espetáculo ou de escândalo. Por isso, elas defendem o “luxo acessível”, modalidade que
-

luxo acessível se caracterizam por expressarem o prestígio de determinadas marcas, a original-


idade, a excelência e outros atributos diferenciais, e que venham a conferir aos seus compra-

que está na base de um “ritual diário de busca em alcançar um novo estilo de vida” (faggiani e
nojima: 2006, s/p).

No que diz respeito à aproximação entre o luxo e o design, as autoras argumentam que
essas duas noções já foram alvo de grandes mal-entendidos, por serem tomadas como sinôni-
mos, mas que, atualmente, a distinção é clara, sendo o design “a essência dos produtos de
luxo”, além de uma ferramenta estratégica para a compreensão das expectativas dos consumi-
dores deste segmento e para o seu atendimento, mediante a oferta de produtos que sejam aptos
a se converter em referências universais, intemporais e eternas – as supostas características
do luxo. Em síntese, as autoras associam os artefatos e o consumo de luxo à melhoria social
pela via de sua democratização, ou seja, pelo reconhecimento que todos têm direito ao luxo; ao
mesmo tempo, elas defendem que os projetistas desses artefatos não projetam apenas “coisas”,

social, cultural e psicológica.

Já os defensores do legado esdiano/modernista dirigem críticas contundentes à associação


positiva entre design e luxo, conforme ilustra a tese de doutorado do professor Frank A. Barral
155
-
cializada em design, por apresentar uma “
design e rarefação na de outros” (dood: 2011, 6). Em sua pesquisa, o autor dedicou-se a iden-
-

designer, representando apenas os seus potenciais de mercado, e não os potenciais ligados ao


que ele propõe como o “bom atendimento” das “necessidades humanas”. Para dar sustentação
-
sionais de renome internacional92
ordenar o caos e projetar “formas, interfaces, relações estruturais e soluções” para problemas
93
elaborados em
2003 pelo designer alemão Dieter Rams (por ocasião dos 50 anos da empresa Braun, do qual
foi um dos principais colaboradores), o que sugere a associação entre boa forma e ética pública.
O autor lamenta ainda a “boutiquização” do design, que teria sido transformado em “ -
” (bonsiepe apud dood: 2011, 29), criticando
a ligação vigente do conceito de design ao consumo conspícuo: para esse pesquisador estaria
em curso um processo de degeneração do conceito de design, em grande parte alimentado por
livros que, ao serem ilustrados inadequadamente, estariam omitindo importantes dimensões
da atividade de projetar ou dos atributos dos objetos, tais como planejamento, segurança ou
conforto. Para o autor, “há um descolamento entre aquilo que mostram as imagens [dos livros
investigados por ele]
necessidade e de usos” (dood: 2011, 150).

Visando garantir a consistência política de sua posição, o autor evoca diversas situações
de miséria e privação, gerando um efeito de contraste entre as ilustrações glamourizantes dos
livros em questão e um cenário social dramático, sobre o qual ele enfatiza: a quantidade de
mortos por acidentes de trabalho no país; a baixa avaliação do Brasil no Programa Internac-
ional de Avaliação de Alunos do ensino fundamental; as penúrias sofridas pelos trabalhadores
da agricultura brasileira ou por outros trabalhadores urbanos privados de sono apropriado; a
crescente população de idosos, supostamente desatendida pelos designers; as populações at-
ingidas por catástrofes naturais; a pobreza extrema de 5,8 bilhões de habitantes do planeta; a
concentração de riqueza nas mãos de poucos indivíduos; a subnutrição infantil; as vítimas de
minas terrestres; as vítimas da malária; as vítimas da seca. Para o autor, todas essas realidades
estariam sendo desconsideradas como alvos da ação dos designers, desinteresse explicado por

92. Os autores evocados por Frank Barral em sua tese foram, notadamente, Richard Buchanan, Gui Bonsiepe,
Charles Eames e Tomás Maldonado.

93. De acordo com Dieter Rams, “o bom design é inovador (…); tem qualidades estéticas (…); faz com que um
produto seja útil (…); torna um produto compreensível (…); não é obstrutivo (…); é honesto (…); tem vida longa
(…); é consistente até o último detalhe (…); é amigável em termos ambientais” (rams apud dodd: 2011, 26)
156
livros ilustrados de design estariam se prestando à formação de uma ideologia segundo a qual
as injustiças sociais existentes no mundo de hoje em nada se relacionam com o universo do de-
sign. Para Frank Barral, seria condenável que alguém possa pensar “em produtos de consumo,
em luxo, arte (comercial) e moda” (dodd: 2011, 34) diante de tal cenário. Por isso, ele coloca
em questão o trabalho de designers que projetam objetos com “motivações semióticas”, ou que
atuam na fronteira entre a arte e o design, como é o caso do francês Philipe Starck, criador da

nos morros do Rio de Janeiro ou por soldados mirins em Moçambique. Para Frank Barral
trata-se de um design de “gosto duvidoso”, “um produto de marketing para manter em evi-
dência o nome de seu criador, o que ajuda a vender escovas de dente, cadeiras e aquecedores
de mamadeira de sua criação (…). É o choque a serviço da autopromoção” (dodd: 2011, 34).

Acima, à esquerda, luminária AK-47,


desenhada por Philipe Starck;
abaixo, utensílios domésticos com

à direita, artefatos da empresa alemã


Braun, expressão consagradas do moderno
design funcionalista. Na página seguinte,
cartaz da exposição promovida
pelo Cooper-Hewitt Museum,
e o colorido ralador de queijo, da Alessi.

157
Ainda com vistas à legitimar suas críticas, o professor Frank Barral menciona a série de
exposições , promovidas pelo Cooper-Hewitt National Design Mu-
seum (Nova Iorque), que tratam de divulgar projetos desenvolvidos por designers, engenhei-
ros, arquitetos e empreendedores sociais, visando o atendimento de populações carentes ou
vítimas de desastres e guerras. A alusão de Barral ao Cooper-Hewitt Design Museum levanta
uma questão central para as dinâmicas do campo: qual seria a contribuição dos museus espe-
-
lação da crença partilhada internamente, pelos agentes do campo? Seria a abordagem denun-
cista do Cooper-Hewitt Museum uma regra, ou trata-se de um iniciativa isolada? Esta é uma
problemática debatida pela pesquisadora Ethel Leon em sua tese de doutorado (2013), na qual
dedicou-se a compreender o sentido da musealização do design, e particularmente das inicia-
tivas do Idi/Mam-Rio, da fiesp e do Museu da Casa Brasileira.

como a mencionada acima, do Cooper-Hewitt Museum), as coleções permanentes de diver-


sos museus especializados94 enfocam prioritariamente artefatos e sistemas típicos do espaço
privado, sejam itens do lar ou objetos de uso/consumo individual, nos quais a noção pre-
dominante é a “domesticidade”, sendo este conceito ligado tanto ao espaço doméstico em si,
quanto aos usos privados/íntimos dos artefatos musealizados. Leon lembra que a associação
entre design e domesticidade remonta ao século xix, quando as primeiras coleções de objetos
utilitários foram formadas na Inglaterra, buscando promover a educação/reforma do gosto do
público consumidor.

94. Museu de Arte Moderna e Cooper-Hewitt, em Nova York; Centro Georges Pompidou e Museu de Artes Deco-
rativas de Paris, em Paris; Pinakothek der Moderne, em Munique; Museu Victoria e Albert e Museu de Design em
Londres, Design Center em Copenhagen; Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.
158
higienistas (forty: 2007; leon: 2013), ligadas ao corpo e à saúde, e às transformações então
perpetradas na organização da vida privada das camadas médias da sociedade britânica, no
período vitoriano. Trata-se da ascensão do modo de vida burguês e das mudanças relativas à
organização da família, na qual a mulher passava a exercer o papel de gestora da casa, prove-
dora da educação da prole e guardiã da saúde de todos, o que requeria uma infraestrutura

ensejada no seio da família. Neste paradigma, o lar passou a representar o refúgio no qual o
homem (o marido) encontraria proteção e repouso em relação às agruras do mundo exterior,
sendo a decoração e os artefatos do lar itens essenciais para a realização desta visão de mundo.
Leon lembra que, além de representar o espaço protegido do mundo exterior, a moradia bur-
guesa também passou a ser o palco de um novo tipo de sociabilidade, no qual a família recebia
seus convidados para saraus e reuniões, num cenário que deveria estar organizado, dividido e

entre a sala de jantar (espaço social, ocupado pelo casal, sua prole e convidados) e a cozinha ou
o quatro de engomar (espaço dos serviçais, destinado à realização de tarefas penosas). No que
diz respeito ao higienismo, ela destaca a ascensão do banheiro como peça mais moderna da
moradia, espaço de privacidade, individualidade e atenção ao corpo, no qual se realizava a as-
sociação entre higiene e saúde, em torno de artefatos desenhados especialmente para amparar

A autora explica que, por trás da maioria dos objetos que vem sendo consagrados pelos
acervos de design desde o século xix, em museus e outras instituições similares, existe outro

moderna, de bem-estar físico e material, sendo esta disseminada tanto por meio dos artefa-

diversas), quanto por uma série de progressos técnicos, incorporados em equipamentos e


sistemas cuja presença nos é atualmente tão corriqueira, que tendemos a naturalizá-las (tais
como talheres, itens do mobiliário, o sistema de água, aquecimento, gás, iluminação pública
etc.)

A indagação de Leon à musealização dos artefatos do campo do design se dirige, num


primeiro momento, à primazia conferida pelos museus aos bens domésticos e de uso privado;
mas se dirige, sobretudo, às simbolizações políticas operadas por meio dos objetos musealiza-
dos. A autora aponta que, embora as ideias de domesticidade e conforto, implicadas na maioria
das coleções de design, venham a sugerir o contrário, essas escolhas não são desprovidas de

do consumo das famílias para se manter operativo. Neste sentido, Leon aponta, por exemplo,
que o “conforto do lar” se constituiu, durante a Guerra Fria, num “campo de batalha entre o
159
modelo norte-americado e o soviético” (leon: 2013, 78). Para a autora, o que está por trás da

não é exatamente o elogio do bem-estar, mas sim a manutenção de um modelo societário que
depende do consumo familiar e individual para se perpetuar. Dentro deste modelo, o papel
desempenhado pelas famílias é o de unidades de rendimento (na medida em que elas for-
necem ao sistema a sua força de trabalho) e unidades de consumo, na medida em que “a casa
unifamiliar se tornou o alvo das indústrias de bens de consumo, cada vez mais próximas
do mundo da moda, no lançamento sazonal de produtos”, se constituindo como a “unidade-
destino dos diferentes serviços ofertados por empresas estatais ou privadas, como luz, água,
gás, telefone” (leon: 2013, 72). Isso exige que o consumo seja sempre estimulado, seja pelos

95
dos objetos e sistemas, que são levados a cabo pela musealização de determinadas
categorias de bens (e não de outras), conferindo a nobreza cultural necessária para mascarar a
arbitrariedade ou a conspicuidade de grande parte das práticas consumidoras.

-
mação de pessoas, coisas e práticas não-artísticas em pessoas, coisas e práticas tidas como “artísticas”, cujo
estatuto é transformado por intermédio da atuação de agentes socialmente reconhecidos para realizar esta
operação. Trata-se de um conceito desenvolvido no âmbito da Sociologia da Arte pelas sociólogas Roberta Shapiro
e Natalie Heinich.
160
Considerações finais
algumas questões em aberto:
da bauhaus ao fórum de davos

Assim como diversas abordagens apresentadas ao longo desta tese, as duas últimas – a
que adere ao luxo e a que o combate – creditam ao design a capacidade de promover o desen-
volvimento humano e social, seja por meio da distribuição da riqueza gerada pela produção de
bens de luxo, seja pelo provimento de recursos técnicos, destinados a minimizar o sofrimento
real de indivíduos e populações vitimados pela miséria, pela fome, pela guerra, por mutilações
em decorrência do trabalho, pela falta de moradia digna, assistência à saúde, acesso à escola,
ao trabalho e à renda. O mesmo pode ser dito das abordagens ecologistas, culturalistas, emo-
cionalistas ou ergonomistas (grosso modo, aquelas voltadas ao desenho de postos de trabalho
e artefatos mais adequados a viabilizar a execução de tarefas sem lesionar os corpos dos usuári-
os). E também das abordagens museológicas, tal como discutidas no capítulo anterior, que
associam o design ao conforto doméstico e ao bem-estar individual.

Cada uma dessas tomadas de posição enfatiza algum tipo de benefício humano suposta-
mente promovido pela atuação direta do designer, seja em termos da economia energética nos
sistemas produtivos, da proteção ambiental decorrente de escolhas de matérias-primas menos
poluentes, da saúde física e psíquica dos usuários dos artefatos projetados, do bem-estar exis-
tencial, emocional e corporal promovido por objetos e próteses em geral, ou da partilha social

possa chamar de “artístico”, ainda que sejam simples adornos corporais. Algumas proposições
– em particular as ligadas ao Design Social – ampliam essa ênfase, ao não associar o benefí-
cio da atuação do designer propriamente aos sistemas e artefatos projetados, mas ao próprio
processo de elaboração dos projetos, mediante a participação ativa dos usuários nas decisões
projetuais, o que promoveria a recuperação de uma cidadania que é supostamente desconsi-
derada pelas teorias e práticas de raiz modernista.

Qual seria a origem desse professar de potenciais positivamente transformadores por


parte dos formuladores do campo do design, e que lhe atribuem um caráter que tende ao re-
ligioso? Conforme sugerido por leon (2013), uma das origens dessa crença é a ideologia do
conforto/bem-estar burguês, forjada, cristalizada e disseminada pelas coleções de design de
museus e institutos que se ocupam de reunir acervos de objetos. Sabe-se que a história do de-
sign registra episódios nos quais se debateu intensamente o vínculo entre as práticas de projeto

161
campo, a primeira dessas formulações aconteceu na Inglaterra, na segunda metade do século
xix, e foi protagonizada por William Morris e John Ruskin. Como se sabe, eles se empenharam
na crítica à produção industrial de bens, alegando que a divisão do trabalho subjacente a esse
sistema gerava não somente infortúnios aos operários – outrora artesãos, agora despossuídos
do controle de seus ofícios pela instituição do sistema fabril – mas também produzia um ac-
ervo de objetos desprovidos das qualidades formais/artísticas que seriam fundamentais para
paim: 2000). Eles defendiam
o retorno aos meios de produção medievais, por entenderem que a organização do trabalho
artesanal em guildas era capaz de harmonizar a boa forma dos objetos com as boas condições
de trabalho e de vida de seus produtores (paim: 2000), dotando os artefatos de uma espécie de
espiritualidade.

No entanto, foi na Bauhaus (Alemanha, 1919-1933) e nos ateliês artísticos Vkuthemas/


Vkthein (Rússia, 1920-1930) que foram mais intensamente gestadas as associações entre as
práticas do design e as expectativas de uma transformação social plena e positiva, e que con-
tinuam a perpassar diversas prescrições contemporâneas para as práticas do design. A Bau-
haus e os ateliês Vkuthemas-Vkthein foram escolas de artes, ofícios, arquitetura e design, ati-
vas na Europa, no período entre-guerras, cujo funcionamento se deu de acordo com os ideais
revolucionários vigentes, em sintonia profunda com o desejo de construção de uma sociedade
sem classes marcada pela igualdade entre os homens, utopia na qual a indústria e a tecnologia
teriam um papel essencial na produção de condições materiais de vida ideiais para todos em
meio à realidade urbana e aos paradigmas políticos que estavam então sendo estabelecidos
(droste: 2002; miguel: 2006). Como se sabe, os membros daquelas escolas estiveram empen-
hados explicitamente em colocar as práticas de projeto – que até então eram um amálgama de
práticas de artistas, artesãos e arquitetos – a serviço do socialismo e da disseminação da arte
no cotidiano da classe trabalhadora por meio do desenho de artefatos a serem reproduzidos
em escala industrial a custos muito baixos, ao contrário da cara e restrita produção material
gerada por Ruskin e Morris em seus ateliês de produção artesanal, cerca de oito décadas antes.

Além de aceitarem a irreversibilidade do sistema industrial de produção, os protagoni-


stas dessas escolas tinham posições políticas claramente colocadas, e não as dissociavam de

marcenaria, da arquitetura etc. –, assumindo explicitamente que tais práticas não poderiam
ser realizadas de maneira politicamente neutra, mas sim vinculadas a uma opção política que
era elaborada e manifesta enquanto tal. Não por acaso ambas as escolas foram fechadas por
motivações políticas (respectivamente por Hitler e Stalin), e também tiveram suas histórias

o social-democrata Walter Gropius (primeiro direitor da Bauhaus) e o arquiteto comunista


Hannes Meyer (seu sucessor), por conta das críticas desferidas pelo segundo à atuação geral
do primeiro, tida como burguesa e anti-revolucionária (meyer: 1972).
162
Um dos legados deixados pela Bauhaus e pelos ateliês artísticos Vkuthemas/ Vkthein diz
respeito às possibilidades efetivas de transformação da sociedade por meio da associação entre
ciência, tecnologia e arte. Somados à ideologia vitoriana do conforto doméstico burguês (cris-
talizada nas coleções de museus de design), os ideais utópicos dessas vanguardas do design se
converteram em preocupações que continuam atravessando, mesmo que sutil e timidamente,
-
sign, o que se constitui, ao mesmo tempo, num tributo à tradição modernista (mesmo que mo-
tivado apenas por um interesse genealógico postiço), numa crença profundamente enraizada
no inconsciente coletivo do campo, e ainda numa possibilidade efetiva, já que muitas práticas
do designer podem, concretamente, subsidiar e viabilizar as melhorias propostas em todos os

No entanto, conforme professa a própria doutrina do campo, as práticas em questão rara-


-
mo que minimamente, sejam essas determinações oriundas da indústria, do empresário, do
mercado, do usuário, do interlocutor (tal como nomeada pelo Design Social), de um Estado
democrático ou totalitário etc. Efetivamente, um designer pode se dedicar a projetos de pró-
teses diversas, que venham ampliar positivamente as potências do corpo humano em muitos

interfaces etc. que permitam que um enorme contingente de indivíduos se relacione de ma-

máquinas complexas que povoam o cotidiano. Efetivamente, um bom projeto pode dar origem

previstos e ainda pouco onerosos em termos de gasto energético e de impacto ambiental. No


entanto, um designer também pode realizar projetos de armas de fogo cuja empunhadura seja
mais adequada aos usuários, ou cuja matéria-prima não seja detectada por sensores; pode re-
-
lizam de trabalho infantil ou que incidem sobre o meio-ambiente de maneira predatória, sem
que estes componentes sejam considerados no trabalho projetual, ou até mesmo sejam delib-
-
tégias do branding. Esses são apenas dois exemplos, dentre muitos possíveis, cujos propósitos,
conjuntura ou contexto podem ser severamente questionados em termos ético-políticos.

Assim, cabe perguntar: é realmente possível que o designer venha a transformar positiva-
mente a realidade por seus próprios meios, movido somente por uma força vontade corpora-
tiva, promovendo o desenvolvimento humano e a igualdade social? Seriam suas competências

seria possível apenas promover o bem-estar, o conforto e as boas condições materiais de vida
somente às parcelas solventes da sociedade, capazes de remunerar não somente o trabalho do
designer, mas todo o sistema que de produção de artefatos e dispositivos? Seria o designer um
163
agente essencialmente dotado de capacidades intelectivas capazes de instalar socialmente, e
sem intermediários políticos, formas de consumo mais sustentáveis e novos mundos, mais de-
sejáveis, agradáveis, amigáveis e legítimos? Ou seria o designer, ele mesmo, um intermediário
de competência técnico-artística e cultural a serviço do poder político em voga (tal como ilus-

o desenvolvimentismo, com os partidos verdes, com o neoliberalismo ou com totalitarismos de


esquerda ou direita? E mais: seriam estranhas às atividades do designer as operações típicas da

e pelos direitos autorais? Seria a realidade do mercado passível de ser colocada à parte?

um de seus praticantes do capital do poder necessário à condução dos projetos de acordo com
sua própria ética e procedimentos, supostamente mais adequados aos problemas humanos do
que outros. No entanto, conforme argumenta o historiador Adrian Forty, embora uma parte

o designer é senhor e soberano de suas produções, a elaboração e implantação das mesmas é


tributária de decisões que não lhes competem integralmente. Ou seja: embora os designers de-
tenham o capital intelectual que os habilita a propor novas e melhores sistêmicas, novos e mel-
-
paço construído, o poder efetivamente capaz de implantar tais melhorias é de natureza política

Diante dessa constatação, é preciso indagar em que medida as prescrições para o de-
sign – em particular aquelas mais moralmente guarnecidas, elaboradas no interior do campo
acadêmico – não estariam ocultando, inclusive de seus próprios formuladores, a desconfor-
tável condição estrutural de instrumentalidade desta prática, capaz de atuar não exatamente
em favor do “bem”, e nem exatamente em favor do “mal”, mas em prol de um “fazer bem feito”,
ou seja, em prol da formulação engajada de quaisquer interfaces, que possibilitem a quaisquer
usuários a consecução de quaisquer tarefas, por meio do uso de quaisquer artefatos e sistemas,
independente da natureza moral ou da destinação social dos mesmos.

É preciso indagar se as declarações de neutralidade política que caracterizam os campos


intelectuais (incluído aí o campo do design) não estariam encobrindo a participação – direta
ou indireta – de seus agentes nas muitas dinâmicas sociais que se valem dos bens simbólicos
para demarcar diferenças de classe, mantendo assim, em última instância, as classes domina-
das em seus lugares subalternos e servis, por meio dos racismos de classe (bourdieu: 2008a)
sustentados pelas noções de bom-gosto e de mau-gosto, e que são tão caras ao campo estuda-
do. É preciso perguntar se as noções de bom gosto, que já foram centrais para a determinação
das competências do designer, foram efetivamente superadas pela emergência dos relativis-
mos culturais e do advento do pós-moderno (ortiz: 1992; broWn e venturi: 2003), ou se elas
164
continuam vigorando de maneira eufemizada, mantendo a distinção entre gostos legítimos e
ilegítimos, e entre práticas legítimas e ilegítimas, sob rótulos supostamente neutros, sejam eles
tecnológicos, comunitaristas ou ecológicos.

Neste sentido, é preciso investigar por quais razões – e por intermédio de quais agen-
tes – deu-se a mudança da valorização atribuída ao design nos painéis do Fórum Econômico
Mundial (tal como ilustra o relato do capítulo 1 desta tese), que era claramente associado às
ideias de “inovação”, “estratégia” e “liderança” antes da crise econômica de 2008, o que pas-
sou a ser discutido em termos utópicos, ligados a interesses humanos universais (e, portanto,
supra-políticos), tais como a viabilização do consumo sustentável, a promoção de identidades
culturais regionais, a promoção da felicidade humana e da consciência coletiva, culminando
com a invenção de um novo homem.

desejo (2007), a desconsideração da heteronomia relativa das práticas do design só contribui


-
vens aprendizes, “ilusões grandiosas sobre a natureza de seu trabalho” (forty: 2007, 324).

Alguns dos cartazes expostos na mostra


Sustentabilidade: e eu com isso?,
realziada por ocasião da Bienal Design 2010.

165
anexo
tabela Comparativa da organização
temátiCa dos Congressos p&d (de 1994 a 2012)

1o p&d 2o p&d 3o p&d 4o p&d 5o p&d 6o p&d


1994 1996 1998 2000 2002 2004

Ensino Ensino de Ensino, ensino, Ensino e Ensino e Ensino e


Design formação, pesquisa pesquisa pesquisa
educação

Pesquisa e Teoria & design Teoria do design Fundamentos Fundamentos Fundamentos


teoria em design teóricos teóricos teóricos
Pesquisa em
design

Design,
designers
e utopia

Design, História do História do História do História do


modernidade design design design design
e pós-
modernidade
Metodologia Design e Metodologia Metodologia Metodologia
metodologia de projeto de projeto de projeto

Design e Gestão do Gestão em Gestão em Gestão em


estratégia design design design design

Semiótica em Semiótica Semiótica em


design design

Comunicação Comunicação Comunicação


em design em design em design

Design e meio Design e meio Ecodesign Ecodesign Ecodesign Ecodesign


ambiente ambiente

Design de Design de Design de Design de Design de Design de


Produto Produto Produto Produtos Produto Produto

166
7o p&d 8o p&d 2008 9o p&d 2010 10o p&d 2012
2006 Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos

Design e Pedagogia do Pedagogia Pedagogia


ensino design do design do design

Design e cultura Teoria e crítica Aspectos Teoria e crítica Aspectos Teoria e crítica Aspectos
Design e estética do design artísticos do do design artísticos do do design artísticos do
design design design
Design e ética
Aspectos Aspectos Aspectos
Design e estudos
de subjetividade design design design

Design social Aspectos sociais Aspectos sociais Aspectos sociais


do design do design do design

História do História do História do História do


design design design design

Metodologias Metodologias Metodologias


do design do design do design

Design e gestão

Design e Aspectos comu- Aspectos comu- Aspectos comu-


semiótica nicacionais do nicacionais do nicacionais do
design design design

Design e sus- Design Design Design


tentabilidade sustentável sustentável sustentável

Design de Projetos em Design de Projetos em Design de Projetos em Design de


Design produtos Design produtos Design produtos
produto

Design de jóias
Design de moda

167
anexo / Continuação
tabela Comparativa da organização temátiCa dos Congressos p&d (de 1994 a 2012)

1o p&d 2o p&d 3o p&d 4o p&d 5o p&d 6o p&d


1994 1996 1998 2000 2002 2004

Design Têxtil Design têxtil, e Design têxtil, e Design têxtil, e


de vestuário de vestuário de vestuário

Design de Design Design Design


informação informacional informacional informacional

Design visual, Design digital Design digital e Design digital e


digital, audio- Design de multimeios multimeios
visual multimeios

Design de
interfaces,
web design

Design, Materiais e Materiais e Materiais e


tecnologia, processos processos processos
materiais em design do em design do em design do
produto produto produto

Design urbano Design urbano Comunicação Comunicação


e comunicação visual, design visual, design
visual de interiores de interiores
e urbano e urbano
Design de
interiores

Ergonomia de Ergonomia do Ergonomia do Ergonomia do Ergonomia do Ergonomia do


produtos produto produto Produto produto produto
Ergonomia Ergonomia Ergonomia e Ergonomia Ergonomia Ergonomia
informacional informacional interação HC Informacional informacional informacional
Design para Ergonomia Ergonomia de Ergonomia e Ergonomia e Ergonomia e
usuários sistemas HCI HCI HCI
especiais Ergonomia Ergonomia de Ergonomia Ergonomia
ambiental Sistemas ambiental e ambiental e
de sistemas de sistemas

Design regional Miscelânea

168
7o p&d 8o p&d 2008 9o p&d 2010 10o p&d 2012
2006 Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos Categorias / tópiCos

Design editorial

Design têxtil Design têxtil, e Design têxtil, e Design têxtil, e


Design de de vestuário de vestuário de vestuário
superfícies

Design da Design da Design da Design da


informação informação informação informação

Design de Design e Design para Design e Design para Design e Design para
interfaces tecnologia meios tecnologia meios tecnologia meios
digitais eletrônicos e eletrônicos e eletrônicos e
digitais digitais digitais
Design de
processos
interativos e
imersivos

Design de jogos

Design de redes

Design mate-
riais e processos
de fabricação

Design e Design para Design para Design para


urbanismo ambientes ambientes ambientes
construídos construídos construídos
Design de
interiores

Design e
ambiente
construído

Design, Design, Design, Design,


ergonomia e ergonomia e ergonomia e ergonomia e
usabilidade usabilidade usabilidade usabilidade

169
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