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Viver Ciências

Por Ms. Micharlles Paz


É sabido que vivemos uma grave crise ecológica na história da Terra,
haja vista o modo catastrófico mediante o qual tratamos o meio ambiente:
poluição atmosférica decorrente não apenas das gigantescas queimadas
geradoras de lucro para o agronegócio, mas também pelo excesso de bilhões
de combustíveis fósseis quotidianamente queimados e lançados à atmosfera;
poluição dos rios e aquíferos através de práticas predatórias de exploração,
tais como a mineração em áreas de rios sagrados; manejo inadequado dos
solos com a utilização indevida de agrotóxicos envenenadores de alimentos;
modificação genética de plantas, grãos, tubérculos e sementes; expulsão dos
habitantes originários da terra(índios, seringueiros, caboclos) para fins de
pastagens de gado e/ou especulação fundiária, etc. Trata-se, portanto, de
tempos de grande barbárie e de sacrificação do sistema-vida, seja na natureza
seja na sociedade humana em escala planetária.
Em termos mais objetivos: a lógica capitalista de acumulação cega de
capital explora, destrói, corrompe, mutila e mata a rica agrobiodiversidade da
qual a terra é portadora. Ao contrário da cosmovisão ameríndia que concebe a
Terra como Mae( Pacha Mama) sagrada dos indígenas amazônicos, doadora
dadivosa dos recursos necessários à vida, o pensamento egóico que preside
as relações burguesas saqueia e aniquila as mais belas e sublimes formas de
vida em nome do lucro. Sim, é certo: para esses, o lucros vale muito mais que
as pessoas! À revelia da boniteza de compreensão integrativo do ser- natureza
das diversas cosmologias ameríndias, o atual processo é totalmente castrador,
na medida em que estupra sua própria Mae! Existe tragédia maior?! Jamais
aceitaremos silentes esse horrendo incesto civilizatório em defesa da
sacrossanta propriedade privada e dos interesses mesquinhos da burguesia
endinheirada!
Durante o processo histórico de exploração espoliação dos povos e da
natureza, o modo – de -produção capitalista gerou uma destruição ambiental
sem precedentes na história da humanidade. Centenas de milhares de
espécies de fauna e flora já foram destruídos! A catástrofe levada a cabo pela
reprodução sociometabólica do capital é fato inegavelmente deletério à vida
soiacla e ambiental. Enquanto isso, prossegue o dantesco morticínio das
populações indígenas, ribeirinhas, caboclas e quilombolas para a promoção do
famigerado “ progresso”. A floresta está ardendo em chamas, levando a
destruição dos vários seres vivos: samaúmas, imabaúbas, jurema, lobo-guará,
tamanduá-bandeira, mico-leão-dourado, grãos e outras plantas! Os rios estão
sendo poluídos de minérios indesejados à sobrevivência marinha! Toda uma
rede de seres vivos, dentre eles, as gentes, as árvores e os rios sofrem
demasiadamente as consequências do modelo predatório que vige na
sociedade contemporânea. EM face disso, o líder indígena David Kopenawa
Yanomami acertadamente assevera : “ O céu vai cair”! Sim, a queda do céu irá
derrubar- sobretudo- a arrogância humana de reis da Terra. Os espíritos xapiri
não habitaram mais os ambientes sagrados( rios, montanhas, florestas) em
decorrência da total destruição ambiental e fugirão para os céus, donde se
vingaram com toda a virulência da presunção dos seres humanos.
Nessa conformidade crítica, urge evidenciar o clamor do filosofo e
teólogo Leonardo Boff: “A grande emergência é a vida em sua imensa
diversidade e àquilo que lhe pertence essencialmente que é o cuidado. Sem o
cuidado necessário nenhuma forma de vida subsistirá “(cf. Boff, L., O cuidado
necessário, Vozes, Petrópolis 2012). Em outros termos, é somente através
inversão dos valores apregoados pela sociedade do consumo é que
conseguiremos algum avanço, no sentido do necessário respeito à
biodiversidade da Terra. Neste sentido, faz-se urgente uma ciência a serviço da
vida! Talvez, a lógica cuidadora dos povos indígenas seja a única salvação
para mudar radicalmente nossa forma de ser e estar no mundo, pois eles são
não apenas os verdadeiros guardiões das florestas, mas – sobretudo- os
principais professores quando o assunto é a convivência plurimilenar em
harmonia e equilíbrio cósmico com o ecossistema.
Tal redirecionamento epistemológico é urgente, pois a ciência moderna
ancorada na lógica cartesiana concebeu os recursos naturais de modo
utilitarista, degradando os recursos naturais essenciais à sobrevivência
humana, pois para tal visão de mundo o homem é a glória e a coroa do globo
terrestre. Neste pensamento típico da modernidade, o saber foi entendido
como poder (Francis Bacon) a serviço da dominação de todos os demais seres,
inclusive dos humanos e da acumulação de bens materiais de indivíduos ou de
grupos com a exclusão de seus semelhantes, gestando assim um mundo de
desigualdades, injusto e desumano. Os excluídos da história sentem na pele e
no coração os infortúnios decorrentes dessa grande merda que é a ganância e
o egoísmo inerentes à lógica do capitalismo!
Assim, em face da total devastação das diversas formas de vida, é
chegada a hora de atender ao chamado dialético de Paulo Freire entre a
denúncia e o anúncio das condições materiais e espirituais da existência, ou
seja, cumpre denunciar os conjuntos das catástrofes financiadas pelos odiosos
e assassinos capitalistas, bem como faz-se mister elaborar práxis educativa
capaz de pensar a viabilidade de outro mundo possível, já que este é
totalmente insustentável. Ainda na esteira do pensamento freiriano cumpre
forjar uma mudança paradigmática, no sentido de repensar os saberes e
fazeres que norteiam o comprometimento com a minha, e a tua vida em
comunhão com a natureza.
Por exemplo, quando o amoroso educador pernambucano discorre
sobre a importância de “sulear” o pensamento, isto é, para o patrono da
educação brasileira urge estudar e compreender a historicidade das
cosmovisões dos povos amazônicos, os quais- há milênios- convivem de modo
a respeitar o ritmo de vida da biosfera que os circunda. A episteme
antropocêntrica está fadada ao fracasso, pois não somos o “ centro do
cosmos”, mas sim seus piores predadores.
Neste arco de aprendizagens, a escola KJK assume o compromisso
ético de intercambiar práticas e ideias sustentáveis capazes tanto de
conscientizar a comunidade escolar acerca da importância de cuidar e amor os
recursos naturais, mas – acima de tudo- de Cuidar da vida, fazer expandir a
vida, entrar em comunhão e sinergia com toda a cadeia de vida,  celebrar a
vida e acolher, agradecidos, a Fonte originária de toda a vida: eis  a missão
singular e específica e o sentido do viver dos seres humanos sobre a Terra. A
atenção dos professores está direcionado para o cuidado coma vida na Terra,
para o amor à agrobiodiversidade e compaixão para com os recursos naturais.
Desse modo, a escola KJK abraça a causa da união cósmica, pois estamos
umbilicalmente ligados desde o começo da jornada há 4, 6 bilhões de anos,
pois toda a história da vida evolucionária está relacionada com a união e
adaptação à realidade.
Com as bênçãos de Nhanderu( Deus), da Senhora Rainha da Floresta,
dos pajés curadores, dos yuxibu(espírito sagrado), do Nosso Senhor Jesus
Cristo, do honrado mestre Raimundo Irineu Serra e a encantaria dos seres de
luz, dentre eles, o Passarinho azul, a jiboia e o curupira, rogamos força e
coragem não apenas para lutar contra as transgressões éticas de que os
humilhados do mundo são vítimas cada vez mais doloridas, mas também para
saudar dá um sublime VIVA à vida, um VIVA à floresta, um VIVA a todos os
seres divinos e um VIVA aos lutadores do povo que doaram a sua vida à causa
da defesa da floresta e da emancipação humana. Eu te amo Chico Mendes!
Ao fim e ao cabo, afirmo à luz da poesia que enquanto existir sonho,
fantasia e amor haverá esperança, haverá um louco abraçando a árvores,
haverá um esteta apaixonado pela princesa Soloína. Mas, nem tudo são
flores ,a miséria pela qual o nosso povo atravessa é digna de justa indignação.
Face as mazelas sociais finalizo com uma bela e salutar provocação do
eminente pároco-poeta Dom Pedro Casaldáliga:
Malditas sejam todas as cercas!
Malditas todas as propriedades privadas que
nos privam de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis, amanhadas por
umas poucas mãos, para ampararem cercas e
bois e fazerem da terra escrava e escravos os
homens!
Eu te amo Dom Pedro Casaldáliga, Passarinho Azul.

“Ame a natureza” ( Chico Mendes).

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