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CAPÍTULO 2
corro sobre as questões centrais do ensino em design sob o ponto de vista do Cur-
rículo Mínimo e das novas Diretrizes Curriculares Nacionais.
grupo que fazia oposição à uma vinculação maior de Ulm com a Bauhaus a um
aprofundamento e afirmação de suas idéias e crenças. Para estes, os laços com a
tradição bauhausiana deveriam ser cortados de modo a demarcar novos territórios
tendo em vista a construção de uma identidade própria para a instituição que es-
tavam formando.
No discurso de abertura do ano escolar de 1957/1958, Maldonado posicio-
nou-se publicamente contra a continuidade afirmando que a adesão a ela signifi-
caria ser contra a Bauhaus e sua atitude progressista, anticonvencional, seus esfor-
ços para contribuir com a sociedade de seu tempo. Esses princípios, sim, seriam
mantidos em Ulm, ressaltou. Com essa declaração evidenciava a opção por uma
postura critica na leitura e transposição de modelos e experiências adotadas como
referencia na geração ou avaliação de propostas pedagógicas.
Sob a direção de Maldonado, Otl Aicher e Gugelot, inicia-se na escola um
período do design tecnológico em que se enfatizava o caráter teórico do ensino,
fase esta que assinala a gênese do que se tornaria o modelo “ulmiano” e traz o em-
brião de uma crise posterior do curso, pautada pela hegemonia das ciências sobre
o design.
As mudanças, no início, restringiram-se ao plano da pedagogia e da estrutura
curricular: redução do ativismo, da intuição e do formalismo herdados da Bauhaus,
em paralelo ao trabalho de aprofundamento da metodologia de projeto.
O ensino de projeto na graduação em design no Brasil. O discurso da prática pedagógica 27
tual dos modernos (BÜRDEK, 2006), a HfG tornou-se relevante pela influência
que as idéias ali debatidas exerceram, e ainda exercem, na pedagogia do design. O
modelo Ulm foi adotado como referencia por outras instituições de ensino, na Ale-
manha e em outros países, não só para a estruturação curricular, mas também como
base para reflexões em torno da concepção de educação e conhecimento aplicada
ao campo do design.
Apesar do anunciado compromisso com o equilíbrio entre o conhecimento
teórico e sua aplicação prática como base do curso, num dado momento a HfG
construiu um referencial formal restritivo e uma concepção extremamente matema-
tizada da metodologia que inviabilizavam um processo de investigação compro-
metido com uma articulação de saberes produtiva e formadora de conhecimento.
Prevaleceu, portanto, uma linguagem metodológica, nos termos explicitados
por Japiassu (1991), cuja função não é a de exprimir o conteúdo da experiência, mas
explicar o percurso da investigação, tentando elucidar suas condições e seus crité-
rios, não introduzindo nenhum conteúdo de conhecimento que ultrapasse o domínio
do empiricamente observável.
Contudo, a despeito do pensamento totalizador e do discurso enfaticamente
afirmativo de seus princípios que forjaram a imagem de uma pedagogia homoge-
neizadora, sabe-se que na HfG o exercício da crítica e o interesse pelo novo eram
estimulados. As discussões e reflexões sobre os caminhos que seriam tomados e,
sobretudo, o embate entre Max Bill e Maldonado, suscitaram indagações impor-
tantes inerentes à formação e atividade do designer sob o ponto de vista das rela-
O ensino de projeto na graduação em design no Brasil. O discurso da prática pedagógica 29
ções entre arte, tecnologia e ciência, entre educação e trabalho, politica e indústria.
Contribuíram para que o designer tomasse consciência das questões relativas à
definição de seu campo de saber e atividade.
A percepção das possibilidades de atuação desse profissional foi ampliada,
extrapolando os limites de uma restrita experiência formal de configuração dos
objetos. O designer passou a ser visto como integrante de uma equipe, interagindo
de maneira mais efetiva com o sistema produtivo. No plano do conhecimento essas
mudanças foram significativas pois passaram a situar o design num campo de saber
de maior complexidade.
em espaço para a discussão sobre a relação entre design, arte, artesanato e indústria
(NIEMEYER L., 1998).
Max Bill, em sua vinda ao Brasil para a II Bienal de São Paulo, colaborou
com o IAC como palestrante e influenciou na ida para Ulm de Alexandre Wollner,
que faria parte, posteriormente, do corpo docente da ESDI.
De passagem pelo Rio de Janeiro, Bill conheceu o projeto do Museu de Arte
Moderna e sugeriu a incorporação de uma escola nos moldes da que estava sendo
implantada em Ulm, a HfG. A proposta de criação da Escola Técnica de Criação foi
aprovada pela diretoria do MAM, que encomendou a Tomás Maldonado o elabo-
ração da estrutura curricular para seu curso. A falta de recursos financeiros impos-
sibilitou o funcionamento efetivo da escola, mas seu planejamento tornou-se refe-
rencia para a fundação, na mesma cidade, da ESDI, Escola Superior de Desenho
Industrial, no início da década de 1960.
Outra iniciativa ocorreu em Belo Horizonte com a instituição, em 1957, de
um curso técnico de desenho industrial na Universidade Mineira de Arte - UMA,
que, em 1963, tornou-se a Escola Superior de Artes Plásticas vinculada à Fundação
Mineira de Arte, FUMA. Em 1968, o curso foi reconhecido como de nível superior
pelo Ministério da Educação e Cultura. A partir de 1997, constitui-se como Escola
de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG. (MORAES, D.,
2006)
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1. O processo de instalação do ensino sistematizado do design no Brasil foi minuciosamente relatado e anali-
sado em: Souza, P. L.P. ESDI: biografia de uma idéia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996; e Niemeyer, L. Design
no Brasil - origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.
2. A Comissão de Assessoria seria composta de representantes de entidades ou empresas ligadas à produção
industrial ou à criação estética. No Centro de Pesquisas, alunos e professores, formariam equipes para trabalhar
em problemas concretos referentes ao Desenho Industrial e à Comunicação Visual, por solicitação de órgãos
estatais ou entidades privadas.
O ensino de projeto na graduação em design no Brasil. O discurso da prática pedagógica 32
comissão,3 cujo trabalho teve como resultado uma estrutura curricular ordenada em
setores, nos moldes da organização da HfG.4 (SOUZA,P.L.P., 1996)
Com um corpo docente composto predominantemente por profissionais for-
mados em escolas de design estrangeiras, no que se refere às disciplinas específicas,
a Escola começou a funcionar em 1963, gerida em sistema de colegiado, constituído
por um Conselho Consultivo responsável pela orientação pedagógica do curso.
Algumas análises que abordam os primeiros anos do ensino de design na
ESDI (BONFIM, 1978; SOUZA, P.L.P, ibid.; NIEMEYER, 1998) expõem as
dificuldades e barreiras enfrentadas nessa experiência de transferência educacional,
com paradigmas referenciados em tradições e modelos importados de outros con-
textos transpostos para a realidade brasileira. Problemas de toda ordem ocorreram,
desde os financeiros, burocráticos até os decorrentes de mudanças profundas no
panorama politico institucional do pais.
O contexto liberal que havia impulsionado a criação da ESDI transformou-se
totalmente a partir de março de 1964, com a instalação do governo militar, trazendo
reflexos evidentes para as instituições de ensino e para a conjuntura sócio-econômi-
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ca do pais.
Resguardada sua importância como marco pioneiro, o modelo fundador do
ensino superior de design no Brasil careceu de imediato de uma atividade critica
epistemológica que refletisse sobre o significado cultural do design no pais, assim
como sobre o contexto em que esse conhecimento seria desenvolvido.
O caráter experimental conferido à implementação do curso, mesmo contando
com a deliberação do Conselho Consultivo, desagradava a muitos e acarretava em
mudanças a cada período. Muitos fatos nos levam a deduzir que os fundamentos da
orientação pedagógica não estavam definidos com a devida clareza. Havia um am-
biente democrático, aberto a criticas, mas as ações eram dispersas e desconectadas.
Não havia uma avaliação quanto aos valores e interesses que orientavam o processo
seletivo do conheciemnto a ser trabalhado, quais eram, se estavam explícitos. Tam-
pouco ponderava-se sobre as relações desse corpo de saberes com o contexto, suas
estruturas econômicas e sociais.
No documento “Reformulação de um Programa”, apresentado em 1964 com
análise e sugestões para um redesenho do curso, Flávio de Aquino, diretor da Es-
3. Comissão composta por Maurício Roberto, Wladimir Alves de Souza, Karl Heinz Bergmiller, Alexandre
Wollner, Aloísio Magalhães, Orlando Luiz de Souza Costa, José Simeão Leal, Flávio de Aquino, Euryalo Can-
nabrava.
4. Eram 9 setores: Integração Cultural (disciplinas ligadas às ciências sociais e cultura), Meios de representa-
ção, Metodologia visual, Introdução à lógica e à Teoria da informação, Oficinas, Desenvolvimento de projeto
- um para projeto de produto e outro para comunicação visual, e Tecnologia, também dois setores, um para
cada área.
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cola, chama a atenção para esse ponto: “Partimos da premissa de que os defeitos
são mais provenientes da falta de uma enunciação clara dos objetivos e de uma in-
fra-estrutura, cujos erros são mais de ordem pragmática que de origem filosófica.”
(SOUZA, P.L.P, 1996, p.106)
O problema da heterogeneidade indiscriminada de métodos e condutas era
citado na maioria das atas de reuniões do Conselho. Muitos dos professores teóri-
cos, vindos de outras instituições de ensino estaduais, não entendiam os objetivos
da escola, sua concepção de design era incipiente, o que gerava uma defasagem no
tratamento das disciplinas, agravada pela descoordenação entre as matérias práticas
e teóricas. Algumas experiências para integração entre prática e teoria foram feitas,
mas restringiam-se ao âmbito operacional, sem uma busca no plano metodológico
que promovesse uma efetiva articulação de saberes, em prol de novas combinações
e aprofundamentos. Nessas circunstâncias, era praticamente impossível adotar pos-
turas e ações interdisciplinares com vistas a enriquecer e ultrapassar a integração
dos elementos do conhecimento. (FERREIRA, 1991, p.33)
“Ao longo de sua existência a escola sempre permaneceu como uma estru-
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5. Décio Pignatari fazia parte de uma Comissão formada por ele, Bergmiller e Wollner, incumbida de elaborar
uma proposta de currículo integrado a partir dos programas para o ano de 1965, apresentados pelos professores.
Ele tomou a iniciativa de formular uma proposta independente, a que denominou Idéia-guia. (Souza, P.L.P.,
1996, p.113)
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7. APDI/MG, CNPQ. Anais do 4º Encontro Nacional de Desenhistas Industriais. Belo Horizonte, 1985.
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para todos os cursos, mas com flexibilidade para que cada um pudesse assumir
características que viabilizassem uma integração com a realidade regional. A título
de referência, foi citada a Universidade Federal da Paraíba cujos projetos de gradu-
ação eram voltados para as necessidades da região, com problemáticas identificadas
através de estudo sócio-econômico em parceria com as áreas humanas da UFPA.
Uma discussão em torno de duas posturas diferentes quanto ao ensino e a
realidade regional foi sugerida, mas não chegou a ser desenvolvida. Tratava da
formação e atuação do designer, se deveria ser exclusivamente voltada para o con-
texto regional ou estruturada de maneira a permitir atuação em contextos diferentes.
Independente do caminho escolhido, considerava-se importante, nesse esforço de
revisão da trajetória profissional, retomar a reflexão sobre a função social do design,
como atividade a serviço da comunidade.
Problemas referentes à interação do designer em equipes multidisciplinares
também foram apontados, decorrentes da carência de matérias tecnológicas nos
cursos ou de limitações dos currículos. Mas, principalmente, foi destacada a in-
compatibilidade que havia entre o caráter interdisciplinar inerente ao pensamento e
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disciplinas de Projeto, onde os alunos deveriam fazer uma articulação entre teoria e
prática, buscando aprofundamentos e o diálogo entre os diferentes conteúdos. Es-
ses impedimentos resultavam, muitas vezes, em experiências frustrantes que faziam
com que o aluno se sentisse incapacitado para processar as questões de projeto.
(GUEDES, 1997)
Outro aspecto problemático era o comprometimento com a formação do estu-
dante como um produto, “pronto” e adestrado para o exercício profissional, fator que
levava as tentativas de aprimoramento do currículo a se concentrarem na mudança
de disciplinas ou no acréscimo de conteúdos, inflando os cursos e dificultando ai-
nda mais a interação dos saberes. Witter (1985) já havia alertado para os problemas
derivados da ênfase no aprimoramento, na ação e nos resultados, quando, de fato,
deveria-se investir na compreensão e investigação acerca do currículo.
Alguns enfoques críticos restringiam-se aos aspectos técnicos, de conteúdo e
estruturação curricular, direcionando os questionamentos e decisões para a definição
dos saberes essenciais e permanentes para a formação do designer, e procurando a
flexibilização que permitisse alterações e ajustes a contextos diferenciados.
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pelas orientações das novas diretrizes para definir e implementar, com autonomia,
as propostas pedagógicas e curriculares de seus cursos de graduação.
Com seus fundamentos básicos, que evidenciam um posicionamento critico
em relação ao cenário anterior, as novas DCNs propõem uma renovação da ex-
periência educacional, a partir da revisão de conceitos essenciais referentes à edu-
cação e, mais especificamente, à formação em nível superior. A concepção de co-
nhecimento adotada indica o propósito de oferecer uma formação que se constitua
como um processo contínuo, autônomo e permanente, fundamentada na competên-
cia teórico-prática, tendo em vista a formação de um profissional reflexivo, apto a
enfrentar diferentes situações no exercício da profissão.
Em acréscimo às DCNs, as diretrizes específicas para cursos de bacharelado
em design foram apresentadas no Parecer CNS/CNE 0195/2003 e complementadas
pela Resolução CNE/CES5/2004. 10
Algumas definições referem-se a quesitos sistemáticamente citados nas críti-
cas feitas ao currículo mínimo como, por exemplo, a inclusão, entre os elementos
estruturais que compõem o Projeto Pedagógico do curso, de formas de realização
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10. O Parecer CNS/CNE 0195/2003 foi aprovado em 05/08/2003 e publicado no Diário Oficial da União em 12
de fevereiro de 2004; a Resolução CNE/CES5/2004 data de 8 de março de 2004
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