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Universidade Católica de Brasília – Curso de Ciências Biológicas – Zoologia II

Panarthropoda: Introdução ao Filo Arthropoda*


Os artrópodes são animais protostomados, metaméricos, com clivagem espiral e determinada e celoma
esquizocélico. O nome do filo Arthropoda deriva-se do fato dos animais terem patas articuladas (arthro: articulação +
podos: pata). Na realidade, todo o corpo e seus apêndices são revestidos de um esqueleto ou cutícula de quitina
formada de placas articuladas.
Formam um grupo monofilético muito diverso, com cerca de um milhão de espécies, representando mais de 63%
das espécies conhecidas de animais. Neste filo estão as aranhas e escorpiões, as centopeias e piolhos-de-cobra, os
insetos, os crustáceos e os extintos trilobitas. Estes exemplos representam os cinco grupos que formam a linhagem
central de artrópodes (Euarthropoda).

Origem dos artrópodes


A origem dos artrópodes data do
Cambriano e se acredita que ocorreu a partir
de uma linhagem-tronco de lobopodianos
(Figura 1), que eram animais com lobopódios
e cutícula sem placas, semelhantes a
onicóforos, mas que diferem destes por não
apresentar as papilas com glândulas adesivas
(Budd & Telford, 2009). Um exemplo de
lobopodiano ainda sem características de
artrópodes é Aysheaia.
O processo de artropodização, ou seja,
surgimento das características típicas dos
artrópodes na história dessa linhagem-tronco,
ocorreu em diversas etapas. A primeira delas
foi o surgimento de apêndices anteriores Figura 1: Alguns lobopodianos (Lobopodia)
articulados, como os observados em Opabinia
e Anomalocaris.
Numa etapa posterior, surgem animais com placas
articuladas no corpo e apêndices segmentados, como os
membros da Classe Megacheira (Figura 2). Apesar de já
serem consideradas artrópodes primitivos, não fazem parte
dos Euarthropoda. Eles possuíam apêndices birremes (isto
é, com dois ramos), o que parece ser a condição primitiva Figura 2: Leanchoilia, um membro da classe Megacheira
dos apêndices dos artrópodes. (de Liu Yu et al., 2007).

Além dás placas articuladas e apêndices birremes, as características basais de artrópodes incluem ainda:
cabeça com cinco segmentos, antena no segundo segmento e direcionada para frente, presença de hipostoma ou labro
(dobra da cabeça, sobre a boca), olho composto anterior-dorsal, trono com apêndices em todos os segmentos, exceto o
último, que forma uma porção caudal esclerotizada (Waloszek et al., 2005).
A partir desse ponto da evolução dos artrópodes, se percebem quatro grandes tendências: (1) cefalização, com
diferenciação da cabeça e concentração de órgãos nervosos; (2) heteronomia, isto é, os segmentos são diferenciados
entre si; (2) tagmose, ou seja, especialização dos segmentos em regiões, como por exemplo, cabeça, tórax e abdome
(cada uma dessas regiões é um tagma; no plural, tagmata); (4) fusão de segmentos. Em razão disso, apesar de serem
animais segmentados, em geral, somente nos embriões a metameria é percebida com clareza.

*
Roteiro de aula, elaborado pela Profa. Lourdes Elmoor Loureiro (jul2016)

Figura 1: Alguns lobopodianos (Lobopodia) (de Liu Yu et


al., 2007).
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Os artrópodes, apresar de ser um grupo muito diverso, apresentam um conjunto de características constantes e
particulares. Nos itens a seguir, serão apresentadas estas características gerais.

Figura 2: Estrutura de um artrópode generalizado, em secção sagital.


(modificado de Barnes, 1984)

Exoesqueleto ou Cutícula
Revestindo externamente todo o corpo dos artrópodes, existe uma cutícula quitinosa. A quitina é um
polissacarídeo e é secretada pelo epitélio dos artrópodes. Tal cutícula ou exoesqueleto envolve todo o animal e seus
apêndices, chegando a penetrar pelas extremidades dos tubos digestivo e respiratórios (figura 2).
Com um esqueleto tão rígido, os movimentos seriam impossíveis. No entanto, sabemos, os artrópodes são
capazes de mover-se. Isto só é possível porque o exoesqueleto é formado por placas articuladas (figuras 2 e 3).
Em cada segmento, a cutícula é formada por
quatro placas de quitina articuladas: uma dorsal (tergo
ou tergito), uma ventral (esterno ou esternito) e duas
laterais (pleuras ou pleuritos). Ver figura 3. Este padrão,
muitas vezes, é perdido em função de fusões ou
subdivisões secundárias. Os apêndices são revestidos
por cilindros quitinosos, também articulados, de modo
que os apêndices aparecem segmentados.
Nas articulações, a camada de quitina é mais
fina e flexível (figuras 4), permitindo o movimento entre
os segmentos do corpo ou dos apêndices.
Figura 3: Corte transversal de artrópode, indicando as placas
do exoesqueleto e os feixes musculares (mod. Barnes, 1984)

Figura 4: Articulações. A. Membrana articular intersegmentar, mostrando a cutícula mais fina nesta região; B.
Articulação da pata de um inseto, mostrando a inserção da musculatura (de Ruppert & Barnes, 1994).

O exoesqueleto, como já foi dito, é constituído, basicamente, de quitina. Entretanto, sua constituição não é uniforme e
nem exclusivamente quitinosa (Figura 5). Existem três camadas no exoesqueleto:
- epicutícula = camada mais externa, constituída de proteínas ou de ceras (em muitos terrestres, reduzindo a perda de
água por evapotranspiração do animal);
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- exocutícula = camada mediana, constituída de quitina,


proteínas e fenóis. São os fenóis depositados nesta
camada que tornam a cutícula rígida e não flexível;
- endocutícula = camada mais interna, constituída de quitina
e proteínas.
A endocutícula e a exocutícula, juntas, são chamadas de
procutícula.
Conforme apresentado anteriormente, o exoesqueleto é
flexível nas articulações; portanto, nas articulações não há
deposição de fenóis, não existindo aí a exocutícula.
O exoesqueleto pode ter cores diversas. Esta coloração
pode ser consequência de pigmentos depositados na exocutícula
ou a estriações na epicutícula (que dão coloração verde ou Figura 5: Exoesqueleto dos artrópodes, em
púrpura iridescente). Em alguns casos o exoesqueleto não é secção diagramática através do tegumento.
colorido e a cor do animal pode decorrer de cromatóforos (de Hickman et al, 2004)
presentes no epitélio ou aos pigmentos do sangue.

Muda ou ecdise
Os artrópodes enfrentam dificuldade para crescer, pois seu exoesqueleto faz uma espécie de armadura rígida
em torno do animal, ainda que flexível nas articulações, e não cresce com o animal. O crescimento, então, só é possível
com a troca periódica do esqueleto. Este processo é chamado de muda ou ecdise e está sob controle neuro-
hormonal, pois envolve a estimulação nervosa e a secreção de hormônios (ver mais detalhes adiante).
O processo de muda é subdividido em três etapas: pró-ecdise, ecdise e pós-ecdise. O intervalo entre as mudas
é chamado de intermuda.
1. Pró-ecdise
Fase anterior e preparatória para a ecdise propriamente dita, que vai do início do processo até a total dissolução
da endocutícula do esqueleto antigo.
O processo começa com a estimulação neuro-hormonal, que pode ser descrito, de modo simplificado, da
seguinte maneira: o sistema nervoso produz neuro-secreções que estimulam certos órgãos (as glândulas protorácicas
nos insetos, o órgão-Y nos crustáceos) a produzirem e liberarem o hormônio ecdisona; a ecdisona estimula as células
do epitélio a iniciarem o processo de muda.
As células do epitélio, então, iniciam com dois eventos praticamente simultâneos: a formação de uma nova
epicutícula (logo acima do epitélio e sob o esqueleto antigo) e a secreção do líquido de muda. Este líquido é composto
de enzimas (quitinase e proteases) e é produzido pelas células exuviais (presentes no epitélio). O líquido de muda
começa, então, a digerir a endocutícula do exoesqueleto antigo (figuras 6A e B).
A seguir, uma nova procutícula vai sendo produzida (figura 6C). Não há, nesta etapa, a diferenciação em
exocutícula e endocutícula, pois não são depositados, ainda, os fenóis;
Esta fase termina com a total dissolução da endocutícula e formação a nova procutícula (figura 6D).

Figura 6:
Fase preparatória da muda de um
artrópode.
A. exoesqueleto e epiderme no período
entre
mudas;
B. separação da epiderme e secreção do
líquido de muda e da nova procutícula;
C. digestão da velha endocutícula e
desenvolvimento da nova procutícula;
D. imediatamente antes da muda.

(de Ruppert et al, 2005)


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2. Ecdise
Esta é a etapa da ecdise, propriamente dita. Após a etapa preparatória (pró-ecdise), o animal está pronto para
romper e sair de seu esqueleto antigo. Isso acontece quando o animal retém água e incha, exercendo pressão sobre a
cutícula, que se rompe.
O rompimento do esqueleto não se dá aleatoriamente; ao contrário, ele ocorre nas chamadas linhas de muda,
onde o exoesqueleto é mais frágil em virtude da exocutícula mais delgada (localize a linha de muda na figura 6A). Uma
vez feito rompimento da cutícula, o animal a abandona. O esqueleto abandonado é chamado de exúvia.

3. Pós- Ecdise
Corresponde à fase logo após a muda, caracterizada pelo crescimento do animal e pelo gradual endurecimento
do novo esqueleto. Ao abandonar a exúvia, o esqueleto ainda não tem fenóis e, portanto, é flexível e o animal pode
crescer. Ao mesmo tempo em que cresce, o animal vai depositando fenóis no novo esqueleto que, aos poucos, vai
tornando-se não flexível; quando isto ocorre, o animal para seu crescimento.

4. Intermuda
É o período entre as mudas, em que o animal faz reservas alimentares, em seus tecidos, preparando-se para a
próxima muda.

Em razão das ecdises, o crescimento de um artrópode não é contínuo, mas ocorre em períodos determinados.
Consequentemente, é possível distinguir estágios de vida para os artrópodes; cada estágio é chamado de instar. O
número e duração dos instares varia com a espécie, condições nutricionais e fatores externos.
Desse modo, se procurarmos descrever a vida de um artrópode por meio de um gráfico, considerando suas
mudas e períodos entre elas, teremos um gráfico “em degraus” (Figura 7).

Instar 4

Instar 3

Instar 2 intermuda
T
A pró-ecdise
M
A Instar 1 pós-ecdise
N
H ecdise
O

TEMPO

Figura 7: Crescimento dos artrópodes, com indicação das diferentes fases do processo de muda

Musculatura e movimento
Os artrópodes abandonaram a musculatura do corpo em camadas; ao contrário, sua musculatura é formada por
feixes de músculos estriados, presos à superfície interna da procutícula (figura 3).
Nos pontos de inserção dos músculos, existem projeções internas da cutícula, chamadas de apódemas. Estas
estruturas garantem melhor fixação aos feixes musculares.
A contração da musculatura, cujos feixes ligam as placas e cilindros do esqueleto uns aos outros, promove a
flexão entre estes elementos. Assim, a movimentação dos artrópodes depende da associação entre musculatura e
exoesqueleto.
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Trato digestivo
Podemos distinguir três regiões do trato digestivo: o intestino anterior, o intestino médio e o intestino posterior.
Cada uma destas regiões especializa-se em diversos órgãos do aparelho digestivo.
O intestino anterior é revestido internamente per quitina, uma vez que o exoesqueleto se dobra para dentro do
tubo digestivo. Em virtude da quitina, esta região do tubo digestivo não é glandular, sendo responsável pelas funções
de ingestão, trituração e armazenamento dos alimentos. Esta região inicia-se na boca e pode diferenciar-se em faringe,
moela, papo...
O intestino médio é a porção não revestida de quitina, sendo a região glandular, onde ocorre a digestão e a
absorção dos alimentos. Pode apresentar glândulas e cecos anexos.
O intestino posterior é a parte final do tubo digestivo, terminando no ânus. Também é revestida pela cutícula
de quitina, sendo onde ocorre absorção de água e formação das fezes.

Celoma e sistema circulatório


Nos artrópodes, assim como em todos os panartrópodos, houve drástica redução do celoma, promovida pela
intrusão de tecido conjuntivo, chamado parênquima. O celoma é representado apenas por uma série de cavidade e
lacunas interligadas (a hemocele), as cavidades das gônadas e, em alguns grupos, os órgãos excretores.
O sistema circulatório é aberto, com um coração tubular dorsal (figuras 2 e 8). O coração apresenta pares
de aberturas, os óstios (ou ostíolos), e está envolvido pelo pericárdio. Na maioria dos grupos, do coração partem duas
aortas, uma anterior e outra posterior; nos insetos, existe apenas a aorta anterior.

Figura 8: Esquema
simplificado do coração
de um artrópode

A circulação segue, de um modo geral, o seguinte padrão (Figura 8): o sangue oxigenado (arterial) entra no
pericárdio e deste passa para o coração, através dos óstios abertos; os óstios se fecham e o coração se contrai,
impulsionando o sangue para as aortas; como elas são interrompidas, o sangue é lançado na hemocele, onde flui livre.
No seu percurso pela hemocele, o sangue recebe gás carbônico e precisa ser direcionado para o órgão respiratório do
animal para ser novamente oxigenado. A abertura dos óstios depende da contração dos músculos alares.
O sangue contém diversos tipos de células e pode ou não conter pigmentos respiratórios dissolvidos no plasma;
quando este está presente, em geral é hemocianina (alguns podem ter hemoglobina).

Sistema Respiratório – Os diversos grupos de artrópodes possuem tipos diferentes de órgãos respiratórios
(brânquias, traqueias, pulmões foliáceos), conforme o ambiente onde vivem; espécies pequenas podem
realizar suas trocas gasosas pela superfície do corpo.

Sistema Excretor
O excreta nitrogenado varia conforme o habitat dos animais: ácido úrico na maioria dos grupos terrestres e amônia nos
crustáceos aquáticos. Existem órgãos excretores variados nos artrópodes, mas podem ser de dois tipos básicos:
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- glândulas excretoras, que são metanefrídeos derivados, com poros exretores no meio externo; estão
presentes nos crustáceos (glândulas antenais e maxilares) e aracnídeos (glândulas coxais).
- túbulos de Malpighi, que são tubos cegos ligados à parte posterior do tubo digestório e, portanto, sem
poro excretor; desse modo, os excretas, são eliminados junto com as fezes. Estão presentes nos
aracnídeos, miriápodos e insetos.

Sistema nervoso
De um modo geral, o padrão básico do sistema nervoso central dos artrópodes é o mesmo do encontrado nos
anelídeos: gânglios cerebróides (ou cérebro) anterior dorsal, seguido de um par de nervos ventrais, com um par de
gânglios por segmento (o primeiro deles é o gânglio subfaríngeo).
Entretanto, existe um alto grau de cefalização nos artrópodes. No cérebro, formado pela fusão dos gânglios
cerebróides, distinguem-se três regiões ou lobos: protocérebro (relacionado à visão), deutocérebro (processa as
informações coletadas pela antena) e tritocérebro (inerva o labro, integra informações vindas do proto- e deutocérebro,
e faz a conexão com as demais partes do sistema nervoso).
O aumento do cérebro está relacionado grande desenvolvimento dos órgãos sensoriais. Nas aranhas e
escorpiões (Chelicerata) existem apenas dois lobos (protocérebro e tritocérebro).

Figura 9: Sistema nervoso dos artrópodes. A. vista lateral. B. vista dorsal. C. cérebro de um crustáceo.
D. cérebro de um quelicerado (A-B. NY State University; C-D. Brusca e Brusca, 2007)

Sentidos
De um modo geral, existem cerdas (Figura 5 e 10), com função
tátil e/ou quimioreceptora.
Existem proprioreceptores diversos, permitindo perceber o
estado do corpo, inclusive a tensão entre as placas esqueléticas,
indicativa da posição das partes do corpo e apêndices.
Em todos os subfilos existem olhos compostos, ainda que com
estruturas diversas, sendo que foram perdidos ou modificados em
vários grupos. Olhos compostos são encontrados em todos os
hexápodos e crustáceos, nos quelicerados Xiphosura e alguns
Myriapoda.
Também são encontrados ocelos, com diversos graus de Figura 10: cerda do tegumento de artrópodes
complexidade.
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Reprodução e desenvolvimento embrionário


Com raras exceções, os artrópodes
são dióicos, geralmente com fecundação
interna, utilizando apêndices modificados
para transferência de espermatozóides.
Na maioria das vezes, os ovos dos
artrópodes são ricos em vitelo e
centrolécitos, isto é, a albumina fica no
centro do ovo, deixando, na periferia,
citoplasma sem albumina. Neste caso,
ocorre a clivagem superficial do ovo, de
sorte que o embrião se desenvolve na
periferia do ovo (Figura 11).
Alguns grupos de quelicerados e de
crustáceos possuem menor quantidade de
vitelo, ainda que centrolécitos; neste caso, Figura 11: Desenvolvimento embrionário dos Artrópodes. A-E, clivagem
superficial; F, gástrula de aracnídeo; G, embrião de aracnídeo. (Barnes, 1984)
a clivagem do ovo é total.

Classificação dos artrópodes


A classificação mais recente aceita Arthropoda como um grupo monofilético e reconhece a existência de cinco
linhagens de artrópodes, correspondentes aos subfilos (número de espécies de acordo com Zhang, 2011):
Filo Arthropoda (1,242,040 espécies, das quais 6,182 fósseis)
Subfilo Trilobitomorpha - grupo extinto, formado pelos trilóbitos (19.606 espécies fósseis)
Subfilo Chelicerata - artrópodes sem antenas e mandíbulas, com quelíceras (113.894 espécies, das quais 1.957
fósseis): aranhas, escorpiões, ácaros....
Subfilo Crustacea - com dois pares de antenas e apêndices birremes (66.914 espécies): camarão, lagosta,
caranguejo, siri, tatuzinho-de-jardim...
Subfilo Myriapoda – cabeça e tronco longo, portador de apêndices unirremes em todos os segmentos (11.885
espécies): centopéias, lacraias, piolho-de-cobra, emboá
Subfilo Hexapoda – cabeça (um par de antenas), tórax com três pares de apêndices unirremes e abdome 1.029741
espécies, das quais 6.182 fósseis): insetos e aparentados.

Relações filogenéticas entre os subfilos de Arthropoda


As relações internas de Arthropoda ainda não estão totalmente esclarecidas. Considerando apenas os grupos
viventes, muitas análises filogenéticas indicam de que os animais possuidores de mandíbulas (miriápodos, crustáceos e
hexápodos) formem um grupo monofilético, chamado Mandibulata (Figura 12). Além de amplo suporte molecular,
podem ser indicas as seguintes sinapomorfias de Mandibulata:
- evidências de homologia das mandíbulas nos três subfilos;
- estrutura da cápsula cefálica mostra homologia também das primeiras maxilas;
- nos três grupos, existem omatídeos (ou precursores destes) com cone cristalino homólogo;
- apresentam glândula de muda homóloga;
- apresentam número menor e menos variável de neurônios motores do que os Chelicerata.
Embora seja praticamente um consenso que o grupo Mandibulata seja monofilético, existem duas hipóteses
alternativas sobre suas relações internas, ou seja, entre os três subfilos mandibulados: Atelocerata (Myriapoda como
grupo irmão de Hexapoda – Figura 12A) e Pancrustacea ou Tetraconata (Crustacea como grupo irmão de Hexapoda –
Figura 12B).
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A B

Figura 12: hipóteses


alternativas sobre as
relações filogenéticas dos
subfilos de artrópodes.

Dentre estas hipóteses, a que mais tem encontrado suporte molecular é a hipótese Pancrustacea. Além disso,
outras características podem ser consideradas sinapomorfias de Pancrustacea (Richter, 2002; Harzsch et al 2005;
Ungerer & Scholtz, 2008; Strausfeld & Andrew 2011):
- estrutura dos omatídeos com duas células corneanas, quatro células no cone cristalino (daí o nome Tetraconata) e
oito células retinulares;
- afinidade das células do cone cristalino a anticorpos monoclonais para a glicoproteina 3G6;
- número de neurônios seratonérgicos: dezenas em Chelicerata; poucos pares em Crustacea+Hexapoda; Myriapoda
em número intermediário;
- processo de neurogênese similar em Crustacea e Hexapoda: neurônios formados a partir de linhagem de células
especializadas (NB);
- caracteres anatômicos do cérebro, incluindo ramificação dos neurônios, estrutura e localização de neurópilos.
Ainda que se aceite a estreita ligação entre Crustacea e Hexapoda (portanto, o grupo Pancrustacea) estudos
recentes têm mostrado Crustacea como um grupo parafilético, de modo que Hexapoda emerge como uma linhagem
derivada de um grupo de crustáceos (p. ex. Reumont et al., 2012).
A relação entre os Chelicerata e Trilobitomorpha, como um grupo monofilético, tem sido proposta (p. ex. Cotton
& Braddy, 2003), mas é um tema ainda em discussão.

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