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Guia de Abordagem

Transdisciplinar
na Síndrome de Down (T21)

Guia de Abordagem
Transdisciplinar
2018

na Síndrome de Down (T21)

Organização: Emilia J. F. Gama


Guia de Abordagem
Transdisciplinar
na Síndrome de Down (T21)

2018
© 2018 IEPSIS- Instituto de Educação e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social.

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Jatiúca- Maceió/Al.
Site: www.iepsis.com.br
E-mail: contato@iepsis.com.br

Coordenação:
Emilia J. F. Gama

Revisão: Hector Echaniz

Revisão Técnica: Emilia J. F. Gama

Fotografia: Evandro Assis

Cessão de fotos
IPEL DOWN - Associação Ivone e Pedro Lanza

Colaboração:
Emília Gama
Carolina Capuruço
Adriana Lima
Elisabete Carrara
Fabiana Abreu
Adriana Leister
Andreia Torres
Rubens Warjnsztejn
Ana Claudia Figueiredo
Joelson Costa Dias
Gonzalo de Alencar Lopez
Flavia Poppe
Fabio Bertapelli
Gil Guerra
Flavia Cortinovis
Mariana Galvão
Jessica Pereira
Nanci S. Palmieri de Oliveira
Paulo Roberto Campagnoli
Guia de Abordagem
Transdisciplinar
na Síndrome de Down (T21)

Organização:
Emília J. F. Gama
Dedico este livro a professora Doutora Marilene Cardoso.
Ela que contribuiu imensamente com seu vasto conhecimento na educação
inclusiva da pessoa com T21, diminuindo o distanciamento da deficiência inte-
lectual e o mundo acadêmico. Uma fonte rara e inesgotável de conhecimento e
inspiração para mim.

Emília Gama
Agradecimento

Pessoas do bem se encontram. Isto faz parte da lei espiritual. Esse li-
vro é um encontro de propósitos, entre o IEPSIS – Instituto de Ensino e
Pesquisa em Saúde e Inclusão Social, e o IPEL DOWN – Associação Ivone e
Pedro Lanza. Sendo mais especifica, entre Emília e Cátia. A realização desse
sonho, é o resultado da garra dessa incrível mulher Cátia Andrade, que me
ajudou a tirar do papel e fazer acontecer, um projeto sonhado desde o nas-
cimento do meu filho Guel. Um Guia para nortear uma família que acabara
de receber seu bebê com t21, que inicialmente, parece ser uma experiência
complexa. Entretanto, aos poucos, perceberão que essa complexidade é
igual ao cuidado e educação de qualquer filho.

Ela que faz a diferença em mais de 65 famílias no interior de Minas


Gerais. Diferença essa, que me alcançou em Maceió. Obrigada por fazer
acontecer na vida dessas pessoas, no terceiro setor e agora em minha vida.
Que o terceiro setor tenha gestões como a sua. Obrigada por chegar e ficar.

Emília Gama
Desde que me tornei mãe de uma criança com síndrome
de Down tenho buscado levar a efetividade da palavra inclusão”
por onde passo. Miguel, meu filho de 8 anos, contribuiu imensa-
mente nesse processo e na transformação de minha maneira de
ser e estar no mundo. Há quase dez anos a luta segue e estou
certa que por muitos outros anos ela não cessará. A Miguel, devo
parte daquilo que sou enquanto profissional, mãe e ser humano.
A ele, ao meu outro filho Arthur, a Nadyr, ao Gre-
gor e toda minha família, devo mais essa conquista, a
eles e a centenas de crianças, jovens e adultos com sín-
drome de Down. A conquista é nossa! E aos amigos e co-
laboradores desse livro, a minha mais singela gratidão.

Por Migueis, Joãos, Marias e Rafaeis. Avante!

Emília Gama
Sumário

Introdução - 13
• 1. Aspectos e protocolos clínicos na síndrome de Down (T21) - 16
• 2. Cardiopatias na criança e no adolescente com síndrome de Down (T21) - 28
• 3. Fisioterapia - 38
• 4. A importância de terapia ocupacional na vida da pessoa com síndrome de Down (T21) - 48
• 5. Integração sensorial e a criança com Síndrome de Down (T21) - 56
• 6. Alterações fonoaudiológicas e apraxia de fala na síndrome de Down (T21) - 66
• 7. Síndrome de Down (T21) e educação - 74
• 8. Nutrição e modificações epigenéticas na síndrome de Down (T21) - 80
• 9. Transtornos neuropsiquiátricos na síndrome de Down (T21) - 86
• 10. O processo de inclusão em educação: a diversidade como valor - 92
• 11. Direito à saúde das pessoas com deficiência - 98
• 12. A capacidade civil das pessoas com deficiência: Um novo paradigma e muitos desafios - 104
• 13. A Importância dos exercícios e atividades físicas na síndrome de Down (T21) - 116
• 14. Mercado de trabalho: avançando na capacitação e prosperando no emprego apoiado - 130
• 15. Vida adulta de pessoas com deficiência e a importância das moradias para a autonomia e inde-
pendência - 150
• 16. Envelhecimento: desafios, perspectivas, e possibilidades reais na síndrome de Down (21) - 162
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Introdução
CÁTIA DE ALMEIDA BASTOS ANDRADE

S
egundo a Federação Brasileira das Associações
de Síndrome de Down, um em cada 700 recém-
-nascidos no país apresenta síndrome de Down
(T21). De acordo com essa estatística, estima-se que
270 mil pessoas vivam com a síndrome no Brasil.
A T21 ou Síndrome de Down, como é popular-
mente conhecida, é uma condição genética carac-
terizada, na maioria das vezes, pela presença de três
cromossomos no par 21. Essa síndrome provoca al-
terações metabólicas, físicas e cognitivas.
Pesquisas mostram que o atendimento médico
especializado e intervenções interdisciplinares pre-
coces ampliam o desenvolvimento motor, cognitivo,
sensitivo, social e escolar dessas crianças. Ações des-
de a primeira infância e no decorrer da vida transfor-
mam essa realidade, aumentando as possibilidades
de inclusão sócio afetiva.

14
INTRODUÇÃO

Infelizmente, a falta de informação proporciona Por meio de pesquisas de repercussão interna-


os mais diversos tipos de segregação e estigma, des- cional, artigos atualizados e conhecimentos cientí-
de o ambiente social até o familiar. Muitas vezes, os ficos amparados pelos mais conceituados profis-
fatores limitantes são evidenciados em contraponto sionais da área, o Guia evidencia que pessoas com
ao potencial não desenvolvido e às diferenças po- síndrome de Down (T21) podem apresentar desen-
sitivas, como o relacionamento social e afetivo, por volvimento intelectual e físico para uma vida plena,
exemplo. com independência pessoal, descoberta de habili-
Devido à falta de informação sobre o tema, a dades e valorização social.
síndrome de Down (T21) costuma ser indevida- Entretanto, para que isso ocorra, esses indiví-
mente associada a uma doença ou à incapacidade duos precisam de atendimento médico especiali-
intelectual. zado nas patologias comuns à síndrome, acesso à
Essa redução do indivíduo à sua condição forta- inclusão escolar e acompanhamento interdiscipli-
lece o preconceito e cria obstáculos para a formação nar precoce, com fonoaudiologia, terapia ocupa-
de vínculos sócio afetivos e profissionais, intensifi- cional, fisioterapia, psicologia, pedagogia e terapias
cando o isolamento social, suprimindo as manifesta- alternativas.
ções criativas e reduzindo suas possibilidades. Detentor desse conhecimento, o Guia de Esti-
Cientes dessa realidade, apresentamos o projeto mulação Abordagem Interdisciplinar na síndrome de
GUIA DE ESTIMULAÇÃO – ABORDAGEM INTERDIS- Down (T21) vem potencializar e disseminar informa-
CIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21). ções seguras para o atendimento necessário e legal
O Guia de Estimulação contém informações com de toda pessoa com a síndrome de Down (T21), para
bases científicas de forma precisa e uniforme, levan- que sua qualidade de vida seja preservada e seus di-
do aos profissionais que atuam na área, maiores e reitos, respeitados.
melhores condições para atenderem com maior se-
gurança e eficácia pacientes e alunos com a síndro-
me de Down (T21).
O Instituto de Educação e Pesquisa em Saúde
e Inclusão Social (IEPSIS), responsável pelo primeiro
curso de pós-graduação do Brasil voltado ao aten-
dimento de pessoas com a síndrome de Down (T21),
empregou todo seu know-how para desenvolver o
Guia de Estimulação Abordagem Interdisciplinar na
síndrome de Down (T21).

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

1. Aspectos e protocolos
clínicos na síndrome de
Down (T21)
POR DRA. CAROLINA CAPURUÇO*

S
índrome de Down (SD) ou trissomia do 21 caracteriza-se pela pre-
sença do cromossomo 21 extra na constituição genética das pes-
soas e determina características físicas e neurológicas específicas.
O termo síndrome (do grego “syndromé”, cujo significado é “reu-
nião”) refere-se a um conjunto de sinais e sintomas comuns em uma de-
terminada patologia ou condição. Não significa que todos os indivíduos
terão as mesmas afecções. Já o termo Down foi colocado em reconheci-
mento a Langdon Down, médico e pesquisador que primeiro descreveu a
associação do fenótipo daqueles com síndrome de Down (T21).
A incidência da síndrome de Down (T21) no Brasil é de 1: 600 - 800
nascidos vivos, independente do gênero, etnia ou condição socioeco-
nômica. A sobrevida dessa população aumentou consideravelmente nas

* Graduada pela UFMG. Mestre e Doutoranda pelo Centro de Pós-Graduação da UFMG.


Titulada pelas Sociedades Brasileiras de Pediatria e de Cardiologia. Pediatra e Cardiolo-
gista pediátrica e fetal pelo Hospital das clínicas – UFMG, Biocor Instituto e Clínica Dop-
som. Coordenadora da UTI neonatal Unineo-Neocenter.

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ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

últimas décadas. A sociedade agora encontra caminhos em cerca de 3 a 4% dos casos há uma translocação e em 1
e diretrizes para melhorar a qualidade de vida, ensino e a 2%, observa-se mosaicismo; segundo pesquisa realizada
inclusão desses indivíduos. pelo Ministério da Saúde em 1998.
A criança com síndrome de Down (T21) deve ser Apesar da diferença gênica, a expressividade das ca-
acompanhada por um pediatra que terá a visão geral do racterísticas é variada e não existe grau na síndrome de
pac iente e será o responsável por encaminhar aos espe- Down (T21). A presença ou ausência de características fí-
cialistas e equipe multiprofissional (fisioterapeutas, tera- sicas e intelectuais depende da ação recíproca de vários
peutas ocupacionais, fonoaudiólogos, odontologista, psi- fatores genéticos e ambientais.
cólogos, educadores físicos, e pedagogos, entre outros) Aos aspectos físicos mais marcantes da síndrome de
sempre que necessário. Down (T21) são as pregas palpebrais oblíquas para cima,
É importante formar especialistas competentes para epicanto (prega cutânea no canto interno do olho), base
o acompanhamento dessas crianças e de suas famílias nasal mais larga, face aplanada, protrusão lingual, exces-
desde o pré-natal ou, pelo menos, logo após seu nasci- so de tecido adiposo no pescoço, orelhas de implanta-
mento. Objetivamos tornar os adultos com síndrome de ção baixa, cabelo fino, clinodactilia do 5º dedo da mão (5º
Down (T21) proativos, independentes e trabalhadores dedo curvo), braquidactilia (dedos curtos), afastamento
com equidade de oportunidades na sociedade. entre 1º e o 2º dedos do pé, prega simiesca (prega palmar
única transversa), hipotonia, frouxidão ligamentar, diásta-
DIAGNÓSTICO CLÍNICO E LABORATORIAL se (afastamento) dos músculos dos retos abdominais e
hérnia umbilical. (Quadro 1)
Atualmente, o diagnóstico da síndrome de Down Na suspeita clínica de um recém-nascido com síndro-
(T21) pode ser feito ainda no primeiro trimestre da gra- me de Down (T21), mesmo que não estejam presentes to-
videz. Os cuidados com a gestante e com o feto são os das as características, é essencial que o ecocardiograma
mesmos, entretanto é importante fazer a avaliação cardía- seja realizado nos primeiros dias de vida, idealmente an-
ca através do ecocardiograma fetal, devido ao alto índice tes da alta da maternidade, devido ao alto índice de car-
de cardiopatias potencialmente cirúrgicas nos primeiros diopatias congênitas graves com necessidade de acom-
meses de vida, ou imediatamente após o nascimento. panhamento precoce e possibilidade cirúrgica.
Quando não realizado durante a gravidez, o diagnós- Algumas patologias podem se desenvolver ao longo
tico clínico baseia-se no reconhecimento dos sinais físicos da vida das pessoas com síndrome de Down (T21), por-
característicos na criança. Entretanto, é necessária a reali- tanto o médico assistente deve estar atento aos sinais e
zação do cariótipo ao longo do primeiro ano de vida para sintomas e investigá-las com mais rigor (Quadro 2).
confirmação genética.
A síndrome de Down (T21) pode apresentar-se de três
formas do ponto de vista citogenético. Na grande maioria
dos indivíduos (95%) ocorre a trissomia simples, ou livre,

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

QUADRO 1 – FENÓTIPO DA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Sistemas Sinais Clínicos


Fenda palpebral oblíqua para cima
Epicanto
Olhos
Sinófris
Manchas de Brushfield

Nariz Ponte nasal baixa


Palato estreito
Boca Alterações dentárias
Cabeça e pescoço Língua protrusa
Dismorfismo auricular
Orelhas
Implantação baixa
Braquicefalia
Formato e cabelos
Cabelos finos de implantação baixa
Curto
Pescoço Pele redundante
Excesso de tecido adiposo

Coração Cardiopatia
Tórax e abdome Hérnia umbilical
Abdome
Diástase de músculo reto abdominal
Frouxidão ligamentar
Tônus
Hipotonia
Prega palmar transversal
Locomotor
Mãos curtas e largas
Membros
Clinodactilia do 5º dedo
Separação entre o 1º e 2º dedos

Quadro 1 - Adaptado de: American Academy of Pediatrics, Committee on Genetics, 2011

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ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

QUADRO 1 – ALTERAÇÕES CLÍNICAS COMUNS EM INDIVÍDUOS COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

Sistemas Alterações Frequência (%)


Pseudoestenose do ducto lacrimal 85
Visão Vício de refração 50
Catarata 15
Perda auditiva 75
Audição
Otite de repetição 50 - 70
Defeito do septo atrioventricular
Cardiovascular Comunicação interventricular 50
Comunicação interatrial
Atresia de esôfago 12
Estenose/atresia de duodeno 12
Digestivo Doença celíaca 5
Megacólon aganglionar/Doença
1
de Hirschsprung
síndrome de West 1 – 13
Nervoso
Autismo 1

Endócrino Hipotireoidismo 4 - 18
Anemia 3
Hematológico
Leucemia 1
Instabilidade das articulações em
100
algum grau

Subluxação cervical sem lesão 15


Locomotor
Subluxação cervical com lesão
1-2
medular

Luxação de quadril 6

Quadro 2 - Adaptado de: American Academy of Pediatrics, Committee on Genetics, 2011

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

MOMENTO DA NOTÍCIA síndrome de Down (T21) deve estar ciente da necessidade


de uma triagem mais ampla, devido à maior incidência de
O momento da notícia do nascimento de uma crian- doenças.
ça com síndrome de Down (T21) é muito importante na As consultas de rotina devem ser mensais no primei-
aceitação inicial e adesão ao tratamento. O profissional ro ano de vida, trimestrais no segundo ano e anuais até
deve ser ético, acolhedor e humano, mas não deve de- os 13 anos. A seguir, de acordo com a demanda de cada
monstrar sentimento de tristeza ou dó. Deve parabenizar paciente.
pelo nascimento de uma nova vida, elogiar o bebê e es- O cariótipo deve ser solicitado ao longo do primei-
clarecer as dúvidas iniciais. ro ano de vida, considerando o momento mais oportuno
A pessoa mais indicada para dar a notícia do nasci- para o paciente.
mento de uma criança com síndrome de Down (T21) é o As curvas de crescimento pôndero-estatural e do
médico que tenha um vínculo maior com a família. A sus- perímetro cefálico devem ser específicas para indivíduos
peita do diagnóstico deve ser dada após um tempo em com síndrome de Down (T21) (Cronk e Mustachi), consi-
que a mãe e o pai já estejam próximos a seu filho e sempre derando sua menor velocidade de crescimento e tendên-
na presença de pelo menos dois familiares. cia à obesidade.
Após o impacto inicial, devem ser feitas as primeiras O estímulo neuropsicomotor deve ser realizado por
orientações essenciais antes da alta da maternidade e en- equipe multidisciplinar e o mais precocemente possível,
caminhamento para profissionais que poderão esclarecer respeitando a individualidade de cada um. É importan-
as dúvidas e acompanhar a criança com proficiência. te frisar em todas as consultas hábitos saudáveis de vida
É necessário enfatizar que não existe culpa de nin- para toda a família, como alimentação equilibrada, com o
guém e que a síndrome não tem cura, ela simplesmente mínimo de açúcares e frituras, prática de atividades físicas
existe. O tratamento das possíveis alterações relaciona- e estratégias de educação positiva para melhor desen-
das, desenvolvimento e acompanhamento depende da volvimento da autonomia para pessoa com síndrome de
família e de profissionais de saúde capacitados, para me- Down (T21). Modelos de estimulação global, desenvolvi-
lhorar a qualidade de vida e dar um futuro digno às pes- mento, inclusão social e planejamento são aplicados de
soas com síndrome de Down (T21). acordo com as diferentes faixas etárias dos pacientes.
O aleitamento materno deve ser sempre estimulado
posto que auxilia no vínculo materno-neonatal, melhora
PUERICULTURA a imunidade, os aspectos nutricionais, a força e o desen-
volvimento muscular. Algumas cardiopatias e a hipotonia
O acompanhamento da criança com síndrome de podem dificultar a amamentação, mas com auxílio ade-
Down (T21) deve seguir os cuidados de toda criança e in- quado pode ser mantida por longo tempo.
cluir alguns acompanhamentos e particularidades. O pe-
diatra responsável pela puericultura de uma criança com

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ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

CUIDADOS COM A SAÚDE cardiopatias acianogênicas, destaca-se a importância de


DAS CRIANÇAS DE 0 A 2 ANOS detectar defeitos cardíacos cianogênicos, como a Tetralo-
gia de Fallot, que podem causar crise de cianose e levar a
Após a comunicação do diagnóstico, o cuidado óbito, se a criança receber alta sem diagnóstico.
com o recém-nascido deve seguir as mesmas diretrizes Pacientes cardiopatas devem manter acompanha-
de qualquer criança, tais como: imunização, aleitamento mento com cardiologista pediátrico. Em crianças sem
materno, vínculo familiar, acompanhamento periódico ao cardiopatia congênita é interessante realizar um ecocar-
pediatra e testes de triagem padronizados. Entretanto, diograma entre 1 e 2 anos de idade para avaliar a função
outros exames serão necessários para exclusão de pato- biventricular, hipertensão arterial pulmonar, além do risco
logias frequentes naqueles com síndrome de Down (T21), de desenvolvimento de cardiopatias adquiridas.
como o ecocardiograma, hemograma e TSH (Hormônio
Estimulante da Tireoide), caso não tenha sido colhido no • Avaliação Hematológica (aos 6 meses, 12
teste do pezinho. meses e, a seguir, anualmente)

• Testes de Triagem Neonatal O hemograma é importante para afastar alterações


hematológicas precoces, policitemia, leucemia e Doença
- Teste do pezinho (hipotireoidismo congênito, fenil- Mieloproliferativa Transitória (presente em 10% dos neo-
cetonúria, doença falciforme, fibrose cística, deficiência natos). Deve ser realizado em vigência de sinais clínicos de
de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita) palidez, fadiga, sangramentos ou hepatoesplenomegalia,
- Teste coraçãozinho (oximetria nos membros supe- independentemente da idade. A plaquetopenia, anemia
riores e inferiores) progressiva e o aumento, ou diminuição, do número de
- Teste do reflexo vermelho de Bruckner (avalia o eixo leucócitos são os primeiros sinais de leucemia.
visual do olho e glaucoma congênito)
- Teste de otoemissões acústicas • Avaliação do Perfil Metabólico

• Ecocardiograma Função tireoidiana (TSH, T4 livre, T3 total) aos 6 e 12


meses e, a seguir, anualmente. Alterações na função ti-
Exame essencial considerando-se que metade das reoidiana estão presentes em 15 a 22% das pessoas com
crianças com síndrome de Down (T21) têm cardiopatia síndrome de Down (T21), sendo o hipotireoidismo con-
congênita. As mais comuns são defeito do septo atrio- gênito a desordem mais comum. Mediante alterações
ventricular total, comunicação interatrial e comunicação clínicas sugestivas de hipotireoidismo, uso de diuréticos
interventricular. O tratamento deve ser precoce antes que ou outras medicações e exames prévios alterados, fica a
a insuficiência cardíaca se instale e cause danos hemo- critério do médico assistente a avaliação laboratorial em
dinâmicos, pulmonares e nutricionais sérios. Além dessas períodos diferentes.

21
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Glicemia jejum, hemoglobina glicosada e lipidograma como glaucoma congênito, megalocórnea, estrabismo
(colesterol LDL, HDL, VLDL e triglicérides) devem ser cole- (38%), nistagmo (18%), erros de refração e estenose do
tados anualmente. ducto lacrimal são frequentes e devem ser investigadas.
Devemos sempre lembrar que a triagem de rotina As manchas de Brushfield são máculas de cor branca ou
é para aqueles assintomáticos, mas a avaliação deve ser acinzentadas na periferia da íris como grãos de sal, benig-
individualizada para cada paciente. A coleta desses exa- nas e desaparecem em até um ano de vida.
mes não deve ser excessiva, sobretudo nessa faixa etária,
cujo crescimento somático demanda grande produção • Avaliação Otorrinolaringológica (aos 6me-
de eritrócitos. ses, 12 meses e, a seguir, anualmente)

• Avaliação do Sistema Digestivo Episódios de repetição de otite média serosa estão


presentes em 50 a 70% das crianças e podem levar a per-
Atresia de esôfago, membrana de duodeno e doença da auditiva em graus variados. A disacusia e/ou hipoa-
de Hirschsprung são doenças do aparelho digestivo de cusia afetam consideravelmente a aquisição da fala e da
acometimento precoce que devem ser diagnosticadas e linguagem, associando-se a distúrbios cognitivos, com-
tratadas rapidamente. As principais manifestações clíni- portamentais e sociais.
cas são hipersalivação, dificuldade de deglutição, vômi- Exames importantes na avaliação auditiva:
tos, distensão abdominal, ausência de mecônio nas pri- - Teste de otoemissões acústicas
meiras 48 horas. - BERA (audiometria de tronco cerebral) 6 em 6meses.
Outras afecções comuns ao longo dos primeiros três - Imitanciometria (timpanometria ou impedanciome-
anos de vida são a constipação intestinal, refluxo gastroe- tria), de acordo com a necessidade.
sofágico, doença celíaca e a litíase biliar (8%).
Exames importantes na avaliação gastrointestinal • Avaliação Ortopédica Anual
incluem:
- Ultrassonografia abdominal. As alterações ortopédicas englobam hipotonia (pre-
- Pesquisa de anticorpos antigliadina e antiendomísio. sente em 100% dos recém-nascidos), baixa estatura e
- Exames invasivos e contrastados apenas sob a hiperfrouxidão ligamentar, além de alterações na pelve e
orientação de especialistas. articulação do joelho. Quanto maior a hipotonia, maior o
atraso na aquisição dos marcos de desenvolvimento mo-
• Avaliação Oftalmológica (aos 6meses, 12 tor, como sustentar a cabeça, sentar, engatinha e andar. A
meses e, a seguir, anualmente) estimulação global deve ser iniciada assim que as condi-
ções clínicas da criança permitam.
A catarata está presente em 3% dos recém-nascidos A instabilidade cervical atlanto-axial (C1 – C2) está
com síndrome de Down (T21). Outras doenças oculares presente em até 31% das crianças; e a occipto-atlantal em

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ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

8,5%, ambas costumam ser assintomáticas. Entretanto, variabilidade podemos citar as cardiopatias congênitas,
deve-se orientar a família para o correto posicionamento hipotireoidismo, crises convulsivas, etc.
do pescoço para prevenir lesão medular. Movimentos de As manifestações epilépticas ocorrem em cerca de
flexão e extensão total da coluna cervical como camba- 8% dos indivíduos com síndrome de Down (T21), incidên-
lhotas, mergulhos, cavalgadas e ginástica devem ser rigo- cia 4 vezes maior do que na população geral. Há dois picos
rosamente evitados. de maior incidência, 40% antes de 1 ano e 40% em idade
Exames importantes na avaliação ortopédica: adulta mais avançada, associadas à Doença de Alzheimer.
- Ultrassonografia do quadril aos 6 meses, caso haja A síndrome de West, ou espasmos epiléticos, tem incidên-
instabilidade. cia maior nas crianças com síndrome de Down (T21), so-
- Verificar ao exame físico e durante deambulação o bretudo em menores de um ano.
pé plano e instabilidade rótulo-femural. O acompanhamento com um neurologista pediátrico
- Raio-X cervical atlanto-axial (C1-C2) ao ficar em pé desde o início é importante para orientar as diversas tera-
(posição neutra). pias de reabilitação e estimulação global precocemente.
Além de tratar possíveis alterações epilépticas quando
• Distúrbios Respiratórios necessário.

As afecções respiratórias são muito comuns em lac- • Avaliação Odontológica Semestral


tentes com síndrome de Down (T21) por vários fatores
anatômicos e funcionais, tais como: cardiopatia congênita, O acompanhamento odontológico deve ser preco-
obstrução das vias aéreas superiores, hipotonia, hipopla- ce, preferencialmente com início aos 6 meses de vida. O
sia pulmonar, refluxo gastroesofágico e imunodeficiência. odontopediatra avalia toda a cavidade oral, faz a preven-
A principal causa de internação hospitalar e morbidade ção de cáries e doenças periodontais. Além de orientar
nessa faixa etária se deve às doenças pulmonares. a família sobre mediadas importantes como aleitamento
Os médicos devem sempre estar atentos para o tra- materno, uso de mamadeira e chupeta, hábitos dietéticos
tamento precoce e ação multidisciplinar, principalmen- e higienização bucal.
te fisioterapia respiratória, na prevenção dos distúrbios
ventilatórios.
CUIDADOS COM A SAÚDE DAS
• Avaliação Neurológica Anual CRIANÇAS DE 3 A 10 ANOS

Algum grau de disfunção neuromotora ocorre na O acompanhamento regular do crescimento e de-


síndrome de Down (T21), ocorrendo considerável varia- senvolvimento da criança deve ser semestral. A prática de
ção individual no grau e no padrão do comprometimento atividades físicas, vida saudável e alimentação adequada
neurológico. Entre os fatores que podem interferir nessa devem ser mantidas.

23
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

O apoio psicopedagógico, educacional, desenvolvi- diária da pele, uso de sabonetes neutros, banhos mornos
mento de autonomia e socialização deve ser sempre re- e rápidos, são cuidados simples que ajudam a prevenir
forçado. Nesse grupo de pacientes, há orientação para a várias afecções. Outras doenças autoimunes como vitili-
prevenção de abusos físicos e sexuais, por meio do de- go e alopecia areata podem se manifestar e devem ser
senvolvimento da autonomia e do autocuidado. tratadas por especialista. O acompanhamento periódico e
A equipe multiprofissional para crianças entre 3 e 10 preventivo com dermatologista é recomendado quando
anos é constituída de fonoaudiólogo, psicólogo, terapeu- há alterações específicas.
ta ocupacional, educador físico, nutricionista e pedagogo,
além do acompanhamento médico e odontológico. • Avaliação Cardíaca - se Necessária

• Apneia do Sono – Polissonografia Lembrar que mesmo aqueles sem cardiopatia congê-
nita, podem evoluir para cardiopatias adquiridas e hiper-
A síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) tensão arterial pulmonar.
tem alta prevalência em pré-escolares com síndrome de
Down (T21) devido a uma combinação de fatores anatô- • Avaliações Otorrinolaringológica, Oftalmo-
micos e funcionais: alterações craniofaciais, macroglossia, lógica e Neurológica Anuais
hipertrofia de adenoide e amígdalas, obesidade e hipoto-
nia da musculatura. • Avaliação do Perfil Metabólico e Hemogra-
Os principais sintomas da SAOS são ronco, respiração ma Anuais
bucal, movimentação intensa durante o sono, sonolência
diurna, além de alterações cognitivas e comportamentais • Avaliação Ortopédica
como déficit de atenção e hiperatividade.
A polissonografia deve ser realizada rotineiramente Tendo em vista a maior mobilidade da criança, nesta
aos 4 anos de idade. Entretanto, caso o paciente apre- fase ela deve ser muito bem orientada quanto às ques-
sente sintomas de SAOS, deve ser solicitada o mais rapi- tões de profilaxia de lesão cervical. Pais e professores
damente possível. O diagnóstico e o tratamento precoce devem ser advertidos quanto ao risco de lesão cervical
auxiliam significativamente na melhoria da qualidade de durante a prática esportiva.
vida. Raio-X cervical atlanto-axial (C1-C2) ao ficar em pé,
aos 3 e 10 anos*.
• Cuidados Adicionais com a Pele *Avaliação radiológica cervical deve ser realizada pri-
meiramente em posição neutra, estando dentro da nor-
Nessa faixa etária observam-se sinais de ressecamen- malidade se procede com a avaliação dinâmica em ex-
to cutâneo e predisposição a alterações dermatológicas tensão e flexão. Em alguns serviços o exame é realizado
como dermatites, foliculites e ceratose pilar. A hidratação apenas em pacientes que praticam esportes.

24
ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

• Avaliação Odontológica Semestral Preventi- • Apneia do Sono – Mantém índice elevado e


va e Enfatizando o Autocuidado. deve ser sempre avaliada.

• Cuidados Adicionais com a Pele – semelhan-


CUIDADO COM A SAÚDE DAS CRIANÇAS E DOS te à faixa etária anterior.
ADOLESCENTES DE 11 A 18 ANOS
• Avaliação Cardíaca e Neurológica se
O acompanhamento regular do crescimento e desenvol- necessárias.
vimento deve ser anual, avaliando o aparecimento dos ca-
racteres sexuais secundários e perfil metabólico gonadal • Avaliação Otorrinolaringológica anual e
no início da puberdade. A avaliação ginecológica anual Oftalmológica bianual
para adolescentes do sexo feminino é necessária.
É necessário orientar quanto ao desenvolvimento • Avaliação do Perfil Metabólico e Hemogra-
da sexualidade, prevenção de gravidez e doenças sexual- ma anuais
mente transmissíveis. Além de focar sempre no desenvol-
vimento do autocuidado para prevenção de abusos físi- • Avaliação Ortopédica – para pacientes que
cos e sexuais. praticam atividades físicas
A manutenção de práticas físicas saudáveis, de hi-
giene e alimentares são de extrema importância. Assim • Avaliação Odontológica anual
como a socialização, escolaridade, orientação vocacional
e desenvolvimento da autonomia do paciente através do
apoio psicopedagógico.
Alguns distúrbios emocionais e/ou comportamen-
tais podem ser observados como o Transtorno Obsessivo
Compulsivo (TOC) e a depressão. Ambos devem ser trata-
dos por psiquiatras.
A equipe multiprofissional é constituída de fonoau-
diólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, educador físi-
co, nutricionista e pedagogo, além do acompanhamento
médico e odontológico.
O foco ao fim da adolescência é tornar a pessoa com
síndrome de Down (T21) proativa, preparando-a para o
mercado de trabalho e para a vida adulta.

25
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

QUADRO 3 – PRINCIPAIS EXAMES A SEREM REALIZADOS DE ROTINA EM CRIANÇAS


E ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

Nascimento 6 meses a 1 ano 2 anos 3 a 10 anos 11 a 18 anos

Ecocardiograma SIM se necessário se necessário se necessário se necessário

Função tireoidiana TSH neonatal Semestral Anual Anual Anual

Hemograma SIM Semestral Anual Anual Anual

Perfil lipídico - Anual Anual Anual Anual

Perfil glicêmico - Anual Anual Anual Anual

RX coluna cervical - - - 3 e 10 anos Se necessário

Polissonografia - - - 4 anos Se necessário

• Cariótipo deve ser solicitado ao longo do primeiro ano de vida.

QUADRO 4 – PRINCIPAIS ACOMPANHAMENTOS CLÍNICOS EM CRIANÇAS


E ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

0 a 1 ano 1 a 2 anos 3 a 10 anos 11 a 18 anos

Puericultura Mensal Trimestral Anual Anual

Visão Semestral Anual Anual Anual

Audição Semestral Anual Anual Anual

Odontologia Semestral Semestral Semestral Anual

Condicionamento
Fisioterapia SIM SIM SIM
físico

Fonoaudiologia SIM SIM SIM SIM

Terapia Ocupacional SIM SIM SIM SIM

• Psicologia, pedagogia, enfermagem e nutrição são importantes em todas as etapas.

26
ASPECTOS E PROTOCOLOS CLÍNICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

QUADRO 5 – PRINCIPAIS ESTÍMULOS E ORIENTA- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ÇÕES EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
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27
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

2. Cardiopatias na criança
e no adolescente com
síndrome de Down (T21)
POR DRA. CAROLINA CAPURUÇO*

A
incidência das cardiopatias congênitas na população geral é de
aproximadamente 8 a 10:1000 nascidos vivos. Em pacientes com
síndrome de Down (T21) essa estimativa sobe para 40 a 60%
em diversos grupos estudados, ou seja, metade das crianças com sín-
drome de Down (T21) precisará de acompanhamento por cardiologista
pediátrico.
Apesar de haver um amplo espectro clínico, as cardiopatias mais
comuns relacionadas à síndrome de Down (T21) são o defeito do septo
atrioventricular (DS AV), forma total ou parcial, comunicação interatrial
(CIA), comunicação interventricular (CIV) e persistência do canal arterial
(PCA). O diagnóstico deve ser sempre realizado através do ecocardio-
grama fetal (quando intrauterino) ou transtorácico (pós-natal) de forma
rotineira em todos os indivíduos com síndrome de Down (T21), mesmo
naqueles assintomáticos.

* Graduada pela UFMG. Mestre e Doutoranda pelo Centro de Pós-Graduação da UFMG.


Titulada pelas Sociedades Brasileiras de Pediatria e de Cardiologia. Pediatra e Cardiolo-
gista pediátrica e fetal pelo Hospital das clínicas – UFMG, Biocor Instituto e Clínica Dop-
som. Coordenadora da UTI neonatal Unineo-Neocenter.

28
CARDIOPATIAS NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

ETIOLOGIA E INCIDÊNCIA vários fatores associados: ganho de peso adequado, va-


cinação, infecções recorrentes, hospitalizações, demais
Do ponto de vista etiológico, os fatores genéticos pri- alterações clínicas, hipertensão pulmonar, internações
mários podem ser responsáveis por 8 a 12% das cardiopa- hospitalares, dentre outras.
tias congênitas. Às vezes, é difícil achar o “tempo ótimo” cirúrgico e
Durante a embriogênese dos fetos com síndrome de expor os riscos da cirurgia a pais inseguros e temerosos.
Down (21), ocorre uma alteração na formação dos coxins O médico deve ter conhecimento, segurança e tranqui-
endocárdicos ocasionando os defeitos do septo atrioven- lidade para definir, com serenidade e isenção, o tipo de
tricular. A frequência dos tipos de defeito cardíaco pode cirurgia e a época mais adequada para sua realização.
alterar um pouco de acordo com a população estudada.
Nos estudos norte-americanos e europeus, o defeito do TRANSIÇÃO DA CIRCULAÇÃO FETAL
septo atrioventricular é o mais comum com 35 a 55% dos PARA A PÓS-NATAL
casos, na Ásia houve relato de populações com maior in-
cidência de comunicação interventricular e na América O feto recebe o sangue vindo da placenta materna
Latina alguns autores relataram frequência maior de co- pela veia umbilical. O sangue fetal mais oxigenado tem
municação interatrial enquanto outros obtiveram dados índices baixos de pO2 (30 a 35 mmHg). O pulmão está em
semelhantes aos europeus com maior incidência do de- constrição e hiperresistência vascular. Quase a totalidade
feito do coxim endocárdico. do sangue passa através do canal arterial, sem passar pe-
Quanto à morbimortalidade, vários autores já des- los pulmões, para aorta descendente que está ligada a um
tacaram a doença cardíaca com principal fator de risco leito de baixa resistente, a placenta.
naqueles com síndrome de Down (T21), seguida das in- Após o nascimento, o clampeamento do cordão um-
fecções respiratórias e malformações gastrointestinais. bilical e eliminação da circulação placentária, determina
Entretanto, a abordagem do paciente com cardiopatia o aumento da resistência vascular sistêmica. A respiração
deve ser individualizado e depende do tipo, grau e exten- e expansão pulmonar eleva a pO2 iniciando a queda da
são da lesão cardíaca. resistência vascular pulmonar.
Quanto mais precoce for o diagnóstico, e maior o Essas modificações pós-natais imediatas são essen-
conhecimento do médico e da família sobre o problema ciais para o estabelecimento da hemodinâmica circula-
do paciente, mais tranquilo será o manejo do problema e tória pós-natal. As repercussões clínicas dependem da
maior a chance de sucesso. Por isso torna-se fundamen- velocidade das modificações pós-natais na dinâmica cir-
tal o diagnóstico intrauterino e/ou pós-natal imediato culatória, em especial a redução da pressão pulmonar, o
através do ecocardiograma nos fetos e/ou neonatos sa- tipo e magnitude da cardiopatia e associação de lesões.
bidamente com síndrome de Down (T21). Nos pacientes com cardiopatias de shunts intracar-
Apesar de todo o conhecimento da equipe assisten- díacos, a mistura do sangue venoso e arterial perpetua
te e colaboração da família, a sobrevida de crianças com a resistência pulmonar elevada e a baixa de oxigenação
cardiopatia congênita ainda pode sofrer interferência de sistêmica. Da mesma forma, crianças com choro não vi-

29
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

goroso, respiração débil, hipotonia muscular, obstrução poglicemia, hipotonia e hipotireoidismo nos recém-nas-
de via aérea e outros fatores que não permitem expansão cidos e lactentes com Síndrome de Down (T21). Devido à
pulmonar, também mantêm altas pressão e resistência queda mais lenta da pressão pulmonar em crianças com
pulmonares. Por esses fatores, os neonatos com síndro- síndrome de Down (T21), mesmo com cardiopatias de
me de Down (T21) e cardiopatia muitas vezes permane- grande shunt, esses sintomas tornam-se mais evidentes
cem com “padrão pulmonar fetal” e baixa pO2 pós-natal na segunda ou terceira semana de vida.
por alguns dias. Edema periférico e hepatomegalia: edema periférico
de origem cardíaca é raro, já a hepatomegalia é bastante
SEMIOLOGIA PARA DIAGNÓSTICO comum naqueles com cardiopatia e ICC e auxilia no diag-
DAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS nóstico e acompanhamento do paciente.
Ausculta cardíaca: deve-se avaliar ritmo e frequência
Para análise inicial, é importante fazer diagnóstico cardíaca e a fonese das bulhas e sopros. Mais da meta-
diferencial com distúrbios respiratórios, metabólicos e in- de dos recém-nascidos, mesmo sem síndrome de Down
fecciosos. Dentre os sinais e sintomas devemos valorizar a (T21), apresentam sopros funcionais secundários à tran-
ectoscopia: padrão respiração, “ictus cordis”, cianose cen- sição da circulação fetal-neonatal. Algumas cardiopatias
tral, palidez, choro forte, dentre outros. de grandes misturas de sangue como o DSAV total em
Cianose: ocorre quando há uma desoxigenação aci- crianças com síndrome de Down (T21), devido à queda
ma de 5mg/dl de hemoglobina na circulação sanguínea. A mais lenta da pressão pulmonar, e demora na diferença
acrocianose, ou cianose periférica pode ocorrer por hipo- do gradiente e o sopro secundário ao shunt esquerdo-di-
termia, vasoconstrição ou imaturidade vascular. A cianose reito, podem demorar a aparecer.
central deve-se, em grande parte, à cardiopatia congêni- A ausência de sopro não exclui a presença de cardio-
ta, lembrando sempre do diagnóstico diferencial com dis- patia, assim como a sua presença também não define o
túrbios respiratórios, especialmente no período neonatal. diagnóstico. O ecocardiograma é necessário para defi-
Precórdio: precórdio hiperdinâmico, impulsões pa- nição diagnóstica e deve ser realizado ainda na primeira
raesternais e ictus com desvio inferior e para a esquer- semana de vida em toda criança com síndrome de Down
da sugerem fortemente insuficiência cardíaca congestiva (T21).
(ICC) descompensada secundária ao aumento das câma-
ras cardíacas. ABORDAGEM INICIAL DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA
Palpação dos pulsos: pulsos centrais e periféri- Após a confirmação diagnóstica através do ecocar-
cos finos e rápidos associam-se à ICC grave ou colapso diograma, o manejo do paciente com cardiopatia deve ser
circulatório. individualizado de acordo o quadro clínico.
Esforço respiratório, fraqueza muscular, choro fraco, Para cardiopatias acianogênicas de hiperfluxo pul-
sucção débil: são sinais importantes de cansaço cardíaco. monar o acompanhamento visa controle da ICC com
O médico assistente pode confundir esses sinais com hi- medicações necessárias, adequação das doses ao ganho

30
CARDIOPATIAS NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

ponderal, suporte nutricional e metabólico, prevenção de (destacando-se a Tetralogia de Fallot).


complicações e avaliação do tempo ótimo cirúrgico. É muito rara a incidência de cardiopatias de colap-
Aqueles com cardiopatias cianogênicas com crises so circulatório por obstrução grave do coração esquerdo
de hipóxia geralmente são submetidos a procedimentos (coartação de aorta grave, interrupção do arco aórtico,
paliativos no período neonatal até atingirem idade e peso hipoplasia do coração esquerdo) ou cardiopatias com
suficiente para correção cirúrgica total. Em alguns casos, circulação em paralelo (transposição de grandes artérias,
é possível manter controle clínico até a idade para realiza- drenagem anômala de veias pulmonares).
ção de cirurgia corretiva definitiva.
Vale ressaltar que pacientes com síndrome de Down CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANOGÊNICAS
(T21) apresentam maior tendência a apresentar hiperten-
são pulmonar (HP) por diversos fatores: alteração na vas- Os defeitos estruturais acianogênicos correspondem
cularização pulmonar e alveolar, hipoventilação, obstru- à praticamente 90% das cardiopatias congênitas nos pa-
ção crônica de vias aéreas superiores, menor número de cientes com síndrome de Down (T21).
alvéolos e arteríolas pulmonares mais finas. Além disso, Essas cardiopatias são responsáveis por aumentar o
vários autores já relacionaram a presença de cardiopatia fluxo pulmonar e sobrecarregar as câmaras cardíacas de-
congênita de hiperfluxo pulmonar com evolução precoce vido à passagem anômala do sangue da circulação sistê-
e mais grave da HP, afetando diretamente na qualidade mica para a circulação pulmonar. Geralmente não se ma-
de vida e sobrevida dessa população. nifestam na primeira semana de vida, quando a pressão
O diagnóstico preciso, o tratamento clínico precoce pulmonar ainda é elevada. À medida que ocorre a queda
e correção cirúrgica no tempo certo são essenciais para da pressão e resistência vascular pulmonar, os sinais e sin-
vida dessas crianças. tomas relacionados à ICC aparecem.
Quanto maior a lesão (tamanho do diâmetro do shunt
PRINCIPAIS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS esquerdo direito), mais próximo das vias de saída (aorta e
NA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21) artéria pulmonar) e diminuição da pressão pulmonar, mais
precoce e exacerbada será a sintomatologia.
As cardiopatias congênitas na criança com síndrome Os defeitos septais são os mais prevalentes em crian-
de Down (T21) pode ser classificada em grandes grupos ças com síndrome de Down (T21), havendo certa variabi-
funcionais de apresentação: aquelas que se manifestam lidade geográfica e étnica. Nos estudos asiáticos a CIV é
com ICC progressiva a partir das duas primeiras semanas a mais frequente, enquanto os europeus e norte-ameri-
de vida são o defeito do septo atrioventricular (DSAV), co- canos descrevem o DSAV como a mais comum (40 a 50%
municação interatrial (CIA), comunicação interventricular dos pacientes). Na América latina alguns demonstram o
(CIV), persistência do canal arterial (PCA) e aquelas que DSAV e outros a CIA com incidência mais elevada.
desencadeiam quadro de cianose precoce como as car- A abordagem terapêutica clínica deve ser de acordo
diopatias congênitas cianogênicas canal-dependentes com a gravidade do quadro e evolução. O paciente com

31
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

síndrome de Down (T21) pode evoluir precocemente com maior sobrevida, menos tempo de internação e intercor-
hipertensão pulmonar (HP) e Síndrome de Eisenmenger rências no pós-operatório imediato e menor morbidade
(quando níveis pressóricos pulmonares atingem valores quando q cirurgia é realizada neste período e com resis-
suprassistêmicos), tanto pelo hiperfluxo ocasionado nas tências vasculares pulmonares em limites desejáveis.
cardiopatias com shunt esquerdo-direito quanto pelos Crianças com CIV, CIA e PCA mantem acompanha-
fatores anatômicos e funcionais pulmonares e patologias mento clínico evolutivo com cardiologista, sendo a pro-
respiratórias obstrutivas. gressão para hipertensão pulmonar um pouco mais lenta.
O desenvolvimento de HP grave ou até irreversível O fechamento cirúrgico ou por cateterismo depende do
pode ocorrer naqueles com síndrome de Down (T21) e tamanho da lesão, estabilidade do paciente e avaliação da
DSAV a partir dos seis meses de idade. A recomendação HP. De forma geral, opta-se pela correção total entre um e
para a abordagem cirúrgica mantem-se entre 3 e 6 meses dois anos de idade.
de idade como limite ideal. Vários estudos comprovam

Cardiopatias Congênitas
Acianogênicas

Sinais de ICC clássicos na Sinais de ICC mais tardios


1ª – 2ª semana de vida e menos floridos

Comunicação Comunicação
Defeito do septo interventricular Comunicação Persistência
interventricular pequena ou interatrial do canal
atrioventricular arterial
ampla moderada

Figura 1: Cardiopatias Congênitas Acianogênicas Em Pacientes Com síndrome de Down (T21)

32
CARDIOPATIAS NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS CIANOGÊNICAS gramação do shunt sistêmico pulmonar (Blalock-Taussig),


para posteriormente realizar cirurgia definitiva.
São as anomalias estruturais cardíacas com altos ín- Algumas crianças com Tetralogia de Fallot tem obs-
dices de morbimortalidade que precisam de diagnóstico trução leve ou moderada, permitindo oxigenação em ní-
e terapêutica precoces. A presença de cianose central no veis razoáveis para que o paciente não precise passar pelo
recém-nascido com síndrome de Down (T21) é grave e procedimento paliativo (Blalock-Taussig). Esses permane-
duas hipóteses devem ser sempre levantadas: Tetralogia cem em acompanhamento rigoroso até a idade ideal para
de Fallot e persistência do padrão fetal (hipertensão pul- a correção cirúrgica definitiva. Raríssimos casos de ano-
monar do persistente do recém-nascido – HPPRN). malia de Ebstein em síndrome de Down (T21) são descri-
Até a realização do diagnóstico definitivo pelo eco- tos, e em geral a cianose não costuma ser tão grave incial-
cardiograma as medidas iniciais de suporte intensivo ven- mente. Após o diagnóstico, o paciente é acompanhado e
tilatório e hemodinâmico, óxido nítrico e manutenção da avalia-se o melhor momento para intervenção cirúrgica.
permeabilidade do canal arterial através da prostaglandi- Muitas crianças com síndrome de Down (T21) apre-
na (PGE1) devem ser realizadas. sentam manutenção de níveis pressóricos arteriais pul-
Quando há HPPRN, devem ser realizadas medidas monares altos desde o nascimento (HP primária) por
para redução da resistência vascular pulmonar e melho- diversas razões já destacadas. O tratamento consiste na
ra da ventilação/oxigenação do paciente. Se o paciente tentativa da diminuição da HP com medicações especiais
apresentar Tetralogia de Fallot, com obstrução significati- e prevenção de doenças respiratórias que poderiam agra-
va do fluxo pulmonar, é necessário manter PGE1 até a pro- var o quadro ainda mais.

Cardiopatias Congênitas Cianogênicas

Cianose precoce nas Cianose moderada com


primeiras 48h de vida evolução em longo prazo

Hipertensão Tetralogia de
Tetralogia de Fallot pulmonar neonatal Hipertensão
Fallot com Anomalia de
com obstrução (persistência do obstrução leve Ebstein (raro) pulmonar
importante ou moderada primária
padrão fetal)

Figura 2: Cardiopatias congênitas cianogênicas em pacientes com Síndrome de Down (T21)

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR EM ALTERAÇÕES VASCULARES PULMONARES E


PACIENTES COM SÍNDROME DE DOWN (T21) CARDIOPATIAS CONGÊNITAS DE HIPERFLUXO

A hipertensão arterial pulmonar (HAP) caracteriza-se Crianças com síndrome de Down (T21) portadoras de
pelo aumento na pressão média de artéria pulmonar - >25 cardiopatias que aumentam o fluxo pulmonar tem uma
mmHg em repouso ou >30mmHg durante exercício. Pa- predisposição muito maior a desenvolver HAP precoce e
cientes com síndrome de Down (T21) possuem vários fa- mais grave. A vigilância deve ser rigorosa e, quando in-
tores de risco para o desenvolvimento de HAP. Entre os dicado, o tratamento cirúrgico deve ser realizado rapida-
fatores de risco citam-se alterações anatômicas de vias mente antes que a doença vascular pulmonar se torne
superiores e hipoplasia pulmonar, alterações vasculares grave.
primárias, cardiopatias e infecções de repetição. Mesmo aqueles sem cardiopatia, possuem redução
na área das ramificações dos capilares pulmonares e uma
ALTERAÇÕES ANATÔMICAS DAS VIAS AÉREAS rede vascular alveolar desorganizada.
SUPERIORES E HIPOPLASIA PULMONAR
DIAGNÓSTICO E TRIAGEM
A hipotonia, braquicefalia, aumento das tonsilas pala-
tinas e faríngeas, alterações craniofaciais e dentárias, re- O diagnóstico pode ser feito através do ecocardiogra-
tração lingual e acúmulo de secreções dificultam o fluxo ma, através da estimativa da pressão sistólica da artéria
de ar e favorecem aumento de PCO2 (gás carbônico) em pulmonar, calculada a partir da velocidade de regurgita-
longo prazo, predispondo o aparecimento de HAP. Além ção tricúspide e da pressão de átrio direito, ou pelo cate-
disso, podemos citar maior frequência de traqueomálacia, terismo cardíaco direito com medida direta das pressões.
estenose subglótica, microaspirações e infecções de re- Há consenso na literatura de que indivíduos com sín-
petição como fatores de risco para HAP. drome de Down (T21) têm tendência para desenvolver
A síndrome da apneia obstrutiva do sono tem sido HAP, mesmo aqueles sem cardiopatia congênita.
relatada como grande fator de risco para o desenvolvi- Portanto, é importante realizar ecocardiograma anual
mento de HAP, se não tratada adequadamente, devido a ou a cada dois anos em todos para avaliação da pressão
todos os fatores descritos acima. arterial pulmonar e função ventricular direta e esquerda. É
Pacientes com síndrome de Down (T21) também necessário solicitar o ecocardiograma naqueles que apre-
apresentam um desenvolvimento anormal do parênqui- sentam obstruções craniofaciais, infecções de vias aéreas
ma pulmonar. Observa-se um número menor de alvéolos de repetição e/ou síndrome da apneia obstrutiva do sono.
e hipoplasia pulmonar.

34
CARDIOPATIAS NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

TRATAMENTO

O mais importante é prevenir, tratar e reduzir os


fatores desencadeadores e perpetuadores da HAP
descritos. Caso a criança permaneça com níveis pres-
sóricos aumentados considera-se tratamento especí-
fico com vasodilatadores e hipotensores específicos.
Entretanto, quando a HAP atinge níveis elevados e/ou
supra sistêmicos (Síndrome de Eisenmenger) é extre-
mamente difícil a reversão do quadro, piorando muito
o prognóstico.

CONCLUSÕES

Os pacientes com síndrome de Down (T21) têm


aumentado significativamente sua prevalência. Houve
uma grande melhora no diagnóstico e no tratamen-
to das cardiopatias congênitas, presentes em metade
dessa população, proporcionando aumento da sobre-
vida nas últimas décadas. Entretanto, é necessário uni-
formizar e estabelecer como obrigatória a realização
do ecocardiograma rotineiro ao nascimento. Mesmo
após a correção cirúrgica da cardiopatia, e naqueles
não são portadores de cardiopatia congênita, é impor-
tante manter acompanhamento cardiológico pelo risco
de desenvolver complicações tardias no pós-operató-
rio, hipertensão arterial pulmonar e outras cardiopatias
adquiridas.
Nossa função não é apenas aumentar a sobrevida,
mas sobretudo proporcionar uma qualidade de vida
para que essas crianças se tornem adultos com ativi-
dades plenas de suas funções e sem limitações físicas
por problemas congênitos ou adquiridos.

35
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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36
CARDIOPATIAS NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

37
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

3. Fisioterapia
POR ADRIANA LIMA DE JESUS*

A
atenção fisioterapêutica é incontestável para o desenvolvimento neuropsicomotor
de pessoas com Trissomia do cromossomo 21 (T21). A estimulação essencial des-
de o nascimento é a forma mais eficaz de promover o desenvolvimento de seus
potenciais.
O objetivo da fisioterapia é minimizar o desenvolvimento dos padrões de movimento
compensatório que essas crianças estão propensas a desenvolver. Trabalhar com seus
músculos e movimentos ajudará as crianças a alcançar alguns de seus marcos motores
com sucesso e evitará que desenvolvam problemas, como má postura do tronco e pro-
blemas de marcha.
Estas atividades facilitam o desenvolvimento das habilidades motoras, de linguagem,
educação, sociais e emocionais, buscando alcançar o desenvolvimento pleno e integral
dessa pessoa.
A intervenção, contudo, não se prende em apenas facilitar as etapas do desenvol-
vimento motor, sem levar em consideração as questões sensoriais e do meio ambiente.
A facilitação do desenvolvimento motor tem como objetivo guiar os movimentos para
a execução de uma determinada atividade, por meio de sequências funcionais com su-

* Pós Graduada em Síndrome de Down – CEPEC. Especialização em Atualização Profissional para o Cuidado da Síndrome
de Down – USP. Pós Graduação em Abordagem Interdisciplinar em Síndrome de Down – IEPSIS. Mestranda em Gestão em
Saúde – UFMG. Pós Graduanda em Dermatofuncional - Faculdade Nepuga.

38
FISIOTERAPIA

porte de peso e controle postural apropriados, com prio de aquisição.


aumento de força, amplitude de movimento e esta- • controle de tronco (5 meses de idade), faixa de
bilidade articular. alcance 3-5 meses;
É importante trabalhar as reações de ajuste pos- • rolar (8 meses de idade), faixa de alcance 4 -12
tural, retificação e equilíbrio, o que pode ser conse- meses;
guido por meio da modificação da base de apoio da • sentar (9 meses de idade), faixa de alcance 6-13
criança. meses. (Palisano et al, 1997) descreveram um atraso
É importante lembrar que a criança com T21 de 6 meses na aquisição do sentar independente;
possui alterações no sistema nervoso que podem • arrastar ou engatinhar (13 meses de idade), fai-
comprometer não só a parte motora mas também xa de alcance 8-25 meses;
os mecanismos cerebrais que envolvem a parte de • marcha com apoio (18 meses de idade), faixa de
processamento perceptocognitivo. Desta forma, a alcance 12-38 meses;
inclusão da estimulação dos componentes percep- • marcha independente (23 meses de idade), fai-
tomotores e sensoriais na intervenção fisioterapêu- xa de alcance 13 – 48 meses. (Ulrich et al, 2001) ob-
tica é fundamental para a aquisição das etapas do servaram atraso no aprendizado da marcha.
desenvolvimento motor. Os pesquisadores concluem que crianças com
A atividade motora deve ser funcional e deve, T21 necessitam de mais tempo para atingir algu-
em um sentido mais amplo, promover o desen- mas habilidades motoras à medida que aumentam a
volvimento funcional da criança. Crianças com T21 complexidade dos movimentos, e que os resultados
permanecem por períodos mais longos nas etapas têm implicações para os pais e profissionais toma-
motoras do desenvolvimento, dentro das aquisições rem decisões sobre as intervenções motoras, ante-
e habilidades motoras previstas, o que existe é um cipando a aquisição da função motora (28). ©Down
prolongamento e não um atraso. Syndrome Medical Interest Group (2011).
O desempenho motor da criança com T21 é bas- Quanto mais complexa for a atividade motora,
tante diversificado com relação à idade de aquisição maior será a diferença de tempo para a sua aquisi-
das etapas motoras, fazendo-se necessários que o ção, quando comparada aos marcos do desenvolvi-
tratamento ocorra com base em metas individuais. mento motor relatados na literatura.
A complexidade das alterações advindas da car-
DESENVOLVIMENTO MOTOR ga genética extra do cromossomo 21 tem sido estu-
dada com exaustão ao longos dos últimos anos, con-
A estimativa das pessoas com T21 alcançarem os tribuindo de maneira sistemática na qualidade dos
marcos do desenvolvimento segue um período pró- atendimentos realizados a este grupo de pessoas.

39
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

ALTERAÇÕES IMPORTANTES hipotonia e a falta de controle postural. Em seu es-


tudo, a hipotonia é evidente e os mecanismos da co-
Há de ser considerado um conjunto de mecanismos contrações também. Davis e Kelso (1982) fornecem
que impactam diretamente o desenvolvimento neu- informações sobre a qualidade da estabilização mio-
ropsicomotor da pessoa com T21, alterações genéticas gênica das articulações.
– ligadas ao gene superexpresso, alterações morfoló- Algumas teorias tentam explicar certas altera-
gicas, alterações anatômicas estruturais e alterações ções, como por exemplo o padrão de cocontração.
neuroquímicas, essas alterações tecem uma rede com- Virji-Babul e Brown19 sugerem que a cocontração
plexa que precisa ser aprofundada quando o assunto é é decorrente da dificuldade de gerar forças ade-
a habilitação de pessoas com T21. quadas. Ulrich et al.17propõem uma compensação
para a frouxidão ligamentar. Latash e Anson20 ale-
HIPOTONIA gam que a cocontração é uma característica geral
do movimento, utilizada em situações inesperadas
Pode-se definir tônus muscular como sendo o para aperfeiçoar a segurança e a estabilidade. Em-
“estado de turgidez do músculo causado pela plas- bora seja uma escolha mecanicamente sub-ótima, a
ticidade muscular (consistência) e pelos reflexos de cocontração oferece mais segurança e reflete a in-
estiramentos”. Já a hipotonia caracteriza-se, fisiolo- segurança do sistema em gerar reações posturais
gicamente, como uma diminuição segmental da ex- universais.
citabilidade do pool de motoneurônios, e como um É possível que pessoas com síndrome de Down
mecanismo de reflexo de estiramento comprometi- (T21) sejam menos capazes de ativar músculos (Davis
do (hiporreflexia), consequência de um controle sen- & Sinning, 1987). Davis et al. (1982), contestam que a
sório-motor diminuído (Haslan, 1995). hipotonia é o sintoma mais significativo dos proble-
A hipotonia tem um efeito negativo no feedback mas motores. Em sua opinião, o tônus não está re-
proprioceptivo das estruturas musculares e articula- lacionado ao movimento ativo, sendo testado passi-
res e pode ter um efeito prejudicial na eficiência das vamente, e não contribui para a nossa compreensão
cocontrações e reações posturais, afetando a estabi- de deficiência do movimento. Eles propõem que o
lidade da articulação. grau em que as cocontrações fornecem estabilidade
Em sua revisão da literatura Henderson (1985) dá mais conhecimento sobre os problemas do mo-
conclui que todas as crianças com T21 são hipotô- vimento ao invés de nos problemas de redução do
nicas, o que possivelmente pode influenciar seu de- tônus muscular.
senvolvimento motor. Vários estudos destacaram cocontrações como
Cowie (1970) relata uma clara conexão entre a inadequadas em vários estágios de desenvolvimen-

40
FISIOTERAPIA

to postural e de movimento, mas particularmente Esta frouxidão articular é encontrada em várias


em relação à hipotonia. Insuficiência de estabilizar partes do corpo devido ao colágeno anormal encon-
contrações miogênicas em torno de articulações é trado na T21.
uma das manifestações da hipotonia. O efeito resultante em pessoas com T21 é a
Ainda neste respeito é correto substituir o con- combinação de frouxidão ligamentar e hipotonia,
ceito tônus por tônus postural, relacionando assim elas contribuem para problemas ortopédicos em
o tônus à postura e movimento. A importância de pessoas com T21, que estudaremos à frente.
um tônus postural normal em combinação com co-
contrações suficientes para o desenvolvimento para ALTERAÇÕES LIGADAS AO
uma ampla variação de padrões posturais e de mo- CROMOSSOMO 21 – COLÁGENO
vimento. A falta de tônus postural é acompanhada
pela falta de cocontrações e leva a problemas de es- As moléculas de colágeno são componentes es-
tabilização durante o desenvolvimento da postura e senciais para manutenção da integridade muscular
movimento. e são formadas pela montagem de três cadeias, alfa
1-3. O colágeno tipo VI é crucial para os músculos
FROUXIDÃO LIGAMENTAR cardíacos e esqueléticos. As cadeias de COL 1 (VI) e
2 (VI) são codificadas por genes localizados no cro-
A frouxidão ligamentar resultante da hipotonia está mossomo 21 e espera-se que tenham maior dosa-
associada a um atraso no desenvolvimento motor gem em indivíduos com T21. A cadeia 3 (VI) é codifi-
(Carr, 1970; Melyn e White, 1973). A hipotonia induz cada pelo COL6A3 localizado no cromossomo 2. Nós
dificuldade em controle postural de tal forma que hipotetizamos que além do COL6A1 e do COL6A2,
um indivíduo com T21 está focado em superar a falta o COL6A3 também pode ter algum papel no MH de
de equilíbrio em comparação com controles e isso indivíduos com síndrome de Down (T21) (Dey et al.,
exige uma estratégia diferente motora (Rigoldi et al., 2013)
2011). Como consequência da hipotonia, indivíduos Quase todas as condições que afetam os ossos
com síndrome de Down (T21) têm frouxidão articu- e articulações de pessoas com T21 surgem do co-
lar inerente, resultando em redução da estabilidade lágeno anormal encontrado na T21. O colágeno é a
da marcha e aumento dos custos energéticos para o principal proteína que compõe os ligamentos, ten-
esforço físico (Agiovlasitis et al., 2009). Essa marcha dões, músculos, cartilagens, ossos e a estrutura de
com padrões atípicos inclue maior tempo de apoio, suporte da pele.
diminuição da extensão do quadril e aumento da ab-
dução do quadril durante a fase de balanço.

41
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

ALTERAÇÕES NO CEREBELO PROBLEMAS DE MARCHA

O lócus anatômico para a hipotonia na T21 pa- As crianças com T21 geralmente aprendem a
rece ser o cerebelo, uma estrutura que mostra hipo- andar com os pés afastados, base alargada, os joe-
celularidade devido ao comprometimento das zonas lhos rígidos (rigidez muscular), membros superiores
granular e periventricular, menor volume cerebral em flexão e próximos ao corpo. Eles o fazem por-
(Guidi et al., 2011). Além disso, o cerebelo desempe- que a hipotonia, a frouxidão ligamentar e a fraque-
nha um papel importante na regulação do contro- za tornam as pernas menos estáveis. A fisioterapia
le proprioceptivo-motor e aprendizagem motora. deve começar por ensinar à criança com síndrome
Além de seu efeito no plano motor, a saída cerebelar de Down (T21) a postura correta de pé quando ele
desorganizada pode prejudicar o funcionamento de ainda é muito jovem. Com fisioterapia apropriada,
ordem superior, emoção e cognição (Schmahmann, os problemas de marcha podem ser minimizados ou
2004; Teipel et al., 2004). O cerebelo mostra um vo- evitados.
lume reduzido de lóbulos VI a VIII (Ayraham, Sugar- Após o início da marcha a criança precisa conti-
man, Rotshenker e Groner, 1991; Jernigan, Bellugi, nuar sendo acompanhada, para que a marcha se tor-
Sowell, Doherty e Hesselink, 1993; Raz et al., 1995) e ne uma marcha sem nenhum tipo de compensação,
isso colabora para alterações motoras e de equilíbrio melhorando o equilíbrio estático e dinâmico como
comumente encontradas em pessoas com T21. também reações posturais.
O cerebelo apresenta um papel importantíssimo
em algumas habilidades motoras como a coordena- POSTURA DO TRONCO
ção, precisão e tempo de movimento, planejamento
motor, equilíbrio, ajuste corretivo e amortecimento Crianças com T21 tipicamente aprendem a sen-
motor, sequenciamento e progressão motora e con- tar-se com uma inclinação pélvica posterior, tronco
trole postural. arredondado e ombros em depressão com protru-
As alterações neurobiológicas também devem são abdominal, passam de prono para sentado es-
ser consideradas. No nível central, o cerebelo seria tendendo as pernas e empurrando com as mãos.
um bom candidato a causador, devido a seu papel A fisioterapia deve ensinar à criança a postura
na coordenação muscular (Houk et al. 1996) e seu correta de sentar, fornecendo apoio no nível ade-
baixo peso em indivíduos com T21 (Shapiro et al. quado antes mesmo que a criança possa se sentar
2001). Sabe-se que défices cerebelares prejudicam a de forma independente. A fisioterapia adequada
ativação sinérgica dos músculos, contribuindo para pode minimizar problemas com a postura do tronco.
a lentidão dos movimentos.

42
FISIOTERAPIA

DISTÚRBIOS MUSCULOESQUELÉTICOS EM T21 te. Para as crianças sem sintomas, a recomendação


das Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome
1 - Coluna Vertebral de Down (T21) é que toda criança com a trissomia
Instabilidade Atlanto Axial - A frouxidão liga- faça uma radiografia da coluna cervical aos três e
mentar na T21 provoca instabilidade do movimento aos dez anos de idade. Já a Academia Americana de
vertebral no sistema atlanto-axial junção. O occipí- Pediatria não recomenda a realização do raio-X para
cio, o atlas (C1) e o eixo (C2) formam normalmente as crianças sem sintomas.
uma unidade funcional que assegura um alto grau Escoliose - Cerca de 50% de pessoas com sín-
de mobilidade da coluna cervical superior, propor- drome de Down (T21) apresentam escoliose, que é
cionando a manutenção das estruturas corretamen- um desvio da coluna. Quando a escoliose é diagnos-
te em seu lugar. Em indivíduos com T21 a excessiva ticada por um profissional de saúde, a pessoa deve
frouxidão do ligamento transverso posterior que liga ser encaminhada para um especialista, para avalia-
o osso odontóide a C1 parece ser a causa mais co- ção e tratamento. O especialista pode recomendar
mum de subluxação atlanto-axial, embora não haja desde exames radiológicos regulares para acompa-
acordo universal sobre este ponto. Além disso, hipo- nhar a progressão da curva, o uso de órteses (coletes
plasia C-1 e estenose do canal vertebral oculta têm externos) corretivas para evitar a progressão até for-
sido associados ao aumento do risco de mielopatia mas mais graves ou ainda, se necessário, a correção
cervical compressiva em indivíduos com o T21, essa cirúrgica destas curvas, em casos em que a condição
é a principal condição associada à coluna vertebral possa interferir com a capacidade de respiração pela
na T21 a instabilidade atlantoaxial. deformidade do tórax e diminuição do espaço para
De acordo com as Diretrizes de Atenção à Pes- os pulmões.
soa com Síndrome de Down (T21), todas as crian-
ças com a trissomia devem fazer uma radiografia da 2 - Quadril
coluna cervical aos três e aos dez anos para checar Cerca de 5% a 8% dos indivíduos com síndro-
a existência de instabilidade atlanto-axial. O raio-X me de Down (T21) apresentam alterações do qua-
deve ser solicitado por um médico e realizado em dril, que é uma anormalidade do desenvolvimento
posição neutra. Se o resultado do exame for altera- da articulação do quadril na qual a cápsula, o fêmur
do, a indicação é prosseguir para uma ressonância proximal e o acetábulo (estrutura óssea existente no
magnética do pescoço. Se o resultado for normal, quadril que se articula com a cabeça do fêmur) po-
pode ser feita uma radiografia dinâmica da coluna. dem apresentar alterações.
Para crianças com sintomas de IAA, o raio-X e A Displasia do Desenvolvimento é a condição
encaminhamento ao especialista é muito importan- mais comum, acontece um deslocamento do qua-

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

dril, que também é chamado de luxação, nessa con- 20 por cento das pessoas com T21. A maioria dos
dição, a cabeça do osso da coxa (o fêmur) se move casos de instabilidade apresenta-se apenas como
para fora do encaixe formado pela pélvis (o acetábu- patelas que podem ser deslocadas para o exterior
lo). Essa luxação pode ou não estar associada à mal- do que seria uma patela normal (subluxação); no
formação do acetábulo. A luxação parece ser devido entanto, algumas pessoas podem ter patelas com-
a uma combinação de frouxidão do tecido conjun- pletamente fora de posição (deslocamento), e al-
tivo que normalmente mantém o quadril junto com gumas podem até ter dificuldade em colocá-las de
o baixo tônus muscular encontrado na T21. Na sub- volta na posição correta. Subluxação leve da patela
-luxação ocorre a perda parcial do contato articular. não está associada à dor, mas a luxação pode ser
Curiosamente, a subluxação e a luxação do quadril dolorosa. Enquanto pessoas com instabilidade da
em crianças com T21 raramente é encontrada no patela são capazes de andar, geralmente há uma
nascimento, mas é mais comum entre as idades de diminuição na amplitude de movimento do joelho,
2 e 10 anos. O sinal mais comum é a claudicação, e com uma mudança de acompanhamento na mar-
a dor pode ou não estar presente. Tratamento geral- cha. Quanto mais tempo não se fizer nada pela ins-
mente começa com a imobilização do quadril com tabilidade, pior será a condição ao longo do tempo.
um gesso. Muitas crianças com síndrome de Down Órteses (aparelhos especiais) podem ser úteis para
(T21) precisarão de correção cirúrgica, no entanto. casos leves, mas casos graves requerem correção
Epifisiólise - A epífise femoral de capital escor- cirúrgica.
regada (também chamada de “epifisiólise”) pode 4 - Pé
ser observada em pessoas com T21 com menos fre- Pé plano, também chamado de pés planus, é
quência. Nesta condição, a cabeça arredondada do visto na grande maioria das pessoas com T21. Em
fêmur desliza no colo do fêmur. Essa condição pode casos leves, o calcanhar está em uma posição neu-
estar associada à obesidade e ao hipotireoidismo, tra. Em casos graves, o calcanhar gira de modo que
ambos comuns em adolescentes com T21. Ela apa- a pessoa esteja andando no lado de dentro do cal-
rece como uma claudicação com dor associada no canhar. Os pés chatos resultam em pesados calos
quadril ou no joelho (as condições do quadril geral- dos pés, apontando para a parte anterior dos pés
mente causam dor no joelho em vez de dor no qua- afastados um do outro (o oposto de ser “de pom-
dril) e é tratada pela colocação cirúrgica de parafu- bo”), e até mesmo a criação de esporões nos os-
sos no fêmur. sos, essas alterações surgem devido à hipotonia e a
frouxidão ligamentar, fatores que contribuem para
3 - Joelho mobilidade excessiva das articulações, isso signifi-
A instabilidade patelar foi estimada em cerca de ca que os ossos dos pés não estão devidamente

44
FISIOTERAPIA

estabilizados e alinhados para a pessoa conseguir além disso, ao longo de toda sua vida deve ser pre-
ficar de pé e caminhar adequadamente conizado um atendimento integral, de maneira inte-
O pé plano é aquele com ausência ou diminui- grada, baseado sempre apoiado na prática baseada
ção do arco medial plantar, mais conhecido como a em vidências, primordial para potencializar o desen-
curva do pé. O grau do pé plano varia de pessoa para volvimento sensório-motor de crianças com essa
pessoa. Se permanecer sem tratamento, a crian- síndrome.
ça pode desenvolver uma maior deformidade das
articulações.
O uso contínuo desse padrão de postura inade-
quada ao ficar de pé e caminhar pode provocar dor.
Metatarsus primus varus também é comumente
visto em pessoas com T21, e é a condição na qual
a parte frontal do pé atrás do Halux se inclina para
dentro. Isso cria uma deformidade óbvia do pé, fa-
zendo com que a tarefa de encontrar sapatos que se
encaixam seja mais difícil. Se a condição existir por
tempo suficiente, uma irritação dolorosa chamada
um joanete aparece no local onde o pé se inclina
mais. Casos leves ou precoces do varismo podem
ser tratados com órteses ou calçados especiais, mas
casos graves requerem correção cirúrgica.

CONCLUSÃO

A intervenção fisioterapêutica na T21 interfere


de maneira positiva não só sobre o desempenho
motor, mas no desenvolvimento perceptocognitivo
e na socialização da criança diante das dificuldades
neuroanatômicas encontradas. O início precoce de
um programa de atividades terapêuticas direcio-
nadas às necessidades da pessoa com T21 se faz
necessário, mas o atendimento fisioterapêutico vai

45
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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46
FISIOTERAPIA

47
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

4. A importância de terapia
ocupacional na vida da pessoa
com síndrome de Down (T21)
POR FABIANA ABREU PRADO DE ALENCAR*

E
ste capítulo tem o objetivo de relatar aspectos da interven-
ção da terapia ocupacional que podem contribuir para o
desenvolvimento de pessoas com síndrome de Down (T21).
Essa contribuição visa a favorecer, desde os anos iniciais até a vida
adulta, a experiência de uma vida plena e participativa.
A terapia ocupacional é uma profissão que integra a equipe
multiprofissional de estimulação precoce. Dessa forma, trabalha
para intensificar condições facilitadoras do desenvolvimento mo-
tor e cognitivo de lactentes e de crianças, compondo uma varieda-
de de estímulos que, segundo Trevisan C. Apud Xavier J., compõem
um programa de acompanhamento para recém-nascidos de risco
ou que apresentam algum tipo de deficiência. Esse percurso de
acompanhamento e tratamento precoce integra um trabalho de
longo prazo que visa promover oportunidades de aprendizagem
e apresentar respostas distintas que respeitem a singularidade

*Terapeuta Ocupacional pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Es-


pecialista em Terapia Ocupacional Dinâmica pelo CETO-SP. Especialista em síndrome de
Down (T21) pelo CEPEC-SP e Unaes. Terapeuta Ocupacional clínica no CEPEC-SP

48
A IMPORTÂNCIA DE TERAPIA OCUPACIONAL NA VIDA DA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

de cada criança, da maneira como ela vai se apre- exigentes, “(...) os terapeutas ocupacionais conside-
sentando no processo do desenvolvimento infantil. ram que as habilidades do indivíduo para atividades
Sendo assim, a terapia ocupacional pode oferecer básicas se desenvolvem e mudam ao longo da vida,
uma valiosa contribuição para ampliar as condições portanto buscam promover a sua própria indepen-
do repertório no cotidiano da criança com síndrome dência e autonomia para realizá-las.” (Castanharo R.,
de Down (T21), ao trabalhar com o foco no campo Wollf L., 2014).
das vivências e informações sensoriais da criança, Tendo em consideração a complexidade do
com especial atenção para a singularidade que ca- mundo em que a criança está inserida, a terapia ocu-
racteriza as relações da criança com o mundo ao seu pacional, quando iniciada logo ao nascimento, per-
redor. mitirá tanto uma orientação precisa aos pais, quanto
Em um tratamento de longo prazo, que busca uma intervenção terapêutica. Ela favorecerá as habi-
facilitar e ampliar também o repertório de sociabili- lidades que potencializam a capacidade explorató-
dade da criança, é de particular importância conside- ria da criança, estimulando o seu desenvolvimento
rar algumas características que podem acompanhar global, que será implementado a partir de práticas e
a síndrome de Down (T21), tais como a presença de de orientações, visando as habilidades atencionais e
cardiopatias e hipotonia com possível baixa iniciati- motoras; a interação com o ambiente; e a estimula-
va, que vão marcar a capacidade infantil de explorar ção da iniciativa, habilidade essa que tende a com-
e investir no ambiente, influenciando diretamente prometer diretamente as habilidades motoras da
seu desenvolvimento cognitivo, motor e social. Essa criança.
perspectiva norteia o trabalho da terapia ocupa- Embora nem sempre se perceba, é importante
cional na busca de criar condições para superar as ressaltar que o desenvolvimento das habilidades
eventuais dificuldades que se apresentam à medida motoras finas, que serão centrais no desempenho
em que as atividades e os fazeres vão se tornando de diversas atividades da vida cotidiana, se dá des-
mais complexos ao longo do desenvolvimento da de o nascimento e é potencializado pelo desenvol-
criança em sua relação com a vida cotidiana. vimento motor global da criança. Há muito existe
Sabe-se que a exploração ambiental dos anos um consenso quanto à importância de ações e de
iniciais da infância será determinante para a con- orientações voltadas à facilitação dos processos de-
dição de participação ativa no mundo e se refletirá senvolvimentais, considerando-se que, no campo
ao longo das diversas etapas da vida, em diferentes da terapia ocupacional, esta “(...) prepara e habilita
situações de aprendizagem. Uma vez que a comple- a criança por meio de estímulos sensório-motores,
xidade do mundo vai estabelecendo desafios que perceptivos, espaciais e temporais, como base para
vão se tornando gradativamente mais elaborados e a aquisição de Atividades de Vida Diária e Atividades

49
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

de Vida Prática.” (Cohen, M., Kudo A. et al, 1994). jogo simbólico/função dos objetos, propiciará um
A condição de ser-no-mundo da criança está vivência de exploração atenta e direcionada, favo-
intimamente vinculada às possibilidades explorató- recendo habilidades cognitivas e sociais que serão
rias que lhe são oferecidas desde cedo. Veja-se, por aplicadas em momentos importantes e decisivos,
exemplo, a aquisição da marcha, que é um marco como o futuro ingresso na vida escolar.
muito importante para a vida infantil e que é facili- O acompanhamento de terapia ocupacional
tado pelo trabalho da terapia ocupacional, uma vez permite, em cada fase desse processo de desenvol-
que esta implica na criação de condições de autono- vimento, tanto um apoio à família, de forma a ins-
mia e de autodeterminação, a fim de que a criança trumentalizá-la para a estimulação diária da criança,
possa se locomover e ir ao encontro daquilo que lhe quanto um trabalho ampliado que, além do foco nas
interessa, de forma a ampliar a exploração do am- habilidades cognitivas e atencionais, está atento às
biente e, consequentemente, seu repertório cogni- habilidades motoras, visto que “(...a avaliação mo-
tivo. Assim, evidencia-se o compromisso da terapia tora identifica alterações no desempenho motor,
ocupacional em “(...) oferecer condições e em apoiar possibilitando a oferta de suporte adequado para as
a criança para que ela possa explorar os objetos, crianças e suas famílias a fim de reduzir o impacto de
compreender sua função e exercitar suas habilida- dificuldades motoras nas atividades diárias e na vida
des atencionais, mostrando a ela que existem for- escolar.” (Silva, C.G. et al, 2017).
mas e funções diversas na exploração ambiental as As crianças aprendem de forma mais efetiva
quais terão consequências no seu desenvolvimento” através de experiências vividas e isso não é diferen-
(Alencar, 2017). Tanto a exploração ativa e espontâ- te em crianças com síndrome de Down (T21). Esse
nea, quanto a exploração direcionada e concentrada processo se inicia desde o nascimento e, por isso há
dos objetos, pode enriquecer o repertório infantil, o encorajamento para que as crianças vivam o má-
trazendo novas possibilidades de criação e de com- ximo possível de experiências dentro e fora de casa,
posição relacional no campo interpessoal e social em parques, praias, etc., experimentando e explo-
que compõem o cotidiano infantil. rando também os elementos sensoriais do ambien-
Apenas para ilustrar o que foi dito acima, a partir te. Nesse ponto, é importante ressaltar a relevância
do segundo ano de vida a família é orientada a brin- da alimentação como um momento de convívio diá-
car diariamente com a criança sentada em uma ca- rio e também de exploração de novas habilidades,
deira com prancha, por um curto período de tempo, bem como das propriedades variadas dos alimentos
para que a mesma se mantenha em uma atividade de sua dieta. Por exemplo, sentir a textura da casca
direcionada. Um jogo, um livro curto que exponha das frutas, sentir o cheiro, experimentar o gosto da
a criança às diferentes texturas ou uma atividade de fruta, explorar sua forma inteira, pegar os pequenos

50
A IMPORTÂNCIA DE TERAPIA OCUPACIONAL NA VIDA DA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

pedaços, criando a oportunidade de participar ati- habilidades sociais, basta que se considere um dos
vamente de todos os aspectos de sua rotina. Isso é períodos mais críticos da vida que se dá na passagem
particularmente importante quando se trata de be- da infância para a vida adulta, a adolescência. Nesse
bês, pois um bebê ativo e curioso será uma criança momento o jovem está particularmente vulnerável
exploradora que não se fechará frente a novos de- às influências sociais, buscando criar sua identidade
safios e se sentirá encorajado e potente frente aos a partir do olhar dos outros com quem convive. O
desafios da aprendizagem ao longo da vida. grupo de referência tem, nessa fase da vida, especial
O objetivo das famílias, quando iniciam o tra- importância tanto no desenvolvimento social quan-
balho de estimulação, é investir para que a criança to afetivo do jovem e, no caso de jovens com síndro-
se desenvolva da melhor forma possível, o que não me de Down (T21)1, a exigência social se torna mais
significa, é importante ressaltar, que a criança não rígida, visto os empecilhos que a sociedade tende
apresentará dificuldades ao longo do seu desenvol- a colocar às pessoas que não se apresentam con-
vimento. Toda criança enfrenta crises para se desen- forme suas expectativas normativas. Dessa maneira,
volver, no caso de crianças com síndrome de Down o trabalho da terapia ocupacional busca construir
(T21) existem as questões inerentes que irão apare- as bases para que o jovem com síndrome de Down
cer ao longo do processo e vão se somar às dificul- (T21) possa desenvolver as capacidades necessárias
dades comuns ao desenvolvimento infantil. Essas para evitar as relações que o colocam numa posição
dificuldades deverão ser sempre trabalhadas e res- infantilizada, criando condições para que estes pos-
significadas pelo adulto no contato com a criança, sam ter recursos próprios para agir e se conduzir nas
principalmente buscando facilitar a compreensão diferentes situações sociais, tendo consciência das
das regras e a atenção às habilidades sociais que são suas dificuldades, mas confiando em seu potencial e
necessárias para a vida do dia a dia de forma concre- suas possibilidades de sucesso.
ta. Nesse aspecto também a contribuição da terapia Uma das questões mais cadentes na adolescên-
ocupacional se faz notar, considerando-se que “(...) cia e juventude é a demanda por autonomia que se
habilidades sociais referem-se à existência de dife- torna constante para o jovem. Também o adolescen-
rentes classes de comportamentos sociais no reper- te com síndrome de Down (T21), ao atingir a adoles-
tório do indivíduo para lidar de maneira adequada cência, tende a buscar sua autonomia e compreen-
com as demandas das situações interpessoais” (A. der as características determinantes da síndrome
Del Prette & Del Prette, 2001, p.31), também essas de Down (T21) pode auxiliar nessa busca. A terapia
habilidades vão se tornando mais complexas ao lon- ocupacional tem como um dos seus objetivos facili-
go da vida. tar a aquisição das habilidades que permitem ao su-
Para se pensar a complexidade da aquisição de jeito encontrar progressivamente sua autonomia ao

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

longo da vida. Essa busca pela autonomia, ou seja, o profissional tem condições de aliar a observação
a capacidade de governar-se pelos próprios meios, do comportamento infantil ao seu desenvolvimen-
requer habilidades que permitam à pessoa realizar to motor, condição básica para as interações com
suas atividades cotidianas de forma independente os objetos e com os outros. O desenvolvimento das
e sem auxílio de terceiros. São atividades cotidia- habilidades motoras finas nas mãos, por exemplo, se
nas tanto aquelas de auto cuidado (tomar banho, dá a partir do reflexo de preensão palmar ao nascer,
escovar os dentes, alimentar-se, etc.) como aquelas substituído aos 4/6 meses pela preensão palmar vo-
voltadas ao convívio e à ampliação da socialização luntária, seguida pela preensão radial digital (dedos
(preparar a sua alimentação, escolher as próprias indicador, polegar e médio), pinça inferior e pinça su-
roupas, se locomover sozinho). Nesse momento de perior. Esses movimentos de oposição, entre os de-
passagem entre a infância e a vida adulta, a terapia dos indicador e polegar (pinça), são os que nos per-
ocupacional colocará sua ênfase especialmente na mitem segurar objetos pequenos e que favorecerão
busca de autonomia e independência do sujeito. o manuseio dos talheres, do lápis, da tesoura, colo-
Cabe lembrar que a importância de fazer esco- car uma chave na fechadura, entre outros. A terapia
lhas é encorajada pelo trabalho da terapia ocupa- ocupacional, ao trabalhar as habilidades cognitivas
cional, desde os primeiros gestos do bebê. Isso se e motoras simultaneamente, está criando condições
configura ao oferecer ao bebê e, posteriormente, à para que a criança, em seu dia-a-dia, tenha a opor-
criança, a possibilidade de escolhas, por exemplo tunidade de espetar pequenos pedaços de alimento
quando ela é chamada a decidir a brincadeira que e tornar funcional a utilização do garfo, habilidade
prefere ao ser exposta a diferentes brinquedos. Essa diretamente vinculada às capacidades desenvolvi-
oportunidade de fazer escolhas desde o princípio da das nas diversas atividades de perfuração que são
vida permite que a criança possa ter maiores condi- a base para essa utilização. As habilidades com a
ções para explorar os vários detalhes da atividade e, faca devem ser iniciadas com materiais mais flexíveis
com isso, intensificar sua capacidade de concentra- como, por exemplo, massa de modelar, e introduzi-
ção, que é determinante para o convívio social e a das gradualmente. As crianças devem ser estimula-
autonomia ao longo da vida. das a espalhar manteiga ou geleia no pão, a partir
Embora aparentemente as escolhas a serem da idade escolar, praticando a força e a coordenação
feitas dependam apenas de oportunidade, sabe-se dos dedos. Assim, se sentirão mais confiantes para
que a capacidade de escolher depende de múlti- preparar o próprio lanche, além de praticar e desen-
plas habilidades, nem sempre tão evidentes e, nesse volver a destreza para colar, escrever, recortar, entre
ponto, o trabalho de terapia ocupacional é um fa- outras atividades viso-motoras.
tor diferencial da maior importância, uma vez que O aprendizado dos movimentos finos se dá atra-

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A IMPORTÂNCIA DE TERAPIA OCUPACIONAL NA VIDA DA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

vés dos seguintes componentes da práxis: ideação, dependem da condição de exploração da linha mé-
planejamento motor, coordenação motora e fee- dia corporal, bem como a coordenação bi manual
dback. Vale ressaltar que as pessoas com a síndrome e a coordenação viso motora (Bruni, 2006) ou seja,
de Down (T21) apresentam o processo de feedback, aquela que requer a utilização dos olhos, guiando
das terminações nervosas para o córtex motor, mais ambas as mãos como, por exemplo, durante o ato
lento, tendendo a levar mais tempo para aprender e de recortar, com uma mão manuseando a tesoura e
refinar os movimentos, assim como ajustar a força às a mão auxiliar segurando o papel, gestos repetidos e
características dos diferentes objetos que exploram estimulados no trabalho de terapia ocupacional.
com as mãos, (Bruni, 2006). Quando se pensa na vida adulta, considera-se
A oportunidade de ter contato com o trabalho relevante a condição para a inclusão no mercado de
de terapia ocupacional deveria ser democratizada trabalho e, novamente, destaca-se o protagonismo
para todas as crianças, uma vez que a partir de ati- das ações de cuidado no campo da terapia ocupa-
vidades aparentemente simples é possível ampliar cional, uma vez que a participação de trabalhadores
consideravelmente o universo exploratório infantil, com síndrome de Down (T21) tem se ampliado ano
que está na base do desenvolvimento global. Even- a ano, desde que conquistas importantes de cidada-
tualmente atividades cotidianas concentram um po- nia ocorreram, como é o caso de Lei de Cotas (Brasil,
tencial pouco explorado e o trabalho da terapia ocu- 1991) para ingresso no mercado de trabalho. Essa
pacional busca valorizar qualidades pouco óbvias do perspectiva de ampliação social é um dos motivos
fazer cotidiano como forma de potencializar o de- que nos levam a afirmar a importância do trabalho
senvolvimento individual e global, inclusive do pon- da terapia ocupacional no acompanhamento dessa
to de vista da socialização e autonomia. Assim, uma população, a fim de instrumentalizá-los a superar as
atividade aparentemente banal do dia a dia, pode ser barreiras que tendem a impedir uma participação no
potencializada pela terapia ocupacional, valendo-se dia a dia que seja plena e satisfatória, como deve ser
de diversos aspectos intrínsecos e pouco conheci- para todos os cidadãos.
dos das mesmas, como, por exemplo, o manuseio da Como se pode notar, o campo de atuação da te-
tesoura e a importância de propor atividades mais rapia ocupacional, abrange os diferentes períodos e
refinadas das mãos em diferentes planos e eixos, as necessidades inerentes a cada fase das pessoas
evitando que a criança realize compensações ina- com síndrome de Down (T21) ao longo de seu de-
dequadas do movimento e as repita infinitamente, senvolvimento. As práticas terapêuticas ocupacio-
realizando o mesmo movimento sempre na mesma nais visam a ampliar o universo relacional da criança
posição. Por outro lado, no cotidiano, as atividades e viabilizar maneiras de acessar a aprendizagem nas
que requerem movimentos mais finos das mãos, mais diversas áreas de vida cotidiana, para que to-

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

dos os sujeitos adquiram habilidades ocupacionais


funcionais e prosperem num percurso de vida tan-
to mais independente e autônomo, quanto pleno
de oportunidades, de realização pessoal e social, no
âmbito de uma vida participativa e compartilhada.

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A IMPORTÂNCIA DE TERAPIA OCUPACIONAL NA VIDA DA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

5. Integração sensorial
e a criança com
Síndrome de Down (T21)
POR ADRIANA LEISTER*

‘’ Para as crianças tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha


de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu,
um pião na terra. Coisas que os eruditos não vêem.’’
Rubem Alves

R
ubem Alves nos lembra que para o bebê o mundo é uma grande surpresa. Sabemos que a
mão de um bebê recém-nascido não manipula um brinquedo, ele ainda não tem equilíbrio,
não senta, engatinha, anda, fala e não sabe distinguir o que vê, a textura ou a consistência
de objetos. Tudo deverá ser aprendido fazendo uso dos seus sentidos: visão, audição, tato, olfa-
to, paladar, propriocepção e sistema vestibular. Jean Ayres, PhD, terapeuta ocupacional norte-a-
mericana se dedicou a pesquisar como toda a informação que recebemos através destes senti-
dos se integram no sistema nervoso central e como este processo afeta o desenvolvimento e o
comportamento.

* Terapeuta Ocupacional pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Consultora em Inclusão e Desenvolvimen-
to Infantil com Capacitação em Integração Sensorial pela Universidade Federal de Minas Gerais e Certificação Interna-
cional pela University Of Southern Califórnia

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INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

Segundo Ayres (1974), que começou a usar o ter- de apreender a totalidade do objeto, a mão parece pedir
mo Integração Sensorial nas abordagens terapêuticas, a licença para os olhos pois assim, poderá ver/sentir a tex-
maior parte da atividade de uma criança nos seus primei- tura, temperatura, formato, consistência e deslocamento
ros sete anos de vida se traduz num processo: o processo deste. A visão integra informação em compatibilidade e
de organizar as sensações que recebe do ambiente e do coerência com o corpo total, com o sistema tátil e proprio-
próprio corpo no sistema nervoso. Para ela, a Integração ceptivo, para só depois a interpretação da imagem visual
Sensorial fornece a base para a aprendizagem e a regu- ser de fato operada. Enquanto a criança vê, por exemplo
lação emocional, apoiando a participação da criança nas uma bola, paralelamente também a toca e recebe outras
ocupações da infância como o brincar, o desenvolvimento informações, inclusive auditivas, podendo processar ver-
da autonomia nas rotinas de autocuidado e nas ativida- dadeiramente o que viu e concluir: “certo, o que eu vejo é
des escolares. Contribui também para o desenvolvimento uma bola! Ela é redonda, macia, leve, eu posso agarrá-la,
da coordenação motora fina e grossa, para a capacidade eu posso chutá-la!”
de autorregulação e organização do comportamento. Es- Integração Sensorial é um processo neurobiológico
pecificamente, a autorregulação está associada a “habili- complexo que envolve várias estruturas do sistema ner-
dade de atender a um pedido, iniciar e cessar atividades voso, são elas: a medula espinhal, tronco encefálico, hipo-
conforme a demanda situacional, modular a intensidade, tálamo, tálamo, cerebelo, sistema límbico, gânglios basais
frequência e duração de ações motoras e verbais em am- e córtex.
bientes de educação social, postergar ações sobre um • A medula é um veículo condutor de impulsos ner-
objeto desejado ou um objetivo e gerar comportamentos vosos que recebe e realiza processamento inicial dos
socialmente aceitos na ausência de monitores externos” neurônios sensitivos da pele, articulações e musculatura
(Kopp, 1982, p. 199-200). de membros e tronco, controlando seus movimentos;
Todas as informações sensoriais são importantes • o tronco encefálico com o hipotálamo é responsável
para o surgimento de respostas adaptativas e para estar- pela função vegetativa, endócrina e visceral; possui um
mos em sincronia com o que acontece ao nosso redor, rede difusa de neurônios chamada Formação Reticular
porém, a teoria de Integração Sensorial dá ênfase aos que filtra a informação sensorial, alerta os centros supe-
sistemas tátil, vestibular e proprioceptivo que amadure- riores que informação relevante está chegando, contribui
cem mais precocemente, transmitem informações sobre para a vigília, orientação e atenção;
o corpo e suas fronteiras e influenciam as interpretações • o tálamo é responsável por organizar as informa-
visuais e auditivas. ções sensoriais e distribuí-las para as próximas estruturas
A visão, por exemplo, não pode ser entendida apenas neurais de processamento;
como sinônimo de resposta à luz, ver é mais do que olhar. • o cerebelo recebe impulsos sensitivos de articu-
Os olhos são órgãos sensoriais exteroceptivos, que fa- lações, músculos, tendões, olhos e órgãos de equilíbrio,
zem parte de um organismo maior e mais complexo. Nos sendo assim responsável pelos reflexos e pela coordena-
anos iniciais, a criança toca tudo que vê numa tentativa ção dos movimentos, além de atuar no tônus muscular

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

regulando o grau de contração do músculo para manu- áreas para a interpretação de informações específicas que
tenção da postura e do equilíbrio do corpo, graças às suas estão envolvidas com movimento voluntário, percepção,
ligações com os canais semicirculares do ouvido interno; linguagem e julgamento.
• o sistema límbico tem relação com a memória, a
emoção, olfato e o sistema visceral; SISTEMA TÁTIL:
• os gânglios da base tem relação com os aspectos
cognitivos do movimento, como planejar e executar atos Os receptores sensoriais (neurônios sensitivos primá-
motores complexos; rios) deste sistema estão presentes na pele com distribui-
• o córtex é uma camada fina, mais externa do cére- ção em níveis diferentes pelo corpo. Eles irão detectar os
bro, formada pela substância cinzenta, responsável pelo estímulos na parte mais superficial ou profunda da pele e
processamento mais sofisticado e distinto. É dividido em conduzi-los para o sistema nervoso.
Reprodução

As Terminações Nervosas Li-


vres captam estímulos dolo-
rosos, danos no tecido e tem-
peratura. Os Discos de Merkel
são sensíveis à distorções da
pele, detecção de borda, to-
que e pressão. Os Corpúsculos
de Meissner detectam textura,
vibração e toque leve. O Bulbo
de Krause detecta frio. Os Cor-
púsculos de Ruffini detectam
o calor, pressão e ou alonga-
mento da pele e os de Pacci-
ni pressão e vibração de alta
frequência.
Figura 1 - Sistema tátil.

58
INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

Após detectar os estímulos, estes neurô- que capta a sensibilidade geral somática da cabeça de-
nios os conduzem ao sistema nervoso central atra- tectando impulsos de temperatura, dor, pressão na face,
vés de duas importantes vias: Via Espinotalâmi- na conjuntiva ocular, na parte ectodérmica da mucosa
ca Anterolateral que irá processar informações de bucal, do nariz e seios paranasais, nos dentes, nos 2/3 an-
dor, temperatura, toque leve e sensações difusas. teriores da língua, na maior parte da dura-máter craniana,
no pavilhão auditivo e no meato acústico externo.
Via da Coluna Dorsal do Leminisco Medial: relaciona- Uma das funções mais importantes do tato é nos
do à discriminação tátil, vibração, toque profundo, pro- proteger do perigo. O tato nos ajuda a distinguir o toque
priocepção, aspectos temporais e espaciais do estímulo, de um amigo ou de um inseto que acaba de pousar em
influenciando a práxis e o controle motor fino. nossas costas. Outra função é a discriminação dos obje-
Temos ainda uma outra via denominada Trigeminal tos nas mãos para manejá-los com destreza.
Reprodução

Reprodução

Figura 2 - Sistema ântero-lateral Figura 3 - Sistema coluna dorsal

59
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

SISTEMA PROPRIOCEPTIVO: e faca. Nos permite ajustar a melhor preensão ao segurar o


Os receptores sensoriais da propriocepção se locali- lápis e a colocar uma força correta ao usarmos a borracha
zam nos músculos e tendões. Eles irão detectar informa- para não rasgar a folha do caderno. E, ainda, nos auxilia no
ções sobre a posição e angulação adequada das articula- planejamento motor para participar em brincadeiras com
ções e o grau de contração dos músculos. bola e esportes em grupo.

SISTEMA VESTIBULAR
Reprodução

Mais conhecido entre as pessoas como labirinto, loca-


lizado no ouvido interno, seus receptores processam infor-
mações constantes sobre a gravidade e a movimentação da
cabeça em relação ao corpo.

Reprodução
Figura 4 - Sistema proprioceptivo

O Fuso Muscular irá detectar mudanças de tensão no


músculo respondendo ao alongamento ou encurta-
mento das fibras musculares. O Órgão Tendinoso de
Golgi irá detectar a tensão nos tendões e monitorar
a força de contração e resistência. Outros receptores
nas articulações irão detectar os extremos de ADM
(amplitude de movimento) e a movimentação das ar- Figura 5 - Sistema vestibular
ticulações (rotação e velocidade).
Os Canais Semicirculares são compostos por três
estruturas pareadas em cada ouvido, cada par está
Essas informações nos permitem movimentar sem preci-
em um plano diferente: superior ou anterior, poste-
sar constantemente olhar o que estamos fazendo, como quan-
rior ou inferior, horizontal ou lateral. Estes canais
do fechamos o zíper de uma calça ou subimos uma escada.
são preenchidos por endolinfa com células ciliadas
Nos dá a dimensão do nosso corpo e dos objetos no espaço, que detectam movimentos angulares da cabeça,
para que possamos nos mover sem trombar ou organizar a movimentos rápidos e repentinos. Já os otólitos pre-
materialidade escolar sobre a mesa. Nos auxilia na percepção sentes no sáculo e utrículo detectam movimentos
da orientação de uma articulação em relação a outra, a fim de lineares e a gravidade.
estabilizá-las para um melhor manejo da tesoura ou do garfo

60
INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

As informações detectadas por este sistema irão con- neurológico e com a diferença dos potencias elétricos en-
tribuir para o controle do tônus postural, do equilíbrio e tre a membrana dos neurônios, em repouso e após ser
para o controle da movimentação reflexa dos olhos. Isto estimulada. Em termos comportamentais, significa que
nos ajuda com a orientação espacial no ambiente, a man- a criança não reage de maneira exagerada ou de forma
ter uma boa postura quando estamos realizando uma insatisfatória a experiências sensoriais, permanecendo
atividade de mesa, a retomar o equilíbrio quando subita- com um nível ótimo de excitação (nem demais, nem de
mente tropeçamos, a manter um campo visual estável ao menos) para que o comportamento adaptativo aconte-
realizar cópia no quadro, além de influenciar nosso nível ça. O cérebro recebe aproximadamente sete vezes mais
de alerta (atenção, desatenção, agitação). informações do que irá usar (Lynn, 2007), desta forma a
Os sistemas vestibular, proprioceptivo e tátil, nos dão criança sempre estará aberta a novas experiências, mas
sensações básicas para o desenvolvimento da consciên- saberá evitar situações potencialmente perigosas ou in-
cia corporal que vai guiar nossas interações físicas com o formações irrelevantes.
ambiente.
Problemas de modulação se referem a crianças que
DESORDEM DE PROCESSAMENTO SENSORIAL apresentam hiper-resposta ou hiporesposta aos estímu-
los táteis e vestibulares:
Na maioria das pessoas, os mecanismos de Integra-
ção Sensorial se desenvolvem naturalmente, como resul- • A hiperresponsividade aos estímulos táteis se ex-
tado das brincadeiras infantis e relações com o ambiente, pressa pela defensividade tátil, onde a criança tem limiar
pessoas e objetos. No entanto, algumas pessoas podem neurológico baixo e rejeita texturas agradáveis para a
apresentar Disfunção de Integração Sensorial (Ayres, 1971) maioria dos seus pares, fica incomodada com o que toca
ou Desordem de Processamento Sensorial (Miller, 2006), sua pele. Na hipor-responsividade tátil ela apresenta alto
com dificuldades em algum ou vários níveis de processa- limiar neurológico e pode não notar estímulos táteis;
mento sensorial.
Estas dificuldades, de acordo com Bodison (2005, • A hiper-responsividade aos estímulos vestibulares
2009, 2014), podem estar relacionadas com problemas se caracteriza também por limiar neurológico baixo e pela
de modulação sensorial ou de percepção e integração presença da insegurança gravitacional (medo despropor-
sensório-motora. cional de movimento e altura) ou aversão ao movimento
A modulação sensorial envolve a capacidade neu- (reações de náusea, palidez, tontura e sudorese com mo-
rofisiológica do sistema nervoso de ajustar a sua própria vimento). Já na hiporesponsividade vestibular, a criança
atividade, adequando os sinais sensoriais que transmitem pode tanto parecer letárgica quanto pode se mexer sem
informações sobre a intensidade, frequência, duração, parar.
complexidade e novidade dos estímulos (Miller e Lane, Os problemas de percepção e integração sensório-
2000). Fisiologicamente, está relacionado com o limiar -motora serão expressos nas dificuldades de desordem

61
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

postural, integração bilateral, discriminação tátil e proprioceptiva inadequada, organização insatisfatória do comporta-
mento e problemas de práxis envolvendo ideação, planejamento e execução motora.
Abaixo, segue o quadro de Miller (2006), classificando as desordens de processamento sensorial:

Desordem de Processamento Sensorial (DPS)

Desordem de Desordem de Desordem Motora


Modulação Discriminação/Percepção de base
Sensorial (DMS) Sensorial (DDS) Sensorial (DMBS)

Hipo Hiper
Busca Desordem
Responsividade Responsividade Dispraxia
Sensação Postural
Sensorial Sensorial

Figura 6 - Classificação dos transtornos de processamento sensorial (Milles. 2006)

INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇAS COM estar alterados também, mas eles não são as causas de
SÍNDROME DE DOWN (T21) base dos atrasos e dos problemas enfrentados por estas
crianças.
Algumas crianças com síndrome de Down (T21) po- Para uma intervenção de sucesso é preciso que haja
dem apresentar desordem de processamento sensorial, avaliação criteriosa de um terapeuta com formação e
mas é importante recordar que elas tem uma alteração experiência em Integração Sensorial e de médicos que
genética primária que, por si só, provoca diferenças no possam auxiliar no diagnóstico diferencial, pois várias
ritmo de maturação do sistema nervoso central, no de- possíveis razões de âmbito da medicina explicam alguns
senvolvimento cognitivo, motor, linguístico e social. Al- comportamentos semelhantes aos sinais de disfunção ou
guns componentes de processamento sensorial podem desordem de Integração Sensorial. Exemplos: a letargia

62
INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

e a pouca energia podem ocorrer por uma disfunção da importantes. O VMI (Developmental Test of Visual-Motor
tireoide ou apneia do sono e não por falha de proces- Integration) e MABC–2 (Movement Assessment Battery
samento sensorial. Em alguns casos, a letargia e a baixa for Children) fornecem informações extras sobre desem-
energia estão relacionadas a um estado de depressão. O penho visual e motor, resultados de um bom processa-
ranger de dentes (bruxismo) é outro comportamento que mento sensorial.
pode advir de ambas as condições, processamento

Imagem cedida pelo autor


sensorial ou problemas médicos: a dor do seio maxi-
lar, a perda de dentes, a instabilidade da mandíbula e
a infecção de ouvidos podem ser a origem do bruxis-
mo. Igualmente, a fístula traqueoesofágica pode pro-
duzir incômodos ao engolir alimentos, que poderiam
ser mal interpretadas como hipersensibilidade às tex-
turas do alimento (Maryanne, 2016). A deficiência de
zinco pode alterar o sabor dos alimentos e a criança
pode não comer alimentos que antes gostava. Desse
modo, avaliações médicas periódicas são aliadas im-
portantes na identificação da desordem de proces-
samento sensorial em crianças com a síndrome de
Down (T21).

A TERAPIA DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL

Esta abordagem deverá ser aplicada por um tera-


peuta ocupacional capacitado na avaliação, análise e
interpretação dos dados encontrados. Só assim, este
profissional poderá estabelecer um planejamento te-
rapêutico individualizado que atenda as necessida-
des da criança. A singularidade desta intervenção está em usar o
Os métodos de avaliações envolvem instrumentos brincar, não necessariamente usar jogos e brinquedos,
padronizados, sendo o SIPT (Teste de Integração Senso- mas o BRINCAR como atividade espontânea da criança
rial e Práxis) o “padrão ouro” para análise de performance para estimulá-la. É uma terapia que tem como objetivo
infantil. Observações Clínicas estruturadas e não estrutu- principal realizar sua intervenção em ambiente organiza-
radas e os questionários Perfil Sensorial 2 e SPM (Medi- do, contendo equipamentos e estímulos específicos de
da de Processamento Sensorial) são outras ferramentas natureza tátil, proprioceptiva e vestibular.

63
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

A chave deste tratamento está em promover uma Para as crianças que apresentam defensividade tá-
aliança com a criança, seguir sua liderança e propor de- til, seletividade alimentar, insegurança gravitacional ou
safios na medida certa para apoiar a sua participação em aversão ao movimento, o mais importante é não impor
brincadeiras e experiências com movimento e diferentes os estímulos e sim combinar gradualmente experiências
sensações que auxiliam o desenvolvimento do esquema sensoriais problemáticas/aversivas com estímulos poten-
corporal e consciência ambiental para que ela possa, as- cialmente inibitórios e organizadores (tato profundo e
sim ter sucesso em atividades escolares, de autocuidado propriocepção) para apoiar sua participação nas brinca-
e lazer. deiras e atividades.
O terapeuta precisa constantemente observar e in- Seguem abaixo alguns sinais de Disfunção de Inte-
terpretar as respostas da criança e antecipar comporta- gração Sensorial em criança:
mentos inesperados, garantindo seu sucesso e sua se- • Atraso e/ou diminuição da percepção de dor;
gurança física. Não se deve predeterminar a ordem das • não percebe que se está suja;
atividades! As preferências das crianças e suas respostas • não tolera texturas como cola, tinta, massinhas,
aos estímulos guiarão as escolhas do terapeuta e mudan- cremes;
ças serão realizadas para facilitar seu engajamento. • não gosta de pisar na areia ou grama;
O mais importante é ter em mente as necessida- • não gosta de fila;
des da crianças Algumas experiências sensoriais tem • tem muita resistência para escovar os dentes, pen-
caráter mais inibitórios, outras excitatórios e outras são tear e/ou cortar os cabelos, cortar as unhas;
organizadoras. • se incomoda com etiquetas em suas roupas;
• se limita a certas texturas de alimentos;
Experiências Experiências Experiências • mostra preferência por certas roupas e toma suas
inibitórias excitatórias organizadoras próprias decisões ao se vestir;
• não tolera meias ou calçados;
TATO - pressão TATO – toque leve PROPRIOCEPÇÃO • se arrisca em brincadeiras, parecendo não ter noção
profunda, toque e rápido. -movimento ativo de perigo;
firme e sustenta-
SISTEMA VESTI- e auto-iniciados. • pode girar e se movimentar sem ficar tonta;
do, calor neutro,
texturas macias e BULAR – movi- Posições contra • pode parecer muito agitada;
suaves e roupas mentos rotatórios, a gravidade, com • tem medo desproporcional de movimento e altura
compressivas. disrítmicos e resistência, escalar, como subir e descer escadas; escalar e descer de escorre-
SISTEMA VESTI- rápidos. que favoreça es- gadores; não gosta de balanços, pula-pula e brinquedos
BULAR - movimen- tabilizar as articu- de parque;
tos rítmicos, lentos
lações, suportar • move-se com muito cuidado e de maneira tensa;
e lineares.
peso, mastigar e • se irrita quando movida pelo espaço;
assoprar. • não gosta de tirar os pés do chão;

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INTEGRAÇÃO SENSORIAL E A CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN (T21)

• relata enjoo ou tontura no carro, elevador ou quan- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


do se movimenta;
1. Adriana de França Drummond e Márcia Bastos Rezende (organiza-
• não tolera ruídos ou ambientes com muitas pessoas; doras). Intervenções da Terapia Ocupacional – Belo Horizonte Editora
• tromba nas coisas sem se dar conta; UFMG, 2008.
• cansa-se facilmente nas atividades físicas; 2. Ayres, A. J. Characteristics of types of sensory integrative dysfunction.
American Journal of Occupational Therapy, 1971.
• pode parecer muito lenta; 3. Ayres, A. J. Sensory integration of integration theory pratice. Dubu-
• experimenta com frequência dificuldades com que: Kendall publishing,1974.
4. Fonseca, Vitor. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto
orientação espacial; Alegre: Artmed, 2008.
• gosta de mastigar objetos (ex.: o lápis ou a gola de 5. Kopp, C.B. (1982). Antecedentes of Self-regulation: A Developmental
camisa); Perspective. Developmental Psychology, 18, 199-214.
6. Lynn, J. H. Helping Hyperactive Kids – A Sensory Integration Approa-
• se debruça na mesa durante atividades de escrita, ch: Techniques and Tips for Parents and Professionals. Alameda CA,
desenho ou colorido; Hunter House Publishers, 2007.
7. Machado, A. Neuroanatomia Funcional. 2a. edição, Atheneu, 1998.
• não gosta de novos desafios; 8. Maryanne Bruni. Fine Motor Skills for Children with Down Syndrome.
• prefere repetir as mesmas atividades; A guide for Parents and Professional, 3 ed. Woodbine House, Bethesda
• tem muita dificuldade para aprender tarefas moto- MD, 2016.
9. Miller, L. J. e Lane, S. K. (2000), Toward a Concesnsus in Terminology
ras novas; in Sensory Integration Theory and Practice: Part I: Taxonomy of Neuro-
• não faz ideia de como explorar os brinquedos; physiological Processes. Sensory Integration Special Interest Section,
23 (I), 1-4.
• parece descoordenada, desajeitada; 10. Miller, L. J. Sensational Kids – Help and Hope for Children With Sen-
sory Processing Disorders (SPD). New YorK, NY. G. P. Putnam’s Sons,
Por fim, cabe dizer que Integração Sensorial é um 2006.
11. Stefanie Bodison, OTD, OTR/L. Guia para o Raciocínio Baseado na
processo natural e biológico que nos permite ser o que Teoria de Integração Sensorial. 2005,2009, 2014.
somos e fazer o que fazemos. A terapia que usa esta abor-
dagem é importante não somente para aquelas crianças
com síndrome de Down (T21) com alguma disfunção ou
falhas de processamento sensorial, mas para potencia-
lizar o desenvolvimento de todas elas, uma vez que as
mesmas encontram desafios em seu desenvolvimento.

65
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

6. Alterações
fonoaudiológicas
e apraxia de fala na
síndrome de Down (T21)
POR DRA. ELISABETE CARRARA DE ANGELIS*

O
desenvolvimento da fala e da linguagem podem ser desa-
fiadores para muitas crianças com síndrome de Down
(T21), e há autores que consideram a fonoterapia como a
parte mais importante da intervenção, se o objetivo é promover
o desenvolvimento cognitivo e social (Buckley & Prèvost, 2002).
Quanto antes uma criança adquire vocabulário, antes ela de-
senvolverá seu conhecimento sobre o mundo. Além disso, a lin-
guagem dá suporte ao pensamento. Consequentemente, crianças
com atraso na aquisição de linguagem podem ter atrasos nas ha-
bilidades cognitivas.
A linguagem é igualmente importante para o desenvolvimen-
to social, à medida que a negociação com o mundo e o controle
de seu comportamento acontecem por meio dela, por exemplo,
pedindo o que querem, explicando como se sentem, descrevendo
o que estão fazendo ou dividindo pensamentos e preocupações.

* Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana e Doutora em Neurociências (Unifes-


p-EPM). Especialista em Voz e em Motricidade Orofacial. Diretora do Departamento de
Fonoaudiologia do A. C. Camargo Cancer Center.

66
ALTERAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS E APRAXIA DE FALA NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

À medida que se desenvolve, a criança começa gra- varia muito.


dativamente a controlar seu comportamento utili- A literatura demonstra que há um perfil desigual
zando-se da “fala silenciosa” para instruir a si própria das diferentes áreas de desenvolvimento – social,
e planejar suas ações. cognitivo e de linguagem - na criança com síndrome
Assim, quanto mais ajudarmos uma criança com de Down (T21), incluindo forças e fraquezas. O de-
síndrome de Down (T21) a falar, mais rapidamente senvolvimento social é tipicamente uma área facil-
ela progredirá em todas as áreas do desenvolvimen- mente desenvolvida, enquanto o desenvolvimento
to cognitivo e social (Buckley & Prèvost, 2002). da linguagem falada apresenta maiores dificuldades
Muitas controvérsias existem com relação à (Chapman, 1997).
abordagem fonoaudiológica na síndrome de Down Especificamente falando de linguagem, as pes-
(T21). Não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo, quisas e a experiência clínica também demonstram
as famílias deparam-se com diferentes opções de que suas diferentes áreas não se desenvolvem igual-
tratamento fonoaudiológico, dependendo de onde mente; algumas são mais difíceis para crianças com
vivem, e do interesse e conhecimento do fonoaudió- síndrome de Down (T21), enquanto outras são relati-
logo local nas diferentes necessidades da criança. vamente mais fáceis. As áreas mais fáceis incluem o
O objetivo deste capítulo é apresentar um re- vocabulário (semântica) e a pragmática (linguagem
sumo das propostas de estimulação fonoaudiológi- interativa social); frequentemente há o desenvolvi-
ca baseadas nas evidências científicas atualmente mento de um vocabulário rico e variado à medida
disponíveis na literatura. Será um resumo do perfil, que amadurecem. As boas habilidades de intera-
necessidades e sugestões de intervenção para a sín- ção social permitem que usem gestos e expressões
drome de Down (T21). faciais geralmente de forma efetiva como auxilio à
comunicação. A maioria tem o desejo de se comuni-
PERFIL car e interage bem com as pessoas. Dentre as áreas
mais difíceis da linguagem, por sua vez, está a sinta-
Embora muitas crianças com síndrome de Down xe (gramática), possivelmente devido à sua comple-
(T21) aprendem a falar e usarão a fala como principal xidade e natureza abstrata.
meio de comunicação, a compreensão da linguagem Na fala propriamente dita, há dificuldades
e o desejo de se comunicar podem desenvolver-se consideráveis em todos os níveis, desde o planeja-
bem antes da capacidade de expressar-se verbal- mento motor (Apraxia de Fala na Infância - AFI) até a
mente. As crianças com síndrome de Down (T21) articulação e a fonologia, levando a dificuldades im-
frequentemente falam palavras simples entre os 2 e portantes na inteligibilidade e consequentemente,
3 anos de idade, mas a idade das primeiras palavras impedindo uma comunicação verbal efetiva (Stoel-

67
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

-Gammon, 2001). tema, e a prática fonoaudiológica tradicionalmente


Até 2007, o conceito de apraxia de fala na infân- não considera a apraxia dentro das possibilidades
cia era muito controvertido; muitos autores consi- diagnósticas ou de abordagens terapêuticas. Geral-
deravam a apraxia apenas para adultos. A partir de mente, profissionais não considerarem a AFI dentre
revisão de literatura restrita e criteriosa sobre os as possibilidades diagnósticas para o atraso de fala
fundamentos científicos em apraxia na infância, a na síndrome de Down (T21), e frases do tipo: “Julia-
Asha (American Speech-Language-Hearing Asso- na falará no seu tempo” ou “Mariana é preguiçosa
ciation) formou um comitê Ad-Hoc sobre este tema para falar” ou “Gabriela falará quando estiver pronta”
e adotou, em 2007 o termo CAS (Childhood Apraxia ainda são ditas, levando a uma conduta de espera
of Speech) – Apraxia de Fala na Infância (AFI) - para que muito pode significar na evolução de uma crian-
se referir a todas as apraxias que se manifestam na ça com AFI (Carrara-de Angelis, 2018). Isto torna-se
infância. A AFI é definida como um distúrbio neuro- ainda mais grave quando a literatura começa a su-
lógico dos sons da fala na infância, na qual a preci- gerir que mais de 75% das crianças com síndrome de
são e consistência dos movimentos que permeiam Down (T21) têm AFI.
a fala estão prejudicados. O principal impedimento
manifesta-se no planejamento e/ou programação POSSÍVEIS CAUSAS DAS ALTERAÇÕES DE FALA E
de parâmetros espaço-temporais das sequências de LINGUAGEM
movimentos, resultando em erros na produção dos
sons da fala e na prosódia (ASHA, 2007). 1) Alterações da Audição
A AFI ainda é pouco diagnosticada ou tratada na A maior parte das crianças com síndrome de
síndrome de Down (T21) e há um motivo histórico Down (T21) (80 a 90%) tem perdas auditivas condu-
para isso. Os pesquisadores, que definiram apraxia tivas e dificuldades de discriminação auditiva. Devi-
de fala em crianças, historicamente incluíram, em do às diferenças anatômicas existentes (ex.: canais
seus estudos, crianças com ausência de perdas audi- mais estreitos e mais curtos), elas são mais suscep-
tivas ou fraqueza muscular e QI dentro da normalida- tíveis ao acúmulo de fluidos na orelha média. A oti-
de. Consequentemente, crianças com síndrome de te média secretora resulta do acúmulo de fluidos e
Down (T21) foram excluídas destes estudos iniciais. inflamação da orelha média, algumas vezes com in-
Somente com os estudos de Kumin, no século 21, é fecção. A criança deve ser seguida pelo pediatra e
que a avaliação e o tratamento da apraxia na síndro- pelo otorrinolaringologista e realizar testes auditivos
me de Down (T21) passaram a ser considerados, e periodicamente a cada 6 meses, do nascimento aos
isto ocorre essencialmente nos Estados Unidos. No 3 anos, e anualmente até os 12 anos. As dificuldades
Brasil, até onde sabemos, não há estudos sobre este auditivas são uma das justificativas para as altera-

68
ALTERAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS E APRAXIA DE FALA NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

ções fonológicas bem como para as alterações do - imitação de sons;


planejamento motor ( Jarrold & Baddeley, 2001) - troca de turnos, desenvolvida através de brin-
cadeiras e jogos;
2) Dificuldades de alimentação - habilidades visuais, olhar para o falante e para
A fala é uma função secundária que utiliza as objetos;
mesmas estruturas anatômicas usadas para a res- - habilidades auditivas, ouvir música, fala e sons
piração e a alimentação. A hipotonia pode afetar a de fala por períodos gradativamente maiores;
alimentação desde o nascimento, interferindo nos - habilidades táteis, aprender a tocar e explorar
padrões de sucção e posteriormente de mastigação, objetos com a boca;
e pode consequentemente também afetar a fala. Na - habilidades motoras orais, usar a língua em di-
alimentação, a criança pratica com força e coorde- ferentes movimentos e funções, mover os lábios;
nação os músculos que serão utilizados para a fala. - habilidades cognitivas.
A família pode e deve estimular estas habilida-
3) Memória de trabalho des pré-linguísticas em casa. Os fonoaudiólogos de-
Crianças com síndrome de Down (T21) podem vem ensinar os pais quanto às habilidades que os
ter alterações específicas no looping fonológico da filhos precisam desenvolver.
memória de trabalho, relacionada às habilidades não
verbais, e alguns autores consideram esta dificulda- INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
de a principal causa de suas dificuldades de fala e
linguagem ( Jarrold & Baddeley, 2001). Princípios
O looping fonológico tem um papel crítico no Atualmente já existe um consenso na co-
aprendizado da linguagem falada uma vez que ele munidade científica e clínica internacional sobre os
mantém o padrão sonoro da palavra para permitir princípios que devem guiar a terapia de fala e lingua-
que a criança o conecte com o significado e o guar- gem para uma criança com síndrome de Down (T21),
de como base para produção da palavra falada. As baseados nas pesquisas sobre suas dificuldades e
dificuldades no looping fonológico afetarão tanto o em intervenções efetivas (Stoel-Gammon, 2001). A
aprendizado do vocabulário quanto o aprendizado literatura recomenda a necessidade de separar alvos
da sintaxe. para os quatro componentes das habilidades de fala
e linguagem – comunicação, vocabulário, gramática
4) Outras habilidades e fala, para cada criança ((Buckley & Prèvost, 2002).
Várias outras habilidades estão relacionadas ao Nas áreas de vocabulário e gramática, os alvos tam-
desenvolvimento da fala e da linguagem. São elas: bém devem ser separados para compreensão e pro-

69
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

dução (Chapman & Heskett, 2001). base para o progresso futuro. As crianças com sín-
Atualmente é consenso tanto o valor do uso drome de Down (T21) tipicamente apresentam atra-
de gestos e sistemas de sinais para promover a lin- sos em certas áreas do desenvolvimento, de forma
guagem falada quanto a utilização de atividades de que a estimulação precoce é altamente recomenda-
leitura com benefícios tanto para a compreensão da. Pode iniciar a qualquer momento após o nasci-
quanto para a produção da fala, mesmo em crianças mento, mas a princípio, o quanto antes, melhor!
pré-escolares. Segundo a National Down Syndrome Society, a
Apesar do perfil acima apresentado das carac- estimulação precoce de linguagem é o termo dado
terísticas de fala e linguagem de crianças com sín- para os serviços oferecidos a crianças do nascimen-
drome de Down (T21), cada indivíduo é único e toda to aos dois anos de idade, integrando um planeja-
a reabilitação deve estar embasada numa avaliação mento terapêutico global, incluindo fisioterapia, te-
minuciosa de todas as áreas envolvidas na aquisição rapia ocupacional e outros profissionais trabalhando
e desenvolvimento de linguagem, incluindo históri- com a família.
co médico e de saúde geral. A estimulação precoce na fonoaudiologia deve
Os componentes de uma avaliação fonoaudio- envolver a estimulação de sons, estimulação de lin-
lógica devem abranger uma entrevista detalhada, a guagem acompanhando as brincadeiras, orienta-
avaliação do mecanismo oral, um screening auditivo ções para a alimentação, massagens intra e extra-o-
e devidos encaminhamentos para avaliação audio- rais e exercícios oromotores. Deve sempre incluir a
lógica, se não realizada até o momento, a avaliação família como parceiros do tratamento.
dos sons da fala e a avaliação da linguagem e da al-
fabetização, se indicada. Estimulação em casa
A partir disto, um planejamento terapêutico Os pais são os principais “comunicadores” in-
deve ser realizado levando-se em consideração as teragindo com seus bebês e crianças e, portanto,
prioridades específicas individuais, incluindo lin- são os grandes responsáveis para ajudar a criança a
guagem receptiva e expressiva, semântica (voca- aprender a se comunicar. A linguagem é aprendida
bulário), sintaxe (gramática), pragmática, fala, pla- todo dia, o dia inteiro, à medida que a criança se re-
nejamento motor oral, e motricidade oral. laciona com seus familiares e amigos. Assim, o foco
Intervenção Precoce de uma terapia efetiva deve ser compartilhado com
Os primeiros anos de vida são um período críti- os pais. Muitas das habilidades pré-linguísticas são
co no desenvolvimento de uma criança. São nestes mais bem aprendidas no ambiente do lar.
anos que as crianças atingem habilidades básicas fí- A National Down Syndrome Society recomenda
sicas, cognitivas, sociais e de linguagem que serão a algumas ações aos pais:

70
ALTERAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS E APRAXIA DE FALA NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

- lembrar que a linguagem é mais do que pala- você e emita um som de uma vogal prolongada. Ao
vras faladas. Quando ensinando uma palavra ou um brincar de martelar pininhos, segure o martelo pró-
conceito, foque primeiramente na transmissão do ximo da boca e emita “pa!” antes de realizar a ação.
significado para a criança através da brincadeira ou À medida que a brincadeira avança e a criança se
de experiências multissensoriais; desenvolve, começar a pedir que ele também faça o
- oferecer vários modelos. A maior parte das som, estimular a imitação, estimular a produção dos
crianças com síndrome de Down (T21) necessita de sons!!
repetições e experiências até apreender uma pala- Para alguns pais, a estimulação da fala e da lin-
vra. Os adultos devem repetir o que a criança diz e guagem, de qualquer filho, ocorre de forma natural.
dar a ela o modelo para ajudá-la a reforçar a palavra; Não é necessário pensar ou ser orientado para tal
- usar objetos concretos e situações reais. Quan- fim. Alguns pais, entretanto, por personalidade ou
do ensinando um conceito, os pais devem usar ati- por estarem confusos com a quantidade de novas
vidades diárias o máximo possível. Podem ensinar informações que por vezes o nascimento de seu fi-
nomes das comidas à medida que o bebê está co- lho gerou, ficam inseguros quanto à “estimulação”.
mendo, nome das partes do corpo durante o banho, Cabe ao fonoaudiólogo a observação e sensibilida-
e conceitos como dentro, embaixo, sobre, enquanto de de identificar os pais que necessitam de maiores
a criança está brincando. A comunicação é parte da acolhimentos, orientações e demonstrações nesta
vida! área. Nem sempre o trabalho fonoaudiológico surti-
- ler para a criança!! A criança aprende conceitos rá excelentes resultados em crianças com potenciais
através da leitura, passeios ao ar livre ou na vizinhan- para isso, se pai/mãe/babá/avós estiverem calados,
ça e experiências diárias. Limitar o uso de celulares e inseguros ou tristes.
tablets;
- observar os interesses do filho. Se ele demons- FONOTERAPIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCEN-
tra interesse em um objeto, pessoa ou evento, os TES COM SÍNDROME DE DOWN (T21)
pais devem oferecer a palavra para aquele conceito.
À medida que a criança cresce, há desafios no
Uma vez que a Apraxia de Fala é tão frequente desenvolvimento das habilidades de comunicação,
na síndrome de Down (T21), a estimulação precoce, incluindo todas as áreas acima citadas.
a meu ver, deve também considerar atividades que A estimulação da compreensão e produ-
estimulem o aprendizado motor dos sons da fala. ção de vocabulário inicial com jogos, miniaturas e
Por exemplo, ao brincar com a criança rolando uma ações concretas para suplementar a exposição de
bola, segure esta perto da boca, faça ela olhar para linguagem da criança, em alguns programas para

71
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

estimulação de linguagem na síndrome de Down tratamento; 4 - Especificidade e 5 – Pistas multis-


(T21) (Weitzman et al 2018; Clements-Baartman et sensoriais. A terapia, portanto, deve ter FOCO, ser
al, 1995) sugerem o ensino e a prática de palavras e INTENSIVA, METÓDICA E SISTEMÁTICA, porém com
frases simples (2 a 3 palavras). A literatura tem su- muita MOTIVAÇÃO.
gerido que a abordagem de imersão da criança na À medida que a criança se desenvolve, novos
linguagem como um todo, sem definição de metas, alvos devem ser constantemente estabelecidos,
não é suficiente para seu desenvolvimento. Suge- com aumento crescente de complexidade nas áreas
rem que as palavras escolhidas para imitação con- onde houver dificuldade, e adequando os interesses
tenham consoantes iniciais que a criança seja capaz à idade da criança. A motivação, além de ser essen-
de fazer, salientando a necessidade de trabalhar a cial para o vínculo com o terapeuta, ativa circuitos de
produção dos sons da fala antecipadamente ao tra- gânglios da base, essenciais para que a neuroplasti-
balho de vocabulário e linguagem (Stoel-Gammon, cidade ocorra.
2001). Além disso, sugerem encorajar a imitação de Estudos (Miller et al 1999; Jenkins, 2001) e a
sons, sempre que possível. prática clínica demonstram que as habilidades de
Esta abordagem vem muito ao encontro dos fala e linguagem podem ser melhoradas com a
novos conhecimentos sobre Apraxia de Fala na In- fonoterapia inclusive na vida adulta, embora esta
fância e sua incidência alta na síndrome de Down não seja a realidade de nosso país.
(T21). Ainda não se sabe exatamente a incidência de Ainda são necessários estudos de eficácia
apraxia nas crianças com síndrome de Down (T21), quanto às abordagens de tratamento fonoaudio-
mas uma vez que ela seja identificada, a abordagem lógico e a melhor forma de prescrevê-las. Todo o
fonoaudiológica deve, obrigatoriamente, ser muito esforço neste sentido é válido, uma vez que a co-
diferente do que a tradicionalmente realizada, pois municação abre as portas do mundo para que um
necessita incorporar princípios do aprendizado mo- indivíduo com síndrome de Down (T21) possa viver
tor. Vários métodos existem para o tratamento da em todo seu potencial.
AFI e até o momento não há estudos de eficácia dos
mesmos (Carrara-de Angelis, 2018). O que se sabe
é que, menos importante do que o método, o co-
nhecimento aprofundado da neuroplasticidade e
dos princípios do aprendizado motor devem ser se-
guidos, dentre estes últimos: 1 – Seleção e Ensino
de produções-alvo; 2 - Repetição; 3 - Intensidade do

72
ALTERAÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS E APRAXIA DE FALA NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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73
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

7. Síndrome de Down (T21)


e educação
POR EMÍLIA GAMA*

“Toda criança é capaz de aprender – seu trabalho


é descobrir a melhor maneira de ensiná-la”
(Lear, 2004)
iStockphoto

O
ambiente escolar é um espaço de trocas e a escola é uma
das principais instituições do mundo contemporâneo. Sua
função não se restringe apenas a possibilitar o processo de
ensino/aprendizagem. Como instituição social possui objetivos e
metas que vão além desta concepção reducionista. É uma insti-
tuição fundamental para evolução do indivíduo, da sociedade e
da própria humanidade. Dentre suas funções estão a promoção
do bem-estar social e a formação de sujeitos críticos e politizados,
que contribuam para a transformação social.

* Assistente Social. Msc. em Ciência da Educação. Especialista em Neuropsicopedagogia, Abordagem


Interdisciplinar em síndrome de Down e Saúde Mental com ênfase em TEA - Transtorno do Espectro
Autismo. Diretora Pedagógica do Instituto de Educação e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social.

74
SÍNDROME DE DOWN (T21) E EDUCAÇÃO.

Partindo desse princípio o ambiente escolar Down (T21) é uma das primeiras etapas no proces-
também se torna um espaço para a convivência en- so de inclusão social, que tem na família seu ponto
tre múltiplas singularidades. Alunos com diferentes de partida. Essa inclusão deve ir além da inserção,
hábitos culturais, sociais, diferentes necessidades pura e simplesmente, da criança no ambiente es-
educacionais e formações familiares ocupam o mes- colar. É preciso que haja a adoção de medidas que
mo espaço, o mesmo lugar. Um espaço de apren- perpassem desde transformações metodológicas a
dizagem e desenvolvimento que deve contemplar adaptações curriculares que facilitem a aprendiza-
experiências singulares nesse processo, conside- gem e garantam a esses alunos uma real e efetiva
rando tudo como significativo, aspectos cognitivos, inclusão.
afetivos, relacionais, sociais e históricos. Assegurar o Nesse cenário o professor exerce um papel fun-
direito à educação escolar, com equidade para a en- damental em todo esse processo. Caberá a ele, mu-
trada e permanência, pela oferta de ensino publico e nido de capacitação necessária, entre outras fun-
gratuito de qualidade, em todos os níveis de ensino ções, a aplicação de medidas adequadas para suprir
é um dos maiores desafios da educação atual, mes- as necessidades educacionais especiais e a apren-
mo que tais questões já sejam amparadas pela Lei dizagem do aluno. Porém o professor não deve es-
9.394/90 – que estabelece as Diretrizes e Bases da tar sozinho. Juntam-se a ele os demais atores que
Educação Brasileira (LDB). protagonizam o enredo.
Justamente por essa configuração plural e di- Assim embora exerçam um papel de desta-
versificada é preciso que o professor conheça as que na missão de formar crianças com síndrome
características e necessidades particulares dos seus de Down (T21), a escola e o professor não podem
alunos e esteja preparado, embasado e munido de ser vistos como os únicos responsáveis por seu
práticas para lidar com esta realidade, pois ensiná- desenvolvimento e aprendizagem. Sociedade, Es-
-los demanda o conhecimento sobre estratégias tado, equipe multiprofissional e, sobretudo, a famí-
educacionais específicas. lia, também são alicerces fundamentais na consti-
Assim, é preciso que práticas educacionais con- tuição e formação de seres humanos dignos, bem
cebidas sob modelos e padrões sejam modificadas como, na promoção do seu desenvolvimento inte-
a partir das necessidades de cada aluno. Para isso, a lectual e social.
escola terá que garantir o desenvolvimento tanto de Outro ator que exerce papel de destaque nes-
recursos humanos quanto de recursos pedagógicos, se processo é a equipe multiprofissional que pode
que promovam a acessibilidade do conhecimento ser composta por médicos de diferentes especia-
para todos. lidades, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocu-
A inclusão escolar de alunos com síndrome de pacional, nutricionista, educador físico e pedagogo.

75
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Ela vai agir tanto na tentativa de ampliar o repertório que se alcance o mesmo grau de conhecimento, difi-
comportamental e ensinar habilidades que facilita- culdades de generalização de conteúdos aprendidos
rão a aprendizagem, o desenvolvimento e a vida da para outros contextos, menor capacidade de res-
criança em diferentes aspectos, como por exemplo: posta e de reação frente ao ambiente, dificuldades
imitar, seguir instruções, sentar, manter contato vi- no autocontrole de comportamentos e emoções,
sual, brincar, manter o equilíbrio corporal, reconhecer dificuldades de comunicação, baixo nível de perse-
objetos, tomar banho, usar o toalete, habilidades so- verança quando encontram dificuldades, pouco uso
ciais, falar, ler e escrever; quanto na minimização dos das habilidades aprendidas, aprendizagem facilitada
problemas de saúde inerentes à própria síndrome. quando são utilizadas imagens, sinais e gestos no
Sob a égide do Estado estão as políticas públi- processo de ensino.
cas de inclusão social e escolar, a garantia de direitos Isso posto, fica explicito que alunos com síndro-
previstos em leis, a educação pública de qualidade e me de Down (T21) possuem necessidades educa-
a garantia de assistência médica. cionais especiais. Esse conjunto de características,
Assim a família, a escola, a equipe multiprofis- como um farol a reluzir, guiará o educador pelos
sional e o Estado são como elos de uma mesma caminhos nas tomadas de decisões que levarão a
corrente, exercendo papeis complementares e fun- uma maior probabilidade de sucesso no ensino e na
damentais para o desenvolvimento da pessoa com aprendizagem desse aluno.
síndrome de Down (T21). Nesse percurso, o professor deverá adotar estra-
O processo de ensino-aprendizagem é comple- tégias didáticas que facilitarão esse processo, apli-
xo. No que concerne ao processo de ensino-apren- cando-as de modo individualizado de aluno a aluno.
dizagem de crianças com síndrome de Down (T21) A partir das especificidades e necessidades de cada
somam-se a essa complexidade as dificuldades na- educando, o professor deve utilizar mais exemplos
turais na aquisição da aprendizagem inerentes à pró- de exercícios e atividades para o alcance dos mes-
pria síndrome. Por isso, é de fundamental importân- mos objetivos, será necessário decompor a ativida-
cia que o educador conheça as características desse des em pequenos passos, utilizar atividades práticas
processo para adequá-las às necessidades particula- e funcionais visando a promoção da independência
res desse aluno e de sua maneira de aprender. do aluno, deverá realizar adaptações curriculares in-
Dentre as características mencionadas estão a dividualizadas, utilizar recursos visuais, etc. Essas es-
aprendizagem mais lenta, dificuldades com o pro- tratégias permitirão que a aprendizagem de conteú-
cessamento, execução e abstração da informação, dos específicos seja realizada de maneira mais eficaz
dificuldades de memorização, a instabilidade de e menos tortuosa para o estudante.
conteúdos aprendidos, um custo mais elevado para Face às grandes transformações ocorridas no

76
SÍNDROME DE DOWN (T21) E EDUCAÇÃO

mundo, é imprescindível que a escola, como fonte os procedimentos de ensino caso o aluno não es-
de formação de pessoas e de saber acompanhe es- teja aprendendo através dos selecionados. A res-
sas mudanças adaptando-se a realidade da socieda- ponsabilidade pelo insucesso não deve cair sobre
de e de seus alunos. O mundo moderno necessita o estudante que já carrega “culpas” demais. O bom
de uma escola moderna, com estratégias modernas, profissional se questionará: porque o aluno não está
com professores capacitados para atender as neces- aprendendo? O que há de errado com o meu pro-
sidades individuais de seus alunos, há que se buscar cedimento de ensino? O que devo modificar? Quais
o melhoramento contínuo dessas práticas. Nenhum estratégias poderei utilizar para alcançar os mesmos
aluno pode ser abandonado, esquecido, negligen- objetivos? Todos esses questionamentos devem le-
ciado, deixado à margem desse processo. var a um único lugar: a mudança.
Colocadas essas questões cabe a pergunta: Mudanças na forma de ensinar, nos objetivos
o que ensinar a um aluno com síndrome de Down de ensino selecionados para aquele momento, nas
(T21)? estratégias utilizadas, nos recursos confeccionados,
A inclusão educacional de estudantes com sín- na maneira de pensar do professor e, por fim, mas
drome de Down (T21) é um projeto que beneficia a não menos importante, mudança do próprio aluno.
todos. O trabalho tem início anteriormente ao en- Afinal aprender é mudar, é adquirir, é se transformar.
sino propriamente dito. Antes de tudo o professor Além disso, o professor deverá estabelecer os
deve avaliar o aluno para selecionar as prioridades a objetivos a curto, médio e longo prazo. A curto pra-
serem ensinadas. zo serão ensinadas as habilidades de base, que são
Essa etapa permitirá que o professor conheça fundamentais para a aquisição de habilidades mais
seu aluno, seus interesses, as habilidades presentes complexas como habilidades sociais fundamentais,
e ausentes em seu repertório, programe o ensino e leitura e escrita de palavras simples, conteúdos ma-
o que ensinar, administre com mais eficácia o tempo, temáticos mínimos, comportamentos socialmente
uma vez que, a aprendizagem desse aluno será mais adequados.
lenta e confeccione recursos e materiais específicos A médio prazo pode se pleitear que os alunos si-
quando necessário. gam os conteúdos dos demais alunos até onde seja
Toda essa estruturação e organização permitirão possível, que participe de atividades esportivas e so-
que o processo de aprendizagem seja personalizado ciais e adquira um relativo nível funcional de leitura
e facilitado, que o aluno se sinta motivado, que gos- e escrita. A longo prazo pode-se estabelecer que ele
te de realizar as atividades e de estar na escola e com seja o mais independente possível, podendo auto-
o professor. gerir-se com a menor quantidade de apoio possível,
Ponto importante é que o professor modifique que possa trabalhar e que exerça e cumpra seus di-

77
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

reitos enquanto cidadão. querido para assegurar a sua educação, além de ser
No momento de selecionar os objetivos o pro- base para uma sociedade que respeita as diferenças
fessor deve levar em conta o quão útil e funcional de todos os seres humanos.
será o que se pretender ensinar na vida do aluno, Por fim, verifica-se que a educação é a base
quais os benefícios e aplicabilidade essa habilidade para o desenvolvimento de uma sociedade, e que o
trará para sua vida. Para isso alguns pontos devem direito a ela deve ser visto como uma condição es-
ser levados em consideração no momento de sele- sencial para uma vida digna. O Estado juntamente
cioná-los: os que propiciem independência no maior com as políticas públicas precisam ser o objeto de
número de ambientes e situações possíveis, os mais medidas capazes para modificar o cenário social,
importantes para o momento atual da vida do es- propiciando à população, um ensino de qualidade,
tudante, os que são pré-requisitos para a aprendi- como está previsto na Constituição.
zagem de outras habilidades, os que favorecem o
desenvolvimento de sentidos como atenção e per-
cepção, memória, resolução de problemas, lingua-
gem expressiva e receptiva e socialização.
Rodríguez (2012) detalha pontos fundamentais
no processo de ensino do aluno com síndrome de
Down (T21) que perpassam desde como ensinar, que
são os conjuntos de estratégias necessárias para o
professor transmitir o conteúdo; metodologia de
trabalho; atividades; materiais, quando ensinar e o
que, quando e como avaliar os alunos com síndrome
de Down (T21).
Nesse âmbito, tendo como princípio uma escola
que orienta e acomoda toda a criança independente
de suas condições físicas, intelectuais, sociais, entre
outras, o que nos leva acreditar ser o conceito de es-
cola inclusiva.
Uma escola que concentra o desenvolvimento
de uma pedagogia com foco no aluno, uma pedago-
gia na qual todas as crianças possam se beneficiar
e que recebendo todo e qualquer suporte extra re-

78
SÍNDROME DE DOWN (T21) E EDUCAÇÃO

REFERÊNCIAS

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Manual. - Kathy Lear - Toronto, Ontario – Canada, 2a edição, 2004

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Emilio Ruiz Rodriguez - Fundacion Iberoamericana Down 21
2012

79
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

8. Nutrição e modificações
epigenéticas na síndrome
de Down (T21)
POR ANDREIA TORRES, PHD*

N
ossa pele é formada por várias camadas: hipoderme, derme e epiderme. A hipoderme
é a camada mais interna e a epiderme a mais externa, a que vai por cima das outras. De
forma similar, cientistas utilizam o termo epigenética para representar a camada extra
de informação além daquela contida nos genes presentes nos cromossomos.
Apesar das células presentes no couro na pele, nos rins, nos músculos, etc., conterem
a mesma informação genética, estes tecidos são todos muito diferentes, tanto em formato
quanto em função. Isto porque os genes ativos na pele são diferentes dos genes expressos em
outras partes do corpo.

* Andreia Araújo Lima Torres, nasceu no Rio de Janeiro mas cresceu em Brasília, cidade onde estudou. No departamento de
nutrição na Universidade de Brasília formou-se e também concluiu o mestrado. Fez o doutorado no instituto de psicologia
e pós-doutorado no departamento de saúde coletiva. Atualmente trabalha em Portugal como coordenadora científica da
empresa VP Centro de Nutrição Funcional.

80
NUTRIÇÃO E MODIFICAÇÕES EPIGENÉTICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Reprodução

Figura 1 - Os genes expressam-se de formas diferentes em cada parte do corpo

O alfabeto brasileiro possui 26 letras. Já o genoma é ponto. Estas marcas ou modificações epigenéticas tam-
formado por um conjunto de apenas 4 letras (A, C, T e G) bém dão estrutura ao cromossomo, assim como parágra-
que se combinam em bilhões de sequências. Seria muito fos dão estrutura a um texto. Estas marcas permitem que
difícil ler uma frase escrita desta forma: os cromossomos sejam enrolados, dobrados e armazena-
“asíndromededownécausadapelapresençadetrês- dos corretamente dentro do núcleo da célula. Por fim, e
cromossomos21emtodasounamaiorpartedascélulasdeu- este é o foco deste capítulo, as modificações epigenéticas
mapessoaassimenquantoumindivíduotípicopossui46cro- alteram a forma como os cromossomos lerão as informa-
mossomosumapessoacomsindromededownpossuiem- ções contidas nos genes.
geral47.” A síndrome de Down (T21) é causada pela presença
Por isso, usamos espaços e pontuações: de três cromossomos 21 em todas ou na maior parte das
O mesmo acontece com nossa informação genética. células de uma pessoa. Assim, enquanto um indivíduo tí-
As marcas epigenéticas possuem um papel similar, permi- pico possui 46 cromossomos; uma pessoa com síndrome
tindo que a célula interprete a informação presente nos de Down (T21) possui, em geral, 47.
bilhões de letras do genoma humano.
As marcas epigenéticas marcam o início e o final de A LEITURA DO DNA
um gene, assim como marcamos o início de uma frase
com letra maiúscula e o final de uma sentença com um O ácido desoxirribonucleico (DNA, ou ADN, em por-

81
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Reprodução
ra da informação genética será mais fácil, ou seja, o gene
será expresso.

O CASO DA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Na síndrome de Down (T21) a presença de 3 cro-


mossomos 21 cria uma situação diferenciada. Apesar de
o cromossomo 21 ser pequeno, contendo apenas de 1
a 1,5% dos genes humanos1, algumas de suas informa-
ções regulam a expressão de genes presentes em outros
Figura 2 - Transcrição do DNA e tradução do RNA cromossomos.
Ademais, genes presentes na região crítica do cro-
mossomo 21 estão superexpressos, incluindo APP, SOD1
e DYRK1A (Tabela 1), aumentando o risco de determina-
tuguês), é um composto cujas moléculas contêm as ins-
das condições de saúde.
truções genéticas que coordenam o desenvolvimento e
funcionamento de todas as células do corpo. O principal
papel do DNA é armazenar as informações necessárias Gene Codificação de
para a formação de proteínas.
O DNA é uma fita com cerca de 2 metros de com- Proteína precursora do amiloide: associado

primento e para caber dentro do núcleo da célula deve APP 2


ao comprometimento na neurogênese e

ser bastante comprimido a um tamanho aproximado de 2 aumento do risco de doença de Alzheimer

micrômetros de diâmetro. Mas o DNA não pode ser enro-


lado de qualquer maneira. Precisa estar organizado para Superóxido dismutase 1: enzima envolvida
que a informação contida nos genes possa ser encontra- no aumento da produção do radical livre
da sempre que necessário. SOD13 peróxido de hidrogênio (H2O2). Possível
O DNA está enrolado em proteínas denominadas his- papel na doença de Alzheimer, na disfunção
tonas. O conjunto DNA + histonas recebe o nome de cro- mitocondrial e nas alterações imunes
matina. A formação da cromatina é então o que permite
a compactação do DNA dentro do núcleo da célula. Esta Quinase que transfere grupo fosfato e
compactação cria seus próprios problemas, uma vez que DYRK1A4 superexpressão acarreta em neurogênese
se a informação não é acessada proteínas como enzimas, anormal
anticorpos, hormônios ou tecidos não poderão ser forma-
dos. Se o DNA está firmemente enrolado às histonas será
pouco expresso. Já quando está menos enrolado a leitu- Tabela 1 - Genes superexpressos na síndrome de Down (T21)

82
NUTRIÇÃO E MODIFICAÇÕES EPIGENÉTICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Pesquisas recentes buscam compreender como si- Outro foco da nutrigenômica são os polimorfismos
lenciar genes, que se encontram superexpressos, por ou variações na sequência de DNA. Um polimorfismo co-
meio de compostos ou nutrientes selecionados. A nutri- mum na síndrome de Down (T21) é a do gene metileno-
genômica é uma ciência emergente5 que estuda como tetrahidrofolato redutase (MTHFR). Esta variante faz com
nutrientes e compostos bioativos influenciam o estado que a eficiência de conversão do folato (vitamina B9 inati-
de saúde e doença por meio da modulação da expressão va) em metilfolato (vitamina B9 ativa) seja mais baixa (Fi-
gênica. Dentre os mecanismos epigenéticos destacam-se gura 3). Isto resulta em menor capacidade de formação de
a metilação, a modificação de histonas e o silenciamento S-adenosil-metionina (SAME) para manutenção da meti-
de microRNAs. lação do DNA e para o controle da expressão genética6.
O termo metilação refere-se à adição de um grupo
metil (CH3) na posição 5’ da citosina na molécula de DNA,

Reprodução
na região promotora do gene. Os nutrientes que parti-
cipam da metilação do DNA atuam em conjunto, como
piridoxina (B6), folato (B9), colina, cobalamina (B12) e me-
tionina (Tabela 2).

Nutriente Papel epigenético

Metionina Síntese de SAMe

Transferência de grupo metil diretamente


SAMe
para o DNA

Colina Doador de metil para SAMe Figura 3 - Ciclo da metionina

B6 Síntese de metionina
Existem evidências de que alguns genes encontram-
-se hipometilados em pessoas com síndrome de Down
B9 Síntese de metionina (T21), o que contribui para o envelhecimento precoce e
o risco aumentado de doença de Alzheimer7. Como os
B12 Síntese de metionina nutrientes afetam a expressão gênica, recomenda-se
que pessoas com polimorfismos do gene MTHFR sejam
suplementadas com ácido folínico e/ou metil-folato. A
Tabela 2 - Papel epigenético de nutrientes selecionados suplementação adequada mantém níveis ótimos de ho-

83
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

mocisteína, SAME e Glutationa (GSH)8. Concentrações que forneçam quantidades adequadas de vitaminas do
aumentadas de homocisteína9 e baixas concentrações de complexo B são fundamentais. Pessoas com polimorfis-
SAME10 e glutationa11 associam-se a maior risco de doen- mos de MTHFR também precisam receber suplementa-
ça de Alzheimer. ção adequada.
O desafio é compreender que nutrientes e quanti- Recentemente fitoquímicos também começaram a
dades seriam ideais para cada pessoa, metilando genes ser estudados. Os mesmos estão presentes amplamente
quando há necessidade, sem, por outro lado, incorrer no reino vegetal e pesquisas sugerem que o consumo de
em hipermetilação, o que poderia acarretar em novos alimentos e suplementos com quantidades variadas des-
problemas de saúde. Outro foco de pesquisa é o da su- tes compostos pode atenuar processos neuropatológicos
plementação de fitoquímicos, compostos produzidos comuns neste grupo. Contudo, a maior parte dos estudos
por plantas. Tais compostos parecem proteger o DNA, ainda são realizados em animais ou encontram-se em fa-
reduzir o estresse oxidativo, modular a expressão genéti- ses iniciais de investigação em humanos.
ca12, suprimir a neuroinflamação, melhorar a memória e o Dado que a doença de Alzheimer é uma condição
comportamento13. progressiva, que afeta a qualidade de vida e atinge uma
Plantas que produzem polifenóis (moléculas com alta proporção de pessoas com síndrome de Down (T21)
anéis aromáticos ligados por um grupo hidroxila), como mais estudos são necessários para que recomendações
ácidos fenólicos, estilbenóides e flavonóides parecem re- possam ser feitas com segurança. Em termos de saúde
duzir a agregação de proteína beta-amilóide no cérebro, pública, como fitoquímicos com propriedades prote-
melhorar memória e comportamento. Dentre os compos- toras estão presentes em altas quantidades em frutas,
tos atualmente estudados destacam-se o ácido rosmarí- verduras, sementes, ervas e especiarias, recomenda-se
nico do alecrim14, a curcumina do açafrão15, a epigaloca- uma dieta variada baseada em alimentos naturais, com
tequina galato do chá verde16 e o ácido elágico da romã17. a menor quantidade possível de produtos processados e
Os resultados são promissores. Contudo, pesquisas com ultraprocessados.
maior número de participantes são necessárias para con-
firmar os efeitos a longo prazo do uso de fitoquímicos iso-
lados ou de forma combinada na saúde e qualidade de
vida de pessoas com síndrome de Down (T21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente não existem terapias farmacológicas efi-


cientes para a correção metabólica e prevenção de im-
portantes problemas de saúde em pessoas com síndrome
de Down (T21), incluindo a doença de Alzheimer. Dietas

84
NUTRIÇÃO E MODIFICAÇÕES EPIGENÉTICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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85
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

9. Transtornos
neuropsiquiátricos
na síndrome de Down (T21)
POR RUBENS WAJNSZTEJN*

A
síndrome de Down (T21) cursa habitualmente com a deficiência
intelectual, que se caracteriza prioritariamente por um funciona-
mento cognitivo significativamente abaixo da média da popula-
ção. Tal característica pode apresentar relação com o aumento da expec-
tativa de vida ao nascer: no período de 1990 a 2013, houve um aumento
de 6,2 anos na expectativa global e de 5,4 anos para a expectativa de vida
saudável (DSM 5, 2013).
Podemos contar com várias formulações de escalas que medem o
funcionamento ou comportamento adaptativo, podendo apresentar va-
riações, de acordo com o domínio específico do observado. A adequação
do instrumento, a necessidade de adaptação vital particular ou coleti-
va, em associação com uma visão multidisciplinar (educadores e profis-
sionais) promovem um diagnóstico mais qualificado e fidedigno ao ser
avaliado.

* Doutorado em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina do ABC. Participante funda-


dor do NEA - Núcleo Especializado em Aprendizagem da FMABC. Mestrado em Distúrbios da
Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.
Especialização em Neurologia Infantil.

86
TRANSTORNOS NEUROPSIQUIÁTRICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

O advento do DSM-5, 2013 trouxe uma nova aborda- classificada com base na gravidade dos déficits no funcio-
gem à condição. A formulação deste manual obedeceu a namento adaptativo, e tal condição é também estabeleci-
quatro regras de revisão: da como doença crônica e comórbida a outras condições
• O manual destina-se principalmente aos clínicos e mentais (depressão, TDAH e TEA).
revisões devem ser viáveis para a prática clínica de rotina; O objetivo da classificação é basear o diagnóstico por
• suas revisões devem ser guiadas por evidências de meio do impacto do déficit no funcionamento necessário
pesquisa; para a vida cotidiana – muito importante para o desenvol-
• sempre que possível, a continuidade deve ser man- vimento de um plano de tratamento.
tida com edições anteriores do DSM; O profissional, quando avalia um indivíduo, necessita
• a priori não há constrições para alterações entre o de visão consciente na escolha do instrumento de testa-
DSM-IV, 1994 e o DSM-5, 2013. gem e, posteriormente, para a interpretação. O continen-
Assim, a deficiência intelectual passou por uma mu- te em que o indivíduo se encontra inserido revela dados
dança de nome: o termo “deficiência intelectual (trans- significativos e seletivos na sua organização, portanto,
torno do desenvolvimento intelectual)” substitui “re- cabe ao avaliador observar o histórico pessoal do pa-
tardo mental”. Tal mudança enfatiza a noção de estado ciente (deficiência motora e sensorial associadas, língua
permanente inerente à condição, e coloca o DSM-5 em materna e a bagagem sociocultural) evitando conduzir a
congruência com a CID-10 (WHO, 1993) que define como investigação para considerações que evidenciem resul-
Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com a no- tados incorretos, frente à limitação de desempenho do
menclatura também utilizada pela Associação Americana indivíduo.
de Deficiência Intelectual e de Desenvolvimento, e pelo
Departamento de Educação dos EUA. INVESTIGAÇÃO CLÍNICA
Desde outubro de 2013, a definição da condição passa
a ser deficiência de habilidades mentais gerais, que afetam Na investigação diagnóstica da deficiência intelec-
funcionamento adaptativo em três domínios ou áreas: tual, há a necessidade de uma anamnese detalhada e um
• Domínio conceitual: habilidades em linguagem, exame físico cuidadoso. Discutiremos a seguir a impor-
leitura, escrita, matemática, raciocínio, conhecimento e tância de exames laboratoriais e de imagem na investiga-
memória; ção etiológica.
• domínio social: empatia, o julgamento social, habili- É importante ressaltar a existência e a importância da
dades de comunicação interpessoal, capacidade de fazer realização do Cariótipo com bandeamento, mas a solicita-
e manter amizades, e capacidades semelhantes; ção destes exames deve obedecer uma hierarquia pelas
• domínio prático: autogestão em áreas como cuida- hipóteses diagnósticas formuladas, pois nenhum destes
dos pessoais, trabalho, tarefas, responsabilidades, gestão é ainda capaz de gerar um gabarito completo das ques-
de dinheiro, recreação e escola, organização e trabalho. tões clínicas envolvidas em um indivíduo (ARAFAT, A. et
A gravidade da deficiência intelectual passa a ser al, 2017).

87
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Nos exames de imagem, prioriza-se a realização de ser concebida como um desequilíbrio entre o controle
Ressonância Magnética de Crânio, exame este capaz de descendente, promovido pelo córtex frontal orbital e o
evidenciar melhor as alterações relativas à deficiência in- giro do cíngulo anterior (envolvido na adaptação do com-
telectual. Um trabalho brasileiro realizado com os exames portamento às expectativas sociais e futuras e em prever
de 30 indivíduos demonstrou anormalidades em fossa as expectativas de recompensa e punição) e os impulsos
posterior em 90%. Outras alterações observadas foram ascendentes gerados nas estruturas límbicas, tais como a
displasias do corpo caloso (46% hipoplasia, disgenesia e amígdala e a ínsula.
esplênio vertical); persistência de septo pelúcido e/ou ca- A agressividade impulsiva pode estar associada a
vum vergae (33%), ventriculomegalia (33%), displasia cor- várias disfunções diferentes no circuito envolvido na res-
tical (23%); alargamento do espaço subaracnóide (16,6%); posta aos estímulos ambientais. O tratamento dependerá
aumento dos espaços de Virchow-Robin (10%); hipoplasia da localização do problema dentro do circuito. Inicialmen-
vermiana cerebelar (33%) e/ou desorganização de folhas te, o estímulo ambiental é processado pelos centros au-
cerebelares (20%), alterações em substância branca cere- ditivo, visual e outros centros de processamento sensorial
bral (10%) (SOTOARES et al., 2003}. (álcool, drogas ou distúrbios metabólicos podem distor-
cer a percepção sensorial fazendo com que o estímulo
COMORBIDADES seja percebido como ameaçador). Então, esta informação
é modulada em centros de processamento de informação
Em indivíduos com deficiência intelectual, as comor- sensorial em áreas de integração visual e auditiva e em
bidades podem estar presentes em 30 a 50% da popu- regiões associativas como o córtex pré-frontal, temporal e
lação. É importante rastrear a história familiar de trans- parietal. A informação é modulada por fatores culturais e
tornos neuropsiquiátricos, e considerar três aspectos sociais e pode ser distorcida por déficits de processamen-
principais no advento de comorbidade: patogenia, diag- to (ocasionando ideação paranóide) ou influenciada por
nóstico (sintomas sobrepostos) e prognóstico. esquemas negativos secundários ao estresse do desen-
Deve-se considerar também o impacto dos novos volvimento, traumas ou experiências negativas duradou-
métodos e da recategorização advinda do DSM-5 para ras. Finalmente, o estímulo é processado na amígdala e
os outros transtornos neuropsiquiátricos. Na primeira dé- áreas límbicas relacionadas de acordo com o condiciona-
cada deste século, houve um aumento de 331% na inci- mento passado das emoções. Esse processamento pro-
dência de Transtornos de Espectro Autista, incluindo-se a duz os estímulos ascendentes que serão modulados pelo
recategorização em até 78% (adolescentes) e 48% (crian- controle descendente gerado principalmente pelo córtex
ças), na população americana. A agressividade impulsi- órbitofrontal e pelo giro do cíngulo anterior, como men-
va pode ser entendida como um limiar mais baixo para cionado previamente.
a ativação de respostas agressivas a estímulos externos Vários neurotransmissores (como a serotonina, a do-
sem reflexão adequada ou consideração a respeito das pamina, a noradrenalina, entre outros) estão envolvidos
consequências aversivas do comportamento. Ela pode no equilíbrio entre os impulsos ascendentes e o contro-

88
TRANSTORNOS NEUROPSIQUIÁTRICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

le descendente resultantes de estimulação aversiva ou produzem uma estimulação dos auto-receptores alfa2-a-
provocativa. A identificação do papel desses neurotrans- drenérgicos no locus coeruleus que resultam na ativação
missores é essencial para o desenvolvimento de estraté- mais baixa e, portanto, uma diminuição na libertação de
gias farmacológicas para o controle do comportamento noradrenalina que, por sua vez, uma melhoria na regula-
agressivo impulsivo. ção da produção noradrenégica, com diminuição da exci-
Um número impressionante de estudos, utilizando tação e redução da hiperatividade e impulsividade.
diferentes técnicas de pesquisa tanto clínicas quanto pré- Sua ação indireta sobre o córtex pré-frontal aumenta
-clínicas, encontrou associação entre hipofunção seroto- a regulação noradrenérgica, melhorando as funções rela-
ninérgica e comportamento impulsivo ou agressivo. cionadas a ele: atenção, controle de impulso, controle de
distração e regulação emocional.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO COMPORTA-
MENTO IMPULSIVO E AGRESSIVO CLONIDINA

Duas intervenções principais podem ser utilizadas A clonidina, um agonista alfa2-adrenérgico, que afe-
no tratamento do comportamento impulsivo e agressivo. ta preferencialmente os receptores pré-sinápticos (dimi-
A primeira é tratar o transtorno “primário” do qual este nuindo assim a liberação de noradrenalina), foi utilizada
comportamento é considerado parte. A segunda aborda- em psiquiatria para tratar abstinência de opióide (redu-
gem possível é tratar o comportamento agressivo impul- zindo a hiperatividade adrenérgica), episódios maníacos
sivo como um transtorno psiquiátrico primário com base e comportamento agressivo, especialmente em crianças
no fato que tal comportamento possui alguns mecanis- com TDAH, e TOD - transtorno opositor desafiante ou
mos neurobiológicos que ocorrem independentemente de conduta. Por exemplo, em um ensaio clínico aberto,
do transtorno psiquiátrico associado. Como o compor- a clonidina foi eficaz para controlar o comportamento
tamento agressivo associado a diferentes transtornos agressivo em um grupo de 17 crianças com comporta-
apresenta os mesmos aspectos neurobiológicos, esse mento agressivo que se caracterizava pela crueldade com
pode ser tratado com a mesma abordagem farmacológi- os outros e destruição de propriedade. Um estudo cego
ca atuando em alvos-chave, tais como a serotonina ou o de braços paralelos com crianças que sofriam de TDAH
córtex pré-frontal. As drogas que comprovaram ser efica- associado a transtorno opositor desafiante ou transtorno
zes no tratamento do comportamento agressivo impulsi- de conduta, em que a clonidina sozinha, clonidina+me-
vo são os estabilizadores de humor (lítio, carbamazepina, tilfenidato ou metilfenidato sozinho foram comparados,
oxcarbazepina, valproato e topiramato), os antipsicóticos demonstrou que a clonidina foi eficaz sozinha ou em
(clozapina, olanzapina, quetiapina, entre outros), os blo- combinação com o metilfenidato para controlar a impul-
queadores beta-adrenérgicos, a buspirona (um agonista sividade e os sintomas de transtorno opositor desafiante
parcial do receptor de 5-HT1A), o ácido graxo essencial e de conduta.
ômega-3 e os antiandrógenos. A clonidina e guanfacina Atualmente, os estudos acerca da eficácia do trata-

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

mento medicamentoso das comorbidades e da sintoma- aplicar os exercícios, já que o período de estimulação é
tologia associada à deficiência intelectual são limitados, muito curto e seria mais adequado que o cuidador fizesse
de tal forma que torna-se impraticável estabelecer as os exercícios com a criança em casa.
evidências clínicas de benefício. Uma metanálise sobre o
assunto demonstrou eficácia de risperidona e aripiprazol
em problemas comportamentais, a curto prazo. O uso
prolongado destas medicações, por sua vez, está associa-
do à sonolência, ganho de peso e aumento de prolactina
(em até três vezes o valor de referência, com risperidona).
O uso de antiepilépticos como estabilizadores de humor
não trouxe evidências de eficácia neste estudo devido a
limitações (CENGISIZ, TUGAL e ÖZENLI, 2016).

REABILITAÇÃO

O cérebro imaturo é mais flexível e capaz de trans-


ferir funções de áreas danificadas para áreas saudáveis,
resultando em pertda mínima de função. Entretanto, o cé-
rebro imaturo danificado é menos eficiente em atenção,
memória e estratégias de aprendizado para a aquisição
de novos conhecimentos. Todos os bebês com micro-
cefalia e/ou atraso no desenvolvimento deverão manter
consultas de puericultura nas Unidades Básicas de Saúde
(UBSs). Também deverão ser acompanhados em serviços
especializados para estimulação essencial. É necessá-
rio estimular as percepções sensoriais, os movimentos e
o posicionamento da criança, a coordenação motora, o
brincar, a socialização e a cognição. Quanto mais precoce
e objetiva for essa intervenção, maior e melhor serão as
chances de a criança se desenvolver em suas potencia-
lidades e com menor déficit residual. Do ponto de vista
neurológico, o diagnóstico e a orientação são importan-
tes. Se o cuidador consegue um período de fisioterapia,
por exemplo, o ideal é que esse profissional ensine como

90
TRANSTORNOS NEUROPSIQUIÁTRICOS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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91
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

10. O processo de
inclusão em educação:
a diversidade como valor

POR GONZALO LOPEZ*

O
processo de inclusão em educação representa uma impac-
tante perspectiva cultural que afetou as normas gerais da
educação nacional nos últimos anos no Brasil. O vínculo
entre a realidade vivenciada nas salas de aula e as normas jurí-
dicas, mesmo que regularmente refreado frente à fundamental
iStockphoto

importância das relações puramente pedagógicas, ressurgiu e se


coloca como crucial, inclusive, sobre a própria pedagogia que se
impunha, sobre os Projetos Político Pedagógicos (PPP) e Regi-
mentos Internos das escolas. Esse cenário das últimas décadas foi
consolidado com a vigência da Lei Brasileira da Inclusão (Lei Fede-
ral nº 13.146/2015), no início de 2016.

* Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2002/2008). Mestre


pela UFRJ (HCTE - 2015/2017). Professor de Direitos da Criança e do Adolescente, de Direitos da
Pessoa com Deficiência, Direitos do Idoso e Direito Educacional do Curso MasterJuris (online),
Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal
da OAB (CDPD/CFOAB), Secretário-Geral da Comissão “OAB Vai à Escola”

92
O PROCESSO DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: A DIVERSIDADE COMO VALOR

Essa mudança jurídica, mesmo que já se arti- cacionais e os mais recentes estudos da pedagogia
culando há décadas com boa parte dos estudos, que se comprometem com o amplo respeito à diver-
teorias e escritos pedagógicos, se impôs a todos. sidade, com o processo de inclusão em educação e,
Sobre aqueles que já dialogavam com a inclusão, e consequentemente, com uma ampla reestruturação
aos que nunca estabeleceram qualquer relação com dos métodos de ensino e aprendizagem. Inclusive,
a educação especial ou com a educação inclusiva. deslocando maior atenção ao estudante através de
Atualmente, o direito educacional tem definido as uma forte atuação sobre os meios que o circundam.
relações pedagógicas e se reposicionou com papel Há de se enfatizar que, em muitos aspectos, as
estratégico e direcionador. normas jurídicas apenas refletem ou procuram es-
Parte dos desafios pairam sobre escolas com pelhar as novas perspectivas de valores da socieda-
PPPs elaborados há décadas, que em nada se re- de sobre o direito educacional. Com destaque para
lacionam ou acompanham os avanços legislativos, o entendimento conexo aos direitos da criança, a
pedagógicos e sociais dos últimos anos. Portanto, partir de uma análise do seu entorno e do papel da
se encontram atualmente em grandes dificuldades escola nesse contexto de Proteção Integral dessa
por não entender como funciona a educação neste pessoa em peculiar condição de desenvolvimento
século XXI. físico e emocional.
A sociedade brasileira, as práticas e técnicas Entender o direito educacional do século XXI
pedagógicas cotidianas, assim como o modelo jurí- pressupõe compreender os valores e finalidades
dico-normativo mudaram, e muito! E mais: têm se presentes na Constituição de 1988, na Lei de Inte-
adequado ao século XXI. Isso tem gerado um confli- gração de 1989, no Estatuto da Criança e do Adoles-
to inevitável com os que ainda trabalham e acredi- cente (ECA) de 1990, na Lei de Diretrizes e Bases da
tam no modelo do século XX. Educação Nacional de 1996, na Política Nacional de
Diante do exposto, quais seriam os valores cen- Educação Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008,
trais para definir esta empreitada educacional que no Plano Nacional de Educação de 2014/2024, na
desponta no século XXI? Lei Brasileira de Inclusão de 2015 e na decisão da
ADI 5.357 proferida pelo Supremo Tribunal Federal,
REPENSAR. DIVERSIFICAR. REFUNCIONALIZAR. em 2016.
REVITALIZAR. A Constituição da República determina que a
criança e o adolescente possuem absoluta priorida-
As escolas devem ter como substrato valorativo de. O Estatuto da Criança e do Adolescente consa-
e fundamentador, as novas perspectivas para educa- gram o princípio (Doutrina) da Proteção Integral e
ção. É necessário acompanhar as novas regras edu- todas as normas brasileiras devem seguir tais pre-

93
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

missas e compreender as diretrizes constitucionais ta legalmente instituída e judicialmente respaldada,


e legais sempre no sentido do melhor interesse da inclusive, por decisão majoritária (9 votos contra 1)
criança e do adolescente. do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em
Cabe reiterar que, além do viés normativo, a so- sede de controle abstrato de constitucionalidade,
ciedade mudou. Não se tolera castigo físico, trata- no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionali-
mento desumano ou degradante contra o discente. dade nº 5.357 (ADI nº 5357)1.
Não é aceito o descaso com o aprendizado do estu- É fundamental destacar que o afastamento en-
dante. A intimidação sistemática (bullying) é comba- tre norma educacional e cotidiano escolar não é pri-
tida enquanto prática e não é mais considerado ape- vilégio de estudantes com deficiência, mas de todos
nas uma “brincadeira de mau gosto”. Responsáveis (com ou sem deficiências). Há um enorme abismo,
bem informados e zelosos pela formação de seus que se expande, nas salas de aula, entre as propos-
filhos buscam escolas que compreendem esse novo tas pedagógicas de ensino e os anseios e expectati-
tempo e que transmitem valores de uma cidadania vas de aprendizagem dos discentes.
responsável e ética. No caso de estudantes com deficiência, esse
A escola do século XXI, necessariamente, deverá abismo não apenas existe e se expande, mas tam-
voltar o foco para o aluno. Projetar na diversidade bém produz conflitos legais, com a possibilidade
um valor. Diversificar formas de ensino e aprendiza- até de aplicação de medidas penais contra gestores
gem para potencializar o desempenho de todo cor- escolares (por isso, talvez a visibilidade e as contro-
po discente. E, nesse sentido, o processo de inclusão vérsias estejam mais aparentes e recebendo maior
em educação é o melhor campo experimental, pois atenção).
a inclusão só se realiza sob uma premissa: colocar o Nesse sentido, o estudo jurídico (e pedagógico)
estudante como prioridade. do processo de inclusão em educação pode ser en-
A Lei Brasileira da Inclusão (“LBI” – Lei Federal tendido como uma oportunidade para reflexão so-
nº 13.146/2015) tem provocado visíveis modifica- bre o sistema educacional como um todo. Afinal, ao
ções no cenário educacional brasileiro. E não ape- prever, por exemplo, o planejamento do estudo de
nas em sua face normativa, ela também tem afetado caso (individualizado) e a adoção de medidas indi-
significativamente as vivências dos ambientes esco- vidualizadas e coletivas em ambientes que ampliem
lares com o maior rigor legislativo, que tem garan- o desenvolvimento acadêmico e social (respectiva-
tido uma abertura mais efetiva à convivência com mente, nos incisos VII e V, o artigo 28 da LBI), não
diversidades. se estaria abrindo uma possibilidade para melhoria
O ambiente escolar deverá lidar com essa di-
1 0 Inteiro teor do Acordão da ADI 5357 em: <http://www.stf.jus.br/por-
versidade pedagógica (e humana) que se apresen- tal/processo/pesquisarProcesso.asp>.

94
O PROCESSO DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: A DIVERSIDADE COMO VALOR

do ensino para todo corpo discente, independente- Essa (nova) linha de abordagem se baseia nos
mente da deficiência? A inclusão em educação só é Estudos Sobre Deficiência (ESD) que se contrapõem
efetiva quando para todos os alunos. à ideia da deficiência como déficit. Para isso, os ESDs
A possibilidade de aplicar as normas e práticas formam uma área de estudo multidisciplinar em que
pedagógicas, inicialmente, direcionadas aos estu- a deficiência é estudada como marcadora de identi-
dantes com deficiência, para o ensino e aprendiza- dade – como a raça, etnia, classe, gênero e orienta-
gem de todos os alunos é a maior oportunidade de ção sexual (VALLE, 2014, p.13).
evolução da escola para um modelo de aprendizado Um aspecto importante dessa linha de pensa-
efetivo e formação cidadã. mento é romper com a ideia de que a pessoa com
Nos dias atuais, lamentavelmente, a maior parte deficiência é considerada inapta por suas próprias
dos estudantes permanece por mais de uma déca- funcionalidades, sem ao menos, haver uma reflexão
da na escola e se formam com pouquíssima baga- sobre o ambiente que a circunda e impõe barreiras
gem para enfrentar a vida e seus enormes desafios impeditivas e limitadoras.
práticos. A deficiência não será considerada esgotada na
A escola do século XXI deve valorizar a diversida- pessoa (com deficiência) e em seus atributos, mas,
de para o enriquecimento coletivo do processo edu- considerará o ambiente que lhe é hostil e pode apro-
cacional, alinhada com as normas e os valores cons- fundar possíveis traços que a deficiência apresenta.
titucionais brasileiros, concedendo-lhe voz, ação e Por exemplo, antes de determinar que uma pessoa
protagonismo, buscando recursos na pedagogia com deficiência intelectual, ou um transtorno es-
mais dinâmica e contemporânea. pecífico, não possui capacidade para alfabetização,
A valorização da diferença, e o consequente uso deve ser considerada a efetividade das estratégias
de recursos e práticas pedagógicas inclusivas, têm de ensino e aprendizagem a serem aplicadas, pois,
como objetivo democratizar o aprendizado, não so- através de outras técnicas, pode ser consolidado o
mente para estudantes com deficiência, mas para processo de alfabetização de forma muito mais sim-
todos. ples e natural (e não somente de pessoas com defi-
Nesse sentido, o afastamento da percepção ca- ciência intelectual ou transtornos).
pacitista (que considera a pessoa com deficiência É com esse olhar que a deficiência surge como
como incapaz) visa possibilitar outra compreensão oportunidade de reestruturar ou refuncionalizar téc-
acerca do papel de estudantes com deficiência e, nicas pedagógicas tradicionais, na busca pela demo-
em especial, dos recursos e técnicas pedagógicas do cratização do ensino e da aprendizagem.
processo de inclusão em educação nos ambientes A deficiência é vista através de lentes sociais,
educacionais. como uma série de respostas históricas, culturais e

95
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

sociais à diferença humana. Essa visão afeta a esco- ensino e aprendizagem. O estudante de melhor de-
lha de respostas às deficiências. Basicamente, essa sempenho na disciplina, com tantos novos recursos
visão transporta as respostas da premissa de que e estudos disponíveis em meios virtuais, poderá se
“alguma coisa está errada com as pessoas com defi- tornar um expert de forma ainda mais precoce. O
ciência” para “alguma coisa está errada com um sis- aluno com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não
tema social que incapacita as pessoas” (VALLE, 2014, verbal, que utiliza tablets e tábuas de comunicação,
p.13). poderá interagir plenamente em sala de aula, assim
Algo interessante dessa abordagem é perceber como um estudante tímido, através do tablet, pode-
que não se aplica somente aos estudantes com defi- rá se mostrar o melhor escritor e poeta da turma. E
ciência, mas ao corpo discente como um todo. Estu- são tantas as possibilidades. Nesse ponto, a educa-
dantes sem deficiência também não se interessam ção inclusiva, ao questionar o modelo pedagógico
ou compreendem diversos conteúdos pelo simples tradicional e sua relação ensino versus aprendiza-
fato das técnicas de ensino serem absolutamente gem, traz novas possibilidades de potencialização
ineficazes ou pouco produtivas. e recuperação da atratividade do discente pelo am-
Como regra, novas técnicas de ensino permitem biente escolar.
aos discentes entender temas antes incompreen- A educação inclusiva promete um “novo mun-
didos, ou seja, aplicando múltiplas técnicas de en- do” de possibilidades (de sucessos e fracassos) e
sino, todos os discentes ganham e aprendem, não isso gera profunda desconfiança e muitos desafios.
apenas os estudantes com deficiência. O modelo de A possibilidade de uso das novas propostas depen-
respeito às diversidades cognitivas, que implica na derá de debates e controvérsias pouco, ou sequer,
pluralidade de técnicas para transmissão do conteú- pautadas ainda. Mas, certamente o direito terá pa-
do, é benéfico para todos. pel de destaque, como tem ocorrido na proibição de
As múltiplas inteligências são a premissa. O me- uso de celulares atualmente.
lhor de cada estudante (com ou sem deficiência) O direito educacional deverá se debruçar sobre
guia o processo pedagógico, não suas dificuldades. as novas possibilidades com a vanguarda da mu-
A escola deixa de usar décimos nas notas para re- dança que produz benefícios inestimáveis, mas sem
provar o ano do discente e passa a estimular os ta- perder o fundamento da ética e da equiparação de
lentos e habilidades que possam promover o avanço ferramentas que possibilitem a melhor formação do
do estudante. cidadão numa sociedade que se pretende solidária e
Dentro dessa perspectiva, a educação inclusi- preparada para os desafios futuros.
va apresenta recursos pedagógicos e tecnológicos Os recursos tecnológicos podem vir a propiciar
que têm potencial para revolucionar o processo de um prazer no aprender que a educação tradicional

96
O PROCESSO DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: A DIVERSIDADE COMO VALOR

não tem conseguido ofertar. Não há que se falar em REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


plena improdutividade no modelo tradicional, ao
1. BOURDIEU, PIERRE. Meditações Pascalianas. Tradução Sergio Miceli.
contrário, muitas técnicas devem ser mantidas. Se Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
trata de incorporar o que for bom e manter o que 2. CAMPBELL, FIONA KUMARI. Contours of ableism – the production of
disability and abledness. Great Britain: Palgrave Macmillan, 2009. p. 05.
já funciona. Refuncionalizar o modelo, absorvendo o 3. DIAS, JOELSON (Org.); FERREIRA, LAÍSSA DA COSTA (Org.); GUGEL,
que se entender como produtivo. MARIA APARECIDA (Org.); FILHO, WALDIR MACIEIRA DA COSTA (Org.).
Novos comentários à convenção sobre os direitos das pessoas com
deficiência.Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos
– SDH. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência – SNPD. Brasília, 2014.
4. FREIRE, PAULO. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
5. LÉVI-STRAUSS, CLAUDE. “Raça e história”. In LÉVI-STRAUSS, CLAU-
DE. ANTROPOLIA ESTRUTURAL II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1976.
6. LOPES, LAÍS VANESSA CARVALHO DE FIGUEIRÊDO. Convenção
sobre os direitos da pessoa com deficiência da ONU, seu protocolo
facultativo e a acessibilidade.Dissertação para obtenção do título de
Mestre em Direitos Humanos, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo PUC/SP. Orientadora: Prof.ª Dra. Flávia Cristina Piovesan. São
Paulo, 2009.
7. MADRUGA, SIDNEY. Pessoas com deficiência e direitos humanos:
ótica da diferença e ações afirmativas. São Paulo: Saraiva, 2013.
8. MANTOAN, MARIA TERESA EGLÉR (Org.). Para uma escola do século
xxi. Unicamp/BCCL Campinas - São Paulo, 2013.
9. MELERO, MIGUEL LÓPEZ. El proyecto roma: una experiencia de edu-
cación en valores. Málaga, Espanha: Ediciones Aljibe, 2003.
10. MELERO, MIGUEL LÓPEZ. Escolas inclusivas: o projeto Roma.In
Ponto de Vista, n. 8, Florianópolis, 2006. p. 19-30.
11. PLETSCH, MÁRCIA DENISE; VLIESE, ÉRICA COSTA. Plano educa-
cional individualizado e currículo: possibilidades para a escolarização
de alunos com deficiência intelectual. I Seminário Internacional de
Inclusão Escolar: práticas em diálogo. Universidade do Estado do Rio
de Janeiro – Cap-UERJ, 21 a 24 de Outubro de 2014.
12. SACKS, OLIVER. Um antropólogo em marte: sete histórias parado-
xais.Tradução Bernardo Carvalho. 6. reimpressão. São Paulo: Compa-
nhia das Letras. 2006.
13. SANTOS, MÔNICA PEREIRA DOS. Educação inclusiva: redefinindo
a educação especial. Ponto de Vista, n. 3/4, p. 103-118. Florianópolis,
2002.
14. VALLE, JAN W; CONNOR, DAVID J. Ressignificando a deficiência – da
abordagem social às práticas inclusivas na escola.Tradução de Fernan-
do de Siqueira Rodrigues. Revisão Técnica de Enicéia Gonçalves Men-
des e Maria Amélia Almeida. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda, 2014.
15. VYGOTSKI, LEV SEMIÓNOVIC. Obras escogidas, v, fundamentos

97
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

11. Direito à saúde das


pessoas com deficiência
POR JOELSON DIAS* E
ELOYSE HENRIQUE COSTA E SILVA**

O
preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saú-
de (OMS), que entrou em vigor no primeiro Dia Mundial da
Saúde (7 de abril de 1948), define saúde como “o completo
estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a
ausência de enfermidade”. Não obstante as críticas a tal concepção,
apontada como realidade utópica e intangível, o conceito foi se am-
pliando com o tempo, até seu reconhecimento como ocorre atual-
mente, da saúde como direito.
Segundo Laurell, a saúde passa a ser vista como uma necessida-
de humana e a satisfação “associa-se imediatamente a um conjunto
de condições, bens e serviços que permitem o desenvolvimento indi-
vidual e coletivo de capacidades e potencialidades, conforme o nível

* Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Ex-Ministro substituto do Tribunal Superior


Eleitoral (TSE). Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasí-
lia-DF). Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Membro fundador da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
** Advogada e parceira do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF).

98
DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

de recursos sociais existentes e os padrões culturais de Por ser universal seu sistema, a saúde é “direito de
cada contexto específico”1. todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito,
Particularmente após a promulgação da Constitui- sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garanti-
ção da República de 1988, a legislação brasileira pas- do a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça,
sou a dispor sobre a proteção e promoção dos direitos ocupação, ou outras características sociais ou pessoais”.
das pessoas com deficiência e enaltecer a importância Assim, de acordo com o princípio da universalização, tam-
da participação cidadã desse importante segmento bém as pessoas com deficiência devem ter assegurado
social, bem assim do respeito às suas particularidades o seu direito à saúde em condições de igualdade com o
para a efetiva inclusão na comunidade. restante de toda a população, sem quaisquer distinções.
Em seu artigo 6º, a Constituição da República de Desse modo, o acesso universal e igualitário às ações e
1988 (CRFB/88) elencou o direito à saúde como um dos serviços de saúde é garantido também às pessoas com de-
direitos sociais e no artigo 196 estabeleceu que a “saúde ficiência por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS3.
é direito de todos e dever do Estado, garantido median- Em 5 de junho de 2002, a Política Nacional de Saú-
te políticas sociais e econômicas que visem à redução do de da Pessoa com Deficiência4 foi instituída pela Por-
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
3 A promulgação da CRFB/88 instituiu o SUS, buscando oferecer a todo
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, pro-
cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saú-
teção e recuperação”. de. Considerado um dos maiores e melhores sistemas de saúde públicos
No entendimento de José Afonso da Silva2, os direitos do mundo, o SUS beneficia cerca de 180 milhões de brasileiros e realiza
sociais “como dimensão dos direitos fundamentais do por ano cerca de 2,8 bilhões de atendimentos. Trata-se da democratiza-
ção da saúde. Nas palavras de Carlos Octávio Ocké: “a universalização da
homem, são prestações positivas proporcionadas pelo
saúde tem um potencial transformador, civilizatório dos países da peri-
Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas feria capitalista, permitindo a construção de uma ética pública e solidária
constitucionais, que possibilitam melhores condições na sociedade, fundamental na arquitetura de qualquer nação soberana”.
de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a 4 O artigo 23 da Constituição da República determina que “é compe-
tência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-
igualização de situações sociais desiguais”. Estão ligados
pios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das
à igualdade material e sua implementação se dá pela cria- pessoas com deficiência”. A Lei n.º 7.853/89, além de reforçar o disposto
ção de políticas públicas, de responsabilidade do Poder pela CRFB, atribui institui a promoção de “ações preventivas; a criação
Executivo e do Poder Legislativo, podendo vir a ser refor- de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; a
garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde e do adequado trata-
çadas pelo Poder Judiciário.
mento no seu interior, segundo normas técnicas e padrões apropriados;
a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não
1 LAURELL, Asa Cristina. A Saúde – Doença como processo social. In: internado; e o desenvolvimento de programas de saúde voltados para
Revista latino americana de Saúde. México.1982. as pessoas com deficiência, desenvolvidos com a participação da socie-
2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. dade’ (art. 2.º, Inciso II).
São Paulo: Malheiros, 2005. No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) apro-

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

taria GM/MS nº 1.060, visando a inclusão do referido Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD)6 consoli-
segmento social em toda a rede de serviços do SUS, dou importante avanço para a compreensão das pes-
dispensando-lhe, para tanto, atenção diferenciada. soas com deficiência não somente como “aquelas que
Podem ser citadas como diretrizes da Política Na- têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
cional de Saúde da Pessoa com Deficiência, exempli- mental, intelectual ou sensorial”, mas, principalmente,
ficadamente, a promoção da sua qualidade de vida, em verdadeira mudança paradigmática, como deten-
a assistência integral à saúde e a prevenção de defi- toras do direito de exigir do Poder Público e da socie-
ciências, a ampliação e fortalecimento dos mecanis- dade em geral a remoção ou eliminação das “diversas
mos de informação e, ainda, a capacitação de recursos barreiras [que] podem obstruir sua participação plena e
humanos.5 efetiva na sociedade em igualdades de condições com
Em cooperação com Estados, Municípios e o Dis- as demais pessoas”.
trito Federal, é da competência do Ministério da Saúde Em seu artigo 25, a CDPD estabeleceu que os Es-
o processo de formulação, implementação, acompa- tados devem oferecer às pessoas com deficiência pro-
nhamento, monitoramento e avaliação da política de gramas e atenção à saúde gratuitos, serviços de saúde
saúde da pessoa com deficiência, buscando-se viabi- que necessitem especificamente em razão de sua de-
lizar, assim, a execução, pelo SUS, das atividades da ficiência, inclusive diagnóstico e intervenção precoces,
Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, conforme bem como serviços projetados para reduzir ao máximo
se verá mais adiante. e prevenir deficiências adicionais, inclusive entre crian-
Adotada pela Organização das Nações Unidas ças e idosos7.
(ONU), em 2006, a Convenção Internacional sobre os De acordo com as diretrizes do Comitê Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, que monitora
vou, em 1982, o Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiên- a aplicação da Convenção da ONU, desde o ofereci-
cia. A Organização dos Estados Americanos editou a Convenção Intera-
mento de apoio psicológico a tecnologias assistivas
mericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Pessoas com Deficiência e, finalmente, veio a Convenção Internacio- e adaptativas, o Estado é responsável pela adoção de
nal da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2006. medidas que assegurem às pessoas com deficiência o
A Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência é, assim, resul- pleno e efetivo acesso a serviços de saúde de quali-
tado de diversos movimentos e longa mobilização, nacional e interna-
dade e individualizados, atendo às particularidades de
cional, em busca de condições de vida com dignidade e a emancipação
das pessoas com deficiência. 6 Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos da Pessoa com De-
ficiência (CDPD) – aprovada em julho de 2008 pelo Decreto Legislativo
5 http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-pessoa- nº186 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009
-com-deficiencia/publicacoes/808-pes soa-com-deficiencia/41183-po- e inserida no ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda
litica-nacional-de-saude-da-pessoa-com-deficiencia - Acesso em 18 de Constitucional.
maio de 2018 7 Ib idem

100
DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

cada indivíduo. fundamentais em igualdade de condições com as de-


Segundo a Portaria GM/MS nº 793, o propósito das mais pessoas.
unidades de reabilitação é a manutenção do respeito Em consonância com a Convenção Internacional
aos direitos humanos, com garantia de autonomia, in- da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência,
dependência e de liberdade às pessoas com deficiên- e também com a Constituição da República de 1988, a
cia para fazerem as próprias escolhas; a promoção da LBI estabelece o direito à saúde e confirma a impres-
equidade, do respeito às diferenças e aceitação de pes- cindibilidade de que as pessoas com deficiência te-
soas com deficiência, com enfrentamento de estigmas nham garantido o acesso a todos os bens e serviços de
e preconceitos; a garantia de acesso e de qualidade saúde, sem forma alguma de discriminação em razão
dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência de sua condição particular. Assim como dispõe a Con-
multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; a diversi- venção da ONU, a LBI também afirma que a deficiên-
ficação das estratégias de cuidado e o desenvolvimen- cia está no meio e não no indivíduo, nas barreiras que
to de atividades no território, que favoreçam a inclusão o Estado e a sociedade precisam eliminar para que as
social com vistas à promoção de autonomia e ao exer- pessoas com deficiência possam usufruir de todos os
cício da cidadania. seus direitos.
Mesmo diante das mencionadas políticas de saú- Na Lei Brasileira de Inclusão, o direito fundamental
de, a incorporação da CPDP no texto constitucional à saúde está previsto no Título II, Capítulo III, artigos 18
ainda apresentava dificuldades para sair do papel, re- a 26. A Lei contempla diversas garantias, como o diag-
clamando necessário reexame da legislação nacional nóstico e a intervenção precoces, realizados por equi-
então vigente, para que se adequasse aos ditames da pe multidisciplinar, serviços de habilitação e de reabili-
Convenção. Nesse contexto, notou-se a importância da tação para qualquer tipo de deficiência, atendimento
adoção de lei nacional que pudesse orientar e viabilizar psicológico (que pode ser estendido aos familiares e
a aplicação prática das diretrizes, direitos e garantias atendentes pessoais), o respeito à identidade de gê-
assegurados pelo referido documento internacional. nero e à orientação sexual da pessoa com deficiência,
Assim, em 6 de julho de 2015, foi promulgada a Lei bem como o oferecimento de órteses, próteses, meios
nº 13.146, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da auxiliares de locomoção, medicamentos, insumos e
Pessoa com Deficiência (LBI) – ou Estatuto da Pessoa fórmulas nutricionais.
com Deficiência, mais um importantíssimo instrumen- Além de reafirmarem os princípios e diretrizes da
to normativo para a efetivação dos direitos das pes- Convenção da ONU, tais dispositivos buscaram apri-
soas com deficiência, buscando a sua mais ampla in- morar a oferta de serviços de saúde relativos às pes-
clusão social e efetivo exercício da cidadania. A LBI veio soas com deficiência, na rede SUS e no sistema privado.
ratificar e possibilitar a fruição de direitos e liberdades Um exemplo de aprimoramento consiste na proi-

101
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

bição de empresas de planos de saúde cobrarem mais 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
caro – prática costumeira anteriormente - de pessoas Adolescente - ECA), assegurando atendimento médico,
com deficiência, ou mesmo criarem entraves que im- sem discriminação ou segregação, à criança e ao ado-
peçam a adesão ou a permanência no contrato. Com lescente com deficiência, em suas necessidades gerais
a LBI, as empresas são obrigadas a ofertar produtos e de saúde e específicas de habilitação e reabilitação.
serviços nas mesmas condições, a todos os seus clien- Concluímos que ainda há um longo caminho a ser
tes (artigo 20). percorrido para a efetivação do direito à saúde das pes-
Entretanto, a comprovar o desafio sempre presen- soas com deficiência no Brasil. A despeito dos avanços
te da concretização dos direitos, mesmo após a sua e das conquistas já consagradas no ordenamento ju-
proclamação, as pessoas com deficiência têm sido im- rídico brasileiro, de nada servirá a lei se não passar de
pedidas de usufruírem desse benefício até que norma mero texto normativo, se não for além da proclama-
regulamentadora seja estabelecida. ção formal de direitos e garantias. É preciso fazer valer,
De forma semelhante, outros direitos assegurados concretamente, os direitos das pessoas com deficiên-
pela Lei Brasileira de Inclusão ainda não foram efeti- cia, de modo que a sua efetiva participação na socie-
vados, em decorrência, por exemplo, da falta de equi- dade, em igualdade de condições com as demais pes-
pamentos adaptados para realização de exames pelas soas, possa assegurar a sua plena inclusão, autonomia,
pessoas com deficiência, filas de espera intermináveis independência e liberdade para a realização das suas
para conseguir cadeiras de rodas ou, ainda, a indispo- próprias escolhas.
nibilidade de reabilitação contínua para determinados
tipos de deficiência.
É importante ressaltar que a inaplicabilidade da
LBI, por ausência de atos normativos, que regulamen-
tem o exercício de certos direitos nela preconizados,
representa espécie de retrocesso nas conquistas al-
cançadas pelas pessoas com deficiência. De pouco, ou
quase nada, adianta que a LBI assegure às pessoas com
deficiência o direito à saúde, em igualdade de qualida-
de e condições, se o atendimento pleno e integral para
tanto necessário não puder ser exigido em toda a sua
extensão.
Por fim, importante notar que, em seu artigo 21,
a Lei nº 13.257, de 2016, alterou o artigo 11 da Lei nº

102
DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promul-


gada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em
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BRASIL. Lei nº13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiên-
cia). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13146.htm> Acetsso em 02 de agosto de 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa com


Deficiência. Disponível em <http://portalms.saude.gov.br/saude-pa-
ra-voce/saude-da-pessoa-com-deficiencia/publicacoes/808-pes%20
soa-com-deficiencia/41183-politica-nacional-de-saude-da-pessoa-
-com-deficiencia> Acesso em 18 de maio de 2018.

LAURELL, Asa Cristina. A Saúde – Doença como processo social. In: Re-
vista Latino Americana de Saúde. México.1982. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>
Acesso em 02 de agosto de 2018.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em: <http://www.
pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/con-
vencaopessoascomdeficiencia.pdf> Acesso em 02 de agosto de 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2005.

103
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

12. A capacidade civil das pessoas


com deficiência: Um novo
paradigma e muitos desafios
POR ANA CLÁUDIA M. DE FIGUEIREDO*

A
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência - CDPD e seu Protocolo Facultativo foram apro-
vados, com valor de norma constitucional1, mediante o De-
creto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, e promulgados por
meio do Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
A Convenção é inovadora em diversos aspectos, mas espe-
cialmente revolucionária no seu artigo 12 – que trata do reconhe-
cimento igual perante a lei -, o qual impôs relevante mudança de
paradigma em relação à capacidade civil das pessoas com defi-
ciência2, desencadeando repercussões importantes nas mais va-
riadas áreas3.
1 Porque aprovados tais documentos internacionais nos moldes do § 3º do art. 5º da Cons-
tituição Federal.
2 Conforme o artigo 1 da CDPD, “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimen-
tos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em intera-
ção com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas”.
3 Ante a complexidade do tema e as diferentes percepções acerca das aludidas mudança e
repercussões, a pretensão deste artigo limita-se a gerar reflexões e contribuir para a cons-
trução de soluções para os muitos impasses em torno da matéria.

*Advogada e ex-assessora de Ministro no Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho. Graduada em Letras e Direito e pós-graduada em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho. Vice-Presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e Conselheira no Conselho Nacional dos
Direitos das Pessoas com Deficiência - Conade.

104
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

Além de assentar a reafirmação do direito das aos direitos, à vontade e às preferências das pessoas
pessoas com deficiência de serem reconhecidas com deficiência, assim como a isenção de conflito de
como pessoas perante a lei – que equivale ao reco- interesses e de influência indevida (item 4).
nhecimento da sua personalidade jurídica, hábil a A CDPD dispõe, ainda, que os Estados Partes
lhes outorgar aptidão para a titularidade de direitos assegurarão às pessoas com deficiência igual direito
e de obrigações – (item 1), a Convenção estabelece de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias
o reconhecimento, pelos Estados Partes, de que “as finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancá-
pessoas com deficiência gozam de capacidade legal rios, hipotecas e outras formas de crédito financeiro,
em igualdade de condições com as demais pessoas garantindo que não sejam arbitrariamente destituí-
em todos os aspectos da vida”, determinando a ado- das de seus bens (item 5).
ção de medidas apropriadas para prover-lhes o aces- Em atenção à mudança de paradigma imple-
so ao apoio de que necessitarem no exercício de sua mentada pelo artigo 12 da Convenção e ao mode-
capacidade legal (itens 2 e 3). O item 2 assegura que lo social da deficiência5 consagrado nesse docu-
a pessoa com deficiência somente sofrerá limitação mento internacional de direitos humanos, a Lei nº
em sua capacidade, assim como as demais pessoas, 13.146/2016, Lei Brasileira de Inclusão - LBI, promo-
a partir de critério incidente a todos os indivíduos, veu várias modificações no que tange à teoria das
não podendo mais a deficiência ser adotada como incapacidades.
critério determinante da incapacidade. No artigo 84 assegura às pessoas com deficiên-
A capacidade de que trata o artigo 12 da CDPD cia o exercício da sua capacidade legal em igualdade
é, portanto, plena, abrangendo tanto a capacidade de condições com as demais pessoas e no artigo 6º
de direito (ou de gozo) como a capacidade de fato afirma que a deficiência não afeta a capacidade civil
(ou de exercício), que não se confunde, no entender da pessoa, inclusive em relação a um extenso rol de
do Comitê da Organização das Nações Unidas – que direitos nunca antes previstos a parte dessa popu-
realiza o monitoramento dos direitos previstos na lação, como as pessoas com deficiência intelectual
Convenção –, com capacidade mental, que se refere e mental.
“à aptidão de uma pessoa para tomar decisões”4. O reconhecimento da plena capacidade civil
A Convenção impõe também que todas as me- das pessoas com deficiência6 – aliado à garantia do
didas relativas ao exercício da capacidade legal in- 5 O modelo social de deficiência (item 2 do artigo 1 da CDPD) contesta
cluam salvaguardas apropriadas, proporcionais e o modelo biomédico da deficiência, segundo o qual há uma relação de
efetivas para prevenir abusos e garantir o respeito causalidade e dependência entre os impedimentos corporais e as des-
vantagens sociais vivenciadas pelas pessoas com deficiência (DINIZ e
4 Comentário Geral nº 1 acerca do artigo 12 da Convenção, p. 4, tradução SANTOS, 2009).
livre. 6 Artigo 12 da CDPD e artigos 6º e 84 da LBI.

105
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

apoio necessário no exercício da sua capacidade – inclusão das pessoas com deficiência na sociedade,
propiciou, em nítido caráter instrumental, a garantia, a igualdade de oportunidades, a acessibilidade e a
na legislação pátria, de direitos importantes à parti- não discriminação, a independência e a autonomia
cipação plena e efetiva dessas pessoas na socieda- individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias
de, em igualdade de oportunidades com as pessoas escolhas, mesmo que com apoio. Tal autonomia
sem deficiência, a exemplo do direito ao casamento7 propicia às pessoas com deficiência “a conquista
e à constituição de união estável; à acessibilidade do direito humano fundamental de ser ‘moralmen-
indispensável à vida independente; à moradia para te livre’, de poder fazer valer a sua vontade interior,
a vida independente; à privacidade; à participação que é um componente ligado à própria dignidade
na vida pública; à prestação de serviços notariais e das pessoas” (Figueiredo e Gonzaga, 2018, p. 88). As
de registro sem óbices ou condições diferenciadas; mudanças realizadas concretizam, ainda, os princí-
à emissão de documentos oficiais (tais como a car- pios constitucionais da cidadania, da isonomia e da
teira de identidade, a carteira profissional e o pas- dignidade da pessoa humana.
saporte), independentemente de curatela; ao direito A par de estabelecer como regra a capacidade
de ser testemunha e de acesso à justiça e, ainda, ao plena das pessoas com deficiência, dissociando a
exercício de direitos sexuais e reprodutivos; de direi- deficiência da incapacidade civil, a LBI, também de-
tos políticos; dos direitos de cidadania e de partici- nominada Estatuto da Pessoa com Deficiência, mo-
pação social e do direito à guarda, à tutela, à curatela dificou os artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002,
e à adoção. afastando a possibilidade de se considerar como re-
As aludidas modificações viabilizam, em última lativa ou absolutamente incapazes – de modo a au-
análise, a materialização de alguns dos princípios torizar a curatela –“... os que, por deficiência mental,
basilares da Convenção: o respeito pela dignidade tenham o discernimento reduzido”, “os excepcionais,
da pessoa humana, a plena e efetiva participação e sem desenvolvimento mental completo” e “os que,
7 O Estatuto modificou consideravelmente o sistema das invalidades do
por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem
casamento, ao revogar o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil - que o necessário discernimento para a prática desses
previa a nulidade do casamento contraído pela pessoa sem “discerni- atos”.
mento para os atos da vida civil” - e incluir o § 2o no art. 1.550 para pos-
O Estatuto também deslocou a hipótese de im-
sibilitar, independentemente de autorização do curador, o casamento
de pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil, “ex-
possibilidade de expressão da vontade, do rol da in-
pressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável capacidade absoluta para o da incapacidade relati-
ou curador”. Além disso, a LBI afastou a possibilidade de anulação do va8, remanescendo no sistema brasileiro uma única
casamento em razão do desconhecimento, anterior ao casamento, de
doença mental grave ou de defeito físico irremediável que não caracte- 8 A referida alteração tem sido objeto de acirradas críticas, a exemplo da
rize deficiência (art. 1.557). externada por Stolze (2016, p. 5-6), que entende ter o Estatuto cometido

106
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

hipótese de incapacidade absoluta, a incidente aos nacional dos direitos humanos.


menores de 16 anos. A fim de viabilizar o exercício da capacidade civil
Essas mudanças limitaram as possibilidades de por parte de pessoas com deficiência que eventual-
curatela, inclusive das pessoas com deficiência, às mente necessitam de apoio para a prática de atos da
hipóteses previstas no art. 1.767 do Código Civil, em vida civil, a LBI introduziu, no Código Civil, o artigo
que não há mais referência a desenvolvimento men- 1.783-A9, o qual dispõe sobre a tomada de decisão
tal ou discernimento. apoiada, que se insere em modelo diverso10 do único
As reformulações amplas das estruturas teóricas anteriormente previsto na lei, de decisão substituti-
elaboradas ao longo de séculos em torno da capaci- va, em que se admite que um terceiro tome decisões
dade jurídica das pessoas com deficiência denotam pela pessoa com deficiência. É uma medida que ine-
reverência do legislador nacional ao direito interna- quivocamente privilegia os já referidos princípios da
cional dos direitos humanos, sendo factíveis por ser autonomia, da participação plena e da inclusão das
a capacidade civil uma construção social, que reflete pessoas com deficiência na sociedade.
as eleições que as sociedades fazem em determina- A tomada de decisão apoiada, facultada pelo
do momento histórico (Palacios, 2008, p. 431). art. 84, § 2º, da LBI, é, nos termos do caput do ar-
Em face da profunda mudança filosófica que im- tigo 1783-A do Código Civil, “o processo pelo qual a
põe e das repercussões que implica, especialmente pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas)
em relação a pessoas que nunca tiveram sua auto- pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e
nomia respeitada como sujeitos morais (Palacios, que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio
2008, p. 219), o reconhecimento da capacidade ci- na tomada de decisão sobre atos da vida civil, for-
vil das pessoas com deficiência intelectual e mental necendo-lhes os elementos e informações necessá-
constitui um enorme desafio para toda a sociedade, rios para que possa exercer sua capacidade”, relati-
apenas suscetível de ser suplantado mediante o en- vamente, por exemplo, ao regime de casamento, à
frentamento do tema sob o enfoque do direito inter- venda de um imóvel, a transações financeiras acima
de determinado valor etc.
um “perceptível equívoco de localização”, porque o inciso que trata das
Os parágrafos do artigo 1783-A do Código Civil
pessoas que não podem exprimir a sua vontade, mesmo na sistemática
anterior, não se referia a pessoas com deficiência, mas, sim, às situa- detalham, em alguma medida, o instituto.
ções “em que determinada causa privasse o indivíduo de exprimir a sua Do pedido de tomada de decisão apoiada, for-
vontade, como se dá na hipnose ou no estado de coma derivado de
um acidente de trânsito. Por óbvio, tais pessoas estão absolutamente 9 O artigo 1.783-A do Código Civil foi acrescido pelo artigo 116 da LBI.
impedidas de manifestar vontade, não havendo sentido algum em con- 10 O modelo de apoio na tomada de decisões foi o que acabou sendo
siderá-las ‘relativamente incapazes’, como pretende o inc. III do art. 4º do plasmado no artigo 12 da CDPD e incorporado ao Código Civil brasileiro
CC, alterado pelo Estatuto”. mediante a inclusão, entre outros, do art. 1783-A.

107
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

mulado pela pessoa com deficiência, por meio de vergência a negócio de menor valor, o dissenso não
advogado ou defensor público, constarão os nomes será resolvido pelo Judiciário, devendo prevalecer,
das pessoas eleitas para prestar-lhe apoio, os limites em homenagem ao princípio da autonomia, a von-
do apoio, os compromissos dos apoiadores, o prazo tade do apoiado.
de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos Será válido e produzirá efeitos sobre terceiros,
direitos e aos interesses da pessoa a ser apoiada. sem restrições, o negócio jurídico celebrado por
O juiz, assistido por equipe multidisciplinar, de- pessoa apoiada, desde que abrangido no apoio
cidirá sobre o requerimento após ouvir o Ministério acordado. De outro lado, como inexiste restrição à
Público, a pessoa com deficiência e os apoiadores capacidade civil da pessoa submetida, relativamente
escolhidos. a certos atos, à tomada de decisão apoiada, serão
Embora a lei não exija a contra-assinatura dos igualmente válidos os negócios firmados sem apoio,
apoiadores no negócio a ser firmado, entendemos em relação a questão não incluída no acordo11.
ser importante, a depender das necessidades da Na hipótese de algum dos apoiadores agir com
pessoa, o registro, no termo de decisão apoiada, da negligência, exercer pressão indevida ou deixar de
imprescindibilidade de tal contra-assinatura relativa- cumprir as obrigações assumidas, poderá a pessoa
mente a alguns atos potencialmente mais gravosos, apoiada, ou qualquer pessoa, denunciar o fato ao
para demonstração do apoio adequado – livre de in- Ministério Público ou ao juiz, que, concluindo pela
fluência indevida e de conflitos de interesses –, tra- procedência da denúncia, destituirá o apoiador e
duzido pelo “fornecimento de elementos e informa- nomeará, após ouvida a pessoa apoiada e se for do
ções necessários” à celebração do negócio. Importa seu interesse, outro apoiador.
garantir, no processo de construção da autonomia A LBI estabelece, ainda, a possibilidade de soli-
e independência dessas pessoas que necessitam de citação do término do acordo, pela pessoa apoiada,
um suporte mais amplo, apoios úteis à consolidação e de exclusão, pelo apoiador, da sua participação no
desse processo e salvaguardas proporcionais e efe- processo, condicionado o desligamento desse à ma-
tivas para prevenir abusos, visando, em última análi- nifestação do juiz.
se, propiciar o desenvolvimento de habilidades que O último dispositivo da disciplina inicial sobre a
contribuirão para sua inclusão plena na sociedade. matéria (§ 11) assenta a aplicabilidade à tomada de
Em caso de divergência entre o apoiado e um decisão apoiada das disposições referentes à presta-
dos apoiadores, relativamente a negócio que envol- ção de contas na curatela.
va potencial risco ou prejuízo relevante, o juiz, ouvi- Cumpre assinalar que o Comitê de monitora-
do o Ministério Público, decidirá a questão. Do teor
11 Dependente a validade do ato, ainda, por certo, da presença dos re-
desse preceito depreende-se que, referindo-se a di- quisitos gerais de validade do ato jurídico (art. 104 do CC).

108
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

mento da Convenção recomendou ao Brasil que in- cial ou total) – para se tornar exceção, incidente tão
forme todas as pessoas com deficiência atualmente somente às pessoas especificadas no novo rol do
sob curatela sobre o novo regime legal instituído, de art. 1.767 do Código Civil16, a saber, aqueles que, por
tomada de decisão apoiada, e garanta o exercício do causa transitória ou permanente, não puderem ex-
direito a esse novo sistema em qualquer caso12. primir sua vontade; os ébrios habituais; os viciados
Acerca do único regime antes existente, em tóxico e os pródigos. Relevante destacar que, na
de decisão substitutiva, importa tecer algumas avaliação da impossibilidade de expressão da von-
considerações. tade, é imprescindível a garantia de acessibilidade
O procedimento de interdição13, matriz tradicio- ampla à pessoa com deficiência, em igualdade de
nal do sistema de decisão substitutiva, foi designado oportunidades com as demais pessoas, notadamen-
pela Lei nº 13.146/2015, na nova arquitetura da teo- te a consubstanciada no acesso à informação e à co-
ria das incapacidades14, como o “processo que define municação, mediante, por exemplo, o uso da Língua
os termos da curatela”15, a qual se tornou acentuada- Brasileira de Sinais (Libras), do Braille, do texto com
mente excepcional, proporcional e limitada quanto linguagem simples e de todas as espécies de tecno-
ao tempo, ao objeto e às hipóteses. logia assistiva ou ajudas técnicas necessárias.
De fato, a definição da curatela das pessoas com Da sentença em que definida a curatela consta-
deficiência passou a ser medida extraordinária e de rão as razões e motivações do magistrado, “preser-
natureza protetiva, cabível apenas quando necessá- vados os interesses da pessoa com deficiência”17. É
rio. Deixou, assim, de ser a regra em relação a essas imperativo, pois, que, no decreto judicial de curatela,
pessoas – na expressão da antiga interdição (par- sejam declinados, de modo claro e detalhado, a si-
tuação específica do caso concreto e os fundamen-
12 Observações conclusivas sobre o relatório inicial do Estado Brasileiro,
p. 4, tradução livre.
16 Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
13 A ação de interdição é o instrumento legal a partir do qual o juiz de-
I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
creta a incapacidade civil de uma pessoa maior e nomeia um curador
exprimir sua vontade;
para que esse, por meio da curatela, represente ou assista a pessoa tida
II - (Revogado);
como incapaz na prática dos atos da vida civil incluídos na sentença de
III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
interdição.
IV - (Revogado);
14 Consubstanciada notadamente nos arts. 84 a 87 da LBI e arts. 3º, 4º
V - os pródigos.
e 1.767 do Código Civil, entre outros.
17 Consoante o Comentário Geral nº 1 acerca do artigo 12 da Convenção,
15 Embora ainda seja objeto de controvérsia a subsistência, ou não, do
elaborado pelo Comitê da ONU, quando, apesar de realizado um esforço
procedimento de interdição -– notadamente porque estruturado o Có-
considerável, não seja possível determinar a vontade e as preferências
digo de Processo Civil sob essa perspectiva -–, é ampla a corrente dos
de uma pessoa, a determinação do “melhor interesse” deve ser substi-
doutrinadores que compreendem ter sido modificado seu “standard tra-
tuída, em se tratando de adultos, pela “melhor interpretação possível da
dicional” (Stolze).
vontade e das preferências” (p. 6, tradução livre).

109
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

tos que conduziram o juiz a admitir, em caráter ex- justificar a legitimidade e autorizar o curador apenas
cepcional, a restrição da capacidade civil da pessoa quanto à prática de atos patrimoniais”.
com deficiência – para a prática de atos relaciona- O Estatuto da Pessoa com Deficiência procedeu,
dos ao seu patrimônio e negócios –, que deve ser ainda, a alterações relevantes em dispositivos do
proporcional às necessidades e às circunstâncias de Código Civil que dispunham sobre a curatela, caben-
cada caso e durar o menor tempo possível. do citar a possibilidade de promoção do processo
Além dessas fronteiras, o legislador delimitou os que define os termos da curatela pela própria pes-
direitos suscetíveis de serem abrangidos na curate- soa (art. 1.768, inciso IV); a possibilidade de curatela
la, a saber, os direitos de natureza patrimonial e ne- compartilhada (art. 1.775-A); a participação obrigató-
gocial, não alcançando, assim, o direito ao próprio ria de equipe multidisciplinar no processo (art. 1.771);
corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à a consideração, na escolha do curador pelo juiz, da
educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Evidencia vontade e das preferências da pessoa a ser subme-
igualmente a inviabilidade de a curatela se estender tida à curatela, da ausência de conflito de interesses
a direitos existenciais o disposto no artigo 6º da LBI. e de influência indevida, da proporcionalidade e da
A Lei nº 13.146/2015 ainda assenta duas regras adequação da medida protetiva às circunstâncias da
acerca da curatela da pessoa com deficiência: uma pessoa (art. 1.772, parágrafo único) e, ainda, o apoio
que impõe ao juiz, ao nomear curador à pessoa em necessário às pessoas referidas no inciso I do art.
situação de institucionalização, dar preferência a 1.767 (aquelas que, por causa transitória ou perma-
quem tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou nente, não puderem exprimir sua vontade) à preser-
comunitária e outra que estabelece que, em casos vação do direito à convivência familiar e comunitária
de relevância e urgência e a fim de proteger os inte- (art. 1.777), em nítido prestígio ao artigo 19 da CDPD,
resses da pessoa em situação de curatela, será lícito que assegura o direito à plena inclusão e participa-
ao juiz, ouvido o Ministério Público, de ofício ou a ção na comunidade.
requerimento do interessado, nomear, desde logo, Conforme defendido por boa parte da doutrina,
curador provisório. à exceção dos artigos 1.767, 1.775-A e 1.777 do Código
Acerca das pessoas submetidas à interdição an- Civil, os demais citados – além de outros não referi-
teriormente à entrada em vigor da LBI, o entendi- dos aqui – foram revogados pela Lei nº 13.105/2015
mento de Stolze (2016) – com o qual concordamos (Código de Processo Civil), em face da supervenien-
– é o de que “os termos de curatela já lavrados e te entrada em vigor desse último diploma.
expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia Tendo sido concomitante a tramitação da LBI –
esteja limitada aos termos do Estatuto, ou seja, de- mediante a qual promovidas as modificações do Có-
verão ser interpretados em nova perspectiva, para digo Civil – e do CPC, a mencionada revogação re-

110
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

vela ausência de diálogo entre os legisladores. Como da Convenção”19.


resultado dessa falta de diálogo, vários avanços de- Aspecto digno de nota é o concernente às alega-
terminados pela LBI, em homenagem à CDPD, aca- ções de que o reconhecimento da capacidade plena
baram subsistindo por pouquíssimo tempo. das pessoas com deficiência implicou desamparo.
Ressaltamos que, mesmo para aqueles que en- É certo que vários dispositivos legais, porque
tendem não terem sido revogados os artigos 1.768, ainda não adequados ao conteúdo da Convenção,
1.769, 1.771 e 1.772 do Código Civil (Soares, p. 32-36), têm desencadeado a apontada desproteção. A re-
é impositivo o alinhamento do Código Civil e do Có- ferida dissintonia, entretanto, em vez de afastar o
digo de Processo Civil com a Convenção – além da direito das pessoas com deficiência ao reconheci-
compatibilização desses diplomas legais entre si –, o mento da sua capacidade legal, deve impulsionar
que já teve início com a aprovação do Substitutivo os poderes públicos a procederem à harmonização
ao Projeto de Lei do Senado nº 757/201518 na CCJ. demandada e, enquanto não realizada tal harmoni-
Nos artigos 747 a 758 (Seção IX - da Interdição) e zação, desafiar os operadores do direito a empreen-
759 a 763 do CPC (Seção X - Disposições Comuns à derem “um esforço interpretativo muito maior para
Tutela e à Curatela) – que escapam ao objetivo deste concretizar desígnios que seriam próprios da Con-
trabalho – encontram-se as regras processuais que venção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
regem a curatela. status constitucional ao ordenamento jurídico brasi-
Ainda quanto a essa medida, importa registrar leiro” (Azevedo, p. 2).
que, além de recomendar a retirada de todas as dis- Um exemplo de desamparo decorrente da dis-
posições legais que perpetuam o sistema de tomada sonância das normas legais em relação à Conven-
de decisão substitutiva, o Comitê de monitoramento ção, e especialmente em relação ao artigo 12 desse
da CDPD também recomendou ao Brasil que, “em tratado internacional, pode ser verificado em relação
consulta com as organizações de pessoas com de- à pensão regida pela Lei nº 8.112/90, que dispõe so-
ficiência e outros prestadores de serviços, o Estado bre o regime jurídico dos servidores públicos civis
Parte adote medidas concretas para substituir o sis- da União, das autarquias e das fundações públicas
tema de tomada de decisão substitutiva por um mo- federais. Isso porque o artigo 222, III, dessa Lei afir-
delo de tomada de decisão apoiada, que defenda a ma que a perda da qualidade de beneficiário, em se
autonomia, vontade e preferências das pessoas com tratando de dependente com deficiência intelectual
deficiência em plena conformidade com o artigo 12 ou mental (art. 217, IV, “d”) “que o torne absoluta ou
relativamente incapaz”, ocorre com o levantamento

18 Sobre esse Projeto de Lei cf. o artigo “Reconhecimento da capacida- 19 Observações conclusivas sobre o relatório inicial do Estado Brasileiro,
de civil de pessoas com deficiência intelectual e mental”. p. 4, tradução livre.

111
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

da interdição. Se considerada apenas a literalidade mílias a certeza quanto à concessão da pensão aos/
desses dispositivos legais20 – à margem de uma in- às seus filhos/as quando vierem a faltar. Além disso,
terpretação sistemática de todo o ordenamento –, não há na Lei nº 8.112/1990 previsão similar à cons-
o/a filho/a do/a servidor/a com deficiência intelec- tante do § 6º do artigo 77 da Lei nº 8.213/1991 (“O
tual ou mental somente assegurará a condição de exercício de atividade remunerada, inclusive na con-
beneficiário/a se submetido/a à curatela21, o que é dição de microempreendedor individual, não impe-
totalmente incompatível com os princípios e precei- de a concessão ou manutenção da parte individual
tos da CDPD e da LBI. Segundo Bonfim, a aplicação da pensão do dependente com deficiência intelec-
por analogia do art. 110-A da Lei nº 8.213/199122 ao tual ou mental ou com deficiência grave”), que ga-
dependente com deficiência intelectual ou mental rante aos dependentes do RGPS, mesmo auferindo
do servidor público regido pela Lei nº 8.112/1990 renda, a manutenção do direito à pensão.
torna inaceitável que, “para este último, seja-lhe im- Ante esse contexto de insegurança jurídi-
posta, como pré-condição para acesso ao benefício ca detectado, no particular, no regime da Lei nº
da pensão, a interdição judicial” (2018, p. 183). 8.112/1990, muitos familiares têm buscado manter
Um outro ponto que mantém esses dependen- os decretos de interdição das pessoas com deficiên-
tes ao desabrigo da proteção da lei é a previsão, no cia intelectual ou mental com quem têm vínculos ou
art. 217, IV, “d”, da Lei nº 8.112/1990, de que é bene- ainda requerer a curatela – mesmo em circunstân-
ficiário da pensão o filho que “tenha deficiência in- cias em que essas pessoas conseguem exprimir sua
telectual ou mental, nos termos do regulamento”. A vontade –, visando essencialmente garantir para os
exigência de regulamentação – ainda não atendida seus dependentes24 o direito ao benefício previden-
pelo Poder Executivo – retira dessas pessoas o direi- ciário (pensão).
to à dependência presumida23 e das respectivas fa- No que tange ao Regime Geral de Previdência
Social - RGPS25, a referida desproteção não ocorre
20 Concernentes ao Regime Próprio de Previdência Social dos servido- porque estabelecido na Lei nº 8.213/91 que o direi-
res regidos pela Lei nº 8.112/1990.
21 A fim de corrigir desproteção dessa ordem, o Substitutivo ao PLS
to à percepção da cota individual da pensão cessará
757/2015, aprovado na CCJ, assegura às pessoas com deficiência inte- “para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão,
lectual ou mental ou deficiência grave, quando submetidas à tomada de ambos os sexos, ao completar vinte e um anos de
de decisão apoiada, a mesma proteção legal garantida às pessoas relati- idade, salvo se for inválido ou tiver deficiência inte-
vamente incapazes - naquilo que, por certo, não esvazie esse instituto -,
ante igual presunção de vulnerabilidade. 24 Efetivamente dependentes por não deterem, em regra, condições de
22 Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social (do Regi- garantir o próprio sustento.
me Geral de Previdência Social - RGPS). 25 A que se vinculam, entre outros, os empregados não sujeitos a regime
23 Bonfim (2018), p. 182. próprio de previdência social.

112
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

lectual ou mental ou deficiência grave” (§ 2º e inciso previdenciário relacionado à pensão por morte ou o
II do artigo 77), sem alusão a interdição, curatela ou direito assistencial ao benefício da prestação conti-
regulamento. nuada” (2017, p. 5).
Ademais, a Lei nº 8.213/91, ao indicar quem são O que importa ser enfatizado nessa quadra é a
os “dependentes” dos segurados, no Regime Ge- imprescindibilidade da absoluta conformação, com
ral, arrolou, além das pessoas “inválidas”, as pessoas a maior brevidade possível, das citadas regras da Lei
com deficiência intelectual, mental ou com deficiên- nº 8.112/1990 - e de outras tantas normas infracons-
cia grave, independentemente de declaração judicial titucionais - às normas constitucionais estatuídas na
(Figueiredo e Gonzaga, 2018, p. 91), prevendo ainda, Convenção. Essa, a propósito, impõe aos Estados
como dito, a compatibilidade entre trabalho remu- Partes a obrigação de adotar todas as medidas legis-
nerado e recebimento de pensão nesse regime (§ 6º lativas, administrativas e de qualquer outra natureza,
do artigo 77). necessárias à realização dos direitos reconhecidos
Também respalda o entendimento de que ine- em seu texto. Consta, ainda, do decreto de promul-
xiste insegurança quanto à pensão no âmbito do gação (Decreto nº 6.949/2009) que a CDPD e seu
RGPS, a expressa previsão, no artigo 110-A da Lei Protocolo Facultativo “serão executados e cumpri-
8.213/9126, incluído pela Lei nº 13.146/2015 (LBI), de dos tão inteiramente como neles se contém”.
inexigibilidade, no ato de requerimento de benefí- As alterações legislativas, realizadas pela LBI em
cios operacionalizados pelo INSS, de termo de cura- homenagem à CDPD, impõem reformulações signi-
tela de beneficiário com deficiência27. ficativas no campo da doutrina e da jurisprudência,
Além do direito previdenciário à pensão por a fim de que – removidas as barreiras impeditivas
morte, essa regra legal garante também, indepen- da participação plena e efetiva das pessoas com
dentemente de curatela, o direito das pessoas com deficiência na sociedade e corrigidas as profundas
deficiência aos benefícios assistenciais, a exemplo desvantagens sociais por essas enfrentadas – seja
do benefício de prestação continuada, previsto no atendido o propósito da Convenção, de promover,
artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 - Lei Orgânica da As- proteger e assegurar o exercício ilimitado e equita-
sistência Social (LOAS). tivo de todos os direitos humanos e liberdades fun-
Acerca dos aspectos ora referidos, Gugel com- damentais por todas essas pessoas, incluído entre
preende, baseada no artigo 85 da LBI e sem se re- esses direitos o de reconhecimento da sua plena ca-
ferir ao tipo de regime, ser inexigível a curatela para pacidade civil, ainda que necessário, para o exercício
o acesso a qualquer direito, “como por exemplo, o dessa, o apoio de pessoas da sua confiança, como o
viabilizado mediante o instituto da tomada de deci-
26 Conquanto ainda pendente de regulamentação.
27 No mesmo sentido, Bonfim (2018, p. 183).
são apoiada.

113
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

A consagração, na redação da Convenção, do


sistema de apoio na tomada de decisões – em ho-
menagem ao modelo social de deficiência e em di-
reção à superação do sistema de substituição na to-
mada de decisões – significou a repercussão mais
substancial, inovadora e desafiadora no âmbito dos
direitos das pessoas com deficiência, tanto em razão
das profundas modificações que encerra em si mes-
ma, especialmente em relação ao exercício da capa-
cidade civil por pessoas com deficiência intelectual
e mental, quanto em face do impacto que desenca-
deia em relação a outros direitos.
Implementar, nesse contexto, o novo paradigma
da capacidade jurídica das pessoas com deficiência,
o qual consagra o lema “nada sobre nós sem nós”,
demandará superação de preconceitos e desafios e
imporá esforço significativo de toda a sociedade em
prol da pavimentação de caminhos em busca dessa
expressão máxima da dignidade humana.

114
A CAPACIDADE CIVIL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UM NOVO PARADIGMA E MUITOS DESAFIOS

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115
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

13. A Importância
dos exercícios
e atividades físicas na
síndrome de Down (T21)
POR FABIO BERTAPELLI* E GIL GUERRA-JÚNIOR**

T
em-se constatado um aumento crescente de evidências
cientí
científicas acerca dos resultados das atividades físicas na
saúde de pessoas com síndrome de Down (T21). Crianças
e adultos que praticam algum tipo de atividade física encontram
no exercício ou no esporte sistematizado a prevenção e comba-
te a doenças decorrentes do sedentarismo. Estudos da síndrome
de Down (T21) apontam que a prática sistematizada de exercícios
implica em ganhos significativos na densidade mineral óssea, for-
ça muscular, equilíbrio corporal e capacidade cardiorrespiratória.
WJR Fotos

* Graduação em Educação Física (UNIPAR). Mestre em Atividade Física Adaptada (FEF - UNI-
CAMP). Doutor em Ciências (FCM - UNICAMP). Pós-Doutorado (FAPESP/UNICAMP).

**Graduação em Medicina (FCM - UNICAMP). Doutor em Pediatria (FCM - UNICAMP). Professor


Titular do Departamento de Pediatria (FCM - UNICAMP).

116
A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Outros benefícios têm sido amplamente debatidos 1. BENEFÍCIOS ASSOCIADOS ÀS ATIVIDADES FÍSICAS
por diversas organizações de saúde, com resulta-
dos inconclusivos. De acordo com estudos recentes, 1.1. Aptidão Física
pessoas com síndrome de Down (T21) apresentam Constata-se que atividades físicas conduzidas
baixos níveis de atividades físicas e continuam ex- de forma sistematizada proporcionam uma série de
perimentando oportunidades limitadas para a plena benefícios à saúde, com melhoria da aptidão física
e efetiva participação em programas sistematizados de jovens e adultos com síndrome de Down (T21).
de exercícios e esportes, em igualdade de condições Esta se associa a diversos componentes físicos ne-
com os demais. É consenso que a redução dos ní- cessários para o desempenho de atividades diárias
veis de atividades físicas pode levar ao agravo da de forma segura e saudável. Consultando a principal
deficiência, comorbidades, perda de funcionalidade, fonte científica sobre o assunto, revisão sistemática
participação social restrita e baixa qualidade de vida. de ensaios clínicos randomizados de elevada quali-
Para a Organização Mundial da Saúde, a inatividade dade metodológica (Li et al., 2013), investigou-se o
física aumenta o risco de doenças crônicas e a inser- impacto de programas de intervenção com exercí-
ção de atividades diárias de intensidade moderada cios físicos na aptidão física de indivíduos com sín-
a intensa, com duração de 60 minutos, associa-se a drome de Down (T21). As principais variáveis ana-
efeitos positivos para a saúde geral. Neste contexto, lisadas nos dez estudos incluídos foram a força e
programas de intervenção com exercícios e esportes resistência muscular, equilíbrio corporal, aptidão
são prioridade no âmbito da saúde pública, visando cardiorrespiratória e composição corporal. Os pro-
a redução dos níveis de sedentarismo e a diminuição gramas de intervenção foram compostos por trei-
da incidência de doenças não comunicáveis. Neste namento de resistência progressiva combinada,
capítulo, são apresentadas as principais evidências caminhada em esteira e bicicleta. Os resultados me-
científicas sobre os efeitos de atividades físicas so- ta-analíticos demonstraram ganhos significativos
bre o organismo e as principais recomendações para sobre os componentes de força muscular de mem-
avaliação e administração de exercícios e esportes bros superiores e inferiores. Utilizando-se exercícios
na população de jovens e adultos com síndrome de realizados na musculação, com frequência semanal
Down (T21). Se abordam, também, os benefícios e de duas vezes, por período total de 10 semanas, um
riscos envolvendo a prática de atividades físicas, as estudo australiano observou que adultos com sín-
principais barreiras para inclusão nas atividades, as drome de Down (T21), submetidos a diversos exer-
diretrizes, tipos de atividades, ambientes e práticas cícios, apresentaram maior resistência muscular em
seguras para vida ativa, desenvolvimento esportivo comparação aos adultos com síndrome de Down
e avaliação funcional. (T21) que não fizeram quaisquer tipos de exercícios

117
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

(Shields et al., 2008). Em síntese, tais achados abrem mas de atividades físicas relacionadas ao equilíbrio
novos campos de investigação visando a implemen- de pessoas com síndrome de Down (T21), como
tação de programas de exercícios para o combate à caminhada na esteira, treinamento de habilidades
hipotonia, condição comum em indivíduos com sín- específicas em equilíbrio, exercícios com o peso do
drome de Down (T21). próprio corpo e treinamento com bicicleta. Com ex-
ceção do treinamento com bicicleta, os programas
1.2. Equilíbrio Estático e Dinâmico de intervenção melhoraram significativamente o
A prática de exercícios físicos é de extrema im- equilíbrio estático e dinâmico de pessoas com sín-
portância para a melhora do equilíbrio corporal está- drome de Down (T21). Em síntese, as intervenções
tico e dinâmico de pessoas com síndrome de Down com exercícios e esporte sobre o equilíbrio poderão
(T21). O equilíbrio é um componente fundamental subsidiar o desenvolvimento de estratégias multifa-
da proficiência motora, extremamente necessário toriais de prevenção e combate à inatividade física e
para a efetiva realização de atividades funcionais desordens motoras na população de pessoas com
diárias e engajamento em atividades físicas e espor- síndrome de Down (T21).
tivas. O equilíbrio refere-se à manutenção da esta-
bilidade corporal em condição estática e dinâmica. 1.3. Composição Corporal
É consenso na literatura que pessoas com síndrome A literatura sobre intervenções com exercícios
de Down (T21) apresentam déficit significativo do sobre a composição corporal aponta resultados di-
equilíbrio (Rigoldi et al., 2011). Hipotonia, desordem vergentes na síndrome de Down (T21). Estudos so-
comum na síndrome de Down (T21), constitui fator bre a perda de gordura corporal e peso, em jovens
de risco para instabilidade articular, que por sua vez, com síndrome de Down (T21), tem-se focado sobre
pode afetar o equilíbrio na síndrome de Down (T21) programas de treinamento físico com e sem supor-
(Meneghetti et al., 2009). Em adição, a síndrome de te dos pais nos mais variados ambientes. O estu-
Down (T21) associa-se a outras condições que po- do mais recente foi conduzido nos Estados Unidos
dem comprometer o equilíbrio, tais como hipoplasia (Pitchford et al., 2018). Os pesquisadores observa-
cerebelar, dificuldade na integração percepção-a- ram que adolescentes com síndrome de Down (T21)
ção e movimentos lentos para adaptações à tarefa apresentavam maior gordura corporal e menos de
(Rigoldi et al., 2011). Os distúrbios relacionados ao 5% deles cumpriam as recomendações internacio-
equilíbrio acarretam outros problemas graves, como nais de 60 minutos de atividade físicas moderadas
a diminuição de participação em atividades físicas e a vigorosas. Além disso, níveis de atividade física
esportivas, bem como, de atividades ocupacionais e foram associados com composição corporal, princi-
diárias. Estudos têm investigado diferentes progra- palmente quando avaliados pela densitometria por

118
A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

dupla emissão de raios-X (DXA), técnica acurada pessoas com síndrome de Down (T21). No entanto,
para avaliação da massa gorda e massa magra. Uma exercícios físicos sistematizados e participação em
revisão sistemática apresenta dados de diversos es- diversos esportes devem ser estruturados com o
tudos em atividades físicas e composição corporal máximo rigor, visando a prevenção de lesões mus-
(Bertapelli et al., 2016). Em um dos estudos, jovens culares, articulares e cardiovasculares. Existem três
saudáveis com síndrome de Down (T21) tiveram per- condições específicas da síndrome de Down (T21)
centual de gordura reduzido quando submetidos a que merecem maior atenção: Frouxidão ligamen-
intervenção de 12 meses (Ulrich et al., 2011). Outro tar, instabilidade atlantoaxial e incompetência cro-
estudo realizado em adolescentes com síndrome notrópica. Tais condições representam maior risco
de Down (T21) também relatou redução na gordura ao planejamento de atividades físicas e esportivas
após 12 semanas de treinamento físico (Ordonez et e devem ser avaliadas antes da implementação de
al., 2006). Um método mais efetivo para o combate atividades físicas. Diretrizes americanas, publicadas
à obesidade refere-se à abordagem multidisciplinar, em 2011, apresentam uma série de recomenda-
especificamente intervenções nutricionais e ativida- ções para o acompanhamento clínico de pessoas
des físicas. Um estudo controlado e randomizado de com síndrome de Down (T21) (Bull, 2011). Elas for-
base familiar foi mais além, investigando os efeitos necem uma seção específica sobre a instabilidade
de duas intervenções educacionais (educação nu- atlantoaxial e determinam que os pais devem ser
tricional e atividade + educação comportamental orientados quanto à participação de seus filhos em
vs. nutrição e atividade) em jovens saudáveis com alguns esportes de contato. A diretriz adverte so-
síndrome de Down (T21) (Curtin et al., 2013). Aos 6 bre a participação em esportes como a ginástica e
meses, a educação nutricional e atividade, com adi- futebol. Tais esportes podem predispor a criança ao
ção de intervenção comportamental, resultou em risco elevado de quedas e contato físico com maior
redução significativa do peso corporal. Tal achado impacto. Trampolim sem acompanhamento de pro-
conclui que a perda de peso pode ser promovida na fissional habilitado deve ser evitado em toda crian-
síndrome de Down (T21), desde que intervenções ça com idade abaixo de 6 anos. A participação em
multifatoriais sejam implementadas com participa- esportes como futebol e ginástica deve ser promo-
ção da família. vida, mas com avaliação criteriosa envolvendo a fa-
mília, técnicos esportivos e equipe multidisciplinar
2. RISCOS ASSOCIADOS ÀS ATIVIDADES FÍSICAS em saúde. Outra questão que merece atenção diz
respeito à incompetência cronotrópica, condição
A literatura relata que atividades físicas podem comum em pessoas com síndrome de Down (T21).
ser muito benéficas para a promoção da saúde de Uma seção específica é dirigida a este tópico.

119
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

2.1. Incompetência Cronotrópica Os indivíduos foram submetidos a um teste de es-


Pessoas com síndrome de Down (T21) apresen- forço máximo sobre uma esteira, sendo mensurada a
tam condição denominada incompetência cronotró- FC e variáveis metabólicas. Foi utilizado um protoco-
pica, definida como redução da frequência cardíaca lo de caminhada com velocidade ajustada de acordo
(FC), em resposta ao exercício físico (Fernhall et al., com a capacidade dos indivíduos. A velocidade utili-
2013). Com a incompetência cronotrópica, aumenta zada variou entre 3,22 e 5,33 km/h, com incrementos
a preocupação em monitorar a intensidade do exer- de 2.5 a 4% a cada 1-3 minutos, até a exaustão dos
cício em jovens e adultos com síndrome de Down participantes. Os pesquisadores observaram que a
(T21). A FC tem sido considerada uma variável fácil e fórmula 220 – idade superestimou a FCmax em 24
de baixo custo para o monitoramento da intensida- a 32 batidas por minuto. A partir destes resultados,
de do exercício físico. Com a FC, pode-se estimar as os pesquisadores desenvolveram uma equação de
zonas alvo de intensidade para cada tipo de ativida- predição da FCmax, específica para indivíduos com
de. Para isto, deve-se inicialmente determinar a fre- síndrome de Down (T21). A fórmula pode ser visua-
quência cardíaca máxima (FCmax). A FC depende de lizada abaixo.
uma série de fatores, tais como idade, gênero, com-
posição corporal, aptidão física, tipo de exercício e
FCmax = 210 – 0.56 X (idade) – 31
idade. Fórmulas têm sido adotadas para determinar
a FCmax na população em geral. Uma das fórmulas
é a de 220 – idade. Em pessoas com síndrome de Aplicação da fórmula para uma pessoa com sín-
Down (T21), no entanto, a fórmula 220 – idade pode drome de Down (T21) com idade de 20 anos.
gerar equívocos de interpretação para a avaliação e FCmax = 210 – (0.56 x 20) – 31
prescrição de exercícios físicos. A FCmax de pessoas FCmax = 210 – 42,2
com síndrome de Down (T21) geralmente resulta FCmax = 167,8
em aproximadamente 25 a 30 batidas por minuto
em comparação às pessoas sem síndrome de Down No exemplo acima, tem-se uma pessoa com sín-
(T21). Considerando que indivíduos com síndrome drome de Down (T21) com idade de 20 anos e FC
de Down (T21) apresentam incapacidade de elevar a podendo chegar a 167 batidas por minuto. Como
FC em resposta ao exercício, há a necessidade de re- supracitado, a estimativa da FCmax é utilizada para
pensar os métodos de estimativa da FC, a começar determinar a zona alvo da frequência e monitorar a
pela fórmula 220 – idade. Um estudo buscou avaliar intensidade da atividade a ser realizada. Segundo o
a capacidade de predição da FCmax em indivíduos Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Es-
com síndrome de Down (T21) (Fernhall et al., 2001). tados Unidos (CDC), para atividades de intensidade

120
A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

moderada, a zona alvo da frequência cardíaca deve síndrome de Down (T21). No caso de esportes cole-
variar entre 50 a 70% da FCmax. Neste caso, uma tivos a atenção deve ser redobrada. Em linhas gerais,
pessoa com síndrome de Down (T21) com FCmax de todo programa de atividade física deve ser realizado
167 batidas por minuto, aplica-se a seguinte fórmula: com baixa intensidade e com aumentos gradativos
Nível 50%: 167 x 0.50 = 83.5 bpm ao longo de semanas, baseados em resultados de
Nível 70%: 167 x 0.70 = 116.9 bpm avaliação funcional e interesse individual. É consen-
Para o exemplo fornecido acima, a FC de um so na literatura científica que níveis confortáveis de
indivíduo com síndrome de Down (T21) deve variar intensidade resultam em maior adesão a atividades
entre 83 e 116 batidas por minuto para atividades fí- físicas gerais. O mesmo comportamento deve ser
sicas de intensidade moderada. observado na pessoa com síndrome de Down (T21).

3. APLICAÇÃO PRÁTICA DE EXERCÍCIOS E ESPORTES Componente 2: Frequência, Tipo e Duração da


Atividade
Componente 1: Intensidade da Atividade Física Segundo recomendações internacionais (Gar-
Toda atividade física direcionada para pessoas ber et al., 2011), toda pessoa deve realizar de 30 a
com síndrome de Down (T21) deve ser iniciada com 60 minutos de atividades diárias com intensidade
intensidade leve e confortável. No caso de atividade moderada a intensa. Como visto na seção anterior,
aeróbica, deve-se iniciar com um programa de cami- a pessoa com síndrome de Down (T21) deve iniciar a
nhada com velocidade de marcha natural e de baixa atividade com intensidade leve e progredir para ati-
duração. Com a melhora da aptidão cardiorrespira- vidades moderadas e intensas. Para atividades ae-
tória, velocidade e duração da caminhada devem ser róbicas, recomenda-se frequência de 3 a 5 dias na
aumentadas. No exemplo de uma atividade de mus- semana com duração de 15 a 60 minutos. Exemplos
culação, deve-se iniciar com cargas baixas, poucas de atividades aeróbicas incluem a caminhada, corri-
séries e repetições. Com a adaptação muscular, as da, natação, ciclismo e dança. No caso de atividades
cargas devem ser aumentadas sutilmente. No caso com peso, recomenda-se o mínimo de 2 a 3 dias por
de uma atividade esportiva, a intensidade deve ser semana, com 8 a 10 exercícios, distribuídos em 1 ou
monitorada durante programas de habilidades e jo- 2 séries de 8 a 15 repetições, com intervalos de 2 a
gos. Para as habilidades, deve-se reduzir o espaço e 3 minutos entre cada série. Cargas podem ser esti-
a quantidade de repetições. Durante um jogo, o tem- madas com 20 a 70% de uma repetição máxima para
po deve ser reduzido. Com menor capacidade de tra- melhora da resistência e força muscular para cada
balho, a criança com síndrome de Down (T21) tende grupo muscular. Um total de 48 horas de repouso
a entrar em fadiga mais rápido do que a criança sem é recomendado para as atividades de resistência e

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

força muscular. Essas atividades podem ser feitas desconforto, 2 a 4 repetições, de 10 a 30 segundos,
com ou sem auxílio de equipamentos. As atividades para cada alongamento. Atividades neuromotoras
de flexibilidade também são recomendadas, desde (ex.: exercícios de equilíbrio, coordenação motora e
que uma avaliação de frouxidão ligamentar seja rea- agilidade) também devem ser estimuladas na pes-
lizada. No caso de ausência de frouxidão ligamentar, soa com síndrome de Down (T21), 2 a 3 vezes na se-
deve-se realizar exercícios de flexibilidade de 2 a 3 mana, 20 a 30 minutos/dia. Na Figura 1, pode-se ob-
vezes na semana, com intensidade leve a moderada. servar ilustrações referentes a atividades aeróbicas e
O alongamento deve ser realizado até o ponto de de resistência muscular.
WJR Fotos

Figura 1. Atividades aeróbicas


e resistência muscular na musculação.

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A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Componente 3: Desenvolvimento Esportivo padronizados. Instabilidade atlantoaxial, frouxidão


O esporte é uma das atividades mais importan- ligamentar e funções cardíacas devem ser avaliados
tes para o desenvolvimento de toda pessoa com periodicamente. Na presença de quaisquer destas
síndrome de Down (T21). Na fase adulta, o esporte condições, não se deve restringir totalmente a práti-
auxilia na manutenção de atividades físicas gerais e ca, mas deve-se seguir protocolos rigorosos de ava-
é considerado um aspecto importante para a pro- liação e acompanhamento.
moção de saúde, aprendizagem e inclusão social. Na
pessoa com síndrome de Down (T21), o esporte deve 4. AVALIAÇÃO FUNCIONAL
ser estimulado em todas as idades, sempre acompa-
nhado por profissional habilitado. Como citado em A avaliação funcional é item obrigatório antes e
sessões anteriores, algumas atividades podem exigir durante qualquer atividade física e esportiva. Além
atenção especial, como os esportes de contato, que da prevenção de lesões, a avaliação auxilia no plane-
causam grande impacto sobre articulações, sobre- jamento e estruturação de atividades. Em linhas ge-
tudo na região do pescoço. O futebol, a ginástica e rais, os métodos de avaliação são determinados por
esportes de luta são exemplos. Para ilustrar temos profissionais habilitados com uso de questionários,
a capoeira, uma atividade que gera resultados sig- exames ou testes. Exemplos de exames pré-partici-
nificativos sobre a aprendizagem, inclusão social e pação incluem histórico médico, eletrocardiograma
saúde de crianças e adultos. Na capoeira, a cultura em repouso e de esforço.
corporal, a roda e a música são elementos que a di- Para avaliação de níveis de atividade física,
ferenciam de muitas outras atividades. No entanto, usam-se questionários, pedômetros ou acelerôme-
quando administrada na ausência de conhecimen- tros. Componentes musculares podem ser mensu-
tos sobre as condições da síndrome de Down (T21), rados utilizando-se testes funcionais como o “teste
pode gerar danos ao indivíduo. Movimentos como de sentar e levantar de 30 segundos”. Testes para
“parada de cabeça”, podem predispor crianças com avaliar a aptidão cardiorrespiratória incluem o “teste
instabilidade atlantoaxial à lesão da medula espi- do degrau” e “teste de 6 minutos”. Para avaliar a fle-
nhal. No futebol, há mudanças bruscas de direção e xibilidade, os testes “sentar e alcançar na cadeira” e
uso da cabeça. No atletismo, acontecem os saltos e “mãos nas costas” estão entre os mais utilizados. O
as corridas, atividades de grande impacto sobre as teste “timed up and go” é útil para avaliar a funciona-
articulações. Todo esporte apresenta seus riscos e lidade. Condições neuromotoras, como equilíbrio e
deve ser monitorado com auxílio de profissionais e coordenação motora geral, podem ser mensuradas
da família. Antes e durante toda a prática, exames pela bateria de proficiência motora de Bruininks-O-
clínicos devem ser checados seguindo protocolos seretski (BOT-2).

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Outro aspecto muito importante a ser avaliado é Peso e estatura podem ser avaliados até os 36
o crescimento e o estado nutricional de jovens com meses de idade. O perímetro cefálico, até 24 meses.
síndrome de Down (T21). Para avaliar este aspecto, Recomenda-se que sejam utilizados os percentis
as curvas de crescimento desenvolvidas no Brasil são para a interpretação das curvas. Crianças com peso
de extrema importância (Bertapelli et al., 2017b, Ber- acima do percentil 95 podem apresentar risco de
tapelli et al., 2017a). As curvas de peso-para-idade, obesidade. As crianças com peso abaixo do percen-
estatura-para-idade, perímetro cefálico-para-idade til 5 podem apresentar risco de desnutrição. O IMC
e IMC-para-idade são apresentadas na Figura 2. Para também é uma curva adequada para monitorar o
utilização, todas as curvas podem ser acessadas na pá- estado nutricional. O IMC pode ser avaliado dos 2
gina da internet da Sociedade Brasileira de Pediatria: aos 18 anos. Para interpretação do IMC, utiliza-se a
http://www.sbp.com.br/departamentos-cientificos/ fórmula: Peso em quilogramas dividido pela estatura
endocrinologia/graficos-de-crescimento/. em metros elevado ao quadrado (Kg/m2).

Figura 2. Curvas de crescimento para crianças e adolescentes com síndrome de Down


(T21)) do sexo masculino e feminino na faixa etária entre 0 e 20 anos.
Reprodução

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A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades físicas e esportivas são extrema-


mente importantes para o desenvolvimento da pes-
soa com síndrome de Down (T21). Toda atividade
apresenta seus benefícios e riscos e devem ser con-
duzidas por profissionais habilitados e acompanha-
da em função das características individuais. Quan-
do bem planejadas, as atividades físicas e esportivas
melhoram a saúde geral e proporcionam de forma
eficaz a inclusão social. Antes e durante a prática de
quaisquer atividades, avaliações criteriosas devem
ser conduzidas por equipe multidisciplinar e apoio
da família, de modo a promover a segurança e a efi-
cácia nas atividades. Embora os estudos científicos
sejam crescentes no campo da atividade física e es-
portiva para pessoas com síndrome de Down (T21),
pesquisas científicas devem focar os benefícios fí-
sicos, psicológicos e sociais de crianças e adultos.
Para almejar a adesão e manutenção das atividades
nos diversos ambientes, políticas públicas devem
ser criadas e asseguradas para a promoção da inclu-
são social, saúde e qualidade de vida de crianças e
adultos com síndrome de Down (T21).

127
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

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128
A IMPORTÂNCIA DOS EXERCÍCIOS E ATIVIDADES FÍSICAS NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

129
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

14. Mercado de trabalho:


avançando na capacitação
e prosperando no
emprego apoiado
POR JESSICA PEREIRA CARDOZO*
FLAVIA AMARAL CORTINOVIS **
E MARIANA GALVÃO***

E
ste capítulo tem como objetivo contribuir para a difusão de ini-
ciativas assertivas e positivas na temática do trabalho para pes-
soas com síndrome de Down (T21), considerando práticas e pro-
jetos de profissionais que se dedicam a colaborar para a formação
de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. De maneira expositi-
va, pretende-se apresentar as principais conquistas teóricas sobre o
tema, costurando-as com experiências profissionais de sucesso.

* Coordenadora técnica da Associação Amor pra Down das unidades de Balneário Camboriú e Itajaí/SC. Graduada em Psicologia - Universidade do Vale
do Itajaí, 2011. Mestrado em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí, 2017. Capacitação/especialização em síndrome de Down - Centro de Estudos e
Pesquisas Clínicas de São Paulo, 2013. Capacitação em Enriquecimento Instrumental - PEI, Feuerstein Institute, 2013. Capacitação em Socionomia e Sociop-
sicodrama - Escola Role Playing/Instituto de Políticas Relacionais-São Paulo/SP, 2011.

** Formada em Administração de Empresas pela PUC Campinas. MBA em Gestão Empresarial pela FGV/SP e MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV/
RJ. Uma das idealizadoras e coordenadora do projeto Beleza em todas as suas formas, de capacitação e inclusão de pessoas com deficiência intelectual no
mercado de trabalho. É sócia-educadora na empresa CONSOLIDAR DIVERSIDADE

*** Mestrado em Administração de Empresas (PUC-Rio). Graduada em Comunicação Social (PUC-Rio), com cursos de extensão em “Inclusão da pessoa com
deficiência no mercado de trabalho” (PUC-Rio) e em “Acessibilidade Cultural” (UFRJ). Atuou na Escola de Gente - Comunicação em Inclusão (2011-2013). É
gerente do Projeto K – Knowledge for Action no Funbio - Fundo Brasileiro para a Biodiversidade.

130
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

As pessoas com deficiência ainda passam por dem obstruir sua participação plena
dificuldades na sua participação social e na possibi- e efetiva na sociedade em igualdade
lidade de serem reconhecidas em uma base iguali- de condições com as demais pes-
tária de direitos, como sujeitos de vez e voz, como soas (ONU, 2006).
qualquer cidadão. Os desafios perpassam a aceita- Destaca-se que este conceito está ancorado no
ção familiar, a inclusão no ensino regular e principal- modelo social de compreender a deficiência, que re-
mente a possibilidade de viver uma vida adulta, com flete todo o movimento de revisão do papel desse
trabalho e relacionamentos afetivos, emancipados grupo na sociedade. De acordo com Fletcher (1996)
de seus cuidadores. o modelo social atribui a responsabilidade à socie-
Destaca-se que o processo de inclusão no Brasil dade que, ao não ser acessível e inclusiva, exclui esse
já tem avanços significativos, porém, ainda existem grupo. Logo, esta perspectiva deixa claro que a par-
muitas lacunas, no que diz respeito à efetivação dos ticipação da pessoa com síndrome de Down (T21)
direitos adquiridos. deve ser autêntica e não simbólica ou manipulada,
Reconhecendo o valor da história das pessoas ptara que verdadeiramente possa cultivar a constru-
com deficiência e o árduo caminho para se chegar à ção de sua própria identidade e gerenciar a própria
inclusão e ao respeito à diversidade que se tem hoje, vida. Para tanto, é dever de todos eliminar as barrei-
este texto enaltece as possibilidades e o futuro dis- ras que impeçam a plena participação na sociedade
ponível e próspero deste público. De partida, pon- (DINIZ, 2007).
tua-se que esta produção está alinhada aos valores Diante de tantos desafios, escolheu-se aqui en-
e princípios expressos na Convenção da ONU sobre focar a temática do mercado de trabalho para pes-
os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), ra- soas com síndrome de Down (T21). Uma constatação
tificada pelo Brasil como emenda constitucional e inegável relacionada a este público, é o distancia-
efetivados na Lei Brasileira de Inclusão - LBI. Por- mento entre o mercado de trabalho e as pessoas
tanto, é fundamental mencionar a compreensão do com deficiência. Ainda são poucas as pessoas com
conceito de deficiência adotado pelas autoras. a síndrome de Down (T21) inseridas no mercado for-
De acordo com a Convenção de Direitos das mal de modo competitivo, que tenham uma rotina
Pessoas com Deficiência: de vida circundada por responsabilidades, com o ge-
Pessoas com deficiência são aque- renciamento dos próprios salários e possibilidade de
las que têm impedimentos de lon- desenvolver uma carreira.
go prazo de natureza física, mental, O trabalho para a pessoa com deficiência é en-
intelectual ou sensorial, os quais em tendido como atividade fundamental para a manu-
interação com diversas barreiras, po- tenção da vida adulta e das relações sociais, visto

131
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

que repercute e compõe a identidade e a autono- quistas preliminares no campo da educação. Sem a
mia das pessoas, além de favorecer a autoestima. As pretensão de introduzi-las na íntegra, mas para reco-
políticas públicas têm auxiliado na promoção desta nhecer seu valor e anos de luta, citam-se a Declara-
inserção, pois percebem que o trabalho é a conti- ção de Salamanca (UNESCO, 1994); Lei de Diretrizes
nuidade necessária para a participação social efetiva e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996);
das pessoas com deficiência (CARDOZO, 2017). Política Nacional de Educação Especial na Perspecti-
Segundo a Relação Anual de Informações So- va da Educação Inclusiva (2008); e o Plano Nacional
ciais (RAIS, 2016) do Ministério do Trabalho e do de Educação (Lei n° 13.005/2014).
Emprego (MTE), do total de 46,1 milhões de víncu- Com relação ao direito ao trabalho, é imprescin-
los empregatícios formais, 418 mil foram declarados dível citar a influência da Organização Internacional
como trabalhadores com deficiência, o que repre- do Trabalho (OIT) - agência da Organização das Na-
senta menos de 1% do total. ções Unidas (ONU), especializada no tema do traba-
Ainda é possível observar uma discrepância lho, com publicações, recomendações e Convenção
entre os tipos de deficiência das pessoas que par- nos anos de 1925, 1955, 1983 e 2004.
ticipam do mercado de trabalho. Desse grupo, 49% No Brasil, após a deliberação da Lei nº 8.213
possuem deficiência física, 19% deficiência auditiva, (1991), conhecida como Lei de Cotas, há maior fo-
13% deficiência visual e somente 8% deficiência inte- mento da inclusão no trabalho, pois a lei dispõe da
lectual. São ainda contabilizadas 2% de pessoas com obrigatoriedade das empresas com 100 (cem) em-
deficiências múltiplas e 9% de (RAIS, 2016). pregados, ou mais, preencherem uma parcela de
O distanciamento entre o número de pessoas seus cargos com pessoas com deficiência. A partir
com deficiência e a porcentagem destas inseridas dessa lei, houve um aumento e uma exposição da
no mercado de trabalho, atribui-se ao desconheci- necessidade de empregá-los, entretanto ainda pou-
mento de metodologias apropriadas, a ausência de cos jovens e adultos exercem uma atividade profis-
acessibilidades, o descumprimento da legislação, e sional efetiva e permanente.
principalmente questões culturais, como preconcei- Assim como foi uma lei específica, imprescindí-
tos e atitudes. Estes fatores dificultam a participa- vel para a regulamentação do trabalho, as questões
ção das pessoas com deficiência na sociedade e não que envolvem a pessoa com deficiência ainda de-
só no mercado de trabalho (CEZAR, 2010; SOUZA, mandam políticas públicas de maneira geral. Com
2010; SARTORI, 2011). isso, finalmente em 2015, foi promulgada a Lei Brasi-
É conveniente sobressaltar que os avanços da leira de Inclusão (Lei n° 13.146).
inclusão na vida adulta e na possibilidade de ocupar Seu escopo está dividido nos direitos funda-
espaços em mercados competitivos advêm de con- mentais da pessoa com deficiência e no Capítulo VI

132
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

(sobre o direito ao trabalho), a Seção I faz referência tudinais; V - realização de avaliações


à Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho. periódicas; (Lei n° 13.146/2015, grifo
Nesta se destacam a acessibilidade, a igualdade de das autoras).
oportunidades e a proibição de discriminações. A Evidencia-se que a noção do trabalho com
Seção II referencia a implementação destes serviços, apoio aparece de forma clara na legislação, apesar
para que possam ser capacitadas para o trabalho de ainda não encontrarmos programas e incentivos
que lhes seja adequado e ter perspectivas de obtê- governamentais que esclareçam ou fomentem tais
-lo, de conservá-lo e de nele progredir. Para este es- oportunidades. Em suma, das principais inovações
tudo, é interessante delimitar de forma mais precisa trazidas no direito ao Trabalho e Previdência Social,
alguns itens da Seção III, sobre a Inclusão da Pessoa contidas no Capítulo VI, destacam-se as seguintes:
com Deficiência no Trabalho: estímulo à capacitação simultânea à inclusão no
Art. 37. [...] Parágrafo único. A colo- trabalho; previsão de inclusão profissional por meio
cação competitiva da pessoa com de trabalho com apoio; criação do direito ao Auxí-
deficiência pode ocorrer por meio lio Inclusão, benefício de renda complementar ao
de trabalho com apoio observadas trabalhador com deficiência que ingressar no mer-
as seguintes diretrizes: I - priorida- cado de trabalho, que receba ou tenha recebido o
de no atendimento à pessoa com Benefício de Prestação Continuada (mas ainda sem
deficiência com maior dificuldade de regulamentação).
inserção no campo de trabalho; II - Após a apresentação das leis que favorecem a
provisão de suportes individualiza- inclusão profissional, é pertinente destacar as in-
dos que atendam a necessidades es- fluências e subjetividades que rodeiam o desenvol-
pecíficas da pessoa com deficiência, vimento da pessoa com síndrome de Down (T21) ao
inclusive a disponibilização de recur- longo desse ciclo vital.
sos de tecnologia assistida, de agen-
te facilitador e de apoio no ambiente SENTIDO DO TRABALHO E TRABALHO PARA AS
de trabalho; III - respeito ao perfil PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN (T21)
vocacional e ao interesse da pessoa
com deficiência apoiada; IV - oferta Mesmo com a efetivação de todos os direitos
de aconselhamento e de apoio aos previstos na Lei Brasileira de Inclusão, as pessoas
empregadores, com vistas à defini- com síndrome de Down (T21) adultas ainda precisam
ção de estratégias de inclusão e de ultrapassar as barreiras que seus pais e familiares
superação de barreiras, inclusive ati- impõem por amor e excesso de zelo, e a sociedade

133
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

complementa por falta de informação ou informa- MOW (1987) definir o trabalho como emprego remune-
ção desatualizada. rado – mesmo que seja um emprego por conta própria
Montobbio e Lepri (2007) apontam que as infor- - há outros sentidos que extrapolam a compensação
mações dispostas na sociedade sobre o jovem com financeira, já que em diversos estudos, a maior parte
síndrome de Down (T21) evidenciam em demasia a dos entrevistados afirma que trabalharia mesmo que
sua impossibilidade de desempenhar papéis no mun- não precisasse da remuneração (MOW, 1987; MORIN,
do dos adultos, devido à incapacidade do amadure- 2001; MORSE & WEISS, 1955).
cimento e da dificuldade da construção de uma vida Dentre os sentidos comuns à literatura do sen-
autônoma. A eles é destinada uma obstinada proibi- tido do trabalho, aparecem: o prazer e a realização
ção social e cultural de seguir rumo ao mundo adulto, pessoal, a interação social e a própria centralidade
o que acaba por evidenciar uma proibição de crescer. do mesmo que, por sua vez, aparece associada ao
É imprescindível avançar no contraponto das tempo que se dedica ao trabalho. O momento em
questões de autonomia, trazendo à tona a superpro- que as pessoas com deficiência não estão no traba-
teção que circunda a vida dos mesmos. lho, ou a falta dele, são remetidos ao tédio e falta de
A partir de todo o percurso iniciado e realizado propósito (GALVÃO, 2017; CARDOZO 2017; LIMA et
por pais e profissionais, atentos e a frente do seu al, 2013), enquanto o tempo em que se está no tra-
tempo, hoje eles não lutam sozinhos por este espa- balho é um momento de felicidade.
ço no trabalho, pois pessoas com deficiência vêm O trabalho como fonte de dignidade aparece
ocupando seus lugares e indicando o que almejam nos estudos da pessoa com deficiência como um
para si. Nesta perspectiva é necessário e sensível co- sentido emergente, para as pessoas com síndrome
nhecer qual é o sentido que as próprias pessoas com de Down (T21), a fala aparece como se quem não tra-
síndrome de Down (T21) atribuem ao trabalho. balhasse fosse malandro. A dignidade, portanto, es-
É sabido que o trabalho pode ser considerado taria associada à remuneração que permite a inde-
uma esfera de grande relevância na vida, seja pelo pendência - “ganhar para gastar” (CARDOZO, 2017).
retorno financeiro que o caracteriza (MOW, 1989), Como consequência dessa dignidade, mesmo
seja pelas outras atribuições de sentido por parte que apresentada de maneiras distintas, está o em-
de quem o exerce – tais como a integração social, poderamento dessas pessoas com deficiência, afinal,
o sentimento de prazer e realização (MORIN, 2001). as mesmas foram consideradas incapazes e inúteis
Os estudos sobre o sentido do trabalho tiveram socialmente durante muitos anos; sendo inclusive
início em meados dos anos 50 (MORSE; WEISS, 1955), denominadas como tal. Em dois dos mais recentes
ganhando mais espaço com Hackman e Oldhan (1976) estudos que relacionam o sentido do trabalho e a
e o grupo de trabalho MOW (1987). Apesar de o grupo pessoa com deficiência, Galvão (2017) e Cardozo

134
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

(2017), as falas dos entrevistados fazem a relação da ção, mas negativo pela limitação da independência.
infância com a brincadeira, e da vida adulta com o Neste sentido, conhecer e executar uma metodo-
trabalho, trazendo como consequência a atribuição logia que contribua para o acesso e permanência no
de responsabilidades. mercado de trabalho para pessoas com síndrome de
Outro sentido emergente para esse grupo é o Down (T21), é fundamental para efetivar este direito.
trabalho como forma de impacto positivo na socie-
dade, sendo “simultaneamente, uma forma de em- INCLUSÃO PROFISSIONAL E EMPREGO APOIADO
poderar o outro e de se auto empoderar” (GALVÃO,
p. 73, 2017). A partir do panorama exposto até o momento,
Apesar de central na vida da pessoa com defi- será apresentada adiante a metodologia do Empre-
ciência, o trabalho não é, geralmente, considerado go Apoiado. A fim de enriquecer os conhecimentos
a esfera de maior relevância, pois tem sua centrali- teóricos desta metodologia, será compartilhado
dade compartilhada com a família (GALVÃO, 2017; um caso de inclusão profissional que utiliza esta
CARDOZO 2017). Para as pessoas com deficiência perspectiva.
intelectual, o papel da família está relacionado à pro- O Emprego Apoiado surgiu na década de 1970
teção e segurança, além de ser aquela que “permite nos Estados Unidos, com o objetivo de modificar
incidir a possibilidade da criação da cultura do tra- o quadro de exclusão de grupos com dificuldades
balho, bem como a efetivação da inserção e perma- em se inserir no mercado de trabalho e garantir uma
nência (ou não) em atividades profissionais” (CAR- permanência com equidade e qualidade. É uma me-
DOZO, p. 96, 2017). todologia de colocação profissional e inclusão eco-
A remuneração, que é considerada o fator de nômica de pessoas marcadas pela invisibilidade ou
definição do trabalho, aparece para as pessoas com segregação, consonante ao conceito de desenvolvi-
deficiência como uma consequência positiva do mento inclusivo.
trabalho, mas não como gerador de sentido. Para o Hoje o Emprego Apoiado está consolidado em vá-
grupo com síndrome de Down (T21) entrevistado no rios países, a partir de movimentos e associações de
estudo de Cardozo (2017), por exemplo, essa remu- grande magnitude que trazem sua representatividade
neração não é considerada imprescindível no intuito e disseminação. Muitos desses países têm estabeleci-
de garantir a sobrevivência e subsistência – pois esta do políticas públicas, regulamentação jurídica e formas
costuma ser oferecida pela família, que também aca- de financiamento e incentivo à metodologia.
ba por gerir a remuneração. Isso faz com que essas Algumas entidades e iniciativas de referência
pessoas tenham relações de dependência muito for- no trabalho, publicação e divulgação do Emprego
te, o que pode ser considerado positivo pela prote- Apoiado pelo mundo são: Association of People

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Supporting Employment First (1988), que incorpo- cliente em todas as fases é o consultor em Empre-
ra os estados americanos; Asociación Española de go Apoiado. O consultor é visto como um mediador
Empleo con Apoyo (AESE, 1993); European Union of que, desde o início do processo, tende a utilizar os
Supported Employment (EUSE, 1993) que congrega apoios naturais já disponíveis na empresa para de-
17 países europeus; World Association for Supported senvolver as estratégias de treinamento e inclusão
Employment (WASE, 1995) que contém represen- planejadas na primeira fase do Emprego Apoiado
tantes de diversos continentes; entre outras tantas (BETTI, 2011; 2014).
(CARDOZO, 2017). Barbosa Junior e Nunes (2016) resumem que
No Brasil, Romeu Sassaki (2014) foi o precursor as duas principais correntes que mais desenvol-
da metodologia, ele relata que a partir de 1988, co- vem pesquisas sobre o uso do método do Empre-
meçaram a ser divulgadas as primeiras informações go Apoiado são a americana (WEHMAN; BRICOUT,
sobre a prática do Emprego Apoiado, sendo a Asso- 1999; WEHMAN; REVELL, 1998; WEHMAN, 2012) e
ciação Carpe Diem (São Paulo) a primeira a implan- a europeia ( JORDÁN DE URRÍES, VERDUGO; RIO,
tar o Programa de Emprego Apoiado, em 1996. Pre- 2006; VERDUGO; URRÍES, 2007; VERDUGO et al.,
cedida por outros grupos de trabalho, em 2014 foi 2012).
instituída a ANEA - Associação Nacional do Empre- Nos Estados Unidos, são apresentadas três
go Apoiado, a fim de associar todos os que estejam etapas clássicas de desenvolvimento do processo
implicados na questão laboral de pessoas com de- inclusivo das pessoas com deficiência: 1) desenvol-
ficiência e que desejem ajudar no desenvolvimento vimento de um perfil vocacional onde é realizada
do Emprego Apoiado no Brasil (ANEA, s/d). uma avaliação psicológica e funcional, não restrita
A metodologia do Emprego Apoiado tem ações à aplicação de testes e instrumentos padronizados,
pré-definidas com diretrizes centradas na pessoa e sendo as informações coletadas também por meio
com foco nas capacidades, que levam em considera- da observação, de entrevistas e da realização de ati-
ção o perfil individual e preveem o acompanhamen- vidades na própria comunidade; 2) desenvolvimento
to de um ‘técnico/consultor/apoio’ durante todo o de emprego, em que ocorre a procura por um traba-
processo. Existem diversas fases e etapas do Empre- lho que se encaixe no perfil do cliente. Para conse-
go Apoiado que consideram ações prévias ao mo- guir esse objetivo, o consultor em Emprego Apoiado
mento da contratação, ações de apoio no posto de deve criar um emprego customizado para seu clien-
trabalho e ações de monitoramento, até o eventual te, auxiliado por uma análise das funções e de todas
desligamento do trabalhador da empresa (BETTI, as variáveis que envolvem o ambiente de trabalho;
2011; MATOS, 2013; REDIG, 2014). 3) acompanhamento da pessoa com deficiência no
O profissional responsável por acompanhar o novo trabalho, nessa etapa ocorre a realização do

136
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

treinamento no local de trabalho e a disponibiliza- que queria trabalhar e ter o seu próprio dinheiro, para
ção de apoio contínuo. ajudar em casa, assim como os outros dois irmãos, e
Para ampliar a compreensão a respeito das fases para comprar pizza no dia do seu aniversário.
do Emprego Apoiado, este capítulo adota a defini- Elucidando a fase 1 de Compromisso com o
ção estabelecida pela Associação Europeia de Em- cliente, esclarece-se que cliente é entendido como
prego Apoiado (EUSE, 2010) no manual, intitulado a própria pessoa com deficiência, por ser ela a peça
Caixa de Ferramentas, produzido com o objetivo de central de todo o processo. Nessa fase inicial se
difundir diretrizes e informações sobre a aplicação estabelece a relação entre a entidade que aplica a
do método. O grupo definiu a utilização de cinco fa- metodologia do Emprego Apoiado, na figura do
ses: 1) compromisso com o cliente; 2) perfil profis- consultor, e a pessoa que necessita de apoio para
sional; 3) busca do emprego; 4) compromisso com o desenvolver as suas capacidades através de um tra-
empresário; e 5) apoio dentro e fora do ambiente de balho remunerado e/ou de forma autônoma.
trabalho. Os conceitos utilizados também se funda- O compromisso com o cliente denota que todo
mentam no empoderamento, inclusão social, digni- o processo deve ser pautado pelos seguintes princí-
dade e respeito. pios e valores: respeito, autodeterminação, escolhas,
A seguir será apresentado o detalhamento de empoderamento, confidencialidade, flexibilidade,
cada uma das 5 (cinco) fases da metodologia do Em- acessibilidade e individualidade. O principal objeti-
prego Apoiado no modelo europeu e práticas reali- vo desta fase é garantir que a parte interessada es-
zadas por uma das autoras na inclusão de João1, 20 teja bem informada sobre o processo de Emprego
anos, pessoa com deficiência intelectual em uma Apoiado e eleja uma organização/consultor de apoio
Operadora de Planos de Saúde em 2017. adequado (EUSE, 2010).
A decisão de utilização do modelo europeu, des- Deve-se garantir que a comunicação seja to-
crito pela EUSE, e não pelo americano, deu-se pelo talmente acessível e apropriada ao cliente. A EUSE
entendimento das autoras de que um processo pode recomenda a adoção de uma abordagem personali-
ser melhor executado e replicado quanto maior o zada ao longo das cinco fases do Emprego Apoiado.
detalhamento de cada uma de suas partes, por pro- Pode-se dizer que nesta fase são estabelecidos os
piciar um melhor entendimento dos conceitos. elos de compromisso e confiança entre o cliente e o
João é um jovem adulto, caçula de três filhos e consultor.
vive com toda a família na baixada fluminense. Todos No exemplo da Operadora, esse elo foi formado
eles trabalham e, para João, trabalhar era o seu maior e fortalecido através de encontros que aconteceram
sonho. Não tinha claro o que queria fazer, só sabia principalmente na instituição de apoio à pessoa com
1 Para preservar a identidade do cliente, foi utilizado um nome fictício.
deficiência que João frequentou desde bebê. João

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GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

aceitou o apoio do consultor no processo de empre- sou eu? Qual é o meu histórico? Quais são meus
gabilidade e desenvolvimento do trabalho enten- desejos? Quais são os meus desafios? Quais são os
dendo a importância do próprio protagonismo ao meus medos? Em que sou muito bom? Quais são as
longo de todo o processo. minhas paixões? Quais são os meus sonhos e me-
Dando continuidade à fase 1, a próxima fase (2) tas? As respostas foram estimuladas pelo consultor
é chamada de perfil profissional, cujo objetivo é ter e debatidas com o cliente, para certificar-se que re-
a melhor combinação possível das habilidades e das fletiam verdadeiramente os seus sentimentos e per-
necessidades de apoio do cliente, aos requisitos do cepções e não os dos seus pais e/ou familiares.
trabalho e ao do empregador como resultado final. Também foram realizadas entrevistas com os
Todas as informações devem ser utilizadas como seus responsáveis, irmãos, cunhada e ex-terapeu-
matéria-prima para o desenvolvimento de um perfil tas para a construção do perfil social e comporta-
profissional detalhado, que leve em consideração as mental do cliente, considerando a investigação de:
experiências anteriores do indivíduo, suas preferên- histórico do profissional; cultura familiar; situações
cias, competências e aspirações. habituais; forma de lidar com as situações da vida;
Fazer com que o cliente participe direta e inte- vínculos familiares; vínculos sociais; autonomia; e
gralmente da construção desse planejamento como independência.
protagonista da sua própria história, também é um Todas essas informações foram essenciais para
dos objetivos dessa fase. Com o planejamento cen- que o consultor conhecesse seu cliente e, principal-
trado na pessoa, o cliente tem a oportunidade de de- mente, para que o próprio indivíduo tomasse as de-
senvolver sua percepção acerca das oportunidades cisões mais assertivas em relação à sua vida, carreira
de emprego, os desafios e obstáculos do mercado profissional e o desejo de receber o apoio do consul-
de trabalho e do apoio que necessita para alcançar tor nesse processo.
as suas aspirações. João não havia tido um trabalho formal anterior-
Justamente pelos princípios e valores anterior- mente, porém foi voluntário durante dois anos na
mente mencionados, a aprovação final do planeja- instituição que frequentou, executando atividades
mento é do cliente. No caso da Operadora, o perfil na Recepção e nos consultórios dos terapeutas. A
pessoal e social do cliente foi traçado a partir do uso partir dessa experiência foi possível identificar a sua
de ferramentas que proporcionaram reflexões e au- preferência por trabalhar com atendimento ao públi-
toconhecimento ao cliente, com o objetivo de que co e organização de espaços.
tivesse clareza sobre a própria vida. Com os valores do Emprego Apoiado e as infor-
Foram levantadas algumas perguntas dispara- mações bem definidas, a abordagem centrada dire-
doras, que nortearam a composição do perfil: Quem tamente em João e sua decisão de contar com apoio

138
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

na sua primeira inclusão no trabalho, iniciou-se a Um dos métodos de busca de emprego desen-
fase 3, chamada de busca do emprego. volvido ao longo dos anos pelos provedores de Em-
A EUSE (2010) explica que a busca do empre- prego Apoiado é chamado de ‘emprego customiza-
go pode ser realizada através de diversos formatos: do’, que consiste em criar um trabalho identificando
pelo próprio cliente, através do consultor, de forma partes de um trabalho ou tarefas específicas que o
informal “boca a boca”, por empresas especializadas empregador precisa que sejam realizadas e que se
na intermediação de emprego, seguindo realmente encaixem nas capacidades da pessoa. Esse método
a essência de uma busca. O formato a ser utilizado é exige que tanto o empregador, quanto o consultor
específico para cada pessoa, conforme planejamen- usem a imaginação e a criatividade (EUSE, 2010).
to desenvolvido pelo consultor. O manual da EUSE explica que a criação do em-
Evidencia-se que além do suporte ao cliente, prego é muito eficaz, principalmente para pessoas
também deve-se atender às necessidades do em- com deficiência intelectual, mas alerta sobre o risco
pregador, pois para que o processo de Emprego de que é possível que o emprego possa não durar
Apoiado funcione, tanto o candidato, quanto o em- muito ou que a pessoa não tenha oportunidades de
pregador, têm que se beneficiar e satisfazer desta promoção profissional. Neste sentido, é fundamen-
relação. O consultor deve ter experiência tanto para tal que tanto o cliente, quanto o consultor, estejam
prover o apoio ao cliente, como para entender as sempre atentos e críticos a estas situações.
demandas da empresa. Com esse conhecimento or- Entretanto, justifica-se a relevância dessa fase,
ganizacional, é possível o desenvolvimento de pro- pois cotidianamente percebe-se, no mercado, que
cessos de inclusão de pessoas com deficiência que existem empregadores que oferecem oportunida-
agreguem valor tanto para a pessoa como para a des às pessoas com deficiência, porém sem defini-
empresa (EUSE, 2010). ções claras das atividades a serem realizadas. Por
Para que as pessoas com deficiência tenham não terem conhecimento das habilidades e poten-
condições de exercer atividades que privilegiam cialidades desses candidatos, isso resulta em uma
suas potencialidades, o consultor deve analisar as inclusão não satisfatória para ambas as partes.
oportunidades oferecidas pelos empregadores e Essa prática acaba gerando frustração tanto
identificar as que têm maior compatibilidade com para a pessoa que não desenvolve todo o seu po-
o perfil do cliente. O consultor deve prever as ati- tencial no trabalho, como para o empregador que
vidades que poderão ser executadas, analisando-as acaba preconcebendo a inclusão como um proble-
detalhadamente, a fim de identificar as adaptações ma e não como uma oportunidade de qualificar seu
metodológicas e/ou instrumentais que irão favore- ambiente organizacional em um ambiente que res-
cer o sucesso da inclusão. peita e valoriza a diversidade.

139
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Diante desse cenário, voltando à experiência de Verificação de todos os consultórios e realização


com João, a responsabilidade pela busca do em- de reposição dos itens faltantes” em concordância
prego foi do consultor e a escolha de apresentar a com o prazer de organizar, identificado nas etapas
oportunidade à Operadora se deu pelo fato das ati- anteriores.
vidades estarem de acordo com as preferências do Após a apresentação da Operadora de Plano de
cliente e por estar localizada em bairro próximo ao Saúde, sua missão e visão, a exposição das facilida-
do cliente. des de locomoção até o local e clarificação das ativi-
Com o objetivo de conhecer o ambiente organi- dades que seriam desenvolvidas, João a selecionou
zacional da Operadora de Planos de Saúde e even- como seu local trabalho.
tuais oportunidades de melhoria de processo que Segundo a EUSE (2010) a fase 4, compromisso
pudessem ser incorporadas à descrição de função com o empresário, define que o empregador tam-
do profissional com deficiência, o consultor realizou bém deve ser visto como um cliente pelo consultor,
entrevistas com três representantes de cada área. da mesma maneira que é o cliente com deficiência.
Nas entrevistas realizadas com os médicos, por Sendo assim, deve ter as suas necessidades e aspi-
exemplo, o consultor identificou que, embora todos rações respeitadas e atendidas.
tivessem exaltado a Operadora, houve uma recla- As empresas e empregadores precisam saber
mação unânime sobre a falta de itens necessários que suas responsabilidades vão além da mera con-
no consultório para a realização das consultas mé- tratação da pessoa com deficiência. Do ponto de
dicas. Esse mesmo fato foi identificado por outras vista do Emprego Apoiado, essas necessidades in-
duas áreas, Recepção e Enfermagem, porém relata- cluem treinamento em questões sobre a deficiência,
do como motivo de conflito entre a própria área e os conhecimento dos programas de apoio, financia-
médicos. mento e conhecimento de como oferecer soluções
A partir do enredo revelado pelas entrevistas, o práticas para questões de saúde e segurança no lo-
consultor identificou uma oportunidade de melhoria cal de trabalho. É frequente que os próprios empre-
no processo diário de preparação dos consultórios, sários solicitem consultoria para desenvolver boas
propondo a centralização da responsabilidade des- práticas de inclusão e introduzir políticas de empre-
tas tarefas, no profissional com deficiência, o que an- go relacionadas com a deficiência.
tes era dividido entre outras áreas, sem efetividade. Um dos princípios fundamentais da metodolo-
Por essa razão, foram realizados ajustes na des- gia do Emprego Apoiado é o de “Exclusão Zero”, isto
crição da função, que acarretou no desenvolvimento é, todas as pessoas têm direito a um emprego dig-
de um cargo customizado com a inclusão da ativida- no e remunerado. O objetivo dessa fase também é
de “Verificação dos itens básicos descritos na Lista compartilhar esse valor com o empregador, para que

140
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

ajustes necessários na função a ser desempenhada, profissional.


sejam percebidos com naturalidade e não como um Betti (2011) orienta que no início da difusão da
impeditivo ou privilégio do cliente assistido pela metodologia, a mediação fique concentrada no con-
metodologia. sultor de emprego apoiado, mas com o tempo se es-
Independentemente da necessidade apresenta- tabeleça que a principal fonte de apoio deve ser os
da pelo empregador, o consultor deve recomendar apoios naturais da empresa, ou suporte natural. O
a realização de um encontro que pode ser no for- suporte natural na empresa indicado para João, foi
mato de reunião, palestra ou workshop com todos seu chefe imediato, sendo este responsável por for-
os empregados. No caso de grandes empresas, esse necer os apoios necessários, além de orientações e
encontro deve ser realizado, ao menos, com todos resolução de dúvidas.
os colegas de trabalho da área que receberá o pro- A última etapa, a fase 5, consiste no apoio dentro
fissional com deficiência. e fora do ambiente de trabalho. Em um modelo tra-
Sugere-se que nesse encontro seja abordada a dicional de entrada no mercado de trabalho, a lógica
metodologia do Emprego Apoiado, apoios disponí- mais comum é a de “Formação - Colocação”. Esse foi
veis, forma de realizar o acompanhamento e perio- o caminho que a grande maioria das pessoas seguiu
dicidade, desmistificação da deficiência do profissio- para se tornar profissional (EUSE, 2010).
nal e definição do suporte natural. Porém, na metodologia do Emprego Apoiado,
No exemplo da Operadora de Planos de Saúde, muda-se o enfoque para “Colocação - Capacitação -
o consultor apresentou o resultado do diagnósti- Manutenção do emprego”. Ou seja, realoca-se a eta-
co organizacional realizado ao empregador, para pa de “Capacitação”, que acontece após a entrada da
alinhamento das atividades a serem implementa- pessoa na empresa, com a mediação do consultor
das, em função de possíveis melhorias de processo e não mais como pré-requisito para a conquista da
identificadas. vaga.
Também foram acordados outros ajustes para Com isso a capacitação é realizada em contexto
a função, como horário de trabalho e trabalho aos real, levando em consideração a cultura e demais as-
finais de semana. Por se tratar de uma empresa de pectos organizacionais específicos de cada empresa
médio porte, foi realizado um workshop com 4 (qua- e as habilidades e potencialidades da pessoa, tanto
tro) horas de duração sobre temas relacionados à aquilo que a pessoa sabe, como o que pode apren-
Diversidade e Inclusão. Foi apresentada também a der e desenvolver.
rotina de trabalho do profissional com deficiência, A metodologia do Emprego Apoiado também
os apoios disponíveis e os procedimentos aces- oferece suporte aos colegas para ensinar e apoiar
síveis definidos para atender às necessidades do o novo empregado, tanto quanto possível, estabe-

141
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

lecendo possíveis apoios naturais; apoio à empresa sobre higiene pessoal (Figuras 5 e 6); capacitação do
para adaptar e tornar acessíveis os seus procedi- chefe imediato e demais colegas de trabalho, para que
mentos; e apoio ao profissional com deficiência, para também atuassem como apoios naturais no desenvol-
que este possa assumir o seu novo cargo, aprender vimento das atividades do dia a dia do profissional.
e trabalhar em igualdade de oportunidades, em um Alguns exemplos de adaptação de materiais reali-
mercado competitivo (EUSE, 2010). zados e da capacitação sobre higiene pessoal:
Segundo o manual (EUSE, 2010), o apoio indivi-
dualizado que um profissional com deficiência rece-
be, tanto dentro, como fora, do ambiente de trabalho

Reprodução
permite que a pessoa aprenda novas atividades, tenha
apoio durante a execução, com procedimentos aces-
síveis e adaptados à sua própria necessidade e, com
isso, mantenha-se atuante no mercado de trabalho.
Normalmente, o apoio inicial do consultor é mais in-
tensivo e demanda mais tempo. Contudo, este apoio
deve estar sempre disponível, quando qualquer uma
das partes o solicitar, mesmo que seja após um longo
período.
Com João, o acompanhamento dentro do traba-
lho foi pautado na adaptação de procedimentos com
o detalhamento do passo a passo, de cada parte do
processo, contendo imagens e também breve escrita
(Figura 1); desenvolvimento de “Lições Ponto a Pon-
to - LPP”: ferramenta de capacitação em formato vi-
sual, de apenas uma página, para mostrar detalhes
de como realizar um processo de forma autônoma e
também para reforçar comportamentos e posturas
desejadas na execução das atividades (Figuras 2 e 3);
desenvolvimento de lista de verificação (check list) dos
itens que não poderiam faltar nos consultórios com
uso de fotografias e plastificado para evitar necessida-
Figura 1
de de impressão diária de cópia (Figura 4); orientação

142
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

Reprodução

Figura 2 Figura 3

143
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Reprodução

Figura 4
Reprodução

Figura 5 Figura 6

144
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

No decorrer dos treinamentos no trabalho, per-

Reprodução
cebeu-se que João tinha uma grande dificuldade
para a realização de algumas atividades que exigiam
destreza na coordenação motora fina e na amplitu-
de de movimento, tais como: cortar carnês, gram-
pear papéis, fechar caixas de papelão, arquivar docu-
mentos em pastas, entre outros.
Como não foi encontrada nenhuma alternativa
de adaptação dos materiais utilizados para a realiza-
ção dessas atividades, a solução proposta pelo con-
sultor, foi a de desenvolver vídeos com exercícios de
psicomotricidade específicos, sobre as atividades
que deveriam realizar na empresa. A intenção foi de
gerar desafios de auto desenvolvimento ao profis-
sional com deficiência, para que realizasse os exer-
cícios com disciplina, fora do horário de trabalho e, Figura 8
dessa maneira, adquirisse habilidades que não pos-
suía (Figuras 7, 8 e 9).
Reprodução

Figura 7 Figura 9

145
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

O consultor também realizou reuniões com os cesso da condução destas práticas mencionadas,
pais e sugeriu a inclusão de algumas atividades co- em que se estabelece relações potencializadoras de
tidianas, a serem realizadas em casa, para exercitar a aprendizagem e desenvolvimento a todos os que
responsabilidade, compromisso, além do desenvol- com ela se encontram.
vimento das habilidades manuais. A valorização da mediação realizada pelo con-
Outra questão levantada foi a solicitação para sultor no caso de João e da Operadora de Planos de
que houvesse um reforço nos cuidados pessoais, tais Saúde, provou a proximidade de um caminho fértil
como, corte de unha, barba e cuidado com o unifor- de possibilidades, que instrumentalizou a empresa,
me. Nesse segundo ponto, os pais foram envolvidos seus familiares e principalmente João para a prática
para a construção de uma estratégia conjunta com de trabalho.
o profissional, família e empregador.
A presença do consultor foi se reduzindo a partir CONCLUSÃO
da terceira semana, em que João havia entrado na
empresa, e passou a ser esporádica, conforme acor- O enredo proposto neste capítulo procurou dis-
dado a partir da compreensão de João e da Opera- cutir a temática do trabalho para pessoas com sín-
dora, a partir do terceiro mês. drome de Down (T21). Buscou-se contextualizar a
Atualmente João não precisa mais de apoio para legislação que ampara a inclusão profissional para
a realização das suas atividades cotidianas e a aten- pessoas com deficiência e a relevância do trabalho
ção com a sua aparência é muito elogiada por seus como composição da vida adulta e meio de perten-
colegas de trabalho e chefe imediato. Vez ou outra, cimento social, bem como a apresentação de um
João contata o consultor para contar fatos da sua caso de Emprego Apoiado, evidenciando a eficácia
vida, mas nem por isso demarca a necessidade de da metodologia.
algum tipo de apoio. A inserção é um primeiro passo necessário para a
Da parte da empresa, o apoio solicitado aconte- inclusão, contudo não é seu determinante. Pois mais
ce sempre que a empresa inicia uma nova atividade do que inseridas, as pessoas com deficiência devem
com João, com necessidade de adaptação de proce- ter seus potenciais reconhecidos, de modo que pos-
dimentos e treinamento. sam, assim como as demais pessoas, ver sentido na-
Vale registrar que este acompanhamento reali- quela atividade - para além de sua remuneração.
zado com João, dentro e fora da empresa, evidencia Para isso, é preciso que a sociedade reconheça
o que Cardozo (2017) destaca sobre a importância que a deficiência é característica de uma parcela de
da mediação feita pelos consultores. A mediação é sua população e que sua participação seja realizada
reconhecida como a principal responsável pelo su- a partir de métodos e instrumentos que ofereçam

146
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

equidade de condições dentro da diversidade ine- dora de Planos de Saúde, materializou todas as con-
rente. O trabalho oferece à pessoa com deficiência jecturas legais, teóricas e do direito de acesso ao tra-
sentidos que não apenas a integram à sociedade, balho. Evidenciou que o apoio centrado na pessoa, é
como traz à sociedade a possibilidade de enten- a chave da assertividade para a inclusão de pessoas
der a participação de cada um de acordo com seu com deficiência.
potencial. É possível dimensionar que tanto João, como
Inúmeros avanços foram realizados no campo a Operadora de Planos de Saúde, estão satisfeitos
metodológico por entidades de vários países para com a relação de trabalho construída e ambas as
a consolidação e disseminação da metodologia de partes estão autônomas da presença constante do
Emprego Apoiado. No Brasil, a falta de regulamen- consultor, embora considerem seu apoio em even-
tação, e consequente falta de financiamento dessa tual necessidade.
metodologia, limita a sua abrangência e coloca bar- Anteriormente, toda a ênfase era colocada na
reiras às pessoas com deficiência que, sem o apoio, descoberta das necessidades e capacidades dos
não conseguem acessar o mercado de trabalho. A candidatos a emprego. Deve-se reconhecer que as
regulamentação do Artigo 37 da LBI, permitirá, jun- entidades e consultores que prestam serviços de
tamente com a garantia de acessibilidade, em senti- Emprego Apoiado devem investigar mais as necessi-
do amplo, o cumprimento mais eficaz da reserva de dades dos empreendedores e estabelecer vínculos e
vagas prevista no artigo 93 da Lei 8.213/91. melhores formas de abordá-los. Precisamos ser cria-
Segundo dados da última RAIS (2016), menos tivos e flexíveis ao decidir como conduzir a busca e
da metade das empresas privadas (49,84%) que pos- prospecção de emprego, mas é através do acompa-
suem obrigação legal de contratação de pessoas nhamento e do treinamento de qualidade que será
com deficiência cumprem a lei. Apesar de alarman- possível viabilizar da melhor forma a inclusão profis-
te, esse percentual ainda representa um avanço se sional como um todo.
comparado ao de 2013, que era de 37,58% - ou seja,
dez pontos percentuais a menos em um período de
apenas três anos. Esse aumento poderia ser decor-
rente de diversos fatores, dentre eles: a conscien-
tização da importância da inclusão e vantagens da
diversidade organizacional, passando por uma maior
procura das próprias pessoas com deficiência, até o
simples aumento da fiscalização dessas empresas.
A experiência apresentada com João, na Opera-

147
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

REFERÊNCIAS mar/abr. 2013.


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148
MERCADO DE TRABALHO: AVANÇANDO NA CAPACITAÇÃO E PROSPERANDO NO EMPREGO APOIADO

149
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

15. Vida adulta de pessoas


com deficiência e a
importância das moradias
para a autonomia
e independência
POR FLÁVIA POPPE DE MUÑOZ*

O
Censo de 2010 do IBGE informa que cerca de 25% da po-
pulação brasileira, 45 milhões de pessoas, possui algum
tipo de deficiência. Destes, 39,6 milhões são adultos. Le-
vando em conta que existe uma relação direta entre o envelheci-
mento e a percepção de algum grau de deficiência (sendo a mais
comum a visual, seguida pela deficiência motora e auditiva), pro-
curei “isolar” o fenômeno dos impedimentos associados à velhice.
Utilizei apenas os números referentes às pessoas que declararam
ter “muita dificuldade” e “não conseguem de modo algum” de-

* Economista, MSc Planejamento Social na London School of Economics, consultora interna-


cional e Diretora do Instituto JNG – Projetos de Inclusão Social

150
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

sempenhar atividades funcionais devido a deficiên- portanto, dialogar com a sociedade como um todo e
cia reportada. Dessa forma, o número de pessoas não apenas com os “convencidos”.
afetadas pelo tema que tratarei – a fase adulta de O objetivo deste texto é jogar luz sobre a etapa
pessoas com deficiência – embora menor, ainda é de transição entre a adolescência e a fase adulta de
surpreendente para o nível de ausência de políticas pessoas com deficiência (PcD), fase naturalmente
públicas. Eram, em 2010, 15,8 milhões de pessoas. difícil para todos, mas pior quando não se pensa em
Esse número explica minha frequente surpresa ao estratégias para o fim do ciclo escolar, para entrar no
encontrar ao menos um dentre os vários interlocu- mercado de trabalho e para o envolvimento familiar,
tores com os quais interajo em sala de aula, palestras especialmente no que diz respeito às opções futuras
e mesmo em reuniões sociais, que possua alguma de moradias.
experiência com familiar ou filho de conhecido com O que significa ser uma pessoa adulta com defi-
deficiência. Se levarmos em conta que cada pessoa ciência, com ou sem autonomia, no Brasil?
com deficiência convive com um pai, uma mãe, em Inicialmente descreveremos alguns conceitos
média um irmão e que estes têm, cada qual, um par sobre a construção da autonomia para contextua-
de amigos, é inexorável que o “problema” esteja mui- lizar, num primeiro plano, as condições necessá-
to perto de você, embora pareça invisível. Ninguém rias para a vida adulta de pessoas com deficiência
fala, ninguém vê. O campo da projeção social e eco- e, num segundo plano, destacar a importância das
nômica das questões relacionadas às pessoas com moradias. Em seguida, serão descritos os diferentes
deficiência está na sombra das políticas públicas e modelos de moradias existentes e as características
da sociedade. Com a exceção do grupo que se dedi- que podem atender a diferentes estilos e objetivos
ca, estuda e se profissionaliza no assunto e seus fa- de vida.
miliares, de um modo geral parece ser cômodo atuar
como se o problema não existisse. São 16 milhões de 1. CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA NA TRANSIÇÃO
pessoas invisíveis. Ou melhor, sabe-se que existem, ENTRE A ADOLESCÊNCIA E A VIDA ADULTA DE PCD
estão por aí, mas não nos diz respeito ou é complica-
do demais “mexer com isso”. Entretanto, observan- Um dos fatores limitantes para a conquista de
do a trajetória de movimentos e lutas pela inclusão mais autonomia, para as pessoas com deficiência,
de grupos minoritários, constatamos que a socieda- são as barreiras físicas, sociais e de comportamen-
de pode passar por profundas transformações e se to que se interpõem cotidianamente em suas vidas.
abrir, tornar-se humanamente mais diversa e rica. O As deficiências se tornam maiores ou menores em
primeiro desafio para tratar qualquer assunto rela- função da seriedade dessas barreiras. Se degraus
cionado aos direitos das pessoas com deficiência é, fossem substituídos por rampas ou elevadores, por

151
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

exemplo, facilitaríamos a mobilidade de pessoas tes deficientes; e (3) o endosso ao modelo social não
com impedimentos motores e essa “deficiência” significa que as intervenções individuais baseadas
praticamente desapareceria. Se pessoas com baixa na ciência médica da reabilitação e educação sejam
estatura conseguissem manipular comandos numa desaconselhadas, ao contrário, a visão da deficiência
altura acessível, sua deficiência praticamente desa- como um problema social amplia seu escopo de en-
pareceria. Um semáforo sonorizado permitiria que tendimento e de soluções.
pessoas cegas atravessem as ruas sozinhas e com
segurança. A técnica de leitura fácil em exposições 1.1 - Do Ponto De Vista Da Família Ou Do Cuidador
e museus permitiria que pessoas com comprome- Podemos explorar o modelo social da deficiência
timento intelectual aproveitassem melhor um pro- de diversas formas, mas neste texto pretendo tocar
grama cultural. Esses e milhares de outros exemplos num tema delicado, que são as barreiras de atitudes
refletem inúmeras oportunidades de inclusão social muitas vezes criadas por desinformação dentro das
perdidas todos os dias. As incontáveis falhas em próprias famílias. O tipo de educação e atitude dos
processos de planejamento, que não levam em con- pais e familiares podem levar crianças com deficiên-
ta a simples existência de PcD, são oportunidades cia a se desenvolverem com mais ou menos auto-
desperdiçadas para a construção da autonomia de nomia. Não é incomum encontrarmos justificativas
pessoas com deficiência. Não se trata apenas de ser para a superproteção e a atitude de não expor um fi-
bonzinho e “facilitar” a vida “deles”, mas de dar auto- lho às várias situações de hostilidade, preconceito e
nomia, independência e, sobretudo, trata-se de evi- discriminação que poderia enfrentar nos ambientes
tar gastos com apoios dispensáveis em ambientes pouco acolhedores. Entretanto, esse “trade-off” ou
planejados de forma “inclusiva”. Sem falar do prazer troca acaba sendo nocivo. Quando pais e familiares
que é conviver com tanta diversidade pois, no míni- não enfrentam a sociedade pela remoção de barrei-
mo, aprende-se muito. ras e sim, tentam proteger seus filhos, contribuem
A perspectiva de remoção de barreiras é im- para a permanência dessas barreiras. É duro, mas é
portante e se baseia, do ponto de vista teórico, no assim. Acreditam que acertam protegendo, mas o
modelo social da deficiência descrito por OLIVER resultado é o oposto.
(2009) e aqui resumido em três aspectos: (1) o mo- O livro de Pascal Jacob (2016)1 traz dois depoi-
delo procura deslocar o foco das limitações funcio- mentos contrastantes de mães que revelam suas ati-
nais de certos indivíduos com impedimentos para os tudes, mais protetoras ou mais motivadoras, para a
problemas causados por ambientes, barreiras e cul- construção da autonomia de seus filhos, ambos com
turas deficientes; (2) procura analisar problemas es- deficiência, que ilustram essa diferença.
pecíficos de forma isolada e separada dos ambien- 1 Pascal Jacob (2016) – Il n’y a pas de citoyens inutile, pp 23 a 27

152
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

No primeiro depoimento, a mãe de R. compara pensar em alguma coisa, mas eu não sei se tenho a
o nascimento e as perspectivas de desenvolvimento coragem de vê-lo sem mim”.
de seu segundo filho, que nasceu com deficiência, O primeiro depoimento retrata uma atitude com-
com o de sua primeira filha (sem problemas diagnos- prometida e segura sobre a importância de ensinar
ticados no nascimento). Ela relata que, com a primei- e perseguir a autonomia para seu filho, apesar dos
ra, era como se houvesse uma rota social já traçada obstáculos. “Confiar na pessoa com deficiência para
através da escola, de amigos, do lazer, tudo feito para que ela possa adquirir um importante grau de inde-
que a filha crescesse e desenvolvesse sua autono- pendência é uma questão fundamental no círculo
mia crescendo. Com o nascimento de R., percebeu familiar” (JACOB, 2016). O segundo relato expressa
que os obstáculos começaram a surgir levando-os uma visão superprotetora e, de certa forma, medro-
rapidamente para rotas alternativas desconhecidas. sa sobre as possíveis consequências negativas ao
Ao longo do relato, a mãe de R. expressa seu anseio expor seu filho com deficiência para a sociedade.
por entender os ambientes e suas barreiras, e ques- Qual das duas pessoas com deficiência, em seus
tiona se é seu filho que não tem condições de ser respectivos ambientes familiares, teria melhores
autônomo ou se é “a máquina social que reduz suas condições de passar à vida adulta com mais auto-
chances”. Conclui dizendo, “...como pais, o desejo de nomia? Dentre os mais de 15 milhões de brasileiros
promover a autonomia é um motor para ultrapassar com percepção de incapacidade devido a algum
os milhares de obstáculos que a vida nos impõe”. tipo de deficiência, qual seria a atitude predominan-
No segundo depoimento, a mãe de 71 anos de Y., te na cultura da família brasileira? A da mãe que luta
começa afirmando que Y. “não pode viver sem mim”, para eliminar barreiras impostas por uma sociedade
e relata sua história em torno das limitações de seu que não enxerga a existência das pessoas com defi-
filho, do fato dela ter aberto mão de sua vida profis- ciência ou aquela que protege seu filho, preferindo
sional para cuidar do filho, e da decisão de não deixar influenciá-lo a não aceitar um trabalho desejado por
Y. trabalhar, porque foram aconselhados a agir des- ele com medo que seja discriminado? Seja qual for
sa forma quando Y. expressou desejo de trabalhar. a resposta, o propósito não é “culpar” a família pe-
Infelizmente ela concordou que Y. não trabalhasse, las consequências do grau de autonomia que seus
porque pensou que ele não teria condições. Ao final filhos adquirem, mas, sim, tentar identificar as ati-
do relato a mãe de Y. expressa sua maior preocupa- tudes positivas e negativas para serem trabalhadas
ção na fase de vida atual, aos 71 anos, “...como será durante os processos de amadurecimento e passa-
o amanhã quando eu não puder mais ajudá-lo? Ele gem para fase adulta, ajudando-os a superar as bar-
tem 30 anos menos que eu e eu nunca pensei nele reiras sociais. Nenhuma boa solução para a inclusão
sem mim. Eu sempre o vi através de mim. Eu deveria social de pessoas com deficiência é do tipo “one size

153
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

fits all” (tamanho único), ou seja, ao final, cada caso as políticas públicas não acompanharam essa evo-
é um caso, e cada família possui sua própria cultura lução. Não é à toa que boa parte dos direitos garan-
e identidade. Mas é preciso acreditar no desejo de tidos por lei não foram sequer regulamentados, ou
emancipação de cada sujeito, com os recursos que seja, não se transformaram em políticas públicas. O
possuem e levando em conta o contexto social. Os mais comum, atualmente, é que os jovens concluam
familiares devem se informar e buscar todo tipo de o ensino médio e se deparem com um grande va-
apoio necessário para ajudar as crianças e jovens zio. Não há escolas de capacitação para trabalhos e
com deficiência a sonhar, realizar e projetar uma vida empregos apoiados, os espaços para socialização e
própria. lazer são restritos e circunscritos a grupos fechados
em geral organizados pelos pais, e a ideia de sair de
1.2 – Do Ponto de Vista das Políticas casa e morar sozinho ainda parece inatingível para a
A transição para a vida adulta não é tarefa fácil maioria. Mas não deveria ser assim porque já não é
para ninguém. Num mundo ideal e de oportunida- assim em muitos países.
des para todos, muito cedo os jovens são levados O National Collaborative on Workforce and Di-
a decidir sobre o tipo de formação profissional que sability2 (NCWD/YOUTH) é uma organização, locali-
gostariam de ter para continuar estudando e serem zada em Washington D.C., criada para garantir que
capacitados para, no futuro, terem uma ocupação os jovens em idade de transição para a vida adulta
produtiva. Também, chega o momento de “sair da tenham acesso total a serviços de alta qualidade em
casa dos pais” e talvez essa seja uma das passagens contextos integrados para obter educação, empre-
mais marcantes para a vida adulta. A vida se alonga go e vida independente. Em uma de suas publica-
diante dos olhos de um jovem que passa a ter seu ções – Guia para o Sucesso3 - são apresentadas al-
próprio espaço, aprendendo a assumir tarefas do- gumas necessidades comuns a todos os jovens que
mésticas num ritmo e forma muito próprios. enfrentam a transição para a vida adulta, entre elas
Para os jovens com algum tipo de deficiência tutoria, gestão e planejamento financeiro, serviços
esse trajeto se faz por rotas alternativas, mas graças de promoção da saúde com orientação para a saúde
às políticas de educação inclusiva, e muitos outros reprodutiva, apoios para programas pós escola se-
avanços na luta pelos direitos das pessoas com de- cundária de capacitação para ingresso no mercado
ficiências, hoje é possível ser um jovem com defi- de trabalho, e moradias. Chama a atenção a forma
ciência com condições, ambições e anseios por uma
2 http://www.ncwd-youth.info/about-us/
vida adulta independente. Se por um lado os avan-
ços e conquistas durante a fase escolar resultaram 3 http://www.ncwd-youth.info/wp-content/uploads/2018/03/Guide-
em jovens adultos com mais condições, por outro, posts-for-Success-English-Print-Quality-1.pdf

154
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

positiva com a qual essa organização trata os aspec- to fundamental para o repouso de cada um, para
tos e dificuldades da transição para a fase adulta de a restituição de nossa integridade como pessoa. O
forma generalizada e não apenas para aqueles com espaço físico da nossa casa absorve hábitos, gos-
algum tipo de deficiência. tos e estética, ritmos de vida, necessidades que vão
Com relação à vida independente, a organi- sendo administradas de acordo com cada pessoa.
zação Ability Housing do Reino Unido possui ex- A partir da nossa casa, a vida se organiza. Se para
periência de mais de vinte anos com o modelo de qualquer adulto esse espaço é de suma relevância,
moradia independente, com apoio individualizado, para as pessoas com deficiência é vital porque, em
e possui cerca de 700 apartamentos na região su- geral, os outros pilares da vida adulta – formação
deste de Londres. Todos moram sozinhos, ou com profissional, espaços de convivência e encontros so-
algum amigo ou parceiro e recebem algum tipo de ciais – são raros ou inexistentes.
apoio individual permanente ou parcial. A direção da Do ponto de vista das políticas públicas, o Siste-
organização afirma que a experiência de morarem ma Único de Assistência Social (SUAS) oferece Re-
sozinhos leva a uma redução gradual do apoio que sidências Inclusivas4 que é uma unidade do Serviço
inicialmente precisam devido à possibilidade e moti- de Acolhimento Institucional, no âmbito da Proteção
vação de desempenharem suas tarefas domésticas Social Especial de Alta Complexidade. Ela se dedica
dentro de sua própria casa, um aprendizado natural. a jovens e adultos com deficiência, em situação de
A ausência de políticas públicas específicas, para dependência, que não disponham de condições de
adultos com deficiências no Brasil, comparada com autossustentabilidade ou de retaguarda familiar, em
a experiência internacional, indica que estamos atra- sintonia com a Tipificação Nacional dos Serviços So-
palhando o desenvolvimento da autonomia de pes- cioassistenciais5 (BRASIL - MDS, 2014).
soas com deficiência quando se tornam adultos e, A Convenção dos Direitos das Pessoas com De-
possivelmente, mantendo ou aumentando o custo ficiência (Decreto 6949/09 – Artigo 19 – acordo in-
social e econômico da dependência. ternacional que o Brasil ratificou) estabeleceu que

4 A Residência Inclusiva tem o propósito de romper com a prática do


2. MORADIAS: PEDRA ANGULAR DA VIDA ADULTA
isolamento, de mudança do paradigma de estruturação de serviços de
acolhimento para pessoas com deficiência em áreas afastadas ou que
Ter uma casa é estruturante. É a partir desse es- não favoreçam o convívio comunitário. São residências adaptadas, com
paço de privacidade que se delimita a linha imaginá- estrutura física adequada, localizadas em áreas
ria entre o “eu” e os “outros”, tão importante para a 5 Resolução 109 do Conselho Nacional de Assistência Social - Proteção
Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade,
noção das responsabilidades e para o convívio so- em http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/
cial. Cada casa se constrói com privacidade, elemen- Normativas/tipificacao.pdf

155
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

as moradias constituem um direito das pessoas com safios para resolver o déficit habitacional que afeta,
deficiências: especialmente, a população de baixa renda.
a) As pessoas com deficiência po- O SUAS vem atendendo, de forma bastante li-
dem escolher seu local de residência mitada, a demanda de moradias para pessoas com
e onde e com quem morar, em igual- deficiência em situação de vulnerabilidade, dentro
dade de oportunidades com as de- da perspectiva da assistência social. Segundo FIETZ
mais pessoas, e que não sejam obri- (2017), dados do observatório do programa Viver
gadas a viver em determinado tipo sem Limites6 indicam que existem hoje no Brasil 205
de moradia; moradias inclusivas cofinanciadas e 108 inaugura-
b) As pessoas com deficiência de- das, com a adesão de 155 municípios e seis gover-
vem ter acesso a uma variedade de nos estaduais. Se considerarmos que cada moradia
serviços de apoio em domicílio ou pode acolher, no máximo oito residentes, temos um
em instituições residenciais ou a ou- cenário no qual, em todo o país, há 2.504 vagas, na
tros serviços comunitários de apoio, melhor das hipóteses, oferta muito aquém da real
inclusive os serviços de atenden- necessidade. Pior, o pouco que existe não atende os
tes pessoais que forem necessários requisitos mínimos garantidos por lei.
como apoio para que as pessoas Recente relatório do Observatório de Direi-
com deficiência vivam e sejam incluí- tos Humanos7, sobre as condições das residências
das na comunidade e para evitar que e instituições que acolhem crianças e adultos com
fiquem isoladas ou segregadas da deficiência, indica que o Brasil, ainda hoje, vive uma
comunidade; situação vergonhosa. Foram feitas observações di-
c) Que os serviços e instalações da retas durante visitas a 19 instituições de acolhimento
comunidade para a população em (conhecidas no Brasil como abrigos institucionais e
geral estejam disponíveis às pessoas casas-lares), incluindo 8 abrigos para crianças, bem
com deficiência, em igualdade de como 5 residências inclusivas para pessoas com de-
oportunidades, e atendam às suas ficiência. De acordo com o relatório,
necessidades. “...a maioria das pessoas com deficiência em
A garantia desses direitos depende, em boa par- instituições visitadas pela Human Rights Watch no
te, de políticas públicas voltadas para o setor de ha- Brasil vive isolada da sociedade e tem pouco mais
bitação social que, apesar de ter passado por ciclos
6 Programa Viver sem Limites - http://www.pessoacomdeficiencia.gov.
mais expansionistas e com aumento da oferta de br/app/viver-sem-limite
unidades habitacionais, ainda enfrenta enormes de- 7 https://www.hrw.org/pt/report/2018/05/23/318044

156
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

do que suas necessidades mais básicas atendidas, em certos períodos do dia (FYSON et al., 2007).
como alimentação e higiene. A maioria não tem Essa classificação traz conceitos que, dependen-
qualquer controle relevante sobre suas vidas, e fica do da combinação e da forma como são utilizados,
limitada pelo cronograma de atividades das ins- definem o tipo de moradia. No Brasil o uso desses
tituições e pela vontade dos funcionários. Muitas conceitos ainda é indiscriminado e nem sempre sa-
pessoas ficam confinadas em suas camas ou quar- bemos do que se trata quando os termos utiliza-
tos por longos períodos ou, em alguns casos, o dia dos não tem o cuidado de combinar corretamente
inteiro. Elas não podem fazer escolhas simples do o tipo de apoio com o tipo de moradia – individual
dia-a-dia que a maioria das pessoas faz sem sequer ou coletiva.
perceber, como quando e o que comer, com quem De acordo com estudos feitos, em 2001, pelo
se relacionar, qual programa de televisão assistir, ou Departamento de Saúde do governo da Inglaterra
se vai sair e participar de uma atividade de lazer.” 8
para examinar os custos e benefícios entre diferen-
Trata-se de um relato inaceitável do ponto de tes modalidades de moradias, as moradias indepen-
vista dos direitos humanos que precisa, urgente- dentes (“self-contained”) e as moradias em edifícios
mente, de mudanças profundas. Mas em que dire- comuns (“dispersed homes”) costumam privilegiar
ção? Para responder a pergunta, é preciso conhecer escolhas pessoais com mais frequência, propiciar
os modelos e propostas de moradias que existem. maior participação na vida da comunidade/bairro
e mais vínculos de relacionamento pessoal, além
2.1 – Modelos de Moradias de possuir uma equipe de apoio treinada e, muitas
A nomenclatura dos tipos de moradias varia de vezes, mais “sênior” na prática da construção da
país a país mas suas características são comuns e autonomia. As residências assistidas (“shared acco-
apenas duas: (1) se a pessoa vive sozinha ou com modation schemes”) ou mesmo as residências clí-
outros e, (2) se a pessoa recebe apoio pontual para nicas (“nursing homes”), por sua vez, costumam ter
ajudar no cumprimento de tarefas específicas ou se melhor planejamento de atividades, mais rotinas
o apoio é permanente e fica na residência. Na práti- preestabelecidas e organizadas, maior frequência e
ca, essas diferenças não são independentes uma da número de visitas ao centro de saúde e acompa-
outra, as residências assistidas comportam espaços nhamento médico, e menos exposição a crimes e
comuns como refeitório ou sala de estar e estão, em abusos (mais segurança). Neste caso, não é possível
geral, associadas com o apoio integral e organizado afirmar que um ou outro modelo é o melhor porque
por turnos e as moradias independentes possuem há evidencias de casos bem-sucedidos e com boa
espaços próprios (como cozinha, sala, quarto e ba-
8 Valuing People – A New Strategy for Learning Disability for the 21st
nheiro) e oferecem apoio individualizado e apenas century, 2001, Department of Health, Cm 5086

157
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

adaptação e satisfação por parte dos moradores em “...adultos vivendo em moradias in-
diferentes tipos de moradias (Department of Health, dependentes tinham maior capaci-
2001). dade de adaptação e melhor com-
Outra pesquisa publicada em 20149 investigou, portamento social do que os que
ao longo de 10 e depois 20 anos, as transições en- viviam em outros tipos de moradias,
tre os tipos de moradias por parte de mais de 300 mesmo quando comparados aos
jovens adultos com deficiência intelectual em Mas- que viviam nos esquemas comuni-
sachusetts e Wiscosin, nos EUA. As categorias de tários com espaços compartilhados
moradias utilizadas foram: (residências inclusivas/assistidas)”.
Com familiares – a pessoa mora com familiares Uma pesquisa mais recente (HUTCHING & CHA-
e, normalmente, depende do esquema e/ou super- PLI, 2017), foi feita em residências assistidas com 91
visão estipulada pela família adultos com deficiência intelectual em New Jersey,
Residências assistidas – compartilhamento de também nos EUA, e demonstrou que suas habili-
casas ou apartamentos por grupo de pessoas com dades funcionais e as oportunidades para adqui-
deficiência que recebe supervisão 100% do tempo ri-las sofrem um impacto direto da relação entre
Moradia independente – a pessoa com deficiên- o ambiente, o local onde mora e a atitude e forma
cia mora sozinha ou com amigos com supervisão de apoio prestada pela equipe. “Viver num ambien-
menor do que 100% do tempo te físico que não corresponde às necessidades da
Instituição, privada ou pública, com característi- pessoa é frustrante e desestimula a autonomia e
cas de clínica que, além da moradia, provê cuidados independência”. Nas entrevistas e interação com os
médicos e enfermagem (“nursing homes”). moradores para a realização da pesquisa surgiram
A pesquisa revelou que o número de pessoas queixas cotidianas e simples do tipo não gostar da
com deficiência intelectual morando em algum tipo iluminação do quarto ou da casa, de querer mais es-
de residência, fora da casa dos pais, dobrou entre paço para guardar suas coisas, de não gostar do tipo
1998 e 2011. O número de pessoas vivendo em re- de mobiliário, e outras pequenas grandes coisas que
sidências com menos de 6 pessoas passou de 29% provocavam um sentimento de não-pertencimento
em 1988 para 75% em 2011, revelando uma clara ten- naquele tipo de moradia.
dência para soluções mais personalizadas. A pesqui- Como todas as alternativas pesquisadas pos-
sa também revelou que, suem vantagens e desvantagens, é importante que
a escolha do melhor tipo de moradia para cada pes-
9 Woodman, Ashley et al. – Residential Transition among Adults with
soa seja feita de maneira informada e consciente
Intellectual Disability across 20 years; Am J Intellect Dev Disabil. 2014
November
sobre suas diferentes características específicas, e,

158
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

sobretudo, de acordo com a opinião e preferências Na medida em que os jovens com deficiência
da pessoa. chegam à vida adulta com mais recursos, condições
e vontade de ter uma vida autônoma e com mais in-
3. CONCLUSÃO dependência, eles mesmos começam a se compor-
tar como qualquer jovem que enfrenta a decisão de
Ter seu próprio espaço é o melhor ponto de par- “sair da casa dos pais”. Não é fácil, mas a ideia de
tida para a conquista de autonomia e independên- que esse é um processo natural vai se construindo
cia, como revela o depoimento de Noémie Nauleau, na cabeça dos jovens com deficiência. Pouco a pou-
extraído do livro de Pascal Jacob (2016). Ela relata co a questão das moradias vai deixando de ser um
o prazer de poder estar sozinha, quando quer, e do tema a ser debatido entre pais, familiares e formula-
controle sobre seu próprio espaço com uma “cha- dores de políticas para se transformar num objetivo
ve na porta”. Também descreve a importância de ter de vida dos próprios jovens com deficiência. Espe-
aprendido a pedir o que precisa e a dizer não para o ramos que, como a maioria dos movimentos sociais
que não quer. A deficiência física de Noémie a tor- que demandam mudanças nos paradigmas de com-
nou permanentemente dependente de apoiador/ portamento da sociedade, dentro de alguns anos
cuidador e seu relato sobre a experiência de passar possamos ter incorporado a pergunta sobre como
a viver em seu próprio apartamento inspira aqueles seria “esse espaço” se fosse utilizado por uma pes-
que gostariam de ter essa opção também no Brasil, soa com alguma deficiência motora/física, sensorial
“...para conhecer suas capacidades é preciso testar ou intelectual. Não estariam mais invisíveis.
seus limites ou, para ser mais exata, é preciso que
nos deixem testar nossos limites”10.
O exercício cotidiano das pequenas escolhas e
decisões que uma casa requer gera, naturalmente,
autonomia e um sentido de responsabilidade natu-
rais. Durante a vida adulta de pessoas com deficiên-
cia, a possibilidade de trabalhar as funcionalidades
do cotidiano doméstico em sua própria casa para
exercitar a autonomia torna-se um requerimento. O
horizonte de vida se expande na direção da expecta-
tiva de anos potencialmente vividos com qualidade,
como acontece com qualquer jovem adulto.
10 Pascal Jacob (2016) – Il n’y a pas de citoyens inutile, pp 18 e 19

159
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL – Censo Demográfico: Características gerais da população,
religião e pessoas com deficiência. IBGE, 2010.
DEPARTMENT OF HEALTH, UNITED KINGDON - Valuing People:
A New Strategy for Learning Disability for the 21st Century - A White
Paper, 2001
JACOB, P. – Il n’y a pas de citoyens inutiles, ed. Dunob, 2016
FIETZ, H M. Reflexões sobre família e deficiência a partir da reivindica-
ção por moradia assistida para jovens e adultos com deficiência intelec-
tual. In: V Encontro Nacional de Antropologia do Direito. São Paulo:
USP, 2017. Acesso em 08/10/2017: http://www.enadir2017.sinteseeven-
tos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=28
FYSON, R., TARLETON, B., WARD, L. – The impact of the Supporting
People programme on adults with learning disabilities (Findings), publi-
shed by Joseph RowntreeFoundation, 2007.
NATIONAL COLLABORATIVE ON WORFORCE AND DISABILITY –
Guideposts for Success, http://www.ncwd-youth.info/wp-content/
uploads/2018/03/Guideposts-for-Success-English-Print-Quality-1.pdf ,
acesso em 19-06-2018
OLIVER, M. Understanding Disability – From Theory to Practice, second
edition, 2009
PICKLER, L., HESS, J. – Transitioning Youth with Intellectual and Develo-
pmental Disabilities, in Health Care Transition, A.C. Hergenroeder, C. M.
Wiemann (eds), Spring Nature, 2018.
WOODMAN, A., MAILICK, M., ANDERSON, K., ESBENSEN, A., - Residen-
tial Transitions among Adults with Intellectual Disability across 20 Years,
Am J Intellect Dev Disabil. 2014 November; 119(6): 496–515, 2014.

160
VIDA ADULTA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A IMPORTÂNCIA DAS MORADIAS PARA A AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA

161
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

16. Envelhecimento:
desafios, perspectivas, e
possibilidades reais
na síndrome de Down (21)
iStockphoto

POR NANCI DE SANTA PALMIERI DE OLIVEIRA* E


PAULO ROBERTO CAMPAGNOLI DE OLIVEIRA**

A
As pessoas com Síndrome de Down (T21) estão vivencian-
do hoje a realidade da longevidade: o envelhe-
cimento. Já ao nascer, as expectativas são dife-
renciadas, com grupos de apoio à família, protocolos já
estabelecidos, intervenção precoce, evolução da medicina que
favorece a qualidade de vida, a inclusão escolar e social, a profis-
sionalização e inclusão no mercado de trabalho, a vida afetiva ati-
va, a autonomia nas atividades da vida diária, o que permite não
só a uma melhoria na qualidade de vida, como também chegan-
do muito próximo da expectativa de vida da população em geral.

* Médica pela UFPR. Residência em Pediatria no Hospital de Clínicas da UFPR. Pós Graduação em Genética Médica-PUC PR. Pós Graduação em Emergências
Clínicas-Hospital Sírio Libanês. Curso de especialização em Atualização profissional para o cuidado da Síndrome de Down –USP. Pós Graduanda em Síndro-
me de Down pela INESP. Foi médica do Ambulatório de SD do HC da UFPR por 17 anos.
** Médico pela UFPR. Residência em Pediatria no Pronto Socorro Infantil São Luiz.
Pós graduação em Medicina do Trabalho- FUNDACENTRO. Pós-graduação em Saúde Coletiva – PUC-PR. Especialização em Geriatria e Gerontologia- FAVI
e em Síndrome de Down. Preceptoria de Residência Médica- Hospital Alemão Osvaldo Cruz.

162
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

O envelhecimento populacional é um fenômeno deve ser comum a todos que se relacionarem com
mundial, tanto nos países desenvolvidos como nos pessoas com Síndrome de Down (T21), em qualquer
em desenvolvimento. Este fenômeno ocorre através fase da vida, deve ser o de obter um envelhecimen-
de uma transição demográfica que leva a uma mu- to saudável, ativo e solidário, com autonomia física e
dança na pirâmide populacional (CRUZ; CAETANO; mental ( JONES; LEE; ZHANG, 2011; WALKER, 2005).
LEITE, 2010). As pessoas com Síndrome de Down Não é simplesmente prolongar a duração da vida,
(T21) estão vivendo mais tempo também. mas vive-la com a mais alta qualidade (FIADOWN,
A expectativa de vida das pessoas com Síndro- 2015; SCHALOCK et al., 2016).
me de Down (T21) aumentou muito na segunda me- O caminho para uma vida saudável das pessoas
tade do século XX passando de 9 anos em 1920 para com Síndrome de Down (T21) é estar acompanhan-
12 anos em 1949, 25 anos em 1953, e de 60 a 65 anos do o indivíduo como um todo e, ao mesmo tempo,
atualmente. No Brasil, o aumento da expectativa de ter sob controle todos os seus possíveis riscos de
vida passou de 35 anos em 1991 para 55 anos em adoecer.
2000 (MARTINS; BARBOSA; SILVA, 2013). Devemos ter permanentemente a atenção volta-
Esses dados indicam que houve um aumento da para a prevenção, bem como o acompanhamen-
nos conhecimentos sobre a Síndrome de Down (T21), to adequado das situações previamente existentes.
um melhor entendimento das potencialidades e ne-
cessidades destes indivíduos, bem como avanços IMUNIZAÇÃO
científicos que permitiram uma atenção mais qua-
lificada à saúde. Mas por outro lado, também ficou A vacinação da pessoa com Síndrome de Down
mais evidente a necessidade de continuar buscando (T21) é a mesma da população em geral, porém em
novos conhecimentos e realizar novas pesquisas do algumas vacinas a resposta imunológica é menor e
ponto de vista biológico, social e cultural. mais lenta, em função da menor taxa de linfócitos T e
Hoje existe informação ampliada da necessida- B presentes ao nascimentos e associada à disfunção
de de se realizar um trabalho de intervenção precoce funcional destas células durante a vida (KUSTERS;
às pessoas com Síndrome de Down (T21), para que VERSTEGEN; VRIES, 2009). Existem alguns traba-
obtenham seu potencial amplamente estimulado e lhos que mostram diferentes respostas às vacinas,
tenham, na vida adulta, o melhor de cada indivíduo. como os realizados por Ferreira et al. (2004) onde
Com a expectativa de vida tão crescente, todos os a soro-conversão para a vacina de hepatite A em
investimentos realizados, em cada etapa da vida, te- crianças com síndrome de Down (T21) foi resposta
rão sua repercussão na terceira idade. positiva em 94%, e outro trabalho realizado por Ni-
Então, devemos ter claro que o objetivo, que sihara et al. (2015) com crianças e adolescentes com

163
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

síndrome de Down (T21) que foram vacinadas com independente da última dose da vacina antitetânica
esquema tríplice para Hepatite B e somente 47,6% (TT), ou da vacina dupla bacteriana (DT). Se não tiver
apresentou imunização efetiva para a vacina, com o feito o esquema básico, deverá fazer 3 doses, com
anticorpo anti-Hbs positivo. Mas mesmo assim de- intervalo de dois meses cada dose. Em ambos os ca-
ve-se proceder o esquema de vacinação proposto sos, deverá ser repetida uma dose a cada dez anos.
por todas as sociedades de especialidades, inclusive
no idoso. 5 – Vacina Hepatite A
Deverão ser feitas duas doses com intervalo de
1 – Vacina Influenza seis meses. Poderá ser feita também a vacina com-
A eficácia é de 70 a 90%. Deve ser aplicada uma binada para Hepatite A e B, sendo três doses, a se-
vez por ano. Importante administrar nos cuidadores gunda um mês após a primeira e a terceira após seis
também. meses. Deverá ser dada após avaliação sorológica
ou exposição ou surtos da doença.
2 – Vacina Pneumocócica
Para dar uma maior cobertura para as pessoas 6 – Vacina Hepatite B
com síndrome de Down (T21) o ideal é que seja feita Deverão ser feitas 3 doses, sendo a segunda
a partir dos 50 anos. Pode ser iniciada com a vaci- após um mês e a terceira após 6 meses. Poderá ser
na Pneumocócica 13 valente, depois de dois meses feita isolada ou combinada com a vacina para Hepa-
aplicar a vacina Pneumocócica 23 valente. Deverá tite A. Mesmo que já tenha recebido previamente o
ser feita uma segunda dose da Pneumocócica 23 va- esquema tríplice da vacina é importante que seja fei-
lente após 5 anos. ta a dosagem de anti-Hbs e caso seja não reagente
deverá ser revacinado.
3 – Vacina Herpes Zoster
Pode ser feita a partir dos 50 anos, dose única. 7 – Vacina Febre Amarela
Pode ser aplicada mesmo para os indivíduos que já Por ser uma vacina de vírus vivo atenuado exis-
tiveram Herpes Zoster, devendo ser respeitado um tem riscos potenciais para as pessoas com síndrome
intervalo de seis meses após a doença. de Down (T21), por apresentarem com mais frequên-
cia imunodeficiência, devendo ser avaliado indivi-
4 – Vacina Tríplice Bacteriana Acelular dualmente antes da sua aplicação. Para indivíduos
Vacina DTPa para Difteria, Tétano e Coqueluche. que residam em áreas endêmicas ou que precisem
Se já tiver feito o esquema básico, de três do- se deslocar para estas áreas deverá ser aplicada dez
ses, deverá ser feita uma única dose da vacina DTPa, dias antes.

164
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

8 – Vacina Meningocócica Conjugada ou dos seus cuidadores, para que isso ocorra, e se
É a vacina meningocócica conjugada dos soro- forem seus pais esta situação piora, porque eles se-
tipos A, C, W e Y. É feita uma dose única. Deverá ser rão idosos também. Então se torna muito importan-
aplicada sempre em caso de epidemia da doença. te o apoio a esta família.
Caso não tenha a possibilidade de se fazer a vacina Os idosos com síndrome de Down (T21) devem
ACWY poderá ser feita apenas a vacina Meningocó- ter, como em qualquer outra fase da vida, um acom-
cica C. panhamento abrangente incluindo os aspectos so-
ciais, emocionais, cognitivos, funcionais e de saúde.
9 – Vacina Tríplice Viral Muitas vezes se torna necessário uma equipe inter-
Vacina VTV para sarampo, caxumba e rubéola. disciplinar com médico, assistente social, psicólogo,
Nas pessoas idosas é incomum encontrar indiví- fisioterapeuta, enfermeiro, nutricionista, trabalhan-
duos suscetíveis a essas doenças, ficando portanto do em busca de um envelhecimento ativo, com uma
a aplicação somente em casos de surtos ou viagens. boa capacidade funcional, ou seja, capaz de realizar
uma atividade por si só. (FIADOWN, 2015).
CUIDADO À SAÚDE DO IDOSO COM SÍNDROME O envelhecimento pode levar a um aumen-
DE DOWN (T21) to da dependência e geralmente tem relação com
mudanças do ambiente familiar e ou social. Pode
Existem alguns problemas de saúde que são ocorrer isolamento, falta de estímulos, diminuição
mais frequentes nas pessoas com síndrome de das atividades e um quadro de depressão, que é o
Down (T21) do que na população em geral, sendo transtorno psiquiátrico mais frequente na síndrome
muito importante detectá-los precocemente. de Down (T21). Outros transtornos psiquiátricos são
Um dos grandes desafios para as pessoas com mais frequentes nos idosos com a síndrome do que
síndrome de Down (T21) é assegurar uma boa quali- nos jovens.
dade de vida para o idoso no contexto familiar, social A principal causa de morte em adultos e idosos
e no meio ambiente em que estão inseridos. com síndrome de Down (T21) é a infecção respira-
O envelhecimento já se inicia no momento do tória (CARFI et al., 2015). Transtornos de deglutição
nascimento e é fundamental que cada pessoa pro- em faringe e esôfago e lentificação do peristaltismo
mova a saúde em cada fase da vida, prevenindo os podem causar broncoaspiração e desencadear as
agravos e buscando um desempenho favorável a infecções.
cada dia (WALKER, 2005). Para as pessoas com a Existem algumas patologias que são menos
síndrome de Down (T21) este desafio é ainda maior frequentes que na população em geral, como os
pois eles necessitam do apoio dos seus familiares e/ tumores malignos, a hipertensão arterial e a pato-

165
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

logia cérebro vascular. Outras patologias são mais te sinais de envelhecimento com alterações na sua
frequentes e deverão ser acompanhadas segundo elasticidade, tornando-se mais elástica, foto-enve-
os protocolos específicos. As pessoas com síndrome lhecida e com rugas. Também é comum dermatite
de Down (T21) com idade avançada devem se bene- atópica, infeções fúngicas, xerosis e foliculite. Avalia-
ficiar de uma avaliação geriátrica integral continuada ção sempre que apresentar alteração.
e para isso segue uma orientação para os problemas
médicos específicos e seu acompanhamento. - Transtornos tireoidianos: a frequência da dis-
função tireoidiana aumenta nas idades mais avança-
- Transtornos visuais: entre os problemas mais das. Pode ser a causa de um declínio cognitivo tratá-
frequentes se destacam a catarata, o estrabismo, os vel. Avaliação anual.
distúrbios de refração e o ceratocone. Avaliação tri
anual. Assegurar o uso correto de lentes. - Obesidade: é muito frequente devido a alte-
rações do centro de saciedade cerebral, uma taxa
- Transtornos otorrinolaringológicos: os trans- metabólica baixa, baixos níveis de atividade física e
tornos auditivos neurossensoriais ocorrem em 70% síndrome da apneia obstrutiva do sono. Pelo menos
dos casos e se iniciam muito precocemente, de for- uma avaliação anual.
ma rápida e progressiva. A presença de cerume é
frequente e leva à obstrução do conduto auditivo - Enfermidade músculo esquelética e transtorno
externo, que geralmente é estreito. A apneia obstru- da marcha: o risco de osteoporose e de artropatia
tiva do sono ocorre em 50% dos casos, e pode se degenerativa são maiores e em idades mais preco-
manifestar com sonolência diurna excessiva, obesi- ce que a população em geral, podendo levar a fra-
dade, irritabilidade, depressão e hipertensão arterial turas, quando associada a alterações da marcha. A
(SMITH, 2001). A perda auditiva conduz ao isola- avaliação deve começar já no início da fase adulta. A
mento social e falta de estímulos cognitivos. Avalia- instabilidade atlanto-axial deve ser feita sempre que
ção anual. Assegurar o uso adequado de próteses apresentar sintomas ou antes de iniciar atividade
auditivas. física.

- Transtornos convulsivos: a frequência das cri- - Transtornos cardiológicos: muitos já submeti-


ses convulsivas aumenta com a idade. Assegurar o dos à correção das cardiopatias, doença valvar ad-
uso adequado da medicação. quirida tem uma incidência de 8 a 48%, principal-
mente prolapso da valva mitral e refluxo aórtico em
- Transtornos da pele: aparecem precocemen- adultos. ( JENSEN; BULOVA, 2014). Avaliação anual.

166
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

emocional e porque é difícil diferenciar da demên-


- Transtornos digestivos: disfagia orofaríngea cia. O transtorno psiquiátrico também é frequente
é um transtorno da deglutição por diminuição dos no espectro autista, que é dez vezes mais comum na
movimentos peristálticos faríngeos e esofágicos e síndrome de Down (T21) ( JENSEN; BULOVA, 2014).
diminuição da sensibilidade faríngea. E fundamen-
tal seu diagnóstico pra prevenir bronco aspiração e - Demência: antes de definir o diagnóstico de
consequente infecção respiratória. A doença celíaca demência é importante fazer o diagnóstico diferen-
ou sensibilidade ao glúten ou ao trigo são mais fre- cial de hipotireoidismo, depressão, apneia do sono,
quentes que a população em geral. A avaliação deve perda auditiva, perda de visão, epilepsia, déficit de
ser feita sempre que houver suspeita clínica. ácido fólico, vitamina B12. A demência mais comum
na síndrome de Down (T21) é a doença de Alzheimer.
- Transtornos bucais: higiene buco dental diária.
Controlar o uso da dentadura ou da prótese dental. - Doença de Alzheimer: independente do enve-
Avaliação periódica com o dentista. lhecimento a síndrome de Down (T21) tem um risco
maior de desenvolver Alzheimer, e seu início é mais
- Sexualidade: as pessoas com síndrome de precoce que na população em geral, sendo em tor-
Down (T21) tem direito a ter vida sexual ativa e hoje no de 40 anos. A prevalência estimada para a sín-
isso acontece na prática, o que leva a uma preocupa- drome de Down (T21) é de 25% aos 40 anos, 45%
ção dos pais, cuidadores e familiares próximos sobre aos 55 anos, 56% aos 60 anos (ESBENSEN; SELTZER;
gravidez indesejada, exploração sexual ou abuso e KRAUSS, 2008), e em 2017 foi detectado no Reino
doenças sexualmente transmissíveis. Perante esta Unido o índice de 80% aos 65 anos (HITHERSAY et
situação se torna importante a orientação dos mé- al., 2017). Na síndrome de Down (T21) os primeiros
todos contraceptivos, principalmente os preservati- sintomas podem ser distúrbios do sono, apatia, mu-
vos. Importante tanto para o homem como para a dança na personalidade, convulsões e incontinência
mulher realizar os exames preventivos anualmente. urinária. As ferramentas tradicionais para o diagnós-
tico como o minimental não são confiáveis nas dis-
- Transtornos psiquiátricos: o transtorno psi- capacidades. Existem duas ferramentas específicas
quiátrico mais frequente é a depressão, sendo tam- que podem ser utilizadas para o diagnóstico e evo-
bém frequente a ansiedade e transtornos obsessivo lução que são: o questionário do comportamento
compulsivo. Podem se manifestar como um declínio adaptativo da demência – ABDQ (PRASHER; FA-
das habilidades. O diagnóstico em idades avançadas ROOQ; HOLDER, 2004) e o Camdex R – avaliação
é complexo pela dificuldade para expressar o estado do cognitivo.

167
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

Adultos Idosos
Provas tireoidianas Provas tireoidianas

Hemograma (anual) Hemograma (anual)

Glicemia de jejum, Triglicerídeo e


Exames Glicemia de jejum, Triglicerídeo e Lipidograma*
Lipidograma*

Rx de coluna cervical** Rx de coluna cervical**

Ecocardio ** Avaliação cardiológica

Visão (trianual) Visão (trianual)

Avaliações Audição (anual) Audição (anual)

Avaliação ginecológica (anual) Avaliação ginecológica (anual)

Posicionamento do pescoço Posicionamento do pescoço

Atividade física Atividade física

Alimentação saudável e cuidado com


Alimentação saudável e cuidado com obesidade
obesidade

Hábitos de vida saudáveis Hábitos de vida saudáveis

Socialização Socialização

Escolaridade e preparo para emprego Inclusão social e econômica

Estimular independência e inclusão no


Estimular autocuidado e autonomia para a AVD e AVDI mercado de trabalho - autonomia para a
AVD e AVDI
Orientações Risco de exploração sexual Risco de exploração sexual

Cuidado com sinais de Alzheimer e


Comportamento social adequado
depressão

Risco de lesão cervical pelo uso de compu-


Risco de lesão cervical pelo uso de computador e esporte
tador e esporte

Observar presença de transtorno obsessivo


Observar presença de transtorno obsessivo compulsivo
compulsivo

Cuidado com apneia do sono Cuidado com apneia do sono

Presença de gravidez Presença de gravidez

Planejamento financeiro e cuidados com o


futuro

Quadro 1 – Exames e orientações para adultos e idosos com síndrome de Down (T21)

168
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

O tratamento da doença de Alzheimer é pratica- cromossomos também têm genes que fazem par-
mente suportivo e os medicamentos mais utilizados te na interação de reações e ciclos metabólicos que
são os inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, acontecem na síndrome de Down (T21) e suas re-
rivastigmina e galantamina) e o antagonista do re- percussões clínicas. Podemos citar como exemplo o
ceptor do glutamato N-metil-D-aspartato (meman- gene ASPA, cromossomo 17, que é responsável pela
tina) que apresentam eficácia com pequena melhora integridade da mielina; o gene ITGA2B, cromossomo
na função cognitiva e global e perda funcional tem- 17, que é responsável pelo funcionamento das pla-
porariamente (Emre, 2009; Winslow, 2011). O trata- quetas, entre muitos outros (OBEID et al, 2016).
mento não medicamentoso inclui rotina regular, usar Com esta complexidade ainda não estão bem
listas e lembretes, perguntar uma coisa de cada vez claras as condutas entre o que se usar ou não
e aguardar a resposta, reorientar o paciente sempre usar para melhorar ou desacelerar o processo do
que necessário, dividir as tarefas em partes menores envelhecimento.
e mais simples, encorajar as ações de atividade diá- Existem muitos genes do cromossomo 21 já co-
ria, estimular o laser e a atividade física (VALE et al, nhecidos e alguns relacionados ao cognitivo como:
2011; KIKUCHI, 2009). APP – Proteína Precursora do Amilóide, responsá-
vel pela deposição neuronal de placas de amiloide e
PERSPECTIVAS que parece colaborar para as dificuldade cognitivas;
SOD1 – Superóxido Dismutase que tem um possível
O envelhecimento na síndrome de Down (T21) papel na doença de Alzheimer e nas disfunções imu-
hoje é uma realidade graças a todos os avanços que nes; DYRK1A – Quinase que através das suas ações
ocorreram na medicina, na inclusão social, na acei- acarreta uma neurogênese anormal.
tação familiar, na intervenção precoce, na inclusão Essas alterações levam a um estresse oxidativo,
escolar, na luta pelos direitos legais, na sexualidade. que cursa com um processo inflamatório, tanto do
Junto com este processo ficou evidente a necessi- aparelho digestivo como do sistema neurológico.
dade de se buscar maior conhecimento que permita Então, todos os processos que possam minimizar o
intervir neste envelhecimento que ocorre de forma processo oxidativo irão contribuir para uma melhor
rápida e com muitos agravos. qualidade de vida e um envelhecer mais saudável e
Hoje se sabe, através das pesquisas, que ter a mais lento.
síndrome de Down (T21) significa ter o conteúdo de A forma de conduzir pode ser através de dietas
um cromossomo 21 a mais e toda repercussão que e reposição de substâncias que estejam deficientes
isso acarreta pela expressão dos genes nele localiza- e/ou a suplementação, ainda nas dosagens mais di-
do. Mas existe também uma evidência que os outros versas, pois não existem parâmetros definidos para

169
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

a síndrome de Down (T21). - Colina – gema de ovo, bife de soja, frango, vea-
Podemos aplicar uma ferramenta que é do, fígado de peru, alface.
um questionário de rastreamento metabólico - Cálcio – leite e derivados, ovo.
- QRM, para identificar a existência de hiper- - Zinco e Selênio – ostras, feijão, castanhas,
sensibilidades alimentares e/ou ambientais. grãos, sementes.
Através do questionário podemos identificar - Cobre – ostra, cacau, pimenta preta.
pessoas saudáveis, ou com hipersensibilida- - Ferro – carne vermelha, peixes, lentilha e feijão.
des e até o diagnóstico de pessoas com saúde - Resveratrol – romã, mirtilo, uva, cereja, açaí,
muito ruim, com alta dificuldade de executar uvas vermelhas e roxas, cacau, amendoim.
tarefas diárias e que pode estar associado à A suplementação, quando for opção, é reco-
presença de doenças crônicas e degenerativas mendada de acordo com RDI (Referência de Inges-
(TORRES, 2018). Com os resultados devemos tão Diária), uma vez que não existem parâmetros
fazer uma adequação da dieta do indivíduo e específicos para a síndrome de Down (T21). A suple-
os devidos encaminhamentos. mentação em altas doses é questionada pelos efei-
Conforme Gómez-Pinilla (2008) e Morley tos negativos que podem ocorrer, pois não existem
(2010), podemos introduzir na alimentação evidências para tal (KARIMI et al., 2017).
alimentos que comprovadamente funcionam As evidências mostram que os caminhos epige-
como antioxidante ou que tenham efeito na nêticos também reduzem a neuroinflamação, inclu-
função cerebral, como: sive na doença de Alzheimer.
- Ômega 3 - DHA: peixe (salmão), chia, kiwi, - O exercício físico é recomendado desde a in-
castanhas, amendoim e sementes. fância até o idoso, pois melhora os padrões de força,
- Cúrcuma – açafrão. resistência muscular, resposta imune e a propriocep-
- Flavóides – cacau, chá verde, fruta cítrica, ção (SUGIMOTO et al., 2016).
vinho, chocolate preto. - A curcumina (açafrão) - melhora o declínio cog-
- Gorduras saturadas – manteiga, ghee, nitivo no idoso, melhora pacientes com desordens
óleo de coco, produtos lácteos, carne, óleo de do humor e melhora o cognitivo em camundongos
algodão. com doença de Alzheimer.
- Vit D – óleo de peixe, cogumelos, leite de - Resveratrol melhora a neuroinflamação.
soja, grãos de cereais. - EGCG – epigalacatequina 3 galato - é um com-
- Vit E – aspargo, abacate, castanhas, ponente do chá verde, atua diminuindo a ação do
amendoim, azeitona, espinafre, óleo vegetal e gene DYRK1A e consequentemente a neurogênese
germe de trigo. anormal. Estudos específicos com adultos jovens

170
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

com síndrome de Down (T21), duplo cego, rando- clusão da pessoa com deficiência de número 13146,
mizado, com controle de placebo, e está na tercei- do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Surgiu como
ra fase do estudo, associado a treinamento cogni- alternativa ao internamento hospitalar ou em outras
tivo, parece ser significativamente mais efetivo que instituições e se destina a moradia individual ou
o placebo com o uso de EGCG, para a memória de compartilhada, com instalações adequadas e supor-
reconhecimento visual, comportamento adaptativo te. Existem muitos exemplos internacionais como a
e controle inibitório. Mas há necessidade do término Ability Housing no Reino Unido (http://www.ability-
da terceira fase para ser conclusivo (TORRE, 2016). É -housing.co.UK). Um exemplo brasileiro é o Institu-
importante que o uso do EGCG seja feito por mani- to JNG no Rio de Janeiro (http://www.institutojng.
pulação, uma vez que o chá verde tem uma concen- org.br/index). Segundo orientações do Centro De
tração muito alta de cafeína. Adultos Com Síndrome De Down De Illinois, EUA, o
Após toda esta avaliação, o que se sugere hoje ambiente residencial promove a independência, or-
para as pessoas com síndrome de Down(T21), em gulho e auto estima e os pais e cuidadores devem
busca da redução do declínio cognitivo, do processo seguir um modelo de orientação e supervisão cha-
oxidativo e da neuroinflamação é o uso de: mado “bom o suficiente”. Os adultos recebem auto-
- Ômega 3 – (associado com vitamina C e vitami- nomia para fazer o que são capazes e recebem aju-
na E) na dose de 1000 mg/dia. da e orientação quando necessário. Os problemas
- Vitamina D – dose de 1000 unidades por dia, surgem quando recebem pouca ou muita indepen-
ou a dose necessária para manter níveis séricos aci- dência. Em geral eles não precisam supervisão para
ma de 40ng/ml. o auto cuidado, mas precisam de supervisão para
- EGCG – dose de 9mg/kg/dia. tomar decisões em relação a alimentação, sono, ati-
- Dieta rica em alimentos antioxidantes. vidades de tempo livre, que não sejam prejudiciais à
- Suplementação – doses para corrigir deficiên- sua saúde, bem estar e autoestima.
cias detectadas pelo rastreamento metabólico ou
exames realizados. CONCLUSÃO
- Atividade física regular e atividades em grupo.
- Atividades que estimulem o raciocínio como O prolongamento da expectativa de vida e con-
jogos em geral e leitura. sequente envelhecimento, traz novos desafios para
A moradia assistida e compartilhada é outra as pessoas com síndrome de Down (T21), seus pa-
abordagem que devemos ter como perspectiva de rentes, cuidadores e sociedade em geral. A supe-
independência e autonomia das pessoas com sín- ração de agravos potencialmente letais como car-
drome de Down (T21). Já está prevista na lei de in- diopatias, doenças infecto contagiosas e infecções,

171
GUIA DE ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA SÍNDROME DE DOWN (T21)

junto com a descoberta de novos cuidados e proce-


dimentos, fez surgir patologias relacionadas à idade
avançada. Doenças degenerativas e demências são
novidades neste grupo populacional. Considerando
a inclusão, o mercado de trabalho, relacionamentos
interpessoais, moradia compartilhada, autonomia e
independência, com a legislação cada vez mais in-
clusiva, passam a garantir a cidadania.
Mas os desafios no atendimento e suporte, nas
pesquisas científicas, na melhoria da qualidade de
vida, na participação da vida social, persistem. É pri-
mordial a integralidade dos cuidados, fazendo par-
ceria com a família, que é fundamental neste pro-
cesso, em busca dos objetivos a serem atingidos. É
necessário também uma política de saúde integral
para que os atendimentos sejam executados dentro
dos parâmetros mínimos necessários.
Embora todos esses desafios sejam importan-
tes, o mais importante é ter bem claro que devemos
buscar para a família e a pessoa com síndrome de
Down (T21) o bem-estar e a felicidade.

172
ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

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ENVELHECIMENTO: DESAFIOS, PERSPECTIVAS, E POSSIBILIDADES REAIS NA SÍNDROME DE DOWN (21).

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REALIZAÇÃO

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