Você está na página 1de 14

ESPETÁCULO “CONTOS DE TIRAR O SONO”

Dramaturgia Cia. Zero8 de Teatro a partir de histórias populares.

PRÓLOGO
(seis atores entram em cena. suas roupas e seus movimentos sugerem que
eles acabaram de sair da tumba. a família de mortos canta acompanhada por
um acordeon, um triângulo e uma zabumba que é tocado por um dos
integrantes)

CORO​ (cantando a “Canção do Cortejo”)

Vem ver! Vem ver! Ver ouvir


Histórias de terror pra não dormir
Hoje eu saí da tumba
Pois é! Pois é! Pois é!
Vim só pra puxar teu pé
Pra te chamar pr’um café
Pra saber quem é vivo ou morto não tem como
Chega pra assistir os Contos de Tirar o Sono
Pra saber quem é vivo ou morto não tem como
Companhia Zero8 e os Contos de Tirar o Sono

(o CORO canta a “Canção fantasma” enquanto um dos atores toma a frente e


fala: )

Senhoras e senhores, meninas e meninos, vivos e mortos!


Boa tarde, boa semana, bom mês! Aliás,
Nesse mês – não sei se alguém contou pra vocês –
Os mortos saem da tumba para passear!
Eles podem puxar seu pé ou de repente só vir pra tomar um café
Mas se tem uma coisa que os mortos gostam de verdade
É de contar histórias pra crianças de qualquer idade
E são tantas histórias pra contar!
Tem aquela do Papa Figo (que é um monstro que sempre vem almoçar
comigo)
Tem a da Máquina Maldita, que destruiu tudo que fotografou
A da Maria Angula que carne humana cozinhou
As do bicho do balão, do bicho-papão (que ninguém nunca capturou não)
Mas nenhuma é tão famosa e tão charmosa quando a do Zé Malandro
Pra contar essa daí só mesmo cantando
São tantas histórias pra contar e gente pra conhecer!
Tanta gente que pra saber
Quem de nós é vivo e quem é morto nem tem como
É muita história pra tirar o sono!
Então vamos logo começar
E quando chegarmos ao fim vamos logo terminar

CORO​ ​(cantando canção “Um amigo de um amigo meu”)


Não disse que a história é real
Mas com certeza aconteceu
Essa história quem viveu (não fui eu)
Foi um amigo de um amigo meu

PRIMEIRA HISTÓRIA – O PAPAFIGO

Era uma vez um homem, comum assim como eu e como vocês. Um dia esse
homem ficou muito doente, começou a ficar todo tordo, enrugado, parecia um
velho, sua pela estava escamando, nojento. Sua doença era de sangue, e
vocês sabem como doença de sangue é perigoso, pois é algo que vai da
cabeça aos pés. Ele descobriu que existia uma bruxa que vivia atrás do
cemitério, e foi até ela. Chegando lá contou do seu problema e ela lhe disse:
-Ah! Seu problema é do fígado, você deve comer fígados ainda frescos, recém
tirados de corpos. Então o homem saiu da bruxa e capturou o primeiro
cachorro de rua que viu, abriu a barriga dele procurou o fígado, e quando
achou devorou de primeira. Continuou fazendo isso com todos os animais que
encontrava, as pessoas da cidade começaram a perceber que os fígados dos
animais estavam sumindo, e deram um nome para esse homem que parecia
um velho que eles mal conheciam, começaram a chama-lo de Papafigo. Mas
Papafigo comia os fígados mais não adiantava, continuava velho, feio e torto.
Foi até a bruxa novamente, lá atrás do cemitério e perguntou o por que ainda
estava daquele jeito. Ela respondeu: “Mas o seu mal é de fígado de gente e
não fígado de bicho!” Então ele foi até o centro da cidade, esperou anoitecer, e
viu um homem que estava lá sozinho, cambaleando, e puft! Enfiou o homem
dentro de um saco! Mas o homem começou a se debater e acabou escapando!
Papafigo percebeu então que talvez ele precisa pegar humanos menorzinhos,
ou melhor crianças!! Ele andava com um saco preto arrastando pela cidade,
quando via uma criança, sozinha, longe dos pais se afastando, ele se
aproximava escondido, com o saco dele e puft! Enfiava a criança dentro! Papa
figo abria o bucho da criança enfiava a mão, pegava o fígado e engolia
inteirinho! Eu não sei ao certo se ele se curou ou não, mas dizem que ele
pegou gosto pela coisa, essa coisa de ser Papafigo! Essa história foi há muito
tempo, mas eu ainda vejo na rua às vezes um homem meio velho andando
arrastando um saco, eu não sei vocês, mas eu nunca tive coragem de ver o
que tinha dentro!

CORO​ ​(cantando a “Canção do Homem do Saco”)


Homem do saco! Homem do saco!
Homem do saco! Homem do saco!

SEGUNDA HISTÓRIA – O MONSTRO DO LAGO

Um amigo de um amigo do primo do meu tio meu contou uma história de um


parque perto daqui. Não sei se você já foi lá, hoje em dia ele está muito bonito,
mas antigamente dentro desse parque havia um lago muito escuro e profundo.
Perto desse lado era o lar de vários monstros de todos os tipos e cores,
grandes, pequenos, espinhosos, dentuços e linguarudos. Cada um mais
aterrorizante que o outro. Os monstros do lago e as crianças que costumavam
ir ao parque tinham uma convivência até que bem agradável, os monstros não
ficavam escondidos embaixo das camas das crianças contanto que elas
brincassem com eles. Até que um dia, enquanto monstros e crianças
brincavam pelas margens começaram a ouvir um barulho como nunca tinha
ouvido antes, começou como se fosse um ronco de alguém acordando e foi
ficando cada vez mais alto. Todos foram olhar de perto o que estava
acontecendo com o lago quando de repente ele começou a borbulhar.
Acontece que muito antes de qualquer do parque existir havia uma lenda do
grande monstro do lago, diziam que ele estava hibernando há tanto tempo que
não sabiam mais se ele estava vivo. Mas nesse dia ele resolveu acordar. Era
um monstro roxo muito, muito grande, com a pele soltando escamas velhas e
gosmentas, os dentes eram tão amarelos que não dava para ficar olhando
muito tempo por risco de cegar os olhos e entre os dentes tinham diversas
crostas que o tempo havia deixado. Seus olhos mal conseguiam abrir direito,
estavam grudados e embaçados com a areia da manhã e o seu bafo era
terrível como a pior coisa que você pode imaginar. Esse monstro acordou com
muita fome, quando ele conseguiu enxergar as crianças e os monstrinhos não
pensou duas vezes e logo abocanhou todos. Comeu todos que tiveram a má
sorte de estar por lá naquele dia. Só que ele engoliu todos de uma vez, o que
fez com que ele ficasse mais pesado ainda, por conta disso, mal conseguia
andar pelo parque. Ele tinha que se arrastar segurando nas árvores para poder
mudar de um lugar para o outro. As pessoas que moravam alí perto ficaram tão
horrorizadas que nunca mais colocaram os pés no parque. O tempo foi
passando, até que um dia uma família desavisada, coitada, foi passear por lá.
Nessa família havia uma criança que gostava muito de jogar bola e achou que
perto do lago seria um ótimo lugar para fazer isso. Ai ai... A criança estava
perto da margem brincando com a sua bola quando de repente o Sol
desapareceu, ela olhou para um lado, olhou para o outro e não viu ninguém.
Quando olhou para o chão viu que na verdade tinha uma sombra escondendo
todo o sol, essa sombra foi ficando cada vez maior e quando a criança olho
para cima. NHEC! O monstro engoliu a bola e a criança sem que ela tivesse a
chance de gritar. A criança chegou na barriga do monstro e deu de cara com
muitas outras crianças e monstrinhos, que ficaram felizes por ela ter trazido
uma bola. Eles começaram todos a brincar de futebol, batata quente,
queimada, vôlei e até boliche. Por dentro da barriga do monstro estava tudo
indo muito bem, mas por fora, esse monstro começou a ficar enjoado, mais
enjoado ainda, ele não estava se sentindo nada bem até que... Ele estourou!

CORO​ ​(cantando a “Canção do Monstro do Lago”)


O monstro do lago vai te engolir
O monstro do lago vai explodir
Explodir, explodir, explodir, explodir, explodir, explodir
TERCEIRA HISTÓRIA – MARIA ANGULA

Esta história já era antiga no tempo de minha avó, um tempo sem tablets,
celulares e receitas na internet. Maria Angula nasceu em uma cidade pequena,
e sempre gostou de causar confusão. De tanto jogar seus amigos uns contra
os outros recebia apelidos como linguaruda, leva-e-trás e maria fofoqueira. Aos
dezesseis anos Maria Angula começou a se preocupar em arranjar um marido,
como era o costume naquela época. Maria Angula não era boba nem nada,
queria casar com o herdeiro mais rico da cidade. Logo se aproximou do rapaz e
buscou descobrir quais eram seus interesses que, em realidade, se resumiam
a apenas um: comida. A vida do solteiro mais cobiçado da cidade se dividia
entre aprender a cuidar dos negócios da família, que logo seriam seus, e comer
o mais que pudesse. Maria Angula, lançando mão de sua imaginação fértil,
contava para o moço que era capaz de cozinhar todo tipo de quitute e delícia. A
conversa mole de Maria Angula fez efeito e logo os dois estavam casados. As
aflições de Maria Angula já começaram em seu primeiro dia de casada. Seu
marido acordou cedo para seus compromissos e lhe disse “Maria Angula, meu
amor, agora que finalmente estamos casados posso provar tudo aquilo que
você sabe cozinhar. Por favor, faça aquela costelinha deliciosa de que tanto me
falou. Só de imaginar me dá água na boca.” Maria Angula não podia recusar
um pedido como aquele e, assim que o marido fechou a porta, percebeu que
estava em uma grande enrascada. Para sua sorte, na casa ao lado morava
uma mulher que tinha fama de ser uma cozinheira de mão cheia. Maria Angula
correu para a janela da vizinha pedindo socorro. A vizinha explicou de bom
grado como fazer uma costelinha apetitosa e Maria Angula disse, antes de sair
apressada para não perder nenhum detalhe da receita que acabara de
aprender, “Ah, mas isso eu já sabia!”. Os dias seguintes seguiram o exemplo
do primeiro de modo que a cada manhã o marido de Maria Angula saía para o
trabalho e se despedia da esposa pedindo um prato mais mirabolante que o do
dia anterior e Maria Angula se sentia na obrigação de sempre responder que
sim e corria para a janela da vizinha. Todos os dias, a paciente vizinha
explicava receitas cada vez mais complexas e sempre obtinha como resposta
“Ah, mas isso eu já sabia!”. O que Maria Angula não sabia é que ela havia de
pagar o preço de seu desdém, pois a vizinha só esperava uma boa ocasião
para lhe pregar uma peça bem dada e nunca mais ouvir a moça dizer “Ah, mas
isso eu já sabia!”. O momento oportuno surgiu quando Maria Angula apareceu
à sua janela rogando-lhe que lhe ensinasse a preparar uma sopa de tripas com
bucho. A vizinha puxou Maria Angula para perto de si e disse sussurrando
”Existem muitas formas de fazer uma sopa de tripas com bucho, mas eu
conheço a receita mais saborosa de todas. Assim que cair a noite desenterre o
defunto mais fresco, que tenha morrido entre ontem e hoje. Corte sua barriga,
tire as tripas e o bucho. Volte para casa sem deixar que ninguém te veja. Limpe
bem as tripas, isso é muito importante, você não quer comer o que tem dentro
das tripas, e prepare um ensopado normal, como aquele de abóbora que te
ensinei a fazer.” “Ah, mas isso eu já sabia!”, Maria Angula respondeu e saiu
correndo para fazer a receita macabra. Ao cair da noite, foi ao cemitério.
Depois de desenterrar o defunto mais fresco e tirar suas tripas e seu estômago,
devolveu o corpo para dentro da sepultura com um rasgo enorme na barriga.
Chegou em casa e preparou um jantar que o marido comeu estalando os
beiços. Na hora mais silenciosa da madrugada, Maria Angula acordou ouvindo
barulhos estranhos dentro de casa. O vento, esta noite, soprava através das
janelas de um jeito diferente. Maria Angula tentou voltar a dormir, mas escutava
o som de passos em sua sala. O som dos passos subiu a escada que dava
para o quarto de Maria Angula, e seguiu pelo corredor. Maria Angula,
apavorada, tremia de medo debaixo das cobertas e escutou a maçaneta girar.
A maior parte das pessoas passará a vida inteira sem jamais ver nada tão
horrendo quanto o que Maria Angula viu quando pôs a cabeça para fora das
cobertas. O defunto que havia desenterrado estava agora de pé, em seu
quarto. Bambo, porém de pé e com um talho gigantesco na barriga do qual
seus órgãos saíam, dependurados como pingentes. O morto repetia sempre a
mesma frase como se fosse uma ladainha “Maria Angula, devolva minhas
tripas e o meu estômago que você roubou da minha santa sepultura! Maria
Angula, devolva minhas tripas e o meu estômago que você roubou da minha
santa sepultura! Maria Angula, devolva minhas tripas e o meu estômago que
você roubou da minha santa sepultura!”. O marido de Maria Angula só acordou
no dia seguinte, descansado e feliz pela janta da noite anterior. Não encontrou
Maria Angula dormindo ao seu lado porque depois daquela noite nunca mais
ninguém soube que fim a moça levou. Ah, mas isso eu já sabia.
CORO​ ​(cantando “Ladainha da Maria Angula”)
Maria Angula, língua de enguia
Contava lorota todo santo dia
Maria Angula, língua de enguia
Sempre falava “mas isso eu já sabia!”

QUARTA HISTÓRIA – A MÁQUINA MALDITA

Essa história que eu vou contar para vocês não foi comigo que aconteceu não,
mas com o tataratataratataraneto de um amigo meu. O nome dele é Francisco.
Um dia Francisco e seu irmão Carlos estavam passeando pelas ruas do centro,
perto de onde moravam, até que avistaram um antiquário – que é uma loja que
vende os mais diversos cacarecos de todas as épocas. Resolveram investigar.
Entraram pela porta que se abriu com um rangido e ficaram observando
maravilhados o interior da loja: castiçais de ouro envelhecido amontoavam-se
no balcão de madeira escura, pelas paredes quadros de crianças com olhos
enormes dividiam espaço com estranhos relógios-cuco, em largas estantes
espalhavam-se frascos de vidro marrons e livros de páginas amareladas, tudo
sob a luz de um enorme lustre de cristal. “Tem alguém aí?”, perguntou receoso
Carlos. Na falta de resposta, Chico continuou a bisbilhotar. “Olha só o que eu
achei!”, disse ele pegando uma câmera fotográfica, daquelas bem antigas, com
cara do século passado. Levou-a ao rosto e apertou o botão, brincando de tirar
foto do irmão que, mesmo impaciente, abriu um sorriso. Após o “clic!” a câmera
cuspiu uma foto e qual não foi sua surpresa quando, em vez do menino com
sorriso no rosto a fotografia mostrou várias prateleiras caídas, amontoadas pelo
chão. “Acho que tem alguma coisa errada...”, começou a dizer Chico. “Deixa eu
ver!”, pediu Carlos, mas quando ele se aproximou para espiar a fotografia
tropeçou em uma estante que caiu, derrubando outra e outra e outra, como um
efeito dominó. E não é que o resultado foi igual o mostrado pela foto?
Francisco foi até seu irmão para mostrar a estranha fotografia, mas, de
repente, uma voz grave gritou “Quem está aí?”. Os meninos, alarmados,
saíram correndo para fora do antiquário e, chegando à esquina seguinte,
Francisco percebeu que levou consigo a câmera. Pelo resto do caminho até a
casa em que moravam, ficaram divagando sobre o acontecido, será que aquela
câmera era capaz de prever o futuro? Chegando em casa, o pai dos meninos
os chamou na garagem, tinha acabado de comprar um carro novinho em folha.
“Gostaram?”, perguntou e, ao ver a câmera nas mãos de Francisco pediu que
tirasse uma foto. O garoto, um pouco receoso, levou a câmera até o rosto e
apertou o botão. Após o “clic!” a câmera cuspiu uma foto e qual não foi sua
surpresa quando, em vez do carro tinindo de novo a fotografia o mostrou
inteiramente amassado. Chico e o irmão olharam aterrorizados e, quando o pai
se aproximou para ver, trataram de escondê-la. “Não funcionou!”, exclamou
Francisco e Carlos continuou “Além do mais, o carro nem é tão legal! Você
deveria devolver!”. O pai deu uma risada, “é cada coisa que essas crianças
inventam!”. No dia seguinte, na escola, os meninos receberam a notícia de que
o pai tinha acabado de sofrer um acidente de carro. Quando se reuniram em
casa, desesperados, trataram de esconder a câmera. Não seria ela a possível
causadora do acidente? Não seria uma câmera amaldiçoada? Mas o que eles
não esperavam era que a mãe acharia a câmera maldita quando foi ao quarto
dos meninos. Ela a tomou nas mãos, apontou para Carlos e apertou o botão.
Após o “clic!” a câmera cuspiu uma foto. Francisco, em aflição, pegou a foto
antes que a mãe pudesse vê-la e, qual não foi sua surpresa quando, em vez do
irmão sentado na cama distraído, a fotografia mostrou a cama inteiramente
vazia. Enfiou a fotografia no bolso para que ninguém mais a visse e desceu as
escadas, correndo para a varanda para tomar um ar após o susto. Minutos
depois a mãe lhe pede “Francisco, chama o seu irmão para jantar”. O menino
foi até o quarto de Carlos, mas o garoto não estava lá. Chico gritou pelo irmão,
o procurou por toda a casa, mas nada de achá-lo. Tinha desaparecido! Bem,
de Carlos nunca mais se ouviu falar, já Francisco virou um grande fotógrafo. E
não é que ele me deu uma lembrancinha quando fui visitá-lo? (Levanta uma
câmera) Querem tirar uma foto?!

QUINTA HISTÓRIA – O BICHO-PAPÃO

Eu vou contar pra vocês a história do bicho papão. Todo mundo aqui já ouviu
falar do bicho papão. E aposto que cada um de vocês tem uma história
diferente pra contar sobre ele. E se um dia vocês se perguntarem qual é a
história verdadeira do bicho papão a resposta é: todas. Tudo que vocês já
ouviram falar sobre o bicho papão é verdade. Isso porque ele é um ser que se
transforma. Ele
sempre aparece na forma do seu maior medo. Ele aparece diferente pra cada
um. Eu quando era criança antes de dormir sempre via uma aranha sair do
meu armário e se esconder debaixo da minha cama. Eu demorei pra entender
que aquilo era um bicho papão disfarçado de aranha. Aranhas sempre foram
meu maior medo. E o seus maiores medos, quais são? ​(pergunta para as
crianças seus medos).​ Conversando com vocês eu me lembrei da história de
um amigo de um amigo meu. Certa noite antes de dormir ele ouviu um ruído
que vinha de dentro do armário. Ele se cobria de medo e ficava escondido até
pegar no sono. Um dia ele decidiu ver o que era. Ele colocou a cabeça pra fora
da coberta e se concentrou no barulho. De repente a porta do armário foi se
abrindo devagarinho ​(descreve o monstro de acordo com a descrição das
​ menino gritou e o pai dele entrou preocupado no quarto​. ​O pai
crianças). O
abriu o armário no susto, mas não encontrou nada. Quando o pai abriu o
armário o monstro havia se transformado. Não tinha mais nada ali. Nem o
bicho, nem o skate do menino, nem suas roupas nem nada. Tudo
desapareceu. Isso porque o maior medo daquele pai era de que se filho um dia
fosse embora. ​Esse menino me contou um dia como ele se livrou do bicho. O
que os monstros mais gostam no mundo é de dinheiro. Pra se livrar deles você
precisa pegar uma moeda dessas - dessas de verdade - soprar ela pensando
no seu maior medo e jogá-la pra cima ​(mágica: a moeda arremessada
desaparece). Se ela sumir o bicho foi embora. Mas se ela cair no chão é
porque ele vai voltar.

CORO​ ​(cantando “O Que Tem Dentro do Medo”)


Dentro do medo o que é que tem
Bruxa, barata, fantasma, brinquedo
Medo de perder alguém
Monstro, boleto, medo de ter medo

SEXTA HISTÓRIA – ZÉ MALANDRO

O Zé Malandro era um rapaz muito bacana, mas malandro que nem só ele.
Trocava um dia no batente no trabalho, por uma tarde jogando baralho.
Trocava qualquer dia no serviço, por uma noitada de forró. Por conta desse
jeito folgado, Zé Malando era pobre, pobre de marré. Uma tarde, preparando o
almoço, entre o baralho e a viola, Zé Malandro ouviu alguém batendo na porta.
Era um homem muito velho que lhe pediu um pouco de comida. Zé Malandro
olhou para o pão seco e o pouquinho de feijão que estavam na boca do fogão e
disse: “Bom, onde um quase não come, dois quase não vão comer também!
Sente-se ai!” Os dois riram e comeram. E depois de muita prosa, o velho
senhor contou pro Zé Malandro que tinha poderes mágicos, e que concederia
ao Zé, quatro pedidos pela sua generosidade. O homem sugeriu que Zé
pedisse a proteção de deus, ou que fosse absolvido pelos seus pecados e até
sua entrada no céu. Mas Zé Malandro, depois de alguns minutos pensando
respondeu: “Eu não quero nada disso... O que eu queria mesmo era ser
invencível no baralho.” O velho consentiu e disse-lhe que restavam ainda três
pedidos. Zé Malandro então falou: “Sabe, eu gostaria de uma figueira onde
quem subisse nela só conseguisse descer com a minha permissão.” O velho
concedeu. “E um banquinho onde quem sentasse nele só conseguisse descer
com a minha permissão.” O velho concedeu. “E um saco de pano onde quem
entrasse nele também, só saísse com a minha permissão.” Achando tudo muito
estranho o velho mais uma vez concedeu. Despediu-se e foi-se embora. A
partir desse dia Zé se preocupou com nada vezes nada. Plantou uma figueira
do lado da casa e passava seus dias na rede, ou jogando baralho e às noites
dançando forró. Como sempre ganhava no baralho, tinha dinheiro para
comprar comida e as coisas de que precisava. Mas quando a vida tá assim
boa, o tempo voa. A figueira virou uma árvore frondosa e Zé Malandro foi
ficando velho, muito velho... Certa noite, enquanto prepara o jantar, Zé
Malandro ouviu alguém batendo na porta. Mas dessa vez era uma mulher de
capa preta. Ao se aproximar da porta, Zé pôde ver que ela segurava na mão
uma foice afiada. Ao abrir a porta ela disse: “Zé, pode se preparar, chegou a
sua hora.” Zé entendeu que aquela era a morte. Assustado tentou argumentar:
“Mas já? Deve haver algum engano. Eu me sinto tão bem!” “Eu não me
engano, disse a morte.” “E se está pronto, vamos.” Zé, então, com lágrimas nos
olhos perguntou à morte: “Posso lhe fazer um ultimo pedido? Eu quero muito
comer um ultimo figo antes de morrer.” A morte sem paciência respondeu:
“Pois ande logo com isso.” “Mas sabe o que é? Eu estou muito velho pra subir
na figueira... Eu te imploro Dona Morte, faça isso por mim. . É o ultimo desejo
de um pobre velho.” A morte resmungou, mas aceitou. Subiu na árvore,
arrancou um figo e lá ficou. E a coitada não entendia porque não conseguia
descer. Zé Malandro, espertalhão, deu uma gargalhada e se despediu. Foi pra
cidade jogar baralho e dançar forró. Deixou a morte presa lá em cima, furiosa.
Algum tempo depois, a morte, já tendo a feito de tudo para convencer o Zé a
deixa-la sair de lá, ele finalmente lhe propôs um acordo. Ele permitiria que a
morte descesse, se ela o desse mais sete anos de vida. Sem conseguir contra
argumentar, a morte que já estava cansada de dormir ao relento, fechou
acordo com Zé Malandro. Desceu da figueira e foi embora correndo. Mas o
tempo é invisível, e passa dia e noite e não se vê, e logo os sete anos
negociados com a morte se passaram, e na data prevista, no cair da noite, Zé
escutou alguém bater na porta. Dessa vez era um rapaz alto e bonito. Mas foi
só o moço tirar o chapéu que Zé Malandro viu os chifres e entendeu tudo. A
morte tinha enviado o diabo para levá-lo. Zé Malandro tentou argumentar, mas
o diabo disse que não tinha papo. A hora dele tinha chegando. Então Zé, com
lágrimas nos olhos pediu pro diabo que concedesse um último pedido. O diabo
se riu e disse que não subiria em figueira nenhuma, mas Zé respondeu, que
não se tratava disso. O que ele queria mesmo era dar um ultimo traguinho de
cachaça. O diabo, que não é bobo nem nada, lambeu os beiços e se convidou
pro deguste. Zé Malandro então empurrou o banquinho pra ele e disse:
“Sente-se ai que eu vou pegar a garrafa.” Dito e feito. O diabo sentou e não
conseguia mais levantar. Zé Malandro então riu na cara do diabo e se
despediu: “Eu é que não vou ficar aqui te ouvindo gritar, eu vou pra cidade
dançar um forrózinho, e saiu de casa saltitante.” Algum tempo depois, tendo o
Zé cansado de ouvir o diabo gritar e brigar, se sentou a mesa pra propor um
acordo ao Sete Peles. “O senhor vem me buscar em sete anos e eu te deixo
levantar do banquinho.” O diabo, percebendo que o homem não ia ceder não
fosse o trato, consentiu. Pensou que sua mulher, a diaba, já devia estar furiosa
pelo seu sumiço nos últimos dias, desacreditada da sua fidelidade e assim que
Zé o deixou sair, o diabo disparou como um foguete. Assim Zé Malandro
continuou sua vidinha folgada e feliz, jogando baralho e dançando forró, cada
vez mais velho, cada vez mais invencível. Mas o tempo anda a cavalo, e se
aproximava a data de seu acordo com o tinhoso. Zé Malandro então decidiu se
preparar. No dia exato em que se completariam os sete anos, Zé apagou todas
as luzes e fechou a casa inteirinha, portas e janelas, com exceção de uma.
Deixou a janela do quarto entreaberta, embaixo dela colocou um saco de pano
bem aberto. Zé se escondeu atrás da cama e ficou ouvindo. Mas dessa vez
não eram só dois os barulhos dos passos, pareciam mais, pareciam quatro. Foi
quando ele ouviu do lado de fora da casa uma conversa: “Ô diabo, mas essa
casa tá é inteirinha trancada” “Calma Diaba, a gente dá um jeito de entrar e
pega ele de surpresa quando ele chegar em casa.” O diabo estava
acompanhado de sua esposa, a Diaba, que não tinha acreditado nem um
pouquinho naquela história do sumiço do marido por conta de banquinho
mágico. “Amor, achei uma janela aberta!” Os dois entraram na casa de Zé
Malandro, mas o que eles não esperavam era caírem dentro daquele saco, que
Zé rapidamente fechou. “Olha aqui vocês já sabem que eu tô falando sério. Eu
quero mais sete anos ou vocês dois vão ficar presos aí uma eternidade.” O
diabo e a diaba perceberam que não tinham muito que fazer e consentindo,
foram embora. Depois de algum tempo Zé Malandro se deu conta que ele
estava velho demais. E se cansou de viver. Um dia, deitou-se na cama fechou
os olhos e ‘entregou a rapadura’. Quando Zé morreu ele foi direto pras
profundezas do inferno. E ao bater na porta, o diabo disse em alto e bom som:
“O senhor não fica aqui de maneira nenhuma! Depois de tudo que eu passei na
sua mão, Zé Malandro, é muita audácia te deixar se hospedar pra sempre na
minha casa. Vá embora Já!” Sem saber direito o que fazer, Zé Malandro foi pro
céu. E ao bater na porta do céu foi recebido por São Pedro. “Ô seu Zé
Malandro, o senhor não pode ficar aqui não. O senhor sabe das regras. Com o
tanto que o senhor aprontou na Terra seria um ultraje hospeda-lo aqui. Além do
mais, você não quis ser protegido, nem pedir seu lugar no céu, ou pedir perdão
pelos seus pecados quando teve chance. No céu você não fica.” E assim, sem
ter muito pra onde ir, Zé Malandro voltou pra Terra... Dizem que até hoje anda
por aí, cada vez mais velho cada vez mais invencível no baralho, sempre
procurando um forrózinho pra dançar.

CORO​ ​(cantando “Um Amigo de um Amigo Meu” versão forró)


Não disse que a história é real
Mas com certeza aconteceu
Essa história quem viveu (não fui eu)
Foi um amigo de um amigo meu
Foi um amigo de um amigo de um amigo de um amigo meu
Foi um amigo de um amigo de um amigo de um amigo de um amigo de um
amigo meu
Pra saber quem é vivo ou morto não tem como
Já vai terminar os Contos de Tirar o Sono
Pra saber quem é vivo ou morto não tem como
Companhia Zero8 e os Contos de Tirar o Sono

FIM

Você também pode gostar