Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LICENCIATURA EM MÚSICA
Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Biblioteca Anton Dakitsch do IFF com
os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
DIOGO JOSÉ DO NASCIMENTO FERREIRA XAVIER SOARES
Data: 26 / 09 / 2022
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. André Codeço dos Santos
IFF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, Campus Campos-
Guarus
__________________________________________________________
Prof. Me. Fernanda Serafim Agum
IFF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, Campus Campos-
Guarus
____________________________________________________________
Prof. Me. Daniel Daumas Borges
IFF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, Campus Campos-
Guarus
“Eu te louvo porque deves ser temido.
Tudo o que fazes é maravilhoso, e eu sei
disso muito bem. Tu viste quando os
meus ossos estavam sendo feitos, quando
eu estava sendo formado na barriga da
minha mãe, crescendo ali em segredo, tu
me viste antes de eu ter nascido. Os dias
que me deste para viver foram todos
escritos no teu livro quando ainda
nenhum deles existia. ”
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus.
Agradeço a minha família, meus pais Paulo e Miriam, e a meu irmão Mateus
Xavier. Essa família lutou para me manter em curso público, num instituto federal, sem que eu
tivesse falta de nada, me sustentando financeiramente, emocionalmente e espiritualmente,
mesmo a distância que estava deles.
O presente trabalho tem por objetivo propor o uso de técnicas de composição seriais, comuns
ao estilo e a estética dodecafônica, como ferramenta de educação musical para adolescentes
inseridos no 7º ano do Ensino Básico. Para tal, serão expostos os conceitos de serialismo
(BENNETT, 1982), teoria pós-tonal e a notação musical com inteiros (STRAUS, 2013),
estética contemporânea (ADORNO, 1958; 1982) e, por fim, a Abordagem Triangular
(BARBOSA 2015; 2021) a fim de estruturar a proposta. Como metodologia, o presente
trabalho propõe uma revisão bibliográfica será realizada e, a partir da uma abordagem dialética,
será exibida uma contraposição destes distintos vieses, sintetizando-os será uma proposta de
ensino. Tal aplicação será concebida em alinhamento com as técnicas extraídas da análise
Pierrot Lunaire Op. 21 Nr. 07 – Der kraken Mond, de Arnold Schoenberg (1912).
The present work aims to propose the use of serial composition techniques, common to the
twelve-tone style and aesthetics, as a musical education tool for teenagers in the 7th year of
Basic Education. To this end, the concepts of serialism (BENNETT, 1982), post-tonal theory
and musical notation with integers (STRAUS, 2013), contemporary aesthetics (ADORNO,
1958; 1982) and, finally, the Triangular Approach (BARBOSA, 2015; 2021) will be exposed
in order to structure the formal proposal. As a methodology, the present work proposes a
bibliographic review and, from a dialectical approach, a contrast of these different biases will
be displayed, synthesizing them into a teaching proposal. Such an application will be designed
in alignment with the techniques extracted from the analysis of Pierrot Lunaire Op. 21 No. 07
– Der Kraken Mond, by Arnold Schoenberg (1912).
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
2 FUNDAMENTOS E CONCEITOS ................................................................................. 18
1 INTRODUÇÃO
1
Elitista, nesse caso, segunda a concepção de Bizzocchi (1999). Segundo o autor, a cultura erudita está associada
às representações ideológicas e artísticas de uma parcela minoritária da sociedade de classes: as elites. E é essa
parcela mínima da sociedade que estabelece e impõe as diversas regras do jogo. O presente trabalho não pretende
se lançar numa investigação social-política-histórica a respeito da relação entre música de concerto e música
popular. No entanto, o presente trabalho se apropria desta condição claramente observável na sociedade, no que
diz respeito a música erudita, conforme apontada por Bizzocchi (1999).
14
2
Émile Henri Jacques, mais conhecido pelo nome artístico Jaques-Dalcroze foi compositor, pianista, regente,
músico e arte-educador. Possue mais de 2000 composições e contribuiu para pedagogia musical, principalmente
no que diz respeito as experiências com o ritmo. Suas principais obras: La Rythmique I e II (1916 e 1917); Souver,
Notes et Critiques (1942); Le Rythme, la Musique et L’Éducation (1920).
3
Heitor Vila-Lobos, compositor, maestro e pianista brasileiro. Contribui com o fomento e construção do canto
orfeônico no Brasil. Entre suas maiores obras encontra-se Bachianas Brasileiras (1932 – 1945) e Uirapurú (1917).
4
Alemão erradicado no Brasil, Koellreutter foi compositor, professor e musicólogo. Contribuiu para a criação da
Orquestra Sinfónica no Brasil em 1940 e fundador do Grupo Música Viva.
5
O Grupo Música Viva ou Movimento Música Viva, 1939 a 1948, iniciado no Rio de Janeiro contou com o
Maestro Koellreuter e compositores como Luiz Heitor (na primeira fase, voltado ao nacionalismo musical) e
Guerra Peixe (na segunda fase do grupo, composto por alunos de Koellreuter, com aspectos mais contemporâneos,
mais atonais que a primeira fase). O Movimento publicou partituras, organizou concertos e possuia o Boletim
Música Viva, para publicar suas proposições a música no Brasil.
6
Zoltán Kodály (1882 – 1967), idealizador do Método Kodály (1940) que enfatizava a utilização da voz e do
repertótio folclórico para musicalização das crianças até ampliar seus repertórios (apesa de ter seu nome, seu
método foi escrito por seus alunos); Edgar Willems (1890 – 1978), o desenvolvimento musical e emocaional
através da escuta, uma das principais obras: La Valeur Humaine de L’Education Musicale (1975); Carl Orff (1895
– 1982) compositor da obra Carmina Burana (1936) contribuiu para a educação com seu método baseado na
instrumnetação percussiva e a voz, a conhecido “bandinha Orff” na musicalização infantil.
7
Falecido em 2021, com 88 anos, Schaffer foi compositor, educador, libretista, escritor e pedagogo. Na educação
musical contribuiu com os conceitos da paisagem sonora e ecologia sonora. Entre suas obras destaca-se O Ouvido
Pensante (1991) e A Afinação do Mundo (1899), também compôs músicas como: Dance of the Night Insects
(2000), composta para harpa, e um estilo experimental.
15
a teoria, no “eu sinto, antes de eu sei” como idealiza Dalcroze (JAQUES-DALCROZE, 1917.
p. viii).
Nesse sentido, o presente trabalho se fundamenta em conceitos da educação
musical que foram desenvolvidos por arte educadores a partir da escuta, da contextualização
do que se escuta e da criação musical derivada destes dois pontos de partida. Estes conceitos e
metodologias específicas serão apresentados no intuito de fundamentar as práticas pedagógicas
de ensino musical sugeridas.
Vale ressaltar que não é intencionado ser um projeto inédito, mas um projeto que
se baseia na exploração do repertório da música contemporânea, que oportunize ao aluno
reflexões sobre as práticas musicais do dia a dia, que se preocupa em evidenciar que a vivência
musical não está somente numa prática esteticamente rígida (e, especialmente, distante das
realidades escolares brasileiras). Esta preocupação com uma formação musical contemporânea,
autônoma e ativa (ZAGONEL, 1999) está presente, sobretudo, nas abordagens supracitadas.
Alinhado a esta visão, está a abordagem do filósofo, musicólogo, sociólogo e
compositor alemão, Theodore Adorno (1903-1969). Em seu livro Filosofia da Nova Música
(1958), o autor faz uma análise do início do século XX apontando para antonímias e
similaridades nas estéticas composicionais de Schoenberg e Stravinski, apontando para a
ruptura atonal de Schoenberg e a reconciliação moderna de Stravinski.
Adorno constrói uma filosofia estética acerca da música contemporânea
juntamente com Max Horkheimer, e juntos escrevem Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos (1985), que aborda a mistificação das massas, as funções e relações da arte ao
mercado e outros conceitos. O pensamento adorniano aborda uma visão social e estética
filosófica acerca da música contemporânea, esclarecendo e reforçando algumas posições
sociopolíticas presentes neste trabalho.
No que diz respeito a metodologia de análise do serialismo e dodecafonismo, o
trabalho se apoio no picth class, técnica de composição sugerida por Strauss, a fim de analisar
através de relações numéricas e intervalares as possibilidades e sonoridades das seções
musicais.
Ainda sobre a questão metodológica, o presente trabalho se apoiará na Abordagem
Triangular, apresentada por Ana Mae Barbosa. Em suma, a Abordagem Triangular é uma
metodologia de ensino da arte visual, composta por três pilares: ver, contextualizar e fazer. É
uma abordagem flexível, que se modifica ao contexto e enfatiza o mesmo (BARBOSA, 2021).
16
Como se trata de uma metodologia flexível, é possível ampliar a mesma como viés
de aplicação da presente proposta metodológica musical. Para isso, é necessário adaptar os
conceitos e até mesmo renomear alguns (sem perder o valor original da proposta de Babosa),
para que haja sentido e coerência com a linguagem de aplicação. Ana Mae também contribui
com as discussões estético-filosóficas e sóciopolíticas apresentadas no presente trabalho
quando afirma que, em sua gestão no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São
Paulo, pôs em diálogo os códigos elitistas, europeus e brancos com a cultura visual do povo
brasileiro e de outros países, apontando para possibilidades artísticas não hegemônicas 8 e
elitistas.
No que diz respeito a metodologia, o presente trabalho realizará uma breve revisão
bibliográfica e, a partir da contraposição de distintos vieses, será elencada uma proposta de
ensino. Para tal, serão explicitadas as abordagens de Adorno (1958; 1985), Straus (2013) e
Barbosa (2021). Nesse sentido, a proposta metodológica dialética será utilizada no presente
trabalho. Em relação a proposta dialética, Codeço (2019) diz que
8
O conceito de hegemonia, segundo Gramsci (1978), diz respeito a um grupo social que está em situação de
subordinação a outro e absorve mecanicamente e acriticamente as concepções de mundo do grupo dominante,
mesmo que alguns conceitos estejam em dissonância com a concepções prática do grupo subordinado.
17
será desenvolvida uma breve linha do tempo evidenciando a ruptura do sistema tonal,
alcançada nas duas primeiras décadas do século XX, a partir da proposta dodecafônica e
serialista de Arnold Schoenberg. Serão elencadas as principais características musicais e
estéticas destas duas tendências.
Ainda na mesma seção será apresentada uma perspectiva social dos acontecimentos
acerca da ruptura estética propiciada pela música contemporânea. Tal apresentação será
apoiada na abordagem estético-social da nova música de Theodore Adorno (1982). Para
embasar e exemplificar as práticas composicionais e a estética da música shoenberguiana, será
apresentada uma breve análise de Pierrot Lunaire Op. 21 Nr. 07 – Der kraken Mond, realizada
pelo presente autor a partir dos pressupostos da teoria de pós-tonal (STRAUS, 2013).
Na seção 3 - Possíveis Aplicações, será apresentado o conceito de Abordagem
Triangular, situando-a no escopo do presente trabalho. Serão exibidos e pormenorizados os três
vértices da Abordagem Triangular, conectando-os às práticas de educação pretendidas pelo
presente trabalho. Posterior a isso, aplicar-se-ão possibilidades da Abordagem Triangular
atrelada aos propósitos da presente pesquisa. Tais aplicações serão concebidas em alinhamento
com as técnicas extraídas da análise Pierrot Lunaire Op. 21 Nr. 07 – Der kraken Mond de
Schoenberg. A, aplicações consistem na escuta e na contextualização da referida obra. Porém,
para a criação, será exibida de forma clara e objetiva duas matrizes seriais, correspondentes
aos primeiros compassos da parte da flauta e da parte do soprano e, a partir daí o ato criativo
será provocado no aluno. Neste ponto reside a síntese levantada pelo presente trabalho como
ferramenta pedagógica. A simplicidade do manuseio e da percepção do método serial aliada à
perspectiva histórica da proposta de Schoenberg, pavimentam e suportam a presente proposta.
Por fim serão apresentadas as conclusões oriundas das reflexões aqui efetuadas. As
conclusões serão apresentadas, sobretudo, na perspectiva de uma realização futura, uma vez
que o encontro entre demandas tão complexas e suas necessárias análises mais profundas se
darão no constante exame natural da pesquisa científica. Em outras palavras, por não pretender
encerrar o assunto, a presente pesquisa, consequentemente, apresentará conclusões em caráter
de desenvolvimento futuro.
18
2 FUNDAMENTOS E CONCEITOS
Na idade média, a música tinha uma função indispensável nos ritos religiosos e de
excelência obrigatória não cabendo erros nas execuções. Para tanto, as músicas eram ensinadas
e precisavam ser registradas de alguma forma. O contexto social em que a música se encontrava
gerava uma necessidade de registro, sendo assim, a evolução da notação musical do ocidente é
inicializada pelos esforços eclesiásticos para registrar de forma prática como deveria ser
executada a música em momentos ritualísticos. (RAYNOR, 1978)
É protagonista nesta era a música modal no contexto eclesiástico, o que não exclui
qualquer outro tipo de manifestação fora dela. Em meados do Século IX, tem-se como registro
mais antigo o cantochão, música religiosa com textura monofônica que não tinha
acompanhamento. Consistia em uma melodia estritamente vocal com movimentos suaves de
intervalos de um tom, quase sempre uma oitava, com ritmos irregulares9 de acordo com as
acentuações das palavras da língua latina. Havia cantos antifônicos, ou seja, com alternância
dos coros e outros responsórios onde um ou mais solistas eram respondidos pelo coro
(BENNETT, 1982).
Bennett (1982), relata que na música antiga (mais precisamente a que vai até o
século XII), as escalas modais foram empregadas como um sistema especial. Exemplifica que,
se começarmos uma escala pela nota ré, ignorando as teclas pretas, e terminando em ré, temos
uma escala modal denominada dório. O autor também fala das variações dos modos entre
autêntica como o modo dório (de ré a ré) e a plagal, que consiste no mesmo modo e mesmo
final, porém com a série iniciada uma quarta abaixo, acrescentando no prefixo “hipo”.
Ainda na idade média, no século IX, pode-se identificar as primeiras
documentações de polifônias, as chamadas organa (no plural) e organum (no singular). Tais
composições possuíam diferentes estilos. Havia o organum paralelo, livre e melismático. Os
compositores buscaram acrescentar nas composições, de forma experimental, uma ou mais
linhas de vozes, com o objetivo de acrescentar beleza e refinamento as músicas (BENNETT,
1982).
Os organa tiveram prosseguimento e chegaram a um alto nível de elaboração em
Notre-Dame, na França, no Século XII (alguns anos após os primeiros organa), onde há
destaque de dois compositores: Léonin (1135-1201), primeiro mestre do coro da catedral de
Notre-Dame e Pérotin (1160-1230) que foi o seu sucessor. Nas obras de Léonin é possível
observar que, após a escolha da música apropriada para a missa, a voz indicada como tenor
9
Irregularidade rítmica do ponto de vista do sistema temporal tradicional estabelecido a partir do Século XVII.
No século IX, a notação musical utilizada não se baseava em relações finas de proporcionalidade, como é desde
o Século XVII.
20
seria a voz que tinha uma ou duas notas em cada sílaba da palavra tema, com valores de
sustentação longos, para, possivelmente, inserirem instrumentos como orgão e sinos para
auxiliar ou até substituir o cantor. Acima do tenor, o compositor escrevia um duplum (uma voz
solo, como segunda parte da música), com notações mais ligeiras, fazendo referência a um
organum melismático. O diferencial era a precisão rítmica que a voz tinha em relação as
primeiras composições melismáticas (BENNETT, 1982).
Pérotin, por sua vez, acrescentava em sua estilística composicional três ou até
quatro vozes, ampliando as possibilidades polifônicas, revelando novas possibilidades
musicais para a época e dando forma aos primeiros traços de uma vindoura polifonia através
de seus organum melismático.
A transição da Idade Média para o Renascimento acontece por volta de 1450. O
cenário ainda é de dominação política, social e cultural (no que diz respeito a maior parte da
arte documentada) pela Igreja Católica. O Século XVI é marcado por um avanço das
expedições náuticas, na ciência e na astronomia na Europa Ocidental tem. Há um grande
interesse na cultura e um retorno à sabedoria e ideias greco-romanas (BENNETT, 1982)
Há um olhar mais antropocêntrico e sobre isso escreve Bennett:
no tenor, (hoje camadas de baixo); ou ainda a exploração de notas não pertencentes aos modos,
sinalizando acidentes e movimentos melódicos distintos do convencional. Junto a isso, os
compositores passaram a usar canções populares e a inseri-las na construção as missas e
motetos.
A compreensão composicional sofreu grande influência de compositores que
vinham dos Países Baixos, que se mudavam e estabeleciam-se em outros países europeus (na
maioria dos casos na Itália, onde estes ocuparam lugares proeminentes e exerceram influência
sobre os músicos da época). Outro nome importante desse momento, foi o compositor francês,
Josquim des Près. Logo no início do Renascimento, suas composições tinham movimentos
harmônicos profundamente emocionantes e comoventes, levando encontra o som das palavras
e o enredo da história nas missas ou motetos. Ele foi considerado príncipe dos compositores
(BENNETT,1982). Essa liberdade compositiva focada no estado de espírito humano, é
possibilitada pela inserção de textos que se poderiam dar forma a tal abstração. O trabalho de
des Près se destaca por partir do sentido do texto para as configurações texturais e formais da
obra. Por essa via, estão ocorrendo as grandes mudanças texturais do Renascimento [musical].
Na Itália, na segunda metade do século XVI, a polifonia coral atinge o auge e tem
como compositor principal deste momento: Giovanni Pierluigi da Palestrina 10. Dentre as
inúmeras obras do compositor italiano, destaca-se Agnus Dei, que é parte de uma missa em
memória do Papa Marcelo II. Esta peça foi escrita para 6 vozes, totalmente original sem
referências de outros trabalhos, com movimentos suaves, fluentes e contínuos (BENNETT,
1982).
No Renascimento ficou clara a divisão entre música sacra (sagrada) e a música
profana. Podemos concluir isso pela tendência antropocêntrica da sociedade, que aos poucos
ia percebendo as possibilidades da arte fora do ambiente religioso, e com referências voltados
ao homem e suas expressões11. Nesse pano de fundo, em relação as músicas profanas, os
compositores criavam madrigais12 cantados nas casas.
Dentre os distintos tipos de madrigais, destaca-se o madrigal ballett. Com
característica estrófica, dançante e ritmo acentuado e textura com acordes, o ballett também
10
O compositor italiano ficou conhecido como Palestrina, pois esta é o nome de sua cidade natal. Nomear uma
figura pública por seu local de nascimento, foi costume de diversas sociedades.
11
Esta tomada de direção filosófica e social não é unilateral em sua observação. Na verdade, o Humanismo era
presente em todas as manifestações humanas fora do ambiente religioso. O distanciamento da Teologia Apostólica
Romana e a aproximação da virtude humana é a característica principal deste momento histórico. Daí a prática
musical, acompanhando a tendência europeia, se ocupa em dar lugar a essa voz centrada na figura humana.
12
Composições que em geral possuíam um solista para cada voz. Foram concebidos três tipos: tradicional, ballett,
ayre (BENNETT, 1982).
22
era acompanhado por instrumentos. Bennett (1982) destaca em seu livro o ballett de Thomas
Morley13 (1557-1602) Now is the month of Maying, com as repetições “fa, la, la” (não notas,
mas vocalizes). Esses madrigais se diferenciavam do que se propunha na música sacra, se
destacando dos demais pela leveza e temas dançantes. Contudo, a estrutura dos versos
repetindo a melodia, de certa maneira lembravam hinos sacros.
Os instrumentos musicais tomaram um lugar diferente do que vinha sendo feito na
Idade Média. Para além de acompanharem vozes, passaram a ter peças inteiras compostas para
grupos de instrumentos. Era o caso dos concertos chamados de whole consorts14 e broken
consorts15, que se referiam aos tipos de instrumentos utilizados nas composições.
O período do Renascimento foi um período de muitas mudanças em relação a visão
da função da música, em um contraponto as filosofias defendidas pela Igreja na Idade Média.
Essas ebulições de ideias e mudanças históricas no Renascimento deram início ao período
conhecido como Barroco.
O período Barroco (período compreendido entre os Séculos XVI e XVII), tem
grande valor histórico e musical. É nesse período que o modalismo deixam [de vez] de ser
utilizado e os compositores passam, como diz Bennett, a “sustenizar e bemolizar as notas”
(1982, p. 23). Esses efeitos de acidentes nas notas se tornaram comuns e assim o advento de
um novo sistema era possível. É no século XVII que, em uma perspectiva europeia, temos um
sistema que domina nossa cultural musical até hoje (RAYNOR, 1978).
É também neste século que as cordas tomam um espaço de peso nas orquestras,
mesmo sem uma definição objetiva dos demais instrumentos. Surgem formas e configurações
novas como óperas, oratórios, fugas, suítes, sonatas e até a definição de concerto. É este cenário
de evolução musical que dá abertura para dos grandes nomes do Barroco tardio: a alemão
Johann Sebastian (1685-1750) e o inglês Georg Friedrich Händel16.
As mudanças estilísticas se concretizavam em resposta a visível necessidade de
deixar a letra das obras mais compreensível. Por isso, construíram uma forma composicional
13
Compositor inglês do final do Renascimento que incorpora em suas obras a relação entre texto e música, com
a predominância do sentido do texto alcançando grade liberdade e inovação do ponto de vista fraseológico.
14
Concertos com uma mesma família de instrumentos na Era do Renascimento. (BENNEETT,1982)
15
Concertos com famílias mistas de instrumentos, sem preocupação com a uniformidade dos sons. (BENNETT,
1982)
16
Cabe dizer que, com o advento da Reforma Protestante, diferentes estéticas começam a surgir dentro da música
barroca. Há, pelo menos, três grandes pólos de criação musical: a Itália, na qual se destaca o compositor Vivaldi,
que se mantinha às tradições católicas romanas; o Império Austro-húngaro (hoje Alemanha) que abraça o
protestantismo (pelo luteranismo); e a Inglaterra, que esboça suas ligações com a Igreja Anglicana. Havia
distinções factuais entre a música produzida nesses lugares com relação a finalidade das mesmas e suas estruturas
musicais. No entanto, a máxima barroca de retorno ao teocentrismo, da rejeição da extravagância e da predileção
pela alta qualidade, é visível tanto em Bach, como em Vivaldi e em Händel.
23
com uma melodia simples que guiava toda a música. Uma única voz, acompanhada por um
instrumento grave, ou um cello, que ia do início ao fim da música, chamado de baixo contínuo.
Um outro instrumento, como o órgão, preenchia a harmonia, de forma livre, o que deixava a
música a mercê do talento do músico. No entanto, o compositor cifrava o baixo com números,
que indicavam acordes e inversões, sendo chamado de baixo cifrado.
É no Barroco que podemos encontrar as primeiras fugas, e a evolução do sistema
tonal e precisam das notas com a criação do cravo, e mais tarde com 48 prelúdios e fugas Bach
escreve o conhecido O cravo bem temperado. Composição que marca a padronização do
sistema tonal (RAYNOR, 1978).
Há grandes evoluções na música sacra, devido a reforma protestante de 1517. A
Reforma permitiu que os compositores, como Bach, fossem mais livres e dessem um
interpretação e visão pessoal acerca dos contos e ensinamentos bíblicos, sendo a voz da igreja
protestante, musicalmente, mais plural em relação as composições sacras anteriores a reforma
(RAYNOR, 1978).
As mudanças sociais, e as cosmovisões distintas modificaram o entendimento da
função, forma e motivos dos acontecimentos musicais. Com base nos fatos históricos, pode-se
dizer que nenhum movimento artístico, sobre tudo musical, desassociou-se dos momentos e
mudanças sociais ao longo da história.
As composições instrumentais tomaram mais espaço no Barroco, sendo
historicamente, a primeira vez que músicas instrumentais têm tanta importância quanto
músicas vocais. Assim somam-se as formas instrumentais renascentistas novas concepções e
formas como fuga, suíte, concerto, sonata e preludio coral.
As fugas, por exemplo, eram peças altamente contrapontísticas que consideravam
4 vozes (soprano, alto, tenor e baixo), independente se eram vozes ou instrumentos, em alto
grau de independência. É essa estrutura no barroco tardio que é revelada em O Cravo Bem
Temperado, de Bach.
Destaca-se também a estrutura das suítes, que são ampliações de ligações que
aconteceriam em algumas danças compostas no renascimento. Uma suíte consistia de um grupo
de peças para um ou mais instrumentos, muito comum ser escrito para cravos. Suas peças
variavam de compassos como 4/4, 6/4 ou 3/2, 3/4 ou 3/8 e terminavam com tempos compostos.
24
Apesar dos múltiplos compassos em suas estruturas, as suítes guardavam a mesma tonalidade,
alguns sugeriam até rondós17 nas suas composições.
Junto as evoluções do barroco, o Classicismo (Séculos XVIII-XIX) foi tomando
forma. Bennett (1982) explana de maneira epistemológica o significado de “Clássico”,
trazendo o sentido de cidadão da alta classe. Esta abordagem revela como era o ambiente da
música europeia daquele tempo. Também descortina os dois significados de clássico (para a
prática musical): em primeiro lugar, a música clássica é toda a música separada da música
popular 18; e, e, segundo lugar, uma visão socioeconômica de ruptura entre a elite (classe alta)
e a plebe (classe comum).
Um pouco antes do fim do período barroco é possível observar composições
clássicas. A trio-sonata barroca aos poucos foi sendo substituída por aberturas italianas, que
são presentes nas óperas barrocas, e no classicismo tomam um corpo maior, formando a
sinfonia clássica.
Desta maneira, a música Clássica passa a refletir as construções arquitetônicas
clássicas. As linhas e formas graciosas e belas davam o mesmo sentido, respectivamente, as
linhas melódicas e concepções musicais. O comedimento, a clareza, o equilíbrio e a proporção,
trazem perfeito equilíbrio entre a expressividade e a estrutura formal.
Destacando a estrutura orquestral, que outrora no barroco se guiava por um cravo
contínuo, com intenção de amarramento da textura, o período clássico emprega instrumentos
de sopro para tal função, com o desuso do cravo contínuo. No final do século XVIII então as
madeiras tenham uma seção própria, a orquestração estava mais definida e as texturas do
classicismo já estavam em definição. (BENNETT, 1982)
O piano recebeu composições solos e em acompanhamento com outros
instrumentos nessa época, substituindo o cravo, e destacou-se por sua versatilidade. Uma das
inúmeras possibilidades foi o “baixo de Alberti” (Figura 1), um acompanhamento da mão
esquerda dedilhando os acordes em apoio à melodia. A música instrumental passava a ser mais
ovacionada que a música vocal neste período (BENNETT, 1982).
17
Rondó é uma forma musical, que tem seu apogeu no período clássico (Séculos XVIII-XIX). No entanto, desde
o período barroco a forma já era amplamente utilizada. Consiste numa obra com multi-sessões na forma A-B-A-
C-A-D-A podendo ser ampliada ou não, mas respeitando esta estrutura. É, por exemplo, a forma utilizada nas
canções que se baseavam em estrofes e versos.
18
Observa-se que neste momento histórico, a música estava dividida em sacra e popular.
25
Figura 1 – Excerto da Sonata K545, I Movimento, de W. A. Mozart, ilustrando o uso do baixo de Alberti.
Um compositor que se destaca na era do classicismo e que atravessa essa era para
o romantismo é o alemão Ludwig Van Beethoven (1770-1827). Suas composições não estavam
a serviço de um patrocinador rico, de forma a agradar uma classe ou servir a ela, Beethoven
compunha para agradar a si mesmo (BENNETT, 1982). Essa afirmação compreende um querer
artístico em romper com a estrutura de mercado da época, fazendo música pelo simples prazer
de fazê-la.
Beethoven tem suas obras dividas em três, como aponta Bennett (1982). Uma
primeira fase influência por Haydn e Mozart, até os seus 30 anos, o momento que a surdez lhe
dá os primeiros sinais. Um segundo momento considerado mais individual, e sua surdez já o
impedia de escutar plenamente. E assim sua última fase, onde compôs a sua Nona Sinfonia,
com uma estrutura orquestral expandida, mas já completamente surdo, sem que sua imaginação
fosse silenciada. A morte de Beethoven é considerada o fim do período Clássico e abertura
para o período Romântico (Século XIX).
Em contraponto ao equilíbrio da estrutura formal e a expressividade, os
compositores românticos sugeriam desequilíbrio, uma busca estrutura mais intensa e livre, com
mais vigor emocional, com revelações dos pensamentos individuas e aprofundamento nos
sentimentos. Bennett (1982, p. 30) enfatiza, “é claro que a emoção é encontrada, em maior ou
menor grau, em quase todo tipo de música, qualquer que seja seu período ou estilo, mas sua
expressão mais forte se dá no período romântico”.
A imaginação, fantasia e espírito permeavam as composições dos românticos.
Também relacionavam suas composições com demais artes como as artes visuais, textos e
poemas. Não é incomum neste período encontrar composições que se inspiram em quadros
contemplados pelos compositores.
19
William Shakespeare (1564 – 1616), poeta, dramaturgo e ator inglês, considerado uns dos maiores escritores
da língua inglesa, só teve reconhecimento séculos depois de seu falecimento, onde os românticos ovacionaram e
deram grande importância as suas obras. Entre suas obras estão Romeu e Julieta, Macbeth e A Mindsummer
Night’s Dreams.
27
Ouro de Reno, A Valquiria, Siegfried e Crepúsculo dos Deus. A obras de Wagner eram
baseadas em contos e lendas alemãs ou nórdicas.
O maior objetivo desse compositor era fundir perfeitamente “o canto, a
representação, os costumes e o cenário, a iluminação e os efeitos de cena. É a orquestra,
contudo, que mais contribui para o resultado final” (BENNETT, 1982, p. 63).
Wagner era mestre na arte da orquestração, combinado timbres e texturas ricamente
variadas. Porém, uma orquestra tão grande quanto a de Wagner trazia problemas em relação
ao volume e a voz humana na época. Assim, foi o próprio Wagner projetou um teatro em
Bayreuth para que houvesse condição de execução de suas óperas, com um fosso abaixo do
palco, para que a voz do cantor fosse projetada diretamente para a plateia.
Assim como é importante destacar o lier, também é importante destacar as
propostas vocais wagneriana em suas óperas, que apontam para uma fusão dos recitativos e
ária. “As melodias baseiam-se nos ritmos da fala, embora sejam líricas e cantadas, passando
livremente pelas tonalidades mais inesperadas” (BENNETT – 1982, p.63). Em conjunto ao
vocal, as harmonias são cromáticas, onde as tensões por vezes nãos são resolvidas, causando
mais tensões.
Assim, diante desse cenário, ao fim do século XIX, o sistema tonal já está
completamente expandido e os novos caminhos que colocam a frente são, digamos, nebulosos.
Seria dado um passo para trás evitando a continuidade do ultra cromatismo, ou seria dado um
passo para frente, em direção a ruptura do sistema tonal. Este momento específico histórico
será visto de maneira mais profunda na seção seguinte.
20
Britten foi compositor, pianista, maestro e violonista. Compôs suas primeiras sonatas para piano aos 14 anos.
Seu estilo composicional ressalta as técnicas anteriores ao século XX. Entre suas obras estão: Variations on a
Theme of Frank Bridge, Spring Symphony.
29
coletivo. Na verdade, nem a crise econômica nem a crise da cultura, em cujo conceito
está já compreendida a reconstrução administrativa, conseguiu analisar a vida
musical oficial”. (ADORNO, 1958, p. 33)
Apontando para a escola de Schoenberg, Adorno sugere que a música, que ele
chama “música radical”, era expressão estética numa resposta contrária ao mercantilismo e
cristalização das propostas composicionais.
A grande música, historicamente, teve que se submeter as exigências e caprichos
burgueses desde a Ascenção dos mesmos; a música contemporânea se opõe a isso (ADORNO,
1958).
Sobre Schoenberg e sua ruptura com o tonalismo, Adorno explicita
21
Arte Moderna refere-se a toda produção artística do século XX, incluindo a Música Contemporânea de
Concerto.
31
Entretanto, é importante frisar que a modernidade artística foi além, onde, no fazer
artístico, não há uma necessidade midiática ou de massificação para o objeto. Existe uma
característica de liberdade no fazer, que pode facilmente servir “a arte pela arte”22.
Em primeira mão tal característica apresenta um produto artístico sem padrões pré-
formados, sem relações diretas com o cotidiano ou com a sociedade. Há uma falsa sensação de
não pertencer a lugar algum, e de rompimento social, ou antissocial. O que podemos chamar
de fetichismo (ADORNO, 1982).
Essa característica é importantíssima ao refletirmos sobre o que seja a arte
contemporânea, segundo Adorno, uma vez que os produtos artísticos mercantilizados e
massificados vem carregados de valores e funções para a sua venda. Onde é apregoado, a arte,
uma necessidade de servir a outros princípios e prazeres que não ela mesma. É tratada com um
preço e status. Sendo assim, havendo fetichismo sobre a arte contemporânea, a produção da
mesma não necessita receber valor externo, função ou direcionamento social específico. O
próprio contemplar da mesma é suficiente e imbuído de significado, sendo controversa a uma
lógica de capital.
Mesmo assim, Adorno contrapõe a doutrina da arte pela arte. Mesmo que a obra
produzida não atenda a uma funcionalidade específica, há relação das formas da arte
contemporânea que acabam refletindo as interações humanas. A composição atonal, por
exemplo, reflete a perda de referencial social no advento dos pensamentos individualistas e
competições empresariais do século XX (FREITAS, 2003). Não como um conceito proposital,
mas um efeito de segunda potência.
Assim sendo, a arte contemporânea não serve diretamente as lógicas
mercadológicas e estruturas de capitalização, mas também não se resume em si própria como
um fenômeno dissociado dos acontecimentos sociais. A arte contemporânea exibe em si formas
compostas a partir das interações do artista com a obra e do espectador com a mesma. Assim
pode-se concluir que se trata de uma arte que comunica as interações e acontecimentos sociais
sem que haja uma preocupação com isso.
O material musical entra em conflito com o seu compositor no momento de sua
criação, ao mesmo tempo esse material é produzido no interior do compositor, e também, nas
percepções sociais do compositor. Sendo assim, uma vez que é composta, a música não se
22
Arte pela Arte é uma doutrina consolidada no século XVII, que prima pela da Estética por si só, sem que seja
atribuída razões pedagógicas ou morais.
32
relaciona apenas com o compositor, mas com todo o entorno social do mesmo. (ADORNO,
1958)
Ao mesmo tempo que afirma isso, Adorno (1958) atribui exclusividade ao
compositor, quando diz respeito a verdade e falsidade de um material sonoro, como um acorde,
no contexto histórico em que se aplica. Afirma que uma obra não é vazia em si, mas que carrega
com ele todo um significado histórico e social, sendo ele verdadeiro ou falso dentro do contexto
que se insere, porém, não sendo propriamente verdadeiro ou falso. A questão é que o
compositor, em sua percepção e criação, decifra e compreende a sua própria música, sem que
haja necessidade de outro atribuir significado a ele.
A música contemporânea então se apresenta como verdade estática em contraponto
a uma música de séculos passados, de verdades passadas que se tornam mentiras fora do
contexto temporal que se encontram, pois, sua função não é mesma existente em um novo
contexto (ADORNO, 1958).
23
Schoenberg, Webern e Berg figuram como os principais compositores da chamada II Escola de Viena.
33
Figura 3 – Quatro formas básicas da série dodecafônica utilizada no Quarteto de Cordas n.04, de Schoenberg.
Figura 4 – Matriz serial a partir da série Original, extraída do Quarteto de Cordas n.04, de Schoenberg.
35
2.3.1 Pierro Lunaire Op. 11, n.7 Der kranke Mond: uma breve análise
24
Em seu livro, Straus (2013) atualiza o termo classe de alturas de notas. Em resumo, uma classe de notas
desconsidera o registro. Por exemplo, uma nota Dó pode será sempre um Dó independentemente de seu registro.
Assim, o termo pitch class vem do inglês e significa um conjunto de classe de notas. Há também uma forte relação
com a teoria dos conjuntos (FORTE, 1973). Para maiores informações, ver Forte, 1973 e Straus, 2013.
25
Cabe dizer que estamos abordando apenas a serialização das alturas. No entanto, o serialismo pode ser
empregado em quaisquer parâmetros musicais. Por exemplo, as durações, como propõe Babbit (1962).
36
26
Albert Giraud, belga, poeta e escritor francês, viveu de 1860 a 1929. Escreveu o ciclo de poemas Pierrot
Lunaire.
37
Para essa análise, será utilizado o conceito de pitch class27, proposta de análise de
organizada por Strauss e exposta no seu livro, Introdução à Teotia Pós-tonal (2000). A ideia
básica é que as 12 notas são substituídas por números de 0 a 11, sendo 0 sempre a nota dó,
independente da altura em que se encontra (isto é, os registros são desconsiderados). Em outras
palavras, sendo um Dó 2 ou um Dó 3, o número considerado será sempre o 0. Isto porque é
considerado o conjunto de classe de alturas referente ao Dó, e não o seu registro. Assim, todos
as alturas Dó estão são da mesma classe e estão no mesmo conjunto.
Há também a questão das enarmonias. Se há uma nota Ré# ou um Mib, os dois são
considerados como ele 3. Por isso, ambos são considerados como membros do conjunto de
classe de notas 3.
Tem-se assim a notação com inteiros (
Tabela 1).
27
Morris (1987) define bem esses espaços: o espaço modular por pc-space, o espaço de contorno por c-space e,
o espaço intervalar por p-space. O espaço modular é onde operam os conjuntos de classe de notas. O espaço de
contorno opera a notação a partir da Teoria dos Contornos (MORRIS, 1987). E no espaço intervalar, um Dó 2 se
diferencia de um Dó 3 pela quantidade de semitons empregados. Ou seja, neste último o conceito de pitch class
precisa ser adaptado (CODEÇO, 2019).
38
Para fins de aplicação, apenas os primeiros compassos de Pierro Luneir Op. 11,
N.7 Der kranke Mond, serão analisados28. A proposta é evidenciar as séries executadas nos
primeiros quatro compassos pela flauta e nos primeiros três compassos pelo recitativo. A
Figura 5 expõe o trecho que será analisado.
Figura 5 – Primeiros compassos de Pierrot Lunaire Op. 11, N.7 Der kranke Mond, Schoenber.
Figura 6 – Primeiras notas de Pierrot Lunaire Op. 11, N.7 Der kranke Mond, de Schoenberg,
realizadas pela Flauta e pelo recititivo.
Antes de expor as matrizes seriais, se faz necessário explicar que uma matriz serial
pode ser do tipo NxN ou do tipo NxM (onde N é o número de colunas e M é o número de linhas).
Isto é, o número de colunas pode ser igual ao número de linhas ou não. Essa condição tem a
ver com a quantidade de notas escolhidas para se compor a série. Por exemplo, uma série com
12 sons resultará numa matriz 12x12, obviamente. Mas uma série com 5 sons, por exemplo,
pode resultar numa matriz 5x5 ou 5x12. Nesse último caso, consideramos a série Original
começando com cada uma das 12 notas (Tabela 2 e Tabela 3).
28
Dentro da proposta projeta-se analisar toda a música a medida de aplicação da proposta em campo, tendo como
margem 4 meses para que os alunos possam se habituar com a escrita e compreenderam a proposta de análise.
39
Figura 7 – Matriz serial realizada pela flauta, nos c.1-4, de Pierrot Lunaire Op. 11, N.7 Der kranke Mond, de
Schoenberg.
41
Figura 8 – Matriz serial realizada pelo recitativo, nos c.1-3, de Pierrot Lunaire Op. 11, N.7 Der kranke Mond,
de Schoenberg.
fazer música e no sentido artística atribuído pelos alunos e professores envolvidos nos
processos.
44
3 POSSÍVEIS APLICAÇÕES
3.1 Abordagem triangular
Barbosa (1989) aborda que no fim da ditadura militar, mais precisamente em 1989,
existiam no Brasil poucos cursos de formação para arte-educadores, e os que tinham pouco
compreendiam as necessidades e realidades de ensino na matriz curricular. Ao mesmo tempo,
com os 2500 professores que a mesma entrevistou, constatou que todos tinham como principal
objetivo educar para a criatividade, de modo a proporcionar autolibertação dos alunos através
das experiências em sala de aula.
Barbosa também constatou que ligavam comumente a criação à liberdade, sem que
houve uma clara visão de como a criação se relaciona com liberdade e, também, de como
implementar esse processo nos contextos da sala de aula (muitos livros eram readaptações dos
conteúdos dos anos 40 e 50). À medida que se ansiava pela criatividade e libertação, não havia
proposta de apreciação artística em geral e contexto, nem uma formação coerente à
arte/educadores para que esse objetivo fosse alcançado (BARBOSA, 1989).
As concepções estéticas já abordadas e o movimento de intenção da difusão da
música contemporânea como viés educacional, dialogam com o movimento proposto pela
Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa. Silva e Lambert (2017) comentando sobre a
Abordagem Triangular afirmam que há o objetivo de aprimorar o ensino da arte direcionando
a um processo de ensino-aprendizagem dinâmico, contextual, reflexivo e crítico na concepção
da abordagem de Ana Mae.
Ana Mae deixa claro que é uma proposição flexível, atendendo as necessidades do
arte/educador, afim de que haja aplicabilidade em diversos contextos no que diz respeito a
educação artística.
A Abordagem Triangular se sustenta em três pilares práticos em sua aplicação:
leitura, contextualização e criação. Cada um desses pilares será apresentado a seguir, com suas
respectivas particularidades.
3.1.1 Leitura
O pilar (ou eixo) leitura está ligado, originalmente, com o sentido humano da visão,
por sua vez ao contexto das artes visuais. Esse pilar diz respeito a fazer leitura atenta de uma
imagem, assim observando as nuances, formas, texturas e técnicas do artefato visual.
45
3.1.2 Contextualização
Esse eixo consiste em conectar o artefato artístico a seu criador, época, modos e
técnicas, motivos e funções. Dar ao aluno os meios pelo qual o artefato foi pensado, não apenas
a técnica, mas o como e o porquê da técnica. Se relaciona também com a pesquisa sobre o
artefato.
No caso do presente projeto, é conduzir o aluno a integrar o artefato de apreciação
ao questionamento de quem fez, porquê fez, como fez e para que fez. É investigar e pesquisar
após a reflexão e críticas feitas na apreciação, a fim de atribuir sentido e valor a obra apreciada,
que passa a ser pesquisada nesta etapa.
29
Schaeffer define esta postura de escuta ativa a partir de 4 conceitos. “1. Écouter, é emprestar o ouvido,
interessar-se por. Eu me dirijo ativamente a alguém ou alguma coisa que me é descrito ou aludido por um som. 2.
Ouïr é perceber pelo ouvido. Por oposição a écouter que corresponde a uma atitude mais ativa, aquilo que eu ouço
[ouïs], é aquilo que me é dado pela percepção. 3. De entendre, reteremos o sentido etimológico: “ter intenção”.
Isto que percebo [entend], isto que me é manifesto, é função dessa intenção. 4. Comprendre, tomar para si, traz
uma relação dupla com écouter e entendre. Eu percebo [comprend] isto que eu miro com minha escuta [écoute],
graças àquilo que eu escolhi escutar [entendre]. Mas, reciprocamente, aquilo que eu já percebi [compris] dirige
minha escuta [écoute], informa o que percebo [entends] (SCHAEFFER, 1966, p. 104).
46
Perguntas como: quando, onde, porquê (motivo), como, para quem, com quem, em
que, com o que, de onde, do que, de quem, o que é, serão perguntas rotineiramente usadas nessa
etapa, para se entender a obra para além da escuta.
É um momento da interação com a obra de arte onde conceitos são construídos e
desconstruídos. É o período de entender as motivações do compositor, os movimentos e
períodos musicais, o contexto histórico que envolve a música e a mensagem que se apresenta
nela. O momento do processo onde se faz significar ou ressignificar, de descobrir ou cobrir
conceitos, ideias, etc. O aluno é protagonista (ao mesmo tempo que interage com o professor)
questionando e criando senso estético sobre aquilo que se ouve, onde o entendimento do que é
belo para o aluno pode ser reforçado ou renovado e onde o professor também deve estar
disposto ao mesmo processo.
3.1.3 Criação
Após apropriação do artefato, Barbosa sugere que o aluno se dedique a criar a partir
das referências que teve contato, criando algo novo de forma consciente, técnica, livre ou
dentro alguma forma sugerida.
A criação é uma etapa de conclusão artística no que diz respeito a prática musical
compositiva. Assim Adorno advoga que o artista é suficiente para decifrar o artefato, a
expectativa é que o aluno se veja como esse sujeito artista, que se apropriou do artefato musical,
compreendendo as nuances e possibilidades expostas e pesquisadas, compondo algo reflexivo,
livre, técnico e se apropriando de uma estrutura musical (no presente caso, a pós-tonal), e que
reflete verdade no sentido estético por pertencer ao seu período e contexto, com a visão e
percepção artística do aluno.
47
Para esta aplicação, sugere-se que os alunos usem o próprio corpo ou fontes sonoras
possíveis, e acessíveis na educação básica no ambiente da escola pública como lápis, carteiras,
palmas, pés, etc.
48
30
Por tempo, em música, entende-se: a) pulso: que é a velocidade do movimento, isto é, o quão rápida ou quão
lenta a música (considerando sua unidade de tempo) transcorre; b) métrica: é a estrutura de agrupamento dos
pulsos, isto é, são os compassos, e; c) configurações rítmicas: são as divisões de ataques a partir de uma métrica
e pulso definidos, isto é, são os agrupamentos de figuras de notas (colcheias, semicolcheias, etc.) (CODEÇO,
2019).
49
Cada número corresponde a uma execução rítmica. Assim, o aluno pode escolher
qualquer número da série para executar e, mais importante ainda, para manipular em sua
criação musical. É igualmente importante perceber que não importa métrica no caso de uma
execução em sala de aula. Isto porque cada célula é independente da outra. Apenas sua
ordenação importa. Obviamente, no momento da criação musical, será necessário que aluno
enquadre a série dentro de um compasso. Para isso, pode ser que a figura 0, por exemplo (a
semibreve), se transforme em duas mínimas ligadas. Em outras palavras, o que está sendo
considerado aqui são os pontos de ataque.
Sobre os pontos de ataque, Codeço (2019), diz que:
Em outras palavras,
50
uma escuta nova aos alunos a cada proposta possível através das matrizes seriais construídas a
partir das análises das análises realizadas na seção 2.3.1.
Como na aplicação anterior algumas regras são propostas:
a) As duas matrizes seriais devem ser utilizadas, o que acarretará numa pequena
criação com duas vozes distintas;
b) O compasso da composição é de livre escolha do aluno;
c) Num primeiro momento, as notas devem ser tocadas uma por vez, em
semínima, respeitando a pulsão sugerido pelo professor (o objetivo aqui é fazer
com que o aluno posso se ambientar com a sonoridade das séries presentes na
matriz, ao invés de usá-las sem se preocupar com sua sonoridade);
d) As notas não podem estar na mesma oitava por mais de 3 notas subsequentes e
não podem seguir a mesma direção oitava abaixo ou acima por mais de 3 notas
subsequentes;
e) A voz correspondente a matriz serial extraída da análise da flauta se restringe
ao âmbito de duas oitavas (nesse caso, entre Dó 4 e o Si 5), e a voz
correspondente a matriz serial extraída da análise do recitativo se restringe ao
âmbito de duas oitavas (nesse caso, entre Dó 2 e Si 3);
f) Serão 3 compassos de criação no total;
g) Uma das vozes pode começar onde o compositor desejar, mas ao ser inserida
deve acompanhar a voz que começou primeiro, sem burlar a regra c);
h) Deve ser evitado pausas e subdivisões em um primeiro momento;
i) Não poderá utilizar a mesma sequência serial duas vezes em sequência.
Um exemplo dessa aplicação está exibido na Figura 10.
Figura 10 – Partitura proposta como aplicação melódica com base em Pierrot Lunaire Op. 11, N.7 Der kranke
Mond, de Schoenberg.
A restrição dos âmbitos de atuação das alturas reveladas pelas séries permitirá que
as vozes sejam escritas em duas claves diferentes, sem que haja cruzamento das vozes num
primeiro momento de experimentação, afim de que fique bem definido o que cada voz propõe
em acordo suas matrizes seriais. Essa restrição também permitirá o contato do aluno com a
leitura de duas claves distintas.
É possível notações não convencionais para a leitura, porém, com a indicação da
notação com inteiros na partitura e nas teclas do teclado, as notas passam a ter uma leitura mais
dinâmicas, já sendo essa sugestão, um tipo de notação.
As possibilidades melódicas podem ser ampliadas a medida em a música que for
sendo analisada, construindo aos poucos as experimentações sonoras dodecafônicas de forma
a permitir ao aluno apropriação das sonoridades (que se espera não serem mais tão estranhas a
medida em que a vivência é experenciada).
A criação aqui proposta é, portanto, livre e, ao mesmo tempo, com regras. Essa
dualidade, na verdade, permitirá e instigará o fazer criativo no aluno. Pois, uma vez que as
regras restringem as formas de criar, não há um efeito meramente aleatório nas escolhas das
posições das notas. E, uma vez que o aluno pode escolher as séries e suas respectivas
combinações, há um efeito de atração criativa bem delineado e claro para o aluno. Ainda, pode-
se utilizar em outros momentos as regras de Ernst Krenek (1940) (seção 2.3), assim pondo uma
experiência mais próxima da estética e concepção estilística do serialismo.
Como já dito, são aplicações que em futura aplicação serão avaliadas, repensadas,
expandidas, desconstruídas e recompostas, afim de encontrar os melhores caminhos para uma
prática da criação musical que aponte para a estética contemporânea e permita vivências para
além do tonalismo, sem que haja um apagamento do mesmo.
53
4 CONCLUSÃO
parte de uma normativa que se apresenta em maior ou menor grua de complexidade. Por esta
razão as regras poderão servir como princípios norteadores e reguladores para se chegar ao
objetivo específico proposto. Nesse sentido, as regras são essenciais para a aplicação no
momento em que elas respeitam a complexidade imposta aos alunos.
Em último lugar, conclui-se que o presente trabalho deve ser ampliado numa futura
pesquisa de mestrado. Há, ainda, muitas considerações a serem feitas sobre a questão levantada
e, sobretudo, de como este processo pode ser implementado para além de uma faixa etária no
ensino básico. Como expectativa, a futura pesquisa visando a expansão do presente trabalho,
pode vir a formar público para consumir música, ou até mesmo arte, como um todo,
contemporânea.
56
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodoro W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Perspectiva S. A., 1958. 165
p. v. Coleção Estudos 26.
ARAÚJO, Samuel. From Neutrality to Praxis: The Shifting Politics of Ethnomusicology in the
Contemporary World. Musicological Annual, v. 44, n. 1, p. 13-30, 2008.
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte – 2ª ed.; São Paulo,
Cortez, 2003.
BENNETT, Roy. Uma Breve História da Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. 464 p.
v. Cadernos de Música da Universidade de Cambridge. ISBN 978-85-7110-365-8.
BIZZOCCHI, Aldo. O clássico e o moderno, o erudito e o popular na arte. In: Líbero. São
Paulo, v.2, n.3/4, p.72-76, 1999.
CODEÇO, André. A Teoria do Domínio Sonoro. 2019. 343 f. Tese (Doutorado) - Curso de
Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2019.
EWELL, Peter. A. Music Theory and the White Racial Frame. MTO - A Journal Of The
Society for Music Theory, 26 (2), 2020.
FORTE, Allen. The structure of atonal music. New Haven: Yale University Press, 1973.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
GOMES, Érica Dias. Reflexões Sobre O Não Dito Na Educação Musical: Um Espaço A Ser
Ocupado Pela Música Contemporânea. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.22, n.1,
p.78-94, jan./jun.2014.
MORRIS, Robert Daniel. “New Directions in the Theory and Analysis of Musical Contour.”
In: Music Theory Spectrum, 5. P. 205–28, 1993.
OBICI, Giuliano Lamberti. Condição da escuta, mídias e territórios sonoros. Rio de Janeiro:
7 Letras, 2008.
SHOHAT, Ella; STAM, Robert; SOARES, Marcos (2006). Crítica da imagem eurocêntrica
multiculturalismo e representação. [S.l.]: Cosac Naify. 528 páginas.
SILVA, Alessandra Nunes de Castro. Trilha de sons, construindo a escrita musical. Música na
Educação Básica. Londrina, v.4, n.4, novembro de 2012.
SILVA, Tharciana, Goulart da; LAMBERT, Jociele. Reflexões sobre a Abordagem Triangular
no Ensino Básico de Artes Visuais no contexto brasileiro. Revista Matéria-Prima. Vol. 5(1),
p. 88-95, 2017.
WINTLE, Michael (2020). Eurocentrism: History, Identity, White Man's Burden. [S.l.]:
Routledge. 304 páginas.