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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação


Divisão de Pesquisa

RELATÓRIO FINAL

Título:

1. DADOS DO COORDENADOR
NOME: Rael Bertarelli Gimenes Toffolo

DEPARTAMENTO: DTP Centro: CCH

2. DADOS DA EQUIPE EXECUTORA*


NOME: Sabrina Laurelee Schulz Toffolo
DEPARTAMENTO: DTP Centro: CCH
PERÍODO DE PARTICIPAÇÃO: 1 ANO

2. DADOS DA EQUIPE EXECUTORA*


NOME: Raquel Hélida Vaz ( R.A. 33648 )
DEPARTAMENTO: DTP Centro: CCH
PERÍODO DE PARTICIPAÇÃO: 1 ANO
*SE NECESSÁRIO, REPRODUZIR.

3. DADOS DO PROJETO
INÍCIO: 01/06/2006 TÉRMINO: 31/05/2007
PERÍODO DE ABRANGÊNCIA DESTE RELATÓRIO: 01/06/2006
até 31/05/2007
4.1. INTRODUÇÃO

A música do período Barroco e a denominada atualmente de Música Antiga (Idade Média, nas
suas várias estéticas, e Renascença) apresentam uma grande carga de improvisação e ornamentação
realizadas no momento da execução. Segundo Candé (2001), essa característica justifica-se pela
função do músico daquela época que era na grande maioria dos casos, compositor e interprete. Tal
visão unificada da atividade musical propiciava ao compositor a possibilidade de recriar a sua obra
a cada execução, ornamentando as linhas melódicas, realizando modificações rítmicas, utilizando
diferentes instrumentações, entre outros processos. “Os bons músicos dominavam as regras da
composição e improvisação, o que naturalmente fazia com que a forma final de uma obra se
definisse sempre durante a sua execução” (HARNONCOURT, 1993, p.13).
Esse tipo de postura contribuiu para o desenvolvimento de inúmeros escritos teóricos que
normatizavam as formas de improvisação e ornamentação do repertório, variando de acordo com o
instrumental utilizado, a região geográfica e a função social a qual a música pertencia, sendo ela
para o culto religioso, para o evento social palaciano, para a manifestação de rua ou taverna, ou para
o sarau doméstico (DART, 2002).
Com as inúmeras transformações sociais ocorridas ao longo da história, o compositor deixa de
ser um funcionário da corte (ou da igreja), onde era subordinado ao julgo e gosto de seus superiores
e compunha para ocasiões específicas, passando assim a compor de forma independente. Essa
transformação tem seu ápice no século XIX com o surgimento dos conceitos de obra de arte e
artista, e com o desenvolvimento da Estética de Baumgarten (ROSEN, 2000). Nos séculos
anteriores, o compositor criava para uma ocasião pré-determinada e após a apresentação da obra, ela
era geralmente arquivada, muitas vezes destruída, e raramente executada uma segunda vez. No
século XIX, com o advento das estradas de ferro, o artista visa a possibilidade de apresentar suas
obras para platéias mais distantes, o que aumenta o tempo de vida útil de uma obra de arte. Além
disso, torna-se mais comum a execução de obras por outros instrumentistas que não o próprio
compositor. Decorre desses fatos uma profunda transformação na escrita musical, já que o
compositor necessita indicar de forma clara e precisa todos os elementos para a performance,
eliminando qualquer possibilidade de improvisação e ornamentação.
Ainda no século XIX surge, de forma embrionária, a musicologia histórica através do resgate
de obras e das execuções dos compositores dos séculos anteriores, através da Biografia universal
dos músicos de Fétis, datada de 1844.
Compositores como Mendelssohn, principal entusiasta da música de Bach, passa a realizar
concertos das obras do compositor Barroco, executando-as, ingenuamente, com características
interpretativas do século XIX. Tais interpretações apresentavam, excessos nas variações dinâmicas;
formações instrumentais excessivamente maiores do que o necessário, o que prejudicavam o
entendimento da polifonia típica de Bach; excesso de vibrato instrumental e vocal, prejudicando o
entendimento das linhas melódicas simultâneas; entre outros maneirismos excessivos
(HARNONCOURT, 1993).
No início do século XX, em oposição a esse tipo de postura interpretativa, desenvolve-se uma
linha de pesquisa visando uma interpretação autenticista apoiada em partituras manuscritas. Numa
tentativa de eliminar os excessos sentimentalistas românticos da interpretação desse repertório, os
primeiros músicos dessa linha autenticista, passam a executar somente o que se encontrava grafado
nos manuscritos originais. Para a segunda vertente autenticista, na década de 1950, essa primeira
vertente também foi tão ingênua quanto os músicos do século XIX, pois desconsiderou todos os
aspectos improvisativos essências desse tipo de repertório, já que estavam centrados somente na
análise das partituras. A segunda vertente autenticista, passa a investigar nos escritos teóricos,
filosóficos e demais documentos de época, as formas e codificações típicas para reconstituir a
sonoridade mais fidedigna possível desse repertório. Desenvolve-se a partir desses estudos, uma
área de interpretação musical de época, a construção e resgate de instrumentos musicais de época,
escolas de música especializadas nesse repertório e uma musicologia específica para tal atividade
(DART, 2002).
Dessa forma, nosso trabalho encontra-se dentro dessa segunda vertente autenticista, visando
buscar as formas mais adequadas de interpretação do repertório para teclas do período Barroco,
levando em consideração aspectos improvisativos, articulatórios e ornamentais de época. Como
exemplificação didática de uma possível interpretação mais próxima daquela realizada em sua
época, escolhemos a Allemande retirada do livro Nouvelles Suítes de Pièces de Clavecin (1731) de
Jean-Philippe Rameau, o qual, segundo Gillespie (1972), desenvolve o que ele chama de germe da
forma sonata.
Antes do século XVIII as obras compostas para teclas poderiam ser executadas tanto no cravo
quanto no clavicórdio ou no órgão, pois não era costume especificar a que instrumento a execução
da composição era destinada (Henrique, 2004). A prática pianística data a partir deste momento
com características que permitem maior potência de intensidade sonora, além da diferenciação do
toque nas teclas por possuir um avançado mecanismo de cordas percutidas. No entanto devemos
considerar que, o piano conhecido pelos compositores barrocos possuía um mecanismo ainda
precário se comparado com o atual, portanto é preciso deixar de lado alguns recursos sonoros
exclusivos do piano moderno na interpretação da música barroca.
4.2. DESENVOLVIMENTO

O projeto foi realizado da seguinte forma:


• Análise da bibliografia histórica a fim de ressaltar as características de estilo da époce
em que foi composta a obra;
• Análise sucinta da vida do compositor, sua relação com essa obra, e a relação dessa
obra com a estética vigente na época;
• Análise das ornamentações descritas por Linde (1997);
• Análise dos aspectos fraseológicos, técnicos e de interpretação da obra;
• Realização dos ornamentos e articulações na Allemande de Rameau.

4.3. MATERIAL E MÉTODO

Nesse projeto realizamos uma análise interpretativa da Allemande retirada do livro Nouvelles
Suítes de Pièces de Clavecin (1731) de Jean Phillipe Rameau. Para tanto utilizamos alguns livros de
suma importância histórica.
Dart (2000), utilizado como fundamentação teórica para a interpretação autenticista,
juntamente com Harnancourt (1990, 1993);
Linde (1979), que apresenta todos os exemplo práticos sobre ornamentação. O autor descreve
a realização dos ornamentos comparando-os com sua realização em diferentes regiões da Europa, e
fala sobre as particularidades de alguns compositores.
Sendo assim, realizamos possibilidades de execução prática de ornamentos da Allemande
referida acima, tendo como metodologia primeiramente uma análise fraseológica, passando por uma
identificação dos ornamentos grafados na partitura. Em seguida procuramos adaptar os ornamentos
encontrados com os exemplos descritos por Linde (1997), a fim de aplica-los a uma execução
consistente baseada na interpretação autenticista, e também ao piano moderno. Depois de estudado
cada ornamento em separado, fizemos uma análise das articulações que foram utilizadas na
execução da obra, levando em conta o estilo e a estética da época.
4.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente projeto de pesquisa realizou então as etapas referentes às participantes Sabrina


Laurelee Schulz Toffolo referentes à fundamentação teórica sobre interpretação autenticista e
técnica pianística e Raquel Hélida Vaz que em conjunto com tais estudos realizou o trabalho sobre
a obra de Rameau com aplicações práticas na Allemande do Nouvelles Suítes de Pièces de
Clavecin (1731). Os resultados dessas atividades encontram-se em anexo.

Algumas partes do projeto ficaram prejudicadas pela saída de duas participantes, Cinthia
Ruivo da Silva (discente) e Maria Mati Sakamoto (docente temporária com contrato encerrado no meio do
projeto), que estavam responsáveis pelas análises do repertório da Alemanha, em especial de J.S.
Bach e C. P. E. Bach.

Vale ressaltar o trabalho da participante Sabrina Laurelee Schulz Toffolo, docente


temporária que mesmo com seu contrato encerrado com a universidade continuou com a pesquisa
e foi responsável pela publicação do artigo sobre interpretação na música de Rameau que será
publicado nos anais do XVII Congresso Nacional da ANPPOM - Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música.

Além disso, gostaríamos de informar que o atraso do envio do relatório final foi proposital,
pois aguardávamos o aceite para a publicação do artigo no congresso da ANPPOM.

4.5. CONCLUSÕES

Em nossa pesquisa podemos observar as inúmeras possibilidades de mapear as


ornamentações de uma obra musical, haja vista a distancia histórica em que nos encontramos. No
entanto, o estudo e conseqüentemente a escolha da realização de cada ornamento deve ser feito de
forma consciente para que a obra tenha uma unidade interpretativa. Desse modo apresentamos no
presente projeto a nossa interpretação dessa Allemande de Rameau, com o intuito de esclarecer o
modo de tocar alguns ornamentos pouco utilizados pelos pianistas modernos, e com isso guiar
novas interpretações dessa obra e de outras que possuem características semelhantes a essa.
4.6. REFERÊNCIAS (DE ACORDO COM AS NORMAS DA ABNT)

CAVAZOTTI, A. e BREDEL, P. Entrevista com o violonista barroco Luís Otávio Santos. In: PER
MUSI: Revista de Performance Musical – V. 8, julho/dezembro, Belo Horizonte: Escola de Música
da UFMG, 2003, p. 152-156.
CANDÉ, R. História universal da música (vol I). São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CHIANTORE, L. historia de la técnica pianística. Madri: Alianza Editorial, S.A., 2004.
DART, T. Interpretação da música. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DUFOURCQ, N. Pequena História da Música Lisboa: Edições 70, 1988.
GILLESPIE, J. Five Centuries of Keyboard Music. New York: Dover Publications, 1972.
GRAETZER, G. Los adornos en las obras de J. S. Bach. Buenos Aires: Ricordi, 1989.
GROUT, D. J. e PALISCA, C. V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 2001.
HARNONCOURT, N. O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão musical. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1990.
__________________ O diálogo musical: Monteverdi, Bach e Mozart. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 1993.
LINDE, H.M. Pequeno Guia para a Ornamentação da Música do Barroco (Séc. XVI-XVIII). São
Paulo: Musicália, 1979.
RAMEAU, J. P. Nouvelles Suítes de Piéces de Clavecin. New York: Barenreiter Kassel, 1959.
(Partitura).

RICHERME, Cláudio. A técnica pianística – uma abordagem científica. São João da Boa Vista-SP: AIR
Musical Editora, 1996.
ROSEN, C. A Geração Romântica. São Paulo: Edusp. 2000.
VALLE, J. N. e GUIMARÃES ADAM, J. N. Linguagem e Estruturação Musical. Curitiba: Ed.
Beija Flor, 1986.
4.7. EVENTUAL(IS) DIVULGAÇÃO(ÕES) EM PERIÓDICO(S) E/OU EVENTO(S).

Dessa pesquisa resultaram dois outros trabalhos. O primeiro foi o desenvolvimento do


Trabalho de Conclusão de Curso pela discente participante do projeto, Raquel Hélida Vaz, sob o
título: Ornamentação e Articulação: considerações feitas em uma Allemande de J. P. Rameau,
concluindo assim o seu curso nessa instituição. Outro trabalho que podemos apontar como resultado
dessa pesquisa é a publicação em anais e participação em congresso pela docente participante do
projeto, Sabrina Laurelee Schulz, que recebeu parecer favorável para publicar o artigo Música para
teclas do período barroco: realização interpretativa da Allemande de Jean-Phillippe Rameau. Tal
artigo será publicado nos anais do XVII Congresso Nacional da ANPPOM - Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, que será realizado nos dias 27 a 31 de agosto de 2007 em
São Paulo, como comunicação de pesquisa.
ANEXOS
A TÉCNICA PIANÍSTICA SEGUNDO A ABORDAGEM DE CLAUDIO
RICHERME

O pianista, ao tocar seu instrumento, abaixa as teclas do piano, procurando o melhor som
que corresponda à interpretação desejada. Para que isso ocorra, ele necessita de um domínio
muscular específico na ação de abaixar as teclas do piano. Sem o movimento e as coordenações
musculares corretas, a boa técnica pianística e conseqüentemente o som ideal para determinados
trechos ficam sonoramente comprometidos.
O aluno com a ajuda de seu professor, ou mesmo um pianista que já tenha alguma
experiência e esteja insatisfeito com sua técnica, deve fazer uma análise detalhada de seus próprios
movimentos e coordenações musculares usados enquanto toca uma peça musical, pois, em um
mesmo trecho musical executado com um mesmo movimento e velocidade, podem ser utilizadas
coordenações musculares diferentes.
Este estudo de coordenações musculares e movimentos, bem como o relaxamento, mostra-
nos pistas de como utilizar a força dos braços e das mãos ao abaixar as teclas do piano. A escolha
dessa força deve levar em conta também a variação de som da nota, ou seja, a qualidade tímbrica, a
intensidade e a duração de cada nota a ser tocada no instante preciso da execução. Depois de decidir
quais movimentos e coordenações serão usados, é preciso “adquiri-las, dominá-las e automatizá-
las” (Richerme, 1996, p. 95). Assim podemos investir e investigar possibilidades de expressão
individual por meio da interpretação musical.
Para o estudo dos movimentos analisemos primeiramente as condições do braço. O
relaxamento é um estado muscular indispensável para o pianista. Podemos dizer que o braço está
relaxado quando todos os seus músculos estão relaxados e a força da gravidade puxa-o para baixo,
ou para um apoio. Por outro lado à fixação muscular, mais conhecida como tensão muscular, ocorre
quando todos os músculos do braço estão contraídos. Nesse caso o braço fica quase imóvel e
despende de muita energia para a realização de qualquer tarefa, como pegar um copo em cima da
mesa. Temos também a contração muscular, que pode ocorrer com ou sem fixação. Assim podemos
dizer que não se consegue tocar piano totalmente relaxado, ou totalmente contraído.
Durante a execução de uma peça musical, o pianista deve buscar contrair somente os
músculos necessários para que os dedos executem o trecho tocado com precisão, relaxando-os em
seguida. A maioria dos estudantes de piano usa a fixação enquanto toca pois, a curto prazo, ela
resolve algumas dificuldades, como tocar acordes ou notas simultâneas com homogeneidade
adequada. No entanto a energia gasta com essa contração excessiva dos músculos cansa, se usada
em um trecho longo com muitas escalas ou arpejos, e o controle sonoro fica prejudicado. Como
podemos ver na citação a seguir:

Não é a ausência de fixação muscular a causa essencial da imprecisão no toque, e


sim o uso inadequado da força muscular, ou seja, a força mal direcionada com posições e
movimentos inadequados. Para os que não sabem como direcionar a energia muscular, a
fixação é a solução imediatista, quase que universalmente adotada, porém longe de ser a
melhor. (Richerme, 1996 p. 81)

Em alguns casos a fixação muscular é usada como recurso para um toque percussivo, ou
seja, um duro impacto do dedo contra a tecla. O professor ou o próprio pianista deve orientar seus
movimentos afim de utilizar os vários tipos de toque ao piano, localizando-os em quais trechos
musicais eles se aplicam, no entanto a fixação continua sendo inadequada para um execução clara.
Para que a metodologia aqui proposta funcione é preciso que o estudante (ou seu professor)
avalie suas limitações técnicas, analisando seus movimentos e em quais passagens da partitura sente
maior dificuldade. Só depois dessa etapa poderemos iniciar um estudo com as possíveis trocas de
movimentos e coordenações musculares. Após estarem resolvidas as dificuldades técnicas, o
pianista pode com maior facilidade se dedicar às possibilidades de expressão pessoal baseada em
estudos aprofundados a cerca do conhecimento sobre música para a realização de uma performance
musical adequada.
Todo pianista preocupa-se com o seu toque, ou seja, com a melhor maneira de abaixar as
teclas do piano, produzindo um som com qualidade tímbrica adequada. Para isso devemos levar em
consideração a velocidade e a aceleração aplicada ao movimento de decida dos dedos em contato
com as teclas. Desse modo temos dois tipos de toque: o toque percussivo e o toque não-percussivo,
os quais, podem ser combinados com todas as dinâmicas e articulações realizadas no piano.
No toque não-percussivo, também chamado de técnica de contato, o dedo posiciona-se
encostado no teclado do piano e, para que se produza o som, basta abaixar os dedos em um
movimento de aceleração contínua. Tal toque proporciona ao pianista um melhor controle da
intensidade e da agilidade, mesmo quando houver trechos musicais em que a mão tenha que se
locomover rapidamente para lugares distantes no piano.
Por sua vez o toque percussivo é produzido com um ligeiro levantamento dos dedos antes
dos mesmos abaixarem as teclas do piano. Segundo Richerme (1996, p.96), a aceleração da descida
do dedo sofre uma parada quase que imperceptível ao encostar-se na tecla, que freia a aceleração de
descida e, em alguns casos, o dedo chega a subir alguns decímetros de milímetros para depois voltar
a descer com velocidade menor.
A força exercida nesse tipo de toque é descarregada de uma só vez no momento em que o
dedo entra em contato com a tecla, prejudicando a aceleração contínua e por conseqüência o timbre.
O som da nota mistura-se ao som do dedo, batendo na tecla e, se estivermos em um fortíssimo, ao
som do martelo batendo na corda.
Além da má qualidade tímbrica, o toque percussivo exige um gasto de energia extra para
levantar os dedos antes de apertar as teclas, aumentando a fixação muscular e prejudicando a
agilidade e a velocidade. Não podemos esquecer que o quarto dedo tem uma elevação reduzida por
problemas anatômicos, transformando-o em um dedo fraco para os simpatizantes dessa técnica.
O toque percussivo deve ser utilizado apenas quando a obra musical assim o permite. Como
por exemplo em uma peça contemporânea em que o som pedido pelo compositor aparece em
fortíssimo e em martelado. A elevação do dedo, a velocidade e a intensidade em forte são
suficientes para que o som do martelo inclua-se ao timbre daquele trecho musical.
Os dedos possuem três falanges moveis e, portanto não podem ser tratados como um único
bloco. Algumas escolas aconselham seus alunos a movimentar apenas a primeira falange do dedo,
ou seja, movimentar a falange mais próxima da palma. Isso ocasiona um movimento oblíquo do
dedo em contraposição ao movimento vertical da tecla, assim o controle mais sutil de intensidade e
de agilidade fica comprometido. Outro problema de movimentar os dedos como um bloco único é a
facilidade de resultar em fixação muscular do braço (flexores e extensores), havendo um gasto
excessivo de energia e prejudicando os tendões. Sobre a interferência que a fixação muscular causa
na técnica pianística, podemos citar Richerme.

A fixação muscular interfere não apenas na informação que a mente recebe através da
relação resistência da tecla – intensidade do som obtido, mas também no sentido inverso,
ou seja, na própria dosagem de força pelo comando que a mente envia para o músculo,
para obter determinada intensidade do som. É certamente bem mais difícil dosar a força
muscular havendo fixação. (Richerme, 1996 p. 102)

A energia extra que é gasta com a fixação muscular, além do descontrole técnico, causa uma
fadiga muscular, respondendo menos aos estímulos nervosos, podendo chegar até a uma paralisação
temporária dos músculos. Os tendões da mão e do braço também sofrem uma fricção devido à
fixação muscular, causando a tendinite (inflamação do tendão que atinge pianístas e digitadores).
Temos que prestar atenção também no momento em que levantamos o dedo para que o som
acabe, pois a duração de cada nota, sem levar em conta o pedal, está diretamente ligada ao ato de
levantar a tecla para que o seu abafador interrompa a vibração das cordas. A melhor maneira de
levantar as teclas do piano é relaxando os dedos levemente, assim o peso do martelo e dos
mecanismos do piano levantarão as teclas sem que haja esforço físico.
O polegar merece um esclarecimento à parte, visto que ele é diferente dos outros dedos.
Inicialmente podemos notar que o polegar é mais curto que os outros dedos e encontra-se em uma
posição horizontal, quando em contato com as teclas do piano. Para abaixar as teclas com o polegar
devemos movimentar para baixo a primeira falange deixando as outras relaxadas para não haver
fixação muscular.
Tal movimento diferenciado do polegar em relação aos outros dedos deve ser usado
normalmente na execução instrumental. Uma característica especial do polegar é a possibilidade do
mesmo passar por baixo da palma da mão, auxiliando a passagem dos dedos em uma escala
musical. Podemos chamar essa passagem do polegar por debaixo da palma de passagem ativa do
polegar.
Existem outras maneiras de passagem de dedo sem usar a passagem ativa do polegar. Uma
delas é realizar uma escala ou arpejo, usando movimentos em bloco, ou seja, mantém-se o
dedilhado dos quatro primeiros dedos e a mão salta imóvel para a próxima nota a ser tocada,
formando novamente o bloco inicial. Em passagens muito rápidas ou em saltos muito distantes tal
execução em bloco torna-se mais difícil.
Existem ainda pianistas que substituem a passagem ativa do polegar por movimentos
verticais e de rotação da mão e do braço para alcançarem as notas desejadas. Movimento esse que,
na maioria dos casos, necessita do auxílio da passagem ativa do polegar por serem insuficientes
para levar a mão até a nota desejada.
A passagem ativa do polegar requer um movimento de abdução quando, a nota a ser tocada
está embaixo da palma, ou seja, um movimento vertical para que a tecla seja abaixada. Tal
movimento exclui o auxílio vertical dos outros dedos e do pulso para abaixar as teclas no piano. A
abdução do polegar garante aos pianistas maior controle na passagem ativa, sendo um dos
movimentos obrigatórios para uma técnica de resultado sonoro satisfatório. Qualquer estudante de
piano possui tanto o movimento ativo do polegar quanto o de abdução, mesmo que de forma
intuitiva.
Podemos dizer que existem duas posições básicas mais indicadas para se tocar piano: a
posição curva e a posição plana. A posição curva é aquela em que a última falange do dedo
encontra-se em um ângulo de noventa graus em relação à tecla, e o polegar deitado no teclado. A
posição plana é aquela em que os dedos tocam as teclas com a parte de maior tecido carnoso e não
com a ponta do dedo, deixando-os ligeiramente curvados com o polegar deitado sobre a tecla. Tal
posição plana é mais indicada justamente por abaixar a tecla com a polpa do dedo.
Outro fator muito discutido sobre a melhor posição ser a plana é a maior sensibilidade da
polpa do dedo. No entanto, tal sensação não influencia o toque nem mesmo a quantidade de força
aplicada no movimento de descida da tecla. Como experimento basta colocar um esparadrapo na
ponta do dedo antes de tocar, perceberemos que o som produzido com ou sem o esparadrapo é o
mesmo.
Se colocarmos o braço e a mão em total relaxamento, notaremos que a posição em que a
mão fica é muito próxima da posição plana com os dedos levemente curvados, do que com a
posição curva. A posição plana, com os dedos totalmente esticados, é contra-indicada pela ausência
dos movimentos nas segundas e nas terceiras articulações. Desse modo a mão perde força e
agilidade, sem contar a maior distância em que o polegar fica da tecla, prejudicando a atuação desse
dedo.
Já na posição curva, um fator que a prejudica é a forma do dedo, pois existem dedos em que
a polpa é pequena e a unha, por mais curta que esteja, cobre essa parte do dedo. Para pessoas que
possuem esse tipo anatômico de dedo, a posição plana deve ser usada quase que exclusivamente.
Existem inúmeros argumentos para se usar uma ou outra posição. Tal escolha deve levar em
conta principalmente a adaptação dessas posições com a mão do pianista, que não precisa usar uma
só das posições. Mesmo tendo adotado uma posição para tocar a maior parte do tempo, nada impede
que o pianista troque de posição se o trecho será melhor executado com a outra posição. Desde que
os dedos não fiquem esticados, podemos utilizar as duas posições.
Para muitos pianistas e professores de piano, o pulso restringe-se em segurar uma boa
posição de mão para o toque preciso ou como suporte para minimizar passagens dificultadas, como
uma escala cromática descendente com a mão direita ou ascendente com a mão esquerda. Subindo o
pulso, o aluno tem a ilusão de tocar tal escala mais rápido, pois não precisa articular todas as notas.
No entanto algumas notas falham pela falta de aceleração contínua na descida da tecla, tanto no
toque em piano como no toque forte.
Richerme (1996) propõe um movimento chamado movimento passivo de pulso, que consiste
em movimentar o braço para cima e para baixo, sem que haja a contração dos músculos motores do
pulso, usando apenas os músculos do braço e do antebraço ajudados pela força da gravidade. Para
que as teclas do piano sejam acionadas é necessário também que os dedos fiquem ligeiramente rijos,
contraindo seus flexores.

A primeira condição para um bom aproveitamento da descida do movimento é definir o


melhor momento, ou seja, a melhor posição para a contração dos flexores dos dedos
(abdutores do polegar) e do pulso durante a descida, ou queda (Richerme, 1996, p.174).

Podemos perceber, na citação acima, a importância do estudo dos movimentos para uma boa
técnica, pois, durante a queda do pulso, o instante de contração dos flexores dos dedos faz com que
as notas de um acorde soem juntas ou separadas.
Tal momento de contração muscular deve ser treinado com exercícios de queda do pulso em
velocidade lenta e dinâmica mf, até que o estudante sinta o instante certo. Estudar o movimento
lento auxilia na automatização e no aperfeiçoamento desse movimento; e a dinâmica em mf
sugerida, implica em não adição de força extra para o estudo do movimento passivo de pulso, pois a
queda do pulso somada com a gravidade fará com que som produzido soe em mf.
É difícil indicar um momento apropriado para a flexão dos dedos dentro do movimento
passivo de pulso, porque a mecânica do piano e a altura das teclas também influenciam no
movimento passivo de pulso, dependendo então do instrumento a ser tocado. Entretanto a mão será
freada quando a posição básica da mão (curva ou plana) for alcançada.
Com a repetição do movimento referido acima, notaremos que o pulso é o responsável pela
interrupção do som, ou seja, para que um novo ataque de pulso aconteça este deve se elevar usando
os músculos do braço (como dissemos acima) e os dedos relaxados, fazendo com que o som seja
interrompido. Para se obter intensidades mais fortes do som, basta acelerar a queda do pulso e,
quando se espera intensidades mais suaves, é só minimizar tal aceleração.

A altura do pulso determina o ângulo de ataque do polegar. Com o pulso alto, a força do
polegar passa a ser dirigida obliquamente (...) Através do polegar, pode-se determinar uma
altura ideal de pulso: (...), no ponto em que a tecla deve atingir sua velocidade máxima de
descida, o polegar estará dirigindo sua força em sentido exatamente vertical. (Richerme,
1996, p. 126).

Conforme citação, o polegar pode ser o ponto chave para decidirmos qual o momento de
acionar os flexores do braço e para manter a posição básica da mão.
A subida do pulso deve ser a mais vertical possível, salvo quando o próximo acorde ou o
conjunto de notas localizarem-se em outra parte do piano. Nesse caso usa-se a elevação do pulso
para caminhar até a nota a ser tocada, sem que os dedos desencostem das teclas.
Esse movimento pode ser indicado para acordes em que as notas devem soar todas iguais ou
para acordes em que uma nota terá que se sobressair perante as outras, conforme veremos na
aplicação da técnica de Richerme (1996).
Como nos referimos acima, o toque preciso que o pianista busca, seja ele legato, staccato,
non legato ou perlé, necessita de uma técnica bem treinada e automatizada, bem como um estudo
perceptivo adequado. Só saberemos que um toque em piano está de acordo com as indicações na
partitura ou com a interpretação pessoal, se pudermos ouvi-lo e ajustá-lo.
O toque legato caracteriza-se pela ausência de silêncio entre dois ou mais sons. O piano, ao
contrário de outros instrumentos, como o órgão por exemplo, possui um ataque que mantém o som
em decréscimo de intensidade. Desse modo o ataque utilizado em uma frase musical, sonoramente
em legato, deve ser escolhido, levando em consideração as características acústicas de ressonância
do instrumento.
Na técnica de contato, o legato é conseguido quando prolongamos cada som até um pouco
mais do início do próximo, ou seja, a primeira tecla é levantada somente quando a próxima atingiu
o key-bed1 .Nesse caso teremos o chamado legatíssimo, muito usado em obras do período romântico
(século XIX). Já com um toque percussivo, o legato soa um pouco desligado, pois como já
dissemos anteriormente, o dedo e o martelo do piano produzem um ruído que atrapalha a
ressonância do primeiro som, dando a impressão auditiva de sons desligados. Tal efeito sonoro é
muito utilizado na música contemporânea.
O toque non legato é caracterizado por uma pequena ruptura entre dois ou mais sons sem o
silêncio. Tal toque é comumente confundido com o perlé. Embora, segundo Richerme (1996, p.
153), alguns teóricos importantes como Tetzel e Ortmann considerem o non legato em passagens
lentas e rápidas e o toque perlé, apenas em passagens rápidas, ou mesmo dizendo que o perlé é o
toque intermediário do legato e non legato.
Por ser o toque de mais curto som, o staccato faz-se quando interrompemos dois ou mais
sons gerando silêncio e diminuição da duração da nota. O movimento mais indicado para a
realização do staccato é o movimento passivo de pulso. No entanto, em uma seqüência rápida de
notas, o movimento passivo de pulso não permite tempo hábil para levantar o pulso e abaixá-lo
novamente. Nesse caso podemos utilizar o movimento ativo2 do pulso e dos dedos.
O tipo de toque a ser usado por um aluno de piano, ou mesmo por um pianista, será
escolhido conforme a indicação na partitura, aliado ao prévio conhecimento sobre música que o
músico possue. Nesse momento o conhecimento sobre música, como vimos anteriormente no ciclo
conhecimento experiencial-conhecimento sobre música, torna-se imprescindível para uma
interpretação concisa da obra a ser tocada, pois mesmo que haja indicações fraseológicas na
partitura pedindo um toque específico, por exemplo legato ou non legato, devemos levar em
consideração o período histórico em que se encontra a obra e as características da construção
musical do compositor, para que dessa forma possamos extrair características estéticas que nos
darão valiosas pistas sobre o tipo de sonoridade a ser buscada na interpretação musical.

1
Segundo Richerme (1996, p. 29), key-bed é o impacto da tecla contra a tábua revestida de feltro abaixo dela quando
tocamos alguma nota.
2
É quando utilizamos o próprio músculo para realizar algum movimento, ou seja, para movimento ativo de pulso,
usamos os músculos e articulações responsáveis pela sua movimentação.
ORNAMENTAÇÃO E ARTICULAÇÃO DA OBRA ALLEMANDE DE
RAMEAU RETIRADA DO LIVRO NOUVELLES SUÍTES DE PIÉCES DE
CLAVECIN.

Os ornamentos melódicos, atrasos e apojaturas, e irregularidades nos valores rítmicos,


conduzem o instrumentista a uma prática não escrita, a qual, não se fixa apenas na partitura, mas
também na tradição que se passava oralmente do mestre para os alunos, que improvisavam até nos
sinais musicais convencionalmente notados. “A improvisação era tão apreciada no século XVI
quanto no século XVII, e os tratados sobre o assunto que foram conservados sugerem que essa arte
era altamente desenvolvida” (DART, 2000, p. 71).
Os franceses embora notassem seus ornamentos através de símbolos, requeriam o aspecto de
improvisação justamente através da ornamentação. “A compreensão da notação se assenta sobre
uma convenção não escrita, um tipo de acordo entre compositores e intérpretes, que é a chave-
mestra em suas relações recíprocas” (HARNONCOURT, 1993, p. 35).
Para Linde (1979), na escola francesa os ornamentos são notados e chamados de essenciais. A
boa execução de uma obra depende da compreensão do intérprete do que está escrito e o como
deveria soar aproximadamente, escolhendo o melhor improviso para as ornamentações escritas.
Para tanto são consideradas algumas características que serão tratadas a seguir.
A ornamentação está intimamente ligada ao andamento; em um andamento rápido a
ornamentação tenderá a ser menos diminuída3 que em um andamento lento, onde haverá maior
tempo para um improviso mais fragmentado. Já as “apojaturas e trilos têm forte influência sobre o
desenvolvimento melódico, harmônico e rítmico da obra” (HARNONCOURT, 1993, p. 139).
Os franceses colocavam na partitura símbolos para a ornamentação essencial em locais
determinados. Linde afirma ainda que “para sua execução e aplicação [da ornamentação] havia
certas regras que, contudo, divergiam entre si, uma vez que se tratava de uma prática em constante
evolução” (LINDE, 1979, p. 06).
Os ornamentos são requeridos em caso de cadência, incisões na melodia, pontos culminantes
ou de importância harmônica ou melódica, e eventualmente as notas mais graves de uma melodia.
Em cada caso a acentuação poderá ser forte, com ornamento forte ou longo, ou fraca, com
ornamento fraco ou breve.
O trinado, representado por sinais como tr, t e +, ou pelas expressões vibrato e tremolo, são
também conhecidos pelos franceses como cadence por ser empregado em passagens de cadências.
Sua finalidade é a de destacar determinados sons dando mais brilho a estas passagens ou dando vida
3
Entende-se por diminuição a fragmentação de um valor maior em outros menores, prática comum quanto à
ornamentação (LINDE, 1979, P. 05).
às notas de valor longo. Havia o trinado longo, também chamado trillo, e o trinado breve, também
chamado tremolo. Tais sinais podem ser tocados de maneira simples, com grupeto ou com nota
superior ou inferior, ou apoiado na nota secundária superior, (quando indicada por uma pequena
nota como uma apojatura). Nesse último caso, podemos executar tal trinado iniciando-o pela nota
secundária no tempo em que foi marcado o tillo.
Nos “trinados de execução difícil em trechos muito rápidos e aplicados sobre notas curtas
podem ser às vezes substituídos por breves apojaturas antecipadas” (LINDE, 1979, p. 09). Isto
acontece quando há trinados sobre grupos de semicolcheias.
Quanto ao final do trinado, este pode ser: aberto – sem terminação; ou fechado – com
terminação, a qual, possui o mesmo valor que o trinado. Em outros casos, no lugar do trinado com
terminação, pode-se aplicar o grupeto quando a nota seguinte à nota trinada for conclusiva a esta.
O mordente é análogo ao trinado, começando com a nota real e com rapidez, trazendo à nota
brilho e preenchimento. Esse ornamento é dissonante e por isso destaca os diferentes sons, como na
cadência de engano, sendo usado na execução da linha do baixo.
A apojatura é um dos mais importantes ornamentos da música do século XVII. Pode ser
longa, quando recai no tempo, ou breve, quando recai na parte fraca da nota anterior. No século
XVIII especificamente, sua execução passa a ser incorporada ao valor da nota real, “(...) a apojatura
é o mais pessoal de todos os ornamentos essenciais e, seguramente, há mais de uma maneira de sua
representação, (...) tendo em vista a expressão” (LINDE, 1979, p. 10). Portanto, em se tratando de
apojatura breve, pode ser ou não acentuada, antes ou no tempo da nota real. No caso de apojaturas
longas são necessariamente acentuadas, no tempo da nota real que passa a ser reduzida. Sua
principal importância é a de destacar a dissonância harmônica.
O grupeto é um ornamento que soa particularmente agradável e também de belíssimo efeito de
canto. Pode ser notado através de um símbolo ou notado em pequeníssimas notas. Sua execução dá-
se na nota vizinha superior, passando pela nota real, nota inferior e retornando à nota real. É muito
semelhante ao trinado breve com terminação, sendo executado em peças rápidas ou em notas de
execução rápida com valores pequenos.
O arpejo é um ornamento concebido para instrumentos como cravo ou clavicórdio, e produz o
efeito de tocar à maneira de harpa, ou seja, não tocar as notas do acorde simultaneamente. Rameau
nota o arpejo com um traço na diagonal, na haste da nota que deve ser a primeira a se tocar, ou seja,
se o arpejo será descendente ou ascendente. Além disso, ainda pode-se acrescentar apojaturas ao
arpejo, onde serão tocadas, mas não sustentadas.
A barra de compasso, a partir do século XVII, nos dá indicações muito importantes a respeito
da acentuação da música, tornando visível à hierarquia dos tempos. Na música antiga há notas
nobres e notas comuns. De acordo com os autores de tratados dos séculos XVII e XVIII,
Harnoncourt aponta que em um compasso 4/4, por exemplo, o primeiro tempo é nobre e o segundo,
comum; o terceiro não tão nobre e o quarto, menos que o comum.
Esta hierarquia de acentuação é regida por hierarquias superiores como a harmonia. Toda
dissonância deve ser acentuada e sua resolução deve ser a ela ligada. Além da harmonia há o ritmo
e a ênfase. Uma nota curta que seja seguida de uma mais longa, mesmo que caia num tempo
comum, será acentuada, realçando os ritmos sincopados e saltados. A ênfase recai sobre notas que
constituam culminâncias melódicas. A aplicação da regra de acentuação dos tempos em forte e
fraco é também utilizada na subdivisão dos valores agregados a ele.
A ligação ou separação das notas isoladas, ou pequenos grupos e figuras, são os meios de
expressão da articulação. Encontramos em algumas partituras, pontos, arcadas, ligaduras, e até
mesmo um traço vertical, indicando qual a articulação adequada. Estes sinais entretanto eram pouco
utilizados, pois sua utilização era óbvia demais para os músicos da época.

“Diferentes articulações podem transformar uma mesma passagem a ponto de torná-la


irreconhecível; do mesmo modo a estrutura melódica de um trecho pode tanto parecer
mais clara através da articulação, como inteiramente obscura” (Harnoncourt, 1990, p.
59).

Este é, portanto, o principal instrumento para a interpretação da música antiga. A dinâmica


assume papel secundário.
Segundo Dart (2000), nos instrumentos de cordas, grupos de notas iguais com uma ligadura,
pediam uma articulação onde a primeira nota é mais forte e um pouco mais longa que as demais,
portanto a ligadura significa a acentuação da primeira nota, e não a execução ligada desse grupo de
notas.
Há também passagens em que as ligaduras não estavam presentes, mas pequenos pontos sobre
a nota indicariam o final de colcheias ligadas e não notas a serem tocadas em staccato, isso porque o
staccato é uma articulação moderna. Tais notas podem ser tocadas com regularidade rítmica ou não.
O ritmo pontuado assume grande importância na música antiga, como sendo mais um recurso
de improvisação. A notação é proporcional, mas sua execução não o é; notas de mesmo valor em
geral, são executadas aumentado-se o valor da primeira em detrimento da segunda.
Entende-se então que a articulação desempenha papel fundamental na execução e
interpretação da música. Ela também ajuda a precisar o andamento da música antiga, uma vez que
nesta época, os fatores que indicavam o andamento eram além da articulação, o tamanho do
conjunto de instrumentos e a sala. Isto significa que se a sala tiver uma capacidade grande de
reverberação, o andamento será menor. Se a música for executada com uma articulação rica, dará a
impressão de um andamento mais rápido.
Na execução da música antiga, a tradição é um fator tão determinante quanto à própria
notação da obra. Toda peça musical é submetida, através de repetidas execuções no
curso dos decênios e de séculos, a uma elaboração formal que acaba por adquirir um
caráter quase definitivo (Harnoncourt, 1993, p. 51).

Na citação acima podemos notar que o estudo destas características busca saber realmente
qual a real sonoridade da época o mais próximo possível ou, qual a melhor maneira de
interpretarmos essa música nos dias atuais. Todas as questões relativas à articulação e ornamentação
estão subentendidas na partitura através da cultura da época. A escrita não exprime todo o
significado da prática, apenas fornece pontos de referência para a execução e interpretação.

A SUÍTE DE RAMEAU
Conforme afirma Candé (2001), a emancipação da música instrumental, a partir do século
XV, se tornará totalmente plena nos séculos XVII e XVIII. Os instrumentos descobrem sua
individualidade e concertam livremente. Surgem, portanto, algumas formas musicais que
caracterizam esse processo. Tais formas tornam-se as preferidas de determinados instrumentos ou
grupo de instrumentos, como exemplo, destacamos a forma suíte que foi a preferida dos alaudistas e
cravistas.
Esta forma possui várias denominações conforme regiões diferentes: na Itália chama-se sonata
de câmara, na França, é proveniente das seqüências e na Alemanha, como partita. Surgiu no século
XVII proveniente de danças populares antigas de várias regiões tocadas por conjuntos orquestrais
no mesmo tom, variando às vezes o modo. A suíte é uma justaposição de danças contrastantes que
tem sua origem nos “puncta sucessivos da estampida medieval e no par pavana-galharda da
Renascença” (CANDÉ, 2001, p. 505). Perde a função coreográfica no século XVI.
A Allemande é uma dança (pertencente a suíte) de origem alemã, que nada mais era, no século
XVIII, do que um andamento lento, de caráter sério e grave. Valle (1986) cita como características
gerais de tempo da Allemande o compasso quaternário simples, o andamento moderato, o ritmo
inicial geralmente anacrúzico no último tempo do compasso e o modo maior empregado.
Geralmente em modo maior possui duas seções, cada uma delas cortada por um ritornello,
caracterizando a forma binária. A primeira seção A possui a exposição da idéia musical; a segunda
seção B o desenvolvimento. É pontuada de maneira incisiva ou escrita normalmente num
movimento regular de semicolcheias.
No caso dessa Allemande de Rameau, que foi composta em tonalidade lá menor, encontramos
duas seções com repetições nas duas; a primeira seção termina na dominante Mi Maior e a segunda,
na tônica Lá Menor. Está escrita em compasso quaternário simples sem anacruse. O andamento é
moderato e apesar de escrita em semicolcheias, pode ser tocada pontuada conforme dito por
Harnoncourt (1990) e afirmado anteriormente. Possui ornamentos tanto na mão direita quanto na
mão esquerda em semicolcheias, colcheias pontuadas, colcheias e semínimas e seus tipos são
grafados como trinados ou trilos, o mordente, a apojatura, o grupeto e o arpejo.
A seguir, exemplificaremos possíveis realizações dos ornamentos que aparecem na Allemande
retirada do livro Nouvelles Suítes de Pièces de Clavecin (1731) de Rameau. Em tais exemplos os
compasso da direita representam a partitura original e os compassos da esquerda, a realização do
ornamento.

Figura 1 - Trinado breve - segundo tempo da mão direita

Como podemos ver nesse exemplo, o trinado começava geralmente na nota superior, ou seja,
nota vizinha diatônica superior, com três ou quatro repetições, terminando na nota real, que segundo
Linde (1979) é o chamado de trinado breve.
O mordente superior por vezes é escrito com notas menores por extenso e do trino imperfeito
usa-se o símbolo. O trilo imperfeito ou shneller é parecido com o praller (figura 2), começa com a
nota real seguindo-se da nota superior e voltando à nota real. A diferença está no número de
repetições e na grafia.. Usa-se esse ornamento em passagens rápidas descendentes por graus
conjuntos.

Figura 2 - Shneller Praller

Linde (1979), destaca que até a segunda metade do século XVIII, não havia distinção entre
praller e schneller. Na notação de Rameau (figura 2) símbolo é o mesmo do trilo. Isto acontece nos
compassos 13 no primeiro e segundo tempo da mão esquerda como podemos ver na figura 3.
Devido a esta grafia acreditamos que a execução seja como um trino imperfeito, ou seja, nota real,
bordadura superior e nota real.
Figura 3 - Realização de trilo em passagens rápidas

Na Allemande há apenas um caso em que aparece um trinado conclusivo, ou seja, com notas
de terminação. Tal trinado está no terceiro tempo do compasso 25 na mão esquerda. Este ornamento
pode ser tocado como um trilo, começando pela nota superior com terminação ascendente, ou seja,
nota superior e nota real, passando da nota inferior até a nota superior onde termina.

Figura 4 - Trillo com terminação – mão esquerda

O mordente, como na cadência de engano, evidencia importantes dissonâncias e é usado na


execução da linha do baixo. Conforme já descrito acima, o mordente superior inicia-se pela nota
principal passa pela nota superior e retorna à nota principal. Entretanto no mordente inferior
acontece o contrário: inicia-se pela nota principal passa pela nota inferior e retorna à principal. Este
ornamento é notado com o mesmo símbolo do trilo no caso de mordente superior e no mordente
inferior é acrescentado a ele um traço vertical.
Entretanto, Linde (1979) nos mostra que a notação de Rameau é diferenciada quanto ao
mordente inferior, usando uma linha curva, como um parêntese, à direita da nota. Neste caso a
execução é do mordente inferior com três repetições. Podemos encontra-lo nos seguintes
compassos: primeiro tempo do compasso 01 na mão esquerda, terceiro tempo do compasso 03 da
mão esquerda, no primeiro tempo do compasso 08 e 09 em ambas as mãos.
Figura 5 - Mordente inferior – primeiro tempo da mão esquerda

No segundo caso, Rameau utiliza as linhas como um parêntese na nota, ou seja, uma linha à
direita e à esquerda da nota, indicando que este mordente começará na nota inferior com maior
valor, passando pela nota real e sua inferior. É denominado de mordente pincé et port de voix. Este
caso aparece nos compassos 04, 07, 11, 12, nos primeiros tempos da mão direita.

Figura 6 - Pincé et port de voix

Há apenas um caso na Allemande que trata do arpejo. Ele acontece no primeiro tempo da mão
direita do compasso 03 (figura 7). Este é um caso de arpejo descendente com nota de passagem, a
qual, está escrita com uma linha curva à esquerda da nota. Trata-se de uma apojatura, que é a nota
vizinha superior ou inferior, mais acentuada que a nota principal, podendo ser longa ou breve.

Figura 7 - Arpejo descendente com nota de passagem

O último ornamento observado nesta dança é o grupeto que acontece nos compassos 04, 05 e
32. Segundo Linde (1979), Rameau escreve o grupeto como uma passagem da nota superior, nota
real até a inferior, retornando à nota real. Tal ornamento é realizado ainda hoje desse mesmo modo,
não sendo necessária à sua ilustração. Este ornamento é a junção da apojatura com o mordente
inferior e possui um efeito brilhante quando associado ao trilo.
Em se tratando de articulação observamos que é mais coerente ligar as seqüências de
semicolcheias criando frases melódicas e desligando-as quando há uma respiração, ou seja, quando
ocorre pausas ou notas de maior valor, indicando término da frase musical. Observamos pela
partitura que é uma Allemande predominantemente a três vozes e que ela não apresenta sinais de
articulações.
Podemos então conceber uma respiração na metade do terceiro tempo da mão direita,
separando a colcheia das demais semicolcheias no compasso 01 (figura 8). Estas articulações
sugeridas devem levar em consideração se na condução melódica das vozes, há graus conjuntos,
saltos, cadências (que necessitam ser evidenciadas) e as repetições das vozes, além das condições
do piano e da sala em que será tocada a obra. É preciso conhecer bem o ataque e a ressonância do
piano para poder articular mais ou menos vezes, criando uma interpretação diferenciada dos legatos
exagerados do período romântico. Se o interprete optar por repetir as seções, aconselha-se que ele
faça articulações diferentes em cada repetição, improvisando como se fazia na época. Já no caso das
vozes, acreditamos que a obra será mais bem entendida se tocarmos cada voz com suas respectivas
repetições da mesma maneira.

Figura 8 - Articulação, separando a colcheia das demais semicolcheias

Esse breve estudo de possíveis realizações dos ornamentos e maneiras de articular a frase
musical nesta obra, é apenas uma introdução à performance instrumental barroca, pois “só quando
se aplicam os ornamentos não mais de maneira esquemática, mas por intuição, é que se está no
caminho certo” (LINDE 1979, p. 5).

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