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1- INTRODUÇÃO:

A articulação, segundo “The New Grove Dictionary of Music and Musicians”, é


um dos principais componentes do fraseado. No violino, o arco desempenha o principal
elemento gerador da articulação, e por consequentemente do fraseado.
O arco do violino através de sua história passou por inúmeras modificações em
sua construção, alterando a técnica aplicada a ele. Nota-se que os modelos considerados
hoje “antigos” foram paulatinamente sendo deixados de lado pela maioria dos
violinistas, sendo estes substituídos pelo arco moderno (Tourte).
Contudo, é importante considerar que as composições feitas antes do surgimento
do arco moderno foram escritas para serem executadas com modelos de arco
contemporâneos aos compositores, em busca da sonoridade e de seu efeito sobre a
articulação que este arco produzia. O arco barroco, por exemplo, representou um papel
crucial na história. Atualmente Composições foram escritas para tal ferramenta e hoje
vemos estas sendo executadas com o arco moderno. De acordo com Sadie No New
Grove Dictionary of Music and Musicians (1980 pág. 644):

[...] Na música ocidental marcações como andamento e expressão, passaram


a figurar na partitura num estágio relativamente tardio na história da notação,
assim como marcações de articulação são raramente encontradas antes do
século XVII [...] articulação sempre fora uma parte integral de toda
performance musical sensível.1

Pensando nestas questões, e por acreditar que elas sejam importantes para o
devido crescimento do violinista, seu comprometimento com o repertório, compositor e
com o público, despertou-me o interesse em estudar os efeitos do uso de dois tipos de
arco sobre a articulação e o fraseado. Para isso, a peça escolhida para estudo foi a sonata
Opus 5 Nº 6 de Jean-Marie Leclair. Da grande variedade de modelos de arco de violino
existentes, pretendo escolher dois tipos contrastantes: o arco barroco modelo de 1740
descrito em Violin Technique and Perfermance Pratice in the Late Eighteenth and
Early Nineteenth Centuries, de Robin Stowell (p. 13 fig.1) e o arco moderno (Tourte).
1
Tradução livre do autor: […] In western music, just as tempo and expression marks entered scores at a
relatively late stage in the history of notation, so also articulation marks are scarcely to be found before
the 17th Century […] articulation have always been an integral part of any sensitive musical
performance. SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London:
Macmillan, 1980. v1 p. 644

1
A partir da execução desta composição com estes dois arcos, serão analisadas as
diferenças, semelhanças e as implicações técnicas e interpretativas que estes dois arcos
exercem sobre a articulação.

2- QUESTÃO DA PESQUISA:

Quais os aspectos da execução que podem ser observados as possíveis


interações influências de articulação e construção do fraseado exercidas pelo arco na
execução da Sonata Opus 5 Nº6 de Jean-Marie Leclair, utilizando a arco barroco e o
arco moderno?

3- OBJETIVOS:

3.1 – OBJETIVO GERAL:

Analisar as implicações técnico-interpretativas na articulação e fraseado a partir


da execução utilizando o arco barroco e o arco moderno da sonata Opus 5 Nº6 de Jean-
Marie Leclair.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

 comparar as diferenças e semelhanças entre dois tipos diferentes de arcos


utilizados na execução da Sonata Opus 5 Nº6 de Jean-Marie Leclair;
 avaliar as possibilidades técnicas e interpretativas dos dois tipos
diferentes de arco na execução da sonata ;
 editorar, a partir do facsimile, a partitura da sonata Opus 5 Nº6 de Jean-
Marie Leclair, utilizando recursos da notação musical moderna indicando
articulações possíveis produzidas no processo.

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4- Justificativa:

Nikolaus Harnoncourt (1980: Pag. 60) em seu O Discurso dos Sons pondera:
“Quero deixar bem claro que a articulação é o meio de expressão mais importante que
possuímos na música barroca”2. Harnoncourt também argumenta sobre a “igualdade”
sonora em todos os níveis que apenas o arco de Tourte pode proporcionar, entretanto ao
tocar uma obra barroca, levando em conta a busca por uma interpretação mais autêntica
as aparentes desvantagens do arco barroco tornam-se vantagens, uma vez que a boa
execução é aquela que nos restitui a música adequadamente.
Levando em conta esta convivência simultânea de obras e arcos de períodos
diferentes, surge a necessidade de comparar tecnicamente as articulações geradas por
estes dois tipos de arcos, suas semelhanças, diferenças, implicações e possibilidades
técnico-interpretativas.
Os conhecimentos musicológicos não devem constituir-se um fim em si
mesmos, mas apenas proporcionar-nos os meios de chegarmos a uma melhor
execução que, em última instância, será autêntica se a obra for expressa de
forma bela e clara.3
Devido à gama de recursos presentes em ambos os arcos e à variedade de
repertório onde estes recursos podem ou não ser aplicados, o contato direto com as
técnicas de arco aplicadas à articulação na música barroca são de suma importância para
o enriquecimento da performance do violinista contemporâneo.

5- REVISÃO DA LITERATURA

Em seu livro O Discurso dos Sons, Nikolaus Harnoncourt descreve sobre a


importância da articulação no período barroco e de como estas pequenas células
constroem o fraseado, diferentemente do período do Romântico onde a frase tende a ser
fluida como uma pintura. Harnoncourt esclarece que também são possíveis
interpretações de época executadas com o arco de Tourte (arco moderno), explicando
que este arco tem suas vantagens sobre o arco barroco.Entretanto o autor reflete que se
pode usar determinadas ferramentas para determinados tipos de música, ou seja, o arco
2
HARNONCOURT, Nikolaus.O Discurso dos Sons: Caminhos para uma nova compreensão musical. 2.
ed. Tradução Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. p. 60.
3
HARNONCOURT, Nikolaus.O Discurso dos Sons: Caminhos para uma nova compreensão musical. 2.
ed. Tradução Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. p. 19.

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barroco para a música barroca. Contudo a vida do músico nem sempre permite tal
escolha, visto que em um dia se toca Mahler, e no dia seguinte Bach. A construção do
arco barroco e suas desvantagens perante o arco moderno acabam por ser fortuitas na
execução de uma obra barroca, visto que esta era a ferramenta para a qual a obra
musical havia sido composta. Identificar as diferenças naturais entre estes dois tipos de
arco torna-se uma possibilidade de melhorar a execução não só de períodos
contrastantes mas também de períodos intermediários.
Algumas diferenças físicas do arco barroco para o arco moderno são citadas em
The Interpretation of Early Music de Robert Donington, tais como tamanho, peso,
curvatura, tensão da crina, entre outras. No Subtítulo “The Baroque Violin Bow”,
Donington comenta que o arco barroco que curvatura convexa não é absolutamente
necessária para a execução da música barroca, uma vez que se pode reproduzir a
sonoridade e a articulação com o arco modelo Tourte, desde que o violinista tenho
claros os conceitos barrocos de articulação. Donington ainda explica que essa
articulação pode ser mais bem executada com o arco barroco e esta diferença é
apreciável.
O tratado sobre a técnica do violino de 1756 de Leopold Mozart (Versuch einer
grundlichen Violinschule (Augspurg 1756; trans. by Editha Knocker: A Treatise on the
Fundamental Principles of Violin Playing [London: Oxford University Press, 1937,
1948, etc.]) é um registro preciso da técnica violinística de sua época e aborda questões
tanto técnicas e interpretativas, assim como os tratados importantes do século XX, de
Carl Flesch (The Art of Violin Playing) e Ivan Galamian (Principles of Violin playing &
teaching), que servem como guias educacionais metodológicos da técnica do século
XX.Os tratados de Leopold Mozart e Geminiani são retratos vivos da “antiga” técnica e
suas peculiaridades. Baillot em seu The art of the violin, (1834) cita: “A articulação
musical, por influência da retórica, é comparada à articulação da língua falada”. Os
tratados, tanto os antigos como os modernos, são essênciais, pois abordam questões
pontuais sobre técnica do violino e arco.
O dicionário Grove de música (Sadie, Stanley. The New Grove Dictionary of
Music and Musicians) considerado como um marco referencial básico, define e
conceitua os termos utilizados, tais como Articulation, (articulação), Bowing (Arcadas
ou golpes de arco). O Dicionário também apresenta a história do arco e do violino bem
como do compositor, além de abordar pontualmente o período barroco sua estética e

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seus conceitos. Na mesma linha o Harvard Diciotnary of Music fornece dados técnicos
e históricos a respeito dessa temática.
O livro Violin Technique and Performance Pratice in the Late Eighteenth and
Early Nineteenth Centuries de Robin. Stowell traça uma linha histórica sobre a
execução violinística, passando pelo desenvolvimento do arco (The Development of the
bow) mostrando diferenças físicas de vários modelos de arco detalhadamente, incluindo
os arcos em questão. Além das questões estruturais do arco Stowell discorre sobre
golpes de arco, articulação, descrevendo o “comportamento” do arco em diferentes
golpes. Também traz questões sobre timbre, produção de som, pressão do arco e um
capítulo dedicado ao ponto de contato. Em outra produção (The Cambridge Companion
to the Violin) Stowell aborda novamente a transformação do arco e sua importância na
execução da música barroca
David Boyden no seu The Violin Bow in the 18th, lista os diversos tipos de arcos
comparando-os no que diz respeito a construção e época, associando-os a períodos
específicos e a compositores.
Com um panorama histórico indispensável, História da Musica Ocidental de
Jean e Brigitte Massin, História da Música Ocidental (GROUT, D. J & PALISCA, C.
V.), História Universal da Música de Roland de Candé, traçam as transformações da
música, suas influências, além de situar as questões técnicas dentro dos seus contextos
históricos. A abordagem sobre o compositor é essencial para contextualização de sua
obra. Vale citar também o Atlas de Música (Ulrich Michels) o qual mostra de maneira
concisa a produção musical e suas modificações, dando assim uma visão ampla da
produção musical através da história.
No texto Violin Bow Construction and its Influence on Bowning Techinque in
the Eighteenth and Nineteenth Centuries, Pepina Dell’Olio traça uma comparação entre
vários modelos de arco no que concerne à sua construção e à influência na técnica do
violino, servindo como um guia teórico interessante no que tange à estrutura física do
arco.

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6-METODOLOGIA

A comparação será realizada através da execução de trechos escolhidos e


analisados a partir do facsimile da Sonata Op.5 Nº 6 de Jean-Marie Leclair, bem como
da obra inteira, usando para tanto os dois arcos escolhidos, o arco barroco modelo de
1740 descrito em Violin Technique and Performance Pratice in the Late Eighteenth and
Early Nineteenth Centuries, de Robin Stowell (p. 13 fig.1) e o arco moderno modelo
Tourte, tendo como base para as execuções os tratados de violino citados anteriormente.
Os trechos executados serão gravados em áudio e vídeo em alta definição para análise e
comparação dos efeitos do arco na articulação e fraseado. A editoração será realizada
em software para editoração musical (Sibelius).

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7- BIBLIOGRAFIA

BAILLOT, Pierre Marie François de Sales. The Art of the Violin. translated by Louise
Goldberg. Evanston: Northwestern University, 1991.

BOYDEN, David D.The history of violin playing, from its origins to 1761 and its
relationship to the violin and violin music. New York: Oxford University Press, 1990.

BOYDEN, David D.The Violin Bow in the 18th Century. Oxford: Oxford University
Press, 1980.

CANDÉ, Roland de. Historia Universal da Música tradução Eduardo Brandão; revisão
da tradução Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

DELL’OLIO, Pepina. Violin Bow Construction and its Influence on Bowning


Techinque in the Eighteenth and Nineteenth Centuries. Tallahassee, Florida: Florida
State University, 2009. Disponível em: < http://etd.lib.fsu.edu/theses/available/etd-
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DONINGTON, Robert. The Interpretation of Early Music. 1. ed. New York: Norton
& Company Inc, 1992.

FLESCH, Carl. Art of violin playing: Book one. 1. ed. New York: Carl Fischer, 2000.

FLESCH, Carl. Art of violin playing: Book Two. 1. ed. New York: Carl Fischer, 2000.

GALAMIAN, Ivan. Principles of Violin Playing and Teaching. 3. ed. New Jersey:


Prentice Hall, 1985.

GEMINIANI, Francesco. The Art of Playing the Violin. London: Travis & Emery
Bookshop, 2009.

GROUT, Donald Jay; PALISCA, Claude V. A History of Western Music. 6th. ed.
New York: W. W. Norton, 2001.

HARNONCOURT, Nikolaus.O Discurso dos Sons: Caminhos para uma nova


compreensão musical. 2. ed. Tradução Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Zahar,
1990.

LECLAIR, Jean-Marie; SAINT-ARROMAN, Jean (org.). Sonates à violon seul avec la


basse continue. Paris: Anne Fuzeau Productions, 1734. Partitura Facsimile. Violino e
baixo continuo.

MASSIN, Jean; MASSIN, Brigitte. História da Música Ocidental. Tradução Angela


Ramalho Viana, Carlos Sussekind, Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997.

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MICHELS, Ulrich. Atlas de Música. Ilustraciones de Gunther Vogel; versión española
de Rafael Banús; revisión técnica de Luis Carlos Gago. Madrid: Alianza, 1992

MOZART, Leopold. A Treatise on the Fundamental Principles of Violin Playing.


2nd ed. Translated by Editha Knocker. Oxford [Oxfordshire] ; New York : Oxford
University Press, 1985.
RANDEL, Don Michael (ed.). Dicionário Harvard de Música. Madrid: Alianza, 2004.

SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London:
Macmillan, 1980.

STOWELL, Robin. The Cambridge Companion to the Violin. Cambridge:


Cambridge University Press, 1992

STOWELL, Robin. Violin Technique and Performance Pratice in the Late


Eighteenth and Early Nineteenth Centuries. Cambridge: Cambridge University
Press, 1990.

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