Você está na página 1de 10

Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

MÓDULO 2 - AULA 29

Aula 29 – Aplicações de integrais – Áreas e


comprimentos

Objetivo
Conhecer as aplicações de integrais no cálculo da área de uma superfı́cie
de revolução e do comprimento de uma curva.

Área de uma superfı́cie de revolução

Na aula anterior, você aprendeu a calcular o volume do sólido obtido da


revolução de uma dada região R em torno do eixo Ox. Em particular, você
viu como calcular o volume de uma esfera de raio r. Agora você verá como
obter as áreas das superfı́cies que recobrem tais sólidos. Na aula anterior,
usamos os volumes dos cilindros como ponto de partida no processo de apro-
ximação que culminou na integral. Aqui, esse papel será desempenhado pela
área de um tronco de cone. A área de um tronco de cone reto, de geratriz
g, com raio da base maior R e raio da base menor r é igual à área de um
trapézio de altura g, com base maior 2πR e base menor 2πr. Isso é

A = π (R + r) g.

Lembre-se: a área de um
Seja S a superfı́cie obtida da rotação do gráfico da função contı́nua trapézio é o produto de sua
f : [a, b] −→ R cuja restrição ao intervalo aberto (a, b) é de classe C 1 (di- altura pela média aritimética
de suas bases.
zemos que uma função é de classe C 1 quando, além de ser diferenciável, a
função derivada f 0 é contı́nua). Queremos atribuir uma área à S. Usaremos
o seguinte processo de aproximação: para cada partição a = x0 < x1 <
x2 < · · · < xn = b do intervalo [a, b], consideraremos os troncos de cone
obtidos pela revolução dos segmentos de reta que unem os pontos sucessivos
(xi−1 , f (xi−1 )) e (xi , f (xi )). Veja na figura a seguir.
A união desses troncos de cone aproximam a superfı́cie de revolução,
na medida em que tomamos partições mais finas.

143 CEDERJ
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

A área da superfı́cie obtida pela união dos cones é a soma das áreas dos
cones: n n
X X 
Ai = π f (xi−1 ) + f (xi ) li ,
i=1 i=1
q 2
onde li = (xi − xi−1 )2 + f (xi ) − f (xi−1 ) , o comprimento do segmento
de reta unindo os pontos (xi−1 , f (xi−1 )) e (xi , f (xi )) é a geratriz do tronco
que tem como raios das bases f (xi−1 ) e f (xi ).
Usaremos agora o fato de f ser uma função diferenciável. Pelo Teorema
do Valor Médio, existe um número ξi ∈ [xi−1 , xi ] tal que
f (xi ) − f (xi−1 )
f 0 (ξi ) = ,
xi − xi−1
para cada i = 1, 2, 3, . . . , n. Assim, podemos trocar f (xi ) − f (xi−1 ) por
f 0 (ξi ) (xi − xi−1 ) na fórmula que determina li , obtendo:
q 2
li = (xi − xi−1 )2 + f 0 (ξi ) (xi − xi−1 ) =
q 2 q 2
= ∆x2i + f 0 (ξi ) ∆x2i = 1 + f 0 (ξi ) ∆xi .
Isso decorre do Teorema do
Valor Intermediário. Veja o Além disso, como f é contı́nua, sabemos que o intervalo limitado pelos
Teorema 7.2, da aula 7 de números f (xi−1 ) e f (xi ) está contido na imagem de f . Isto é, a equação
Cálculo I.
f (x) = M tem solução no intervalo [xi−1 , xi ], para todos os valores de M
entre os números f (xi−1 ) e f (xi ).
Em particular, existe ζi ∈ [xi−1 , xi ], tal que
f (xi−1 ) + f (xi )
f (ζi ) = ,
2
para cada i = 1, 2, . . . , n. Isso significa que ζi é a solução da equação
f (x) = M , onde M é o ponto médio entre f (xi−1 ) e f (xi ). Ou seja,
2f (ζi ) = f (xi−1 ) + f (xi ).

CEDERJ 144
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos
MÓDULO 2 - AULA 29

n
X
Com mais essa alteração, nossa fórmula para Ai ficou assim:
i=1

n
X n
X q 2
Ai = 2π f (ζi ) 1 + f 0 (ξi ) ∆xi .
i=1 i=1

Tomando o limite dessas somas de Riemann, chegamos à definição a


seguir.

Definição 29.1 Seja f : [a, b] −→ R uma função contı́nua e positiva, cuja


restrição ao intervalo (a, b) é de classe C 1 . A área da superfı́cie gerada pela
rotação do gráfico de f em torno do eixo Ox é definida pela integral
Z b q 2
A = 2π f (x) 1 + f 0 (x) dx.
a

Note que usamos o fato de f ser de classe C 1 . Assim, q usamos o fato


0
2
de f ser uma função contı́nua, pois então a função y = f (x) 1 + f 0 (x)
é contı́nua, garantindo que as somas de Riemann convergem e a integral da
definição está bem definida.

Exemplo 29.1
Área da esfera de raio r.

A esfera de raio r pode ser gerada pela revolução do gráfico da função



f (x) = r2 − x2 em torno do eixo Ox. Para aplicarmos a fórmula da área,
precisamos da derivada de f :
1 2 −x
f 0 (x) = (r − x2 )−1/2 · (−2x) = √ .
2 r 2 − x2
Então,
q r
2 x2
1 + f 0 (x) = 1+ =
r 2 − x2
r
r 2 − x 2 + x2
= =
r 2 − x2
r
= √ .
r − x2
2

Assim,
Z q Z √ Z
2 r
0
f (x) 1 + f (x) dx = r −x · √
2 2 dx = r dx.
r 2 − x2

145 CEDERJ
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

Portanto, a área da esfera de raio r é


Z r
r

A = 2π r dx = 2π r x = 4π r2 .
−r
−r

Exercı́cio 1. Calcule a área do cone de raio da base r e de altura h.

Exemplo 29.2
A trombeta do anjo Gabriel.

O exemplo que você verá a seguir é bem conhecido devido ao seu resul-
tado surpreendente.
Considere a superfı́cie obtida pela rotação do gráfico da função
f (x) = x1 , com x ∈ [1, ∞), em torno do eixo Ox. O objeto lembra uma
trombeta, porém de comprimento infinito. Por isso é chamada de trombeta
do anjo Gabriel.

Vamos calcular o volume da região limitada pela trombeta. Para isso,


usaremos a fórmula do volume, mas com a integral imprópria, para incluir
toda a trombeta:
Z ∞ Z ∞
2 1
V = π f (x) dx = π dx =
1 1 x2
Z r r
1 1
= π lim dx = π lim − =
r→∞ 1 x2 r→∞ x
1
1
= π lim 1 − = π.
r→∞ r

Ótimo! Como a integral imprópria converge, dizemos que a trombeta,


apesar de comprimento infinito, tem π unidades cúbicas de volume.
Agora, usando a mesma abordagem, vamos calcular a área da superfı́ce
que a recobre.
Z ∞ r  −1 2 Z ∞√ 4
1 x +1
A = 2π 1+ 2
dx = 2π dx.
1 x x 1 x3

CEDERJ 146
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos
MÓDULO 2 - AULA 29

Mas, √
x4 + 1 √
x 3 x 6 + x2
lim = lim = 1.
x→∞ 1 x→∞ x3
x
Z ∞
1
Como dx diverge, pelo teste do limite do quociente, sabemos que
x
1 Z ∞√ 4
x +1
a integral imprópria dx diverge.
1 x3
Ou seja, a área que recobre a trombeta é infinita. Aqui reside toda a
incongruência do exemplo: o anjo pode encher a trombeta com um pouco
mais do que 3 unidades cúbicas de tinta, mas, mesmo que use toda a tinta
do universo, não poderia pintá-la.
Bem, quando lidamos com trombetas de comprimento infinito, devemos
esperar coisas surpreendentes.

Comprimento de curva
Vamos aproveitar os argumentos desenvolvidos na dedução da fórmula
da área para definir o comprimento de uma curva que é o gráfico de uma
função f , de classe C 1 .
Seja f : [a, b] −→ R uma função contı́nua e positiva, diferenciável em
(a, b), cuja derivada é uma função contı́nua. Como antes, seja a = x 0 < x1 <
x2 < · · · < xn = b uma partição do intervalo [a, b].
Associada a essa partição, temos uma linha poligonal formada pela
união dos segmentos de reta que unem os pontos (xi−1 , f (xi−1 )) e (xi , f (xi )),
sucessivamente. Essa linha é uma aproximação para o gráfico da função f .

O comprimento dessa linha poligonal é


Xn Xn q
2
li = (xi − xi−1 )2 + f (xi ) − f (xi−1 ) .
i=1 i=1

147 CEDERJ
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

Como antes, temos ξi ∈ [xi−1 , xi ], tal que

f (xi ) − f (xi−1 = f 0 (ξi ) ∆xi

e, portanto,
n
X n q
X 2
li = 1 + f 0 (ξi ) ∆xi .
i=1 i=1

Assim podemos definir o comprimento do gráfico da função f , sobre o


intervalo [a, b], pelo limite dessas somas de Riemann:
Z bq
2
L = 1 + f 0 (x) dx.
a

Exemplo 29.3
Cálculo do comprimento de um arco de setor de circunferência.

Vamos calcular o comprimento de um arco de circunferência de raio r,


correspondente a um ângulo α < π. Vamos posicionar tal setor de tal forma
que ele esteja na parte superior de x2 + y 2 = r2 , e sejam x1 e x2 os pontos
correspondentes à projeção do setor no eixo Ox.

θ2 θ2
θ1 θ1

x1 x2

θ1 + θ 2 = α

Então, o comprimento desse arco é


Z x2 q Z x2
2 r
0
1 + f (x) dx = √ dx.
x1 x1 r2 − x2

Para resolver essa integral, fazemos a substituição trigonométrica


x = r sen θ, onde θ1 e θ2 são os ângulos que correspondem aos valores x1 e
x2 , respectivamente: x1 = r sen θ1 e x2 = r sen θ2 . Temos dx = r cos θ dθ e

r2 − x2 = r cos θ.

CEDERJ 148
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos
MÓDULO 2 - AULA 29

Assim,
Z x2 Z θ2
r r2 cos θ
√ dx = dθ =
x1 r 2 − x2 θ1 r cos θ
Z θ2
= r dθ = r (θ2 − θ1 ) = r α.
θ1

Exercı́cio 2. Calcule o comprimento do segmento de parábola y = f (x) = x 2


sobre o intervalo [0, a].

Uma nota sobre os métodos numéricos


As integrais da fórmula da área de uma superfı́cie qde rotação e do com-
2
primento do gráfico de uma função envolvem o radical 1 + f 0 (x) . Esse
tipo de fórmula costuma gerar integrais que, do ponto de vista teórico, são
integráveis, pois estamos lidando com funções contı́nuas e o Teorema Funda-
mental do Cálculo nos garante a existência das primitivas mas, na prática,
são difı́ceis de se lidar. Isto é, apesar de já termos sob nosso domı́nio um
razoável arsenal de técnicas de integração, as primitivas das funções com que
estamos lidando não se expressam como combinações de funções familiares,
como polinomiais, trigonométricas, exponenciais e logaritmos. Só para citar-
mos um exemplo, para calcularmos o comprimento da curva y = x1 , digamos
Z 2√ 4
x +1
de x = 1 até x = 2, terı́amos de lidar com a integral dx, que não
1 x2
é, exatamente, muito amigável. Para lidar, na prática, com tais situações,
podemos lançar mão dos chamados métodos numéricos de integração ou, se
dispusermos de um computador com algum programa matemático, que fará
a tarefa de avaliar o resultado. Por exemplo,
Z 2√ 4
x +1
dx u 1, 132090394.
1 x2

Aqui está um pequeno resumo dos principais métodos numéricos de


integração. O objetivo é de informar as alternativas no caso de cairmos numa
integral para a qual não conhecemos uma técnica de integração adequada.
Seja f : [a, b] −→ R uma função contı́nua. Vamos subdividir o intervalo

[a, b] em n subintervalos de mesmo comprimento h = b−a n
. Assim, x0 = a,
x1 = x0 + h, x2 = x1 + h, e assim por diante, até xn = b. Vamos denotar
yi = f (xi ).

149 CEDERJ
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

1. Regra Retangular
Z b
f (x) dx u h(y0 + y1 + y2 + · · · + yn−1 )
a

ou Z b
f (x) dx u h(y1 + y2 + y3 + · · · + yn ).
a

Usamos, então, uma partição homogênea e uma das somas de Riemann


para aproximar o valor da integral.
2. Regra do Trapézio
Z b
h
f (x) dx u (y0 + 2y1 + 2y2 + · · · + 2yn−1 + yn ).
a 2

A idéia motriz desse método é aproximar a curva y = f (x) por segmen-


tos de retas.
3. Regra de Simpson
Z b
h
f (x) dx u (y0 + 4y1 + 2y2 + 4y3 + 2y4 + 4y5 + · · · + 2yn−2 + 4yn−1 + yn ).
a 3

Essa fórmula funciona para n par. A idéia que faz o método funcionar é
a de que estamos aproximando a curva y = f (x) por uma união de segmentos
de parábolas.
Esse não é o lugar adequado para nos aprofundarmos nesse assunto, mas
é importante que você saiba da existência de tais métodos. Caso você tenha
tempo e paciência, uma máquina de calcular cientı́fica aliada a essas fórmulas
pode lhe dar uma maneira de, por exemplo, calcular uma aproximação para
o número e ou o número π.
Para terminarmos, vamos fazer um resumo com as duas principais fór-
mulas da aula. Fórmula da área da superfı́cie de revolução do gráfico da
função de classe C 1 sobre o intervalo [a, b]:

Z b q 2
A = 2π f (x) 1 + f 0 (x) dx.
a

Fórmula do comprimento do gráfico de f :

Z bq
2
L = 1 + f 0 (x) dx.
a

CEDERJ 150
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos
MÓDULO 2 - AULA 29

Exercı́cios
Agora, aos exercı́cios, começando com os que foram sugeridos ao longo
da aula.

Exercı́cio 1. Calcule a área do cone de raio da base r e de altura h.

Solução:
Queremos a área da superfı́cie que recobre o cone, sem contar a área da
base. Para isso, vamos usar o gráfico da função linear que contém os pontos
(0, 0) e (h, r) sobre o intervalo [0, h]. O cone será obtido girando tal gráfico
em torno do eixo Ox.
r r
Esta função é definida por f (x) = x. Então, f 0 (x) = e
h h
h
Rh r q 2 √ 2


A = 2π 0 h x 1 + hr 2 dx = 2π hr2 r2 + h2 x2 =

√ 0
= πr r2 + h2 = πrg,

onde g = r2 + h2 é a geratriz do cone.

Exercı́cio 2. Calcule o comprimento do segmento de parábola y = f (x) = x 2


sobre o intervalo [0, a].

Solução:
Usamos f (x) = x2 , f 0 (x) = 2x e obtemos:
Z a√
L = 1 + 4x2 dx.
0

Para calcularmos essa integral, faremos a substituição trigonométrica


1
x = tg θ. Assim,
2
Z √ Z
1
2
1 + 4x dx = sec3 θ dθ
2
1 1
= tg θ sec θ + ln | sec θ + tg θ| + C.
2 2
Portanto,
Z a√
1 √ 1 √
L = 1 + 4x2 dx = a 1 + 4a2 + ln (2a + 1 + 4a2 ).
0 2 4

Por exemplo, se a = 1, L u 1, 478942857.

151 CEDERJ
Aplicações de integrais – Áreas e comprimentos

Essa é uma maneira divertida de criar números para senhas...


Agora, alguns exercı́cios para você praticar.
Exercı́cio 3.
Em cada um dos casos a seguir, calcule a área da superfı́cie obtida pela
revolução do gráfico da função dada, sobre o intervalo indicado.
x2
(a) f (x) = , [0, 2];
2
(b) f (x) = ex , [0, 1];

(c) f (x) = 2 x, [1, 4];
(d) f (x) = sen x, [0, π/2].
Exercı́cio 4.
Ao girarmos a circunferência x2 + (y − 2)2 = 1 em torno do eixo Ox, ob-
temos uma superfı́cie que chamamos de toro. Calcule a área dessa superfı́cie.
Veja o exemplo 28.3.
Exercı́cio 5.
Determine o comprimento da curva f (x) = 2x3/2 sobre o intervalo [0, 7].
Exercı́cio 6.
x3 1
Determine o comprimento do gráfico de f (x) = + sobre o intervalo
6 2x
[2, 4].
Exercı́cio 7.
Calcule o volume limitado pela superfı́cie gerada pela revolução do
gráfico da função f (x) = x−2/3 em torno do eixo x, para x ≥ 1, e a área
que a recobre, se possı́vel.

CEDERJ 152

Você também pode gostar