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ISSN 1806-7115

LIMNOtemas
Publicação da Sociedade Brasileira de Limnologia Junho de 2005

As patas dos cladóceros: descrição e


importância taxonômica

LOURDES M. A. ELMOOR-LOUREIRO

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LIMNOtemas é uma publicação eletrônica aperiódica da Sociedade
Brasileira de Limnologia e foi criada com o objetivo de auxiliar a pesquisa,
o ensino e a divulgação da Limnologia no Brasil. LIMNOtemas deverá se
configurar como um meio alternativo de fazer circular conhecimentos,
informações e técnicas que venham facilitar a atuação cotidiana dos
limnólogos brasileiros e que possivelmente não encontrariam espaço nos
meios científicos tradicionais de divulgação, seja pela extensão do
material ou por suas características.

EDITORES:

Reinaldo Luiz Bozelli – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto


de Biologia, Departamento de Ecologia, Laboratório de Limnologia, E-mail:
bozelli@biologia.ufrj.br

Paulina Maria Maia Barbosa – Universidade Federal de Minas Gerais,


Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Biologia Geral,
Laboratório de Ecologia do Zooplâncton, E-mail: maia@icb.ufmg.br

REVISORES DESTE VOLUME:

Dra. Paulina Maria Maia Barbosa – Universidade Federal de Minas


Gerais, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Biologia Geral,
Laboratório de Ecologia do Zooplâncton, E-mail: maia@icb.ufmg.br

Dra. Suzana Sendacz – Instituto de Pesca, Secretaria de Agricultura e


Abastecimento do Estado de São Paulo, E-mail: sendacz@pesca.sp.gov.br

INFORMÁTICA:

Andresson Salmeiro – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto


de Biologia, Departamento de Ecologia, Laboratório de Limnologia

Endereço para Correspondência: LIMNOtemas Laboratório de Limnologia,


Bloco A, Sub-solo, Sala 011, Ilha do Fundão, Caixa Postal: 68020, CEP:
21941-590, Rio de Janeiro – RJ

A CAPA: Morfologia da pata I dos Anomopoda. – Daphnia gessneri (Daphnidae) –


Desenho da autora.

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página da SBL.

ISSN 1806-7115

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3
As patas dos cladóceros: descrição e importância
taxonômica

Elmoor-Loureiro, L. M. A.

Laboratório de Zoologia, Universidade


Católica de Brasília, QS 7 lote 1, Bloco M sala
331, 71966–700, Taguatinga, DF, Brasil;
lourdes@ucb.br

Resumo

A crescente utilização de caracteres das patas na sistemática de cladóceros tem sido


um desafio para os limnólogos em sua tarefa de identificar as espécies encontradas em
suas amostras. O presente trabalho apresenta descrição e figuras das patas de cladóceros
das ordens Ctenopoda e Anomopoda, visando oferecer um texto introdutório aos caracteres
de importância taxonômica.

Abstract

The increasing use of aspects of the trunk limbs in the taxonomy of Cladocera has
been challenging for the limnologists in identifying the specimens occurring in their samples.
The present paper describes and figures the trunk limbs of the cladocerans belonging to the
orders Ctenopoda and Anomopoda, offering an introductory text for the characters of
taxonomical importance.

1. Introdução

Durante muito tempo, a taxonomia dos cladóceros esteve baseada em caracteres


como a carapaça, as antenas ou pós-abdome, que podem ser considerados de observação
relativamente fácil, já que não requerem a dissecção dos animais. Há cerca de 40 anos,
Frey (1959, 1962) introduziu o uso dos poros cefálicos na caracterização das espécies de
Chydoridae, que hoje são usados também na identificação dos Bosminidae (Lieder, 1983).
Estes poros são homólogos ao órgão nucal de outros branquiópodos (Olesen 1996), que

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ainda está presente em vários cladóceros, como os Macrothricidae, Ilyocryptidae e alguns
Daphniidae (Dumont & Negrea, 2002).

O uso de poros cefálicos na identificação de cladóceros representou um desafio aos


limnólogos, mas não tanto como as patas destes animais. Embora elas já fossem descritas
há muito (por exemplo, Sars, 1900), foram os trabalhos de Smirnov na década de 1960 que
introduziram definitivamente caracteres das patas na taxonomia dos cladóceros.
Inicialmente, estes caracteres serviram para diferenciar as subfamílias de Chydoridae
(Smirnov, 1966) mas, desde então, vem sendo cada vez mais usados.

Recentemente, várias espécies neotropicais têm sido diferenciadas de espécies


semelhantes que habitam em outros continentes, sendo, para isso, de fundamental
importância os caracteres das patas (Sinev, 1998, 2001a, 2001b; Silva-Briano et al., 1999;
Hudec, 2000; Dumont & Silva-Briano, 2000; Kotov et al., 2002; Sinev & Hollwedel, 2002;
Dumont et al, 2002). As patas têm sido, também, importantes caracteres para proposição de
novos grupos e sistema de classificação (Dumont & Silva-Briano, 1998; Dumont & Negrea,
2002), bem como na compreensão da filogenia dos cladóceros (Elmoor-Loureiro, 2004).

Este uso crescente das patas na sistemática dos cladóceros está exigindo dos
limnólogos, na busca de identificações corretas de seus exemplares, um domínio cada vez
maior da morfologia destes animais. Descrições e figuras de excelente qualidade são
encontradas em Alonso (1996), mas, infelizmente, esta não é uma publicação de fácil
acesso. Então, a proposta do presente trabalho é oferecer uma introdução à morfologia das
patas de cladóceros das ordens Ctenopoda e Anomopoda, que são os grupos encontrados
em ambientes límnicos.

1.1. Classificação

Antes de iniciar a descrição das patas, convém esclarecer algo sobre o sistema de
classificação aqui adotado, que difere daquele disseminado em publicações brasileiras,
inclusive em publicações anteriores da autora (cf. Elmoor-Loureiro, 1997).

A proposição de Fryer (1987) de que os cladóceros não formassem um grupo


monofilético (e, portanto, Cladocera deixaria de ter significado taxonômico) não tem se
sustentado em análises filogenéticas (Negrea et al., 1999; Olesen, 2000). Em Negrea et al.
(1999), Onychopoda, Ctenopoda e Anomopoda formam um grupo monofilético, o qual é
denominado de Superordem Cladocera. Esta posição é reiterada em Dumont & Negrea
(2002), cuja classificação, com poucas modificações, é aqui adotada (Quadro I).

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Quadro I: Classificação de Cladocera adotada no presente trabalho, que segue Dumont &
Negrea (2002), exceto quanto ao status de família para Moinidae e a inclusão de
Dumontidae.

Subfilo Crustacea: Classe Branchiopoda


Superordem Cladocera Milne-Edwards, 1940 (sensu Negrea et al., 1999)
Ordem Ctenopoda Sars, 1865
Família Sididae Baird, 1850 (emend. Sars, 1865)
Família Holopedidae Sars, 1865
Ordem Anomopoda Sars, 1865
Família Dumontidae Santos-Flores & Dodson, 2003
Família Daphniidae Straus, 1820
Família Moinidae Goulden, 1968
Família Ilyocryptidae Smirnov, 1992
Família Bosminidae Baird, 1846
Subordem Radopoda Dumont & Silva-Briano, 1998
Superfamília Macrothricoidea Dumont & Silva-Briano, 1998
Família Neothricidae Dumont & Silva-Briano, 1998
Família Acantholeberidae Smirnov, 1976
Família Ophryoxidae Smirnov, 1976
Família Macrothricidae Norman & Brady, 1867
Superfamília Eurycercoidea Dumont & Silva-Briano, 1998
Família Eurycercidae Kurz, 1875
Família Sayciidae Frey, 1967
Família Chydoridae Dybowski & Grochowsky, 1894
Ordem Onychopoda Sars, 1865
Família Polyphemidae Baird, 1845
Família Podonidae Mordukai-Boltovskoi, 1968
Família Cercopagidae Mordukai-Boltovskoi, 1968

Descrição das patas

Os cladóceros das ordens Ctenopoda e Anomopoda têm 5 ou 6 pares de


patas, primariamente do tipo foliáceo, como em outros branquiópodos (Dumont & Negrea,
2002). No entanto, o aspecto foliáceo pode estar bastante modificado em alguns
anomópodos. Uma pata foliácea genérica dos branquiópodos é birreme, com uma parte
basal (protopodito) com lobos (enditos), e dois ramos de morfologia variável, o interno
(endopodito) e o externo (exopodito). O protopodito pode conter ainda um lobo não
articulado, o endito, funcionalmente respiratório. Nos cladóceros, se perdeu o endopodito e,
portanto, o aspecto birreme. A terminologia usada, a seguir, para descrição das patas segue
Dumont & Negrea (2002).
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As patas dos CTENOPODA são todas semelhantes, decrescentes em tamanho no
sentido posterior, e do tipo foliáceo, ainda que lhes falte o endopodito. Uma pata típica
(Figura 1A) tem um endito laminar com 4 lobos (e1-4), com setas plumosas em toda a sua
extensão. Na base do endito, encontra-se a gnatobase (às vezes considerada o endito 1, o
que eleva o número total de enditos para 5); esta apresenta duas setas internas e uma série
externa de 20-25 setas plumosas em leque, formando o filtro ou pente gnatobásico (filter
comb - FC). O exopodito é grande e flabeliforme, com 6-11 setas plumosas. Um epipodito
ovalado acha-se na base do exopodito. No primeiro par de patas existe um par de setas não
plumosas (snp) na porção mais distal do endito 1 (Figura 1B). Este par de setas pode ser
homólogo aos os ganchos ejetores típicos dos Anomopoda (Figura 2B), mas isso ainda
deve ser objeto de investigação. O sexto par de patas é menor do que os demais (o que
implica num menor número de setas).

Os ANOMOPODA possuem 5 ou 6 pares de patas. Uma das características mais


diagnósticas dessa ordem, inclusive a que dá o nome à ordem, é a perda da similaridade
serial das patas. Isto significa que, ao invés de terem todas as patas filtradoras e
semelhantes (como nos Ctenopoda), cada par de patas apresenta-se modificado e com
funções variadas.

A pata I (Figura 2) não tem função filtradora, mas apresenta funções diversas. Na
Subordem Radopoda (Macrothricoidea e Eurycercoidea) pode servir na captura das
partículas alimentares ou na locomoção sobre o substrato (Fryer, 1968 e 1974). Nos
Daphniidae e Moinidae, apresenta setas especializadas na manipulação dos alimentos e
para impedir a entrada de partículas grandes no sulco alimentar (Hartmann & Kunkel, 1991).
Um caracter distintivo da pata I dos anomópodos é a presença de um par de setas
modificadas, os ganchos ejetores (ge), cuja função parece estar relacionada à limpeza das
maxilas. A gnatobase é reduzida, com 1-3 setas, ou ausente nos Daphniidae e Moinidae e
alguns Chydoridae. Em todas as famílias, observa-se uma tendência à fusão dos enditos,
de modo que estes podem estar mais ou menos (Figura 2A, representando os Daphniidae e
Moinidae), pouco (Figura 2D – Radopoda) ou nada (Figura 2B-C – Ilyocryptidae e
Bosminidae) diferenciados. Existem dúvidas quanto à homologia entre os lobos da pata I
nos diferentes anomópodos (cf. Dumont & Negrea, 2002; Olesen, 2003), sendo aqui
apresentada a visão mais corrente. Esta interpretação encontra suporte na posição dos
ganchos copulatórios presentes nos machos (Elmoor-Loureiro, em publicação). O endito 4,
à exceção dos Bosminidae e Ilyocryptidae, é bem separado dos demais e é designado, nos
Radopoda, como IDL (inner distal lobe). O exopodito é pequeno e usualmente chamado de
ODL (outer distal lobe), apresentando uma ou duas setas, mas acha-se ausente nos
Moinidae. Nas várias famílias, pode estar presente uma seta acessória (sa) na face anterior

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da pata, que pode ser remanescente do exopodito. O epipodito é variável, podendo ser
pequeno e globular ou apresentar uma expansão digitiforme (Figura 2D).

A pata II (Figura 3) apresenta-se bastante diversificada nas várias famílias de


Anomopoda, tanto em estrutura como em função. Nos Moinidae e Daphniidae (Figura 3A),
as setas mais distais previnem a entrada de partículas grandes, enquanto que as da
gnatobase têm função de varrer as setas do filtro gnatobásico da pata III, garantindo que as
partículas filtradas sejam carreadas para o sulco alimentar (Fryer, 1991; Hartmann & Kunkel,
1991). A gnatobase se manteve com a forma de leque e com as setas direcionadas para o
mesmo lado das setas dos enditos, como ocorre nos Ctenopoda (Figura 1A). Os enditos são
individualizados, contendo poucas setas. Nas demais famílias (Figura 3B-D), a gnatobase
acha-se mais ou menos fundida com o endito e o filtro gnatobásico perdeu a forma de leque
e suas setas estão direcionadas em direção oposta às dos enditos; as setas internas da
gnatobase estão muito reduzidas e modificadas (chamadas de elements por Dumont &
Silva-Briano, 1998). Os enditos não se encontram individualizados. Nos Ilyocryptidae
(Figura 3B), todas as setas dos enditos são plumosas, mas nos Bosminidae e Radopoda
(Figura 3C-D) uma ou todas as setas podem estar modificadas para raspagem dos
alimentos (chamadas scrapers). A presença de uma seta raspadora nos bosminidae parece
indicar sua afinidade com os Radopoda (que têm 7-9, geralmente 8 scrapers) e sua origem
bentônica. As setas internas do endito podem estar presentes (p.ex., em Eurycercidae),
ausentes (Ilyocryptidae e Chydoridae) ou modificadas em estruturas sensoriais (em alguns
Macrothricidae). Para todas as famílias, o exopodito é pequeno, apresentando 0-3 setas.

As patas III e IV de Daphniidae e Moinidae devem ser tratadas em conjunto, pois


têm semelhante forma e função (Figuras 4A e 5A). Neste grupo, estas patas são as
estruturas de filtração, por excelência. Elas mantiveram a forma laminar, mas acham-se
bastante modificadas em comparação com os Ctenopoda. A gnatobase acha-se bastante
ampliada, especialmente em comparação com os enditos, que foram parcialmente perdidos.
O número de setas do pente gnatobásico pode ser comparável com aquele observado nos
Ctenopoda (em torno de 20-25), mas também pode ser menor (p.ex., 11-22 em
Scapholeberis armata freyi) ou maior (p.ex., em torno de 55 em Daphnia gessneri). Na pata
III se percebem, ainda que com dificuldade, 3 enditos (Figura 4A). Já na pata IV, os enditos
estão fundidos (Figura 5A). Os exopoditos são grandes e arredondados, com 6 setas
plumosas (nos Daphniidae, a segunda tem as sétulas reduzidas).

A pata III, nos demais grupos, apresenta a gnatobase fundida, parcial ou totalmente,
aos enditos (Figuras 4B-D), com pente gnatobásico em oposição às setas do endito,
semelhante ao observado na pata II. Sua função pode ser filtradora ou não (Fryer, 1968 e
1974). Nos Bosminidae (Figura 4C), os enditos não estão individualizados e o exopodito é
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pequeno. Nos Ilyocryptidae (Figura 4B), também o exopodito é pequeno, mas percebem-se
dois lobos no endito, um interno e outro externo. Estes dois lobos também são observados
nos Radopoda (Figura 4D), sendo que a seta mais distal do lobo externo pode estar
modificada em espinho ou scraper (p.ex., Macrothrix e Alona). O exopodito é grande e
arredondado nos Chydoridae (Figura 4D), mas pequeno e mais ou menos retangular nos
Macrothricidae.

A pata IV dos Ilyocryptidae, Bosminidae e Radopoda tem a gnatobase fundida ao


endito, com aspecto semelhante ao das patas II e III (Figura 5B-D), embora o pente
gnatobásico possa estar ausente em alguns Macrothricidae (p.ex., Macrothrix – Figura 5E).
Tal como a pata III, pode ter ou não função filtradora (Fryer, 1968 e 1974). Os lobos do
endito acham-se totalmente fundidos, dando um aspecto de bloco compacto à pata. Em
conseqüência, uma face anterior pode ser distinta e delimitada pelas séries de setas da
borda interna (ssi) e externa (sse). Nos Ilyocryptidae (Figura 5B), o afastamento das duas
séries de setas é maior e as setas dispostas, juntamente com as do filtro gnatobásico,
como uma cesta filtradora (CF). Nos bosminídeos, algumas das setas da borda externa,
estão modificadas como um pente filtrador, especialmente a mais distal (Figura 5C). Nos
Radopoda, as setas da borda externa estão reduzidas, tendo aspecto de tochas ou setas
em flama (sf, flaming-torch setae – Figura 5E-H). O exopodito, em todos os grupos, é
grande e arredondado.

A pata V (Figura 6) sofreu redução e fusão em todos os grupos. Nos Daphniidae e


Moinidae, tem a função de fechar posteriormente a câmara de filtração formada pelas patas
e, ao abrir, promover o fluxo de água pelas demais patas (Fryer, 1991). Apresenta um
grande epipodito, mas endito e exopodito reduzidos com uma ou duas setas (Figura 6A).
Nos Ilyocryptidae (Figura 6B), o endito é um lobo piloso sem setas e acha-se fundido à
gnatobase, que tem poucas e pequenas setas além do pente gnatobásico. Os Bosminidae
(Figura 6C) têm pata semelhante, mas sem pente gnatobásico. Em Bosmina (mas não em
Bosminopsis) as setas da gnatobase estão muito reduzidas. Nestas duas famílias, o
exopodito é de moderado a grande. Em Radopoda (Figura 6D-E), é muito variável, mas
sempre o endito acha-se bastante reduzido e fundido à gnatobase. O pente gnatobásico
pode estar presente ou ausente e o exopodito varia de moderadamente grande a
inexistente.

A pata VI acha-se presente apenas em alguns casos, a saber em Ilyocryptus,


Bosmina e gêneros mais basais das diversas linhagens de Radopoda (p.ex. Acantholeberis
dentre os Macrothricoidea e Eurycercus dentre os Eurycercoidea). Não apresenta setas,
sendo apenas um lobo piloso de diferentes formas (Figura 7A e C) ou simplesmente o
glabro epipodito (Figura 7B).
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Técnicas para observação das patas

A observação das patas nem sempre é fácil, já que estão recobertas pela carapaça.
Algumas vezes, quando se deseja apenas observar um detalhe de uma das patas, pode ser
suficiente afastar a carapaça, deslocando um pouco a lamínula. A melhor observação,
contudo, se faz após a dissecção do espécime.

A dissecção se faz sob lupa, sendo mais fácil em um meio viscoso. Uma
possibilidade é colocar o exemplar numa lâmina com algumas gotas de álcool 70%+10% de
glicerina, deixando evaporar por 5-10 minutos (Reid,1999). Outra, que é bastante útil no
caso de preparo de lâminas permanentes, é transferir o espécime para uma lâmina com
uma gota de PVL (Meio de lactofenol polivinil; ver receita em Reid, 1999). Para dissecção,
pode-se usar micro-alfinetes entomológicos montados em cabos de plástico ou madeira, de
ponta reta ou dobrada em “L” (Figura 8B). O primeiro passo é retirar o animal da carapaça, o
que pode ser feito segurando uma das valvas com um alfinete de ponta reta e puxando o
corpo para fora com um outro de ponta dobrada. Muitas vezes a cabeça se separa do
tronco, o que não é problema se o objetivo é a observação das patas. Coloque o animal
sem carapaça deitado sobre o lado dorsal, prenda com um alfinete e, com o alfinete de
ponta dobrada, faça um corte longitudinal, deixando o pós-abdome inteiro em uma das
metades (Figura 8A). Pode-se separar as patas de ambas as metades, mas às vezes pode
ser conveniente manter uma delas inteira, como referência para a posição de cada pata.
Prenda a metade a ser dissecada com um alfinete e com um outro vá separando cada uma
das patas. Uma vez feita a dissecção, cobrir com lamínula.

Uma outra maneira de visualizar as patas é fazer o clareamento ou a retirada dos


tecidos, deixando apenas o exoesqueleto. Um método rápido é a imersão em NaOH a 90-
100ºC. Coloque o exemplar em um tubo tipo eppendorf com 1 ml de NaOH 50 mM; prenda o
tubo em um pequeno pedaço de isopor perfurado e coloque em um béquer com água
fervente por 5-8 minutos (Figura 8C), dependendo do tamanho do animal e da
esclerotização do exoesqueleto. Após este tempo, neutralize com 0,1 ml de HCl (1M). Com
uma pipeta de ponta fina, retire o exemplar, coloque sobre uma lâmina, retire o excesso de
líquido e cubra com o meio desejado, por exemplo glicerina pura, gel de glicerina (glicerina-
gelatina) ou polivinil-lactofenol (PVL). Pode-se cobrir diretamente com lamínula ou, com
alfinetes, separar um pouco as partes do animal, mas com cuidado já que estão bastante
frágeis. Uma outra vantagem deste método é que, como há clareamento e a carapaça se
desarticula com facilidade, os poros cefálicos dos Eurycercoidea ficam bem evidenciados.

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2. REFERÊNCIAS

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Figura 1: Morfologia das patas dos Ctenopoda. A – pata generalizada de Pseudosida; B –
extremidade distal dos enditos da pata I de Pseudosida. e1-4 – endito 1 a 4; EP – epipodito;
EX – exopodito; FC – pente gnatobásico; GN – gnatobase; snp – setas não plumosas.
Sétulas das setas de FC e dos enditos foram omitidas.

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