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© 1998, Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente em inglês com o título


Surprised by Suffering, © 1988 RC Sproul, por Tyndale House Publishers, Inc.,
Wheaton, Illinois, USA. Todos os direitos são reservados. Traduzido com permissão.

1a edição - 1998 3.000 exemplares

Tradução: Heloísa Martins Revisora: Arlinda Madalena Torres Marra Editoração:


Loide do Amaral Toledo Capa: Expressão Exata

CDITORR CULTURA CftlSTÍl


Rua Miguel Teles Jr. 382/394 01540-040 - Cambuci - São Paulo - SP Caixa Postal 15136 -
CEP 01599-970 Fone: (011) 270-7099 - Fax: (011) 279-1255

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio B. Marra

natlmorta

até noá encontrarmoá no céu

PRIMEIRA PARTE

SEGUNDA PARTE
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
FÉ E SOFRIMENTO
JESUS E A VIDA APÓS A MORTE
MORRER É GANHO
CONCLUSÃO
ÍNDICE

INTRODUÇÃO 7

Capítulo /. O Chamado Final 13

Capítulo 2. Percorrendo a Via Dolorosa 25

Capítulo 3. Um Estudo de Caso Sobre Sofrimento 39

Capítulo 4. Morrendo Firme na Fé 55

CapãJo 5. Fé e Sofrimento 71

Capítulo 6. A Noção Popular de Vida Após a Morte 89 Capítulo 7. Jesus e a


Vida Após a Morte 109 Capítulo 8. Morrer é Ganho 135 Capítulo 9. Como
é o Céu? 151

CONCLUSÃO 175

APÊNDICE A: Perguntas e Respostas sobre a Morte e a Vida Depois da Morte


177

APÊNDICE B: Comunicando-se com os Mortos 189


INTRODUÇÃO

Meus olhos se voltaram para o relógio na parede da sala de espera. Era um


peça limpa, desenhada unicamente para cumprir sua finalidade; não
acrescentava nada para tornar o ambiente mais cálido. Seu único propósito
era marcar o presente minuto na história do mundo.

Atrás das portas fechadas pessoas estavam ausentes no tempo. Para alguns,
os minutos que se passavam eram os minutos finais da vida.

Eu estava entre os que esperavam. Famílias se reuniam em vigília por seus


queridos. Esperavam as notícias que viriam da saía de cirurgia.

Fora, aqueles que estavam sadios eram apanhados na correria da manhã de


um novo dia de trabalho. Suas mentes estavam ocupadas com as notícias do
dia ou com os resultados dos jogos de beisebol da noite anterior. Estavam
protegidos, abrigados do drama que punge todos os dias em todo hospital.

Olhei novamente para o relógio. O ponteiro dos segundos não se movia de


forma suave ao redor do mostrador. Movia-se com arrancos distintos e
silenciosos de segundo para segundo. Cada segundo era abrupto, como se
quisesse anunciar cada momento com clareza específica. Cinco-qua-tro-
três-dois-um, mais um minuto havia se passado.

O longo ponteiro dos minutos também se movia, mas seu ritmo era
vagaroso, quase imperceptível.

O ritmo do relógio marcava um alarme crescente dentro de mim. Minha


reação visceral se demonstrava exteriormente pelo suor na palma das mãos
e pela necessidade intensa de me levantar da cadeira e andar pela sala.
Tinha esgotado meu interesse na revista e me cansado da conversa com os
estranhos ao meu redor que tentavam mascarar sua própria ansiedade.

O relógio contava uma história. Eu não gostava de sua mensagem. A


operação estava demorando demais. O diagnóstico preliminar havia sido
“rotina.” Deveria ser uma cirurgia corretiva. Não havia razão para alarme.
Este tipo de cirurgia era feito inúmeras vezes sem complicações. Mas estava
demorando demais.

Passou-se mais algum tempo. A esta altura eu já havia decorado a marca do


relógio. O ponteiro dos segundos continuava pulando de um ponto preto
entre os números para o seguinte.

Finalmente o cirurgião apareceu. Ainda estava vestido com o seu traje


cirúrgico verde. “Sr. Sproul?” Chamou ele. “Pois não,” respondi. “Tivemos
algumas complicações. Lamento, mas descobrimos um tumor que não
estávamos esperando. O resultado final terá de vir da patologia, mas existe
pouca dúvida de que seja maligno.”

Suas palavras foram como um soco no estômago. Não me importava mais


com o relógio. Calmamente fiz a pergunta que sentia vontade de fazer aos
gritos: “Quais são as chances?”

“Não muitas. Podemos tentar quimioterapia, mas para ser franco, tudo que
podemos esperar é mais algum tempo. Esta forma de câncer é virulenta, e
quase sempre fatal.”

“Quanto tempo, Doutor?” Perguntei.

“Nunca podemos ter certeza. Seis meses a um ano. Talvez mais, se a terapia
for eficiente.”

“Ela já sabe?”

“Ainda não. Ela está na sala de recuperação e profundamente sedada. Estou


planejando contar a ela amanhã. Ficaria grato se o senhor pudesse estar
junto quando eu lhe desse a notícia. Estarei no hospital por volta de uma
hora.” “Sem dúvida. Eu virei. Tenho certeza de que ela desejará saber a
verdade.”

Tive dificuldade para dormir aquela noite. Estava amedrontado. Meus


estudos de teologia não me davam nenhum conhecimento prático de como
lidar com tal doença. Como você diz a alguém que ela tem uma doença
terminal? Descarta a verdade? Camufla a verdade? Nega a verdade?
Mantém falsas esperanças? Promete um milagre que talvez Deus não queira
conceder?

Aproximei-me do quarto de minha amiga na tarde seguinte com apreensão.


Quando entrei ela estava espantosamente alerta e exteriormente serena.
Seus olhos, entretanto, me disseram que de alguma forma ela já sabia. Fui
poupado de perguntas difíceis pois o médico apareceu quase imediatamente.

Ele foi bondoso e gentil, mas direto. “Não gostei do que encontrei ontem,”
disse ele. Em termos calmos ele explicou exatamente o que havia.
Apresentou os procedimentos necessários para a quimioterapia. Explicou os
danos que já haviam atingido órgãos vitais.

Senti que dos três que estavam no quarto a que tinha o espírito mais calmo
era a paciente. Ela falou para nos confortar. “Muito bem,” disse ela: —
“Estou pronta para aquilo que Deus tem preparado para mim.”

Minha amiga viveu por dois anos, surpreendendo a todos, inclusive os


médicos. Ela permaneceu ativa. Visitou Israel.

Colocou sua casa em ordem. Cuidou de sua família. Morreu com graça e
dignidade.

Durante aqueles dois anos conversamos muito. Oramos juntos. Choramos


juntos. Rimos juntos. Ela me deu instruções detalhadas sobre seu enterro.
Discutiu seu testamento comigo.

Esta mulher era uma cristã. Considerou seus meses finais neste mundo
como uma vocação. Preparou-se mental e espiritualmente para a morte.
Percebeu a morte como parte da vida. Foi uma experiência que ela nunca
tinha tido antes. Foi a última experiência da vida pela qual todos nós
vamos passar.

PRIMEIRA PARTE
0 CHAMADO FINAL

Ousaríamos pensar na morte como vocação? O autor de Eclesiastes fez a


seguinte declaração:

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito


debaixo do céu: Há tempo de nascer e tempo de morrer. Eclesiastes 3.l-2a.

Da mesma forma o autor de Hebreus diz:

E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, e depois
disto o juízo. Hebreus 9.27.

Observe a linguagem das Escrituras. Ela fala da morte em termos de um


“propósito subordinado ao céu” como uma “ordenação”. A morte é uma
ordenação divina. Ela é parte do propósito de Deus para nossas vidas. Deus
chama cada pessoa à morte. Ele é soberano sobre toda a vida,
inclusive sobre a experiência final da vida.

Normalmente limitamos a idéia de vocação às nossas carreiras e ao nosso


trabalho. Entretanto, a palavra vocação, vem da palavra latina vocare, que
quer dizer “chamar.” Usada no sentido cristão, vocação se refere ao
chamado divino, uma convocação que vem do próprio Deus. Ele chama
as pessoas para ensinar, pregar, cantar, construir carros e trocar fraldas. Há
tantas vocações quantas facetas na vida humana.

Temos vocações diferentes quanto ao trabalho e às tarefas que Deus nos dá


nesta vida. Mas todos partilhamos da vocação para a morte. Todos somos
chamados a morrer. Esta vocação é um chamado de Deus tanto quanto o é
um “chamado” para o ministério de Cristo. As vezes o chamado
vem repentinamente e sem aviso. Às vezes vem com uma notificação com
antecedência. Mas vem para todos nós. E vem de Deus.

Sei que há professores que ensinam que Deus não tem nada a ver com a
morte. A morte é vista exclusivamente como um truque perverso do diabo.
Toda dor, sofrimento, doença e tragédia é responsabilidade do Maligno.
Deus é absolvido de qualquer responsabilidade.
Esta visão é construída para assegurar que Deus seja absolvido de culpa por
qualquer coisa que vá mal neste mundo. “Deus sempre deseja curar,” é o
que nos dizem. Se a cura não acontece, então a falta é do Diabo — ou
nossa. A morte, dizem, não é plano de Deus. Ela representa uma vitória de
Satanás sobre o domínio de Deus.

Idéias como estas podem trazer um alívio temporário para os aflitos. Mas
não são verdadeiras. Não têm nada a ver com o Cristianismo bíblico. Num
esforço de absolver a Deus de qualquer culpa, eles o fazem às custas da
soberania de Deus.

Sim, existe um Diabo. É o nosso arqui-inimigo. Ele fará qualquer coisa em


seu poder para tornar nossa vida miserável. Mas o diabo não é soberano. O
diabo não detém as chaves da morte.

Quando Jesus apareceu a João numa visão na ilha de Patmos, ele se


identificou com estas palavras:

Não temas; ea sou o primeiro e o último, e aquele que vive; estive morto,
mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da
morte e do inferno. Apocalipse 1.17-18.

Jesus guarda as chaves da morte. Satanás não pode arrancar estas chaves de
suas mãos. Cristo segura com firmeza. Ele guarda as chaves porque ele as
possui. Toda autoridade lhe foi dada no céu e na terra. Esta autoridade
inclui toda autoridade sobre a vida e sobre a morte. O anjo da morte está à
sua disposição.

Recordamos as palavras de um grande cântico espiritual dos negros,


“Trombones de Deus.” O cenário do cântico é o céu. O Senhor fala com a
voz tonitruante de sua autoridade divina: “Chamem a morte!” Declara ele.
“Enviem a morte à irmã Carolina em Atlanta, Geórgia.”

O pálido cavalo do Apocalipse é convocado e despachado por Deus, e


unicamente por ele.

A história do mundo tem testemunhado o aparecimento de muitas formas de


dualismo religioso. O dualismo afirma a existência de duas forças iguais e
opostas. Estas forças têm sido variadamente chamadas de Bem e Mal, Deus
e Satanás, Ying e Yang. As duas forças estão presas num combate eterno. E,
desde que elas são iguais e opostas, o conflito continua para sempre, sem
que nenhum dos lados consiga qualquer vantagem. O mundo está fadado a
ser etemamente

o campo de batalha entre estas forças hostis. Nós somos vítimas da sua luta,
os peões no seu eterno jogo de xadrez.

O dualismo está em rota de colisão com o Cristianismo. A fé Cristã não tem


qualquer relação com tal dualismo. Satanás pode ser um opositor de Deus,
mas de forma nenhuma ele é igual a Deus. Satanás é criatura; Deus é o
Criador. Satanás tem poder; Deus é onipotente. Satanás tem conhecimento
e perspicácia; Deus é onisciente. A presença de Satanás é localizada; Deus é
onipresente. Satanás é finito; Deus é infinito. A lista poderia continuar. Mas,
pelas Escrituras é claro que Satanás não é de maneira nenhuma um poder
final.

Não estamos fadados a um conflito básico sem nenhuma esperança de


resolução. A mensagem das Escrituras é de vitória. Vitória completa, final e
definitiva. Não é a nossa derrota que está assegurada, mas sim a de Satanás.
Sua cabeça foi esmagada pelo calcanhar de Cristo.

Cristo é o Alfa e o Omega.

Acima de todo sofrimento e morte está o Senhor crucificado e ressurreto.


Ele venceu o inimigo final da vida. Ele conquistou o poder da morte. Ele
nos chama a morrer, mas este chamado é um chamado a obedecer a última
transição da vida. Por causa de Cristo, a morte não é final. É uma passagem
deste mundo para o próximo.

Nem sempre Deus deseja curar. Se assim fosse, ele sofreria uma frustração
sem fim porque seus planos falham. Ele não quis curar Estevão das feridas
provocadas pelas pedras que foram atiradas contra ele. Ele não quis a cura
de Moisés, de José, de Davi, de Paulo, de Agostinho, de Lutero, de Calvino.
Todos estes morreram na fé.
Para dizer a verdade, há uma cura final que vem através da morte e depois
dela. Jesus foi gloriosamente curado das feridas da crucificação, mas
somente depois que morreu.

Os mestres argumentam que existe cura na expiação de Cristo. Certamente


existe. Jesus levou sobre si todos os nossos pecados na cruz. Entretanto
nenhum de nós está livre do pecado nesta vida. Nenhum de nós está livre de
doença nesta vida. A cura que existe na cruz é real. Participamos de seus
benefícios agora, nesta vida. Mas a plenitude da cura tanto do pecado
quanto da doença acontece no céu. Ainda devemos morrer quando chega a
nossa hora.

Sem dúvida Deus atende nossas orações e cura nossos corpos durante esta
vida. Mas mesmo estas curas são temporárias. Jesus ressuscitou a Lázaro
dos mortos. Mas Lázaro tornou a morrer. Jesus deu vista ao cego e audição
ao surdo. Entretanto, todas as pessoas que Jesus curou, um dia morreram.
Elas não morreram porque Satanás finalmente venceu a Jesus, mas porque
Jesus as chamou para morrer.

Quando Deus nos lança uma chamada, é sempre uma chamada santa. A
vocação para a morte é uma vocação sagrada. Entender isto é uma das mais
importantes lições que um cristão pode aprender. Quando a convocação
chega, podemos responder de várias maneiras. Podemos ficar
bravos, amargos ou aterrorizados. Mas se a virmos como um chamado de
Deus e não como uma ameaça do Diabo, seremos muito mais capazes de
lidar com suas dificuldades.

Terminando a Carreira

Nunca esquecerei as últimas palavras que meu pai me disse. Estávamos


sentados juntos no sofá da sala de estar. Seu corpo havia sido devastado por
três derrames. Um lado de seu rosto estava distorcido pela paralisia. Seu
olho esquerdo e o lado esquerdo de seu lábio
permaneciam incontrolavelmente caídos. Ele falou com a pronúncia pesada.
Suas palavras eram difíceis de entender, mas o sentido
era claro como cristal. Ele pronunciou as seguintes palavras: “Combati o
bom combate, completei a carreira, guardei a fé.”

Foram as últimas palavras que meu pai me disse. Horas mais tarde ele
sofreu sua quarta e última hemorragia cerebral. Achei-o desmaiado no chão,
um fio de sangue correndo do canto de sua boca. Estava em coma.
Misericordiosamente, ele morreu um dia e meio depois, sem recobrar a
consciência.

Suas últimas palavras para mim foram heróicas. Minhas últimas palavras
para ele foram covardes. Protestei contra suas palavras de premonição e lhe
disse rudemente: “Não diga isto, papai!”

Há muitas coisas que disse em minha vida que deses-peradamente gostaria


de não ter dito. Nenhuma delas é mais vergonhosa para mim que aquelas
palavras ditas a meu pai. Mas palavras, assim como a flecha veloz que parte
do arco que é disparado, não podem ser recolhidas novamente.

Minhas palavras foram uma censura contra ele. Recusei-me a lhe permitir a
dignidade de seu testemunho final para mim. Ele sabia que estava
morrendo. Recusei-me a aceitai- o que ele já havia aceitado com dignidade.

Eu tinha dezessete anos e não sabia nada a respeito desse negócio de


morrer. Não tinha sido um bom ano. Durante três anos observei meu pai
morrer um centímetro de cada vez. Nunca o ouvi reclamar. Nunca o ouvi
protestar. Ele se sentava na mesma cadeira dia após dia, semana após
semana, ano após ano. Lia a Bíblia com uma grande lente de aumento.
Eu estava cego para as ansiedades que devem tê-lo perseguido. Ele não
podia trabalhar. Não havia salário. Nenhum seguro por invalidez. Ele se
sentava ali, esperando para morrer, observando as economias, que havia
guardado durante a vida, se esvaírem com sua própria vida.

Eu estava com raiva de Deus. Meu pai não estava com raiva de ninguém.
Viveu seus últimos dias fiel à sua vocação. Ele combateu o bom combate.
Um bom combate é aquele que é lutado sem hostilidade, sem amargura,
sem autopiedade. Eu nunca havia estado num combate como aquele.
Meu pai terminou a carreira. Eu não estava nem sequer nos primeiros
metros. Ele correu a carreira para qual Deus o havia chamado. Correu até
que sua pernas desmoronaram. Mas de alguma maneira ele continuou em
frente. Mesmo quando não podia mais andar, ele vinha toda noite para
o mesa do jantar. Pedia-me para ajudá-lo. Era um ritual diário. Toda tarde
eu ia ao seu quarto, onde ele estava sentado na mesma cadeira. Parava de
costas, olhando na direção oposta de forma que ele pudesse colocar seus
braços ao redor do meu pescoço e dos meus ombros. Eu segurava seus
punhos e erguia meu corpo levantando-o da cadeira. Então o arrastava, no
estilo dos bombeiros, até a mesa da sala de jantar. Ele terminou a carreira.
Meu único consolo é que fui capaz de ajudá-lo. Eu estava com ele na linha
de chegada.

Carreguei-o uma última vez. Quando o encontrei inconsciente no chão de


alguma forma consegui colocá-lo na cama onde ele morreu. Ele não podia
mais colocar seus braços ao redor do meu pescoço. Foi necessário um
esforço, misturado com adrenalina, para levantá-lo do chão e colocá-lo
sobre a cama. Mas eu tinha de conseguir. Era inconcebível para mim deixá-
lo morrer no chão. .

Quando meu pai morreu, eu não era cristão. Fé era algo além de minha
experiência e de meu entendimento. Quando ele disse: “Guardei a fé,” não
compreendi o peso de suas palavras. Eu as descartei. Não tinha a mínima
idéia de que ele estava citando a última mensagem do apóstolo Paulo para

seu amado discípulo Timóteo. Seu eloqüente testemunho não teve nenhum
valor para mim na ocasião. Mas agora tem. Agora entendo. Agora desejo
perseverar como ele perseve-rou. Desejo correr a carreira e terminar a
corrida como ele o fez antes de mim. Não tenho nenhum desejo de sofrer
como ele sofreu. Mas quero guardar a fé como ele a guardou.

Se meu pai me ensinou alguma coisa, ele me ensinou como morrer. Os


acontecimentos que acabei de descrever deixaram uma marca indelével
sobre mim. Durante anos depois que meu pai morreu, tive o mesmo
pesadelo várias vezes. Sonhava o mesmo sonho. O sonho parecia real. Eu
via meu pai vivo novamente. O começo do sonho era arrepiante. Em meu
sono o impossível acontecia. Ele estava vivo! Mas minha alegria se
transformava rapidamente em desespero, pois sua aparência em meu sonho
era sempre a mesma. Ele estava aleijado. Estava paralisado. Ele estava
morrendo, desamparadamente e irremediavelmente. A cena não era nunca
de um pai vibrante e sadio, mas de um pai preso nas garras da morte.

Eu acordava suando e com a sensação doentia de um oco na boca do


estômago. Somente depois que estudei as Escrituras descobri que a morte
não é assim. Somente depois que descobri o conteúdo da fé cristã é que
fmalmente os pesadelos cessaram.

Passando pelo Vale da Sombra

Encontrei uma jovem senhora cuja mãe havia morrido havia pouco tempo.
Ela tinha estado se lamentando profundamente, assaltada por ataques de
desespero. Tinha uma preocupação mórbida com a morte de sua mãe. Certa
noite, entretanto, ela teve uma profunda experiência espiritual.

Estava sozinha, meditando sobre as palavras das Escrituras. Subitamente,


ela experimentou um profundo senso da presença de Deus. Enquanto orava,
algumas palavras se insinuaram com força em sua mente. Eram palavras
fortes. Enfáticas. As palavras que ficaram impressas em seu cérebro eram as
seguintes: “Leslie! A morte não é assim!”

A lamentação passou. Leslie foi libertada de seu espírito mórbido. Um


rasgo de compreensão libertou sua alma. Uma nova visão da morte nasceu
em seu entendimento.

Quando Deus nos manda a vocação para morrer, ele nos envia numa
missão. Realmente entramos numa corrida. O trajeto pode ser assustador. É
uma corrida de obstáculos com armadilhas no caminho. Imaginamos se
temos a coragem para continuar até a linha de chegada. O trilho nos
leva através do vale da sombra.

O vale da sombra da morte. É um vale do qual freqüentemente os raios de


sol parecem ter sido riscados. Aproximar-se dele é estremecer.
Preferiríamos dar a volta ou encontrar uma passagem mais segura. Mas
homens e mulheres de fé podem entrar neste vale sem medo. Davi nos diz
como:
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum;
porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Salmo
23.4.

Davi era um pastor. Neste salmo, Davi se coloca no lugar das ovelhas. Ele
se vê como uma ovelha sob os cuidados do Grande Pastor. Ele entra no vale
sem medo por uma razão muito especial. O Pastor vai com ele. Ele confia a
si mesmo aos cuidados e à proteção do Pastor.

A ovelha acha conforto nas armas do Pastor, a vara e o cajado. O pastor


antigo vivia armado. Ele usava a alça do seu cajado para resgatar a ovelha
caída num buraco.

Levantava sua vara contra animais hostis que tentavam devorar suas
ovelhas. Sem o pastor o rebanho ficaria desamparado no vale das sombras.
Mas, enquanto o pastor estivesse presente a ovelha nada tinha a temer.

Se um urso ou um leão atacasse e matasse o pastor, as ovelhas se


dispersariam. Elas ficariam vulneráveis aos dentes do leão. Se o pastor
caísse, tudo estaria perdido para o rebanho.

Mas temos um Pastor que não cai. Temos um Pastor que não morre. Ele não
é nenhum empregado que abandona seu rebanho ao menor sinal de perigo.
Nosso Pastor está armado com força onipotente. Ele não é ameaçado pelo
vale das sombras. Ele criou o vale. Ele redime o vale.

A confiança de Davi estava arraigada na certeza absoluta da presença de


Deus. Ele entendia que, com a vocação Divina, vinha a assistência Divina, e
a promessa absoluta da presença Divina. Deus não nos enviará para onde
ele mesmo se recusa a ir.

Meu melhor amigo na faculdade e no seminário era um homem chamado


Don McClure. Don era filho de missionários pioneiros. Ele havia crescido
no interior remoto da África. Don descobriu pessoalmente várias tribos
primitivas para as quais ele foi o primeiro homem branco que elas
jamais haviam visto. Matou cobras venenosas em seu quarto. Teve um
encontro bem próximo com um crocodilo que literalmente saltou sobre sua
canoa. Foi salvo por seu pai no último minuto quando um bando de leões
famintos o cercou.

Eu o chamava de Don “Tarzan” porque sua vida parecia os filmes de


Johnny Weismuller. Era a pessoa mais destemida que jamais encontrei.
Sempre disse que se eu fosse pego em combate, numa armadilha atrás da
linhas inimigas, a pessoa que eu gostaria de ter comigo era Don McClure.

Tenho um recorte de jornal em minha Bíblia que narra o martírio do pai de


Don. Há alguns anos ele e seu pai esta-vam acampados numa área remota
da Etiópia. Durante a noite foram acordados por um ataque surpresa das
guerrilhas comunistas. Don e seu pai foram capturados e arrastados
para diante de um pelotão de fuzilamento. Don permaneceu junto do pai
quando os guerrilheiros abriram fogo. Primeiro fuzilaram o pai de Don,
matando-o instantaneamente. Don ouviu o tiro e viu as chamas do fuzil
apontado para ele a dois metros de distância. Caiu ao lado de seu pai,
espantado ao perceber que ainda estava vivo.

Na confusão da noite, os guerrilheiros fugiram tão depressa quanto tinham


aparecido. Don grudou-se ao chão fingindo-se morto até que tudo ficou
quieto. Ele havia sofrido apenas pequenas lesões embora estivesse coberto
de queimaduras de pólvora. Lutando contra o impulso de fugir,
Don permaneceu o tempo suficiente para abrir uma cova rasa com as mãos.
Ali entregou o corpo de seu pai à sepultura.

Don sobreviveu, seu pai não. Ainda ficaria orgulhoso de ter Don McClure
ao meu lado no vale das sombras. Mas tenho alguém maior que Don, que
promete estar comigo.

A presença de Deus é nosso refúgio e fortaleza nas horas de tribulação. Sua


promessa não é apenas de atravessar o vale conosco. Mais importante que
isto é sua promessa sobre o que existe do outro lado do vale. O vale da
sombra da morte não é um cânion fechado. E aberto. E uma passagem para
um país melhor. O vale conduz à vida — vida muito mais abundante do que
qualquer coisa que possamos imaginar. O objetivo de nossa vocação é o
céu. Mas não há nenhum caminho para o céu, senão através do vale. Davi
entendeu isto também. Embora tivesse vivido antes de Cristo, antes da
ressurreição, antes da revelação da glória no
Novo Testamento, entretanto, Deus não tinha estado completamente calado
sobre o assunto. Já havia a esperança do seio de Abraão.

Davi confessou sua fé da seguinte maneira:

Creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes. Salmo 27.13.

O Deus de Abraão, Isaque e Jacó é o Deus dos viventes. O Deus de Davi é


o Deus dos viventes. O Deus de Jesus é o Deus dos viventes. Existe vida
além da sombra da morte.

Meu pai correu a carreira, porque Deus o chamou para corrê-la. Terminou o
trajeto porque Deus esteve com ele em todos os obstáculos. Guardou a fé
porque a fé o guardou.

Esta é uma herança poderosa. É a herança que o Cristo ressurreto dá ao seu


rebanho.

PERCORRENDO A VIA DOLOROSA

começou a entristecer-se e a angustiar-se” (Mt 26.37).

Tristeza e profunda angústia marcaram o íntimo do espírito de Jesus quando


começou a orar no Jardim do Getsêmani. Este momento marcou uma hora
de intensa agonia para Jesus. Ele se aproximava do clímax de sua
Grande Paixão. A Grande Paixão de Jesus era o ponto central de sua
vocação divina. Ninguém jamais fora chamado por Deus para um
sofrimento tão grande como o sofrimento para o qual Deus chamou seu
Filho unigênito.

Nosso Salvador foi um Salvador sofredor. Ele entrou adiante de nós na terra
desconhecida da agonia e da morte. Ele foi aonde nenhum homem é
chamado para ir. Seu Pai lhe deu um cálice para beber que nunca tocará
nossos lábios. Deus nunca nos pedirá que suportemos qualquer
coisa comparável com a tristeza que Cristo tomou sobre si mes-

Para qualquer lugar que Deus nos chame para irmos, seja o que for que ele
nos convoque para suportar, ficará muito longe daquilo que Jesus
experimentou.

Desde o início de seu ministério, Jesus estava consciente de sua missão.


Desde o começo ele estava sob uma sentença de morte. Sua “doença” era
terminal. O Pai o afligiu na cruz não com uma doença terminal, mas com
todas as doenças terminais. Sem dúvida isto não quer dizer que Cristo
recebeu o resultado positivo de uma biópsia, ou que um médico
diagnosticou um caso avançado de lepra em Jesus. Ele enfrentou sua morte
sem nenhuma evidência externa de qualquer doença. Mas a dor cumulativa
de todas as doenças foram colocadas sobre ele. Ele tomou sobre seu corpo
os danos de todo mal, toda doença, toda dor conhecida pela raça humana.

O sofrimento de Jesus foi múltiplo porque a extensão do mal no mundo é


um vasto complexo. Todo efeito de cada pecado foi colocado sobre ele.
Carregar este terrível fardo era a sua vocação. Suportar todas as dores e
doenças era sua missão. A magnitude deste horror está além de nosso
entendimento. Mas ele o entendeu, porque era seu para o suportar.

O Escândalo de um Cristo Sofredor

Que o Filho de Deus deveria sofrer era inconcebível para muitos de seus
contemporâneos. Para os gregos isto era uma pedra de tropeço. Sua idéia de
Deus era tão espiritual, tão etérea que não havia lugar para a Encarnação.
Deus nunca poderia se envolver com o sofrimento físico simplesmente
porque Deus nunca poderia se envolver com qualquer coisa física.

As notícias escandalosas do Novo Testamento é que Deus havia se


encarnado. O Verbo divino e eterno foi feito

carne. E esta carne era vulnerável a todo tormento físico.

Entretanto, não foram apenas os gregos que se escandalizaram com tal


pensamento. Que Deus poderia se apresentar em forma humana era
concebível para os judeus. Mas que tal humanidade poderia realmente
sofrer, estava além de sua compreensão.

Logo após o momento da grande confissão de Pedro em Cesaréia de


Filipos, veio uma das reprimendas mais cortantes que ele jamais ouviu de
Jesus. Em resposta à pergunta de Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
(Mt 16.15), Simão Pedro replicou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”
(Mt 16.16). Por esta resposta, Pedro recebeu a bênção de Jesus:

Bem-aventurado és Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem


to revelou, mas meu Pai que está no céus. Também eu te digo que tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do
inferno não prevalecerão contra e/fl.Mt 16.17-18.

Que elogio maior poderia um homem receber do que esta bênção dada pelo
próprio Cristo? Entretanto, alguns momentos depois, este mesmo homem
recebeu uma repreensão aguda de Jesus:

Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas


das coisas de Deus, e, sim, nas dos homens. Mt 16.23.

Estas palavras foram ditas não a Satanás, mas a Pedro. O diálogo aqui é
rápido. Num momento Jesus coloca sua bênção sobre Pedro, e no momento
seguinte ele o chama “Satanás.” Como explicar esta mudança dramática no
tom e

nas palavras? Jesus não era dado a severidades indevidas em seu tratamento
com as pessoas. Nem era uma pessoa de duas caras, abençoando com um
lado da boca e amaldiçoando com o outro.

A mudança no discurso deve ser entendida à luz do intervalo que se passou


entre elogio e repreensão. O intervalo contém uma conversa entre Pedro e
Jesus a respeito de sofrimento:

Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que
lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos
anciãos, dos principais sacerdotes e dos escritas, ser morto e ressuscitado
no terceiro dia. Mateus 16.21.

Verificamos que Jesus está mostrando aqui que ele deve sofrer e morrer. Sua
viagem para Jerusalém não foi opcional. Ele tinha um destino a cumprir, um
encontro no Gólgota. Este “dever” estava enraizado em sua vocação. Ele foi
chamado para desempenhar uma tarefa. Era seu dever sofrer e morrer.
Foi precisamente nesse ponto do dever que Pedro o desafiou: “E Pedro,
chamando-o à parte começou a reprová-lo dizendo: ‘Tem compaixão de ti,
Senhor; isso de modo algum te acontecerá!’” (Mt 16.22).

Pelo menos Pedro teve a delicadeza de censurar seu Senhor em particular.


Ele não proclamou sua arrogância publicamente, embora o Espírito Santo
tenha feito registrar sua indizível presunção no registro público das
Escrituras.

“Tem compaixão de ti, Senhor.” Pedro exigiu que Jesus se distanciasse do


sofrimento e da morte. Jesus reconheceu nesta exigência a mesma sugestão
sedutora que Satanás oferecera no deserto. Pedro desejava um Salvador
imaculado de sofrimento. Ele desejava que o Reino viesse

com os métodos de Satanás, não com os métodos de Deus. O método de


Deus era o caminho da cruz, a Via Dolorosa.

Os teólogos discutem sobre quando, na vida de Jesus, ele tomou


consciência de que deveria sofrer e morrer. A Bíblia deixa claro que a idéia
foi formulada muito antes de Cesaréia de Filipos. O conceito foi
prenunciado há tanto tempo quanto Gênesis 3.15: “Porei inimizade entre ti
e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá
a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” Este é o Protoevangelho, a primeira
alusão ao evangelho que deveria vir.

A idéia de um Messias sofredor foi grandemente desenvolvida no tema do


Servo Sofredor de Isaías. Foi profetizada a Maria pelo venerável profeta
Simeão no templo: “Eis que este menino está destinado tanto para ruína
como para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição
(também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se
manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2.34-35).

Não sabemos exatamente quando Jesus se tornou consciente de seu destino,


mas sua mãe recebeu o prenúncio de uma espada pontiaguda nas primeiras
semanas de sua vida. Com doze anos Jesus declarou que ele devia cuidar
dos negócios de seu Pai. Mas então ele estava consciente de um dever, uma
tarefa que era sua para ser realizada. Se desde tão jovem ele já percebia o
alcance total deste dever é uma questão de conjectura. Mas, certamente
quando chegou ao Jardim do Getsêmani isto já não era mais surpresa para
ele.

No Jardim Cristo entrou em seu sofrimento. Ele disse a seus discípulos: “A


minha alma está profundamente triste até a morte: ficai aqui e vigiai
comigo” (Mt 26.38).

As Escrituras relatam que depois de dizer estas palavras, Jesus caminhou


um pouco para frente no bosque das oliveiras e prostrou-se sobre o seu
rosto enquanto orava:

“Meu Pai: Se possível, passa de mim este cálice! Todavia não seja como eu
quero, e, sim, como tu queres.” (Mt 26.39). Lucas acrescenta as seguintes
palavras ao registro histórico: “E, estando em agonia orava mais
intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue
caindo sobre a terra.” (Lc 22.44).

Aceitando o "Não" de Deus como Vontade de Deus

Ficamos abismados de que, mesmo à luz de registros bíblicos tão claros,


alguém ainda tenha a audácia de sugerir que é errado para aqueles que
sofrem no corpo ou na alma, expressar suas orações por libertação em
termos de: “Se for da tua vontade.” Dizem que quando a aflição chega,
Deus sempre deseja a cura. Que ele não tem nada a ver com sofrimento, e
que tudo que devemos fazer é reivindicar a resposta que buscamos pela fé.
Somos exortados a exigir o “Sim” de Deus antes que ele o pronuncie.

Fora com tais distorções da fé bíblica! Ela são concebidas na mente do


Tentador que deseja nos induzir a transformar fé em mágica. Nem todo o
amontoado de discurso piedoso pode transformar tal falsidade em doutrina
verdadeira.

As vezes Deus diz não. As vezes ele nos chama para sofrer e morrer,
mesmo quando desejaríamos exigir o contrário.

Nunca outro homem orou mais veementemente que Cristo no Getsêmani.


Quem acusará a Cristo de não ter orado com fé? Ele colocou seu pedido
diante do Pai suando sangue: “Passa de mim este cálice.”
A oração de Jesus era direta e sem ambigüidades. Ele gritou por alívio. Ele
pediu que o cálice terrivelmente amargo fosse removido. Cada centímetro
de sua humanidade se encolhia diante do cálice. Ele implorou a seu Pai que
o

libertasse do seu dever. Mas Deus disse não. O caminho do sofrimento era o
plano de Deus. Era a vontade de Deus. Era sua vontade pura e inalterada. A
cruz não era uma idéia de Satanás. A paixão de Cristo não foi resultado de
contingências humanas. Não foi uma maquinação acidental de
Caifás, Elerodes ou Pilatos. O cálice foi preparado, entregue e administrado
pelo Deus Onipotente.

Jesus qualificou sua oração: “Se for a tua vontade...” Jesus não “apresentou
e reivindicou.” Ele conhecia seu Pai muito bem para saber que esta poderia
não ser a sua vontade. A história não termina com as palavras: “E o Pai
se arrependeu do mal que havia planejado, afastou o cálice e Jesus viveu
feliz para sempre.”

Tais palavras se aproximam da blasfêmia. O evangelho não é um conto de


fadas. O Pai não entraria em acordos sobre o cálice. Jesus foi chamado para
tomá-lo até a última gota. E ele o aceitou. “Contudo, não se faça a minha
vontade, e, sim, a tua” (Lc 22.42).

Este “contudo” é a suprema oração da fé. A oração da fé não é uma ordem


que colocamos diante de Deus. Não é a presunção de um pedido atendido.
A autêntica oração da fé é aquela que se assemelha à oração de Jesus. E
sempre apresentada num espírito de submissão. Em todas as nossas orações
devemos permitir que Deus seja Deus. Ninguém diz ao Pai o que deve
fazer, ninguém, nem mesmo o Filho. Orações devem sempre ser pedidos
feitos com humildade e submissão à vontade do Pai.

A oração da fé é a oração da confiança. A própria essência da fé é


confiança. Confiamos que Deus sabe o que é melhor. O espírito de
confiança inclui o espírito de disposição para fazer o que o Pai deseja que
façamos. Este tipo de confiança foi personificado em Jesus no Getsêmani.

Embora o texto não seja explícito, é claro que Jesus deixou o jardim com a
resposta de Deus para o seu pedido. Não há nenhuma blasfêmia ou
amargura, sua comida e sua bebida eram fazer a vontade do Pai. Desde que
o Pai disse não, estava resolvido. Jesus se preparou para a cruz. Não fugiu
de Jerusalém, mas entrou na cidade com o semblante determinado.

Redenção Através do Sofrimento

Na vida e paixão de Cristo vemos com perfeita clareza que o sofrimento é a


maneira que Deus escolheu para trazer redenção a um mundo perdido. Jesus
era conhecido como um homem de dores, que sabe o que é padecer. Sua
vida e seu ministério seguiram em detalhe a missão apresentada por Isaías
para o Servo Sofredor do Senhor.

Lemos uma história fascinante no livro de Atos:

Um anjo do Senhor falou a Filipe dizendo: Dispõe-te e vai para a banda


do sul, no caminho que desce de Jerusalém para Gaza; este se acha
deserto. Ele se levantou e foi.

Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o
qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar
em Jerusalém, eslava de volta, e, assentado no seu carro, vinha lendo o
profeta Isaías.

Então disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te deste carro e acompanha-o.

Correndo Filipe ouviu-o ler o profeta Isaías, e perguntou: Compreendes o


que vens lendo?

Ele respondeu: Como poderei entender se alguém não me explicar? E


convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele.

Ora a passagem da Escritura que estava lendo era esta:

Foi levado como ovelha ao matadouro; e como um cordeiro mudo perante


o seu tosquiador, assim ele não abre a sua boca. Na sua humilhação lhe
negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porque da terra a
sua vida é tirada.
Então o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere
o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?

Então Filipe explicou; e, começando por esta passagem da Escritura,


anunciou-lhe a Jesus. Atos 8.26-35.

Quem é o Servo do Senhor? O eunuco etíope fez uma pergunta crucial a


Felipe. Ele estivera lendo Isaías 53 e estava confuso. Sua pergunta é central:
“A respeito de quem o profeta diz isto, de si mesmo ou de algum
outro homem?”

A resposta de Filipe foi direta ao ponto. Isaías falava de Jesus.

A questão pode parecer tão óbvia para o leitor, que alguém poderia
imaginar por que gasto tempo explicando isto. Que o Novo Testamento
identifica Jesus com o Servo Sofredor de Israel deveria ser tão óbvio que
eliminaria a necessidade de discussão.

Mas ela é importante. É profundamente importante. Não apenas nossa


compreensão de Jesus está ligada a esta questão, mas a agonizante pergunta
sobre o significado de nossos próprio sofrimento também está ligada a isto.

Não creio que seja um exagero declarar que o retrato que o Novo
Testamento faz de Jesus permanece ou desaparece com esta questão.

Modernamente, temos presenciado certo tipo de cultura bíblica que


considera todas as referências de Jesus ao Servo Sofredor de Isaías como
invenções engendradas pelos autores do Novo Testamento. Isto é, a
alegação é de que os autores bíblicos fraudulentamente “adaptaram” a
história de Jesus. Após seu sofrimento e morte, a igreja primitiva precisava
inventar uma explicação para todo aquele sofrimento. Portanto criaram esta
ligação entre o Servo Sofredor de Isaías e Jesus. Colocaram, então, na sua
boca, palavras que ele nunca disse.

Os críticos têm um interesse pessoal contra o ponto de vista bíblico a


respeito de Jesus. Seu interesse é tão violento, que acabam se chocando de
frente com ele. Se sabemos alguma coisa a respeito do Jesus histórico,
sabemos que ele foi aquele que sofreu e morreu como o Servo de Deus.
No Evangelho de Lucas Jesus pronuncia as seguintes palavras:

Pois vav digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: ele
foi contado com os malfeitores. Porque o que a mim se refere está
sendo cumprido. Lucas 22.37.

Aqui Jesus cita diretamente o texto de Isaías 53. Ele se identifica com o
Servo Sofredor de Deus. A nação de Israel foi chamada para ser um servo
sofredor. Esta vocação foi personalizada e cristalizada em um homem que
representou Israel. A resposta de Filipe foi clara: Aquele homem era Jesus.

Jesus sofre por nós. Entretanto somos chamados para participar de seu
sofrimento. Embora ele fosse de forma singular o cumprimento da profecia
de Isaías, ainda existe uma aplicação desta vocação para nós. A nós é dado
tanto o dever quanto o privilégio de participar nos sofrimentos de Cristo.

Uma referência misteriosa à esta noção é encontrada nos escritos do


apóstolo Paulo:

Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta
das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo que é a
igreja. Colossenses 1.24.

Aqui Paulo declara que ele se regozija em seu sofrimento. Certamente ele
não quer dizer que sente prazer com a dor e a aflição. Ao contrário, a causa
de seu regozijo deve ser encontrada no sentido do seu sofrimento. Sua
afirmação é de que ele “preenche o que falta das aflições de Cristo.”

A primeira vista a explicação de Paulo é espantosa. O que poderia estar


faltando nas aflições de Cristo? Teria Cristo feito seu trabalho redentor pela
metade, apenas para esperar que Paulo o completasse? Estaria Cristo
exagerando quando gritou da cruz: “Está consumado”?

O que exatamente estava faltando nos sofrimentos de Cristo? Em termos do


valor do sofrimento de Jesus, é blasfemo sugerir que algo estava faltando.
O mérito de seu sacrifício redentor é infinito. Nada poderia ser acrescentado
à sua perfeita obediência que a tornasse ainda mais perfeita. Nada pode ser
mais perfeito do que perfeito. Aquilo que é absolutamente perfeito não pode
ser nem aumentado nem diminuído.

O mérito de Jesus é suficiente para expiar todos os pecados que jamais


foram ou serão cometidos. Sua morte redentora não precisa repetição pois
ele o fez uma vez por todas. Os sacrifícios do Antigo Testamento eram
repetidos exatamente porque eram sombras imperfeitas da realidade que
deveria vir,

Não foi por acaso que a Igreja Católica Romana apelou para as palavras de
Paulo neste texto para basear seu conceito

de um tesouro de méritos, pelo qual os méritos dos santos são somados aos
méritos de Cristo para suprir as deficiências dos pecadores. Esta doutrina
estava no centro do furacão da Reforma Protestante. Foi este
obscurecimento da perfeição e suficiência do sofrimento de Cristo que
estava no coração do protesto de Martinho Lutero.

Embora rejeitemos vigorosamente a interpretação dada por Roma a esta


passagem, ainda permanecemos com a nossa pergunta. Se não é mérito que
o sofrimento de Paulo adiciona ao que está faltando no sofrimento de
Cristo, então o que ele adiciona?

Adicionando aos Nossos Próprios Sofrimentos

A resposta a esta difícil questão está no ensino mais amplo do Novo


Testamento sobre o chamado do crente para participar na humilhação de
Cristo. Nosso batismo significa que somos sepultados com Cristo. Paulo
repetidamente afirma que, a não ser que estejamos dispostos a participar
da humilhação de Jesus, também não participaremos de sua exaltação (Veja
2 Tm 2.11-12).

Paulo se regozijava no fato de que seu sofrimento era um benefício para a


igreja. A igreja é chamada a imitar a Cristo. E chamada para trilhar a via
dolorosa. A metáfora favorita de Paulo para a igreja era a imagem do corpo
humano. A igreja é chamada o Corpo de Cristo. Em certo sentido é próprio
falar da igreja de como a “Encarnação Continuada.” A igreja é realmente o
corpo místico de Cristo na terra.

Cristo se ligou de tal maneira à sua igreja, que quando chamou Paulo no
caminho de Damasco ele disse: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”
Saulo não estava perseguindo a Jesus. Jesus já havia subido ao céu. Ele já
estava fora do alcance da hostilidade de Saulo.

Saulo estava perseguindo os Cristãos. Mas Jesus sentia uma tal relação de
solidariedade com sua igreja, que considerava um ataque ao seu corpo, a
igreja, como um ataque pessoal a si mesmo.

A igreja pertence a Cristo. A igreja é redimida por Cristo. A igreja é a


Noiva de Cristo. Cristo habita sua igreja. Mas a igreja não é Cristo. Cristo é
perfeito; a igreja é imperfeita. Cristo é o Redentor. A igreja é a comunhão
dos redimidos.

A igreja participa dos sofrimentos de Cristo. Mas esta participação não


adiciona nenhum mérito aos méritos de Cristo. O sofrimento do cristão
pode beneficiar outras pessoas mas nunca ao ponto da expiação. Não posso
expiar os pecados de ninguém, nem mesmo os meus próprios. Podem
também servir como testemunha daquele cujos sofrimentos foram
expiatórios.

A palavra “testemunha”, no Novo Testamento, é martus, da qual vem a


palavra mártir em português. Aqueles que sofriam e morriam por causa de
Cristo eram chamados mártires, porque através de seu sofrimento davam
testemunho de Cristo.

O que falta nas aflições de Cristo é este sofrimento que se prolonga ao qual
Deus chama seu povo para suportar. Deus chama pessoas de todas a
gerações para cumprir seu plano divino de redenção. Novamente, este
sofrimento não visa preencher qualquer deficiência nos méritos de Cristo,
mas completar nosso destino como testemunhas do perfeito Servo Sofredor
de Deus.

O que significa isto em termos práticos? Permitam-me retomar à ilustração


de meu próprio pai. Tenho certeza de que enquanto estava sofrendo ele deve
ter feito a Deus a pergunta “Por que?” À primeira vista seu sofrimento
parecia inútil. É como se sua dor não tivesse nenhuma boa razão.

Agora, preciso ser muito cuidadoso. Não considero que os sofrimento de


meu pai tenham sido de maneira nenhuma uma expiação para os meus
pecados. Também não considero que posso ler a mente de Deus a respeito
da razão última para os sofrimentos de meu pai. Mas isto eu sei: Os
sofrimentos de meu pai causaram um profundo impacto sobre minha vida.

Foi através da morte de meu pai que fui trazido a Cristo. Não estou dizendo
que a razão última pela qual meu pai foi chamado a sofrer e morrer tenha
sido para que eu pudesse me tornar um Cristão. Não sei qual o propósito
soberano de Deus para isto. Mas sei que Deus usou aquele sofrimento de
maneira redentora para mim. Os sofrimentos de meu pai me conduziram
para os braços do Salvador Sofredor.

Somos seguidores de Cristo. Nós o seguimos ao Jardim do Getsêmani. Nós


o seguimos até o pátio do julgamento. Seguimo-lo ao longo da Via
Dolorosa. Seguimo-lo até à morte. Mas o evangelho declara que nós o
seguimos através dos portões do Céu. Porque sofremos com ele, também
seremos ressuscitados com ele. Se somos humilhados com ele, também
seremos exaltados com ele.

Por causa de Cristo, nossos sofrimentos não são inúteis. É parte de um


plano total de Deus que escolheu redimir o mundo através do caminho do
sofrimento.
UM ESTUDO DE CASO SOBRE

SOFRIMENTO

O vice-presidente administrativo de uma grande companhia tornou-se


extremamente ciumento de um dos gerentes regionais. Este gerente regional
gozava de um estreito relacionamento pessoal com o presidente da diretoria.
Movido pelo ciúme, o vice-presidente apresentou uma queixa ao presidente.

“Acho que devemos nos livrar de Hawkins,” sugeriu ele. O presidente


retrucou: “Por que? Ele é um dos gerentes mais eficientes que temos. Creio
que ele está fazendo um trabalho excelente. Além disso, é um dos
empregados mais leais.”

“Leal? Você acha que ele é leal? Não é para menos que ele é leal,” disse o
vice-presidente com cinismo. “Ele está sempre bajulando a você. Ele é leal
apenas porque você lhe paga um enorme salário. Você lhe dá benefícios
que nenhum outro recebe. Além disso, você construiu uma parede de
proteção em volta dele. Todo mundo sabe que ele é

seu empregado favorito. Gostaria de saber quão leal ele seria se você
colocasse pressão sobre ele. Corte seu salário e observe a lealdade dele.”

O presidente ficou irritado com esta sugestão mas aceitou o desafio. “Muito
bem. Vamos verificar. Pode cortar seu salário. Coloque pressão sobre ele.
Creio que você vai descobrir que Hawkins manterá sua lealdade.”

O vice-presidente deu uma risada sarcástica. Deixe-o comigo, e ele trairá a


você e à companhia num minuto.”

O vice-presidente deixou a sala da diretoria e planejou um esquema para


destruir Hawkins. Primeiro cortou o seu salário pela metade. Depois
aproximou-se de alguns companheiros de trabalho de Hawkins e os incluiu
em seu esquema. Eles estavam ansiosos para colaborar. Com
prazer elaboraram planos de sabotagem industrial para destruir o recorde de
produtividade de Hawkins. Falsificaram relatórios e, às ocultas, danificaram
parte do maquinário da fábrica. Subitamente a fábrica de Hawkins se viu
assediada com as reclamações de fregueses sobre o mau controle
de qualidade.

A pressão estava armada. O vice-presidente e seus capangas se referiam ao


gerente regional como “Hawkins de aço”. “Hawkins é um santinho. Ele
pensa que é melhor que qualquer outra pessoa. Está na hora de receber o
que ele merece.”

Hawkins enfrentou a situação com calma e sem hesitação. Trabalhava mais


para resolver a misteriosa onda de problemas que estavam aparecendo. Isto
apenas aumentava o antagonismo de seus inimigos. Começaram então a
fazer mais pressão. Alguns “acidentes” começaram a acontecer na fábrica.
Os conspiradores passaram a molestar a família de Hawkins. Para tornar as
coisas ainda piores, Hawkins ficou doente. Até mesmo sua doença tinha
uma origem suspeita.

O vice-presidente foi até ao ponto de subornar um médico corrupto para


introduzir um tipo de bactéria agressiva na dieta de Hawkins. O mundo de
Joe Hawkins começou a desmoronar. Sua doença estava cobrando o seu
pedágio. Somado a uma produção cada vez menor de sua fábrica, a estrela
de Hawkins começou a sumir. Alguns de seus amigos mais íntimos o
procuraram com críticas violentas: “O que há de errado com você,
Hawkins? Você perdeu alguma coisa. Seu desempenho está baixo. Não
admira que tenham cortado seu salário.”

Seus amigos começaram a pensar que a opinião que tinham anteriormente


sobre ele estava errada. Começaram a admitir que Hawkins deveria ter feito
algo muito errado para que sua vida tivesse tomado um rumo tão repentino
e drástico para o pior. Um de seus amigos chegou mesmo a se aproximar
dele com um conselho “espiritual”: “Joe, preciso lhe dizer algo em amor.”
Falou ele. “As dificuldades que você está enfrentando devem vir de Deus.
Creio que é um tipo de castigo por algum pecado não confessado. Quem
sabe se você se arrepender as coisas não começarão a melhorar para você?”

“Talvez você esteja certo,” replicou Joe Hawkins. “Embora não me lembre
de ter feito nada que merecesse isto, mas certamente vou sondar meu
coração sobre isto.”
“Mas até o presidente cortou o seu salário pela metade. Isto não lhe diz
nada?

“Bem, o presidente tem o direito de fazer isto. Ele sempre foi justo comigo.
Tenho certeza de que ele sabe o que está fazendo. Ele deve ter uma boa
razão para sua atitude,” respondeu Joe.

Então a esposa de Joe entrou em cena. “Querido,” disse ela certa noite:
“Creio que está na hora de você pedir demissão. Sua saúde está piorando e a
companhia está

tratando você como um lixo. Depois de todos estes anos de serviço fiel, este
é o agradecimento que você recebe? Vamos sair e começar de novo em
algum outro lugar. Você está louco de continuar trabalhando para uma
companhia como esta.”

“Não, querida, não posso sair,” respondeu Joe.

“Por que não?” perguntou ela com insistência.

“Devo isto ao presidente da companhia.”

“Você está louco? Você não lhe deve nada. Você lhe deu os melhores anos
de sua vida, e agora isto. Ele deve a você! Você não lhe deve nada. Por que
você não admite o fato, Joe, o presidente é tão podre quanto o
tratamento que tem dado a você.”

“Não!” Revidou Joe com raiva. “Simplesmente não posso acreditar que ele
me trataria de forma injusta de propósito.”

“Então é melhor conversar com ele cara a cara. Gostaria de ouvir o que ele
vai dizer quando você o enfrentar.”

“Está bem, eu falo com ele,” prometeu Joe.

No dia seguinte Joe marcou uma hora para conversar com o presidente.
Quando foi introduzido no escritório forrado de madeira, o presidente o
cumprimentou amigavelmente. “Oi, Joe. O que posso fazer por você?”
Joe foi direto ao ponto. Derramou suas reclamações numa torrente de raiva:
“O que está acontecendo aqui?” Perguntou ele com exigência. “Você cortou
meu salário pela metade. Fica assistindo e permite que um bando de ladrões
sabotem minha fábrica. Não me dá nenhuma garantia de saúde. O que fiz
para merecer este tipo de tratamento? Tenho sido leal a você e a esta
companhia durante anos e agora você me trata desta forma. Quem
você pensa que é, afinal?”

O presidente ouviu pacientemente o desabafo de Joe. Então respondeu:


“Deixe-me fazer algumas perguntas a você, Joe. Você é o dono desta
companhia?”

“Não, senhor,” respondeu Joe.

Você construiu este lugar desde o princípio? Arriscou seu próprio capital
nesta operação? Paga todas as contas? Você é o presidente da diretoria?”

Para todas estas perguntas Joe balançou a cabeça: “Não.” “Diga-me, Joe,
quem é você para me dizer como devo dirigir minha companhia? Eu lhe dei
tudo o que prometi e muito mais. Examine seu contrato. Por acaso ele
especifica que você deveria receber todos os prêmios que lhe dei durante
estes anos?”

Novamente Joe teve que dar uma resposta honesta: “Não, senhor. O senhor
tem sido mais do que bondoso para comigo.”

“Tenho mesmo, Joe? Você acha que eu mudei? Você pensa que eu não sei o
que está acontecendo aqui? Sei que você tem sido tratado injustamente. Sei
exatamente o que está acontecendo naquela fábrica. Tenho estudado a
questão cuidadosamente. Nada escapa da minha observação. Joe, vou lhe
pedir que faça algo por mim. Você confiou em mim no passado. Confie
novamente agora. Pode levar algum tempo, mas eu lhe garanto que vou
acertar as coisas. Mas você precisa ser paciente. Tenho um plano. Aqueles
que tramaram contra você receberão tudo o que merecem. Você
realmente pensa que eu iria permitir que eles escapassem?”

Joe sentiu-se muito mal. Começou a gaguejar a pedir desculpas: “Sinto


muito.” Disse ele. “Não tinha o direito de vir aqui e derramar todas estas
acusações sobre você. Eu me queixei uma vez. Mas não o farei mais. Nunca
mais você ouvirá uma palavra de protesto da minha boca. Faça o que quiser.
Confio em você.”

O presidente sorriu e falou com sua secretária pelo interfone: “Sra.


Franklin, peça ao vice-presidente administrativo para comparecer ao meu
escritório imediatamente. Vou lhe entregar sua demissão.”

“Não saia ainda, Joe. Tenho algumas coisas para lhe dizer. Primeiro, quero
que saiba que a partir de amanhã de manhã, você será elevado a uma vice-
presidência da companhia. Receberá o dobro do salário que tinha antes que
ele fosse cortado. Neste instante um médico está vindo de Atlanta com uma
vacina especial que curará sua doença. Você tem sido leal a mim, Joe, mais
leal que qualquer outro empregado. Você suportou muito sem me maldizer
pelas costas. Agora é hora de você ser vingado.”

“Eu sabia!” Exclamou Joe. “Devo admitir que tive meus momentos de
dúvida, mas bem no fundo eu sabia que você iria consertar tudo. Agora
realmente estou embaraçado por todas aquelas acusações que fiz contra
você. Será que você jamais poderá me perdoar?”

“Joe, não se preocupo com isto. Esta é a coisa que eu sei fazer. Perdoar. Eu
me formei nisto.”

Existe uma Ligação entre Pecado e Sofrimento?

A esta altura, sem dúvida, o leitor já reconheceu que esta é a história do


personagem bíblico Jó, ligeiramente disfarçada numa roupagem moderna.
A história de Jó é um estudo de caso sobre sofrimento humano. Apresenta o
drama de um homem justo, que passou por extrema miséria neste mundo.
Sua miséria foi aumentada pela insensibilidade de seus amigos para com
ele. Eles deduziram algo que a Bíblia proíbe. Deduziram que o grau
de sofrimento de Jó estava em proporção direta com seu pecado. Deduziram
que existe, neste mundo, uma relação entre sofrimento e culpa. Uma vez
que o sofrimento
de Jó era grande, isto deveria ser sinal de que seu pecado também era
grande.

Deus não permite tal equação. Lembramos da pergunta feita a Jesus sobre o
homem que nasceu cego:

Caminhando Jesus viu um homem cego de nascença. E seus discípulos


perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse
cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que
se manifestem nele as obras de Deus.

João 9.1-3.

Na ciência da lógica existe uma falácia informal chamada falácia do falso


dilema. Este erro de raciocínio ocorre quando um problema é apresentado
como se ele permitisse apenas duas explicações possíveis, quando na
realidade existem três ou mais opções.

Algumas questões têm, realmente, um caráter ou/ou. Por exemplo, se existe


um Deus ou não. Neste caso não há uma terceira opção. Mas porque alguma
questões são reduzidas a apenas duas alternativas, não significa que todas
as questões devam necessariamente seguir a mesma regra. Este foi o erro
que os discípulos fizeram com respeito ao homem cego de nascença.

Quando os discípulos analisaram a difícil situação do cego, presumiram que


havia apenas duas explicações para ela. Ou a cegueira era resultado direto
do pecado pessoal daquele homem, ou era o resultado do pecado de seus
pais.

Seu raciocínio estava errado, embora não fosse totalmente sem base. Ele
estavam certos em uma pressuposição. Conheciam suficientemente as
Escrituras para reconhecer que há uma relação entre sofrimento e pecado.
Antes que o pecado entrasse no mundo não havia nem sofrimento
nem morte.

A morte não é natural. Ela pode ser natural para o homem decaído, mas não
o é para o homem como ele foi criado. O homem não foi criado para
morrer. Foi criado com a possibilidade da morte, mas não com a sua
necessidade. A morte foi introduzida como conseqüência do pecado. Se
não há pecado, não há morte. Mas quando o pecado entrou, a maldição da
Queda foi acrescentada. Toda morte e sofrimento brota da complexidade do
pecado.

Os discípulos estavam parcialmente certos em outro ponto. Estavam


conscientes de que, às vezes, existe uma relação direta entre o pecado de
uma pessoa e seu sofrimento. Deus afligiu Miriã com a lepra como
julgamento por ela ter pecado contra Moisés (Nm 12.9-10).

O erro dos discípulos foi pressupor que sempre existe uma relação direta,
uma correlação fixa entre o sofrimento de uma pessoa e o seu pecado. Neste
mundo, há ocasiões em que as pessoas sofrem muito menos do que
merecem por seus pecados, enquanto outras suportam uma proporção maior
de sofrimento. Esta disparidade é vista no lamento de Davi: “Tie quando,
Senhor, os perversos, até quando exultarão os perversos?” (SI 94.3).

Há ocasiões em que sofremos inocentemente nas mãos de outras pessoas.


Quando isto ocorre somos vítimas de injustiça. Mas esta injustiça está num
plano horizontal. Ninguém sofre injustiça num plano vertical. Quer dizer,
em termos de nosso relacionamento com Deus, ninguém jamais sofre
injustamente. Enquanto a culpa pelo pecado pesa sobre nós, ninguém pode
alegar que Deus é injusto em permitir o nosso sofrimento.

Se alguém injustamente me causa sofrimento, tenho todo direito de pleitear


minha defesa diante de Deus, assim como Jó o fez. Ao mesmo tempo, não
devo queixar-me a Deus de que ele está em falta para comigo ao permitir
que o

sofrimento caia sobre mim. Em termos de meu relacionamento com outras


pessoas posso ser inocente, mas em termos de meu relacionamento com
Deus, não sou uma vítima inocente.

Uma coisa é pedir a Deus por justiça nos meus relacionamentos com as
outras pessoas. Outra coisa é exigir justiça em meus relacionamentos com
Deus. Nada poderia ser mais perigoso que um pecador exigir justiça de
Deus. A pior coisa que poderia suceder a mim seria receber a pura justiça
de Deus.
Deus Tencionava o Bem

Todas estas considerações à parte, permanece o fato de que os discípulos


cometeram a falácia do falso dilema. Limitaram as razões para a cegueira
do homem a duas explicações possíveis (o pecado do próprio homem ou de
seus pais), quando havia pelo menos mais uma explicação para a cegueira,
que eles deixaram de considerar.

Jesus apontou o falso dilema dizendo: “Nenhuma das duas!” A razão pela
qual o homem nasceu cego não foi o seu pecado. Também não foi por causa
do pecado de seus pais. Jesus declarou que o homem nasceu cego “para que
se manifestem nele as obras de Deus.”

O cego de nascença foi afligido com a cegueira para a glória de Deus. Esta
é a conclusão espantosa que nosso Senhor revelou. É uma lição crucial para
nós. Serve como um aviso para que não tiremos conclusões apressadas
sobre o “por que” de nosso sofrimento.

Deus usou a cegueira do homem para sua maior glória. Aqui o “mal” da
doença e do sofrimento se toma útil para Deus. Ele triunfa sobre o mal e
cumpre o seu plano através dele. Lembramos o terrível sofrimento de José
nas mãos de seus irmãos. Entretanto, por causa da traição deles, o plano de
Deus para toda a história foi cumprido.

No momento de sua reconciliação com os irmãos, José exclamou: “Vós na


verdade intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para
fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn 50.20).

Aqui vemos Deus trabalhando através do mal para efetuar salvação. Isto
não torna o que foi praticado pelos irmãos de José menos mal. A traição de
Judas foi um ato vil. Trouxe sofrimento injusto para Jesus, assim como José
foi vítima da injustiça de seus irmãos. Mas, sobre toda a injustiça, toda dor,
todo sofrimento permanece um Deus soberano que executa seu plano de
salvação além, contra, ou mesmo Através do mal.

Confiando Apesar de Tudo


O que Jesus declarou a seus discípulos sobre o cego, está claramente
demonstrado no livro de Jó. Se os discípulos tivessem estudado bem este
livro do Antigo Testamento, talvez não tivessem caído na falácia do ou/ou.
Seu erro foi o mesmo erro cometido pelos amigos de Jó.

Jó protesta contra as palavras de seus amigos. Sua réplica é pungente:

Tenho ouvido muitas coisas como estas; todos vós sois consoladores
molestos. Porventura não terão fim estas palavras de vento? Ou o que é
que te instiga para responderes assim? Eu também poderia falar como
vós falais; se a vossa alma estivesse em lugar da minha, eu poderia
dirigir-vos um montão de palavras, e menear contra vós outros a
minha cabeça; poderia fortalecer-vos com as minhas palavras, e a
compaixão dos meus lábios abrandaria a vossador. Jó 16.2-5.

Considere o conselho que Jó recebeu de sua esposa:

Jó sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se. Então sua
mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e
morre.

Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o
bem de Deus, e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não
pecou Jó com seus lábios. Jó 2.8-10.

Uma das experiências mais difíceis que as pessoas enfrentam no meio do


sofrimento, é receber o conselho bem intencionado para abandonar a luta.
Este conselho normalmente vem daqueles que estão mais próximos de nós e
que nos amam mais. Foram os melhores amigos de Jesus que tentaram
dissuadi-lo de ir a Jerusalém, como vimos na repreensão de Pedro. Foi a
esposa de Jó quem lhe disse: “Amaldiçoa a Deus e morre!” Foi sua esposa
quem o encorajou a comprometer sua integridade para aliviar a dor.

Ela desejava o bem. Obviamente ela tinha compaixão de seu marido. Ela o
encorajou a tomar o caminho mais fácil. Suas palavras serviram apenas para
aumentar a frustração de Jó. Jó não entendia por que Deus o havia chamado
para sofrer, mas entendia que Deus o tinha chamado para sofrer. Era
suficientemente difícil para ele manter-se fiel à sua vocação sem que seus
queridos tentassem dissuadi-lo.

Lembro-me perfeitamente de minha primeira visita à Catedral de Cristal no


Jardim do Bosque, na Califórnia. Fui levado para uma visita à catedral por
um dos pastores auxi-liares de Robert Schuller. Nosso passeio nos levou até
uma estátua esculpida na pedra por um escultor escandinavo. Era uma
figura de Jó. Fui tomado pela emoção ao parar diante da majestosa obra de
arte. Ela mostrava a figura de

Jó, seu corpo retorcido e deformado em agonia. O detalhe da musculatura


lembrava um trabalho de Michelangelo.

Enquanto olhava fixamente para a figura pensei na técnica empregada pelos


artistas que seguem o princípio estético formulado pelo filósofo Herder. É o
princípio do “momento frutífero”. Pintores e escultores, por exemplo, não
exercem seu talento através do uso de câmaras de cinema ou gravadoras de
televisão. Seus objetos são imóveis, congelados num único momento de
tempo. O objetivo do artista é captar a essência cristalizada de seu tema ou
motivo, focalizando um momento grávido ou frutífero que resume e
apresenta a história. Esta é a razão por que Rembrandt rascunhava grande
número de cenas da vida de personagens bíblicos antes de decidir qual deles
iria pintar. É o Davi de Michelangelo procurando alcançar a pedra. É o
Pensador de Rodin em quietude, numa profunda reflexão. E o corpo de
Cristo repousando nos braços de sua mãe na Pietá.

Assim, o escultor que talhou a imagem de Jó no jardim da Catedral de


Cristal, captou Jó no momento frutífero do âmago de sua agonia. Na base
da escultura, cin-zelado na pedra estavam as palavras: “Eis que me mata-'
rá, já não tenho esperança; contudo defenderei meu procedimento” (Jó
13.15). (A tradução bíblica usada pelo autor apresenta um sentido quase
oposto “Mesmo que ele me mate, ainda assim confiarei nele”, n. do t.).

Quando li estas palavras na base da estátua, parei e chorei em silêncio.


Jamais outro mortal pronunciou palavras mais heróicas do que estas
palavras de testemunho dos lábios de Jó: “Mesmo que ele me mate,
ainda assim confiarei nele.”
Deus Mesmo como Resposta para o "Por Que Estou
Sofrendo?"

A confiança de Jó vacilou, mas nunca morreu. Ele se lamentou. Chorou.


Protestou. Questionou. Até mesmo amaldiçoou o dia de seu nascimento.
Mas agarrou-se firmemente à sua única esperança possível, sua confiança
em Deus. Houve ocasiões em que Jó esteve pendurado na ponta dos dedos.
Mas ele se segurou. Ele se amaldiçoou. Repreendeu sua esposa, mas nunca
amaldiçoou a Deus.

Jó implorou para que Deus respondesse suas perguntas. Desesperadamente


ele queria saber por que tinha sido chamado para suportar tanto sofrimento.
Finalmente Deus lhe respondeu do meio do redemoinho. Mas a resposta
não foi a que Jó esperava. Deus se recusou a apresentar a Jó uma explicação
detalhada das suas razões para o sofrimento. O conselho secreto de Deus
não foi revelado a Jó.

Em última análise, a única resposta que Deus deu a Jó foi uma revelação de
si mesmo. E como se Deus tivesse dito: “Jó, eu sou a sua resposta.” Jó não
foi chamado a confiar num plano, mas numa Pessoa, num Deus pessoal que
é soberano, sábio e bom. É como se Deus tivesse dito a Jó: Aprenda quem
eu sou. Quando você me conhecer, saberá o suficiente para enfrentar
qualquer coisa.”

Deus estava pedindo a Jó que exercitasse uma fé implícita. Uma fé implícita


não é uma fé cega. E a fé com visão, uma visão iluminada pela
conhecimento do caráter de Deus.

Se Deus nunca nos tivesse revelado qualquer coisa a seu respeito e exigisse
que confiássemos nele mesmo no escuro, então a exigência seria por uma fé
cega. Seriamos convocados a dar um salto cego de fé no terrível abismo das
trevas.

Mas Deus nunca exige estes salto tolos. Ele nunca nos chama para saltar
nas trevas. Ao contrário, ele nos chama para abandonar as trevas e entrar na
luz. É a luz da sua presença. A luz radiante da sua Pessoa, que não tem
sombra de variação. Quando somos banhados com o refulgente esplendor
da glória da sua pessoa, então a confiança não é cega.
Quando Jó declarou: “Mesmo que ele me mate, ainda assim confiarei nele”,
estava nos mostrando que, embora seu conhecimento de Deus fosse
limitado, mesmo assim era profundo. Ele conhecia suficientemente o
caráter de Deus para saber que ele era confiável. Ser confiável significa ser
digno de confiança.

Deus é digno de nossa confiança. Ele merece que confiemos nele. Quanto
mais entendemos sua perfeição, mais entendemos quão confiável ele é. Esta
é a razão por que a peregrinação cristã avança de fé em fé, de força em
força, de graça em graça. Ironicamente, é Através do sofrimento e da
tribulação que este progresso se faz. Esta é a razão pela qual Paulo pode
escrever as seguintes palavras:

E não somente isto, mas também nos gloriemos nas próprias tribulações,
sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança,
esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado.
Romanos 5.3-5.

Aqui somos assegurados de que “a esperança não desaponta”. Outras


traduções falam de uma esperança com a qual não ficamos envergonhados
ou embaraçados.

Esperança cega, assim como fé cega, sem dúvida nos desapontará.


Esperança cega tateia inutilmente nas trevas.

Tropeça em obstáculos que não são vistos. Colocar toda a esperança num
único objetivo e não ter a realização deste objetivo, é realmente
desapontador.

Esperança cega pode ser embaraçosa. Colocamos nossa cabeça para fora
apenas para nos sentirmos abandonados se nossa ousadia não der resultado.
A esperança que descansa em Cristo não ficará embaraçada. A vergonha
ficará para aqueles que colocam sua esperança em outras coisas. A
esperança que falha é aquela que não tem poder para vencer a morte.

Se minha esperança está colocada em qualquer coisa ou qualquer pessoa


menor do que aquele que tem poder sobre a morte, estou fadada a um
desapontamento final. O sofrimento me conduzirá à desesperança. Qualquer
dignidade (qualidade) que eu tenha se desintegrará.

E a esperança em Cristo que torna possível para nós perseverar em tempos


de tribulação e tristeza. Temos uma âncora para nossas almas que descansa
naquele que foi antes de nós e venceu.

MORRENDO FIRME NA FÉ

A pergunta que nos persegue a respeito da morte, não é se vamos morrer ou


não. Existe um humorismo terrível a respeito das duas coisas mais certas da
vida ■— morte e impostos. Mas algumas pessoas conseguem evitar ou
evadir-se dos impostos. O único jeito possível de evitar a morte seria
permanecer vivo até a volta de Cristo.

Tive de modificar as palavras de minha última sentença. Eu havia escrito as


seguinte palavras: “O único meio possível de evitar a morte é estar vivo
quando Cristo voltar.” Mudei o fraseado porque minha sentença original era
no mínimo enganosa, e no máximo herética.

O Novo Testamento nos assegura de que aqueles que estão em Cristo,


certamente estarão vivos no momento de sua vinda. Se morrermos antes
que ele retorne, seremos ressuscitados para testemunhar sua volta gloriosa:

Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que
dormem, para não

vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois se cremos
que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus,
trará juntamente em sua companhia os que dormem. Ora, ainda vos
declaramos por palavras do Senhor, isto: nós os vivos, os que ficarmos até
a vinda de Cristo, de modo algum precederemos os que dormem. Porque o
Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e
ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus e os mortos em Cristo
ressuscitarão primeiro; depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos
arrebatados juntamente com eles entre nuvens para o encontro do Senhor
nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Consolai-vos,
pois, uns aos outros com estas palavras. 1 Tessalonicenses 4.13-18.

Aqui o apóstolo Paulo dá uma descrição vivida daquilo que é popularmente


chamado de arrebatamento dos santos. Nenhum cristão ficará fora do
arrebatamento. Aqueles que permanecerem vivos até que isto se passe, de
maneira nenhuma terão vantagens sobre aqueles que já tiverem morrido. Os
mortos em Cristo serão ressuscitados para este evento.

Lembro-me de quando era criança e precisava ir para cama antes dos fogos
de artifício que comemoravam o Quatro de Julho (Dia da Independência
dos EUA, n. do e.). Eu não queria ir dormir porque tinha medo de perder
toda a festa. Meus pais superaram minha ansiedade prometendo que me
acordariam em tempo de ver os fogos. Eles cumpriram sua promessa.

Nenhum cristão continuará adormecido durante a Segunda Vinda de Cristo.


Nenhum de nós é testemunha ocular do nascimento de Cristo. Perdemos sua
mostra de milagres

durante seu ministério terreno. Ninguém que esteja vivo hoje contemplou a
Cristo na cruz. Nenhum de nós é testemunha ocular de sua ressurreição
gloriosa ou de sua ascensão aos céus. Mas todos seremos testemunhas
oculares de sua volta. O clímax da exaltação de Jesus será visto por
todo crente. Deus ressuscitará os mortos para garantir que todo olho veja
sua volta triunfante.

Este evento delimita o único “se” a respeito de nossa morte.

O Grande Divisor: Morrer em Fé ou em Pecado

Temos muitas perguntas a respeito de nossa própria morte. Perguntamos a


nós mesmos onde morreremos. Perguntamos quando morreremos.
Perguntamos por que vamos morrer. Entretanto, a principal preocupação da
Escrituras é sobre como morreremos. Esta é a grande questão. A
questão que está repleta de significado.

Certa vez recebi um recado de um professor de teologia, Dr. John Gerstner.


Naquela nota ele me deu notícias de um amigo comum que havia
sucumbido a um câncer. As palavras simples, mas agudas de Gerstner eram
as seguintes: “Tom Graham morreu firme na fé.”

Estas poucas palavras: “Tom Graham morreu firme na fé” me disseram


muito. Gerstner estava dizendo que Tom morreu como Cristão. Ele
permaneceu fiel até o fim.

As Escrituras têm muito a dizer sobre como morremos. Do ponto de vista


bíblico há somente duas maneiras possíveis de morrer. A Bíblia ignora as
várias causas da morte. Sabemos que podemos morrer de câncer, de um
ataque cardíaco, estrangulados, com um ferimento causado por uma bala de
revólver, ou uma quantidade de outras causas mortais. Mas as causas
biológicas da morte não são a principal preocupação das Escrituras.

Quando as Escrituras falam sobre o como da morte, o foco está sobre o


estado espiritual da pessoa na hora de sua morte. Aqui vemos o “como” da
morte reduzido a apenas duas opções. Ou morremos em fé, ou morremos
em nossos pecados.

Filho do homem: Eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel: da minha


boca ouvir ás a palavra, e os avisarás da minha parte. Quando eu disser
ao perverso: Certamente morrer ás; e tu não o avisa-res, e nada disseres
para o advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse
perverso morrerá na sua iniqüidade, mas o seu sangue da tua mão o
requererei. Mas, se avisares o perverso, e ele não se converter da sua
maldade e do seu caminho perverso, ele morrerá na sua iniqüidade, mas
tu salvaste a tua alma. Ezequiel 3.17-19.

O que Ezequiel declara no Antigo Testamento, Jesus reafirma no Novo


Testamento: “Por isso eu vos disse que morrereis nos vossos pecados;
porque se não crerdes que eu sou morrereis nos vossos pecados.” (Jo 8.24).

Muitas vezes pensamos que a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é
morrer. Esta não é a mensagem de Jesus. De acordo com Cristo, a pior coisa
que pode acontecer a nós é morrermos em nossos pecados.

Esta é a mensagem bíblica que tem sido tão largamente ignorada em nossos
dias. Gostamos de acreditar que todo aquele que morre vai automaticamente
para o céu. Presumimos que o único bilhete que se requer para entrar
no reino de Deus é a morte. A advertência exigida por Ezequiel é ignorada
porque não acreditamos que ela seja necessária.

A Necessidade de Palavras de Advertência

Recentemente tive a oportunidade de conversar com Billy Graham. Durante


a conversa mencionei uma experiência que tive durante meu período de
faculdade. Lembrei-me de estar em pé ao lado de um aparelho de televisão
num dormitório masculino no final dos anos cinqüenta. Tínhamos nos
reunidos para assistir a um programa de televisão no qual Billy Graham
estava sendo entrevistado.

Ao entrevistar Billy Graham, o entrevistador tentou manter o diálogo leve e


bem humorado. Brincou a respeito do estado de sua própria alma. Dr.
Graham manteve sua postura, e com dignidade e delicadeza disse ao
entrevistador, numa rede nacional de televisão, que ele precisava de Cristo.

Trinta anos mais tarde perguntei ao Dr. Graham sobre aquele episódio. Ele
respondeu que ainda se comunica com o entrevistador e lembra a ele de sua
necessidade de Cristo. Dr. Graham realmente se preocupa com este homem
e não deseja que ele morra em seus pecados.

Falar a uma pessoa que está morrendo sobre sua necessidade de um


Salvador não é fácil. A última coisa que desejamos a alguém em tais
condições é perturbá-la com qualquer coisa que a faça sentir-se
desconfortável. Pensamos que não discutir tais questões é um ato de
bondade humana.

Deus nos ordena que falemos aos que estão morrendo sobre sua necessidade
de um Salvador. Ezequiel deixa isto claro como água. Se amamos as
pessoas, devemos avisá-las das conseqüências de morrer nos seus pecados.

Lembramo-nos das queixas que Jeremias trouxe diante de Deus. Jeremias


estava aborrecido porque Deus o havia chamado para anunciar e avisar ao
povo aquilo que eles não queriam ouvir. Para tornar as coisas ainda piores
para
Jeremias, seu ministério estava sendo solapado por falsos profetas, que
eram muito populares com as pessoas porque diziam exatamente aquilo que
elas desejavam ouvir.

Eles proclamavam: “Paz, paz” quando não havia paz. A Palavra de Deus
declarava:

Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos
enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que
vem da boca do Senhor. Dizem continuamente aos que me desprezam: O
Senhor disse: Paz tereis; e a qualquer que anda segundo a dureza do seu
coração dizem: Não virá mal sobre vós. Jeremias 23.16-17.

A mensagem dos falsos profetas serviu apenas para “curar superficialmente


a ferida do meu povo” (Veja Jeremias 8.11). Palavras falsas de conforto são
como colocar bandeide num câncer. A melhora é no máximo superficial.
Aqui a forma rude de um alívio superficial e temporário é substituída pelo
autêntico Bálsamo de Gileade.

A grande mentira é aquela que declara que não existe um julgamento final.
Entretanto, se Jesus de Nazaré ensinou alguma coisa, ele enfaticamente
declarou que haverá um Julgamento Final. Não respeitamos a Jesus como
Mestre se ignoramos seu ensino nesta questão. Considere as
seguintes palavras de Cristo:

Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com


ele, então se assentará no trono da sua glória: e todas as nações serão
reunidas na sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor
separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os
cabritos à esquerda; Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita:
Vinde benditos de meu Pai! Entrai na posse

do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo... Então o


Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. E irão
estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna. Mateus
26.31-46.
Aqui Jesus pronuncia palavras graves de advertência. Aqueles que morrem
em seus pecados serão separados: serão contados com os cabritos.

Em outra ocasião Jesus amplia esta advertência. Ele avisa que “Nada há
oculto que não haja de manifestar-se, nem escondido que não venha a ser
conhecido e revelado.” (Lc 8.17). Outra vez ele diz: “Nada há encoberto
que não venha a ser revelado; e oculto que não venha a ser conhecido.
Porque tudo o que dissestes às escuras, será ouvido em plena luz; e o que
dissestes aos ouvidos no interior da casa será proclamado dos eirados” (Lc
12.2-3).

Jesus adverte que chegará o dia em que todos os segredos serão conhecidos.
Será o final de todos os disfarces deste mundo. Todos os esconderijos serão
abertos e os segredos vergonhosos aparecerão plenamente visíveis. Os
pecados de todos nós serão conhecidos, a menos que estejamos “cobertos”
pelo manto da justiça de Cristo.

Este dia futuro de nudez será o dia em que aqueles que morrem em seus
pecados “dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: Cobrí-nos!” (Lc
23.30).

Fugindo da Ira Vindoura

O Novo Testamento descreve Jesus como “Salvador”. O nome “Jesus” foi


anunciado pela arcanjo Gabriel quando visitou Maria. Outra mensagem
angelical a José confirmou o nome: Ela dará à luz um filho e lhe porás o
nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21).

A salvação da qual a Bíblia nos fala tem um objetivo específico. O termo


salvação em geral pode ser usado para muitas coisas. Qualquer tipo de
resgate de perigos ou calamidades pode ser chamado salvação.
Biblicamente uma pessoa pode ser salva de uma doença ou de um desastre
financeiro. Se um exército escapa da derrota numa guerra, ele experimenta
salvação.

Mas a salvação efetuada por Jesus não é deste tipo geral. Jesus nos salva
“da ira vindoura” (1 Ts 1.10).
A pregação de João Batista acentuou esta advertência do futuro. João falou
asperamente com os fariseus e saduceus, os clérigos de sua época, dizendo:
“Quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” (Mt 3.7).

A advertência dada ao Israel do primeiro século é a mesma que tem sido tão
terrivelmente negligenciada em nossos dias.

Recentemente ouvi, de passagem, uma conversa entre dois homens.


Estavam discutindo o sermão pregado por um pastor visitante numa igreja
presbiteriana. O primeiro perguntou: “Que tal foi o pregador no domingo?”

O segundo homem respondeu: “Foi um pregador antiquado. Pregou sobre


fogo e enxofre.”

O que classificava o pregador como antiquado era o fato de que ele havia
falado sobre o Julgamento Final. O conceito está ultrapassado. Não está
mais em voga. Em nossa cultura está fora de moda falar sobre Julgamento
Final.

Estou certo de que conversações semelhantes aconteceram na época de


Jesus. Alguns que ouviram as pregações de João Batista e de Jesus, sem
dúvida as chamaram de “antiquadas”. Talvez algumas pessoas tenham dito
algo assim: “Ah, aqueles homens são antiquados. Falam como os profetas
do Antigo Testamento.”

É estranho que sejamos tão rápidos para desprezar como antiquado


qualquer menção sobre o julgamento final. É especialmente estranho numa
época e numa cultura tão preocupada com justiça. Temos lutado por justiça
civil, justiça social, justiça internacional. Entretanto, observamos aquilo que
o filósofo Imanuel Kant já havia observado tão aguçadamente: nem sempre
a justiça prevalece neste mundo.

O Deus da história é um Deus de Justiça. Seu próprio caráter é justo. Não


corrigir as injustiças deste mundo, permitir que as balanças da justiça
permaneçam para sempre desequilibradas, seria, para Deus, comprometer
sua própria integridade. Isto é precisamente o que ele se recusa a fazer. Ele
promete justiça final.
Justiça Final e Julgamento Final

O Juiz de toda a terra não pode produzir justiça final sem um julgamento
final. Ele insiste em que todos os seres humanos serão responsabilizados
por suas ações. Se, em última análise não somos responsáveis, a única
conclusão a que podemos chegar é de que não temos importância.
No fundo, isto significaria que em última análise não importa como
vivemos nossa vida. Mas todos nós sabemos que é importante como as
pessoas vivem.

Importa para mim como as pessoas me tratam. Para você, importa como as
pessoas a tratam. Todos nós temos sido vítimas de injustiça em alguma
ocasião da vida. Todos nós temos cometido injustiça para com nossos
semelhantes. A razão pela qual sofremos injustiça é porque, como
pecadores, somos pessoas injustas.

O dilema que enfrentamos é este: Deus é justo. Nós somos injustos. Este é o
pior dilema que os seres humanos podem enfrentar. Uma coisa é o culpado
enfrentar a justiça

imposta por nosso sistema de justiça criminal. Comparecer diante do


tribunal de Deus é outra coisa diferente. Clamamos com Davi: “Se
observares, Senhor, iniqüidade, quem Senhor subsistirá?” (SI 130.3).

A pergunta de Davi não é uma pergunta retórica. A resposta é óbvia:


Ninguém poderá subsistir. A questão central do cristianismo é a questão da
justificação. Ela enfrenta o dilema de frente. Ser justificado é o único
caminho viável para uma pessoa injusta comparecer diante de um Deus
justo e santo. Se permanecermos não justificados morreremos em nossos
pecados.

A única maneira de sermos justificados é através da retidão de Cristo.


Apenas ele tem o mérito necessário para nos cobrir. Aquela retidão é
recebida pela fé. Se confiamos em Cristo somos cobertos por sua retidão e
justificados pela fé. Se não cremos em Cristo, compareceremos diante do
julgamento de Deus sozinhos, uma pessoa injusta diante de um Deus justo.
Você pode estar pensando: “Não sou uma pessoa injusta. Nunca matei
ninguém. Nunca roubei nada que não fosse meu.” Sem dúvida, se você é
perfeitamente justo, não precisa de um Salvador. Se você nunca quebrou a
Lei de Deus, não precisa temer o seu julgamento.

Entretanto, sofremos de duas grandes ilusões. A primeira é de que somos


suficientemente justos para comparecer diante de Deus. É uma ilusão
porque todos pecamos. Estaríamos nos enganando a nós mesmos ao
extremo se pensássemos que somos perfeitos.

Apenas algumas pessoas se tornam tão iludidas a ponto de pensar que são
perfeitos. Este não é o tipo de engano que a maioria de nós comete. E o
segundo engano que derruba a maioria de nós. O fato de que Deus é justo e
nós somos injustos, não parece nos preocupar muito.

Nutrimos a esperança de que uma vez que Deus é também um Deus


misericordioso e amoroso, ele arrumará um lugar para nós no céu, mesmo
que nunca nos arrependamos de nossos pecados, e aceitemos a Cristo o
Salvador. Pensamos que a fé não é uma condição necessária para a
salvação.

Esta ilusão lança um insulto à misericórdia de Deus. Ela assume que ao


crucificar por nós o seu Filho unigênito, Deus não fez o suficiente. O fato
de ele requerer fé e confiança no Salvador que nos redime, parece meio
intolerante de sua parte.

O autor de Hebreus elabora a advertência a respeito das conseqüências que


resultam de ignorarmos o ato sacerdotal de redenção operado por Jesus. Ele
levanta outra questão retórica: “como escaparemos nós se negligenciarmos
tão grande salvação? a qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor,
foi-nos depois confirmada pêlos que a ouviram” (Hb 2.3).

Este perigo da negligência é seguido por outras admo-estações:

Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós


perverso coração de incredulidade que vos afaste de Deus vivo; pelo
contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se
chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do
pecado... E contra quem jurou que não entrariam no seu descanso, senão
contra os que foram desobedientes? Vemos pois que não puderam entrar
por causa da incredulidade. Hebreus 3.12-19.

Não sei quando você está lendo este livro. Não tenho como saber qual é a
data no seu calendário. Mas qualquer

que seja o dia da semana ou do mês, uma coisa é certa: Você está lendo
estas palavras “hoje”. Verificamos que a admoestação de Hebreus é para
hoje, enquanto ainda é hoje. Se nossa negligência continuar até amanhã,
pode ser muito tarde.

O aviso das Escrituras enfatizam que, enquanto retardamos o


arrependimento e a fé, corremos o risco de sermos endurecidos pelo engano
do pecado. Ouvimos a pregação do evangelho com tanta freqüência que
podemos nos tornar calejados a seu respeito. Nossos corações se
tornam calcificados; nossas consciências, cauterizadas. É assim que o
pecado trabalha. Primeiro nos desculpamos e procuramos todas as formas
de autojustificação. Finalmente nos iludimos pensando que a fé e o
arrependimento não são necessários.

A Necessidade de Não Retardar

Deus diz que arrependimento e fé são necessários, extremamente


necessários. A carta aos Hebreus declara que Deus é tão sério a este
respeito que jurou não permitir que o desobediente entre em seu descanso.
Nunca houve um juramento mais sagrado do que este voto santo. O pior
tipo de ilusão é sequer imaginar que Deus possa não manter este voto.

O autor de Hebreus conclui dizendo: “Vemos, pois, que não puderam entrar
por causa da incredulidade” (Hb 3.19).

Se a pessoa permanece na incredulidade, será simplesmente impossível para


ela entrar no descanso de Deus. Incredulidade é uma barreira para
atingirmos o céu.

Vemos, portanto, que há apenas duas maneiras de morrer. Podemos morrer


firmes na fé, ou podemos morrer em nossos pecados.
Quando enfrentaremos o julgamento de Deus? Há oportunidade para fé e
arrependimento depois que morrermos?

Muitas pessoas agarram-se à esperança de uma segunda oportunidade


depois da morte. A igreja Católica Romana nutre esta esperança com a
doutrina do purgatório. Purgatório é um lugar de “purgar” para aqueles que
ainda precisam de alguma purificação antes de entrarem no céu.
Portanto, missas são rezadas e orações são oferecidas pelos mortos. (O
ensino oficial da igreja Católica Romana é de que aqueles que estão no
purgatório são Cristãos batizados que no momento certo entrarão no céu.
Entretanto, parece que na imaginação popular de muito católicos e não
católicos, purgatório é um lugar onde os pecadores recebem uma
segunda chance de consertar os seus caminhos e chegar ao céu, ajudados
pelas obras dos que estão vivos.)

Se já houve uma doutrina inventada para atender as necessidades de uma


humanidade apavorada, essa doutrina é a do purgatório. Mas as Escrituras
não oferecem a menor prova para apoiar a idéia.

Pelo contrário, a ênfase urgente das Escrituras é sobre a necessidade de


arrependimento antes de morrermos. Novamente é o autor de Hebreus que
declara: “E assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez e,
depois disso, o juízo” (Hb 9.27).

Lembro-me com muita afeição de meu tio que morou em nossa casa
conosco quando éramos meninos. Era um homem duro, com músculos
avantajados e uma boca irreverente. Lembro-me perfeitamente de que ele
sempre parecia ter uma sólida camada de graxa preta debaixo de suas
unhas. Meu tio não tinha tempo para religião e para a igreja. Ele pensava
que religião era para os fracos.

Quando contei que estava indo para o seminário preparar-me para o


ministério, meu tio quase teve um ataque.

Ele caçoou de mim sem parar. Brincou que logo eu estaria usando meu
colarinho de traz para diante e andaria com uma camisa preta.
Pouco depois de minha ordenação meu tio caiu com uma doença terminal.
Mais ou menos uma semana antes de sua morte, eu o visitei em seu quarto.
Ele estava morrendo e sabia disto. Agora não havia brincadeiras. Meu tio
estava seriamente preocupado a respeito de seu destino. Ele me disse: “Não
estou preparado para ir.”

Conversamos sobre Cristo. Meu tio fez uma profissão de fé séria. Resolveu
as questões entre ele e Deus. Morreu na fé.

Assim como Deus fez um juramento de que o impeni-tente não entrará em


seu descanso, assim ele jurou que aqueles que se arrependem e crêem em
Cristo entrarão no seu descanso.

Novamente o autor de Hebreus elabora:

Temamos, portanto que, sendo-nos deixada a promessa de entrar no


descanso de Deus, suceda parecer que algum de vós tenha falhado... Nós,
porém, que cremos, entramos no descanso. Hebreus 4.1-3.

A carta aos Hebreus conclui seu quarto capítulo com as seguintes palavras:

Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que
penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não
temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas, antes foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança,
mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto
ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça
para socorro em ocasião oportuna. Hebreus 4.14-16.

Se morremos na fé, nos ajuntamos à grande assembléia daqueles que foram


antes de nós. Hebreus nos apresenta uma litania dos heróis da fé que já
morreram.

Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício... Pela fé Enoque
foi trasladado... Pela fé Noé divinamente instruído acerca de
acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou
uma arca... Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para
um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber para onde
ia... Pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe... Todos
estes morreram na fé, sem terem obtido as promessas, vendo-as,
porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e
peregrinos sobre a terra. Porque os que falam deste modo manifestam
estar procurando uma pátria. E, se, na verdade se lembrassem daquela de
onde saíram teriam oportunidade de voltar. Mas agora aspiram uma
pátria superior, isto é, celestial.

Por isso Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus,
porquanto lhes preparou uma cidade. Hebreus 11.4-11, 13-16.

Se morrermos na fé, nos reuniremos a Abel, Enoque, Noé, e todos os


outros. Seremos contados entre aqueles de quem Deus não se envergonha
de ser chamado o seu Deus. A cidade que ele preparou será nossa. O justo
viverá pela fé. Ele são realmente justificados pela fé, e o justo morrerá
na fé.
FÉ E SOFRIMENTO

A vida da fé não é constante. Nossa fé vacila; oscila entre momentos de


suprema exaltação e períodos de prova que nos empurram até a beira do
desespero. A dúvida acende luzes de perigo sobre nós e ameaça nossa paz.
Raro é o santo que tem um espírito tranqüilo em todas as circunstâncias.

Paulo escreve com agudeza sobre suas próprias lutas em períodos de


dificuldade.

Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém


não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos,
porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus para
que também a sua vida se manifeste em nosso corpo, 2 Coríntios 4.8-10.

Todos sabemos o que significa sofrer grandes pressões. Usamos a palavra


pressão para descrever momentos tensos em nossa vida. Problemas no
emprego, problemas

no casamento, problemas em nossos relacionamentos podem amontoar-se e


atacar o nosso espírito.

Quando adicionamos a estas pressões diárias a morte trágica de um ente


querido, ou as dificuldades de uma doença prolongada, então sentimos a dor
de estarmos sendo fortemente pressionados.

Paulo diz que “em tudo somos atribulados, porém não angustiados.” Aqui
os limites de nosso sofrimento são definidos. Não há nenhuma tentativa de
mascarar a dor com uma piedade mentirosa. O Cristão não é um estóico.
Nem tampouco foge para um mundo de fantasia que nega a realidade do
sofrimento. Paulo admitiu livremente a pressão que experimentou.

Ser fortemente pressionado (atribulado) é sentir-se como um carro usado


que foi levado para um ferro velho e colocado num compactador de metal.
Ser altamente pressionado é sentir um peso maciço sobre nós. Um peso
tão grande que ameaça nos esmagar.
Quando experimentamos um sofrimento profundo, costumamos dizer:
“estou esmagado”. Mas isto é uma hipérbole. Podemos nos sentir
esmagados; podemos chegar perto de sermos esmagados. Mas a confiante e
corajosa declaração do apóstolo é de que não somos esmagados. Falamos
da “gota d’água que transborda o jarro.” E exageramos a expressão falando
da “última gota d’água”.

Recentemente filiei-me aos Vigilantes do Peso. Na reunião inicial para


orientação, cada um recebeu vários itens, incluindo um guia de alimentos,
uma tabela diária para registrar o que fosse consumido, um livreto de
exercícios e um canudinho. Quando nos aproximávamos do fim da reunião,
e as instruções para o programa estavam terminadas, a instrutora perguntou:
“O que os fez decidir filiarem-se aos Vigilantes do Peso?” Vários membros
do grupo deram

suas respostas. Cada pessoa tinha uma razão diferente. Eles se viram numa
fotografia recente, e ficaram horrorizados; tiveram que aumentar o número
do manequim; seu médico lhes disse que precisavam perder peso; e outras
razões.

Depois desta conversa, a instrutora segurou um canu-dinho de refresco.


“Este é o seu último canudinho,” disse ela. “Ele representa a razão pela qual
você decidiu juntar-se ao programa. Leve-o para casa e coloque-o numa
posição de destaque. Grude-o na porta da geladeira. Toda vez que
você vacilar em seu desejo de perder peso, olhe para ele. Deixe que ele
lembre por que você está aqui” (O provérbio em inglês fala da “palha que
quebra as costas do camelo”, e há um jogo de palavras entre palha straw, e
canudinho drinking straw, n. do t.).

Duvido que as costas de um camelo tenham sido alguma vez quebradas por
um canudinho. O provérbio original tem sua origem no Oriente Médio,
onde os camelos ainda são usados como animais de carga. O camelo deve
carregar a palha que é colhida. Há um limite para a quantidade de palha que
um camelo consegue carregar. As costas de todo camelo tem um limite de
ruptura. A diferença entre uma carga tolerável e aquela que esmaga, pode
ser um único pedaço de palha.
Não sei quanta palha um camelo pode carregar. Não sei quão pesado será o
fardo que posso carregar. Todos nós, entretanto, temos a tendência de supor
que podemos carregar muito menos do que aquilo que nossas forças
realmente suportam.

"Meu Fardo É Leve"

Houve ocasiões em minha vida em que fiz orações tolas. Quando estive sob
muita pressão clamei a Deus: “Só até aqui, Senhor. Não posso suportar
outro revés.

Mais uma palha e eu estou esmagado.” Parece que todas as vezes que oro
assim, Deus coloca um novo fardo sobre meus ombros. É como se ele
respondesse minha oração dizendo: “Não me diga o quanto você pode
suportar.”

Deus conhece nossos limites muito melhor do que nós mesmos. De uma
certa forma somos muito parecidos com os camelos. Quando a carga do
camelo já está pesada, ele não pede ao seu dono que coloque mais peso.
Seus joelhos cambaleiam e ele geme debaixo da carga, mas ainda
existe espaço para mais carga antes que suas costas quebrem.

Deus não promete que jamais nos dará uma carga maior do que aquela que
desejamos levar. A promessa de Deus é que ele nunca porá sobre nós mais
do que aquilo que realmente podemos suportar.

Note que Paulo não disse: “ Somos levemente pressionados de todos os


lados.” Ele disse que somos duramente pressionados. A primeira vista estas
palavras parecem estar em direto conflito com as promessas de Cristo. Jesus
disse:

Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos


aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou
manso e humilde de coração; e achareis descanso para vossas almas.
Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. Mateus 11.28-30.

É esta última sentença que me tem feito pensar. Nem sempre me parece que
o fardo que Cristo nos dá é tão leve assim. Quase temos a impressão de que
Cristo se aproxima de nós com fingimento (falsa aparência). Mas suas
palavras são verdadeiras. Ele realmente dá descanso àqueles que estão
sobrecarregados. As palavras fácil e leve são termos relativos. Fácil é
relativo a um padrão de dificuldade. Leve é relativo a um padrão de peso.

Aquilo que é difícil suportar sem Cristo, torna-se muito mais suportável
com Cristo. Aquilo que é um fardo pesado para carregar sozinho, se torna
um fardo muito mais leve para carregar com seu auxílio.

É exatamente a presença e o auxílio de Cristo em ocasiões de sofrimento


que nos possibilita permanecer em pé mesmo sob pressão. E por causa de
Cristo que Paulo podia triunfantemente declarar que, embora fosse
duramente pressionado, não estava esmagado. Podemos nos sentir como um
automóvel num compactador de metais, mas Cristo se coloca como um
escudo para impedir que o peso caia inteiramente sobre nós.

Sofrer sem Cristo é arricar-se a ser total e completamente esmagado. Muitas


vezes me pergunto como as pessoas lidam com as dificuldades da vida sem
a força que encontramos em Cristo. Sua presença e conforto são tão vitais
que não fico surpreendido quando não-crentes acusam os Cristãos de
usarem a religião como muleta. Lembramos a acusação de Karl Max de que
religião é o ópio do povo. Ele se referia ao ópio como um narcótico usado
para aliviar a dor. Outros têm acusado a religião de ser um sedativo usado
pelos fracos em ocasiões de sofrimento.

Alguns anos atrás fui operado do joelho. Durante minha recuperação usei
muletas. Usei as muletas porque precisava delas. Da mesma maneira,
alguns anos antes fui hospitalizado para outra operação. Depois da cirurgia,
eu recebia remédios para aliviar a dor de quatro em quatro horas. Lembro-
me de ficar vigiando o relógio durante a quarta hora ansiosamente
esperando o momento em que poderia apertar o botão da campainha para
chamar a enfermeira e receber outra dose. Fiquei agradecido pelo
analgésico. Fiquei agradecido por minhas muletas.

Sou muito mais agradecido por Cristo. Não é vergonha clamar por seu
auxílio em ocasiões de sofrimento. É seu prazer ministrar a nós em nossa
dor. Não há nenhuma ofensa na misericórdia de Deus pelos aflitos. Ele é
como um Pai que se compadece de seus filhos e se adianta para confortá-
los em tempos de dor. Sofrer sem o conforto de Deus não é nenhuma
virtude. Ao contrário de Karl Max, apoiar em seu conforto não é nenhum
defeito.

Paulo acrescenta: “Ficamos perplexos, mas não desesperados.” Muitas


vezes a perplexidade acompanha o sofrimento. Quando somos atingidos por
doença ou tristeza, ficamos muitas vezes desnorteados e confusos. Nossa
primeira pergunta é por que. Perguntamos: Como Deus pode permitir que
isto acontecesse comigo?

Lembro-me da história de um pai atormentado que estava profundamente


triste com a morte de seu filho. Ele foi ao seu pastor e com uma raiva
desnorteada perguntou: “Onde estava Deus quando meu filho morreu?” O
pastor respondeu com um espírito calmo: “No mesmo lugar em que estava
quando o filho dele morreu.”

Surpreendidos pelo Sofrimento

Existe um elemento de surpresa ligado ao sofrimento. Aprendemos logo


cedo que a dor faz parte da vida, mas o processo de aprendizagem é,
normalmente, gradual. Sempre me divirto com a maneira como meu neto de
três anos lida com a dor. Quando algo o machuca ele diz: “Vovô, tenho um
‘ai-ai’.” Ele usa a expressão “ai-ai” como um substantivo. Se o “ai-ai” é
pequeno, apenas um beijo o fará desaparecer. Se é mais sério ele pede um
“culativo”.

A maior parte das doenças e machucados das crianças são simples. Quando
uma criança pega uma infecção estomacal, ela normalmente não se
preocupa com um câncer.

Ela aprende logo que os desconfortos das doenças infantis passam


rapidamente. Quando nos tornamos adultos mudamos para um outro nível
de doença e dor. Embora a mudança se faça Através de estágios de
preparação, nunca estamos realmente prontos quando somos afligidos com
uma doença mais séria.
Lembro-me da primeira vez que minha filha foi hospitalizada. Ela tinha seis
anos de idade e precisava tirar as amídalas. Sua mãe e eu percorremos todos
os passos necessários para ampará-la e prepará-la para o que ia acontecer.
Lemos juntos os livros infantis que falavam a respeito de ir para o hospital.
Asseguramos a ela que depois da operação ela poderia pedir seu sorvete
preferido.

A viagem até o hospital foi uma aventura. A ala pediátrica do hospital


estava alegremente decorada. As enfermeiras distraíram nossa filha e sua
companheira de quarto com brinquedos. Seu espírito estava alto e a
apreensão era mínima.

Quando as meninas foram levadas para a cirurgia, esperámos a sua volta na


sala de recuperação. Nunca me esquecerei da visão de minha filha quando
ela olhou para mim depois de ter acordado. Ela estava com um
aspecto deplorável. Havia sangue seco grudado na borda de seus lábios. Sua
face estava cinzenta. Mas, o mais assustador era seu olhar de medo, choque
e traição. Ela estava experimentando uma nova fronteira da dor. Era como
se ela estivesse me dizendo com seus olhos: “Como você pôde fazer isso?
Você sabia que ia ser assim e você mentiu para mim.” A última coisa que a
interessava no momento era o sorvete.

Minha filha foi surpreendida pela dor. Ela estava perplexa. Sua dor não era
o que ela esperava. Tenho certeza de que ela tinha as mesmas perguntas a
meu respeito que temos

a respeito de nosso Pai Celestial quando uma dor inesperada é lançada


sobre nós.

Quando a perplexidade é adicionada ao sofrimento ficamos surpresos de


que Deus tenha permitido que uma aflição tão profunda caísse sobre nós. A
surpresa origina-se não tanto daquilo que Deus nos ensina a crer, mas
daquilo que ouvimos de professores mal orientados. A pessoa zelosa
que nos promete uma vida livre de sofrimentos encontrou sua mensagem
em outra fonte que não as Escrituras.

Somos admoestados pelas Escrituras a não pensar que o sofrimento é algo


estranho ou fora do comum. Pedro escreve:
Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós,
destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse
acontecendo, pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-
participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de
sua glória vos alegreis exultando. 1 Pedro 4.12-13.

Aqui Pedro faz eco ao tema que já estudamos nos escritos de Paulo. Onde
Paulo fala sobre “preencher o que está faltando” nos sofrimentos de Cristo,
Pedro fala a respeito de “participar” dos sofrimentos de Cristo.

Pedro acrescenta as seguintes palavras:

Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou


malfeitor, ou como quem se intromete em negócio de outrem; mas se
sofrer como cristão não se envergonhe disso, antes gloriflque a Deus com
este nome. 1 Pedro 4.15-16.

Quando o criminoso sofre por seu crime, pode ficar angustiado, mas não
tem nenhuma razão para ficar perplexo.

Não há nenhuma surpresa em que a conseqüência do crime seja a punição.


Existe vergonha relacionada a este tipo de sofrimento.

Sofrer como Cristão não traz nenhuma vergonha. Pedro conclui:

Por isso também os que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem


as suas almas ao fiel Criador, na prática do bem. 1 Pedro 4.19.

Com esta conclusão Pedro apaga toda dúvida a respeito da pergunta de se é


da vontade de Deus que devamos sofrer. Ele fala daqueles que sofrem
“segundo a vontade de Deus.” O texto significa que o sofrimento é parte da
vontade soberana de Deus.

Anteriormente em sua epístola Pedro havia falado a respeito dos frutos de


nosso sofrimento:

Nisso exultai, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais


contristados por várias provações, para que o valor da vossa fé, uma
vez confirmado, muito mais precioso que o ouro perecível, mesmo
apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de
Jesus Cristo, a quem, não havendo visto amais; no qual, não vendo
agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória
obtendo o fim de vossa fé, a salvação das vossas almas. 1 Pedro 1.6-9.

Esta passagem traz a resposta de como é possível estar perplexo, mas não
em desespero. Nosso sofrimento tem um propósito. Tem um objetivo — o
fim de nossa fé é a salvação de nossas almas. O sofrimento é um cadinho.
Assim como o ouro é refinado no fogo, purificado de seus detritos e
impurezas, assim nossa fé é testada pelo fogo.

O ouro perece. Nossas almas, não. Por um certo tempo experimentamos dor
e sofrimento. É quando estamos no fogo que a perplexidade nos assalta.
Mas há um outro lado do fogo. A medida que os detritos são queimados, a
fé genuína é purificada para salvação de nossas almas.

Desespero e Desejo de Morrer

Quando não percebemos nenhum sentido em nosso sofrimento — quando


não vemos propósito — então somos tentados a desesperar. Uma mulher
que suporta o trabalho de parto é capaz de fazê-lo porque sabe que o
resultado será uma nova vida.

Aqueles que sofrem com uma doença terminal não têm a mesma esperança
de um bom resultado como no caso do parto. Para eles a dor parece ser a
dor para a morte e não para a vida. Isto realmente seria verdade se não
hovesse salvação. Se a morte fosse o fim de tudo, então o sofrimento que a
antecede nos levaria a um desepero completo e final. A mensagem de Cristo
é de que a morte não nos leva ao nada, mas à vida. Podemos usar a analogia
do parto. Ela é usada para descrever o sofrimento de Cristo e de toda a
criação: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma, e ficará
satisfeito” (Is 53.í 1).

Porque sabemos que sabemos que toda a criação a um só tempo geme e


suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que
temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo,
aguardando a adoção de filhos, a redenção de nosso corpo. Romanos
8.22-23.

Ficamos perplexos, mas não desesperados. A dor do sofrimento em si seria


suficiente para nos levar ao sofrimento, se não estivéssemos persuadidos da
redenção que nos

espera. Entretanto, mesmo esta redenção não é suficiente para nos impedir
de chegar à beira do desespero.

Repetidamente as Escrituras nos revelam as lutas dos maiores santos com o


problema do desespero. Mais de uma personagem bíblica amaldiçoou o dia
de seu nascimento e suplicou pelo privilégio da morte. Moisés enfrentou a
noite escura da alma quando clamou a Deus:

Se assim me tratas, mata-me de uma vez, eu te peço, se tenho achado


favor aos teus olhos; e não me deixes ver a minha miséria. Números
11.15.

Jó amaldiçoou o dia do seu nascimento dizendo:

Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? Por
que houve regaço que me acolhesse? E por que os peitos para que eu
mamasse? Porque já agora repousaria tranqüilo; dormiria, e então
haveria para mim descanso. Jó 3.11-13.

Jeremias expressou o mesmo sentimento.

Maldito o dia em que nasci; não seja bendito o dia em que me deu à luz
minha mãe. Maldito o homem que deu as novas a meu pai dizendo:
Nasceu-te um filho; alegrando-o com isto grandemente...

Por que sai do ventre materno tão somente para ver trabalho e tristeza, e
para que se consumam de vergonha os meus dias? Jeremias 20.14-15, 18.

O filósofo dinamarquês Soren Kiergaard disse certa vez que uma das piores
situações que um ser humano pode enfrentar é desejar morrer e não ter
permissão para isto. Muitas pessoas idosas me têm dito: “Gostaria que o
Senhor me levasse. Por que ele prolonga tanto?”

O profundo desejo de ser libertado do sofrimento jaz no centro da questão


da eutanásia. A injeção letal é vista

como uma espécie de morte misericordiosa. Argumenta-se que somos mais


humanos com os animais do que com as pessoas. Nós sacrificamos os
cavalos. Matamos nossos cachorros.

Deus não permite que cometamos suicídio. O suicídio, em sua expressão


mais completa, envolve uma capitulação diante do desespero (Isto não
significa que o suicídio seja o pecado imperdoável. As pessoas cometem
suicídio por muitas razões e em muitas situações diferentes. Realmente não
sabemos qual é o estado da mente de uma pessoa quando se suicida.
Deixamos a questão do destino das vítimas de suicídio à misericórdia de
Deus.). Quaisquer que sejam as complexidades envolvidas no julgamento
de Deus, sabemos que o suicídio não nos é apresentado como uma opção de
morte.

Morte com Dignidade?

A questão da eutanásia também é complexa. Há distinções entre eutanásia


ativa e passiva.

Eutanásia ativa envolve tomar providências diretas para matar uma pessoa
que está sofrendo. Colocado de uma forma simples, eutanásia passiva
envolve a suspensão do uso de métodos artificiais de suporte de vida.

A tecnologia moderna introduziu dilemas morais muito severos nesta


questão de morrer. Historicamente, tanto a igreja quanto a profissão médica
(seguindo o Juramento de Hipocrates) seguiram a máxima de que devemos
fazer todo o possível para sustentar a vida. Com o advento de
técnicas modernas, atualmente é possível manter uma pessoa tecnicamente
viva além do limite de qualquer possibilidade humana de recuperação.

Neste caso a questão de morrer com dignidade se torna de suprema


importância. Freqüentemente é necessário
enfrentar questões torturantes: Quem desliga a tomada? e Quando a
tomada deve ser desligada?

Recentemente fui convidado a falar a uma convenção médica com a


participação de oitocentos médicos, sobre a questão de “desligar a tomada.”
A questão não se centralizava na eutanásia ativa, mas na questão de
permitir que a natureza corra o seu curso. Os médicos estavam
profundamente conscientes do problema. Há muitas maneiras de desligar a
tomada. Tubos de alimentação intravenosa podem ser retirados, deixando
que a pessoa morra de inanição. Res-piradores podem ser desligados. A
medicação pode ser interrompida.

Quando consideramos os vários meios pelos quais a vida pode ser


sustentada ou terminada, a linha das assim chamadas eutanásia ativa ou
passiva rapidamente se torna embaçada. Da mesma forma, a diferença entre
meios naturais e artificiais de suporte de vida, nem sempre é clara. Meios
artificiais de ontem se tornam meios naturais hoje.

O problema se complica ainda mais com a pergunta de quem toma a


decisão. O médico não deseja bancar Deus. A família pode se sentir
esmagada pela culpa que a decisão envolve. Os pastores e religiosos não se
sentem adequados para a tarefa, e é terrível deixar a questão nas mãos da
justiça legal.

Entretanto, é necessário que decisões como estas sejam tomadas


diariamente em hospitais no mundo inteiro. Não tomar qualquer decisão já
é tomar uma decisão.

Eu não tenho todas as respostas para este dilema. Entretanto, estou certo de
duas coisa. A primeira é de que tais perguntas devem ser decididas à luz do
princípio mais abrangente da santidade da vida humana. Devemos
recuar submissos para garantir que a vida humana seja mantida. Se vamos
errar, é melhor errar em favor da vida do que barateá-la

de qualquer forma. Segundo, a decisão deve envolver pelo menos três


grupos de pessoas, talvez quatro. Ela deve envolver a consulta aos médicos,
à família, aos pastores e líderes religiosos e, quando possível, ao paciente.
Esta pergunta faz parte da perplexidade do sofrimento. A todo custo, as
decisões que fizermos não devem ser feitas do ponto de vista do desespero.
Em todas as ocasiões devemos manter o objetivo da redenção em mente
para que a esperança não seja engolida pelo desespero.

Davi resumiu a questão:

Eu creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes. Salmo


27.13.

(Novamente, a tradução usada traz uma ênfase diferente: “Eu teria me


desesperado se não cresse...”, n. do e.)

Na mesma epístola em que Paulo disse: “Ficamos perplexos, mas não


desesperados” ele expressou sua própria luta à beira do desespero: \

Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que


nos sobreveio na Asia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto
de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos
tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no
Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão
grande morte, em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-
nos. 2 Coríntios 1.8-10.

Paulo entrou em desespero. Mas seu desespero foi limitado. Não era um
desespero final.

Ele desesperou de sua vida terrena. Estava certo de que ia morrer. Paulo não
desesperou da libertação final da morte. Ele conhecia a promessa de Cristo
de vitória sobre a morte.

Aqui está a crise da fé. A morte é final? Ou existe algo além da sepultura
que torna valioso e digno todo o sofrimento que somos chamados a
suportar?

O restante deste livro focalizará duas questões importantes. A primeira é:


Existe realmente um céu? A segunda é: Como é o céu?
SEGUNDA PARTE

A NOÇÃO POPULAR DE VIDA APÓS A MORTE

Não muito tempo atrás, visitei uma tia que nasceu no ano de 1900. Foi uma
visita de reminiscências, de nostalgia. Eu a interroguei com todas as
perguntas sobre raízes, história familiar, fazendo-a abrir o baú de
recordações da família. ,

Ela recostou-se em sua cadeira de balanço e falou com os olhos marejados


sobre os velhos tempos. Preencheu os espaços em branco sobre a vida de
meu pai e meus avós. O ponto culminante desta excursão pelo tempo foram
suas lembranças de meu bisavô.

Seu nome era Charles Sproul (Aí está a origem do “C” em meu próprio
nome, RC.).

Charles Sproul nasceu no Condado de Donegal, na Irlanda, em 1824.


Chegou aos Estados Unidos, com os pés descalços em 1843, deixando no
velho país uma cabana coberta de sapé e com o chão de barro. Durante a
Guerra Civil foi Artilheiro de Terceira Classe a bordo do U.S.S.

Grampus, da Marinha Nacional. Ele lutou na Batalha de Vicksburg. Morreu


em 1910 com 86 anos de idade.

Esta conversa com minha tia aconteceu em 1987, 163 anos depois que meu
bisavô nasceu. Quando Charles Sproul morreu, ele morava na casa de meu
avô em Pittsburgh. Minha tia conviveu com ele durante dez anos antes de
sua morte.

Era uma sensação fantasmagórica conversar com alguém que tinha


memórias tão vividas de uma pessoa que havia nascido em 1824. Tanto
tempo, tanta história decorreu desde aquela data. Imaginei como seria se eu
vivesse até os 86 e pudesse contar a meus bisnetos as histórias que ouvi, em
primeira mão, de alguém que havia conhecido meu próprio bisavô. Eu terei
86 anos em 2025. Isto abrangeria um espaço de tempo de mais de dois
séculos.

Quando Charles Sproul nasceu, os Estados Unidos tinham apenas algumas


décadas de história. James Monroe era o presidente dos Estados Unidos.
Ninguém tinha ouvido falar de Abraham Lincoln. Não havia nenhuma
estrada de ferro transcontinental, nenhum automóvel, nenhum avião, rádios,
televisões, nem ao menos uma lâmpada elétrica.

Charles Sproul se foi. Este mundo mudou. Nem ao menos sei onde Charles
Sproul foi enterrado. Seu filho, Robert, casou-se com uma moça que viajou
num barco a vapor subindo o Rio Ohio até Pittsburgh. Robert morreu em
1945. Seus dois filhos morreram em 1956.

Meu filho nasceu em 1965. Seu nome é Robert, mas ele é conhecido como
RC. E o último sobrevivente Sproul de nossa família. Talvez, algum dia, ele
tenha um filho.

Se não, o nome da família terminará com ele.

A Bíblia diz que “toda a came é erva.” Cresce — seca — morre.

Recentemente um homem me perguntou sobre meus objetivos a longo


prazo. Ele disse: “O que você gostaria de

estar fazendo na vida daqui a cinco anos? Daqui a dez anos?” Cinco ou dez
anos dificilmente se parecem com longo prazo para mim. Para um
adolescente soam como a eternidade.

Uma pergunta mais relevante para mim seria: O que você estará fazendo
daqui a cem anos?

Pode parecer uma pergunta tola. Soa quase como se alguém estivesse
perguntando: O que você estava fazendo cem anos atrás?

Cem anos atrás eu não existia. Minha irmã não existia. Minha querida tia
não existia. Meu pai não existia. O velho Charles Sproul existia, e seu filho
Robert também. Mas eles já se foram e eu também irei.
Poucos, ou talvez ninguém, que esteja lendo este livro, estará vivo daqui a
cem anos.

Ou será que estarão? Será que temos um futuro que permanecerá até daqui a
cem anos e além disso?

A Questão do Conhecimento do Futuro

Eu me divirto quando passo diante de pequenas casa ou lojas que fazem


propaganda de pessoas que lêem a mão. Muitas vezes ela são enfeitadas
com a silhueta de uma mão humana. A placa promete: Conheça seu Futuro.
A sorte é contada por baralhos de tarô, bolas de cristal e, sobretudo, pela
leitura dos segredos encontrados na palma de sua mão.

Espanta-me que os estabelecimentos que prometem fazer a leitura das


mãos, parecem ter um aspecto pobre. Os negócios devem andar mal. Parece
uma pena que a arte de ler as mãos de alguma forma nunca entendeu os
caprichos do mercado de ações.

Há alguns anos atrás, Doris Day fez sucesso com a canção popular: “Que
Será, Será?” As palavras eram mais ou menos estas:

Quando eu era pequena perguntei a minha mãe:

Como eu serei? Serei bonita? Serei rica? Qual será o meu futuro?

A resposta da mãe foi vaga. Ela não tinha nenhuma bola de cristal. Tudo o
que ela pode oferecer em resposta foi o coro: O que for, será.

Nós nos preocupamos com o futuro exatamente porque não sabemos o que
ele tem preparado para nós. A única fonte confiável para o conhecimento do
futuro vem do Senhor do Futuro. Quando Deus fala sobre o futuro
existe boa razão para termos esperança. Quando ele permanece silencioso,
devemos desistir de perguntar. O Antigo Testamento está cheio de
proibições severas somadas a severas penalidades para aqueles que buscam
enxergar além do véu do tempo Através de meios ilegítimos.
Entretanto, a pergunta final sobre nosso futuro persegue todas as almas
humanas. Jó faz esta pergunta da seguinte maneira: “Morrendo o homem,
porventura tornará a viver?” (Jó: 14.14).

Desde que a morte invadiu o paraíso, a questão da vida depois do túmulo


tem sido de suprema importância. Virtualmente todas as culturas humanas
desenvolveram alguma forma de esperança numa vida além da sepultura.
Os Egípcios antigos colocavam objetos preciosos na tumba de
seus queridos mortos na esperança de que tais objetos fossem úteis na vida
futura. Os índios Americanos tinham seu conceito de uma região de caça,
os Nórdicos tinham sua esperança do Valhala. Os Judeus tinham seu
conceito nebuloso do Sheol, os Gregos tinham sua visão do Hades nas
trevas infernais.

A religião oriental vai na direção oposta com sua visão de reencarnação,


popularizada nos Estados Unidos por Shirley MacLaine e outros. O
episódio de parapsicologia

americana de Bridey Murphy contribuiu para a especulação sobre múltiplas


encarnações.

Os Argumentos Gregos Para a Vida Após a Morte

No mundo antigo, Platão (428-348 a.C.) sofreu a influência de um grupo de


fdósofos chamados Pitagóricos. Os Pitagóricos eram famosos pelo
significado místico que emprestavam aos números. O fundador da escola,
Pitágoras, desenvolveu o hoje famoso teorema de Pitágoras que ocupa um
lugar importante na geometria moderna. Os Pitagóricos desenvolveram
também a idéia da “transmigração da alma”, ou reencamação.

Sua teoria se apoiava na premissa grega da alma humana como imortal e


eterna. A almapré-existe ao corpo. Quando a pessoa humana nasce, a alma é
temporariamente “presa” dentro de um corpo. O corpo é uma espécie de
prisão da alma. O corpo físico ou prisão, passa pelo processo de geração e
degeneração. O corpo externo finalmente morre, e a alma é libertada de sua
prisão. Em várias teorias de reencar-nação, a alma encarna então num novo
corpo. A alma migra. Ela pode se reencamar numa forma de vida superior
ou inferior.

Normalmente, as várias migrações ou encarnações são determinadas pelo


grau de virtude alcançado nas encarnações mais recentes. A redenção final
ocorre quando a alma finalmente se liberta do corpo e continua como um
espírito desencarnado, livre da influência inibidora do corpo
físico. Basicamente Platão aceitava estas premissas, adicionando outras
percepções próprias.

A ANALOGIA DA NATUREZA

Platão apresentou suas especulações sobre a vida depois da morte em seu


famoso diálogo Fedro. A cena tem lugar na cela de uma prisão Ateniense,
onde Sócrates espera sua execução pelo “crime” de corromper a juventude
de Atenas com suas penetrantes e perturbadoras perguntas filosóficas.
Encontramos Sócrates em suas horas finais em que ele espera a visita do
guarda que logo lhe trará uma dose fatal de cicuta. Sócrates está rodeado
por seus amigos e alunos (Platão está ausente por causa de doença). Há um
agudo contraste de humor entre a alegre disposição de Sócrates e
a apreensão assustada de seus amigos, que já tinham começado sua
lamentação.

Sócrates gasta sua últimas horas ensinando seus alunos a respeito das
alegrias esperadas da vida depois da morte. Sócrates diz a seus amigos:

Minhas palavras também, são apenas um eco; não há razão por que eu
não devesse repetir aquilo que ouvi: e na realidade, como estou indo para
outro lugar, é apropriado para mim pensar e falar sobre a natureza da
peregrinação que estou para fazer. O que posso fazer de melhor no
intervalo entre isto e o pôr do sol? (i)

Sócrates declara sua confiança numa vida futura iniciando uma discussão
prolongada sobre o tema:

E agora, ó meus juizes, desejo provar-lhes que um verdadeiro füósofo tem


razão de estar de bom humor quando está prestes a morrer, e que
depois da morte ele pode esperar obter o maior bem no outro mundo. (2)
O Obras de Platão, ed. Irwin Edman (New York: Random House, 1956), 114,

(2) Opus cit, 117,

O que se segue é uma “prova” complexa e elaborada da imortalidade da


alma. Sócrates faz uma argumentação pelos opostos. Ele argumenta a
respeito de uma oposição universal de todas as coisas — de que há um
processo que observamos diariamente na natureza pelo qual as coisas
são geradas por seus opostos.

O sono precede a vigília a qual, por sua vez, precede inexoravelmente o


sono. Alguma coisa que se toma maior, somente pode fazê-lo depois de ter
sido primeiro menor. E algo que soífe diminuição (que se toma menor)
somente pode fazê-lo depois de ter sido primeiro maior.

Da mesma forma, somente aquilo que primeiro está vivo pode morrer. A
vida produz seu oposto—morte. Assim também a morte deve produzir seu
oposto, que é a vida.

A TEORIA DA REMINISCÊNCIA

Sócrates, então, tenta provar que a alma das pessoas existia antes que elas
nascessem. Este argumento se apoia na famosa teoria da reminiscência de
Platão. Nesta teoria da reminiscência Platão tentou provar (neste e em
outros diálogos, especialmente em Meno) que nascemos com certas idéias
em nossa mente que só podem vir de um estado pré existente de nossas
almas. Nossas idéias de beleza, bondade, justiça e santidade, por exemplo,
não são adquiridas por experiência nesta vida, mas já estão presentes no
momento do nascimento. Todo o processo que chamamos “aprendizado” é,
na realidade, meramente uma espécie de estimulação da memória para
relembrar aquelas idéias que entendíamos muito mais claramente em nossas
almas, antes que a influência negativa das paixões corporais as obscure-
cessem na hora do nascimento.

Uma vez que Sócrates prove esta idéia da reminiscência, e mais a pré-
existência da alma, basta apenas um

pequeno passo para se pressumir a continuidade da existência da alma


depois que o corpo morre.
Um dos alunos de Sócrates, Cebes, continua cético. Ele diz a seu mestre:

Então, Sócrates, você deve nos convencer a abandonar nossos medos —


e, entretanto, estritamente falando, eles não são nossos medos, mas
existe uma criança dentro de nós para quem a morte é uma espécie de
bicho papão: ela também deve ser persuadida a não ter medo quando fica
sozinha no escuro. (3)

Sócrates continua argumentando que a alma é uma essência espiritual.


Como essência espiritual, a alma não é feita de matéria, que está sujeita a
deterioração e desintegração.

Por sua própria essência ela é comutável. Em uma palavra, ela não pode
morrer. Eis a resposta de Sócrates:

Então reflita, Cebes: de tudo aquilo que foi dito não é esta a conclusão?
— que a alma é a verdadeira semelhança do divino, e imortal, e
intelectual, e uniforme, e indissolúvel, e imutável; e que o corpo é a
verdadeira semelhança do humano, e mor. tal, e não intelectual, e
multiforme, e dissolúvel e mutável. Pode-se negar isto, meu querido
Cebes?(4)

Mas existe uma falha no arrazoado de Sócrates. Depois de elaborar o ponto


de que a alma é imutável, ele prossegue para declarar que a alma é, na
realidade, mutável em um ponto. É passível de corrupção moral. Ele fala da
corrupção da alma que deve ser purificada Através de outras encarnações.
® Opus cit., 137 ^ Opus cit., 140

O que quero dizer é que homens que buscaram a gluíonaria, e devassidão


e bebedeira, e não se preocuparam em evitá-las, passarão por jumentos e
animais semelhantes,(5)

As teorias de Sócrates sobre reencarnação, soam um tanto divertidas para o


leitor moderno (apesar de Shirley MacLaine). Ele fala sobre pessoas
humanas que se tornam lobos ou raposas, ou abelhas ou marimbondos
(Parece que deveríamos ser um pouco mais delicados com as aranhas
do jardim para não pisarmos sobre algum tetravô.).
A moderna renovação no interesse em reencarnação levanta algumas
perguntas fascinantes. Por exemplo, por que tantas pessoas acham a idéia da
reencarnação tão atrativa?

Uma resposta simples pode ser que a reencarnação nos oferece uma
segunda chance na vida. Tendemos a imaginar como as coisas seriam se
tivéssemos a oportunidade de viver nossas vidas outra vez. Imaginamos que
tipo de mudança faríamos. Nossos sonhos são atormentados pelo “e ses”
e pelos “pudesse ter sidos” da vida.

Todos nós carregamos um certo fardo de culpa não resolvida. Uma segunda
viagem através da vida oferece a oportunidade de redimirmos nossos
pecados, de compensarmos as falhas e deficiências desta vida. A idéia de
encarnações repetidas traz consigo a esperança de progresso, a esperança de
subirmos cada vez mais alto em nossas aspirações de desempenho moral.
(5)

Entretanto, a reencarnação apresenta uma tremenda dificuldade que


raramente é discutida por aqueles que professam tal crença. É o problema
da continuidade da consciência.
Opus cit., 143

Sou um ser humano consciente. Lembro-me das experiências que tive


quando criança. Meu banco de memória guarda um conhecimento de minha
própria história pessoal. Sem dúvida, algumas destas memórias são
desagradáveis, enquanto outras são deliciosas. Eu sou a minha história
pessoal. Sou a mesma personalidade humana que abriu os presentes na
manhã do Natal de 1943. Sem dúvida que desde 1943 houve mudanças em
meu corpo, em meu pensamento, no meu eu. Tais mudanças continuam à
medida que a vida continua. Mas há uma continuidade de personalidade
desde a criança de 1943 até o adulto do presente.

Agora, suponha que esta vida atual seja minha terceira ou quarta ou
centésima reencarnação. O que eu me lembro de minhas encarnações
anteriores? No meu caso a resposta é simplesmente: nada. Não tenho
absolutamente nenhuma reminiscência da qualquer experiência de vida
anterior ao meu nascimento. Entendo que algumas pessoas tenham tentado
provar, Através da hipnose e de outros métodos, que possuem alguma
memória vaga e profundamente enterrada de uma vida anterior. Os
argumentos para isto parecem provar mais daquilo que chamamos
imaginação do que memória genuína.

Permitam-me perguntar ao leitor: Você se lembra de ter vivido neste mundo


antes de nascer? Se não se lembra, então o dilema é claro. Qual é o valor
que existe na reencarnação, se não existe nenhuma relação consciente entre
as vidas? Se não existe nenhuma continuidade de consciência, nenhum tipo
de memória, como podemos falar de continuidade pessoal?

Se continuo a viver depois desta vida sem nenhuma ligação de consciência


pessoal, será que o que se segue sou realmente eu?

Toda esta especulação, que pode parecer bizarra para nós, está baseada
numa questão profundamente importante.

Abaixo do nível da argumentação oculta-se o problema da alma poluída e a


questão da justiça não resolvida.

Há uma preocupação entre as pessoas sensíveis de que este mundo nem


sempre leva a cabo uma justiça perfeita. Todos nós observamos que muito
freqüentemente o justo sofre e o ímpio prospera. O mundo está cheio de
dentes, unhas e garras, e ao contrário do que mostra Hollywood, Rocky, o
lutador, perde mais vezes do que ganha.

A pergunta persistente subsiste: Por que deveria eu me empenhar em atos


de caridade e sacrifício se a vida não garante justiça? Na realidade, toda a
questão da conduta ética se torna um atoleiro de incertezas. O novelista
russo Dostoevsky, certa vez afirmou: “Se Deus não existe, tudo
é permitido.” Aqui ele colocou seu dedo no ponto central. Se Deus não
existe, não há nenhuma garantia de justiça final. Se não existe nenhuma
garantia de justiça final, porque alguém deveria agir por uma questão de
obrigação moral? Por que não agir por puro interesse próprio?

A Necessidade de um "Dever Moral" no Mundo


Em nossa vida diária não conseguimos falar por muito tempo sem usar
palavras como deve, precisa, é necessário. Dizemos aos nossos filhos:
“Você precisa dizer a verdade.”

Eles perguntam: “Por que?” O que respondemos? Podemos recorrer à tática


do puro poder respondendo: “Porque eu estou mandando.” Podemos apelar
para o seu próprio interesse pessoal dizendo: “Porque a honestidade é a
melhor política.” Mas até mesmo uma criança fica imaginando se
a honestidade é a melhor política, se ele acabou de confessar que roubou
alguns biscoitos da lata de biscoitos.

Sempre que alguém diz: “Você deve”, somos tentados a responder usando
uma de duas perguntas comuns: “Quem?” ou “Por que eu deveria?”

Estas perguntas levantam a questão da base da obrigação moral. Existe


qualquer razão que realmente obrigue uma pessoa a dizer “eu devo” a
respeito de qualquer coisa?

Nossa linguagem reflete uma diferença crucial entre duas sentenças. A


primeira diz:

“Eu quero fazer alguma coisa.”

A segunda sentença diz:

“Eu devo fazer alguma coisa.”

A diferença entre estas duas sentenças é a diferença entre desejo e dever Se


desejo fazer aquilo que meu dever requer, não existe conflito. Se quero
fazer aquilo que preciso fazer, minhas decisões são fáceis. A luta moral
entra em cena quando existe um conflito entre desejo e dever. É quando
desejo fazer aquilo que não devo, ou não desejo fazer o que devo, que sinto
as dores de uma consciência perturbada.

A palavra dever é usada em mais de um sentido. O filósofo alemão,


Immanuel Kant, faz uma distinção entre dois tipos de dever ou de
imperativos. Ele distingue entre um imperativo hipotético, e um imperativo
moral.
Um imperativo hipotético se refere ao tipo de dever que envolve o seguir
certos meios que são necessários para conseguir alguns fins desejados. Por
exemplo, se saímos para trabalhar num dia que está prometendo chuva,
podemos dizer a nós mesmos: Devo levar meu guarda-chuva. Aqui não
estamos falando de um dever moral (A não ser, sem dúvida, que
consideremos cuidar bem de nós mesmo como um dever moral.). Ao
contrário, o que está em questão é o seguinte: Se desejo permanecer seco,
devo me prover dos meios necessários para alcançar este fim. Devo ter

um guarda-chuva para me proteger da chuva. Se desejo ficar seco, então


devo levar um guarda-chuva.

Considere outra ilustração. Suponhamos que uma pessoa decida tornar-se


um ladrão. Ela deseja se tornar um ladrão bem sucedido. Ela pensa o
seguinte: Se desejo me tornar um ladrão bem sucedido, devo tomar as
precauções para ter certeza de que não serei apanhado no ato de
roubar. Aqui, o ladrão está pensando em termos de um
imperativo hipotético.

Se estivesse pensando em termos de um imperativo moral, teria de dizer


para si mesmo: Não devo estar roubando de forma nenhuma.

Assim que nos movemos do hipotético para o moral, entramos na arena do


dever. Dever envolve uma questão de ética. Aqui a palavra dever indica
uma obrigação moral. Isto significa que aquilo que desejo deve estar
subordinado àquilo que devo fazer.

Todos nós experimentamos o conflito entre desejo e dever. Todos sabemos


que há coisas que desejamos fazer que não estão certas. Pelo menos
sentimos o peso de conflito. Mas, suponhamos que não exista tal coisa
como algo moralmente certo para fazer. Suponhamos que certo e errado
sejam meras convenções sociais, leis arbitrárias que ajudam a sociedade a
andar suavemente. Suponhamos que todos os imperativos sejam meramente
imperativos hipotéticos, que nunca chegam a ser imperativos morais. Então,
tudo o que interessa é que os ladrões se protejam para não
serem apanhados. O único erro que um ladrão pode cometer, é falhar em
sua tentativa de fazer um roubo bem sucedido. O que isto tem a ver com
vida depois da morte?
Tem tudo a ver. Se não existe tal coisa como certo e errado, se não existe tal
coisa como obrigação moral, então não existe tal coisa como eqüidade,
correção. Se não há tal

coisa como eqüidade, então, em última análise, não existe tal coisa como
justiça. Justiça torna-se um mero sentimento. Significa a preferência de um
indivíduo ou de um grupo. Se a maioria em uma sociedade prefere que o
adultério seja recompensado, então a justiça é feita quando um adúltero
recebe um prêmio por seu adultério. Se, numa sociedade diferente, a
maioria prefere que o adultério seja punido, então a justiça é servida quando
o adúltero é penalizado. Mas, neste esquema não existe tal coisa como
justiça final, pois a vontade de um indivíduo ou de um grupo nunca podem
servir como norma moral suprema de justiça. Ela pode apenas revelar uma
preferência.

Do outro lado, se existe tal coisa como certo e errado, podemos falar sobre
eqüidade real. Então a justiça pode ser definida em termos de recompensas
e punições distribuídas de acordo com o que é justo. Então o termo dever
está cheio de um real imperativo moral.

O problema com o qual Kant e Dostoevski lutaram é o seguinte: Sem


justiça final, poderá haver uma base sólida para o dever moral? Se não há
justiça final, então por que se preocupar em ser justo? Se pressionarmos um
pouco, podemos dizer que, se as decisões morais não contam, então eu não
conto. Se, em última análise minhas ações não contam, então, em última
análise minha vida também não conta.

E por isso que, na visão de Kant, uma vida sem obrigação moral é uma vida
sem sentido.

Ah, certamente podemos atribuir sentido às nossas vidas baseados em


preferências e sentimentos pessoais. Mas isto é tudo o que temos, um desejo
sentimental de que nossas vidas tenham sentido. É um desejo sentimental
que tem os dois pés firmemente plantados no ar.

Kant reconheceu a realidade universal do senso humano de certo e errado.


Todas as pessoas funcionam com algum senso de dever moral. Todos
sentimos o peso do “eu devo”, do imperativo. Kant, então, fez a pergunta
prática: “O que é praticamente necessário para que este senso moral tenha
significado?”

Sua primeira conclusão foi crucial. Ele argumentou que, para que o senso
moral do dever tenha significado, deve haver eqüidade. Para que eqüidade,
ou certo e errado, tenham significado deve haver justiça. Assim a justiça
serve como uma condição necessária para que a obrigação moral
tenha significado.

Ah, mas aqui está o erro: reconhecemos que neste mundo a justiça nem
sempre é feita. Muitos ladrões são bem sucedidos em seus roubos. Será que
isto quer dizer que, em última análise o crime compensa, e que não existe
nenhuma defesa para a pessoa justa?

Esta é a única conclusão a que podemos chegar se de fato não existe justiça
final. Pode haver justiça aproximada, isto é, justiça parcial e ocasional em
que o ladrão é pego e os pertences de sua vítima são restituídos intactos,
mas ainda a balança da justiça estaria, com muita freqüência, fora de
equilíbrio. Para que a eqüidade tenha un significado último, precisamos
mais do que justiça aproximada; precisamos de justiça final.

Se precisamos de justiça final, então a primeira exigência que deve ser


atendida é a seguinte: Precisamos sobreviver à sepultura. Se não
sobrevivemos à sepultura, e se a justiça não é feita com perfeição neste
mundo, então a justiça não é final, e nosso senso de obrigação moral é uma
corrida sem sentido atrás do vento.

Se a justiça final é feita, então devemos estar lá para experimentá-la. A não


ser que sobrevivamos à sepultura, não

poderemos ter justiça. Aqui Kant está ecoando os pensamentos de Sócrates


e Platão, somados aos pensamentos de Jó e Eclesiastes.

A Necessidade de um Juiz Perfeito

Suponhamos que sobrevivemos à sepultura. Suponhamos que voltamos


noutra encarnação como uma abelha ou um jumento. Ainda seriamos
perseguidos por mais injustiça. Como o burro de Balaão, poderíamos ter um
dono que nos bate sem razão. Ou como abelha poderíamos voar para o meio
de um jato de inseticida esparramado por uma pessoa injusta.

Não podemos ter um julgamento feito por uma pessoa que está sob
julgamento. Também não pode haver julgamento se a única pessoa presente
é o acusado. É necessário haver um juiz. Sem juiz não há julgamento. Sem
julgamento não há justiça.

Portanto, uma segunda condição necessária para haver justiça final é a


presença de um juiz final. Mas não é qualquer juiz que serviria. Para se
garantir justiça final, o juiz deve ter características próprias. Primeiro, o juiz
deve ser justo. Perfeitamente justo. Se houver uma falha moral no caráter
do juiz, as chances são de que seu julgamento será defeituoso, e nossa
necessidade de justiça perfeita não será atendida.

Mas suponhamos que o juiz seja perfeitamente justo mas apresente outras
deficiências. Suponhamos que ele tenha as melhores intenções e seja
moralmente impecável, mas que lhe falte o necessário conhecimento para
dar um veredito perfeito. Podemos pensar num juiz que, em si mesmo,
esteja além de qualquer suspeita. Não aceita suborno e não tem
preconceitos. Mas ele não compreende todas as nuanças de aspectos
complexos das circunstâncias atenuantes. Ele poderia

dar um veredito segundo o melhor de sua habilidade, mas ainda assim


poderia não ser perfeitamente justo. Justiça perfeita requer um
conhecimento perfeito de todas as circunstâncias atenuantes possíveis. E
possível que uma justiça perfeita possa ser alcançada sem um conhecimento
perfeito, mas isto seria um feliz acaso. Para que uma justiça perfeita seja
assegurada, o perfeito juiz teria que ter perfeito conhecimento. Em uma
palavra, o juiz perfeito teria que ser onisciente, para evitar que algum
detalhe importante escape à sua percepção e distorça seu veredito.

Mas suponhamos que nosso perfeito juiz aja com perfeita integridade e com
perfeito conhecimento e dê um perfeito veredito. Seria isto suficiente para
assegurar perfeita justiça?

Ainda não. Se uma perfeita decisão é apresentada, ela ainda precisa ser
posta em prática.
Leis perfeitas não garantem um comportamento perfeito. Vereditos perfeitos
não asseguram conseqüências perfeitas. O prisioneiro pode escapar da
cadeia e burlar a justiça.

Para que uma perfeita justiça seja alcançada, o juiz precisa ter o poder
necessário para garantir sua execução. Deve ter poder suficiente para
impedir qualquer tentativa de atrapalhar o fluxo da justiça. Não pode existir
uma única mínima molécula fora do alcance de sua soberania, poder
e autoridade, para evitar que esta única molécula se torne um grão de areia
que faça parar a máquina da justiça. O perfeito juiz deve ter perfeito poder.
Deve ser todo poderoso ou onipotente. Esta é a boa nova contida na
afirmação bíblica: “O Senhor Deus Onipotente reina.”

Se o Senhor Deus Onipotente não reina, não temos esperança de jusiça. Um


Senhor Deus Impotente não pode

servir à causa da justiça. Nada menos que um Deus moralmente perfeito,


onisciente, imutável, eterno e onipotente pode assegurar que nosso senso
moral de obrigação tenha significado. Se não há Deus, não há justiça. Se
não há justiça, não existe um senso final de certo errado. Retornamos
à conclusão de Dostoevsky: Se não há Deus, então todas as coisas são
permissíveis.

Tal conclusão deixa o homem e a sociedade sem nenhuma base para a ética.
Sem uma base ética é impossível manter a sociedade. Ela pode durar um
período curto enquanto ainda se mantém tenuemente ligada pelo restante
de normas teísticas. Mas, em última análise ela sucumbirá com o simples
peso de suas convenções intoleráveis.

Portanto, em termos práticos, a argumentação de Kant a favor da existência


de Deus e da vida após a morte levanta duas considerações necessárias para
a sobrevivência da sociedade humana.

Kant compreendeu que tais considerações práticas não “provam” a


existência de Deus ou da vida a pós a morte. Elas provam apenas que se a
vida tem sentido, deve haver um Deus que garanta justiça. Provam apenas
que, se meu senso de certo e errado tem sentido, então Deus deve
existir. Kant disse: “Devemos viver como se Deus existisse.”
A vantagem da argumentação de Kant não é que ela prova a existência de
Deus ou da vida após a morte. A vantagem está no fato de que ela desmonta
todas as filosofias que querem ter suas opiniões e proclamá-las também.
Ela aniquila todas as noções intermediárias que desejam encontrar algum
lugar de descanso entre um teísmo assumido e um niilismo radical.

Não é sem razão que muitos filósofos depois de Kant se voltaram para uma
filosofia niilista do desepero. Eles argumentam que não podemos crer em
Deus ou na vida

depois da morte simplesmente porque as opções que nos restam são tão
terríveis. Vamos enfrentar os fatos, dizem eles. Não há Deus. Não há
justiça. E não há tal coisa como certo e errado. Vivemos sozinhos num
universo que não é nem hostil nem benevolente para com nossas decisões
morais. Não, é muito pior do que isto. Vivemos num universo que, em
última análise, é indiferente a respeito das ações humanas. Em última
análise, ele não liga a mínima porque o homem não vale a mínima.

Todos os nervos de nosso corpo protestam contra uma visão tão negativa do
corpo humano. Toda vez que respiramos, nós o fazemos com a esperança de
que nossa vida tenha valor. E intolerável para nossas mentes pensar que
tudo é fútil. Sentimos conforto nas especulações práticas de filósofos como
Sócrates e Kant. Mas aspiramos mais do que isto. Necessitamos de uma
segurança além do mero desejo prático de que a justiça seja

feita. Precisamos mais do que um “como se” para nos dar coragem.

Eis porque as “novas” do Novo Testamento são tão vitais. Aqui possuímos
um registro que vai além da especulação da realidade histórica. Voltemo-
nos então para a mensagem e o registro do Cristo. Ouçamos a mensagem
de Jesus de Nazaré e o testemunho da sua conquista sobre a sepultura.
JESUS E A VIDA APÓS A MORTE

Para ir além da especulação dos filósofos e evitar o ocultismo, devemos


virar nossa atenção para Jesus. Nenhum ensino sobre a vida após a morte se
iguala ou supera o ensino de Jesus de Nazaré. O ensino sobre a vida além
da sepultura está no centro de sua mensagem.

Algumas das mais conhecidas palavras de Jesus sobre o assunto da vida


após a morte são encontradas em João 14. Jesus está presente no Cenáculo
para a Última Ceia.

A conversação registrada tem lugar na noite em que Cristo foi crucificado,


pouco antes de sua agonia no Getsêmani, e antes de ser preso.

Para confortar seus amigos Jesus declara o seguinte:

Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na


casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria
dito. Pois vou preparar-vos lugar. E quanto eu for e vos preparar lugar,
voltarei e vos recebe-

rei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais vós também. João
14.1-3.

Por que os discípulos estariam sentindo os corações perturbados? No


capítulo anterior Jesus mesmo está perturbado. João nos diz que Jesus
estava “angustiado em espírito” (Jo 13.21). Jesus estava angustiado por
causa do anúncio que deveria fazer a respeito da traição iminente de Judas.

Imagine a cena. Uma nuvem de pressentimento e tristeza paira sobre o


Cenáculo. Três anos de ministério público, três anos de comunhão íntima
entre seus discípulos os tinham trazido a este momento. Era um momento
de profunda crise. Havia muito para se angustiar. Um senso de término
pairava sobre eles. Jesus sabia que sua hora havia chegado. Ele revela sua
morte iminente a seus amigos. Ele aumenta a apreensão deles revelando três
coisas muito angustiantes. Declara que Judas vai traí-lo, que Pedro vai
negá-lo, e, pior do que tudo, que ele vai deixá-los.
Filhinhos, ainda um pouco estou convosco; Buscar-me-eis, e o que eu
disse aos judeus, também agora vos digo a vós outros: Para onde eu
vou,vós não podeis ir. João 13.33.

Neste momento Pedro exclamou: “Senhor, para onde vais?” Jesus


respondeu: “Para onde vou, não me podes seguir agora; mais tarde, porém,
me seguirás” (Jo 13.36).

Estas palavras de Cristo estão carregadas de significado histórico, o


relacionamento de Jesus com Simão Pedro começou com duas simples
palavras: “Segue-me” (Mt 4.19).

Pedro abandonou suas redes e seguiu a Jesus. Ele literalmente seguiu a


Jesus. Aonde quer que Jesus fosse, Pedro ia. Ele foi com Jesus à festa de
casamento em Caná. Ele esteve com Jesus no Monte da Transfiguração.
Seguiu a Jesus até mesmo andando sobre a água. Agora o tempo de

seguir acabara de repente. Jesus disse: “Você não me pode seguir agora.”

Uma das dimensões mais difíceis que uma pessoa experimenta quando se
aproxima da morte, é o conhecimento angustiante de que a jornada deve ser
feita sozinha, sem nenhuma companhia humana. Podemos nos sentar ao
lado da cama dos nossos queridos. Podemos segurar suas mãos, e eles
podem segurar as nossas. Mas o momento vem quando a separação ocorre.
E é esta separação, embora temporária, que entristece nossos espíritos.

Freqüentemente, no momento preciso da morte, quando o último suspiro é


dado e o coração silencia, o anúncio é feito: “Ele se foi!” Descrevemos a
morte como uma partida, uma separação.

Quando a viúva de Sarepta estava cuidando de Elias, seu filho ficou


seriamente doente e morreu. O Antigo Testamento registra que Elias
ressuscitou o menino da morte. Mas antes que o milagre acontecesse a
viúva, em sua tristeza, repreendeu Elias. Ela clamou para ele: “Que fiz eu, ó
homem de Deus? Vieste a mim para trazeres à memória a minha
iniqüidade e matares o meu filhol” (1 Rs 17.18).
Elias respondeu com uma ordem: “Dá-me o teu filho." Então as Escrituras
dizem que Elias o tomou dos braços dela e o carregou para o cenáculo onde
ele ficava (1 Rs 17.19).

Antes de realizar o milagre, Elias precisou tirar o menino morto dos braços
de sua mãe. A partir do texto, é óbvio que em sua dor a mulher estava
desesperadamente agarrada ao corpo de seu filho. Elias teve que separá-
los à força.

A cena não é incomum. Desejamos nos apegar aos nossos queridos tanto
quanto possível. O momento da separação é quase insuportável.

Mesmo as últimas palavras de Jesus são enigmáticas. O que Jesus queria


dizer quando falou em segui-lo depois? Provavelmente Pedro entendeu as
palavras assim: “Você não pode me seguir na morte agora. Mas depois você
também morrerá.”

A pergunta então, é a seguinte: Para onde Pedro o seguiria? Seria


simplesmente seguir Jesus para a sepultura? Jesus responde a essa pergunta
em João 14. Ao dizer: “Não se turbe o vosso coração,” ele deu a razão para
a sua ordem.

Primeiro ele os chamou para um ato de fé ao dizer: “Credes em Deus, crede


também em Mim” (Jo 14.1). Ele estava dizendo simplesmente “Confiem
em mim.” Jesus não pede um ato de fé cega. Quando pediu aos seus
discípulos que confiassem nele, já havia uma reserva de história
para sustentar o seu pedido. E como se Jesus estivesse dizendo: “Eu nunca
os abandonei. Meu Pai nunca quebrou uma promessa. Nem eu tão pouco. Já
provei que sou confiável. Agora, quando eu me for, é a hora de confiar em
mim pela força da minha promessa. Vocês creem em Deus, agora creiam
em Mim. A chave para descansar os corações angustiados é confiar em mim
para o futuro.”

Aqui está o coração do Cristianismo. E por isso que falamos sobre fé Cristã,
e não sobre religião Cristã. Religião se refere às práticas exteriores de culto
do ser humano. Cristianismo, a fé Cristã, tem a ver com a confiança em
Deus para a vida. O passo que Jesus está pedindo para seus discípulos
darem é um grande passo. Uma coisa é crer em Deus, outra coisa é crer
Deus. Na prática este é um passo decisivo, embora na teoria não fosse
necessário nenhum passo. Nossa distinção entre crer em Deus e crer Deus,
seria uma distinção sem nenhuma diferença, um mero exercício de
sofistica. Na realidade, se verdadeiramente cremos em Deus, crere-mos
também naquilo que ele nos diz.

Entretanto, em termos de realidade concreta, muitas vezes há uma distância


entre nossa fé teórica em Deus e nossa confiança real naquilo que ele nos
diz. Nossa fé não é pura. Como o ouro que é danificado pelas impurezas,
nossa fé é, muitas vezes, misturada com dúvidas. Nós clamamos: “Senhor
eu creio, ajuda minha falta de fé!”

No momento da morte, o medo e a dúvida podem assaltar nosso coração e


pressionar fortemente contra a fé. É neste momento que devemos ouvir as
palavras de Jesus: “Confia em mim.”

Preparando um Lugar na Casa do Pai

Agora Jesus revela a realidade do para “onde” os discípulos o seguiriam:


“Na casa de meu Pai há muitas moradas... vou preparar-vos lugar” (Jo
14.2).

Com doze anos de idade, Jesus havia confundido os teólogos no templo.


Quando seus ansiosos pais o encontraram lá, o repreenderam dizendo:
“Filho, por que fizeste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, estamos a tua
procura” (Lc 2.48).

O menino Jesus respondeu com uma reprimenda ligeiramente velada à sua


mãe cheia de ansiedade: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que me
cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49) (A tradução usada diz:
“cuidar dos negócios do Meu Pai”, n. do t.)

Os negócios de meu Pai deveriam ser tratados no templo. Mais tarde, Jesus
se referiu ao templo de Jerusalém como a casa de seu Pai. “Não façais da
casa de meu Pai casa de negócio.” (Jo 2.16)

Em João 14, Jesus fala novamente sobre a casa de seu Pai. Mas não está
mais se referindo ao templo de Jerusalém. O templo era a casa terrena de
Deus. Aquela casa era

perecível, e realmente foi destruída. Aqui Jesus fala da Jerusalém celestial,


a suprema casa de seu Pai.

Jesus promete a seus discípulos que um dia eles o seguiram à casa do Pai no
céus. Ele declara “Vou preparar-vos lugar.” Jesus explica que sua partida
do meio deles, que estava angustiando os seus corações, deveria ser uma
ocasião de grande alegria. Jesus os deixou para ir preparar lugar para eles
no céu.

Jesus não apenas torna possível nossa ida para o céu, mas na realidade ele
foi para garantir nossas reservas e preparar lugar para nós.

Passo mais ou menos nove meses do ano longe de minha casa. Viajar tanto
tem um grande impacto sobre mim. Tenho percebido vários padrões
surgindo em meu psiquismo a respeito de viagens. Por exemplo, sou mais
exigente a respeito de reservas antecipadas.

Em nossa viagem para o céu, temos a melhor reserva antecipada possível,


preparada pelos melhores agentes possíveis. Jesus mesmo foi adiante de nós
para preparar nosso lugar na casa do Pai.

Há poucas coisas mais frustrantes para um viajante cansado do que chegar


ao hotel e descobrir que o encarregado deixou de anotar sua reserva, ou deu
seu quarto para outra pessoa. Estas confusões ocorrem, e são exasperadoras.
Mas não há possibilidade de acontecerem no céu. Se pertencemos a Cristo,
então temos um sólida reserva. Há muitas moradas na casa do Pai. Há um
lugar para nós que ninguém poderá tirar.

Uma Visão "Adulta" da Vida Eterna

Creio que as palavras mais reconfortantes que Jesus jamais pronunciou


sobre o céu, encontram-se em João 14.2. Jesus diz: “Se não fosse assim, eu
vô-lo teria dito.”

O tom desta afirmação tem um toque paternal. Jesus está falando como um
Pai fala a seus filhos. Notamos que, alguns momentos antes Jesus havia se
dirigido aos seus discípulos como “filhinhos.” “Filhinhos, ainda por um
pouco estou convosco” (Jo 13.33). Há uma hora na vida das crianças em
que os pais precisam lhes explicar os fatos da vida. As crianças precisam ser
dirigidas para além dos contos de fada e dos mitos. O dia da verdade chega
quando uma criança se torna muito grande para acreditar em Papai Noel ou
no coelhinho da Páscoa. Há uma transição que envolve a demitologização
da vida. Aquilo que é divertido e encantador para as crianças precisa dar
lugar para a preparação para as duras realidades da maturidade. Há uma
hora em que as coisas infantis devem ser colocadas de lado. O apóstolo
declara:

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino,


pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das cousas
próprias de menino. 1 Coríntios 13.11.

Se uma pessoa deixa de colocar de lado as coisas de menino, ela enfrentará


a idade adulta severamente prejudicada. Depender por muito tempo dos
mitos infantis é tornar-se intelectualmente aleijado.

Jesus compreendeu que, se seus discípulos deveriam ser capazes de assumir


a sua missão como adultos, se eles deveriam ser capazes de enfrentar as
tribulações que certamente viriam sobre eles, teriam que ser capazes de
discernir entre mito e realidade.

Como professor, Jesus, assim como qualquer outro professor, precisava


fazer com que seus discípulos desaprendessem idéias erradas que traziam
consigo para a sala de aula. Educação envolve muito mais do que adquirir

informação nova. Verdadeira educação muitas vezes envolve um processo


doloroso de descartar idéias prediletas e teorias que não suportam um
exame crítico. O ensino de Jesus envolvia a correção de conceitos errados.

Aqui ele anuncia que um de seus conceitos prediletos não precisava sofrer
nenhuma correção. A esperança dos discípulos de uma vida depois da
morte, não era nenhum mito ou fantasia. Sua convicção de uma vida eterna
não estava baseada numa forma ilusória de projeção de um desejo. Não
havia nada de infantil nela.
E normal que uma criança que experimentou o trauma da perda do Papai
Noel, fique se perguntando a respeito do resto das coisas que seus pais lhe
ensinaram. E Deus? E o céu? Será que estas coisas também são parte do
conto de fadas que eu devo abandonar?

A luz desta crise de dúvida Jesus declarou: “Se isto não fosse assim, eu vô-
lo teria dito.” Esta declaração é uma forma negativa de revelação divina. Ao
contrário dos funestos teólogos existencialistas, ela pode ser recebida
como uma verdade em forma de premissa. A afirmação vem na forma
literária de um condicional, com argumentos “Se — então.” O que vemos
aqui é uma simples condição contrária ao fato.

Jesus estava dizendo o seguinte: Se a sua fé numa vida futura não fosse
válida, eu teria corrigido suas falsas esperanças. Mas a verdade dos fatos é
que existe um céu, e vocês podem contar com isto. Eu não teria permitido
que uma idéia falsa tão importante permanecesse sem correção.

Esta é uma afirmação dogmática por excelência. Jesus fala do assunto não
meramente como um rabi altarnente competente e culto, nem tão pouco
como um profeta ungido de Deus. Ele fala com a autoridade absoluta e
infalível de Filho de Deus. Lembramos que Jesus declarou corajo-

samente: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terrd’ (Mt 28.18).

A Questão da Autoridade de Jesus

Se a mais corajosa de todas as reivindicações humanas está correta, então as


afirmações de Jesus sobre o céu fornecem a fonte mais importante e
confiável de informação que jamais poderíamos encontrar sobre o assunto.
Notamos que ele disse que toda a autoridade lhe havia sido dada no
céu. Bem, se alguém que possui toda a autoridade no céu fala sobre o
assunto, segue-se que seu ensino sobre ele é impecável. Temos o ensino de
uma autoridade incontestável.

Jesus reivindicava ter recebido sua autoridade da fonte de toda autoridade,


realmente o autor de toda autoridade, o próprio Deus. João Batista deu
testemunho da autoridade de Jesus ao dizer:
Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra
é terreno e fala da terra; quem veio do céu está acima de todos... Pois
enviado de Deus fala as palavras dele, por que Deus não dá o Espírito por
medida. João 3.31-34.

A esta reivindicação, Jesus ainda acrescenta:

O meu ensino não é meu, e, sim, daquele que me enviou... Vós não
somente me conheceis, mas também sabeis de onde eu sou; e não vim
porque eu de mim mesmo quisesse, mas aquele que me enviou
é verdadeiro, aquele a quem vós não conheceis. Eu o conheço, porque
venho da parte dele, e fui por ele enviado. João 7.16, 26-28.

Muitas coisas tenho para dizer a vosso respeito e vos julgar; porém aquele
que me enviou é verdadeiro, de modo que as coisas que dele tenho ouvido,
essas digo ao mundo... nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai
me ensinou. João 8.26-28.

Quando recebemos informação importante, quer através dos meios de


comunicação de massa, ou de um texto escolar, somos lembrados de que
devemos “investigar a fonte”. Procuramos documentar a informação para
nos assegurar de que ela tem credibilidade.

A fonte que Jesus reivindica para sua informação, é a mesma que ele
reivindica para sua autoridade, isto é, o próprio Deus.

Os contemporâneos de Jesus, inclusive aqueles que eram hostis para com


ele, muitas vezes ficavam confusos com sua maneira de falar.

Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões


maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem
autoridade, e não como os escribas. Mateus 7.28-29.

Alguns dentre eles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe pôs as mãos.
Voltaram, pois, os guardas àpresença dos principais sacerdotes e
fariseus, e estes lhes perguntaram: Por que não o
trouxestes? Responderam eles: Jamais alguém falou como este homem!
João 7.44-46.
Jesus falava como quem tem autoridade. A palavra grega que é usada aqui
para “autoridade”, é a palavra exousia. O termo exousia é composto por um
prefixo ex, que significa “de” ou “derivado de”, e a raiz ousia que é o
particípio presente do verbo “ser”.

Literalmente a palavra significa “derivado do ser” ou “substância.”

Nossos dicionários dão o significado de exousia como “autoridade” ou


“poder.” Há um elemento de ambas as idéias presentes na palavra exousia.
Poderíamos traduzi-la como “autoridade poderosa.” É uma autoridade
baseada na substância, ou no ser.

Em termos simples, o que a Bíblia quer dizer quando menciona que Jesus
falou como alguém que tem autoridade, é que Jesus não estava
apresentando uma opinião vazia ou leviana. Ele tinha a “qualidade” a
“substância” da realidade atrás de suas palavras. Sua autoridade era apoiada
por nada menos que o próprio ser ou substância de Deus.

Quando Deus fala, todas as dúvidas a respeito da verdade e da realidade


daquilo que está sendo dito devem terminar, exceto para aqueles que são
cronicamente rebeldes, ou incompreensivelmente tolos. Quem mais ousaria
corrigir a Divindade?

Se Jesus falou a verdade a respeito de sua autoridade, então nenhuma


objeção pode resistir à conclusão de que ele falou a verdade a respeito da
vida após a morte. Sua declaração: “Se não fosse assim, eu vô-lo teria
dito'’’’ permanece a consolação de todas as consolações.

Conforto Supremo para os Enlutados

Levar conforto para os enlutados é uma tarefa que todos nós enfrentamos
vez por outra. Muitas vezes é uma tarefa pouco invejável e que nos
intimida. Lima capela funerária é um local onde os mais brilhantes oradores
gaguejam. Sentimo-nos completamente inadequados para encontrar
as palavras certas para dizer àqueles que estão lamentando a morte de um
querido.
Recentemente visitei uma capela funerária onde estava o corpo da esposa de
meu primeiro patrão. Este homem havia me empregado como engraxate
quando eu tinha catorze

anos. Eu trabalhei junto com ele em sua oficina de sapateiro. Durante os


anos seguintes mantive o contacto com ele e o considerava como um amigo.
Quando visitei a capela funerária não tive nenhuma palavra de sabedoria
para oferecer. Tudo que pude pensar em fazer foi sentar-me ao seu lado em
silêncio por mais ou menos uma hora. Tudo que podia oferecer a ele era
minha presença, um testemunho silencioso de minha solicitude por ele em
sua tristeza.

Permaneci quieto naquela ocasião porque não tinha nenhuma palavra que
eu julgasse adequada para a necessidade do momento. Meu vocabulário
falhou. Não falo com exousia a respeito de coisa nenhuma.

Quando Jesus foi ao lar de Marta e Maria por ocasião da morte de seu irmão
Lázaro, ele as consolou com palavras de exousia. Ele declarou a Marta:
“Teu irmão há de ressurgir” (Jo 11.23).

Marta entendeu que as palavras de Jesus se referiam à esperança futura da


ressurreição: “Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia.”
(Jo 11.24).

A isto Jesus respondeu: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim,
ainda que morra viverá; e todo o que vive e crê em mim, não morrerá
eternamente. Crês tu isto?” (Jo 11.25-27)

Jesus de Nazaré nunca havia feito uma afirmação tão corajosa. Ele
relacionou diretamente a vida eterna consigo mesmo. Ele ligou vida eterna,
a vitória final sobre o maior inimigo de toda a humanidade, isto é, a morte,
com a fé nele mesmo. Crer em Cristo é receber vida eterna.

Poucas pessoas na história do mundo ousaram fazer tal reivindicação. E só


uma endossou suas palavras com ação.

Muito mais que as palavras de Jesus, figura o registro de seus feitos. Seu
exemplo se iguala ao poder de suas
palavras. Apenas alguns momentos depois das palavras de conforto ditas a
Marta, Jesus foi ao túmulo de Lázaro. Marta protestou contra a remoção da
pedra que selava a entrada. Lázaro já estava morto há quatro dias.
Pressumivelmente não tinha sido embalsamado. Marta encolheu-se de
horror diante do esperado mau cheiro do corpo de seu irmão.

Quando a pedra foi removida, Jesus pronunciou uma ordem em alta vóz.
Com um imperativo divino ele ordenou que Lázaro voltasse da morte:
“Lázaro, sai para fora!”

Lázaro tinha as mãos e os pés atados com ataduras fúnebres. Sua alma
havia partido e estava seguramente presa nas garras da morte. Ao comando
de Jesus a morte relaxou suas garras. O coração de Lázaro começou a bater.
O sangue voltou a circular de novo em suas veias. Tecidos decompostos
foram instantaneamente restaurados à saúde. Lázaro voltou à consciência.
Subitamente podia mover-se. Apesar de amarrado pelas roupas fúnebres, ele
saiu para fora de seu túmulo. Jesus deu outra ordem: “Desatai-o, e deixai-o
ir” (Jo 11.44).

Aquilo que Jesus fez por Lázaro, pela filha de Jairo, pelo filho da viúva de
Nain, aconteceu também ao seu próprio corpo. No dia de sua morte, Jesus
foi insultado por zombadores que gritavam: “Salvou os outros, a si
mesmo se salve, se é de fato o Cristo de Deus, o escolhido” (Lc 23.35).

Jesus sabia que na hora de sua morte ele tinha uma legião de anjos que
poderia libertá-lo num minuto. Uma simples palavra de Cristo seria
suficiente para mobilizar as forças angelicais em seu favor. Mas morrer era
seu dever. Ele bebeu o cálice, e com suas palavras finais entregou-se ao Pai.

Por três dias o Filho de Deus esteve morto, Por três dias o Pai permaneceu
silencioso. Por três dias aqueles que

zombaram de Jesus se sentiram triunfantes em sua hostilidade para com ele.


Por três dias seus amigos e discípulos lamentaram sua perda incomparável.
Por três dias eles se esconderam com temor e perplexidade.

Então o Senhor Deus onipotente quebrou o silêncio. Ele não gritou. Não
houve nenhum toque de trombeta. Havia quietude no jardim, quebrada
apenas pelo choro suave de Maria Madalena. Maria estava triste com a
descoberta de que o corpo de Jesus não estava no túmulo. Seu corpo havia
desaparecido naquilo que, para ela, parecia ser o último e mais absurdo
assalto à sua dignidade. Alguém, pensou ela, tinha roubado o corpo de
Cristo.

Alguém estava em pé atrás dela. Ela pensou que fosse o jardineiro. Ele
falou: “Mulher por que choras? A quem procuras?” (Jo 20.15). Maria
respondeu: “Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei”
(Jo 20.15b).

Então Maria ouviu o homem dizer o seu nome. “Maria!” Disse ele. Um
reconhecimento instantâneo inundou-lhe a alma ao ouvir o som de sua voz.
Ela virou-se e exclamou simplesmente: “Raboni!” que quer dizer “mestre.”

Este foi o nascimento da fé que seria o berço da fé Cristã. “Ele vive” foi o
primeiro credo da cristandade.

A ressurreição de Cristo é a afirmação central da igreja Cristã. Com esta


verdade, toda a religião Cristão permanece ou desmorona. Se não há
ressurreição, não há Cristianismo. Se não há ressurreição não há razão para
que a igreja continue, a não ser como mais uma agência social envolvendo
serviços humanitários com uma vestimenta mítico-religiosa.

Não queremos dizer que não tenha havido numerosas tentativas de construir
um Cristianismo sem ressurreição. No século dezenove, os assim chamados
Cristãos liberais, tentaram modernizar a fé Cristã, livrando-a de seu
invólrcro

miraculoso e “não-essencial” e reduzindo-a ao seu núcleo ético. Os


elementos sobrenaturais foram rejeitados numa tentativa de oferecer uma
religião de valores que acentuassem a vida neste mundo, sem ficar presa a
uma fixação nas recompensas do outro mundo. Jesus tornou-se, para eles,
o modelo supremo de amor fraternal, que demonstrou um auto-sacrifício
altruístico, o qual terminou com sua morte heróica. Jesus, o Salvador da
morte, e o Vitorioso sobre o túmulo tomou-se Jesus, o professor humano de
ética.
Um Jesus como este não tem necessidade da igreja. O culto seria, na melhor
das hipóteses, uma cerimônia vazia e, na pior, um ato de blasfêmia se fosse
dirigido a um professor de moralidade já falecido. Não temos nenhuma
igreja de Sócrates. Não cantamos nenhum hino a Cícero. Não fazemos
nenhuma oração a Aristóteles.

A Argumentação de Paulo sobre Ressurreição - Nove Pontos

As tentativas de criar um Cristianismo sem ressurreição começaram cedo na


história da igreja. O Apóstolo Paulo teve de enfrentar o problema na difícil
igreja de Corinto. Sua resposta apostólica é tão notável quanto duradoura.
A advertência do apóstolo à congregação de Corinto é tão relevante hoje
quanto o foi na ocasião em que foi escrita. Talvez até mais relevante se
considerarmos que um problema local restrito a uma situação isolada é hoje
uma epidemia na igreja do século vinte.

O apóstolo dirigiu-se aos Coríntios com uma pergunta crucial: “Ora, se é


corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois,
afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?” (1 Co
15.12).

Aqui encontramos membros de uma comunidade Cristã primitiva que


negavam a vida depois da morte. Sua rejei-

ção era categórica e absoluta. Eles insistiam em que não há ressurreição dos
mortos. Ninguém, nem mesmo Jesus sobrevive à sepultura.

Paulo responde a este ponto de vista, usando as razões dos oponentes para
demonstrar a inconsistência radical e o completo absurdo de uma fé Cristã
sem ressurreição.

Sigamos de perto a argumentação do apóstolo. Ele demonstra as


implicações lógicas da falta de ressurreição. Caminha de maneira
progressiva, colocando as implicações negativas ponto por ponto, seguindo
uma lógica irresistível.

PONTO 1
E se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou. 1
Coríntios 15.13.

Quem pode argumentar contra esta lógica? Se temos uma premissa


universal negativa (não há ressurreição de mortos), não existe possibilidade
de exceção. As leis de inferência imediata não permitem um “nenhum”
acoplado a um “algum.” Encontramos aqui uma proposição condicional que
não pode ser refutada. Se A é verdadeira, então B também deve ser
verdadeira. Se não há nenhuma ressurreição de mortos, então,
evidentemente Cristo não ressuscitou.

PONTO 2

E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé. 1


Coríntios 15.14.

Aqui Paulo se coloca contra todas as formas de Cristianismo liberalizado


que procura rejeitar a ressurreição de Cristo de um lado e continua a pregar
e a convidar pessoas à “fé” de outro lado. Na opinião de Paulo, isto é uma
tentativa

tola de abocanhar um pedaço do bolo. Ele encara isto como um exercício


absurdo de futilidade. Sem ressurreição verdadeira, a pregação Cristã é
inútil.

Paulo não comete a falácia de um falso dilema. Ele vê o assunto como um


caso genuíno de ou/ou. Ou Cristo ressuscitou, ou a pregação e a fé são
inúteis.

PONTO 3

E somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado


contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é
certo que os mortos não ressuscitam. 1 Coríntios 15.15.

Se alguma vez o apóstolo correu o risco de insultar seus leitores


demonstrando o óbvio, este foi o caso. Para Paulo, acrescentar a última
parte desta sentença (“ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos
não ressuscitam”) é apresentar a mais óbvia das conclusões. Sinto aqui uma
ponta de sarcasmo, pingando da pena do apóstolo. Nada poderia ser mais
simples de entender do que a conclusão de que se os mortos não
ressuscitam, então Deus não ressuscitou a Cristo. Mas existe aqui uma nota
ainda mais ameaçadora. Paulo está escrevendo como um teólogo judeu. Ele
está profundamente consciente da seriedade de apresentar falso testemunho.
Levantar falso testemunho contra as pessoas era uma ofensa capital prevista
nos Dez Mandamentos. Apresentar um falso testemunho contra Deus era
uma ofensa ainda muito mais séria.

A argumentação de Paulo é a seguinte: Se Cristo não ressuscitou, então


Paulo e os outros apóstolos devem ser julgados como falsos profetas. Eles
seriam membros das Falsas Testemunhas de Jeová. Negar a proclamação
apostólica

da ressurreição e, ao mesmo tempo, exaltar suas qualidades e virtudes como


professores de ética, é exaltar a mentira dos falsos profetas. O apóstolo se
vê a si mesmo como uma contradição sem esperança. Ele se vê
desqualificado como um professor confiável, se seu testemunho da
ressurreição é falso. Paulo coloca sua própria reputação e integridade à
disposição, assim como a dos outros apóstolos também. É como se Paulo
dissesse: “Aceitem-me ou rejeitem-me.”

PONTO 4

E se Cristo não ress uscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos


vossos pecados. 1 Coríntios 15.17.

Novamente o apóstolo pressiona o ponto da futilidade. Sem a ressurreição,


a fé Cristã é fútil. É inútil. Uma perda de tempo, energia e devoção. Crer
numa esperança falsa é colocar o coração no caminho de uma frustração
absoluta. Sem a ressurreição, somos deixados sem esperança. Tudo que
temos para mostrar em nossa peregrinação é culpa não resolvida.

Paulo vê a ressurreição como um sinal claro de Deus, de sua aceitação do


sacrifício de Cristo como redenção de nossos pecados. Se ele não
ressuscitou, permanecemos em nossos pecados. Não temos nenhum
Salvador. Tanto nossa fé quanto o sacrifício de Cristo são igualmente
inúteis. Permanecemos devedores que não podem pagar os seus débitos.

PONTO 5

E ainda mais: os que dormiram em Cristo, pereceram. 1 Coríntios 15.18.

Das implicações negativas da não ressurreição, esta é, talvez, a mais


terrível. Paulo não recua da brutal conclusão que acompanha o fim de toda
esperança. Dante descreve o anúncio que foi colocado no portal do inferno:
Abandonem a esperança, todos aqueles que entram aqui. Paulo
coloca este anúncio aqui e agora. Não está colocado no portal do inferno,
mas na porta de toda capela funerária.

Toda pessoa que já perdeu um ente querido conhece a esperança pungente


que permanece: é a esperança de que em algum lugar, algum dia, veremos
nossos queridos novamente. Esta esperança é a consolação à qual nos
apegamos quando a morte nos separa de nossos queridos.

Recentemente acompanhei minha filha e seu marido à sala de parto de uma


maternidade. Minha filha tinha dado à luz uma menininha. O bebê era
natimorto. Em casos como este a política do hospital é permitir que a mãe e
o pai segurem o corpo da criança por alguns momentos. São
tiradas algumas fotografias. A impressão das solas dos pés é gravada. O
bebê recebe um nome e é feito o registro do peso e comprimento da criança.
Um cacho do cabelo é grudado na folha de registro. O certificado com todo
este registro é entregue aos pais quando o corpo é levado para ser preparado
para o enterro. O documento é chamado “certificado da lembrança”.

Minha filha voltou para casa do hospital com as fotos e o certificado da


lembrança. Voltou também com a profunda esperança de que algum dia ela
verá sua filha novamente, viva.

Ainda Paulo raciocina, se Cristo não ressuscitou, então aqueles que


morreram, pereceram para sempre. O destino de todas as pessoas é recitar o
refrão lamentoso do poema de Edgar Allan Poe: “Nunca mais”.

PONTO 6
Paulo continua mostrando a absoluta inconsistência daqueles que
praticavam o batismo pelos mortos em Corinto:

Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se
absolutamente os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa
deles? 1 Coríntios 15.29.

Esta referência ao batismo pelos mortos é a única que encontramos desta


prática no Novo Testamento. Já provocou todos os tipos de estupefação.
Paulo não condena nem recomenda a prática. Meramente reconhece que era
praticado entre os coríntios e mostra seu absurdo se realmente não há
ressurreição. Batizar-se pelos mortos, se não existe ressurreição, seria uma
perda de tempo e um desperdício de água.

PONTO 7

E por que também nós nos expomos a perigos a toda hora? Dia após dia
morro! Eu o protesto, irmãos, pela glória que tenho em vós outros em
Cristo Jesus nosso Senhor. Se como homem, lutei em Efeso com feras,
que me aproveita isto? ” 1 Coríntios 15.30-32a.

Aqui encontramos uma aplicação fascinante. O apóstolo volta-se para seu


próprio ministério como evidência de sua convicção de que a ressurreição
“faz sentido” dentro de suas próprias lutas. Ele usa uma linguagem
excepcionalmente forte para um judeu. Afirma sua posição prestando um
juramento sobre seu ministério em Cristo. Prestar um juramento não é algo
trivial para um judeu piedoso. Ele testifica que

seu próprio ministério seria inútil sem a ressurreição. Para um resumo da


dor e esforço hercúleos que marcaram o ministério de Paulo, o leitor pode
gastar alguns momentos e ler 2 Coríntios 11. Neste capítulo, Paulo faz um
breve registro de seus sofrimentos no ministério.

Um argumento popular para a ressurreição é mais ou menos o seguinte: O


que é mais difícil de acreditar, que Cristo ressuscitou dos mortos ou que os
apóstolos estavam dispostos a morrer por um logro, uma mistificação?
Nunca achei este argumento muito satisfatório. A primeira vista devemos
admitir que, embora seja raro encontrar fanáticos tão iludidos que estejam
dispostos a morrer por algo que não é verdadeiro, ou mesmo por algo que
eles sabem que não é verdadeiro, isto não é tão raro quanto
uma ressurreição dos mortos.

Um apelo à extraordinária devoção de Paulo ao seu ministério e sua


disposição de morrer por sua fé, não prova de maneira conclusiva que esta
fé seja válida. O que tal disposição demonstra, entretanto, é que o
comportamento de Paulo era sem dúvida consistente com aquilo que
poderíamos esperar de alguém que foi testemunha ocular do
Jesus ressurreto.

O que era verdade a respeito de Paulo, também o era a respeito dos outros
apóstolos. Eles viveram e morreram em absoluta confiança da ressurreição
de Cristo.

PONTO 8

Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos que amanhã


morreremos. 1 Coríntios 15.32b.

Aqui Paulo destroi todas as armadilhas do sentimen-talismo e altruísmo


religioso. Ele ecoa o credo dos antigos Epicureus. Se não existe vida após a
morte, apenas o

presente, então o estilo de vida sensato é o do hedonista espalhafatoso.


Devemos agarrar todo prazer de que formos capazes antes de sermos
engolidos pela dor final. Eis aqui a antecipação apostólica do ceticismo
moderno: Agarre todo o prazer que puder porque você só passa por aqui
uma vez; ou aquele que morrer com a maior quantidade de brinquedos,
ganha.

PONTO 9

Embora venha antes, na argumentação de Paulo, guardei-o para o fim.


Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os
mais infelizes de todos os homens. ICoríntios 15.19.

Dificilmente Paulo poderia protestar com mais veemência contra todas as


tentativas de construir uma religião Cristã sem ressurreição. Se o valor da
esperança Cristã está restrito a esta vida, então os Cristãos são os mais
miseráveis de todas as pessoas.

Sua miséria é a seguinte: Vivem uma vida baseada numa esperança falsa.
Esta esperança é uma esperança controladora. Envolve uma ética de
recompensa futura, uma ética de sacrifício presente por amor a uma
recompensa futura.

Paulo está dizendo que se você é hostil para com os cristãos, seria mais
compassivo trocar a hostilidade por piedade. Os cristãos que vivem com
uma esperança enganosa, precisam piedade. Precisam piedade porque são,
na realidade, as mais deploráveis de todas as pessoas.

A Base das Testemunhas Oculares

A dimensão mais importante do argumento de Paulo pela ressurreição é a


seguinte: Ela não descansa simples-

mente numa base especulativa de opções terríveis. Paulo não está


concluindo que uma vez que a vida sem ressurreição é miserável, devemos
dar um profundo suspiro, fechar os olhos e invocar a fé numa ressurreição.
Paulo não diz que devemos viver como se houvesse uma ressurreição, pois
sem ela todas aquelas conclusões ruins devem ser enfrentadas.
Seu argumento de nove pontos é meramente corroborativo. É um estudo
sobre consistência e inconsistência. Não é a base de sua confiança na
ressurreição de Cristo.

O argumento de Paulo em favor da ressurreição vai muito além da filosofia


especulativa.

Ele fornece evidências que nem Platão nem Kant poderiam oferecer. Paulo
apela para o testemunho de testemunhas oculares da realidade histórica da
ressurreição de Jesus.
Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas, e,
depois, aos doze. Depois disto foi visto por mais de quinhentos irmãos de
uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora, porém alguns já
dormem. Depois foi visto por Tiago, mais tarde por todos os apóstolos, e,
afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido
fora de tempo. 1 Coríntios 15.3-8.

Este é o registro da história a respeito de Jesus de Nazaré. Sua vida, sua


morte, seu sepultamento, e sua ressurreição foram todos preditos pelas
Escrituras. O testemunho de sua ressurreição não estava baseado em
inferências ou conclusões tiradas da aparência de um túmulo vazio.
Um corpo desaparecido não é suficiente. Estava baseado na aparição de
Jesus — vivo, não para uma ou duas pessoas, mas para uma multidão delas.

Paulo nomeia as pessoas que viram Jesus voltar da sepultura vivo. Estas
pessoas incluem aqueles que o viram morrer. Este grupo inclui aqueles que
testemunharam a crucificação e a última punhalada em seu lado. Inclui
pessoas que viram seu corpo ser preparado para o sepultamento.

O grupo de testemunhas oculares inclui um número de mais de quinhentas


pessoas numa única ocasião. Quando Paulo escreveu isto aos coríntios, ele
afirmou que a maioria das testemunhas ainda estava viva. É como se ele
dissesse: “Podem verificar. As testemunhas ainda podem ser argüi-das.”

Atualmente não temos mais a possibilidade de argüir as quinhentas. Mas


ainda temos o registro escrito do testemunho ocular apostólico. Ainda
podemos ler o relato de João ou Mateus.

Finalmente Paulo declara que ele viu pessoalmente o Cristo ressurreto. As


palavras de Paulo são emocionantes. Não satisfeito com relatos de segunda
mão, o apóstolo declara: “Ele foi visto também por mim.”

“Eu o vi!” Aqui está o que Platão ou Kant nunca poderiam dizer.

Não é para menos que Paulo transpirava confiança na vitória de Cristo


sobre a morte. Sua conclusão final é conseqüência irresistível de seu
emocionante testemunho:

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis, e sempre


abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho
não é vão.

1 Coríntios 15.58.

O “portanto” de Paulo assinala a grande conclusão. Há uma razão — base


sólida para a solene advertência. Sede firmes. Com a certeza da
ressurreição, a firmeza é necessária.

A vacilação não é a marca daqueles que conhecem o Cristo ressurreto. A


ressurreição fornece uma âncora para a alma que a toma imóvel. Sempre
abundante na obra do Senhor.

A ressurreição produz trabalho em abundância. E o trabalho que repousa na


certeza de que nenhum esforço feito em nome de Cristo é inútil. Nosso
trabalho, nossa dor, nosso sofrimento — sim, até mesmo nossa morte —
não são em vão.
MORRER É GANHO

Blaise Pascal observou certa vez que um elemento crucial na miséria do


homem pode ser encontrado no seguinte: Ele sempre pode almejar uma vida
melhor do que aquela que tem possibilidades de adquirir.

Todos nós temos a habilidade de sonhar, de permitir que nossa imaginação


paire num vôo livre de fantasias. Entretanto, quando empurramos nossos
poderes de imaginação até os seus limites, chocamos com a barreira do
desconhecido. Quam pode imaginar como é o céu? Está além do nosso
alcance. Além de nossos sonhos mais ambiciosos.

Um sábio observou que, se pudéssemos imaginar a experiência mais


agradável possível e pensássemos na possibilidade de repeti-la por toda a
eternidade, estaríamos imaginando algo mais próximo do inferno do que do
céu.

Simplesmente não podemos compreender uma situação de absoluta


felicidade. Não possuímos um ponto de referência concreto para isto.

Este campo misterioso e não mapeado da vida depois da morte levou


Hamlet a declarar Quem suportaria...

De gemer e suar debaixo de uma vida dura,

Mas o pavor de algo após a morte,

O país desconhecido de cujas fronteiras Nenhum viajante retorna, intriga


a vontade,

E nos faz preferir suportar os males que temos Que voar para outros dos
quais nada conhecemos?

Assim a consciência nos torna a todos covardes.

Hamlet, Ato III, Cena I


É a qualidade desconhecida da vida após a morte que nos faz preferir
suportar os males que temos que voar para outros dos quais nada
conhecemos. Talvez Hamlet tivesse uma noção do lado oposto da
observação de Pascal. Não apenas temos a habilidade de almejar uma
existência melhor; temos também o poder de imaginar uma existência
pior do que aquela que suportamos no presente.

Nossas imaginações sobre a vida após a morte estão restritas,


primeiramente, à analogia. Caminhar para além deste mundo é caminhar
para dentro de outra dimensão. Esta dimensão diferente envolve elementos
de continuidade e de descontinuidade. Enquanto existe continuidade
podemos pensar Através de analogias tiradas da experiência deste mundo.
Os elementos de descontinuidade permanecem inescrutáveis. Simplesmente
não podemos compreender aqui aquilo que está além de nossos pontos de
referência.

Embora a Bíblia seja de certa forma evasiva a respeito de nossa existência


futura, ela não é totalmente silenciosa. Recebemos referência, indícios
vitais sobre como é o céu. Há uma espécie de antegozo torturante da glória
futura que é colocado diante de nós. Existe uma revelação parcial que nos
dá um relance daquilo que existe atrás do vidro escuro.

Há alguns pontos a respeito de céu que nos são revelados com absoluta
clareza. Antes de voltarmos nossa atenção para as imagens vividas
retratadas no Apocalipse de João, examinemos algumas das afirmações
didáticas feitas sobre o assunto nos Evangelhos e nas Epístolas.

Melhor do que a Vida na Terra

A primeira lição que aprendemos é que a vida no céu é melhor que a vida
na terra. O apóstolo Paulo declara:

Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão
do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação, segundo a
minha ardente expectativa e esperança de que em nada serei
envergonhado; antes, com toda a ousadia, como sempre, também agora,
será Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida quer pela morte.
Porquanto para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro. Entretanto, se o
viver na carne traz frutos para o meu trabalho, já não sei o que hei
de escolher. Ora, de um e de outro lado estou constrangido, tendo o desejo
de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas, por
vossa causa, é mais necessário permanecer na carne. Filipenses 1.19-24.

Paulo fala da morte como ganho. Nós tendemos a pensar na morte como
perda. Na realidade, a morte de um ente querido envolve uma perda para
aqueles que ficam. Mas para aquele que passa deste mundo para o céu, é
um ganho.

Paulo não despreza a vida neste mundo. Ele afirma que está “constrangido”
entre escolher permanecer e desejar partir. O contraste que ele aponta entre
esta vida e o céu, não é um contraste entre bom e mau. A comparação é
entre bom e melhor. Esta vida em Cristo é boa. A vida no céu é melhor.

Entretanto, Paulo dá um passo além. Declara que partir e estar com Cristo é
muito melhor, (v. 23). A transição para o céu envolve mais do que uma
melhora ligeira ou marginal. O ganho é grande. O céu é muito melhor do
que a vida neste mundo.

Isto ecoa a comparação feita por Paulo aos coríntios:

Porque a nossa leve e momentânea tributação produz para nós eterno


peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas
que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são
temporais, e as que se não vêem são eternas. Sabemos que, se a nossa
casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus
um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.

E, por isso, neste tabernáculo gememos, aspirando por ser revestidos da


nossa habitação celestial; se, todavia, formos encontrados vestidos e não
nus. Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos
angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o
mortal seja absorvido pela vida. Ora, foi o próprio Deus quem nos
preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito. 2 Coríntios
4.17-5.5.
O contraste que Paulo desenvolve aqui é entre o temporário e o permanente,
entre o temporal e o eterno.

A Ressurreição do Corpo

Paulo contempla a suprema esperança de uma felicidade futura que indue a


ressurreição de nossos corpos. O Credo dos Apóstolos contém a afirmação
“creio na ressurreição do corpo.” Este artigo de fé, não se refere à
ressurreição do corpo de Cristo, mas à ressurreição dos nossos próprios
corpos. A ressurreição de Cristo é a precursora da

nossa ressurreição. Ele é as primícias de todos aqueles que participarão da


ressurreição (1 Co 15.20-23).

Paulo elabora o tema da ressurreição de nossos corpos numa veemente


conclusão de 1 Coríntios 15.

Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? Em que corpo vêm?


Insensatos! O que semeias não nasce se primeiro não morrer; e quando
semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de
trigo ou de qualquer outra semente.

Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar, e a cada uma das sementes
o seu corpo apropriado.

1 Coríntios 15.35-38.

Paulo apresenta uma analogia tirada da agricultura. A transição que


experimentaremos entre esta vida e a vida ressurreta, é semelhante àquela
da semente que germina. Para a semente explodir em vida, deve primeiro
ser enterrada. O que emerge do solo, excede muito em glória ao que foi
plantado como semente.

O apóstolo continua a analogia referindo-se à grande variedade de corpos e


formas nas quais a vida se manifesta neste mundo.

Nem toda a carne é a mesma; porém uma è a carne dos homens, outra a
dos animais, outra a das aves e outra a dos peixes. Também há
corpos celestiais e corpos terrestres; e, sem dúvida, uma é a glória dos
celestiais e outra a dos terrestres. Uma é a glória do sol, outra a glória da
lua, e outra a das estrelas; porque até entre estrela e estrela há diferença
de esplendor. 1 Coríntios 15.39-4.

Paulo cita um crescendo de níveis de glória que são encontrados na esfera


da criação. Ele aponta para aquela glória que, no momento permanece
escondida. Sua aigumentação

sugere algo assim: Em nossa visão limitada da totalidade da realidade,


temos um lampejo de uma pequena porção do que realmente existe. Nosso
escopo é, na melhor das hipótese, míope. Somos espiritualmente míopes.
Imaginem a arrogância de assumir que a vida em sua dimensão plena
é exaurida pelo escopo de nossa visão limitada. Se considerarmos por um
momento o conhecimento que temos do vasto universo em que vivemos,
compreenderemos que os limites de nossa experiência são infinitesimais.
Nossa experiência da ordem natural é menor que uma gota no vasto oceano.
E mesmo que compreendêssemos a medida total da ordem natural, isto não
nos daria passagem para a ordem sobrenatural. Mas a lição é esta: o
pontinho de realidade que percebemos é suficiente para proclamar que
existe muito, muito mais diversidade na vida que já experimentamos aqui.

Paulo avança, então, Através de contrastes:

Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na


corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se na desonra ressuscita
em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo
natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural há também corpo
espiritual.

1 Coríntios 15.42-44.

Corpo Natural

Corrupção

Desonra
Fraqueza

Natural

O contraste entre corpo terrestre e corpo ressuscitado é intenso. Inclui os


seguintes elementos:

Corpo Ressurreto

Incorrupção

Glória

Poder

Espiritual

Corrupção, desonra, e fraqueza são qualidade com as quais estamos


familiarizados. São partes normais de nossa experiência diária. São todos
atributos de nosso corpo natural. Estas qualidades, darão lugar, na
ressurreição, à sua antítese. Incorrupção, glória e poder são características
do corpo espiritual.

Como É um Corpo Espiritual?

A expressão corpo espiritual soa contraditória ao nosso ouvido. Tendemos


a pensar em espírito e corpo como opostos polares e mutuamente
excludentes. Mas Paulo não está recorrendo à contradição para afirmar seu
ponto. Está se referindo a um corpo espiritualizado que foi transformado
em suas limitações naturais. E um corpo glorificado, um corpo que foi
ressuscitado numa nova dimensão.

O único indício real que temos para este tipo de corpo espiritual é a visão
apenas esboçada que temos do corpo ressurreto de Jesus. Sabemos que o
corpo que Jesus tinha depois de sua ressurreição era diferente daquele que
foi sepultado.

Ele manifestava tanto continuidade quanto descontinuidade. Lemos de


pessoas que tinham certa dificuldade para reconhecê-lo entretanto, ao
mesmo tempo, houve reconhecimento. Jesus tomou o café matinal com
seus discípulos. Mostrou as marcas da crucificação a Tomé, e disse a ele:

Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-
na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. João 20.27.

Se Tomé fez ou não como Jesus o instruiu, não foi registrado no Evangelho,
mas presumivelmente a oportunidade foi apresentada a ele. João registra
também uma afirmação

enigmática a respeito de Jesus que já provocou muita especulação sobre seu


corpo ressurreto.

Passados oito dias estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos e
Tomé com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio
e disse: Paz seja convosco. João 20.26.

Por que João registra a frase “estando as portas trancadas”? Será que a frase
foi incluída para nos contar algo sobre os discípulos, ou para nos contar
algo a respeito do corpo ressurreto de Jesus? À primeira vista parece um
detalhe insignificante. Talvez tudo o que João queria enfatizar era o estado
de medo que caracterizou os discípulos depois da crucificação. Parece que
eles passavam grande parte do tempo dentro de casa. No versículo 19 ele
menciona: “Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas
as portas da casa onde estavam os discípulos, com medo dos judeus, veio
Jesus, pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco.”

Podemos reconstruir a cena da seguinte maneira: Os discípulos, num estado


de pavor, estavam amontoados juntos com as portas fechadas. Enquanto
estavam preocupados com seu medo e consternação, Jesus veio ao lugar
onde estavam silenciosamente abriu aporta, entrou e falou com eles. Nesta
possibilidade, a referência às portas fechadas não nos diz nada sobre o
corpo ressurreto de Jesus, a não ser o fato de que ele podia andar e abrir
portas.

Do outro lado, talvez João esteja insinuando que Jesus apareceu no meio do
quarto sem abrir a porta. Isto significaria que seu corpo ressurreto tinha a
capacidade de mover-se sem impedimento Através de objetos sólidos. O
texto não diz isto explicitamente. É possível tirar tal inferência do texto,
mas de maneira nenhuma o texto exige isto.

Permanece uma questão de conjectura.

O certo é que Paulo olha para Jesus como um exemplo de como serão os
nossos corpos ressurretos:

Pois assim está escrito: O primeiro homem,

Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante.
Mas não éprimeiro o espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O
primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu.
Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais
homens terrenos; e como é o homem celestial, tais também os celestiais.

E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer


também a imagem do celestial.

1 Coríntios 15.45-49.

Todos nós que somos humanos participamos da natureza terrena de Adão.


Somos filhos do pó. Nossos corpos sofrem de todas as fraquezas e
fragilidades que pertencem à terra. Nossas novas naturezas envolverão um
tabernáculo feito no céu. No corpo celestial não há lugar para câncer
ou doença cardíaca. A maldição da queda será removida. Seremos
revestidos de acordo com a imagem e semelhança do Novo Adão, o
Homem celestial.

Ainda seremos humanos. Haverá continuidade. Nossas identidades pessoais


permanecerão intatas. Seremos reconhecíveis como as pessoas que somos.
Mas haverá também descontinuidade, quando as algemas do pó forem
liberadas pela forma celestial.

Continuidade e Descontinuidade

Um problema inquietante que enfrentamos quando especulamos a respeito


de céu é a questão do reconhecimento. Reconhecemos as pessoas por suas
características físicas. Algumas das características mais óbvias incluem
questões

de peso e idade. Será que uma pessoa que morre na infância se parecerá
para sempre com um nenê? Será que os velhos permanecerão enrugados?
Eu serei gordo ou magro, alto ou baixo?

Fazer tais perguntas (às quais dificilmente podemos resistir) é nos


chocarmos de frente com a barreira de nosso entendimento sobre os
elementos de descontinuidade. Pressuponho (e isto é tudo que podemos
fazer, uma pressuposição) que de alguma forma estas questões deixarão de
ser relevantes uma vez que transcendamos a esfera do pó e entremos em
nosso estado glorifícado. Paulo insiste em que, embora certamente
manteremos nossa presente identidade pessoal, sem dúvida passaremos por
mudanças de transformação.

Isto afirmo, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de
Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis que vos digo um
mistério: Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num
momento, num abrir e fechar d’olhos, ao ressoar da última trombeta. A
trombe-ta soará, os mortos ressucitarão incorruptíveis, e nós seremos
transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista
da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E
quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é
mortal se revestir de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está
escrita: Tragada foi a morte na vitória. 1 Coríntios 15.50-54.

Corrupção refere-se ao processo da morte. Ser corruptível, neste sentido,


não se refere à degeneração moral. Refere-se à degeneração física. O
processo de geração e decadência não pertence ao incorruptível. Aquilo que
está

livre de corrupção física deve escapar a todas as formas de geração e


decadência. Isto significa que envelhecer, rugas, acne, e doenças não tem
lugar naquilo que é incorruptível. Não apenas a morte, mas todos os
assessores da morte se desvanecem com a ressurreição do corpo.

Estado Intermediário
A Bíblia não fala apenas de dois estados da vida humana, mas de três.
Existe a vida como a conhecemos na terra. Existe o estado final de nossos
futuros corpos ressuscitados. E há o que acontece conosco entre o momento
de nossa morte e a ressurreição final.

Historicamente a teologia Cristã fala de um estado intermediário que se


refere à existência pessoal continuada de nossas almas no céu, até que
sejam revestidas do corpo glo-rificado. No estado intermediário,
continuamos a existir, vivos, como espíritos sem corpo.

O Cristianismo Ortodoxo rejeita a noção do sono da alma que se tornou


popular em alguns grupos religiosos. A idéia do sono da alma baseia-se no
uso bíblico do termo “dormir” como um eufemismo para a morte. Esta
posição ensina que após a morte, as almas dos santos que
partiram, permanecem numa espécie de animação suspensa, inconscientes,
e sem perceber a passagem do tempo até a grande ressurreição. Esta noção
vê uma analogia entre o sono da alma e as experiências de sono que temos
nesta vida (sem sonhos). Quando dormimos, temos a sensação de
suspensão do tempo enquanto estamos inconscientes.

O Novo Testamento não reconhece nenhuma noção de sono da alma. Como


vimos claramente, Paulo descreve o estado intermediário como sendo
melhor do que esta vida, no sentido de que passamos imediatamente para a
presença de Cristo. É difícil imaginar como este estado poderia ser

melhor do que aquele que gozamos agora se permanecemos inconscientes


na presença de Cristo.

Sem dúvida existe o descanso e a suspensão da dor e do tumulto que


sentimos enquanto estamos dormindo, mas a comunhão consciente com
Cristo que gozamos presentemente nesta vida não pode ser desprezada. Há
ocasiões em que suspiramos por um sono inconsciente para sentir algum
alívio dos cuidados deste mundo, mas o normal é desejarmos acordar para
assumir novamente a vida consciente. O grande modelo de felicidade Cristã
não é encontrado no comportamento de Rip Van Wincle (Personagem da
literatura americana que dormiu durante cem anos, n. do t.)
Os lampejos que a Bíblia nos dá sobre o estado intermediário sugerem
fortemente um estado consciência alerta. Embora seja uma parábola cujos
elementos não podem ser pressionados demais, a parábola do rico e Lázaro
sugere uma aguda consciência de ambos os homens. A parábola envolve
uma conversação entre o rico e Abraão. O homem rico, consciente de
seu tormento, clama por misericórdia a Abraão. Abraão responde:

Filho, lembra-te que recebestes os teus bens em tua vida, e Lázaro


igualmente os males; agora, porém, aqui ele está consolado; tu, em
tormentos.

E, além de tudo, está posto um grand abismo entre nós e vós, de sorte que
os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá
passar para nós. Lucas 16.25-26.

Então o homem rico apela para que uma mensagem seja enviada a seus
irmãos que ainda estão vivos, para que eles sejam avisados sobre o lugar de
tormento (v. 27-28).

Embora seja uma parábola Jesus pinta a cena do “seio de Abraão” como um
lugar intermediário de felicidade consciente, e Hades como um lugar de
tormento consciente.

Obviamente a cena tem lugar antes da grande ressurreição.

A visão de João registrada no livro de Apocalipse inclui cenas dos santos


que já partiram e esperam o estado final de glória:

Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que
tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do
testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz dizendo: Até
quando ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas nem vingas o
nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então a cada um deles foi
dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por
pouco tempo, até que também se completasse o número dos
seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles
foram. Apocalipse 6.9-11.
Aqui as almas dos mártires estão claramente em descanso em seu estado
intermediário. Mas este descanso não é um estado de sono inconsciente. É
um descanso consciente no qual são capazes de conversar.

Outro texto importante do Novo Testamento que se refere ao assunto do


estado intermediário é encontrado em Lucas 23.24. Aqui Jesus fala ao
ladrão na cruz ao seu lado: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no
Paraíso.”

No texto original grego, não há pontuação. Nenhuma vírgula aparece. As


vírgulas são colocadas pelo tradutor. O debate sobre o sono da alma, se
centraliza no uso que Jesus faz da palavra hoje. O tradutor transmite o
sentido das palavras de Jesus da seguinte forma —■ hoje estarás comigo
no Paraíso. Isto é, a promessa ao ladrão é de que ele gozaria da comunhão
com Cristo no paraíso, e que esta comunhão começaria naquele mesmo dia.

Os advogados do sono da alma usam uma forma diferente de pontuação.


Mudam a vírgula para um ponto diferente e transmitem a afirmação de
Jesus da seguinte maneira: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no
paraíso.

Neste caso a palavra hoje não se refere à ocasião em que o ladrão estará
com Jesus no paraíso. Mas significa sim a ocasião em que Jesus faz a
promessa de uma reunião num futuro indefinido. Embora esta forma seja
gramaticalmente possível, não é a preferida, tanto contextualmente
quanto em termos estritamente literários.

O fato de Jesus se dar o trabalho de indicar a ocasião em que ele estava


falando ao ladrão seria colocar o óbvio. Não há nenhuma razão para dizer
ao ladrão que hoje é o dia em que os dois estão tendo uma conversa. Se
ambos tivessem tido uma conversação prévia e Jesus tivesse dito: “Algum
dia vou lhe dizer algo muito importante, mas hoje não é o momento certo”
— E então mais tarde ele fizesse sua declaração, seria apropriado dizer:
“Muito bem, hoje é o dia em que lhe direi o que não quis revelar no
passado. Hoje Eu lhe digo, algum dia no futuro você estará comigo no
paraíso.”
A afirmação se torna ainda mais problemática se considerarmos a condição
física de Jesus na hora em que ele fez a afirmação. Ele estava no meio da
agonia da crucificação, quando cada palavra pronunciada exigia um sério
esforço. Parece improvável que Jesus fosse desperdiçar seus
últimos suspiros para dizer ao ladrão que ele estava lhe falando “hoje.”

A interpretação imediata seria assumir que a pontuação clássica está


correta. A palavra hoje assume um significado real se entendermos que
Jesus está dizendo: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso.”
A força das palavras significa então: “Neste mesmo dia em que você está

morrendo, neste dia em que você tem todas as razões para abandonar
qualquer esperança — neste dia, o último dia de sua vida terrena — este
mesmo dia marcará sua entrada num estado muito melhor do que aquele
que você está suportando no momento. Este é o dia em que você entra no
Paraíso.” Esta é a tradução preferida, a não ser que haja evidência bíblica
compulsória ao contrário. Não existe tal evidência. Na realidade, a posição
consistente e harmoniosa do resto das Escrituras é que os crentes entram
imediatamente no abençoado estado intermediário.

COMO É O CÉU?

O mais vivido e dramático retrato de céu que podemos encontrar nas


Escrituras está no final do Apocalipse de João. João teve o privilégio de ver,
no Espírito, uma espetacular visão do futuro. O clímax da visão dramática é
encontrado na revelação do novo céu e da nova terra.

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra já


passaram, e o mar já não existe. Apocalipse 21.1.

Aqui, em miniatura, vemos o destino último da igreja sofredora, o clímax


de todo o plano divino da história da redenção. A criação futura é
encontrada na manifestação de novo céu e nova terra.

Ouvimos que a primeira terra e o primeiro céu passaram. Qual o significado


disto? Os intérpretes estão divididos nesta questão. Alguns vêem a
passagem da criação original como um ato divino de julgamento sobre um
mundo

caído. A velha ordem é destruída, aniquilada pela fúria de Deus. Então, o


velho é substituído por um novo ato de criação. Do nada Deus faz surgir a
nova ordem.

Um segundo ponto de vista sobre a questão, com o qual eu concordo, é que


a nova ordem envolve não uma nova criação a partir do nada, mas uma
renovação da velha ordem. Sua novidade é marcada pelo trabalho de
redenção de Deus. As Escrituras muitas vezes mencionam que toda criação
aguarda o ato final de redenção. Destruir algo completamente e substituí-lo
por outra coisa completamente nova não é um ato de redenção. Redimir
algo é salvar aquilo que está em perigo iminente de ser perdido. A
renovação pode ser radical. Pode envolver uma conflagração violenta de
purificação, mas o ato purificador, em última análise, redime, ao invés de
aniquilar. O novo céu e a nova terra são purificados. Não há lugar para o
mal na nova ordem. Um sinal disto é encontrado nas palavras um tanto
enigmáticas: “e o mar já não existe.”

A Ausência do Mar Caótico

Para as pessoas que amam a praia e tudo o que ela representa em termos de
beleza e distração, pode parecer estranho imaginar uma nova terra sem mar.
Mas para o judeu antigo, a questão era diferente. Na literatura judaica, o
mar é muitas vezes usado como uma imagem simbólica de algo ameaçador,
sinistro e assustador. Já no Apocalipse de João vemos a Besta do Anticristo
emergindo do mar. Na mitologia semítica antiga, há freqüentes referências a
um monstro marinho primitivo que representa o caos escuro. A
deusa babilônica Tiamat é um exemplo disto.

No pensamento hebraico é o rio, o riacho, ou a fonte que funcionam como


símbolo positivo da bondade. Isto é natural numa região de deserto, onde a
fonte é a própria vida.

Se olharmos para um mapa em relevo da Palestina, veremos quão


importante é o Rio Jordão para a vida da terra. Ele corta como uma fita
através do coração de uma terra árida e crestada, ligando o Mar da Galiléia
ao norte com o Mar Morto ao sul.

A costa Mediterrânea a oeste da Palestina é marcada por bancos de areia


rochosos e montanhas escarpadas. Os hebreus antigos não desenvolveram
comércio marítimo porque o terreno não era favorável para a navegação. O
mar representava problema para eles. Era do Mediterrâneo que vinham as
tempestades violentas. Vemos esta imagem nítida no Salmo 46:

Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tributações.


Portanto não temeremos ainda que a terra se transtorne e os montes se
abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem, e
na sua fúria os montes se estremeçam. Salmo 46.1-3.

Note o contraste imediato com o versículo seguinte: “Há um rio cujas


correntes alegram a cidade de Deus” (v. 4).

Vivo na parte central da Flórida. Nossa área é descrita muitas vezes como a
sede das tempestades de raio da América. Os meses de verão trazem
tempestades elétricas muito severas. Meus netos ficam freqüentemente
amedrontados com o que chamam de barulhão. Os trovões estrondosos
não fazem parte daquilo que eles gostariam de ver no céu.

Mas os judeus temiam outros problemas que vinham do mar, além das
tempestades turbulentas. Seus arqui-rivais tradicionais, os saqueadores que
invadiram o país várias vezes, eram uma nação marítima. Os filisteus
vinham da direção do mar.

Os judeus almejavam um novo mundo no qual todos os males simbolizados


pelo mar estariam ausentes. O céu

tem água. O céu tem rio. O céu tem correntes de água viva. Mas lá não
existe mar.

A Cidade Redimida

Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte


de Deus, ataviada como noiva adornada para o seus esposo. Apocalipse
21.2.

O ponto mais alto da nova ordem é visto na chegada da cidade de Deus, a


Sião redimida, a Jerusalém que desce do céu.

A imagem da cidade na literatura judaica é ambivalente. Oscila entre uma


imagem negativa e outra positiva. De um lado o povo judeu era
historicamente semi-nômade. Mudavam de uma pastagem para outra. Eram
um povo que habitava em tendas. O Deus de Israel era aquele que foi
adorado primeiro numa tenda portátil, o tabernáculo.

Entretanto, o povo sonhava com a estabilidade, com um senso de


permanência. Eles se regozijaram quando o tabernáculo portátil deu lugar a
um templo majestoso, sob o reinado de Davi e Salomão. Eles eram um povo
que, como o patriarca Abraão,

peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em


tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa;
porque aguardavam a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o
arquiteto e fundador. Hebreus 11.9-10.

Cristo é celebrado no Novo Testamento como o grande Sumo Sacerdote das


boas coisas que virão, “mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não
feito por mãos, quer dizer, não desta criação” (Hb 9.11).

Do outro lado, a imagem da cidade pode ser negativa quando representa a


tentativa arrogante do homem de construir um

monumento a si mesmo. A cidade apresenta um lugar de impiedade e


corrupção como vemos na história de Sodoma e Gomorra. E significativo
que o autor de Gênesis, entre as atividades do primeiro assassino, Caim,
menciona que ele construiu uma cidade:

Retirou-se Caim da presença do Senhor, e habitou na terra de Node, ao


oriente do Eden. E co-abitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu
à luz a Enoque. Caim ediflcou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome
de seu filho. Gênesis 4.16-17.
A cidade de Caim era ímpia e as cidades de Sodoma e Gomorra eram
ímpias. Foi Jerusalém que se tornou o ponto central da esperança futura dos
judeus. Aqui, no Monte Sião, estava o lugar onde Deus prometera habitar
com seu povo. Foi aqui que o templo foi construído e para onde se
dirigiam as peregrinações sagradas. Foi subindo para Jerusalém que o Rei
Messias deveria ir para morrer.

O grande holocausto de Israel teve lugar no ano 70 de nossa era, quando os


romanos destruíram completamente a Cidade Santa e os judeus, foram
dispersos por todo mundo. Durante séculos — e até o dia de hoje — quando
os judeus celebram a Páscoa, eles sussurram uns para os outros
sua esperança mais pungente: “No próximo ano em Jerusalém.”

Israel era a noiva de Javé, mesmo a igreja no Novo Testamento é chamada a


noiva de Cristo. Na visão de João, o aparecimento da Nova Jerusalém é
semelhante ao aparecimento espetacular da noiva na hora do casamento.
Quando a Nova Jerusalém aparece, a cidade do homem desaparece, e a
cidade de Deus é apresentada. A entrada desta cidade é anunciada por uma
voz celestial.

Então ouvi grande voz vinda do trono dizendo: Eis o tabernáculo de Deus
com os homens. Deus

habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com
eles. Apocalipse 21.3.

A característica principal da Nova Jerusalém é a imediata presença de


Deus. Deus está no meio de seu povo. Ele habita com eles. Deus não é mais
visto como alguém distante, remoto da experiência diária. Ele arma sua
tenda no meio de seu povo.

As palavras finais da visão de Ezequiel no Antigo Testamento, captam a


essência da Cidade Santa:

Dezoito mil côvados em redor; e o nome da cidade desde aquele dia será:
O Senhor está ali. Ezequiel 48.35.
Quando João escreveu o prólogo de seu Evangelho, falou sobre o Logos, a
Palavra de Deus, a qual estava no princípio com Deus e que era Deus.

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e


vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. João 1.14.

Quando João falou da Encarnação, ele disse que o Verbo “habitou” entre
nós. A palavra que ele usou significa literalmente “armou sua tenda”, ou
“tabernaculou.”

Jesus é chamado Emanuel, significando “Deus conosco.” A primeira visita


do Deus Encarnado a Jerusalém foi temporária. Ele veio a Jerusalém, e
então deixou Jerusalém. Mas ele é um morador permanente da Nova
Jerusalém. Ele nunca deixa a Cidade Santa. Não há nenhum ponto
de partida daquele lugar.

Fim de Toda Dor

E lhes enxugarás dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não
haverá luto, nem pran-

/o, nem dor, porque as primeiras cousas passaram. Apocalipse 21.4.

Quando eu era criança, minha mãe cuidava de mim com todo carinho
sempre que eu me machucava. Quando as lágrimas brotavam dos meus
olhos, e eu soluçava de maneira incontrolável, minha mãe pegava seu lenço
e enxugava as lágrimas do meu rosto. Muitas vezes ela mandava embora as
lágrimas com um beijo.

Existem poucas experiências humanas mais íntimas que enxugar as


lágrimas de outra pessoa. É um ato de compaixão que se faz com o tato. É
uma profunda forma de comunicação não verbal. E um toque de
consolação.

Minha mãe enxugou minhas lágrimas muitas vezes. Sua consolação


funcionava no momento, e os soluços paravam. Mas então eu me
machucava de novo, e as lágrimas tornavam a correr. Meus canais lacrimais
ainda funcionam. Ainda tenho capacidade de chorar.
Mas quando Deus enxuga as lágrimas, é o fim de todo choro. João escreve:
“não haverá mais pranto”. Qualquer lágrima derramada no céu só poderá
ser lágrima de alegria. Quando Deus secar nossos olhos de todo choro triste,
a consolação será permanente.

No céu não haverá nenhuma razão para o choro pesaroso. Não haverá mais
morte. Não haverá mais tristezas, ou dor de qualquer sorte. Tudo isto
pertence às primeiras coisas que passarão.

A Nova Jerusalém não tem cemitérios, não tem morgues, nem capelas
funerárias, nem hospitais, nem drogas para controlar a dor. Estes são
elementos que assistem aos trabalhos deste mundo. Todos eles passarão.

E aquele que está assentado no trono disse:

Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou:

Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Apocalipse 21.5.

Se existe algo que soa bom demais para ser verdade, seria o anúncio de um
lugar de onde dor, tristezas, lágrimas e morte fossem banidos. O coração
quase desmaia com um anúncio como este. Ficamos quase com medo de
pensar nisto, para não termos um amargo desapontamento. Mas a voz de
comando vinda do trono real de Deus falou enfaticamente a João:
“Escreve!” Ordenou ele. “Estas palavras são fiéis e verdadeiras.”

Dizer que estas palavras são verdadeiras, significa simplesmente que elas
correspondem à realidade. Não são promessas inúteis de fantasia. Dizer que
elas são fiéis, significa que podemos confiar nelas sem medo de
desapontamento.

Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o


fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida.
Apocalipse 21.6.

O Alfabeto grego começa com a letra Alfa e termina com a letra Ômega,
correspondendo aos nossos A e Z. Cristo se revela como o começo e o fim
de todas as coisas. Novamente ouvimos a triunfante nota de vitória da
criação. Não existe nenhum sinal de um ciclo etemo de repetições
sem sentido. Existe um objetivo, um destino para toda a história humana.
Aquele que cria todas as coisas, trará todas elas a uma conclusão
significativa. Inutilidade e futilidade são extintas à luz daquele que é Alfa e
Ômega.

Aquele que é o Autor e Consumador de nossa fé, promete um refrigério


satisfatório para todos os sedentos. A imagem poderosa da sede aparece
freqüentemente nas Escrituras. O salmista escreveu:

Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus,
suspira minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo”,
Salmo 42.1-2.

O anseio humano por Deus é comparado ao da corça cuja língua fica


pendurada para fora da boca, à procura de água. A emoção é intensa; a sede
é uma emoção imperiosa. E para este tipo de pessoa, alguém que tem um
anseio apaixonado por Deus, que Cristo pronuncia sua bênção:
“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão
fartos” (Mt 5.6).

As palavras de Jesus são um eco de sua conversação com a mulher


samaritana junto ao poço:

Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: Dá-me de beber, tu


lhe pedirias e ele te daria água viva... Aquele, porém, que beber da
água que eu lhe der, nunca mais terá sede para sempre; pelo contrário, a
água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna. João
4.10-14.

Estas promessas chegam a um máximo com as palavras de Jesus: “Está


consumado!” Ele completou sua missão e a vitória futura está assegurada.

O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus e ele me será filho.
Quanto porém aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos
assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os
mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde como fogo e
enxofre, a saber, a segunda morte. Apocalipse 21.7-8.
Esta passagem traz um terrível aviso. Refere-se ao ato de julgamento final
de Cristo. Para aqueles que são fiéis, existe a promessa de participação
completa na herança de

Cristo. Somos chamados co-herdeiros com Cristo quando somos adotados


na família de Deus. Mas aqueles que persistem em sua oposição a Cristo,
aqueles que são aliados ao Anticristo, serão excluídos da felicidade do céu e
destinados ao lago de fogo, A lista de pecados mencionada
(mentira, idolatria, etc.) representa um sumário das características
dos seguidores do Anticristo, que obstinadamente se recusam a mostrar
lealdade a Cristo.

Brilho da Cidade Santa

Então veio um dos sete anjos que têm as sete taças cheias dos últimos sete
flagelos, e falou comigo dizendo: Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa
do Cordeiro: e me transportou, em espírito, até a uma grande e elevada
montanha, e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da
parte de Deu,, a qual tem a glória de Deus. O seu fulgor era semelhante a
uma pedra preciosíssima, como pedra dejaspe cristalina. Apocalipse 21.9-
11.

O mesmo anjo que anteriormente havia mostrado a João a visão da grande


meretriz, a cidade de Babilônia, agora o leva para ver esta cidade final
como constraste. A Cidade Santa é banhada pela refulgente glória de Deus.
Ela brilha com um fulgor empolgante. Sua luz é comparada à do
jaspe. Alguns capítulos antes, no livro do Apocalipse, a aparência de Deus
no trono é descrita com as seguintes palavras: “E este que se acha
assentado, é semelhante no aspecto a pedra dejaspe e de sardônio” (Ap 4.3).

O jaspe pode variar na aparência do amarelo para o vermelho e para o


verde. Também pode ser translúcido. O sardônio era vermelho. A cidade
aparece refletindo a gloriosa presença de Deus, transparente e vermelho
brilhante, como a luz.

Tinha grande e alta muralha, doze portas, e junto às portas doze anjos, e
sobre elas nomes inscritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos
de Israel. Três portas se achavam a leste, três ao norte, três ao sul e três a
oeste. Apocalipse 21.12-13.

No mundo antigo, a força e majestade da cidade eram medidas por suas


muralhas. A muralha não somente marcava os limites da cidade, mas era
um elemento vital de proteção contra o ataque inimigo. A guerra antiga
envolvia necessariamente o cerco e a catapulta. Hoje, os que visitam a velha
cidade de Jerusalém, ficam imediatamente impressionados com as muralhas
que a cercam. Construídas com grandes pedras Herodianas, a muralha de
Jerusalém atinge quase vinte e três metros de altura. Por muito espantosa
que esta vista seja para o visitante moderno, ela se torna ainda mais
formidável com o fato de que a erosão do tempo escondeu outros vinte e
três metros que se encontram agora soterrados.

A muralha da Jerusalém terrestre perde a importância em comparação com


aquela da Jerusalém celeste. Esta muralha é forte e alta, indicando a total
segurança daqueles que moram na cidade. Ela fornece uma barreira
impenetrável para qualquer um que tente entras sem o convite de Deus.
Entretanto, existe acesso Através das doze portas que recebem os nomes
das doze tribos de Israel. A salvação vem dos judeus. As raízes da história
da redenção estão plantadas na nação judaica. Mas a nova Jerusalém tem as
portas abertas para pessoas de todas as nações. Embora honre sua nação
original, Israel, ela é o lugar onde todos aqueles que desejam habitar com o
Cordeiro podem entrar.

A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e estavam sobre estes os


doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. Apocalipse 21.14.

Cantamos a respeito de Jesus como sendo o fundamento da igreja.


Entretanto, nas imagens usadas no Novo Testamento, o simbolismo usado
mais freqüentemente é o de Cristo como pedra angular. Nenhum outro
fundamento pode ser colocado senão o que é colocado em Cristo. E a
imagem do fundamento é também usada para os apóstolos:

edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo,


Cristo Jesus, a pedra angular; Efésios 2.20.
E significativo que a muralha descansa não sobre um fundamento, mas
sobre doze. A simetria entre doze portas e doze fundamentos simbolizando
as doze tribos de Israel e os doze apóstolos, mostram a unidade do Antigo e
do Novo Testamentos, e a inclusão completa da totalidade do povo de Deus.

Aquele que falava comigo, tinha por medida uma vara de ouro para
medir a cidade, as suas portas e a sua muralha. A cidade é quadrangular,
de comprimento e largura iguais. E mediu a cidade com a vara até doze
mil estádios. O seu comprimento largura e altura são iguais. Mediu
também a sua muralha, cento e quarenta e quatro côvados, medida de
homem, isto é, de anjo. Apocalipse 21.15-17.

A Cidade Santa é medida por um instrumento de ouro. A medida revela a


simetria perfeita da cidade. Não há nenhuma linha fora de prumo, nada fora
do equilíbrio. A cidade de Deus é perfeita. Notamos que a cidade é um
cubo. A estrutura do cubo relembra as dimensões do santo dos santos no
Antigo Testamento. (Veja 1 Rs 6.20). Talvez isto explique uma
característica da Nova Jerusalém que certamente deve ter surpreendido aos
judeus, isto é, que a cidade não tem um templo. Toda a cidade é um templo,
permeada pela presença de Deus.

A cidade mede 2.400 quilômetros. O número é simbólico. Representa a


medida de 200 quilômetros multiplicado por doze. Ela se extende
indefinidamente. Imagine uma cidade que vai de S. Paulo a Salvador.

As medidas das muralhas também são espantosas. Novamente, os 144


cúbitos também são um múltiplo de doze. Originalmente, o cúbito era a
medida compreendida entre o ponta do dedo de um homem e seu cotovelo.
Alguns estimam que a muralha tenha 216 pés. Mas vimos que o usado aqui
foi o cúbito, medido por um anjo.

A estrutura da muralha é de jaspe; também a cidade é de ouro puro,


semelhante a vidro límpido. Apocalipse 21.8.

Recentemente alguém me deu uma fita que apresentava os eventos que


tiveram lugar no ano em que nasci, 1939. Um dos eventos mencionados foi
a construção da mansão Hearst, que foi a moradia particular mais elaborada
e cara construída na América. A mansão incluía mais de cem aposentos, e
custou US$30 milhões em 1939. Seus enfeites em ouro eram espetaculares.
Mas a mansão Hearst é uma casinha de cachorro perto da Nova Jerusalém.

Não podemos imaginar uma cidade de ouro puro que se assemelha a vidro
transparente.

Lembramos que o templo de Salomão apresentava com destaque uma


generosa quantidade de placas de ouro. Mas na Nova Cidade não temos
meramente placas de ouro. É ouro puro que irradia a beleza da santidade de
Deus.

Os fundamentos da muralha da cidade estão adornados de toda a espécie


de pedras preciosas. O primeiro fundamento é de jaspe; o segundo, de
safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, de esmeralda; o quinto, de
sardônio; o sexto, de sárdio; o sétimo, de

crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, de topázio; o décimo, de crisópraso;


o undécimo, de jacinto; e o duodécimo, de ametista. Apocalipse 21.19-20.

As pedras preciosas encontradas no fundamento da cidade, trazem à


memória as pedras que adornavam o peitoral do Sumo sacerdote de Israel
(veja Ex 28.15ss). Alguns têm visto nele uma rejeição sutil da religião pagã
uma vez que que apresenta as pedras em ordem inversa a da astrologia
do zodíaco. A verdadeira realidade, que é distorcida na religião pagã, é
encontrada na cidade de Deus.

As doze portas são doze pérolas, e cada uma destas portas de uma só
pérola. A praça da cidade é de ouro puro, como vidro transparente.
Apocalipse 21.21.

Aqui está o texto que fornece a concepção popular do céu com “portas de
pérola” e ruas de ouro. O versículo relembra a profecia encontrada em
Isaías 54.12.

Os rabinos da antigüidade, às vezes tomavam a profecia de Isaías


literalmente, e esperavam a ocasião em que Jerusalém teria pérolas com
trinta cúbitos de largura e vinte de altura, com uma abertura de dez por
vinte cúbitos (Imaginem o tamanho da ostra para produzir pérolas como
estas).

Eu nasci e cresci em Pittsburgh. Pittsburgh é uma cidade maravilhosa.


Muito mais bonita que a imagem popular de uma cidade coberta pela
fuligem e pelo nevoeiro sujo expelidos pelas usinas de aço. A cidade tem
estado na vanguarda da renovação urbana, e é um modelo de
renascimento urbano. O problema de Pittsburgh não são os rolos de fumaça
das usinas de aço (A maioria delas está inativa). O problema perene que
atormenta os administradores da cidade são os enormes buracos nas ruas. O
final do inverno traz um fluxo constante de geadas e degelos que
rapidamente

destroem a superfície das ruas. Existem lendas de que Fuscas foram


perdidos para sempre nestes grandes buracos lamacentos das ruas.

Não há buracos na cidade celestial. Não há impostos de tráfego necessários


para a contínua manutenção. As ruas são pavimentadas com ouro
transparente que nunca precisa ser refeito.

Estas imagens vividas são mais provavelmente simbólicas da glória que


estará presente no céu, embora eu me resguarde de ser dogmático a este
respeito. Não devemos menosprezar o fato de que Deus pode produzir uma
cidade exatamente como aquela que João viu.

A Cidade sem Templo

Nela não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-


poderoso e o Cordeiro. Apocalipse 21.22.

Este versículo tem sido chocante para o judeu contemporâneo que o lê.
Uma Nova Jerusalém sem um templo é completamente inconcebível para
eles. Sua esperança futura é centralizada na magnificência final do templo.
Os inimigos de Jesus se enfureceram com suas predições sobre a destruição
do templo de Jerusalém (que aconteceu no ano 70 a.D.)

Quando os judeus pediram um sinal a Jesus, ele respondeu dizendo:


“Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei’’. Replicaram os
judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e, tu, em
três dias o levantar ás? Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo.
Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus
discípulos

de que ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus. João


2.19-22.

O templo é substituído pela presença imediata de Deus o Pai e do Cordeiro,


Deus o Filho. O Cristo ressurreto é “o lugar de encontro” entre Deus e o
homem, ele é o Mediador de seu povo.

A cidade não precisa nem do sol nem da lua, para lhe darem claridade,
pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada.
Apocalipse 21.23.

Novamente as palavras do Apocalipse ecoam a profecia de Isaías no Antigo


Testamento:

Nunca mais te servirá o sol para luz do dia, nem com o seu resplendor a
lua te iluminará; mas o Senhor será a tua luz perpétua, e o teu Deus a
tua glória. Isaías 60.19.

Cristo declarou que ele era a “luz do mundo” (Jo 8.12). O esplendor de sua
ressurreição juntamente com a deslumbrante glória de Deus, ofuscarão os
luminares menores, o sol e a lua.

As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua
glória. As suas portas nunca jamais se fecharão de dia, porque nela
não haverá noite. E lhe trarão a glória e a honra das nações. Nela nunca
jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica
abominação e mentira, mas somente os inscritos no livro da vida
do Cordeiro. Apocalipse 21.24-27.

A Cidade Santa é o lugar para onde as pessoas de todos os lugares irão para
render tributo ao Rei Messias. Reis terrestres contados entre os redimidos se
apressarão para trazer sua própria glória, riquezas e honras para depositá-las
aos pés do Cor-

deiro. Assim como os antigos magos viajaram de longe para oferecer suas
dádivas ao Cristo pequenino, assim, no futuro, haverá uma visitação muito
mais espetacular de reis e príncipes ao trono de Cristo. Então as nações se
reunirão para adorar o Reis dos Reis. Os portões permanecerão sempre
abertos. Não haverá medo do cair da noite, porque em nenhum momento as
sombras poderão obscurecer o esplendor constante da luz da sua presença.

Embora os portões permaneçam abertos, nada que possa trazer corrupção


poderá passar por eles. A entrada é barrada a todos cujos nomes não estão
escritos no Livro da Vida do Cordeiro. É a cidade do Cordeiro, e está
aberta para todos, mas apenas para todos aqueles que são seus.

Então me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai
do trono de Deus e do Cordeiro. No meio de sua praça, de uma e outra
margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu
fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para cura dos
povos. Apocalipse 22.1-2.

Esta cena relembra alguns elementos do Jardim do Éden. Tendemos a


pensar no céu como uma restauração do Paraíso que perdemos na Queda.
Mas o céu é muito mais que uma simples restauração da ordem original das
coisas. O Paraíso futuro excede em muito a felicidade que era gozada no
Éden primitivo.

A cena também lembra o profeta Ezequiel:

Então me disse, estas águas saem para a região oriental e descem a


campina e entram no Mar Morto, cujas águas ficarão saudáveis. Toda
criatura vivente, que vive em enxames, viverá por onde quer que passe
este rio... e tudo viverá por onde

quer que passe este rio... Junto ao rio, às ribanceiras de uma e de outra
banda, nascerá toda sorte de árvore que dá fruto para se comer; não
fenecerá a sua folha, nem faltará o seu fruto; nos seus meses, produzirá
novos frutos, porque as suas águas saem do santuário; o seu fruto servirá
de alimento e a sua folha de remédio. Ezequiel 47.7-12.

Na visão de Ezequiel, o rio corre do Templo. Na visão de João, não é o


Templo, mas o próprio Cristo, o Templo Permanente, que é a Fonte da água
curadora.

A Remoção da Maldição

Na visão de João é difícil determinar se ele viu uma árvore da vida com
galhos de ambos os lados do rio, ou se eram duas árvores da vida separadas.
Em qualquer caso, a árvore representa a nova ordem da vida que estará
presente. O ciclo anual das estações com nascimento na primavera e morte
no inverno, terminou. As árvores produzem um fruto novo todo mês. Suas
folhas não murcham e morrem. A maldição da terra passou. Não se
encontra mais nenhum espinho ou erva daninha na natureza. Não pode
existir seca que ameace a colheita.

As folhas das árvores são terapêuticas. Contém o bálsamo que cura as


feridas das nações. João não especifica que males precisam ser curados.
Talvez ele tenha em mente a dor normal da natureza que é removida. Ou
poderia ter em mente a cura dos ferimentos causados pelo Anticristo.

Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela estará o trono de Deus e do


Cordeiro. Os seus servos o servirão. Apocalipse 22.3.

O fim da maldição assinala a completa consumação da redenção divina. A


idéia da maldição nos remete de volta à

queda da humanidade. A maldição é o julgamento de Deus sobre a


desobediência. Na queda original, Deus amaldiçoou a serpente que enganou
a Eva. Afligiu a mulher com dores de parto e o homem com fardos maiores
em seu trabalho. O solo foi amaldiçoado com espinhos.

O tema da maldição aparece outra vez, dramaticamente, quando Deus faz


seu pacto com Israel.
Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção
quando cumprirdes os mandamentos do Senhor vosso Deus, que hoje vos
ordeno; a maldição se não cumprirdes os mandamentos do Senhor vosso
Deus. Deuteronômio 11.26-28.

A maldição significa muito mais que a perda de bênçãos positivas. Em


última análise, envolve o ser cortado da presença de Deus. Quando Cristo
foi crucificado e “abandonado” pelo Pai, ele foi cortado da presença divina.
As luzes se apagaram e Jesus foi lançado na escuridão do abismo.

A maldição significa que não podemos ver a face de Deus neste mundo.
Significa que experimentamos uma certa medida da ausência de Deus. Mas
na visão de João, quando a maldição é removida, duas coisas aparecem
imediatamente: Primeiro a presença clara de Deus e do Cordeiro. Segundo
o louvor voluntário de seu povo. Isto apresenta um contraste marcante com
a situação que desencadeou a maldição. Quando a maldição é retirada, não
há mais desobediência. A maldição e sua causa, o pecado, estão ausentes
do céu.

A Visão Beatífica

Contemplarão a sua face, e nas suas frontes está o nome dele. Apocalipse
22.4.

Aqui está a suprema esperança do céu. Ela descreve aquilo que os teólogos
chamam de visão beatífica. A visão beatífica é a visão que provoca uma
alegria instantânea e profunda. É a bênção e a felicidade para qual todos
fomos criados. Aqui o vazio sem sentido que persegue a alma humana é
finalmente preenchido.

“Contemplarão a sua face.” Não há nenhum problema mais difícil para a


vida da fé do que o fato de que somos chamados para servir e adorar a um
Deus que é completamente invisível para nós. Em nenhuma outra situação o
provérbio “longe da vista, longe do coração” é sentido de maneira tão aguda
quanto com respeito ao objeto de nossas afeições. Queremos banhar nossos
olhos na majestade de sua glória. Queremos que ele erga sobre nós a luz do
seu rosto. Ansiamos por que ele permita que sua face brilhe sobre nós.
Mesmo nas narrativas do Antigo Testamento sobre as aparições divinas aos
seres humanos,

temos um registro daquilo que, no máximo, pode ser chamado de teofanias.


Uma teofania é uma manifestação visível do Deus invisível. Moisés vê um
arbusto que queima mas não se consome. Os filhos de Israel contemplam o
pilar de nuvem. Estas teofanias ainda mantêm o véu sobre a face de Deus.

Na Primeira Carta de João o apóstolo escreve:

Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponte de sermos
chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão
o mundo não nos conhece, por quanto não o conheceu a ele mesmo.
Amados, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que
havemos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos
semelhante a ele, porque havemos de vê-lo como ele é.

1 João 3.1-2.

João introduz o tema da visão beatífica com uma expressão de admiração


apostólica. Ele declara seu profundo espanto de que aqueles semelhantes a
nós possam ser chamados filhos de Deus. A concessão deste privilégio de
filhos adotados, reflete um “modo” ou tipo de amor que desafia todas as
características normais. É uma qualidade transcendente de amor que move o
Pai a nos chamar seus filhos. Somos categoricamente indignos deste título.
A base para ele não pode ser encontrado em nenhum mérito nosso. A única
explicação possível para sermos chamados filhos de Deus deve repousar
num amor extraordinário que somente Deus é capaz de demonstrar.

A seguir João confessa que ainda não foi revelado o que nós seremos. O
espelho ainda está escuro. O futuro ainda é nebuloso. Mas alguns sinais são
dados, e estes são suficientes para deixar nossos corações em chamas. Uma
coisa sabemos com certeza; um raio de luz penetra na escuridão do espelho:
Nós seremos como ele.

Há uma grande ironia no fato de que como criaturas de Deus fomos feitos à
sua imagem. O propósito de Deus ao criar a raça humana é que deveríamos
espelhar e refletir o próprio caráter de Deus. Mas na realidade de nossa
queda, esta imagem foi manchada. Como imagem de Deus nós
nos tornamos imagens mentirosas. A imagem está distorcida. Não há nada
mais característico dos seres humanos do que o fato de que nós pecamos.
Em nosso pecado demonstramos precisamente o que Deus não é. Não há
sombra de mal no caráter de Deus.

Quando o pecado for totalmente removido de nós, então seremos autênticas


imagens de nosso Deus. Seremos como ele.

João não nos conta a ordem exata dos eventos. Será que seremos primeiro
purificados para que então possamos

ver a Deus; ou será que a visão perfeita do Deus revelado será a experiência
que nos purificará instantaneamente? Não estou certo de como será, mas
creio que a primeira hipótese é mais provável.

A promessa de Jesus nas Bem-aventuranças é esta: “Bem aventurados os


puros de coração porque eles verão a Deus” (Mt 5.8).

O pré-requisito absoluto para contemplar a face de Deus é pureza de


coração. A razão porque Deus é invisível para o homem mortal é o fato de
que nenhum mortal é puro de coração. O problema não está em nossos
olhos; está em nossos corações. Somente quando formos glorificados
no céu estaremos qualificados para ver a Deus. Portanto, suponho que antes
que possamos “vê-lo como ele é” todo resíduo de corrupção será
completamente retirado de nossos corações.

Há uma cena na versão de Hollywood do livro de Lew Wallace, Ben-Hur,


que capta algo da agudeza desta visão de Cristo. Ben-Hur está perto de um
poço, e está sujo, encurvado na terra e dominado por uma sede pungente.
A câmera focaliza a face de Ben-Hur. Seu semblante está retorcido pelo
sofrimento. Então a sombra de um homem cruza a.sua visão. Não vemos o
homem. A câmera permanece fixa no rosto de Ben-Hur. O homem lhe
oferece água. Quando Ben-Hur levanta seu rosto desfigurado para
contemplar o misericordioso estranho, vemos uma súbita
radiância transformar sua face. Compreendemos imediatamente,
pela mudança radical de seu semblante que, quando levanta sua cabeça, ele
avista diretamente a face de Cristo.
Esta é a suprema esperança do Cristão. Quando contemplarmos a face de
Deus todas as memórias de dor e sofrimentos se desvanecerão. Nossas
almas serão totalmente curadas.

Deus porá seu nome em nossas frontes. O número do Anticristo não estará
lá. Seremos marcados com um nome indelével que nos identificará para
sempre como filhos e filhas de Deus.

Então já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem de
luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos
séculos dos séculos. Disse-me ainda: estas palavras são fiéis e
verdadeiras. Apocalipse 22.5-6a.

Estas palavras são o clímax da visão que João teve das câmaras secretas do
céu. Novamente ele enfatiza a expulsão de toda escuridão. A glória
refulgente de Deus banhará seu povo para sempre. Aqueles que são seus
receberão sua herança completa. Eles o ouvirão dizer: “Vinde, amados
meus, recebei por herança o reino que vos está preparado desde o início.”

É esta promessa, uma promessa garantida pela declaração celestial: “Estas


palavras são fiéis e verdadeiras” que remove toda dúvida sobre nossa dor e
sofrimento presentes. E esta promessa que confirma a comparação
apostólica de que as aflições que suportamos nesta vida não podem
ser comparadas com a glória que está reservada para nós no céu. É esta
promessa que é selada pela juramento divino de que nosso sofrimento
nunca, nunca, nunca é vão.
CONCLUSÃO

Em sua carta aos efésios, Paulo expressa os profundos sentimentos de seu


coração pelas crentes:

Por isso também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus,
e o amor para com todos os santos, não cesso de dar graças por vós nas
minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da
glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno
conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes
qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua
herança nos santos, e qual a suprema grandeza do seu poder para com os
que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. Efésios 1.15-19.

Nesta expressão de desejo pastoral, Paulo se refere às três grandes virtudes


cristãs — fé, amor e esperança. Ele explode de alegria ao ouvir sobre a fé
dos santos que se manifesta em amor. Mas o centro de sua oração é para
que o

Espírito de Deus ilumine de tal maneira as mentes dos crentes com a


sabedoria divina de forma que eles cheguem à completa apreciação da
esperança. Ele fala aqui sobre a esperança do seu chamamento.

A vocação divina para nós não é supremamente e nem finalmente para o


sofrimento, mas para a esperança que vai muito além do sofrimento. E a
esperança de nossa futura herança com Cristo.

Esta esperança não é um mero desejo ou um vago anseio da alma. E a


esperança que está enraizada no extremamente grande poder de Deus. E
uma esperança que não pode falhar. E a esperança que nunca deixa aquele
que a abraça envergonhado ou desapontado.

Esperança além do sofrimento é o legado de Cristo. E a promessa de Deus a


todos os que colocam sua confiança nele.

APÊNDICE A
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A MORTE E A VIDA APÓS
A MORTE

Como você aconselharia cristãos que estão sofrendo com


doenças ou velhice e que prefeririam estar no céu do que
permanecer aqui?

Primeiro eu elogiaria tais pessoas por sua preferência. Certamente elas estão
em boa companhia. Este sentimento é muitas vezes expressado por heróis e
heroínas bíblicos. Cembramo-nos do velho Simeão que, depois de esperar
durante anos para contemplar o Messias, foi finalmente abençoado ao ver o
Cristo pequenino no Templo. Tomou o nenê Jesus nos braços e disse
o poema conhecido como Nunc Dimitis: "Agora, Senhor, despede em paz o
teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua
salvação” (Lc 2.29-30).

Jó, em sua grande dor. implorou a Deus pela descanso da morte: "Quem
dera que se cumprisse o meu pedido, e que Deus me concedesse o que
anelo! Que fosse do agrado de Deus esmagar-me, que soltasse a sua mão e
acabasse comigo!” (Jó 6.8-9). Moisés e Jeremias, entre outros, fizeram o
mesmo pedido.

Certa vez ouvi um homem descrever as angústias do enjôo causado pela


balanço do mar com as seguintes palavras: “Primeiro fiquei com medo de
morrer, e depois com medo de não morrer.” O que este homem disse
brincando, é uma solene realidade para muitos que estão aflitos.

Recentemente alguém citou palavras de Billy Graham em público dizendo


que estava cansado e ansiava ir para casa e estar com Cristo. As palavras de
Dr. Graham ecoam as do apóstolo Paulo quando escreveu:

Porquanto para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Entretanto, se o


viver na carne traz lucro para o meu trabalho, já não sei o que hei de
escolher. Ora, de um e de outro lado estou constrangido, tendo o desejo
de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas por
vossa causa, é mais necessário permanecer ■ na carne. Filipenses 1.21-
24,
Paulo estava disposto a continuar seu ministério na terra, mas sua
preferência clara era morrer e estar com Cristo.

Há duas razões básicas por que os cristãos, em certas ocasiões, anseiam


pela morte. O primeiro é para satisfazer nosso profundo anseio de chegar ao
nosso destino espiritual. A peregrinação de nossas almas não está terminada
até que entremos em nosso descanso.

A segunda razão é, obviamente, motivada pelo desejo de alívio da aflição.

Soren Kierkegaard escreveu certa vez que uma das experiências mais
angustiantes da vida é desejar morrer e não ter permissão para isto. O
suicídio não é permitido por Deus. A hora de nossa morte está nas mãos de
Deus. Não devemos tomar providências para apressar o momento de nossa
partida. Deus é o autor da vida e o soberano sobre ambos, a vida e a
morte. Podemos orar por nossa própria morte, mas o pedido só pode ser
atendido por Deus e somente por Deus.

0 que dizer sobre o suicídio? O que acontece àqueles que


cometem suicídio?

Historicamente a igreja tem assumido uma posição contrária ao suicídio


pelas razões mencionadas acima. Entretanto, permanecemos com o fato de
que muitas pessoas, de fato, se matam.

Certa vez me perguntaram, num programa de entrevistas na televisão, se as


pessoas que cometem suicídio podem ir para o céu. Respondi com um
simples “Sim.” Minha resposta fez com que as luzes do painel da estação
brilhassem como uma árvore de Natal. O entrevistador ficou chocado com
minha resposta.

Expliquei que o suicídio não é identificado em lugar nenhum com o pecado


imperdoável.

Não temos nenhuma certeza sobre o que está se passando na mente de uma
pessoa no momento do suicídio. É possível que o suicídio seja um ato de
pura falta de fé, uma rendição ao desespero total que indica a falta de
qualquer fé em Deus. De outro lado pode ser sinal de uma doença mental
temporária ou prolongada. Pode ser resultado de uma súbita onda de
depressão severa (Tal depressão pode, em alguns casos, ser provocada por
causas orgânicas, ou pelo uso não intencional de certos remédios).

Um psiquiatra observou que a grande maioria das pessoas que comete


suicídio não o faria se tivesse esperado vinte quatro horas. Tal observação é
conjectura, mas é uma conjectura baseada em numerosas entrevistas com
pessoas que fizeram sérias tentativas de suicídio, mas falharam, e
consequentemente se recuperaram.

O fato é que as pessoas cometem suicídio por uma grande variedade de


razões. A complexidade do processo de pensamento da pessoa no momento
do suicídio, é conhecido em sua inteireza apenas por Deus. Deus leva em
conta todas as circunstâncias atenuantes quando pronuncia seu julgamento
sobre qualquer pessoa.

Embora devamos procurar desencorajar a pessoa de suicidar-se, deixamos


aqueles que o fizeram entregues à misericórdia de Deus.

Como explicar as experiências fora do corpo e do túnel que


muitas pessoas têm relatado depois de serem revividas da
morte?

Não posso oferecer uma explicação plena do fenômeno chamado Kubler-


Ross. Tem havido uma quantidade significativa de pesquisas sobre isto, mas
os resultados são, no máximo, especulativos. Tenho ouvido relatos
afirmando que, até 50 por cento das pessoas que sofreram morte clínica e
foram ressuscitadas por meio de qualquer providência médica, relatam
algum tipo de experiência estranha. Alguns relatam a sensação de estar
junto ao teto olhando para baixo e vendo seu corpo deitado na cama
enquanto médicos e enfermeiras dispensam seus cuidados médicos. Alguns
relatam a sensação de estarem percorrendo um grande túnel banhado com
uma luz brilhante.

A maior parte destes relatos tem sido de natureza positiva. Outros,


entretanto, têm relatado experiências amedrontadoras e terríveis que lhes
causou hesitação sobre o que poderia estar esperando por eles além do véu.
Interpretações religiosas destas sensações são complicadas pela fato de que
as mesmas experiências positivas serem relatadas tanto por crentes quanto
por não crentes.

Têm sido oferecidas várias explicações para o fenômeno. Uma envolve um


tipo de alucinação potencial causada por medicação, ou um curto-circuito
cerebral semelhante àquele usado para explicar experiências de já ter estado
em certos lugares (Uma teoria a respeito de tais experiências (déjà vu) é de
que os impulsos do cérebro disparam uma resposta que cria um sentimento
de memória, embora não seja memória real. Isto é, enquanto estamos
passando por uma experiência, temos um vago

sentimento de que já vivemos aquilo antes. Entretanto, estas experiências


déjà vu têm elementos que permanecem misteriosos. Por exemplo, há casos
em que sabemos o que uma pessoa vai fazer ou dizer em determinada
situação, antes que aconteça).

Outra explicação é baseada na afirmação bíblica da vida depois da morte.


Como cristãos cremos que nossas almas sobrevivem à morte. Há
continuidade da existência pessoal depois do término da vida física. Quer
sejamos bons ou maus, redimidos ou não, nossas almas continuam vivas.

Sou fascinado por estes relatos e espero ansiosamente pelas futuras análises
científicas sobre eles. Entretanto, mantenho diante de mim a parábola do
rico e de Lázaro em que recebemos o aviso: “Se não ouvem a Moisés e aos
profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém
dentre os mortos” (Lc 16.31).

Podemos considerar os sofrimentos em geral, e não apenas a


perseguição em nome de Cristo, como participação nos
sofrimentos de Cristo?

Creio que, em certos casos, sim. Se nossos sofrimentos são suportados em


fé, se colocamos nossa confiança em Deus enquanto estamos sofrendo,
então estamos imitando a confiança que Jesus teve no Pai. Certamente há
uma promessa especial dada àqueles que sofrem injustamente. Aqueles que
são perseguidos por causa da justiça têm uma enorme quantidade de
promessas bíblicas para confortá-los.
Mas, e se a pessoa está sofrendo com uma doença ou uma tragédia que não
é conseqüência de perseguição? Aqui colocar sua confiança em Deus no
meio da aflição é uma virtude que não ficará sem recompensa. Isto também
envolve um tipo de imitação de Cristo. Não envolve mérito redentor, mas
Deus certamente é honrado quando seus filhos mantêm a fé no meio
do sofrimento. Nisto seguimos o exemplo de Cristo.

Sem dúvida também podemos sofrer como justa conseqüência de nossos


pecados. Neste sentido não estamos imitando a Cristo, mas, mesmo aqui, é
possível honrar a Deus. Ele foi honrado quando o ladrão na cruz reconheceu
que merecia o castigo que estava sofrendo. Ele não acrescentou blasfêmia
oudifama-ção contra Deus aos pecados pelos quais já era culpado.

O que acontece com os animais que morrem?

Esta não é uma pergunta frívola. Sabemos que as pessoas se tornam muito
ligadas aos animais, particularmente seus animais de estimação. A
menininha com seu gato, o homem e seu cachorro, todos demonstram uma
afeição muito humana que passa entre humanos e animais.

Tradicionalmente muitos têm sido persuadidos de que não há vida futura


para os animais. A Bíblia não ensina explicitamente que os animais vão
para o céu. Um dos argumentos chaves contra a idéia de que os animais não
sobrevivem à sepultura, é a convicção de que os animais não têm
alma. Muitos estão convencidos de que o aspecto distintivo que divide os
humanos dos animais, é o fato de que os humanos têm alma, e os animais
não. Alguns localizam a imagem de Deus no homem, na alma.

Da mesma forma presume-se que os animais não podem pensar como nós.
Suas respostas são explicadas Através dos instintos, e não Através das
formas mais baixas de cognição.

Entretanto o termo instinto é, em si, um estudo em ambigüidade. Quando


um instinto se torna pensamento? Os animais podem demonstrar o que
chamamos de emoção. Eles sem dúvida respondem a estímulos externos.
A Bíblia não diz que os animais pensam. A Bíblia não diz que os animais
têm alma. Mas, do outro lado, a Bíblia não nega estas coisas. Para dizer a
verdade, a Bíblia diz que o boi conhece a manjedoura do seu dono. Aqui se
confere “conhecimento”

ao animal. Entretanto, a passagem poderia ser interpretada meta fórica ou


poeticamente, portanto, permanecemos incertos.

De uma coisa estamos certos: biblicamente a redenção é explicada em


termos cósmicos. Assim como toda a criação foi lançada na ruína pela
queda do homem, assim toda criação geme juntamente aguardando a
redenção:

A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos jilhos de Deus.


Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa
daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação
será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos
filhos de Deus. Romanos 8.19-21.

Imagens do céu e da redenção futura incluem animais. O cordeiro, o leão, o


lobo, todos são mencionados. Novamente estas imagens podem ser somente
ilustrações metafóricas. Mas, tomada em conjunto com a promessa de uma
redenção cósmica, elas nos dão alguma esperança real da redenção futura
dos companheiros animais dos homens.

Está errado tentar evitar o sofrimento?

Já houve ocasiões na história da igreja em que o sofrimento era encarado


como uma virtude tão grande, que as pessoas davam voltas para
experimentá-lo. A antiga heresia do Maniqueísmo centralizada na liberação
da alma da corrupção da carne, teve uma poderosa influência na igreja.
Atos rigorosos de ascetismo, incluindo formas estranhas de
autoflagelamento, foram vistos como meios de acumular méritos diante de
Deus. Mas sofrer meramente pelo sofrimento não tem nenhuma virtude
particular. A busca do sofrimento pode indicar uma desordem psicológica
como o ma-soquismo. Pode indicar, também, uma tentativa de
autojustificação Através da qual a pessoa, por orgulho, deseja expiar seus
próprios pecados ao invés de receber a graça do peidão.

Não há razão para buscar o sofrimento. Nem há nada errado em tentar


evitá-lo, a não ser que esta tentativa proposital envolva uma traição a
Cristo. Os mártires primitivos poderiam ter evitado os leões se tivessem
repudiado a Cristo. Esta foi uma circunstância na qual evitar o sofrimento
teria sido pecado (Tais exemplos não são limitados à igreja primitiva. Em
muitas situações no mundo contemporâneo, os cristãos escolhem — e
em alguns casos não escolhem — sofrer por Cristo.).

Procuramos evitar o sofrimento quando compramos comida para comer e


usamos remédios para curar nossas enfermidades. Isto não é pecado, mas
prudência. Deus nos chama para tomar conta de nós mesmos como
mordomos de ambos, corpo e alma.

Concluímos que evitar o sofrimento pode ser tanto virtude quanto pecado,
dependendo das circunstâncias envolvidas.

Quando um nenê morre, ou é abortado, para onde vai sua


alma?

A maneira como esta pergunta foi feita, indica uma certa ambigüidade a
respeito do relacionamento entre aborto e morte. Se a vida começa na
concepção, então aborto é um tipo de morte. Se a vida não começa senão
com o nascimento, então obviamente o aborto não envolve morte. A visão
clássica do assunto é que a vida começa com a concepção, Se isto é certo,
então a questão da morte da criança ou da morte pré-natal envolve a mesma
resposta.

A qualquer hora que um ser humano morre antes de alcançar a idade da


responsabilidade (que varia de acordo com a capacidade mental),
precisamos confiar em provisões especiais da misericórdia de Deus. A
maioria das igrejas crê que existe tal provisão especial da misericórdia de
Deus. Esta posição não envolve a suposição de que as crianças são
inocentes. Davi declara que ele nasceu em pecado e foi concebido
em pecado. Com isto ele estava se referindo obviamente à noção bíblica de
pecado original. Pecado original não se refere ao primeiro pecado de Adão
e Eva, mas ao resultado daquela transgressão inicial.

Pecado original refere-se à condição de decaídos que afeta todo ser


humano. Nós não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos porque
somos pecadores. Isto é, nós pecamos porque nascemos com uma natureza
pecaminosa.

Embora os infantes não sejam culpados de um pecado real, estão


manchados com o pecado original. Por isso insistimos em que a salvação
das crianças depende não de sua suposta inocência, mas da graça de Deus.

Minha igreja em particular crê que os filhos de crentes, que morrem na


infância, vão para o céu pela graça especial de Deus. O que acontece aos
filhos dos não crentes é deixado na esfera do mistério. Talvez haja uma
provisão especial da graça de Deus para eles também. Certamente
esperamos que sim.

Embora tenhamos esperança nesta graça, há pouco ensino bíblico específico


sobre a matéria. As palavras de Jesus: “Deixai vir a mim os pequeninos
porque dos tais é o Reino dos céus” (Mt 19.14), nos dão algum consolo,
mas não oferecem uma promessa categórica da salvação das crianças.

Quando o filho de Davi e Bate-Seba foi levado por Deus, Davi lamentou:
“Vivendo ainda a criança, jejuei e chorei porque dizia: Quem sabe se o
Senhor se compadecerá de mim, e continuará viva a criança? Porém, agora
que é morta, por que jejuaria eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei a ela,
porém ela não voltará para mim” (2 Sm 12.22-23).

Aqui Davi declara sua confiança de que “eu irei a ela”. É uma referência
levemente velada à sua esperança de reunir-se com seu filho no futuro. Esta
esperança de uma reunião futura é a esperança gloriosa de todos os pais que
perderam seus filhos. E a esperança reforçada pela ensino do Novo
Testamento sobre a ressurreição.

Qual é o papel do livre arbítrio no sofrimento? Por exemplo, se


um homem fuma e morre de câncer, seu sofrimento é um
chamado de Deus como uma vocação? É um julgamento
divino? Ou é resultado da imprudência do homem? (ou é
resultado de o homem brincar com a sorte)

A pergunta apresenta três explicações possíveis para o sofrimento descrito.


Podemos eliminar um deles logo de uma vez. Se Deus é soberano, então
nada acontece puramente por acaso, ou por sorte. Um acontecimento por
acaso estaria totalmente fora da soberana vontade de Deus. Se qualquer
evento como este estiver fora da soberana vontade de Deus, então, seria
uma contradição em termos chamar a Deus de soberano. Como já escrevi
anteriormente, se há uma mínima molécula no universo vagando livre da
soberania de Deus, então não há nenhuma garantia de que qualquer das
promessas de Deus venha jamais a se concretizar. Aquela única molécula
pode ser exatamente o fator que desfaz o plano eterno de Deus. Aqui, os
planos mais bem delineados, não de ratos e homens, mas do próprio Criador
podem extraviar-se.

Se Deus não é soberano, então Deus não é Deus. Um Deus não soberano
não é Deus nenhum. Um Deus não soberano seria como um rei nominal que
reina mas não governa. Na realidade os homens têm livre arbítrio, mas
nosso livre arbítrio é limitado. E sempre limitado pelo livre arbítrio de
Deus. O livre arbítrio de Deus é soberano. Nosso livre arbítrio é
subordinado.

Quando falo sobre o sofrimento como vocação, tenho em mente o fato de


que Deus é soberano sobre todas as coisas que nos acontecem. Isto não
cancela nosso livre arbítrio e responsabilidade.

A pergunta permanece, o sofrimento mencionado é resultado da vocação de


Deus ou do julgamento de Deus? Estamos diante de um falso dilema. Esta
não precisa ser uma situação ou/ou. O chamado de Deus para o sofrimento
pode ser, ao mesmo tempo, um ato de julgamento.

Lembramos do chamado noturno que veio a Samuel quando ele servia sob a
orientação de Eli. Deus revelou a Samuel o que ia fazer para trazer seu
julgamento santo sobre a casa de Eli. Eli, então, implorou a Samuel que lhe
contasse o que Deus revelara.
Que é que o Senhor te falou? Peço-te que mo não encubras; assim Deus
te faça o que bem lhe aprouver se me encobrires alguma coisa de tudo o
que te falou. Então Samuel lhe referiu tudo, e nada lhe encobriu. E disse
Eli: E o Senhor; faça o que bem lhe aprouver. 1 Samuel 3.17-18.

Eli reconheceu o julgamento de Deus. Reconheceu a justiça daquele


julgamento. Ele se submeteu a ele. Aqui ele aceitou a vocação de suportar o
castigo em sofrimento. Da mesma forma quando Natã disse a Davi que ele
havia pecado, Davi se arrependeu. A vida de Davi foi poupada, mas não a
de seu filho.

Então disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor.

Disse Natã a Davi: Também o Senhor te perdoou o teu pecado; não


morrerás. Mas, posto que com isto deste motivo a que blasfemassem os
inimigos do Senhor, também o filho que te nasceu morrerá. 2 Samuel
12.13-14.

O registro relata que Davi, então, implorou a Deus pela criança. Ele jejuou
e orou. Mas Deus disse não. No sétimo dia a criança morreu. Qual foi a
resposta de Davi? “Então Davi se levantou da terra; lavou-se, ungiu-se,
mudou de vestes, entrou na casa do Senhor e adorou” (2 Sm 12.20).

Davi adorou a Deus no meio do seu sofrimento. Na realidade, ele sabia que
estava sofrendo sob o julgamento corretivo de Deus. Davi respondeu com
retidão ao chamado de Deus. A resposta de Davi ecoa aquela de Jó quando
declarou: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu, o
Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!” (Jó 1.21).

APÊNDICE B

COMUNICANDO-SE COM OS MORTOS

As especulações de homens como Platão e Kant, fornecem uma certa


quantia de conforto a respeito da questão da vida após a morte. Seus
trabalhos mostram que, pelo menos a idéia de uma existência pessoal
continuada além da sepultura não é repugnante à razão nem à natureza.
Seus argumentos nos dão um apoio corroborativo à esperança que nos é tão
querida. Entretanto, seus argumentos permanecem especulativos.
Somos deixados com sentimentos incômodos de que talvez a realidade não
seja tão racional quanto Platão gostaria que fosse, nem a natureza como
Kant esperava que ela fosse.

Procuramos provas concretas e tangíveis de que a vida continua depois da


morte. Desejamos a certeza de alguém que esteve além da morte e voltou,
ou que pelo menos nos enviou uma mensagem vinda do outro lado.

A Área Proibida: Espiritualismo

A prática da necromancia, comumente chamada espiritualismo


(espiritismo), demonstra o profundo desejo da

humanidade de receber informação de primeira mão sobre o outro lado. A


sessão espírita promete tal informação Através da aparência exterior da
comunicação do médium, batidas sobre a mesa, e aparições de formas
fantasmagóricas de ectoplasma.

Embora um pequeno segmento da população acredite em consultas


mediúnicas, em sua maior parte o espiritismo está restrito à área do
ocultismo fraudulento. Alguns vêem o espiritismo como um tráfico de
mistificação fora da realidade, enquanto outros o vêem como uma
manifestação real, mas demoníaca (No Brasil é grande o número dos que
praticam a necromancia, o que não elimina a fraude, n. do e.).

Certa vez participei involuntariamente de uma sessão. Eu tinha ido a uma


igreja para fazer uma série de palestras, e fui convidado para uma reunião
de oração após o culto de abertura. Um grupo de cristãos reuniu-se numa
casa decididamente com o propósito de orar. As luzes foram desligadas e o
líder começou a implorar ao Espírito Santo que possibilitasse o contato com
parentes e amigos mortos. Para meu horror, fiquei imediatamente
consciente de que a reunião de oração era uma sessão espírita. Eu registrei o
meu protesto.
Expliquei às pessoas que a Bíblia não acredita em tais práticas. Citei
passagens do Antigo Testamento onde tal atividade era chamada de
abominação diante de Deus e era considerada como crime capital em Israel.
A resposta imediata do líder foi: “Mas isto é no Antigo Testamento. Agora
vivemos no tempo de Novo Testamento, e o Espírito nos assegurou de esta
é a sua vontade para nós hoje.”

Fiz, então, a seguinte pergunta: “O que aconteceu na esfera da história da


redenção que fez com Deus mudasse de idéia a este respeito?” Com certeza
há algumas coisas que eram proibidas no Antigo Testamento e que são
permitidas hoje (como por exemplo, restrições alimentares). Também há
coisas ordenadas no Antigo Testamento que seriam ofensivas para Deus se
fossem praticadas agora (como ofertas de sacrifício que seriam um

insulto ao perfeito e definitivo sacrifício de Cristo). Para estas mudanças na


economia de Deus há razões claras, apresentadas pela própria Bíblia, sobre
por que as mudanças foram feitas.

Mas não há uma única palavra na Escritura que dê o mais leve sinal de que
a prática da necromancia, que era uma abomi-nação para Deus no Antigo
Testamento, agora seja algo que o agrade. Pelo contrário, o Novo
Testamento se opõe ao sortilégio e à magica tanto quanto o Antigo
Testamento, como podemos ver pela confrontação apostólica com tais
práticas no livro de Atos.

Mas ainda devemos perguntar: Será o espiritismo uma espécie de mágica ou


sortilégio. Saul não fez a feiticeira de En~ dor chamar Samuel de volta da
sepultura?

Como podemos entender este incidente macabro registrado no Antigo


Testamento? Será que a feiticeira realmente trouxe Samuel ou o seu
espírito? Será que foi simplesmente um truque de mágica?

Francamente não sei a resposta para esta questão. A narrativa do Antigo


Testamento certamente soa como se tivesse havido um genuíno resgate de
Samuel da sepultura:
Respondeu-lhe o rei: Não temas; o que vês? Então a mulher respondeu a
Saul: vejo um deus que sobe da terra. Perguntou ele: Como é a sua
figura? Respondeu ela: Vem subindo um ancião, e está envolto
numa capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em
terra e se prostrou. Samuel disse a Saul: Por que me inquietaste, fazendo-
me subir? 1 Samuel 28.1315.

A narrativa pode estar apresentando a descrição de um resgate real feito


Através de um médium, ou pode ser um relato fiel do fenômeno como se
afigurou. A Bíblia freqüentemente usa aquilo que chamamos linguagem
fenomenológica, uma linguagem que descreve os eventos como eles se
apresentam a

olho nu. Isto significa, simplesmente, que o truque hábil de um mágico


seria descrito como ele se afigura para a testemunha.

Por exemplo, poderíamos perguntar: Será que os mágicos da corte do Faraó


realizaram mágicas reais, ou será que o relato bíblico dos seus feitos,
realizados por competição com os milagres de Moisés, é simplesmente uma
descrição fenomenológica de seus truques feitos com habilidade?

Muitos estudiosos procuram outra alternativa. Colocam os truques dos


mágicos e a proeza do feiticeira de En-dor na categoria de milagres
satânicos. A Bíblia atribui a Satanás o poder de realizar “sinais e maravilhas
mentirosas”(2 Ts 2.9). Isto é, Satanás, disfarçado de anjo de luz, pode
realizar milagres falsos.

Satanás Pode Realizar Milagres?

Penso que é seguro assumir que a grande maioria dos cristãos evangélicos
crêem que Satanás tem o poder de realizar milagres. Eu não acredito que ele
possa. Isto me coloca decididamente na minoria dentro do mundo
evangélico.

A questão gira em torno de duas perguntas: Qual é a função bíblica dos


milagres? O que é uma maravilha mentirosa? Isto é, o que existe num
milagre falso que o torna falso ao invés de genuíno?
Os teólogos fazem uma distinção importante corns respeito aos milagres
que merece menção. Alguns definem milagre como uma ação que é
realizada contra naturam — isto é, uma ação realizada que opera contra as
leis da natureza. Somado a este conceito está a idéia de uma ação realizada
contra peccatum — isto é, uma ação contra o pecado.

Agora, a posição da maioria é a seguinte: O diabo pode realizar obras


contra a natureza (contra naturam), mas não pode realizar obras contra o
pecado (contra peccatum). Este argumento baseia-se primariamente no
debate entre Jesus e os fariseus que encontramos no Novo Testamento. Os
fariseus não nega-

ram que Jesus fazia milagres. Ao contrário eles acusaram Jesus de fazer
seus milagres pela poder de Satanás (Mc 3.22).

Esta acusação levou Jesus a lhes dar um aviso solene a respeito de


cometerem blasfêmia contra o Espírito Santo (Mc 3.28-30). Jesus
respondeu à acusação dizendo que Satanás não faria obras que
prejudicariam sua própria agenda. Aqui Jesus falou a respeito de uma casa
dividida contra si mesma.

Os escribas que haviam descido de Jerusalém diziam: Ele estápossesso de


Belzebu, e: Epelo maioral dos demônios que ele expele os demônios.
Então convocando-os Jesus lhes disse: Como pode Satanás expelir a
Satanás? Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode
subsistir; Se uma casa estiver dividida contra si mesma, tal casa não
poderá subsistir.

Marcos 3.23-25.

Notamos que Jesus não respondeu aos seus acusadores dizendo: “Satanás
não tem poder para fazer milagres reais.” Jesus não contestou a habilidade
do Diabo de operar contra naturam. Ao invés disto ele indicou a tolice de
pensarmos que Satanás poderia eventualmente agir contrapeccatum.

Portanto, muitos chegam a conclusão de que Jesus permitiu a inferência de


que Satanás pode na realidade fazer milagres.
Isto significaria que a diferença crucial entre um milagre genuíno de Deus e
um milagre falso de Satanás estaria no propósito final do milagre. Um
milagre genuíno seria feito para destruir a obra de Satanás e promover o
Reino de Deus, enquanto um milagre falso teria o propósito de prejudicar o
Reino de Deus e promover o reino de Satanás. Mas ambos os “milagres”
desafiariam as leis normais da natureza.

Esta distinção é certamente tentadora para se adotar, e tem persuadido


muitos. Entretanto ainda ficamos com alguns problemas espinhosos. O
grande problema é este: Como distinguir de maneira definitiva quem está
realizando o milagre verdadeiro e

quem está realizando o falso. Não é assim tão auto-evidente quem está
promovendo o Reino de Deus e quem não está.

Lembramo-nos que um dos poderes inquestionáveis de Satanás é se


disfarçar como um anjo de luz. Isto é, ele tem a abilidade de aparecer “sob
os auspícios do bem.” O disfarce de Satanás é incrivelmente sutil. Ele não
se anuncia como príncipe das trevas. Ele mostra toda aparência exterior de
luz. Como poderemos ver através da falsa aparência e descobrir a verdade?

Vou pedir ao cristão que pense o impensável: Como sabemos que Jesus não
foi um falso profeta? Como sabemos que o próprio Jesus não era o Diabo
disfarçado, fazendo milagres extraordinários, inclusive sua própria
ressurreição, para seduzir as pessoas contra o Judaísmo ortodoxo e o
monoteísmo do Antigo Testamento? Como sabemos que o Cristianismo não
é a grande ilusão ou fraude enviada por Satanás para levar milhões de
pessoas a praticar a idolatria adorando um homem ou um anjo ao invés de
adorar o verdadeiro Deus?

Fazer tais perguntas, mesmo hipoteticamente, é chegar perigosamente perto


do pecado imperdoável. Mas as perguntas são legítimas. Se não o são, então
nunca poderemos perguntar honestamente: Como sabemos que Jesus é o
Cristo?

Usemos um argumento hipotético. Imaginem que Satanás se disfarçou


como um falso messias, e que fez toda sorte de milagres para sustentar o
terrível logro. Agora suponham que alguns fariseus piedosos perceberam
que este falso messias estava promovendo o culto de si mesmo e
prejudicando o entendimento da lei de Moisés, e então confrontaram este
falso messias com a acusação de que ele estava em aliança com o Diabo.
O que diria o falso messias? Certamente ele não declararia que estava
trabalhando para o pecado. Ele poderia ser suficientemente sutil para
confundir seus oponentes dizendo que Satanás não trabalharia contra
Satanás. Absolutamente certo, mas Satanás é sem dúvida suficientemente
inteligente para confundir seus

oponentes dizendo-lhes que Satanás não trabalharia contra si mesmo.

Em outras palavras, como poderíamos saber se Satanás estava de fato


trabalhando contra si mesmo? Quando Jesus usou este argumento contra os
fariseus, o argumento não estava sozinho, isolado de uma grande
quantidade de outras pressuposições que já eram aceitas pelos fariseus.

Por exemplo, Jesus apelou repetidas vezes para as Escrituras para sustentar
suas reivindicações como Messias.

Mas Satanás também apelou para as Escrituras. Duas questões anteriores


devem ser resolvidas antes que o argumento contra peccatum tenha
qualquer validade. As duas questões são as seguintes: Como sabemos que
as Escrituras são a Palavra de Deus? Quem está interpretando as Escrituras
corretamente?

A segunda pergunta nem sempre é facil de responder, mas temos certas


regras de interpretação (hermenêutica) que nos ajudam muito. A grande
pergunta é a primeira: Como sabemos que as Escrituas são a Palavra de
Deus?

Se pudermos estabelecer que as Escrituras são a Palavra de Deus e então


mostrar que a interpretação das Escrituras feita por Satanás é falsa, então
poderíamos saber que Satanás está trabalhando contra Deus. Antes de
determinarmos se uma palavra ou um ato é realizado contra peccatum ou
pro peccatum, precisamos primeiro estabelecer a natureza do peccatum.
Isto é, antes de sabermos se algo está trabalhando contra as normas de
Deus, precisamos primeiro estabelecer quais são estas normas. E isto,
precisamente, que as Escrituras fazem.
Somente Deus pode provar que sua palavra é realmente sua palavra. Como
ele faz isto? Ele o faz através dos milagres. Ele o faz realizando obras
contra naturam. Deus mostra que algo vem de suas mãos autenticando-o
com obras que somente Deus pode fazer. Se Deus autentica alguma coisa
fazendo obras que Satanás também pode fazer, então, tudo o que se pode
provar é que a obra procede ou de Deus ou de Satanás. Se fosse este o caso
não teria-

mos nenhuma possibilidade de saber qual dos dois foi de fato o autor da
obra.

Moisés teve uma experiência com um arbusto que queimava mas não se
consumia. Ele teve um encontro em primeira mão com uma atividade que
era contra naturam. No episódio da sarça ardente, Deus ordenou a Moisés
que tirasse o povo de Israel do cativeiro sob o qual estavam sofrendo.
Moisés estava compreensivelmente preocupado com sua falta de
credenciais. Ele tinha estado durante décadas num exílio obscuro. Quem
acreditaria em sua alegação de estar agindo sob a direção divina? Ele disse
a Deus:

“Mas eis que não crerão, nem acudirão à minha voz, pois dirão: O
Senhor não te apareceu. Perguntou-lhe o Senhor: Que ê isto que tens na
mão? respondeu-lhe:

Uma vara. Então lhe disse: Lança-a na terra. Ele a lançou na terra, e ela
virou cobra. E Moisés fugia dela".

Êxodo 4.1-3.

Deus providenciou credenciais para Moisés dando-lhe o poder de realizar


milagres. Os milagres provariam que Moisés tinha a autoridade de Deus
atrás de si.

Para que creiam que te apareceu o Senhor, Deus de seus pais, o Deus de
Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. Êxodo 4.5.

A Fraude dos Mágicos


Quando Moisés e Arão chegaram à corte de Faraó, logo se envolveram
numa competição de “milagres” com os mágicos do Egito. Moisés e Arão
lançavam sua vara e ela se transformava numa cobra. Os mágicos, então,
reproduziam o feito. Atiravam suas varas e elas também se transformavam
em cobras (Ex 7.10-12).

Como resolvemos isto? Foram os mágicos de Faraó habilitados por Satanás


para realizar milagres (bona fide) Seria esta uma competição entre um
homem trabalhando contrapeccatum,

e um grupo de homem trabalhando pro peccatum? Como qualquer


espectador poderia discernir a diferença?

A competição foi estabelecida em bases naturais, não em bases morais.


Moisés ganhou porque sua cobra comeu as cobras dos mágicos. Nos
encontros seguintes, Moisés ganhou todas as vezes baseado na simples
força de sua superioridade em poder. Em todas as ocasiões os mágicos
chegaram a um limite além do qual não podiam ir. Mosés era capaz de
ultrapassar o limite dos mágicos.

E importante notar que a Bíblia chama os mágicos de Faraó “mágicos.”


Eles não eram demônios. Eram seres humanos praticando a arte esotérica da
mágica Egípcia.

A pergunta permanece: Estariam os mágicos egípcios demonstrando um


poder sobrenatural, ou estariam eles simplesmente praticando os truques
perfeitos próprios de seu trabalho Através de meios perfeitamente naturais?

Não há razão para se presumir que os mágicos de Faraó pudessem fazer


qualquer coisa mais espetacular que os mágicos contemporâneos podem
realizar.

Os mágicos modernos tais como Doug Henning ou David Copperfield não


alegam que estejam fazendo mágica real. Eles preferem denominar-se
ilusionistas profissionais. Através de truques habilmente arquitetados e/ou
destreza na mão eles podem realizar feitos que deixam a audiência
pasmada. Mas eles realizam tais truques numa cultura que, na sua maioria,
não está inclinada a crer que os mágicos têm poderes sobrenaturais.
Certa vez visitei o Palácio Mágico em Los Angeles. O palácio é um
encantador restaurante reservado para mágicos profissionais e seus
convidados. Para tornar-se membro, o mágico deve passar por um exame de
admissão, julgado pelos colegas. A medida que a refeição é servida,
mágicos visitantes apresentam seus truques para os visitantes. Em minha
visita ao palácio, fui brindado com um show de uma hora do melhor
representante de destreza do mundo. O show aconteceu em nossa mesa.

O mágico sentou a uma distância de 60 centímetros de mim. Ele colocou


três saleiros na mesa, e uma moeda de vinte e cinco centavos. Diante dos
meus olhos ele movimentou os saleiros ao redor, até que a moeda
subitamente desapareceu. Ela então aparecia debaixo de um saleiro
diferente. Eu o observei duranfe uma hora tentando o mais possível
descobrir quando ele mudava as posições. Não consegui apanhá-lo. Tentei
técnicas diferentes. Por exemplo, eu fixava o olhar no saleiro número 3
recusando-me a desviar o olhar sem me importar com o que o mágico
fizesse. Ele foi até o fim da rotina e então me perguntou: “Está sob
o número 3?” Eu disse: “Não!” Ele respondeu: “Tarde demais!” E levantou
o número 3 para mostrar a moeda que estava em baixo.

Ainda não sei como ele fez aquilo. Mas sei que não foi por poderes
sobrenaturais.

Muitos truques mágicos são feitos de maneira muito simples. Muitas vezes,
os truques mais espetaculares são feitos da maneira mais simples. São
usados espelhos, caixas que desmontam, dobradiças, ou simples destreza.
Normalmente o mágico depende de uma pressuposição que ele impõe sobre
a audiência, a qual é uma pressuposição errônea.

Gosto de fazer truques simples com cartas. Alguns são feitos via
matemática outros dependem de certa destreza física. Os mais fáceis são os
que dependem de pressuposições errôneas.

Antes de morrer, Jackie Gleason contou a história de um mago moderno.


Gleason foi atraído pelo cômico Lou Costello para uma conversa sobre
telepatia mental em Miami. Costello insistia que há pessoas que podem
realizar feitos telepáticos espantosos. Ele disse que conhecia um homem
que podia ler as mentes das pessoas por telefone. Gleason ficou aborrecido
com a aparente credulidade de Costello e declarou que telepatia mental era
bobagem. O debate continuou e Costello firmou sua posição e finalmente
ofereceu uma aposta de quinhentos dólares a Gleason para provar seu
ponto. Gleason aceitou a aposta e a prova começou.

Costello apresentou um baralho de cartas e pediu a Gleason que tirasse uma


carta (por exemplo, Rainha de Copas). Então Costello disse: “Ótimo, aqui
está o número do telefone do mago em Boston. Disque este número e
chame o mago.” Gleason discou o número e disse: “Posso falar com o
mago?” A voz em Boston respondeu: “Sou eu mesmo.” Gleason disse:
“Acabei de retirar uma carta de um baralho, e quero que você me diga qual
é a carta.” A voz respondeu: “Primeiro você precisa concentrar
profundamente na carta.”

Gleason ficou ao telefone concentrando o mais possível na Rainha de


Copas. O mago hesitou e então disse: sua carta é um retrato. E uma carta
preta. Você escolheu a Rainha de Copas.”

Gleason deixou cair o telefone, chocado e virou-se para o sorridente


Costello que estava com as mãos estendidas para receber os quinhentos
dólares.

Costello ganhou muito dinheiro com este truque do “mago.” O jogo era
simples. Ele tinha cinqüenta e dois amigos espalhados pelo país. Cada
amigo era um mago indicado para uma carta específica. Costello decorou o
número do telefone de cada amigo correspondendo a cada carta do baralho.
Então ele atraia simplórios como Jackie Gleason para discutir a respeito de
telepatia mental. Ele levava as pessoas a pedirem uma aposta para provar o
que ele dizia. Uma vez que a vítima escolhia uma carta, tudo que
Costello precisava fazer era dar o número apropriado do telefone e instruir
a vítima a discar e chamar pelo mago.

Cada vez que um mago indicado recebia um telefonema chamando pelo


mago, ele sabia que o esquema de Costello estava funcionando e que ele
podia esperar uma parcela da aposta.

O que tudo isto tem a ver com a feiticeira de En-dor e com os mágicos do
Faraó? O ponto é o seguinte: os mágicos da corte do Egito, e a feiticeira de
En-dor estavam, com toda probabilidade, simplesmente praticando truques
habilidosos que eram projetados para deixar os espectadores estupefatos.
Não é nenhum grande feito esconder uma cobra num tubo desmontável. É
necessário um

pouco mais de planejamento que um mágico de tevê que serra uma moça na
metade ou tira um coelho de uma cartola aparentemente vazia. A diferença
entre o milagre de Deus com Moisés e o dos mágicos do Egito, é que Deus
transformou a vara de Moisés numa cobra, não uma vara que ele havia
preparado com antecedência e trazido para a ocasião.

O que dizer sobre Saul e a Pitonisa de En-dor?

A pitonisa de En-dor apresenta maiores dificuldades. Podemos explicar de


várias maneiras. A primeira é de que foi um truque feito de forma
semelhante ao usado pelos médiuns modernos. A segunda é de que foi uma
ilusão demoníaca realizada por meios satânicos, A terceira é de que Samuel
foi de fato trazido de volta dentre os mortos.

Se a terceira alternativa realmente aconteceu, então temos um relato bíblico


da aparição de um espírito vindo do além. Entretanto, isto não endossaria a
prática de sessões. Mesmo neste episódio a pitonisa de En-dor foi culpada
de praticar algo que, quer real quer fraudulento, ainda permanecia como
uma ofensa capital em Israel. Ela estava bem consciente disto.

Respondeu-lhe a mulher: "Bem sabes o que fez Saul, como eliminou da


terra os médiuns e adivinhos; por que, pois, me armas cilada à minha
vida, para me mata-res? Então Saul jurou pela Senhor dizendo: Tão
certo como vive o Senhor, nenhum castigo te sobrevirá por isto.

1 Samuel 28.9-10.

Se é possível a comunicação com os mortos, não é permitido. Isto sabemos


com certeza.

Considere algumas proibições bíblicas a esta prática.

A feiticeira não deixar ás viver. Êxodo 22.18.


Não vos voltareis para os necromantes nem para os adivinhos; não os
procureis para serdes contaminados por eles: Eu sou o Senhor vosso
Deus. Levítico 19.13.

Quando alguém se virar para os necromantes e feiticeiros para se


prostituir com eles, eu me voltarei contra ele e o eliminarei do meio do
povo. Levítico 20.6.

O homem ou mulher que sejam necromantes, ou sejam feiticeiros, serão


mortos; serão apedrejados; o seu sangue cairá sobre eles. Levítico 20.27.

No último capítulo do Novo Testamento, os adivinhos estão incluídos entre


aqueles que são excluídos do céu.

Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e


todo aquele que ama e pratica a mentira. Apocalipse 22.15.

Denunciando a Farsa

Espiritas e médiuns contemporâneos são hábeis na prática da mentira. Pelas


ruas da cidade vemos propagandas anunciando pessoas que lêem as mãos e
que prometem nos contar o futuro mediante o pagamento de uma taxa. O
negócio da bola de cristal dá poucos sinais aparentes de prosperidade. A
maior parte destes estabelecimentos está localizada em bairros pobres da
cidade onde os leitores de mão se aproveitam dos pobres prometendo-lhes
esperança para o futuro. Ficamos imaginando por que estes cartomantes e
adivinhos não concentram sua energia psíquica, cartas de tarô e coisas
semelhantes, na bolsa de valores e se aposentam em seis meses como
investidores ricos.

Certa vez conheci um homem que recebeu um doutorado da Universidade


de Harvard em ciências naturais. Este homem era um cristão e um mágico
amador. Ele costumava ir às igrejas e fazer palestras sobre os meios
fraudulentos usados pelos médiuns modernos em suas sessões. Ele
reproduzia seus feitos no palco, e então falava sobre eles.

Um procedimento que ele costumava realizar era o seguinte: O cientista


escolhia um grupo de pessoas do auditório para vir ao palco e sentar ao
redor de uma mesa. Todos se davam as

mãos, assegurando que as mãos do cientista estavam firmemente seguras


por outras mãos. Ele então instruía os participantes para colocarem seus pés
sobre o seu sapato. Enquanto o auditório observava ele anunciava que iria
chamar um espírito desencarnado que indicaria sua presença batendo sobre
a mesa. O homem usava sapatos especialmente pesados com saltos de aço.
Ele tinha um pedaço de metal grudado em seu joelho sob as calças.
Enquanto os participantes faziam pressão sobre o sapato debaixo da mesa,
ele simplesmente tirava os pés dos sapatos, erguia os joelhos e começava a
bater na parte inferior da mesa. Enquanto aqueles que estavam ao redor da
mesa olhavam atônitos, as pessoas no auditório, que podiam ver o que o
cientista estava fazendo, rolavam de rir.

Arthur Conan Doyle o autor da famosa série de Sherlock Holmes, era


profundamente envolvido com uma sociedade devotada a práticas
mediúnicas. Ele estava convencido da autenticidade da prática. O maior
inimigo dos espíritas na ocasião era o notável ilusionista Harry Houdini.
Houdini estava convencido de que todo o espiritismo conhecido era
baseado em fraude. Houdini ofereceu uma recompensa lucrativa para
qualquer médium que realizasse um feito que ele não pudesse
reproduzir através de truques naturais.

Ninguém jamais recebeu a recompensa.

Houdini foi além. Antes de morrer ele combinou uma data e uma série de
sinais pelos quais, se possível, ele se comunicaria com sua esposa depois da
morte. Na data certa, após a sua morte, o grande Houdini não foi capaz de
fazer o contacto pré-combinado. Mesmo postumamente ele desacreditou o
negócio dos médiuns.

É necessário um ladrão para pegar um ladrão. Médiuns que têm


impressionado investigadores científicos, têm sido denunciados por
mágicos profissionais. Os mágicos tendem a ser os melhores caçadores de
fantasmas. Eles conhecem os segredos bem guardados dos trapaceiros.

Além do Oculto em Direção à Verdade


Se desejamos confirmação para a vida depois da morte, há um lugar melhor
para procurarmos do que a esfera da mágica e do oculto. Podemos ir além
da especulação dos filósofos, da mistificação dos ocultistas e da prestidigi-
tação dos ilusionistas. Vamos ao Novo Testamento, às palavras e obras de
Jesus que transcendem o fraudulento e nos trazem para o esfera da sóbria
verdade histórica.

Os milagres realizados por Jesus não tinham o propósito de provar a


existência de Deus. Milagres não provam a existência de Deus porque
milagres não podem provar a existência de Deus. Por que não? Para que um
milagre seja reconhecido como milagre, é necessário primeiro estabelecer
que Deus existe. Um milagre pode ser definifo como uma ação que apenas
o poder de Deus pode realizar.

Na Bíblia, a função do milagre não é provar a existência de Deus, mas


provar seu endosso. Os autores bíblicos se referem aos milagres como
“sinais.” Estes sinais “significam” o selo da aprovação de Deus. São os
meios da autenticação divina dos mensageiros de Deus, seus agentes
delineados de revelação sobrenatural. O autor de Hebreus dá o seguinte
testemunho:

Como escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação? A qual,


tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois
confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente
com eles, por sinais, prodígios, e vários milagres, e por distribuições do
Espírito Santo segundo a sua vontade”. Hebreus 2.3-4.

Nicodemos estava pensando sensatamente quando se aproximou de Jesus à


noite e disse: “Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque
ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com
ele” (Jo 3.2).

Nicodemos entendeu que os milagres são uma certificação

divina. Assim como Deus endossou Moisés e Elias (a Lei e os Profetas)


Através de milagres, assim também ele confirmou Jesus pelos mesmos
meios.
Agora suponha, como sem dúvida muitos crentes o fazem, que Satanás
também pode realizar milagres reais. Quais seriam as implicações? Numa
palavra, elas seriam catastróficas para a fé cristã. Como disse anteriormente,
se Satanás pode realizar milagres verdadeiros, então o apelo bíblico aos
milagres, assim como o apelo que Jesus faz de suas obras como credenciais,
seriam nulos. Uma vez que teríamos primeiro que estabelecer a norma da
revelação de Deus para avaliar quem está realizando milagres a favor
ou contra o pecado (pro ou contra peccatum), apelar para normas
escriturísticas para resolver tal debate seria o pior exemplo de raciocínio em
círculo vicioso. O argumento é um exemplo clássico da falácia de admitir
como verdadeiro algo que ainda precisaria ser provado.

Por que isto? Se alguém além de Deus pode suprir o poder para a realização
de um milagre, então, evidentemente a simples presença de um milagre
nunca poderia provar a autenticação divina. Como anteriormente examinei
a questão, o máximo que tal milagre poderia indicar é que ou Deus ou
Satanás estaria sendo representado. Sem uma norma para discernir entre os
dois milagres, não teríamos nenhum poder que validasse os agentes da
revelação.

Concluímos que, quando a Bíblia se refere aos “milagres” de Satanás como


sinais e maravilhas mentirosas, a ênfase está no adjetivo qualificativo
mentirosa. Não que Satanás realiza milagres reais para apoiar mentiras,
mas sim que os milagres em si são fraudulentos. A mentira é encontrada
no seguinte: o aparente milagre não é nenhum milagre, é um truque
astutamente planejado, mais astuto do que qualquer ser humano poderia
realizar. Mas estes truques sempre atin-

gem um limite — o limite estabelecido pelas próprias leis da natureza.

Satanás não pode tirar vida da morte, ou criar alguma coisa do nada. O
poder de criar e as chaves da vida e da morte pertencem a Deus e ao seu
Cristo. Estes poderes não são conferidos ao inimigo. Satanás pode ser capaz
de superar Houdini, mas não conseguirá realizar mais do que Cristo. Ele e
suas obras estão banhados na mentira. Não tem nenhuma participação
naquilo que é autêntico.
O problema se torna mais complicado ainda quando perguntamos se os
modernos curadores podem fazer milagres de boa fé.

Uma Possível Definição de Milagre

A resposta a esta pergunta depende, em larga escala, de como definimos


milagre. A definição popular é de que qualquer evento sobrenatural ou
mesmo natural que procede essencialmente de Deus, pode ser chamado de
“milagre.” A palavra milagre é usada bem livremente pelas pessoas,
especialmente pelos cristãos evangélicos.

Muitas vezes ouvimos as pessoas descreverem a beleza de um pôr-do-sol ou


o nascimento de um bebê, como milagres. Sem dúvida, pôr-do-sol e bebês
são manifestações maravilhosas da criação e providência de Deus. Mas,
estritamente falando não são milagres. O nascimento de uma criança é algo
comum e natural. Não há nada contra naturam no nascimento de uma
criança (a não ser que a criança nasça de uma virgem). Realmente as
leis que governam a procriação humana natural são leis de Deus. Em última
análise a natureza toda depende do sobrenatural, tanto para sua origem
quanto para sua preservação.

Mas leis naturais descrevem o curso normal do governo de Deus sobre este
mundo. E precisamente este curso da natureza que torna possível o
significado extraordinário de um milagre real.

Devemos acrescentar ainda mais uma distinção, todos os

milagres são eventos sobrenaturais, mas nem todos os eventos sobrenaturais


são milagres. Por exemplo, a regeneração de uma alma humana pela
imediata influência do Espírito Santo, é um evento sobrenatural. É uma
ação que apenas Deus pode realizar. Lutero se contentava em defini-la
como milagre precisamente por seu caráter sobrenatural imediato. Eu hesito
em chamá-la de milagre porque prefiro uma definição mais estrita de
milagre.

Os teólogos chegaram a uma definição estrita e técnica de milagre: Um


milagre é um feito extraordinário no mundo externo e observável que é
realizado pelo poder imediato e sobrenatural de Deus, isto é, contra
naturam. É um ato que apenas o poder de Deus pode realizar como tirar
vida da morte ou algo do nada. Percebemos logo que os teólogos que usam
esta definição de milagre entram em conflito com leigos que falam de
milagre em termos mais gerais. Eu me retraio, por exemplo, quando alguém
me pergunta se milagres acontecem hoje. Não gosto de responder a
pergunta porque o assunto é tão complexo que é inevitável que, quando
digo não, as pessoas pensam que estou contestando o fato de que Deus
esteja trabalhando sobrenaturalmente hoje.

Antes de continuar permitam-me dizer o seguinte: Creio firmemente na


autenticidade dos milagres bíblicos. Creio firmemente que Deus está
trabalhando hoje e trabalhando sobrenaturalmente. Ele está respondendo
orações. Está curando pessoas que estão doentes até Através de
providências extraordinárias. Mas tendo dito isto, preciso acrecentar: não
penso que ninguém esteja fazendo milagres hoje de acordo com a
definição técnica e estrita que apresentei.

Existem Milagres Hoje?

Por que coloco um limite aqui? Alguém inevitavelmente perguntará: Será


que você não está limitando a Deus? Eu res-

pondo: De forma nenhuma. A questão não é: Deuspode fazer milagres


hoje? Obviamente, se Deus é Deus ele pode realizar milagres em qualquer
lugar e a qualquer hora que deseje. A questão é: Deus está fazendo milagres
hoje?

Penso que Deus não está realizando milagres hoje no sentido estrito de
termo. A razão pela qual penso assim é porque estou convencido de que não
existe agentes da revelação normativa hoje. Isto é, não há nenhum Apóstolo
(com A maiúsculo) vivo hoje.

Para entender este ponto central, precisamos pensar atenta e


cuidadosamente. Os profetas e apóstolos bíblicos era agentes da revelação
normativa sobrenatural. Eles apelavam para os milagres como uma
autenticação de Deus de que eles eram agentes da revelação em boa fé.
Agora, suponhamos que Deus tenha dado o poder de milagres a pessoas que
não eram agentes de revelação. Se ambos, os agentes de revelação e os não
agentes de revelação pudessem realizar milagres, então a simples presença
de um poder que realiza milagres não poderia servir como prova de que a
pessoa era um agente de revelação.Como o milagre poderia confirmar um
agente de revelação se um não agente de revelação podia fazer a mesma
coisa? Não é com as reivindicações daqueles que curam pela fé que estou
preocupado aqui. Mas estou preocupado com as reivindicações de Jesus,
Moisés e do apóstolo Paulo. Certamente não podemos fazer um
bolo teológico e nos servir dele também.

Oral Roberts alegou que durante seu ministério ele ressuscitou pessoas da
morte. Quando foi pressionado pelos jornais ele remendou um pouco tais
alegações. Uma coisa é fazer a pessoa reviver Através de aparelhos ou
outras formas de ressuscitamento. Isto acontece com uma freqüência cada
vez maior. E outra coisa muito diferente que uma pessoa que está
se decompondo na sepultura por vários dias, seja trazida de volta à vida
como Lázaro o foi pelo comando divino de Jesus.

É digno de nota que os milagreiros de nossos dias não re-

alizam seus feitos no cemitério.

Também há pessoas que alegam ser recipientes de revelação divina


especial hoje. Um orador bem conhecido até mesmo publicou o texto de
uma revelação divina que recebeu a respeito de futuro do sul da
Flórida. Estas pessoas alegam ser agentes de revelação normativa. Se o
texto da profecia do orador fosse realmente Palavra de Deus
sobrenaturalmente inspirada, por que seu conteúdo não apareceu
numa nova edição revista do Novo Testamento?

Certamente este orador se retrairia de horror com tal sugestão, mas


minha pergunta é: Por que? Se ele está recebendo a Palavra de Deus
verdadeira que afetará a cada morador do sul da Flórida, acredito que
ele não descansaria até que a mensagem fosse publicada tão largamente
quanto a Bíblia, até mesmo como parte da própria Bíblia. O homem
está alegando uma autoridade em nada menor do que a reivindicada
pela própria Bíblia e uma importância em nada menor para sua
mensagem.

Temo que a razão verdadeira pela qual as pessoas não insistem em ter
suas profecias particulares publicadas no Novo Testamento é porque
elas sabem muito bem que tal requisição os desacreditaria
imediatamente entre seus seguidores.

Em algum lugar no meio de toda a confusão sobre sofrimento, suicídio,


eutanásia, e vida depois da morte, deve haver uma visão bíblica, racional e
sadia.

“Para aqueles que sofrem, este livro pode trazer a serenidade que vem de
um maior entendimento espiritual da majestade de Deus. Eu o recomendo
de todo coração a todos aqueles que lutam com a dor.”
Dr. Charles LeMaistre. M.D. Anderson Cancer Research Center

Este é mais que um livro de teologia e estudo bíblico. É um exame de


questões que todos nós levantamos sobre nosso destino final. Oferece
respostas cristãs sadias enquanto responde a conclusões não bíblicas.

Dr. R.C. Sproul, teólogo, ministro, professor, é o presidente do Conselho do


Loonier Ministries. Formado pelo Westminster College e pelo Seminário
Teológico de Pittsburgh, obteve seu grau de doutor na Universidade
Livre de Amsterdam. Dr. Sproul é atualmente professor de Teologia
Sistemática no Seminário Teológico Reformado em Orlando, na Flórida.
Tem vários livros escritos, como A Glória de Cristo. O Mistério do Espírito Santo. A
Santidade de Deus e Discípulos Hoje, da Editora Cultura Cristã.

CDITOnn CUITURR CRISTÃ


Rua Miguol Fdvs lunior, 3S2/3t,-4 (H>4íi-(U0 - ( .iminua - São lãutlo •• Si' Foik*: (01 lim-'im.. Fax: UH 1)2"* 12^

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