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Desvendando
O Enigma
do Centauro
como a união homem-cavalo acelerou
a história a transformou o mundo
Equus brasil
www.equusbrasil.com.br
Copyright © 2008: Infomappas Editora Ltda
Copyright © do texto: Bjarke Rink
ISBN: 978-85-61-792-00-8
Revisão: Adriana Bonone
Projeto gráfico: Heloisa Campos
Editoração eletrônica: Luanda Esteves
Rink, Bjarke
Desvendando o Enigma do Centauro: como a união homem-cavalo
acelerou a história e transformou o mundo / Bjarke Rink - São Paulo: Equus
Brasil, 2008
08-06267 CDD-798.2
Todos os direitos resevados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada
ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico,
por fotocópias, gravações, etc. - nem apropriada ou estocada em sistemas de
bancos de dados sem a expressa autorização da editora.
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The Centaur Legacy, a versão em inglês do Desvendando o Enigma do
Centauro foi incluida na coleção Horse Travel Books e lançada em 2005 em
Londres na Royal Geographical Society.
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“Tive grande prazer em ler este livro. É uma verdadeira obra-prima.
Obrigado por ter contribuído para o mundo com esta obra maravilhosa.”
Douglas Preston, autor de Cities of Gold e Talking to the Ground – EUA.
“The Centaur Legacy é interessante e provocativo, com idéias novas e
desafiadoras.”
Matthew Mackay-Smith, DVM, editor da EQUUS magazine – EUA.
“Acredito que temos aqui algo absolutamente novo sobre equitação.
Utilizando uma abordagem científica, a busca pelos fatos de um jornalista,
e com um toque de humor, Rink teve a audácia de entrelaçar fisiologia e
biomecânica com a longa história de equitação.”
Dr. Renan Sampedro, PhD em Fisiologia do Exercício, Catedrático da
Universidade Federal de Santa Maria/RS – Brasil.
“Rink realizou um trabalho maravilhoso revendo um tema há muito
negligenciado na literatura. The Centaur Legacy é interessante,
compreensível, com idéias novas e desafiadoras.”
Dr. Holm Newman MD. American Board of Orthopaedic Surgery – EUA.
“Este é um livro fascinante e profundamente absorvente. É uma leitura
essencial para qualquer pessoa interessada na origem da equitação e no
desenvolvimento das civilizações.”
Garry Ashton-Coulthon, editor da HORSE magazine – Londres.
“Revolucionário! O mais importante livro equestre do início do século 21.
Os conceitos de Rink não podem ficar limitados a uma língua ou um país.
Leia e se impressione.”
CuChullaine O’Reilly, FRGS, Fundador da The Long Riders’ Guild, autor de
Khyber Knights – EUA.
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I. Prefácio da edição inglesa
Jeremy James
Quando aparece um livro que deixa sua mente fervilhando com per-
guntas e respostas pipocando por todo lado – o que é que você faz? O que
é que você faz? Eu sei o que você faz: você vai correndo para casa de um
amigo ou amiga, gritando “Ei, você! Largue tudo e LEIA ESTE LIVRO”.
Põe o livro em suas mãos. E vai para casa e espera. Espera até que ele lhe
telefone. Quando a ligação chegar – e ela vai chegar – haverá um minuto
de silêncio antes de ele falar: uma breve pausa antes da torrente. E você
então saberá que ele também terá encontrado no livro o mesmo que você.
E será um momento maravilhoso.
A primeira vez que o Long Riders’ Guild me entregou este livro, olhei
para ele com alguma hesitação. Parecia-me meio abstrato, não que eu te-
nha algo contra isso, muito pelo contrário, mas abstrato de uma forma que
não fazia muito sentido para mim. Outrossim, o fato de o próprio autor,
Bjarke Rink, dizer que era uma antologia de ensaios me deu uma sensação
de que o assunto era um tanto remoto e, talvez, muito acadêmico para
meu gosto. Eu não sabia muito bem no que ia dar, uma vez que a editora
não me deu nenhuma informação prévia. Pensando bem, eu agora com-
preendo a razão daqueles sorrisos egnimáticos.
Seja lá como for, peguei o livro, falei qualquer coisa, fechei minha
porta, suspirei, sentei confortavelmente, abri o livro e comecei a ler.
As palavras se moviam pela página: as páginas do livro viravam. To-
das as distrações sumiram. Barulhos vindo do mundo exterior cessaram.
Tudo que existia na minha vista periferal desapareceu. Somente as pala-
vras existiam. Movendo-se pela página.
De repente, sentei ereto diante de minha escrivaninha, segurando o
livro com as duas mãos, os olhos arregalados e ouvi uma voz dizer, repe-
tidas vezes, “macacos me mordam”; olhei para o meu relógio. Tinham se
passado quatro horas.
Esta é a primeira vez que tenho esta reação perante um livro desde
que lí Dudinsev na década de 70.
Desvendando o Enígma do Centauro é um trabalho impressionante.
É profundo. É erudito. É elegante. É totalmente surpreendente. É de cair
o queixo. É vigoroso. É espirituoso, e é divertido. É malcriado. É ótimo!
E leva você a lugares onde nunca ninguém pisou, e faz conexões que nin-
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guém tinha visto antes. O livro traz à luz todo um mosaico de riquezas da
equitação que ninguém nunca pensou em juntar, e o resultado é a primera
versão filosófica da equitação já produzida. E isto, por si só, é um feito
impressionante.
Mas o livro é muito mais.
Quando eu era jovem, havia na televisão inglesa diversas séries.
Uma delas era Civilização de Lord Clarke, outra A Ascensão do Homem
de J. Bronowski e, por último, Cosmos de Carl Sagan. Cada um desses
programas tinha um efeito formidável: você realmente sentia sua mente
se expandir, indo a regiões nunca antes exploradas, mostrando fatos que
teriam um efeito profundo no seu jeito de pensar. Lembro-me, na minha
adolescência, de sentar de pernas cruzadas no chão da sala, boquiaberto e
com lágrimas nos olhos enquanto Jakob Bronowski me explicava, na mi-
nha sala de estar, como funcionava a teoria da relatividade. Para mim, que
nunca havia passado em nenhuma prova de matemática e nem de física,
de repente, entender a teoria da relatividade, lá na sala de estar da família,
devido à habilidade de Jakob Bronowski de apresentá-la de maneira inteli-
gível. Não só consegui entender, mas consegui explicá-la. Estas três séries
me enriqueceram de uma maneira extraordinária. E milhões de pessoas as
assistiam. Eram mais populares do que as novelas, do que qualquer outro
programa no mesmo horário: eram imperdíveis.
Este livro, Desvendando o Enigma do Centauro, está na mesma ca-
tegoria. Da mesma forma que os três homens ilustres destes programas,
Bjarke nunca faz concessões. Ele nunca assume um ar superior, nunca
se põe num patamar acima do leitor. Em vez disso, ele, como os outros,
estende a mão ao leitor, ele mostra. Revela. Olhe, diz ele. Veja por você
mesmo. Estou simplemente colocando tudo na sua frente. Lá está. Sempre
esteve lá. Como o mestre de seu ofício, tal como Bronowski, Sagan e Cla-
rke, ele não perde tempo com efeitos artificiais: a obscuridade sumiu: os
mitos sumiram; sumiu o faz-de-conta. Ele não dá lugar nem ao mistério
ou misticismo, as ditas ‘leis dos cavalos’, as mistificações do sussurador
de cavalos, conhecimentos exclusivistas, e todas as bobagens comentadas
por aqueles que nem conseguem entender nem explicar o que chamam
de sua área de conhecimento. Qualquer pretensão de que seria necessário
ter algum conhecimento especial ou talento para entender ou controlar
um cavalo é corretamente dispensada como sendo a bobagem que é. Ele
diz aquilo que você sempre sentiu instintivamente, mas nunca conseguiu
por em palavras. Ele dá os fatos, a verdade, alí expostos, a céu aberto, cla-
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ramente, lucidamente, inteligivelmente e totalmente indiscutível. Tudo o
que você tem a fazer é sentar e assimilar.
Quantas pessoas conseguem um feito igual? Quantas pessoas conse-
guem explicar idéias complexas de maneira simples, como se você tivesse
sabido de tudo o tempo inteiro, e o que Bjarke fez foi simplesmente acen-
der a luz.
Não é maravilhoso quando um intelecto consegue falar com você
desta maneira? É tão reconfortante. É tão tranquilizador. É tão terrivel-
mente revelador. É como ver alguma coisa pela primeira vez sem qualquer
obstrução.
Não vou tentar explicar o que essas páginas contêm, mas vou deixar
que você, leitor ou leitora, descubra por você mesmo. Deixe Bjarke levar
você! É uma viagem memorável. Uma viagem que deixará você com uma
visão final irrefutável, como eu. Sentí que, se eu não tivesse lido esse li-
vro, eu não teria conhecido um mundo inteiramente novo relacionado à
equitação que não somente me deu mais conhecimento daquele mundo,
mas me fez entender a relação homem-cavalo de uma maneira totalmente
nova que eu não tinha antes. Bjarke me mostrou, melhor do que qualquer
outro autor ou pessoa que eu tenha conhecido, como lidar com um cavalo
e me deixou a certeza de que, se eu não tivesse lido este livro, eu não deve-
ria estar lidando com cavalos.
Jeremy James
Powys, País de Gales
Fevereiro de 2005
___________________
Jeremy James é autor de Saddletramp, Vagabond, The Tippling Philosopher e Debt of Honor –
The Story of the International League for the Protection of Horses. Membro fundador do The
Long Riders’ Guild, Jeremy se tornou membro do Royal Georgraphical Society em reconheci-
mento pelas suas investigações equestres.
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II. Introdução
De como a Humanidade Chegou aonde Chegou
11
tropólogo, cuja tarefa é classificar as características humanas, ou por um
biólogo dedicado a estudar as conexões simbióticas do mundo animal,
ou, ainda, por um historiador, cujo objetivo é lembrar o que os outros
esqueceram (obrigado, Hobsbaum). Ou, ainda melhor, por seis compe-
tentes mãos. Mas, por uma razão muito simples, esse livro foi escrito por
um cavaleiro: nós somos os únicos profissionais do planeta a trabalhar na
‘fronteira dos sentidos’ onde Homo sapiens se funde com Equus caballus
– uma área do conhecimento humano ainda virtualmente inexplorada.
Como não acredito que um cientista ‘não cavaleiro’ pudesse lhe guiar com
segurança por meio desta ‘terra incógnita’, uma viajem atribulada que nos
levará a desvendar o enigma do Centauro, você terá que vir comigo. Mas
não se preocupe; eu tenho um mapa confiável e um cavalo que conhece
o caminho. Portanto, encilhe seu corcel – mesmo que esse animal mara-
vilhoso só exista em seus sonhos mais felizes – e vamos galopar por este
mundo afora e descobrir o que cientista algum se deu ao trabalho de pro-
curar! Vamos, nós conseguiremos!
B.R.
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Índice
I. Prefácio.......................................................................................... 8
II. Introdução................................................................................... 11
Parte I
O Catalisador da História.................................................................. 17
1 Homo Quem?.........................................................................................18
2 Homo Sapiens – a Máquina de Aprender...........................................22
3 Equus Caballus – a Máquina de Correr..............................................26
4 O “Big Bang” da Revolução Biológica.................................................30
5 Homo-Caballus, o Catalisador da História........................................34
6 Homo-Caballus Quebra a Barreira do Tempo...................................38
7 Sobre Átila e Einstein............................................................................43
8 A Dinâmica Equestre Impulsiona o Mundo......................................48
9 Sob o Domínio do Centauro................................................................54
10 Os Mestres do Tempo e os Mestres do Espaço..................................60
11 Homo-Caballus por Cinquenta Séculos de História.........................67
12 Subtrair o Cavalo é Implodir a História..............................................71
13 O Tempo Biológico das Sociedades Pedestres...................................76
14 Homo-Caballus nas Civilizações Sedentárias....................................81
15 A Ascensão do Homo-Caballus na Europa........................................85
16 Equitação-Trabalho...............................................................................91
17 Equitação-Esporte.................................................................................95
18 Equitação-Arte.....................................................................................100
19 Xenofonte – Nasce a Equitação Acadêmica.....................................105
20 Federico Grisone, Fundador da Equitação Clássica........................108
21 Antoine de Pluvinel – a Equitação Elevada à Sétima Arte.............111
22 La Guérinière, o Herdeiro da Equitação Científica.........................116
23 François Baucher – Guerra Civil na Equitação Clássica.................120
24 Gustav Steinbrecht – Entra em Cena o ‘Sistema Alemão’..............125
25 Federico Caprilli, a Revolução Inacabada........................................130
26 Os “Anos Dourados” da Equitação....................................................135
27 O Último Mito......................................................................................140
28 ‘Horse Power’ Supremo.......................................................................144
13
Parte II
Em Busca do Centauro..................................................................... 148
29 Uma Largada Auspiciosa....................................................................149
30 A Extinção do Centauro.....................................................................155
31 Um Mundo Sem Cavalos?..................................................................159
32 O Espírito do Centauro Vive!.............................................................162
33 Sobre Carros e Cavalos........................................................................165
34 A Equitação Científica do Século 20.................................................170
35 Equitação – Voar é Preciso.................................................................174
36 Em Busca do Centauro........................................................................177
37 O Milagre da Neurofisiologia da Equitação.....................................181
38 A Neurociência Revela os Princípios da Equitação.........................186
39 A Organização da Equitação em Reflexos Automatizados............191
40 O Código de Comandos da Equitação..............................................195
41 A Fusão do Homem com o Cavalo....................................................198
42 Sobre Dr. Pavlov e General L’Hotte...................................................202
43 Sobre Equitação e Liderança..............................................................205
44 Sobre Equitação e Atrelagem..............................................................209
45 O Poder do Prazer na Equitação........................................................213
46 Equus Ludens.......................................................................................217
47 Homo Communicator.........................................................................221
48 A Inteligência Emocional na Equitação............................................224
49 Embocadura, a Conexão Cerebral.....................................................228
50 Sela, Mão Dupla no Tráfego dos Sentidos........................................237
51 Repensando o Chicote e a Espora......................................................243
52 Desvendando o Enigma do Centauro...............................................247
Parte III
Odisséia na Ciência...................................................................................257
53 A Dança das Ilusões.............................................................................258
54 Serão os Ecos do Passado a Música do Futuro?...............................268
55 O Fim da Visão Mecanicista da Equitação.......................................274
56 Uma Revolução em Ebulição.............................................................279
57 Equitação – Esportes em Evolução....................................................284
58 Equitação: Simbiose ou Escravidão?.................................................288
59 Dançando com Cavalos?.....................................................................296
60 A Linguagem Natural dos Movimentos............................................302
14
61 Comunicando-se com os Cavalos.....................................................307
62 Estratégias e Ciclos de Vida no Treinamento dos Cavalos.............315
63 Construindo um Centauro a Partir de um Cavalo..........................322
64 Um Homem Chamado Cavalo...........................................................329
65 Equitação Simbiótica – Transformando o Desejo em Realidade.......334
66 Caprilli e Além.....................................................................................340
67 A Zona Cibernética do Centauro......................................................346
68 Equitando na ‘Zona do Conforto’......................................................352
69 Por que Montar a Cavalo?...................................................................359
70 Sabedoria Nômade Numa Cultura Urbana......................................366
71 A Formação Cultural do Equitador Moderno.................................373
72 Uma Estrutura Moderna para os Esportes Equestres.....................380
73 Odisséia na Ciência.............................................................................385
74 Brasil, Mostre a Sua História..............................................................390
15
I. O Catalisador da História
Então o Oriente
Foi o berço de uma sociedade dinâmica
Organizada em torno do cavalo
Que irradiou sua energia
Em todas as direções das estepes:
Norte, Sul, Leste, Oeste,
Mudando o ‘Padrão do Tempo’
De todas as culturas que tocava
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Bjarke Rink
CAPÍTULO 1
Homo Quem?
18
Parte I Catalisador da História
característico dele, andava sobre duas pernas como as aves, mas não sabia
voar. (A forma bípede de locomoção é mais lenta do que a quadrúpede e
consome mais energia por quilômetro, uma razão pela qual o novo vizi-
nho não era caçador)1. Mas, apesar de sua visão policromática e estereos-
cópica, audição, olfato e tato bem desenvolvidos, a inofensiva espécie não
tinha dentes afiados nem unhas poderosas para abater animais e rasgar a
pele para comer a carne – a criatura passava o dia pacificamente à procu-
ra de folhas, frutas, nozes, sementes e raízes para comer, sem incomodar
ninguém – (o antropólogo Raymond Dart, um dos seus descendentes, ba-
tizou a espécie de Australopteco).
Mas, depois de 2 milhões de anos nessa vidinha doméstica, preocu-
pado apenas em procurar comida, fazer e criar os filhos, os outros animais
da savana começaram a perceber com horror que os hábitos do “macaco
pelado”2 estavam lentamente mudando. Ele agora formava pequenos ban-
dos de caçadores para abater animais e depois, de volta no acampamento,
rompia o couro e cortava pedaços da carne com o uso de pedras lascadas
afiadas como facas! O “macaco pelado” também usava pedras para raspar
o couro dos animais abatidos e fabricar rudes vestimentas com as quais
agasalhava a sua ridícula nudez. (Um outro descendente do macaco pela-
do, o antropólogo Louis Leakey, batizou essa etapa evolutiva da estranha
criatura de Homo habilis).
Mais de 1,5 milhão de anos se passaram e os vizinhos começaram a
notar mais uma diferença desconcertante nos hábitos do “macaco pelado”
– ele agora dominava uma tecnologia de subsistência simples, mas eficien-
te: aprendeu a manejar o fogo e estava cozinhando os seus alimentos para
amaciar a textura. (Curiosamente chamaram este novo estágio evolutivo
de Homo erectus – ereto ele já era na etapa Australopteco). Mas, ainda
assim, o “macaco pelado” não era uma grande ameaça para os outros ani-
mais – todos maravilhosamente dotados com estratégias eficientes de so-
brevivência – garras, dentes ou chifres para lutar ou grande velocidade
para fugir. Equipado com apenas duas pernas para correr, carne, felizmen-
te, ainda era uma parte muito pequena da sua dieta. Mas gostar de carne
o “macaco pelado” gostava – às vezes os seus vizinhos os viam às turras
1
Michael Johnson, o velocista americano que quebrou o recorde dos 400 m em 1999, com o
tempo de 43.18 segundos, perderia essa mesma corrida se competisse com um rato de esgo-
to.
2
“Macaco pelado”: a esplendida definição de ‘humanidade’ do prof. Desmond Morris; uma gran-
de contribuição ao significado mais profundo de antropologia e à condição zoológica da espécie
humana.
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Bjarke Rink
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Parte I Catalisador da História
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Bjarke Rink
CAPÍTULO 2
Homo Sapiens –
a Máquina de Aprender
22
Parte I Catalisador da História
pensar o seu débil sistema locomotor, acabou dotado com uma estrutura
cerebral com grande capacidade de desenvolvimento. Por meio do apren-
dizado, a atividade das suas células modifica a estrutura física do cérebro.
Isto significa que, quanto mais experiências o homem vive, mais conexões
vão interligando as suas células nervosas – o que, por sua vez, lhe permi-
te realizar novas experiências, num processo de aprendizagem infinito.
(A natureza não agraciou o “macaco pelado” com garras, dentes e chifres
para lutar – mas o que o seu cérebro é capaz de maquinar até Deus, arre-
pendido, deve estar começando a duvidar).
Mas o que estimulou o “macaco pelado” a desenvolver o cérebro?
Qual foi o motor do seu progresso intelectual? Os antropólogos do passa-
do pensavam que a pressão ambiental, a luta pela sobrevivência, obrigou o
Homem a realizar sempre novos inventos e esses estímulos desenvolveram
a sua mente – afinal, a descoberta de utensílios de pedra, bronze e ferro
contam, com provas materiais, a história do seu crescimento econômico.
Karl Marx, o filósofo do materialismo, afirmava que a principal diferença
entre os homens e os animais reside no fato de que, para satisfazer suas
necessidades, os homens criam ferramentas e, com elas, transformam o
meio ambiente. Na sua opinião, “o homem aprimorou os seus sentidos
e seu intelecto por meio do trabalho e na relação com os objetos por ele
produzidos conheceu o sentimento de prazer e auto-realização”.
Richard Leakey, em seu livro People of the Lake, oferece uma expli-
cação científica mais atualizada para o desenvolvimento do intelecto hu-
mano. Ele diz: “o grupo é uma entidade dinâmica, um caleidoscópio das
modificações de assuntos práticos e do humor social. O mundo prático é
em si relativamente previsível. Apesar de que há a necessidade de grandes
doses de habilidade para explorar os diversos recursos alimentares espa-
lhados numa determinada região, estas se tornam relativamente simples
se comparadas com a exigência intelectual de se fazer alianças sociais para
realizar manobras políticas e para se obter avanços sutis na hierarquia
social ou, simplesmente, interagir com um outro indivíduo imprevisível”
(principalmente quando do sexo oposto). O comportamento de plantas e
animais é relativamente previsível. O comportamento de seres humanos
em organizações sociais não é. “Você precisa de maior juízo para lidar com
as incertezas relativas em eterna transformação de uma organização social
do que se relacionar com as certezas relativas do meio ambiente,” conti-
nua Leakey. “Tecnologia e outros meios de subsistência devem também
ter tido alguma influência no desenvolvimento do cérebro, porque até as
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Bjarke Rink
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Parte I Catalisador da História
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Bjarke Rink
CAPÍTULO 3
Equus Caballus –
a Máquina de Correr
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Parte I Catalisador da História
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Bjarke Rink
lhes dão, ainda, explosão de movimentos e lhes permitem atingir alta ve-
locidade em frações de segundo. A soma dessas características faz com
que o Equus caballus ocupe o maior espaço vital entre os mamíferos, uma
informação importante para o argumento desse livro.
Uma das principais características evolutivas do equídeo foi a mu-
dança do pé tridáctilo – com três dedos – em monodáctilo, com os três
dedos transformados num único casco. Outra foi a suspensão dos jarre-
tes do chão para dar maior alavancagem às passadas. Essas características
são todas favoráveis ao torque. No cavalo tridáctilo, o dedo central dava
suporte ao peso do animal e os dois dedos laterais davam apoio nas mano-
bras em grande velocidade, principalmente em terrenos lamacentos.
Segundo Bruce MacFadden em seu livro Fossil Horses, “E. Renders
estudou em 1984 algumas impressões do tridáctilo Hipparion preserva-
dos na lama vulcânica em Laetoli, na Tanzânia. Esta locação arqueológica,
datada de 3,5 milhões de anos, é, além do mais, de grande interesse por
conter também fósseis humanos. Renders, num estudo minucioso, con-
cluiu que as pegadas do Hipparion indicam um andamento marchado,
chamado ‘running walk’. Esta maneira de se deslocar permite uma veloci-
dade de 6,5 a 15 quilômetros por hora utilizando a mesma coordenação
motora do passo. Nesta velocidade, ao contrário do galope e do trote, to-
das as quatro patas do animal nunca estão fora do chão simultaneamen-
te. “Os dedos laterais do Hipparion tocavam o solo a grande velocidade”,
explica Renders. “Por ser um especialista em velocidade, o Equus caballus
moderno tem estas múltiplas opções de andamentos, inclusive a marcha”,
finaliza o paleontólogo. Por exemplo, na velocidade intermediária, a mar-
cha pode substituir o trote e a andadura com vantagem. “Isto significa que
o passo sendo o andamento mais estável do animal, o Hipparion podia
sustentar grande velocidade durante mais tempo, menos gasto de energia
e com menor risco de uma queda” – conclui MacFadden. “Este modo de
se locomover, herdado pelo Equus caballus do seu ancestral, o Hipparion,
é uma opção de andamento que enriquece o uso do cavalo moderno. Até
os estudos de E. Renders aparecerem, era comum se pensar ser a marcha
um andamento artificial ensinado pelo homem”, conclui MacFadden.
O sistema locomotor do Equus caballus revela outra característica
inédita, herdada dos seus antepassados: um mecanismo de sustentação
localizado nos joelhos das pernas dianteiras e traseiras, que ‘trancam’ os
membros do animal, permitindo que durma em pé. Este mecanismo im-
pede o colapso do corpo e conserva aquecida a sua musculatura durante
28
Parte I Catalisador da História
o sono, para uma eventual e súbita emergência. Este mecanismo foi uma
das razões da sobrevivência do Equus caballus no planeta. “Se longa vida
pode ser vista como uma medida de sucesso, então os equinos tridáctilos
que existiram há 3,5 milhões de anos foram vencedores de sua categoria”,
conclui MacFadden.
O sistema locomotor do Equus caballus e a estrutura cerebral do
Homo sapiens são características únicas no reino animal. Se estas duas
criaturas tivessem a oportunidade de unir as suas notáveis faculdades fi-
siológicas, formariam um ser superior ao Homo sapiens e ao Equus ca-
ballus, individualmente. Na improvável hipótese de haver uma comunhão
entre estes dois seres, o animal resultante teria todas as condições para se
tornar o senhor absoluto da terra! O impossível, às vezes, acontece – não
perca o próximo capítulo.
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Bjarke Rink
CAPÍTULO 4
O “Big Bang” da
Revolução Biológica
30
Parte I Catalisador da História
31
Bjarke Rink
duas fisiologias para produzir uma terceira mais forte é, no entanto, infi-
nitamente mais complexo do que ligar dois metais – pergunte só a alguém
que está começando a aprender a montar a cavalo.
Se todas as pequenas descobertas do Homo faber até então modifi-
caram o seu comportamento e desenvolveram a sua habilidade, imagine
o salto criativo que o homem teve que dar para iniciar o relacionamento
com um outro ser vivo, muito mais forte e veloz do que ele e muito bem
aparelhado pelas mãos de Deus para fugir de intrusos com intenções de
comer ou montá-lo. Imagine as doses de persuasão, indução, auto-repres-
são, tato, equilíbrio emocional, capacidade de observação e critério analí-
tico necessários para entender e obter a cooperação produtiva e confiável,
na guerra e na paz, de um ser altamente complexo como o Equus caballus.
Mas, antes de continuar nesta linha de raciocínio, voltemos à ‘Revolução
Biológica’ na sua versão convencional – aquela que aprendemos na escola
e lemos nos livros.
Conta J. Bronowski, num tom romântico, em seu ótimo livro A As-
censão do Homem que, durante a Revolução Biológica, “de repente a plan-
ta e o homem se uniram como numa história de fadas da genética” (e
viveram felizes para todo o sempre, o primeiro sendo comido pelo segun-
do). Bem, se o casamento do Homem com a beterraba é uma história de
fadas, a simbiose do Homo sapiens com o Equus caballus é o maior épico
da história da genética universal, incluindo-se o incrível capítulo em que
alguns dinossauros viraram pássaros. A união neurofisiológica do homem
com o cavalo representa um salto qualitativo na fisiologia da humanidade
e dá início a uma série de super-homens do naipe de Alexandre Magno,
Júlio César, Atila, Genghis Khan, Carlos Magno, Pizarro, Wellington e Na-
poleão que fizeram fama e fortuna em união com seus cavalos. (Diz Gabby
Hayes, o filósofo da equitação, que se não fosse o cavalo, o nome de Gen-
ghis Khan seria inevitavelmente – Genghis Quem?) Vejamos o porquê:
Com o cultivo do trigo e de outras plantas, o homem aumentou dra-
maticamente o consumo de carboidratos e vitaminas, e o comércio da sa-
fra excedente permitiu ao lavrador acumular riquezas e construir cidades
(para a alegria e o encanto dos arqueólogos). Com a domesticação do boi
para tração, o homem ganhou energia além da sua própria força muscular.
Mas carboidratos são encontrados em outros alimentos e a força de cinco
ou seis homens equivale à força de um boi. Portanto podemos afirmar,
sem solicitar o aval de instâncias superiores, que esta parte da ‘Revolução
Biológica’ foi apenas uma conquista ‘quantitativa’. Aumentou-se a quanti-
32
Parte I Catalisador da História
33
Bjarke Rink
CAPÍTULO 5
Homo-Caballus,
o Catalisador da História
34
Parte I Catalisador da História
35
Bjarke Rink
palmente cavalos.
Repare que todas estas experiências com cavalos são altamente so-
fisticadas, do ponto de vista do aprendizado humano. A neurociência já
nos ensinou que o relacionamento com seres vivos requer uma compre-
ensão de causa e efeito maior do que o manuseio de ferramentas e coisas
inanimadas. Por isso, o nômade, vivendo no meio dos cavalos, se tornou
um perito na difícil arte de lidar com este tipo de animal. Assim como
o plantador ao sul aprendeu a manejar a sua lavoura, o pastor ao norte
aprendia a manejar a sua manada. Enquanto o homem da lavoura inven-
tava ferramentas – enxadas e foices para plantar e colher – o homem do
cavalo inventava a peia e uma série de laçadas de corda para imobilizar e
melhor tratar dos seus animais.
Um dia se iniciariam os confrontos militares entre essas duas cul-
turas, que determinariam qual o sistema social – o nômade ou o agrário
– viria a promover maior desenvolvimento da mente humana e maior su-
cesso econômico. Aguarde.
Para o nômade das estepes, a manada de cavalos se tornou a razão
da sua existência, do mesmo modo que a plantação era para o agricul-
tor especializado em plantas. O cavalo transportava os seus utensílios de
acampamento em acampamento; os animais forneciam carne e as éguas
leite, coalhada e queijo, que eram a base da sua alimentação. O feltro fa-
bricado com pêlo de cavalos cobria as suas tendas e com os fios da cauda
elaborava enfeites, utensílios e cordas de amarrar. O cavalo era moeda de
barganha e os nômades se transformaram em grandes comerciantes de
animais. Numa criação de cavalos, “nada se perde, tudo se transforma”,
diria Lavoisier em meu lugar. Existia, entretanto, um problema no manejo
de cavalos que parecia insolúvel para o nômade. Quando os cavalos, por
algum motivo, resolviam disparar – não havia quem os segurasse. Isto era
para o pastor – equipado com o pior sistema locomotor da natureza – uma
questão da maior gravidade. Se um leão, lobo ou raio estourasse a mana-
da, em poucos minutos os cavalos desapareciam no horizonte. Depois, só
com sorte e muitos dias de busca seria possível aos homens, a pé, locali-
zarem os animais sem perdas. É claro que os nômades tomaram muito
prejuízo até descobrirem uma solução para o problema, que viria a ser um
verdadeiro o “ovo de Colombo”.
Ninguém sabe ao certo o que levou ao desenvolvimento da equitação.
Harold Barclay, em seu livro O Papel do Cavalo na Cultura do Homem, cita
vários autores, mas mostra mais simpatia por uma das teorias que é, a meu
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Parte I Catalisador da História
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CAPÍTULO 6
Homo-Caballus Quebra
a Barreira do Tempo
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cavalo do que por homens a pé. Todo vaqueiro, gaúcho ou caubói, sabe
disso – pode perguntar. A tecnologia da equitação inventada pelos nôma-
des das estepes envolveu uma importante adaptação entre o homem e o
cavalo. Para ganhar mobilidade total, o nômade fundia a sua neurofisiolo-
gia com a do cavalo. Ele não se preocupava em fazer pose e afirmar a sua
masculinidade mostrando que era ele quem mandava (como é frequente
na equitação do mundo civilizado). A preocupação do cavleiro nômade
era se tornar altamente eficiente na caça e na guerra. Isto significa que,
durante a equitação, o sistema sensitivo-motor do cavalo e o do cavaleiro
tinham que entrar em sintonia fina. Esta fusão sensitivo-motora do Ho-
mem com o cavalo resultou num superpredador equipado com a ambição
do homem e a velocidade do cavalo. Um predador que se especializou em
atacar seres humanos – os agricultores e acumuladores de riquezas que
viviam nas cidades ao sul das estepes, à beira dos grandes rios. Além da
equitação, não há registro de outro fenômeno cultural que tenha causado
maior impacto na vida humana do que a união do homem com o cavalo.
Já aprendemos com a neurociência que o relacionamento com as in-
certezas dos animais é mais estimulante para o cérebro humano do que
lidar com as certezas das plantas. Com o controle absoluto da manada de
cavalos por meio da equitação, os povos das estepes desenvolveram muito
seu cérebro, que foi estimulado a fazer trilhões de novas conexões entre os
seus neurônios para administrar as múltiplas situações de uma sociedade
equestre sempre em movimento. Na sua interação com o meio ambiente
centrado no cavalo, o nômade desenvolveu uma capacidade de raciocínio
tático e estratégico sem similar em outras culturas. Com o desenvolvi-
mento de toda a tecnologia que envolvia o manejo e a equitação do cava-
lo – reprodução, seleção, alimentação, doma, adestramento, treinamento
e manejo dos animais – o antigo pastor-equitador atingiu o ponto mais
alto do desenvolvimento mental da humanidade. A fusão neurofisiológi-
ca do homem com o cavalo na equitação e a agilidade no deslocamento
das sociedades pastoris durante suas frequentes mudanças desenvolveu
nos cavaleiros uma visão abrangente do mundo, impossível ao agricultor
assentado. Da formação e hierarquização de chefes guerreiros escolados
no confronto armado veloz, característico das estepes; da criação de todos
os equipamentos necessários à avançada equitação de guerra – cabeçadas,
rédeas, embocaduras, selas, cilhas, barrigueiras, forros, loros, estribos e
látigos – o material que auxilia a realizar a fusão sensitivo-motora entre
o homem e o cavalo; do domínio do cavaleiro no uso da temível arma
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Montado a cavalo, o homem quebrou a barreira do seu tempo biológico e, pela primeira vez,
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CAPÍTULO 7
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Panonia: uma província conquistada pelos hunos na Europa Central que engloba os atuais es-
tados da Hungria e da Romênia.
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Lombardia: região do norte da Itália com a capital regional em Milão.
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Parte I Catalisador da História
cavalo havia criado uma máquina militar de enorme eficiência, que agora
arrasava a Europa.
Entretanto, a contribuição civilizatória dos cavaleiros das estepes não
foi caracterizada pela construção de cidades com arquitetura suntuosa e
monumentos requintados. Os nômades pouco construíram, mas forma-
ram uma estrutura social altamente eficiente, forjada pela velocidade de
seus cavaleiros. O legado cultural dos povos nômades para a humanidade
foi o desenvolvimento da equitação que promoveu um ‘novo padrão do
tempo’, e que lhes permitiu uma independência inteiramente revolucio-
nária. Este conceito físico de espaço e tempo só foi compreendido muitos
anos depois por um homem incomum nascido numa das antigas zonas de
conflagração entre os cavaleiros hunos e os agricultores europeus. Vamos
conhecer um pouco da história deste extraordinário sábio.
Albert Einstein nasceu em 1879 no sul da Alemanha, na cidade de
Ulm, às margens do rio Danúbio. Desde cedo, o menino Albert mostrava
vocação para os estudos. Em outubro de 1895, dois anos antes da idade
mínima permitida, ele obteve autorização para prestar exame de admissão
para a academia Polytechnikum de Zurique. Fez provas de matemática,
física, química, história literária e política. Não foi aprovado em história
literária e política. Talvez esse contratempo tenha causado a impressão
errônea de que Einstein fosse mau aluno no colégio. Não foi. Na verdade,
ele gostava dos estudos, mas não da escola. (Provavelmente ele achava os
professores medíocres, o que seria normal para um gênio).
Einstein terminou os estudos e, em julho de 1900, recebeu o diploma
de professor de ciências. Mas todas as suas tentativas de ingressar como
assistente nas universidades foram recusadas. Somente em junho de 1902
conseguiu um emprego permanente – um cargo júnior no Registro de Pa-
tentes de Berna, na Suíça. Nesta época, o universo newtoniano ainda batia
firme como um relógio Patec Philipe, mas estava por um fio para enguiçar.
J. Bronowski, com seu costumeiro charme, nos conta o episódio de
Einstein e a Teoria da Relatividade. “O universo de Newton já estava co-
meçando a ser questionado pelo mundo científico”, escreve Bronowski.
“Ninguém sabe, no entanto, se o jovem Albert estaria informado sobre
estas coisas. Parece que ele não teria prestado muita atenção ao assunto na
universidade. Sabe-se, porém, que na adolescência já teria se perguntado
o que as nossas experiências pareceriam do ponto de vista da velocidade
da luz”. A resposta para essa pergunta está cheia de paradoxos e, como to-
dos os paradoxos, a parte mais difícil não é achar a resposta e sim formu-
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Parte I Catalisador da História
como disse Einstein, “os valores que eu ganho do tempo, distância, etc.,
não são os mesmos do homem parado na calçada”. O cavaleiro nômade
simplesmente encurtou a distância entre o hoje e o amanhã e, se você
pode estar num lugar hoje em vez de amanhã, você mudou totalmente os
valores da sua existência. Este ‘diferencial de tempo’ desenvolvido pelos
cavaleiros das estepes foi o motor da humanidade até os dias de hoje e
tem, na formação da Internet, o seu mais novo momento de glória. O
fato é que a quebra da barreira do tempo por meio da equitação, e as suas
consequências físicas, chegaram a Einstein através de sucessivas culturas
equestres que aceleraram a história e formaram o pensamento da socieda-
de ocidental – da qual ele foi um expoente.
A sensação de ultrapassar a velocidade do seu próprio limite físico
foi experimentada pela primeira vez quando o homem, a cavalo, libertou
o seu corpo da sua limitação pedestre e passou a navegar em um ‘novo
padrão de tempo’. A libertação do corpo trouxe a libertação da mente e,
sem esta experiência, a humanidade não poderia ter chegado à Teoria da
Relatividade na época em que foi formulada. Como disse Bronowski em
outro trecho do seu livro – “Acho que o cavalo e a equitação, na história
da Europa, foram subestimados”. Mas eu sou ainda mais radical – acredito
que o impacto do cavalo e da equitação no destino da humanidade ainda
não foi sequer compreendido.
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CAPÍTULO 8
A Dinâmica Equestre
Impulsiona o Mundo
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Por isso, os antropólogos nos informam que o homem foi concebido para
viver sua vidinha no torrão de sua terra natal até o chamado do nosso
Senhor, porque o ‘espaço vital’ dos hominídeos era bastante limitado. Mas
o cavalo e a equitação iriam mudar isso tudo.
Como já vimos, a simbiose com o cavalo foi ainda mais importante
para a expansão tecnológica da humanidade do que o desenvolvimento da
agricultura. Entretanto, o problema da equitação (nada é perfeito) é que o
sistema de locomoção humano vem acompanhado de um cérebro capaz
apenas de coordenar um sistema bipedal. O cavalo, por outro lado, é capaz
de coordenar um ágil sistema locomotor de dois, três e quatro tempos. O
cavaleiro nômade, para capacitar o seu cérebro a interagir com o sistema
locomotor do cavalo, teve de submeter a sua capacidade de aprendizado
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Parte I Catalisador da História
a um duro teste, pois a coordenação dos dois, três e quatro tempos do ca-
valo é dificílima para o cérebro de um ser bípede. Mas quando o nômade
da Ásia central conseguiu conectar e afinar o seu sistema neurofisiológico
com o do cavalo, formando assim o Homo-caballus, este novo ser conse-
guiu ocupar o espaço vital do cavalo – a estepe da Eurásia, que se estende
da Europa oriental à China ocidental. Em associação com o cavalo, o ho-
mem se tornou o dono do mundo e de todas as coisas que ele continha! A
equitação havia iniciado uma nova dinâmica do tempo!
Há cerca de 60 séculos, a Ásia Central foi o berço de uma sociedade
dinâmica, organizada em torno do cavalo, que se irradiou em todas as
direções – Leste, Oeste, Norte e Sul, mudando a concepção do tempo de
todas as culturas que contatava.
O cavalo se tornou fundamental para o desenvolvimento humano e,
com o tempo, a criação de cavalos aumentou muito com a demanda de
animais para sela das sociedades agrárias do sudeste da Ásia e da Chi-
na, preocupados em formar cavalarias para se defender das incursões dos
seus vizinhos das estepes. Através do comércio e da guerra, as cavalarias
nômades impuseram uma nova dinâmica do tempo ao processo civiliza-
tório da humanidade. Desde a sua origem, a equitação e o poder equestre
se espalhou pelo mundo em círculos cada vez mais amplos.
No Mediterrâneo, os gregos e os romanos foram diretamente afeta-
dos pela equitação persa,6 mas, como aconteceu com os outros povos se-
dentários, eles se preocuparam mais com seus carros de guerra puxados
por cavalos e por isso nunca atingiram uma equitação de qualidade. Esta
falta de tecnologia equestre lhes custaria o império. Em Roma, o crescente
tropel das ondas de cavaleiros nômades estourando contra as fronteiras
do império foi ouvido durante séculos sem que os magistrados romanos
dessem importância. Quem poderia enfrentar o poderio de Roma? Mas,
quando as cavalarias das tribos nômades arrebentaram as fronteiras e
inundaram a bota italiana, elas tragaram no seu vórtice o maior império
do Planeta como se fosse a água servida de uma banheira!
A península Ibérica, Portugal e Espanha adotaram a dinâmica equestre
dos seus conquistadores mouros, e tornaram-se os melhores cavaleiros da
Europa Ocidental. Na Europa Central, as regiões que mantinham contato
direto com as estepes – a Polônia, a Hungria e a Áustria – foram muito
influenciadas pela dinâmica equestre e também formaram boas cavalarias.
A Pérsia havia sido formada com várias etnias de pastores nômades e, por isso, possuía uma
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CAPÍTULO 9
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A história universal confirma este medo do Centauro. O objetivo fundamental da Grande Mu-
ralha da China não era impedir a penetração dos nômades. A sua finalidade era impedir que os
hunos passassem com seus cavalos; o verdadeiro inimigo não era o homem – e sim o Homem-
-cavalo. Hernán Cortês conquistou, com apenas 16 cavalos, a capital asteca – um império com 2
milhões de habitantes. Quando a infantaria ameríndia do Rei Montezuma avistou o avanço dos
fabulosos animais guerreiros com duas cabeças, fortemente armados e em enorme velocidade,
aterrorizada, submeteu aos deuses invasores o seu império com mais de 500 anos de cultura e
tradição.
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A ‘Migração dos Povos’ foram sequências de invasões de tribos cavaleiros da Ásia Central,
devastando povos sedentários da Ásia Menor e Oriente Médio que provocou, durante milênios,
a fuga de populações inteiras que, por sua vez, saqueavam outros povoados em seu caminho de
fuga.
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Heródoto (485-425 a.C.): historiador grego, nascido em Halicarnasso na Ásia Menor. Viajou
extensamente por grande parte do Oriente Médio, Itália, e Sicília, onde coletou material para
a sua grande narrativa histórica que registrou as batalhas entre os gregos e os persas. Cícero o
chamou de o ‘Pai da História’.
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A Idade das Trevas é considerada o período entre o declínio de Roma no quarto século d.C. até
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“Kittim” era o nome popular dado aos romanos, mas pela qualidade da equitação descrita
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no versículo esses cavaleiros eram, provavelmente, uma força de cavalaria mercenária berbe-
re.
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O medo atávico da combinação Homem-cavalo pode estar por trás da proibição chinesa e do
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descaso dos russos aos esportes equestres uma vez que, por meio do regime comunista, os cam-
poneses tomaram as rédeas do governo e, por isso, passaram a odiar os cavalos, símbolos da sua
opressão passada. Na Inglaterra a tentativa de proibir a caça à raposa pode estar relacionada a
essa mesma causa.
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CAPÍTULO 10
Os Mestres do Tempo
e os Mestres do Espaço
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Os construtores medievais não usavam ‘plantas baixas’ – um projeto arquitetônico estava arma-
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que seria considerada uma das mais belas da arquitetura Ocidental, Ogdai
Khan e Batu Khan, filho e neto de Genghis Khan, estavam expandindo a
grande obra político-militar dos nômades asiáticos: o Império Mongol.
Quando os mongóis, em 1237, desencadearam a sua vitoriosa cava-
laria sobre a Europa, uma extensa expedição logística havia precedido a
invasão. Com o detalhamento que caracterizava as operações militares
dos mongóis, um plano fora traçado para que o grande exército não ti-
vesse de atravessar um território desconhecido. Depois de cinco anos de
colheita de informações, os Khans iniciaram a sua cavalgada em direção
à Europa, numa coluna de cavaleiros disciplinados que se estendia por
900 quilômetros, com cavalos condicionados e homens treinados para a
guerra. Este foi certamente um dos grandes momentos da história militar
da humanidade. A brilhante ‘mente equestre’ dos conquistadores mongóis
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CAPÍTULO 11
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Como esporte, as corridas de biga, primeiramente citadas nos poemas Homéricos, continua-
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CAPÍTULO 12
Subtrair o Cavalo
é Implodir a História
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seu poder naval. Mas, sem o cavalo a sua expansão poderia ter sido bre-
cada por Aníbal nas guerras púnicas. Mas supondo que Roma, sem cava-
laria, tivesse conseguido derrotar Cártago, a próxima etapa da expansão
do Império nunca teria se materializado – as conquistas da Gália e da
Germânia por Caio Júlio César e a subjugação final das Ilhas Britânicas
pelo Imperador Cláudio. A dinâmica burocrática,16 necessária para dar
manutenção política e administrativa a estas províncias distantes, seria
impensável sem cavalos.
Como consequência, a França, a Alemanha e a Inglaterra não teriam
sido romanizadas. E, sem estas três locomotivas a puxar o progresso da
Europa Ocidental, a Lex Romana não teria inspirado o Código de Na-
poleão e a Lex Britânica. Sem a existência dessas potências, a pressão re-
ligiosa e política da Europa renascentista também não teriam, em 1620,
obrigado os puritanos chatos do Mayflower a abandonarem a Inglaterra
e iniciarem a colonização da América. Assim sendo, os Estados Unidos
teriam a sua história irremediavelmente retardada. Mas, vamos supor que
os marinheiros ingleses, franceses e holandeses tivessem içado as suas ve-
las e conquistado a costa Atlântica da América do Norte no século em que
realmente aconteceu. Seria possível a sua expansão continental sem cava-
los? Como teria sido o confronto dos ingleses, sem cavalos, com as nações
Iroquesas, Delaware e Cherokee? Quantos anos levariam para estender a
influência da tribo anglo-saxão pedestre desde a costa do Atlântico até a
costa do Pacífico? Sabemos que, 400 anos antes de Colombo, Leif Ericson
tentou uma conquista da América sem cavalos. Sabemos que os bravos
vikings morreram lutando nas praias. Sem cavalos, a progressão da hu-
manidade teria pouco a ver com a história conhecida. O filme seria outro.
Sem o cavalo, em que estágio evolutivo estaria hoje o chamado Pri-
meiro Mundo? Bem, é difícil estimar – mas quando Homo sapiens assu-
miu a velocidade do Equus caballus e se tornou nômade, ele aumentou
exponencialmente a velocidade do seu desenvolvimento político e militar.
Se as civilizações da Eurásia não tivessem adotado a ‘dinâmica equestre’
para promover o seu desenvolvimento socioeconômico, a Europa teria
tido a sua progressão civilizatória reduzida à velocidade pedestre dos seus
habitantes. Neste caso, a Europa estaria hoje organizada em cidades-esta-
dos, fortemente armadas e semi-independentes, como os burgos livres da
Alemanha medieval. E, se a América do Norte realmente tivesse sido des-
A ‘dinâmica burocrática’ é a velocidade com que as informações do Estado circulam para man-
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coberta por Colombo, ela estaria hoje com uma organização semelhante à
da Europa Medieval por toda a extensão da costa Atlântica e a conquista
do Oeste, para a felicidade da sua população nativa, estaria aguardando os
acontecimentos pedestres do Terceiro Milênio.
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CAPITULO 13
O Tempo Biológico
das Sociedades Pedestres
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Durante a segunda guerra púnica, no século 2 a.C., o general cartaginês Aníbal utilizou Nova
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Cartago, uma colônia cartaginesa na Espanha, para invadir a Itália por terra, atravessando os
seus exércitos pelos Alpes.
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CAPÍTULO 14
Homo-Caballus nas
Civilizações Sedentárias
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Muitos faraós e outros chefes militares foram enterrados com as suas bigas, numa demonstra-
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da entre recruta e cavalo foi responsável pelo baixo nível de equitação dos
soldados na maioria das sociedades sedentárias, apesar de que, entre os
oficiais, sempre houve bons equitadores. Isto porque os postos de oficiais
de cavalaria eram normalmente ocupados pela nobreza que, em muitos
países, traziam os seus próprios cavalos e tratadores. Nas comunidades
rurais das civilizações assentadas, o confinamento dos cavalos em pastos
e piquetes e a construção de currais, também liquidaram com o relacio-
namento ‘consentido’ que estava na origem simbiótica da equitação dos
cavaleiros nômades.
Para entendermos melhor a história da degradação do relaciona-
mento homem-cavalo nas sociedades sedentárias, temos de fazer uma
distinção entre as culturas agrárias orientais e as ocidentais. No Oriente, o
grau de deterioração do relacionamento homem-cavalo foi provavelmente
menor do que no Ocidente. Isso porque as civilizações do Oriente eram
frequentemente descendentes dos cavaleiros nômades das estepes. O Im-
pério Persa recebeu a sua cultura equestre diretamente dos Medas, de
quem descendiam culturalmente. No Oriente, mesmo sendo necessário o
confinamento dos cavalos em pastos e baias, a técnica do amansamento e
do manejo paciente dos animais, que fazia parte da herança nômade, deve
ter sobrevivido. Provavelmente é por esta razão que Xenofonte, em seu
livro Manual de Cavalaria, escrito no ano 400 a. C., prega a paciência e o
tratamento sem castigos na doma e no adestramento do cavalo. (Veja ca-
pítulo “Xenofonte – Nasce a Equitação Acadêmica”) É importante lembrar
que, naquela época, era estreito o intercâmbio cultural entre a Grécia e o
Oriente Médio, principalmente com a Pérsia. Historicamente, a Grécia foi
o elo de ligação entre o Ocidente e o Oriente, portanto, é muito provável
que os persas tivessem um relacionamento mais franco com seus cavalos
porque eles estavam, em tempo e espaço, mais próximos da cultura eques-
tre das sociedades pastoris.
A Pérsia, no tempo de Xenofonte, era um conglomerado político
conquistado por nômades iranianos – um povo reconhecido pela sua ex-
traordinária capacidade de usar o cavalo para as guerras e as comunica-
ções. Xenofonte, um general da cavalaria grega, chefiou um exército de
mercenários gregos a serviço de Ciro, que travava uma guerra de suces-
são contra seu irmão, o rei Artaxerxes da Pérsia. É mais do que provável
que Xenofonte, com o raciocínio sistêmico dos gregos, tenha aprendido
muito sobre cavalos e equitação com os cavaleiros persas, herdeiros di-
retos de uma grande cultura nômade. Pessoalmente, Xenofonte fez raras
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CAPÍTULO 15
A Ascensão do Homo-Caballus
na Europa
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CAPÍTULO 16
Equitação-Trabalho
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cavalo por ano, dizia: “Tive tão pouco sossego, que a sela nunca deixou de
me aquecer a bunda.”
O primeiro país da Europa a organizar um sistema de correio público
foi Henrique VII (1457-1509), rei da Inglaterra que inaugurou uma rede
de post offices, conectando a Inglaterra à Escócia e ao País de Gales. Os
carteiros, rapazes leves, percorriam mais de 200 quilômetros por dia com
os seus malotes postais, enfrentando chuva, nevasca, vendavais, poeira,
lama e assaltos. Os cavalos e cavaleiros anônimos irrigavam todo o siste-
ma mercantil com informações, e esta rede de comunicação tornou-se o
sustentáculo do empresário anglo-saxão. Esses diziam, orgulhosamente,
estarem a construir o maior império do mundo, depois do Romano. Na
Europa, no século 16, para enfrentar as necessidades de informação do
comércio internacional em expansão, a máquina bancária foi posta em
movimento pelos banqueiros, que estavam começando a financiar gran-
des empreendimentos comerciais. Na época, a rede de notícias formada
para servir à agência central dos Fuggers, na Áustria, pode ser comparada
aos modernos sistemas de comunicação eletrônica. Em todos os impor-
tantes centros comerciais, correspondentes a cavalo transmitiam, em ca-
deia, notícias sobre os grandes acontecimentos que poderiam influenciar
o comércio e o valor da moeda. Veja algumas mensagens típicas: “Veneza,
13 de dezembro de 1596. O Rei da Espanha ordenou, severamente, que
nenhum ouro ou prata seja exportado do reino ou usado com objetivos de
comércio”. “Roma, 29 de janeiro de 1600. O camarista papal mandou ava-
liar novamente todas as moedas de prata, locais e estrangeiras, decretando
que, no futuro, ninguém poderá levar para fora da cidade mais de cinco
coroas”. A velocidade das informações fazia e desfazia fortunas.
Dizem as más línguas que Napoleão retardou a notícia da vitória da
batalha de Marengo para permitir um golpe na bolsa de Paris. E a notícia
da vitória inglesa em Waterloo foi providencial para a casa bancária dos
Rothschild. Na Europa, se a velocidade da informação era a alma do negó-
cio, a velocidade do cavalo era a alma da economia. Com o mercantilismo
praticado pela Inglaterra, França, Holanda e Espanha, os economistas eu-
ropeus começaram finalmente a descobrir o que fazia as nações enrique-
cerem. “Uma nação não é rica porque dispõe de minas de ouro e prata”,
escreveu Adam Smith em seu livro A Riqueza das Nações, “A riqueza de
um país não deve ser estimada pela soma das suas mercadorias acumula-
das, mas sim pela sua renda – não como um estoque, mas como um fluxo”.
Veja que no século 18 já se sabia que “mais do que produzir mercadorias,
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CAPÍTULO 17
Equitação-Esporte
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(o primeiro prêmio era uma mulher versada nas prendas domésticas! Não
foi à-toa que o esporte se tornou tão popular). O primeiro registro histó-
rico de uma corrida de cavalos foi no ano 644 antes de Cristo e ocorreu
na 31a olimpíada em Atenas. Na Inglaterra, a primeira corrida de cavalos
aconteceu em 1174 no reinado de Henrique II, em Smithfields nos por-
tões de Londres. A primeira referência a apostas – 40 libras em ouro vivo
– aparece no reinado de Ricardo “Coração de Leão”. João “Sem-Terra”, o
irmão de Ricardo, mesmo sendo um “sem-terra”, não foi um “sem cavalo”.
João foi o primeiro rei da Inglaterra a instituir a tradição dos estábulos
reais. Desde o tempo de João “Sem-Terra”, praticamente todas as raças de
cavalos na Europa foram iniciadas por algum rei, príncipe ou, no mínimo,
duque. Charles II, também conhecido como o “Pai do Turf ”, foi excelente
equitador, um grande apaixonado pelas corridas, e frequentemente pilota-
va os seus próprios cavalos para as vitórias (quem se arriscaria a derrotar
um rei?).
O Pólo é um esporte oriental antigo, e o rei da Pérsia, Dario “O Gran-
de”, era considerado bom equitador e notável jogador de Pólo. Na China, a
dinastia Tang praticava pólo, que como todos os outros esportes com bo-
las, não teve a sua origem no trabalho e sim no lazer, inspirado em táticas
de cavalaria militar.
A falcoaria – a caça com falcões – foi também uma atividade de lazer
extremamente popular na Idade Média. Era muito praticada pelas classes
altas – reis, príncipes e bispos – até a queda de Constantinopla e o fim do
Império Bizantino, quando se tornou extremamente perigoso cavalgar no
campo, longe das cidades, em razão das incursões militares dos turcos
otomanos em toda a Europa central.
A caça a cavalo com matilhas de cães já era praticada na Grécia an-
tiga e Xenofonte deixou em seus escritos algumas regras que ensinam a
selecionar e manejar cães de caça. Na Europa, a França tem a mais antiga
tradição deste tipo de caça – veados e javalis foram as principais presas
dos caçadores. Na Inglaterra, a caça a cavalo foi introduzida pelos con-
quistadores franceses no século 11. O filho de Guilherme “O Conquista-
dor”, Guilherme Rufus, era viciado em caçadas, atividade que ele levava
tão a sério quanto às obrigações de Estado (morreu num controvertido
acidente durante uma caçada).
A Justa era o esporte equestre mais popular da Idade Média. Nas-
ceu da guerra e refletia o exato momento onde os lanceiros, durante um
choque de cavalaria pesada, procuravam derrubar os adversários de suas
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CAPÍTULO 18
Equitação-Arte
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obra para nos falar do autor. Na arte equestre, as figuras executadas pelo
conjunto – a obra do cavaleiro artista – se desfazem ao serem feitas. Xeno-
fonte, o general e equitador ateniense, não nos deixou a imagem de suas
figuras de equitação, como fez Dédalo, o escultor cretense do seu tempo.
Antoine de Pluvinel não nos deixou nenhuma das suas obras, como o fez
seu contemporâneo, Rembrandt, com o “Vigia Noturno”. E sabemos que
François Robichon de la Guérinière era um grande artista da sela, mas as
suas reprises equestres não sobreviveram a ele, como “O Beijo Furtivo”
do seu conterrâneo e contemporâneo, Jean Honoré Fragonard. François
Baucher adestrou os cavalos Capitain e Partisan, que ajudaram a fazer a
revolução do seu estilo equestre na Paris de Jean-Auguste Ingres. Admi-
rados em suas apresentações equestres, os cavalos Capitain e Partisan não
existem mais. Mas os quadros de Ingres, “O Banho Turco” e o “Retrato de
Bertin”, ainda podem ser admirados no Louvre.
Inúmeras vezes na história, a atividade artística tem sido criticada
como supérflua, e daí vai apenas um passo para considerá-la como obri-
gada a servir a algum governo medíocre de plantão. Por esta razão, muitos
equitadores tentaram justificar a equitação-arte como sendo arte marcial!
O croupade, o cabriolle e os demais movimentos da Alta Escola seriam
úteis no ‘calor de um confronto da arma de cavalaria’. “O cavaleiro comba-
te com lança ou espada e o cavalo com patadas e coices”, escreve Manoel
Carlos de Andrade, picador da Picaria Real portuguesa, para o príncipe
regente D. João em 1750. “A nobre Arte da Cavalaria é, entre todas as
artes, a mais sublime, a mais principal, a mais ilustre, justificarão as suas
utilidades tantas vitórias alcançadas na campanha pela força da cavalaria”,
conclui o nobre português. Mas, confundir arte-equestre com arte marcial
pode ser ingenuidade ou, simplesmente, a maneira de justificá-la diante
de uma sociedade utilitária. Mas o mundo do cavalo, como veremos mais
adiante, é um universo complicado. A confusão é grande e a equitação-
-arte foi frequentemente criticada pelos cavaleiros “práticos”, os que mon-
tam a cavalo para trabalhar, para caçar, esportes e viagens. O Duque de
Newcastle, que não confundia arte com guerra, costumava dizer dos seus
críticos: “Estes falastrões vão perguntar para que serve um cavalo que não
sabe fazer outra coisa além de dançar e fazer piruetas. Se estes senhores
reduzirem todas as coisas que lhes despertarem a curiosidade ou que lhes
dão prazer, e admitirem só a existência do que lhes é útil, eles devem fazer
a sua casa numa árvore oca, vestir folhas de parreira, comer nozes e beber
somente água”.
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Parte I Catalisador da História
CAPÍTULO 19
Xenofonte – Nasce
a Equitação Acadêmica
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Parte I Catalisador da História
de, num momento infeliz, não prejudicar todo o trabalho que se está fa-
zendo. Quando ele diz: “seja bom para o seu cavalo”, ele acrescenta em
seguida – “porque então o cavalo fará o que você deseja”. Xenofonte faz
ótimas recomendações para se equitar cavalos fogosos – “Quando você
montar, deve acalmá-lo por mais tempo do que o cavalo comum e, ao fa-
zê-lo avançar, utilize os comandos mais suaves possíveis... uma ação súbita
pode causar susto... nunca o deixe galopar a toda velocidade e nem ao lado
de outro cavalo... cavalgadas longas e calmas aquietam o cavalo ardente,
mas não pense em acalmá-lo indo longe com velocidade... ao ouvirem o
grito de guerra, ou o tocar do trompete, você não deve parecer assustado
para o seu cavalo, nem agir de modo que possa lhe causar alarme... se as
condições permitirem, você deveria levar pessoalmente as suas refeições”.
Xenofonte sabia perfeitamente que as emoções trafegam entre o cavaleiro
e o seu cavalo, e reconhece também que há a necessidade do cavaleiro
conquistar a confiança do cavalo, inclusive alimentando-o pessoalmente,
e nunca puni-lo severamente. Mas, lembra Xenofonte – “com um cavalo
preguiçoso, você deve fazer exatamente o contrário”. Xenofonte conhecia
aspectos importantes do sistema sensitivo-motor do cavalo e sabia que o
tratamento suave dá melhor resultado no treinamento do cavalo. E hoje a
ciência moderna confirma os seus métodos. Com o livro Manual de Ca-
valaria, Xenofonte pretendeu produzir um bom cavalo de batalha e, ao
mesmo tempo, um belo cavalo de parada – um animal com uma presença
altiva e passos elegantes, de onde o comandante possa se exibir gloriosa-
mente à frente da sua cavalaria.
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CAPÍTULO 20
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de do cavalo, que foi uma das técnicas mais importantes a serem introdu-
zidas na equitação depois de Xenofonte. Grisone também ensinava que
“a voz é a melhor forma de corrigir o cavalo sem levá-lo ao desespero, ao
passo que o chicote pode desesperá-lo e acovardá-lo”. Mas, a exemplo de
provérbio popular ‘o seguro morreu de velho’, Grisone mantinha a pre-
sença de um homem armado com chicote na pista de treinamento, para
obrigar o cavalo a obedecer aos desejos dos alunos.
Na Idade Média, o cidadão do sexo masculino se julgava feito à ima-
gem e semelhança de Deus, estando as mulheres e os animais em degraus
inferiores na hierarquia dos viventes! Durante séculos, os teólogos vi-
nham discutindo se o sexo feminino tinha alma ou não. Já no século 18,
um certo Nicholas Woodies teria afirmado que não – as mulheres não
possuíam alma, só os homens! E, é claro que toda essa arrogância mescla-
da com ignorância só podia atrapalhar a fusão neurofisiológica do homem
com o cavalo. No século 16, a iniciação de um cavalo para os altos ares
previa muita pancadaria e seções de torturas. Na escola, o professor batia
nas crianças para fazê-los bons alunos, na Igreja, o Santo Ofício tortura-
va as pessoas para fazê-los bons católicos, e na academia de equitação o
treinador espancava os animais para fazê-los bons cavalos. Bons tempos
aqueles!
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CAPÍTULO 21
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movimentos da alta escola e dos altos ares, dirigidos para os nobres espec-
tadores na platéia. Era uma equitação desenvolvida para a guerra (diziam)
e dava ênfase à ‘reunião’ absoluta do cavalo em todos os andamentos e fi-
guras. Monsieur de Pluvinel foi soldado, diplomata, conselheiro, mestre de
equitação, e comandava em Paris uma academia para jovens nobres, onde
ensinava esgrima, dança, matemática e filosofia, mas com prioridade para a
mais nobre das artes – a equitação. Pluvinel, além de professor de equitação,
era também professor de virtude e moralidade que, além da arte equestre,
ensinava os valores morais da honra, magnanimidade, moderação, cortesia,
bom senso, coragem e todos os atributos morais que entravam na formação
do cavaleiro clássico, o ‘honnête homme’ – o homem honrado.
A pedido do seu mais ilustre discípulo, o jovem Rei da França,20 Plu-
vinel escreveu um livro intitulado Le Maneige Royal. A obra foi escrita em
forma de diálogo entre o respeitoso, mas autoritário, Monsieur de Pluvinel e
o seu ilustre aluno, Sua Majestade, o futuro rei Luiz XIII da França.21 Neste
diálogo, vamos procurar pinçar os fatos que hoje, quase 400 anos depois,
ainda constituem a base para uma boa equitação. O frontispício do livro
Le Maneige Royal deixa claro a filosofia de Pluvinel e o seu compromisso
com os princípios de Xenofonte. Do lado direito da ilustração aparece uma
figura chamada ‘Robur’ (Robusto). Com um físico invejável e portando um
tacape na mão, Robur está com visível dificuldade em controlar um cavalo
transtornado e aprumando que ele tenta conduzir pelo cabresto. Do lado es-
querdo da gravura está uma elegante jovem chamada ‘Scientia’ que conduz
com facilidade um garanhão obediente, enquanto com a outra mão segura
um livro aberto, que ela estuda com atenção. (Interessante o mestre Plu-
vinel ter escolhido uma mulher para simbolizar a equitação racional, não
é, machões?) A ilustração deixa claro as vantagens da equitação racional e
científica em oposição a métodos brutais e irracionais como os de Federico
Grisone. Com o texto, fica claro que os princípios da boa equitação existem,
escritos em livro desde a Grécia antiga e a Renascença francesa – e hoje,
mais do que nunca, só não aprende quem não quer.
“Eu desejo aprender”, diz o jovem Rei na abertura do 1° capítulo, “o
que é preciso para se tornar um excelente equitador”.
Responde Pluvinel: “O cavalo deve sentir prazer na equitação, se não
o cavaleiro não conseguirá fazer nada direito”. (Uma resposta que tem
20
Na França o herdeiro do trono era coroado na infância para evitar as disputas sucessórias quan-
do o rei morria.
21
Luis XIII se tornou um bom cavaleiro e a França foi vitoriosa na ‘Guerra dos Trinta Anos’ con-
tra os Habsburgos da Áustria.
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CAPÍTULO 22
La Guérinière, o Herdeiro da
Equitação Científica
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CAPÍTULO 23
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Esta informação só é verdade para os anglófilos e francófilos porque, no tempo de François Bau-
22
cher, o alemão Gustav Steinbrecht lançou um livro – A Academia do Cavalo – muito mais técnico
e detalhado, mas que, infelizmente, ficou sem tradução para outras línguas por muitos anos.
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CAPÍTULO 24
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A Luz da Liberal e Nobre Arte da Cavalaria de Manoel Carlos de Andrade escrito em 1790 e
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CAPÍTULO 25
Federico Caprilli,
a Revolução Inacabada
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CAPÍTULO 26
Os “Anos Dourados”
da Equitação
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feita, é eterna.
A grande intimidade entre cavalo e cavaleiro era a base da perfeita
equitação dos nômades das estepes. Do seu profundo conhecimento de
cavalos em geral, e da intimidade com o seu cavalo em particular, surgia
a fusão fácil entre as emoções e ações dos parceiros. O processo da união
homem-cavalo começava com a difícil seleção de um animal que tivesse
características de índole e temperamento em sintonia com as do cavalei-
ro. O animal que apresentasse alguma incompatibilidade de gênio não
seria escolhido para a sua montaria. Seria muito arriscado um guerreiro
confiar a sua vida a um cavalo do qual não gostasse. A falta de empatia
impossibilitaria a fusão dos seus sentidos e sistemas nervosos. O con-
junto cavalo-cavaleiro era consolidado depois de algum tempo de ob-
servação e de trabalho mútuo. Entre as tribos nômades, havia também
um processo de seleção eficiente de cavalos, que garantia a sobrevivência
dos melhores: o cavalo de má-índole, aquele que não gostasse de gente,
de temperamento linfático, ou que não gostasse de trabalhar – aquele
cavalo que não servisse para sela, seria aproveitado na panela. Outro
dado importante da cultura nômade: a criação de cavalos em campo
aberto exige uma convivência de harmonia entre o homem e o cavalo.
Sem cercas, piquetes e baias, o relacionamento tem de ser pacífico e de
confiança mútua. O homem e o cavalo permanecem juntos porque am-
bos encontram vantagens no relacionamento. É um perfeito exemplo de
simbiose animal. Nas estepes, a base do relacionamento homem-cavalo
era a confiança, que só a verdadeira empatia possibilita. Na guerra de
Flandres, em 1793, o general Morand, do exército francês, comentou,
surpreso, sobre o desempenho militar dos cossacos: “Estes rudes cava-
leiros mantêm seus cavalos junto às pernas. Eles partem da imobilida-
de para o galope e do galope para a imobilidade – os cavalos são tão
hábeis quanto os cavaleiros e parecem fazer parte deles; estes homens
estão sempre alertos e se movem com rapidez”. Mas para atingir este alto
nível de equitação, o treinamento do cavaleiro nômade era ainda mais
longo do que o do equitador “civilizado”. A sua excelência equestre era o
resultado de um relacionamento que começava e terminava com a vida
e era a razão da sua existência.
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CAPÍTULO 27
O Último Mito
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CAPÍTULO 28
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grandes cidades. O cavalo também dava uma velocidade nunca antes vista
ao sistema postal, nacional e internacional. Nos Estados Unidos, o Pony
Express cobria 375 quilômetros por dia – fazendo o trajeto de Nova York
a São Francisco em apenas dez dias! Na França, nos suntuosos circos-
-manège, espetáculos de alta escola e de cavalos amestrados estavam entre
as grandes atrações para o ‘distinto público’. No século 19, o cavalo era
transporte, esporte, trabalho, lazer e segurança nacional para os países do
primeiro mundo. (Era muita responsabilidade).
Na economia rural, o cavalo arava a terra, puxava as colhedeiras, de-
bulhava os grãos e transportava a produção para as regiões de consumo
e para os portos fluviais e oceânicos. Em 1872, um quarto da população
equina dos Estados Unidos morreu em decorrência de uma epidemia de
vírus. A vida e a indústria americana daquela década foi enormemente
prejudicada por falta de cavalos. No século 19, o ‘horse power’ fazia sozi-
nho o que a energia elétrica, o petróleo, e o biodiesel somados, fariam no
século 20.
Nas operações militares, os grandes canhões da artilharia eram puxa-
dos por dezenas de cavalos. (Daí o nome cavalo de ‘tiro’ dado aos animais
de tração pesada.) A cavalaria tinha funções estratégicas nos ataques e
táticas no apoio ao avanço da infantaria, e fazia a comunicação entre as
unidades do exército. Numa eventual derrota, a cavalaria dava cobertura
aos soldados em retirada e, em caso de vitória, fazia a ‘faxina’ final dos
últimos bolsões de resistência, além de perseguir o inimigo desbaratado.
Os oficiais da cavalaria formavam a elite da sociedade, ditavam a moda
e os maneirismos da burguesia e eram os centros das atenções nos bai-
les elegantes da alta sociedade. Os cavaleiros eram presença obrigatória
nos desfiles militares e representações diplomáticas. Os principais espor-
tes equestres também tiveram início, ou eram praticados, pelas escolas
de cavalaria daquele século – o pólo, o pig sticking, o tent pegging, o salto
clássico, o cross-coutry. As façanhas da cavalaria deixaram nomes lendá-
rios como Marechal Ney, ‘o mais bravo dos bravos’ generais de Napoleão,
Hodson, Lorde Cardigan, Murat e, naturalmente, o vencedor de Waterloo,
o Duque de Wellington.
O Império Napoleônico se desfez definitivamente no campo de
Waterloo, na Bélgica, num confronto decisivo entre Napoleão, montado
no seu cavalo Marengo, apoiado por uma tropa de 16 mil cavalarianos,
e Wellington, montado em Copenhagen, com 13 mil dragões montados.
Como todos sabem, Wellington pilotando Copenhagen, em dia de grande
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batalhão de 673 cavaleiros ingleses atacou de frente uma bateria de canhões russos. Eles en-
frentaram fogo cerrado por mais de 2 quilômetros, capturaram os canhões, mas perderam dois
terços de seus homens e cavalos. Os oficiais enfrentaram uma corte militar que acabou em
pizza.
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Parte II Em Busca do Centauro
zação e o século 20 foi saudado como uma versão ainda mais gloriosa e
bem-sucedida do que o século que havia passado. (Mas, espere só para ver
a caca que o ‘macaco pelado’ conseguiu fazer daquele século.)
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CAPÍTULO 29
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Estou denominando de ‘Império Equestre’ para todas as grandes organizações políticas que se
formaram com a utilização do cavalo e da equitação.
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Dezoito anos depois, somente o Império Britânico ainda estava de pé.
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isto tudo afetará o homem e o cavalo? Vamos iniciar uma viagem de aven-
turas nas ciências e tentar achar a resposta.
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Parte II Em Busca do Centauro
CAPÍTULO 30
A Extinção do Centauro
Nas primeiras décadas do século 20, ficou evidente que a velha socie-
dade, a velha economia, o velho sistema político e o velho poder equestre
haviam se esgotado nos países desenvolvidos. Pela primeira vez na história,
uma superioridade em cavalos e cavalaria não tinha mais o poder de favo-
recer o destino das nações. Na economia, a energia elétrica e o petróleo subs-
tituíram a força do cavalo, e nos transportes até a ridícula bicicleta podia ser
mais veloz. Depois de participar decisivamente do desenvolvimento social,
econômico e militar da humanidade por 6 mil anos, o Centauro desocupou
rapidamente o cenário internacional e passou a habitar lugares onde a mo-
dernidade não havia chegado ou o saudosismo não havia partido.
Se examinarmos fotos das grandes capitais do mundo tiradas nas
duas primeiras décadas do século 20, veremos nas ruas alguns poucos
automóveis e bondes elétricos perdidos no meio de um mar de veículos
puxados a cavalos.
Veja o texto deste anúncio da Lincoln Motor Company, publicado em
1928: ‘Conduzir um cavalo puro-sangue ágil, dócil, senti-lo obedecer às
mais súbitas exigências sem hesitações, compreendendo instintivamente
a vontade do cavaleiro ou, ainda, lançá-lo a galope para contê-lo, repen-
tinamente, com uma leve pressão de mão ou do pé – é prazer idêntico
de quem dirige um carro Lincoln’. Evidentemente, as emoções da equi-
tação ainda eram suficientemente fortes para atrair consumidores para o
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Parte II Em Busca do Centauro
país, a reforma militar foi mais rápida do que nos Estados Unidos. Até o
verão de 1940, toda a cavalaria foi transformada em unidades mecaniza-
das. Até mesmo a 7ª Cavalaria do famoso general Custer, que tinha sido
recauchutada depois do incidente com Touro Sentado em Little Big-Horn,
passou pela indignidade de ser transformada numa unidade de helicóp-
teros (que atuou com helicópteros ‘Apache’ durante as guerras no Kosovo,
Afeganistão e Iraque).
A previsão de Caprilli se concretizara – a utilidade da cavalaria mi-
litar chegara aos estertores. Apesar de, em alguns momentos, a cavalaria
ter se mostrado insubstituível, a Segunda Guerra Mundial já foi uma con-
flagração essencialmente mecânica. Entretanto, em meio ao cenário de
destruição da Grande Guerra, a revista Life publicou uma foto da visão fu-
tura do destino do cavalo e da equitação: os participantes da caçada anual
de Aldeham, liderados pelo Major Sir Jocelyn Morton, vestidos de fraque
vermelho e capacete preto perseguindo – entre os escombros das casas de
uma vila bombardeada – uma raposa. Você está rindo? Então você não
conhece o ‘upper crust’ – a nata – da sociedade inglesa.30
Mas, em 1942, o exército alemão cambaleava por todos os 3 mil qui-
lômetros da frente Russa, diante dos ataques da infantaria, artilharia e ca-
valaria vermelha. Estas ofensivas seriam os últimos assaltos de cavalaria
a terem uma participação vitoriosa numa guerra moderna. Mas o fim do
cavalo de batalha não estava próximo, já havia acontecido. Conto, pois,
como foi a última cena da derrocada do Centauro e do estilo de vida que
o cavalo nos possibilitou por 60 séculos de convivência. Uma história dra-
mática que decepou, com um só golpe, o cavalo do processo civilizatório
da humanidade, deixando-nos sozinhos na fria companhia das máquinas.
Dia 16 de agosto de 1939, as tropas da Alemanha invadiram as cer-
canias da cidade de Kutno, na Polônia. O oficial polonês de plantão orde-
nou imediatamente uma carga de cavalaria contra os “Hunos” do Tercei-
ro Reich. Os galantes oficiais poloneses e seus nobres cavalos de guerra
lançaram-se de peito aberto, crinas ao vento e espadas em riste, contra
as forças inimigas – como sempre o fizeram por toda a sua história. De
repente, acima do tropel ensurdecedor dos cavalos, ouve-se o que parece
ser uma longa e intensa trovoada de verão. O fogo mortal dos ‘panzers’
germânicos abateu, de uma só vez, todo o esquadrão de cavalaria polonês.
O partido trabalhista inglês procura, desde 1999, aprovar uma lei que proíbe a caça à raposa na
30
Inglaterra. Esta foi a última vingança política do partido dos trabalhistas do século 20 contra o
‘mundo do cavalo’. Os camponeses que hoje estão em todos os níveis do governo trabalhista não
vêem com bons olhos o cavalo e a equitação considerados, equivocadamente, de ‘elite’.
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CAPÍTULO 32
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No século 20, a ciência mecânica possibilitou inventos que nem Julio Verne
teve a capacidade de imaginar. Com a fabricação de automóveis, aviões e
espaçonaves, mais uma vez o “macaco pelado” conseguiu se superar. Mas,
naquele tumultuado século, vários setores da ciência conspiraram, sem o
saber, pela volta da equitação em grande estilo. Vamos abrir os olhos para
o futuro porque um novo cavaleiro ocidental está prestes surgir das brumas
da Idade das Trevas.
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CAPÍTULO 33
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CAPÍTULO 34
A Equitação Científica
do Século 20
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CAPÍTULO 35
Equitação –
Voar é Preciso
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cária, que seus críticos chamaram de ‘um macaco trepado num galho’,
ele imprimia grande velocidade na sua montaria e levou o turfe a novos
recordes. Veja a descrição de Charles Chenevix Trench sobre o estilo de
Sloane: “A essência do estilo de Tod Sloane era unir o centro de gravidade
do cavalo à do cavaleiro. A toda velocidade, o centro de gravidade do ca-
valo se adianta e o centro de gravidade do jóquei também deve se adiantar,
numa posição conseguida ao encurtar os loros, com o assento fora da sela,
o corpo paralelo ao pescoço do cavalo e os braços esticados para frente.
Além de ajustar o centro de gravidade do conjunto, essa equitação reduzia
o impacto do ar e, ao liberar o dorso do cavalo, permitia que esse adiantas-
se mais os posteriores, aumentando mais os seus galões”. Assim descreveu
Trench, em seu excelente livro Uma História da Equitação, a de equitação
de Tod Sloane, que deu início à montaria típica dos jóqueis profissionais.
A literatura internacional compara esta forma de equitação com os
princípios mecânicos da dinâmica automobilística – ajustes do centro de
gravidade, melhor distribuição do peso, diminuição da quebra do impacto
do ar, etc. Vou pedir licença aos meus leitores para dar um passo em outra
direção: o jóquei em pé nos estribos e agachado sobre o pescoço do cavalo
recebe a pressão do ar da mesma forma que o princípio da aerodinâmica
atua sobre a asa do avião: o ar passa por cima das costas do cavaleiro e por
baixo do seu corpo, criando um ‘diferencial de pressão’ semelhante ao que
anula o peso do avião e o faz voar. Ou melhor, o ar que passa por cima do
jóquei acelera, ficando mais veloz que o ar que passa por baixo, aumentando
assim a pressão dinâmica sobre o seu corpo e diminuindo o seu peso. No
caso do avião, quando este atinge a velocidade de ‘rolagem’, como dizem os
pilotos, o aparelho é ‘sugado’ para cima, e o aparelho levanta vôo. No caso
do cavalo de corrida, galopando a cerca de 70 quilômetros por hora, a velo-
cidade não permite o vôo, mas o princípio do ‘diferencial de pressão’ atuará
sobre o corpo do jóquei, fazendo com que o seu peso corporal seja drastica-
mente reduzido. Reduzido a quanto? Só uma pesquisa dirá.
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CAPÍTULO 36
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CAPÍTULO 37
O Milagre da Neurofisiologia da
Equitação
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CAPÍTULO 38
A Neurociência Revela os
Princípios da Equitação
Com a participação involuntária de Dr. James Rooney
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CAPÍTULO 39
A Organização da Equitação em
Reflexos Automatizados
Com a participação involuntária de Dr. James Rooney
Em sua vida natural, o cavalo usa o cérebro para acionar a sua cadeia
de reflexos, mas não para sustentar a ação dos andamentos depois que co-
meça a se movimentar. Quando o cavalo é montado, é o cavaleiro quem
aciona a cadeia de reflexos do animal e determina a direção que o conjunto
deve tomar, a velocidade e as ações que irão executar. Entender como fun-
ciona esse sistema é um grande passo para se aprender a usá-lo e ganhar
uma equitação de alta sensibilidade.
Quando o cavalo é bem adestrado, o cavaleiro assume o comando das
decisões para as mudanças de velocidade e direção com muita facilidade.
Ou melhor: a decisão do cavaleiro substitui a decisão do cavalo para acio-
nar o seu sistema reflexo que dará início à sua cadeia de movimentos. O
corpo e as pernas do animal começam a se movimentar automaticamente,
mais ou menos como um avião voando ‘no piloto automático’. A questão
que deve ser lembrada neste momento é que o cérebro do cavaleiro aciona
a sequência de movimentos do cavalo e estes são mantidos automaticamente
em funcionamento pelas células do sistema nervoso do cavalo situadas nas
dilatações cervical e lombar. Mas o cavalo é perfeitamente capaz de, du-
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rante a equitação, tentar tomar decisões por conta própria. Por exemplo,
querer disparar de volta para as baias se não estiver gostando do passeio,
aproximar-se de outro animal, parar para pastar ou simplesmente empa-
car diante de alguma coisa que o amedronta. Neste instante, haverá uma
disputa entre o cavalo e o cavaleiro pelas tomadas de decisões. E, geral-
mente, o cavaleiro inexperiente tenta retomar o comando à força usando
esporas e chicote, que despertam o cérebro e a consciência do animal e,
em consequência disso, a sua rebeldia – e a confusão estará armada, como
já vimos centenas de vezes por aí. Numa situação semelhante, o cavaleiro
experiente, ao contrário do novato, retomará sutilmente o comando da
situação sem se fazer muito notado pelo cavalo; no máximo, o animal per-
ceberá a sua presença quando ele transmite, com atitudes e gestos tranqui-
lizadores, a necessidade de avançar. Porque o bom cavaleiro possui todos
os atributos naturais de um líder – carisma, competência para resolver
problemas e a capacidade de persuadir e motivar.
O conhecimento da cadeia de reflexos da equitação é de grande im-
portância para o cavaleiro moderno que pode, finalmente, contar com um
paradigma científico para a orientação de como organizar as suas ‘ajudas’
de maneira mais técnica e eficiente.
O adestramento e o treinamento modernos são a organização de
toda a ação equestre em reflexos que foram automatizados pelo adestra-
dor durante muitas horas de treinamento. Esta organização dos reflexos
da equitação do cavalo começa com o ‘adestramento primário’, também
conhecido como ‘doma de chão’, onde o animal aprende a andar, trotar
ou marchar, galopar, e mudar de direção, com os comandos emitidos pelo
adestrador. A ‘doma’ moderna34 deve ser entendida como um vôo simula-
do na aviação, na qual o cavalo aprende todas as manobras sem os perigo
da ação real. O potro, durante o adestramento primário, vai aprender as
ações da equitação35 administradas de forma compreensiva e progressiva,
até receber o cavaleiro no dorso, quando então começa o adestramento
básico, também conhecido como ‘doma de cima’, que é uma continuação
dos mesmos comandos ensinados durante o adestramento primário, ago-
ra acionado pelo adestrador montado no dorso do cavalo. Etapa por eta-
34
Particularmente, eu não chamo de ‘doma’ a iniciação do cavalo para a equitação. Prefiro a expres-
são ‘adestramento primário’, porque este estágio se refere exatamente à fase primária da educação
na qual o animal aprende a aprender – sobretudo como lidar com os seres humanos com quem
ele, em breve, vai ter de fundir os seus recursos neurofisiológicos durante a equitação.
35
Na fisiologia do exercício, as ações rápidas são aquelas executadas automaticamente em centé-
simos e décimos de segundos.
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Parte II Em Busca do Centauro
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Parte II Em Busca do Centauro
CAPÍTULO 40
O Código de Comandos
da Equitação
Com a participação involuntária de Dr. James Rooney
As esporas, quando necessárias, devem ser utilizadas para induzir um reflexo de afastamento
36
no cavalo. A espora do lado direito deve provocar o afastamento para o lado esquerdo e vice-
-versa. O uso das duas esporas deve induzir o deslocamento do cavalo para frente, mas nunca o
contrário; isto é, para o recuo.
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não usar ‘força’ ou causar ‘dor’ ao cavalo. Já vimos que a punição física
aciona o cérebro do animal que então poderá reagir com corcoveios, apru-
madas, disparadas ou outras reações negativas – um espetáculo fantástico
num rodeio, mas lamentável durante uma prova de equitação. É claro que
o cavaleiro ‘xucro’, do tipo “machão”, vai recomendar, para os casos da
rebeldia do animal, a velha receita de Grisone: uma boa surra de chico-
te para ‘exorcizar o diabo da desobediência do corpo do cavalo’ – o que,
para uma preparação rudimentar e de baixa tecnologia do animal, pode
até funcionar. O cavalo surrado e intimidado poderá tentar obedecer aos
desejos do seu “senhor”, mas nem esse cavalo nem esse cavaleiro37 poderão
se credenciar para uma equitação superior, a matéria que estamos tratan-
do aqui. Lembremos o que escreveu Xenofonte há 2.400 anos: “O que o
cavalo faz sob coação é feito sem compreensão, e não há beleza nisto”. Na
equitação clássica, que é um esporte de público e de mídia, a harmonia e a
beleza da apresentação são fundamentais.
Para administrar a cadeia de reflexos automatizados do cavalo, o ca-
valeiro, ao montar, deve acionar o seu código de comandos com toques,
dicas e sutis movimentos corporais que imitam os andamentos do cavalo
e que nunca cessam, enquanto o cavaleiro e o cavalo estiverem em mo-
vimento. Esta ação é comparável a um pianista que se lança de corpo e
alma em sua música alternando, repetindo e superpondo as notas musi-
cais numa cascata de toques suaves nas teclas. Mais do que as mãos, ele
usará na execução da sua música todos os sentidos que possui. Vou dar
um exemplo: ao montar e se posicionar na sela, o cavaleiro provoca o pri-
meiro elo da cadeia de reflexos automatizados do cavalo quando o animal
dorsiflexa, o que inicia uma série de contrações musculares que firmam as
suas pernas e o predispõe para a ação. O cavaleiro então faz uma pressão
com as pernas, indicando o cavalo para tomar o passo. Mais uma leve
pressão inicia o trote ou a marcha. Para tomar o galope, o cavaleiro rea-
liza uma combinação de movimentos: nova pressão das pernas, um leve
deslocar do corpo para frente indicando o aumento da velocidade, um
discreto recolhimento das rédeas para se conectar com a boca do cavalo –
e o animal (adestrado desta forma) tomará o galope. Você agora direciona
o cavalo, com uma leve pressão da perna direita, em direção a uma baliza
a sua esquerda; quando a baliza estiver na altura da sua perna esquerda, o
A origem da palavra portuguesa ‘peão’ vem do substantivo ‘pé’, acrescido do sufixo ‘ão’; ou seja,
37
o peão era um empregado de fazenda que não sabia ou não estava autorizado a montar a cavalo
e lidava com o gado bovino e equino a pé. No Brasil, por alguma razão misteriosa, peão virou
sinônimo de cavaleiro.
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Parte II Em Busca do Centauro
seu corpo se desloca sutilmente para este lado, e a perna e a rédea direita
pressionam levemente o costado e o pescoço, e o cavalo (adestrado desta
maneira) fará a curva para a esquerda com equilíbrio e naturalidade. As
pressões de pernas e os toques de calcanhar são tão sutis que não serão
notados pela platéia. Visualmente, deve parecer que o cavalo comanda a
ação.
Na equitação simbiótica de alta sensibilidade, as rédeas servem basi-
camente para flexionar e administrar a velocidade do animal e, sobretudo,
para estabelecer uma conexão de entendimento neural entre as mãos do
cavaleiro e a boca do seu cavalo. O que faz a boa equitação não é a boa
mão, mas o bom cérebro do cavaleiro: as mãos apenas obedecem. (Veja o
capítulo Embocadura, a Conexão Cerebral.) As pernas do cavaleiro geram
a impulsão e fazem as mudanças de direção, ou melhor, você solicita a
energia da equitação ao cavalo com as pernas e administra a impulsão
gerada com as mãos.
Mas, lembra Dr. Rooney: “Não é possível ensinar novos movimentos
para o cavalo; só é possível se utilizar o repertório de reflexos já existente e
para a qual a vida natural do cavalo foi programada”. Entretanto, dominar
e executar todas as combinações reflexas possíveis da motricidade equina
possibilitadas pelas mudanças de direção e velocidade é uma arte com-
plexa que dispensa inovações. “Leva mais tempo para se formar um bom
equitador do que formar um bom médico”, lembra Gabby Hayes.
Podemos definir o grande equitador do futuro como tendo a vocação
de Antoine de Pluvinel somada aos conhecimentos de psicologia e fisiolo-
gia humana e equina que estão à disposição do cavaleiro moderno.
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CAPÍTULO 41
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Parte II Em Busca do Centauro
A equitação de baixa tecnologia pode ser considerada uma agressão ao cavalo. A equitação de
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alta tecnologia deve ser entendida como uma reorganização técnica de uma parte da vida do
cavalo para fins esportivos, sem prejuízos psicológicos e físicos para o animal.
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CAPÍTULO 42
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O que prova, mais uma vez, que o homem e o cavalo vivem numa socie-
dade fechada – um mundo esotérico, talvez. Vejamos o que diz o dicionário
Aurélio: ‘Esotérico: Adj. Todo ensinamento ministrado a círculo restrito e
fechado de ouvintes. Diz-se aos ensinamentos ligados ao ocultismo. Com-
preensivo apenas para poucos; obscuro, hermético’. Perfeito, é isso! O homem
e o cavalo vivem num mundo esotérico. A comunidade equestre é marcada
por seu caráter fechado. Ela ainda guarda um toque de ‘magia’ e ‘ocultismo’,
matéria só para os iniciados. É obscuro, hermético e compreensível só para
poucos. O Dr. Pavlov, em seu laboratório, não associava o magnífico e mito-
lógico cavalo com seus experimentos fisiológicos com cachorros, e L’Hotte
não percebera nenhuma relação entre as pesquisas realizadas com simples
cachorros e os cavalos que ele adestrava em reprises de alta escola em Saumur,
e que seu professor e amigo Baucher apresentava nos circos-manèges de Paris.
Ficamos nós, agora, a imaginar o salto que a equitação acadêmica
poderia ter dado se, por uma feliz coincidência, o Dr. Pavlov e o General
L’Hotte tivessem se encontrado no Jubileu da Rainha Vitória e trocado
algumas idéias sobre o trabalho que ambos faziam. Imagine se os dois
tivessem sido apresentados por um amigo comum e iniciado o seguinte
diálogo: “Dr. Pavlov?”, exclama o general – “Prazer em conhecê-lo, Gene-
ral L’Hotte!”, responde o doutor. Depois de ambos expressarem a sua sa-
tisfação em terem sido apresentados diz o general francês: “Dr. Pavlov, eu
li nos jornais, recentemente, sobre as suas maravilhosas experiências com
cães – o senhor vê alguma relação entre esse trabalho com cachorros e o
adestramento de cavalos como nós cavaleiros fazemos em Saumur, Wee-
don e Saugur, os trabalhos em duas pistas, o piaffer, o passage e a pirue-
ta?”... Como nos Contos de Aladim, o General possuía o mapa do tesouro
e o Doutor tinha a chave do cofre. O General L’Hotte sabia como adestrar
cavalos e o Dr. Pavlov estava começando a entender porque os animais
– e o cavalo – ficavam adestrados! Mas, infelizmente, este encontro não
aconteceu. E nós levamos mais 100 anos para começar a compreender o
maravilhoso mundo interno, quando o sistema nervoso humano e equino
entra em cadeia de cooperação... o enigmático processo de centaurização.
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CAPÍTULO 43
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CAPÍTULO 45
John Florio (1533-1625): Lexicógrafo nascido em Londres, autor de Uma Perfeita Introdução
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O prazer é um sentimento tão importante que ele é responsável pela manutenção do indivíduo
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através do apetite alimentar e pela manutenção das espécies através do apetite sexual. É enorme
o poder do prazer na vida de pessoas e cavalos.
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CAPÍTULO 46
Equus Ludens
Com a participação involuntária de Johan Huizinga
“Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a desig-
nação (ou melhor, auto intitulou-se) de ‘Homo sapiens’. Com o passar do
tempo, acabamos por compreender que, afinal de contas, não somos tão ra-
cionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século 18 nos fizeram
supor, e passou ser moda designar nossa espécie ‘Homo faber’ (o homem que
fabrica). Mas existe uma terceira função, que se verifica tanto na existência
humana quanto na vida animal, que é tão importante quanto o raciocínio
e a fabricação de objetos que inspiraram a denominação ‘sapiens’: o jogo”.
Johan Huizinga.
Para se entender melhor a natureza do cavalo, e se utilizar todo o
seu potencial em busca de uma equitação mais evoluída, já analisamos
a interação dos reflexos automatizados do cavalo e do cavaleiro, e como
esta sinergia é o resultado dos treinamentos que aperfeiçoam a integra-
ção neurofisiológica do conjunto. Examinamos, também, a inteligência
emocional aplicada à equitação, o valor do sentimento do prazer, e vamos
agora fazer uma análise para procurar, dentro da constituição psicológica
do cavalo, outros elementos da sua inteligência emocional que poderão
nos ajudar a realizar a união psicológica do Centauro. Vamos analisar o
jogo, no seu significado maior, dentro do seu sentido lúdico, e ver como
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den. Conhecido por seu trabalho na história da cultura da Idade Média, o seu importante tra-
tado, “O Jogo como Elemento da Cultura”, foi utilizado como argumento desse capítulo Equus
Ludens.
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CAPÍTULO 47
Homo Communicator
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Homo communicator é um neologismo para enfatizar uma das principais características huma-
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CAPÍTULO 48
A Inteligência
Emocional na Equitação
Com a participação involuntária de Daniel Goleman
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Parte II Em Busca do Centauro
tada pelas emoções que comandam o sistema nervoso dos mamíferos su-
periores (entre eles, nós e o cavalo). As emoções são muito desenvolvidas
tanto no Homem quanto no Cavalo, e são responsáveis pela capacidade de
ambos agirem, reagirem e sobreviverem às ameaças externas – e também
pela capacidade de se fundirem num conjunto equestre.
A última década do século 20 se notabilizou por um grande avanço
nos estudos das emoções. Hoje, uma nova geração de neurocientistas está
trazendo novidades para mapear o funcionamento do cérebro e desven-
dar mistérios da mente que as gerações anteriores de cientistas achavam
impenetráveis. Descobertas dramáticas foram possibilitadas pelas novas
técnicas eletrônicas de gravação de imagens do cérebro em funcionamen-
to e isso permitiu, pela primeira vez na história da ciência, se observar
como os neurônios trabalham quando pensamos, planejamos, nos emo-
cionamos, dormimos e... ahm, mentimos, sofismamos, trapaceamos, etc.
Agora, sabemos, também, como o cérebro dos mamíferos superiores é
semelhante ao nosso. Se descontarmos o neocórtex, que é mais desen-
volvido no Homo sapiens e lhe permitiu inventar a bomba atômica (que,
convenhamos, não foi uma idéia tão ‘sapiens’ assim), o funcionamento
do cérebro do homem e do cavalo é estruturalmente semelhante, e esta
coincidência neurológica está na base da equitação de alta performance.
“O cérebro do homem é dividido em duas mentes: uma emocional e
outra racional”, explica Daniel Goleman no seu livro A Inteligência Emo-
cional. “A mente emocional44 existe há mais tempo do que a racional. De
um modo geral, a operação da mente emocional alimenta com informa-
ções a mente racional e esta avalia as informações, tornando racionais as
atitudes resultantes. Mesmo assim, a mente emocional e a mente racional
são faculdades semi-independentes que podem, ocasionalmente, entrar
em choque, com a emocional sequestrando a racional”, continua Daniel
Goleman. Quando isto acontece, a pessoa estará cometendo um ato de
impulso ou impensado – como comprar além do limite do seu cartão de
crédito, brigar com alguém por razões fúteis ou maltratar o seu cavalo
durante um treinamento. Xenofonte já dizia: “Nunca se deve lidar com
um cavalo quando se está mal-humorado; num momento infeliz, pode
perder todo o trabalho que se estava fazendo”. O general tinha razão: a ira
é péssima professora.
A mente racional se situa no neocórtex e dá ao homem todas as suas
A mente emocional é também conhecida como mente biológica, antigamente chamada de ‘ins-
44
tinto’.
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CAPÍTULO 49
Embocadura,
a Conexão Cerebral
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cargas de cavalaria. Mas, você não vai acreditar no que eu vou dizer agora
– na Renascença, quando a equitação ocidental recomeçou de forma sis-
temática, a embocadura começou a ser definida como ‘a chave para a boa
equitação’. Estas ferramentas eram todas do tipo freio, isto é, com barras
rígidas, ou enormes argolas internas, equipadas com rodinhas e até sini-
nhos! As câimbras eram longas para aumentar a alavancagem e produzir
mais dor. O lado direito da barra era frequentemente construído de modo
diferente do lado esquerdo para forçar o cavalo se tornar mais leve nas
viradas para a direita! Descartes deveria ter ficado encantado.
Na Escola Napolitana de Equitação dirigida por Federico Grisone,
contra a lei do mais forte usava-se a lei do mais cruel. Na Europa, até
o século 19, as embocaduras eram usadas como uma ferramenta para a
subjugação do cavalo e hoje, nas culturas equestres mais atrasadas, que
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Parte II Em Busca do Centauro
bre a estrutura óssea do cavalo. Com seu uso, é possível induzir a flexão
do pescoço do animal e fazê-lo colocar as pernas na posição correta para
dar início a uma cadeia de respostas automatizadas. Ou, em outras pala-
vras, a embocadura pode induzir o cavalo a tomar a posição que os seus
movimentos naturais exigem, que em si já é um “comando” natural para o
cavalo executar os movimentos desejados. O cavalo não deve ser “contro-
lado” apenas com o manejo da embocadura porque, como já vimos, isto
destruiria os terminais nervosos na sua boca e, ao perder esse sentido, o
animal precisará de uma embocadura mais forte, o que dará início a uma
“escalada” em busca de embocaduras cada vez mais “pesadas”.
As rédeas, que ligam as mãos do cavaleiro com a boca do cavalo,
podem ser descritas como o “duto” que pluga a mente humana com o
sistema nervoso do animal para monitorar os seus movimentos e vice-
-versa. As rédeas transmitem as ‘dicas’ sutis do cavaleiro para a embo-
cadura, que as transmite para os receptores nervosos situados na boca
do cavalo, que os decodifica automaticamente e indica os movimentos
automatizados a serem deflagrados e que foram treinados nas sessões de
adestramento.
Agora, a questão que faltava: como é que o cavalo se relaciona com a
embocadura? Ela é, de fato, um meio prático para o cavalo compreender o
limite dos seus movimentos. Pela posição da embocadura, o cavalo pode
antecipar o comprimento de cada ciclo muscular, e é por isso que o ani-
mal bem adestrado procura ‘encostar’ na embocadura acionada por mãos
competentes.
circunstância da vida. Aplicando esta teoria à equitação, fica claro que o uso de embocaduras
está relacionado exatamente com a busca do conforto do cavalo. Quando o animal está execu-
tando o movimento desejado, na velocidade adequada, a embocadura não deverá estar em ação
e o cavalo precisará estar na sua ‘zona de conforto’. Ela é utilizada para ‘induzir’ o animal ao
movimento desejado e é liberado assim que o movimento estiver sendo cumprido. Quando isso
ocorre, o adestramento do cavalo caminha para o sentido total de liberdade, como você verá no
capítulo Desvendando o Enigma do Centauro.
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CAPÍTULO 50
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forram mais o seu cavalo do que a sua cama, e preferem o conforto à segu-
rança”, criticou o famoso general grego.
O segundo estágio da evolução das selas foi provavelmente uma ge-
ringonça parecida com uma cangalha, equipada com uma laçada de couro
cru para ajudar o cavaleiro a subir e se posicionar no dorso do cavalo. Mas
o uso de estruturas de madeira começou a provocar problemas de feridas e
dor nas costas dos cavalos. Por esta razão, há indícios de que os cavaleiros
da antiguidade procuraram durante muitos séculos fabricar algum tipo
de sela que pudesse dar a eles e aos seus cavalos uma união mais segura e
confortável.
As selas, como as conhecemos hoje, ganharam a sua atual forma e
estrutura na Ásia Central, provavelmente ainda no primeiro milênio a.C.,
e depois disso poucas mudanças estruturais ocorreram, além de adapta-
ções do equipamento para se ajustar a diferentes tipos de trabalho e para
as funções militares.
As selas podem ser divididas em dois tipos principais: selas leves para
viagens e selas pesadas para o trabalho. A sela pesada foi concebida como
uma “cadeira” que dava ao cavaleiro medieval um assento mais seguro
para o manejar de armas. Na Idade Média, o guerreiro precisava ficar en-
caixado dentro da sela, que era construída com cepilho e patilho altos
para ajudá-lo a resistir aos impactos dos choques de cavalaria. As selas
de trabalho, das quais a ‘western’ americana é um bom exemplo, é uma
adaptação da sela ibérica de guerra, modificada para ajudar o vaqueiro
mexicano, e depois o texano, nas suas tarefas diárias. O princípio dessa
sela é de funcionar como uma “cadeira”, a mais confortável possível, para
o cavaleiro poder passar muitas horas realizando as suas tarefas.
Pesquisas arqueológicas revelam que o grande avanço na construção
da sela ocorreu na Ásia Central e se espalhou para a Europa através das
incursões de conquistadores hunos, magiares e sarracenos. A armação da
sela das estepes era simples, mas engenhosa, como tantas outras soluções
tecnológicas avançadas. A sela oriental, sem revestimento de couro, era
esculpida em quatro peças de madeira – o cepilho, o patilho e dois tra-
vessões de ligação, tão bem torneados que, quando unidas, distribuíam
o peso do cavaleiro sobre o dorso do cavalo sem pressionar a sua coluna
dorsal e sem causar feridas. Os travessões laterais eram levemente encur-
vados na frente para permitir que as espáduas do cavalo pudessem traba-
lhar em liberdade. Esse tipo de sela, com o espaço livre entre os travessões
(suadouros), aumentava em muito a autonomia da cavalaria nômade.
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Parte II Em Busca do Centauro
“Esse tipo de sela expressa a ligação afetiva do cavaleiro para o seu cavalo,
e quanto eles dependiam um do outro, e como procuravam harmonizar a
sua relação”.46
A sela húngara é do tipo oriental e foi introduzida por Magiares Ar-
padianos, um povo cavaleiro nômade que, nos anos 900 d.C., conquis-
tou as planícies húngaras. Esse tipo de sela é baixo, com boa aderência
ao cavalo, sendo o cepilho e o patilho ligados aos travessões laterais por
amarras feitas de couro cru. O cepilho se projeta para frente e é mais alto,
enquanto o patilho é lobular e se projeta para trás, com o assento formado
por uma tira de couro de dez centímetros de largura que fica suspensa
entre o cepilho e o patilho também ligado aos travessões laterais por tiras
de couro. “Isto forma um assento móvel, confortável e ventilado”, dizia o
catálogo do museu etnográfico de Budapeste. Mas, o que será que os cura-
dores húngaros querem dizer com a expressão “assento móvel”? Depois de
passar quase um dia inteiro a estudar a mostra de selas húngaras, cheguei
a uma conclusão interessante: a tira de couro suspensa entre o cepilho e o
patilho provavelmente magnificava os movimentos do cavaleiro para que
o cavalo pudesse melhor sentir as suas posições corporais e comandos
para mudanças de velocidade e direção. Isso faria sentido para os antigos
arqueiros nômades que precisavam atirar as suas flechas a galope, guiando
o cavalo por meio de comunicação corporal (veja o capítulo A Linguagem
Natural dos Movimentos na terceira parte deste livro). A teoria do “assento
móvel” é uma conjectura de minha parte, mas decidi revelá-la neste livro
porque ela se ajusta perfeitamente com a tese da fusão neurofisiológica
dos cavaleiros nômades, onde um assento ligeiramente móvel seria de
grande utilidade para o controle do cavalo. Para mim, esse tipo de sela
parece representar a perfeita ligação do Centauro, permitindo ao cavalo e
ao cavaleiro monitorarem os ciclos musculares um do outro e se fundirem
em um só ser galopante, com movimentos e intenções unificados.
Depois da embocadura, o estribo foi provavelmente o invento mais
importante a surgir no mundo do cavalo e da cavalaria. Como já vimos,
o estribo dá ao sistema nervoso humano uma referência de chão, que
permitia ao guerreiro realizar movimentos mais vigorosos sem perder o
equilíbrio para a utilização de armas – arcos, lanças, azagaias, espadas e
sabres. Atualmente serve para harmonizar as técnicas esportivas. O uso
do estribo apareceu entre os citas da Ásia Central há 2.600 anos, na forma
Informação oferecida pelo catálogo da mostra histórica de selas húngaras promovida pelo Mu-
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As antigas selas dos nômades da Ásia Central parecem ter sido construídas
para facilitar o fluxo de vibrações musculares entre o cavaleiro e o cavalo,
que seria extremamente favorável aos arqueiros montados. No Ocidente,
as selas medievais foram concebidas como ‘cadeiras’ nas quais o cavaleiro,
em posição sentada, viajava, guerreava ou participava de algum esporte.
Hoje, as selas são fabricadas como uma importante via de comunicação
que conecta o sistema sensitivo-motor do conjunto e facilita o contínuo
deslocamento do cavaleiro em busca do centro de gravidade do cavalo. E,
assim como a sela moderna está ganhando uma nova concepção de uso, a
espora e o chicote estão sendo inteiramente repensados.
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Parte II Em Busca do Centauro
CAPÍTULO 51
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do seu próprio sistema sensitivo-motor. Mas cada vez que o cavaleiro re-
corre a um comando ostensivo, utilizando inadequadamente as esporas e
o chicote, o cavalo toma consciência de que há um corpo estranho no seu
dorso – e isto atrapalha muito mais do que ajuda.
Numa equitação de natureza simbiótica, as esporas continuam a ser
importantes, mas utilizadas com uma nova filosofia – o que tem modifi-
cado bastante o seu desenho.
A espora moderna é usada como um reforço dos comandos das per-
nas, recurso utilizado somente quando precisamos enfatizar uma pressão
do nosso código de comandos, e não simplesmente como um “acelerador”
do cavalo. O atác d’epuron – o ataque de esporas –recomendado por Bau-
cher está out, porque não é desejável que o cavalo associe a ação da espora
com a ação do cavaleiro. Usar a espora como um castigo não tem justifica-
tiva num trabalho de alta sensibilidade, onde o conjunto atingiu um alto
grau de fusão sensitivo-motora, e o cavaleiro se comunica com comandos
extremamente sutis que deflagram automaticamente a ação do cavalo.
Através da neurologia podemos descrever assim a função da espora:
o cavalo tem na sua pele um órgão muito útil. A farta distribuição de sen-
sores nervosos distribuídos por toda a superfície e conectados ao cérebro
cria uma hipersensibilidade que permite ao animal detectar o pousar de
uma mosca e espantá-la apenas com uma vibração da pele. É sobre este
órgão supersensível que atuamos com esporas e chicotes. (A partir de ago-
ra, palavra chicote, por ter uma conotação de castigo, será substituída por
pingalim.) O cavalo responde ao uso da espora com respostas automati-
zadas: quando as esporas entram em contato com a pele do animal, este
automaticamente executa um reflexo de afastamento e se movimenta para
frente. Como explicou Dr. Rooney, não é recomendável fazer a espora
provocar dor – o reflexo automatizado de afastamento entra instantane-
amente em ação com o simples encostar da espora – ação imediatamente
remetida para a medula e que, no cavalo bem adestrado, provoca uma
resposta reflexa instantânea. O general L’Hotte dizia com sabedoria que “o
bom cavalo obedece ao frio do metal”.
A espora moderna não precisa de rosetas pontiagudas. O cão – a peça
que sustenta a roseta –agora serve para fazer o contato com a superfície da
pele do cavalo e, sem provocar dor, indica a execução das figuras treina-
das pelo conjunto e organizadas em sequências de reflexos automatizados.
A função moderna da espora é “vigiar” o flanco do cavalo e, quando há
uma diminuição de velocidade, ou quando uma mudança de direção é
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CAPÍTULO 52
Desvendando o
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O Centauro Chiron é um personagem da mitologia grega, e foi o tutor de Aquiles a quem ensi-
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Parte II Em Busca do Centauro
Quando a equitação começar a ser estudada pelos cientistas, muitos fatos começarão a entrar
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em foco. Mas não nos iludamos – a definição científica da fusão neurofisiológica e da união
proprioceptiva do homem-cavalo talvez seja tão difícil de transformar em lei fisiológica como
foi a descoberta do oxigênio no século 18.
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III. Odisséia na Ciência
Além disso,
O fenômeno Equitação
É possivelmente
A mais complexa técnica biológica
Já dominada
Pela mente humana
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CAPÍTULO 53
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Parte III Odisséia na Ciência
para não sermos mordidos pelo cachorro. Mas a nossa mente, que faz o
trabalho do cérebro, nos prega inúmeras peças.
A ciência reconhece vários tipos de ilusões e sendo a humanidade
uma espécie altamente visual, as ilusões de ótica51 são as mais comuns,
apesar de que todos os nossos sentidos estão sujeitos a serem enganados
por ilusões e, como veremos, várias delas nos ajudaram a evoluir e chegar
até aqui.
Como exemplo de uma ilusão de ótica, observe na ilustração a água
do aqueduto que parece subir ao invés de descer. Essa é uma das inúmeras
ilustrações de M.S. Escher, o artista plástico holandês, capaz de criar ilu-
sões de ótica que desafiam o nosso senso de perspectiva, confundir o sen-
tido de figura/fundo e embaralha o senso gravitacional. Mas não são ape-
nas os nossos olhos que podem ser enganados por ilusões: todos os nossos
sentidos podem ser levados a fazer leituras errôneas – ou seja, aquilo que
eles parecem informar ao cérebro não existe no mundo real. Richard Da-
wkins sugere que o cérebro de um macaco tem de ter um software capaz
de simular o quebra-cabeça tridimensional do emaranhado de galhos e
troncos da floresta. Como veremos adiante, é evidente que nós, humanos,
de fato herdamos dos nossos ancestrais primatas um software com a ca-
pacidade de lidar com o meio ambiente instável da copa das árvores e, até
hoje, continua tendo múltiplas utilidades para muitos, especialmente nós
cavaleiros.
Assim como o vôo do besouro, o fenômeno equitação é também uma
impossibilidade teórica que só funciona na prática. Por quê? Porque um
mamífero menor não tem, teoricamente, condições de dominar um ani-
mal maior. Trocando em miúdos: Homo sapiens, pesando em média 1/6
do Equus caballus, não possui a estrutura determinante para dominar o
animal maior, mais forte e veloz. Mas consegue. Como?
Desde criança eu montava em meus cavalos esperando que surgisse
um Charles Darwin na minha vida para explicar porque os cavalos permi-
tem que um menino magrelo como eu pudesse montá-los e conduzi-los e,
por que, às vezes, eu tinha problemas em dominar um animal. Mais tarde,
com novos conhecimentos adquiridos nas aulas de ciência, surgiram mais
Uma ilusão ótica é sempre caracterizada por imagens visuais que, em termos normais, são en-
51
ganosas – ou seja, é uma leitura errada dos fenômenos que só existe na nossa imaginação. Na
ilusão de ótica a informação colhida pelos olhos é processada pelo cérebro e o resultado do
produto visual não condiz com a realidade física da fonte visual. Quando, por exemplo, esta-
mos num elevador que supomos que vai subir, e ele desce, somos enganados por uma ilusão de
queda.
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O artigo Riding Reflex Chains foi publicado pela Equus Magazine (EUA), sob a editoria médica
do Dr. Matthew-MacKay Smith.
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Enigma do centauro é uma expressão que utilizo para definir as questões desconhecidas da
união sensitivo-motora do homem e do cavalo durante o fenômeno equitação.
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Parte III Odisséia na Ciência
54
David Krech é professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Berkeley. George Page
é autor de Inside the Animal’s Mind, da editora Doubleday.
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Poder equestre é uma expressão que utilizo para definir o uso político/militar do cavalo.
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Parte III Odisséia na Ciência
que o indivíduo tem de ‘sentir’ em quais posições os seus membros estão. O sentido é formado
por sensores anatômicos localizados nas articulações. No fenômeno equitação, o cavaleiro e o
cavalo desenvolverão esta percepção em relação aos movimentos do parceiro.
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Parte III Odisséia na Ciência
As rédeas que conectam a boca do cavalo com as mãos do cavaleiro são também utilizadas para
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ajudar o cavaleiro a “induzir” o cavalo a tomar a posição estrutural correta para facilitar o início
dos movimentos e a manutenção dos movimentos.
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Segundo Oliver Sacks todo aprendizado intensivo como a música, por exemplo, muda a ana-
tomia do cérebro. A equitação, que envolve todos os sentidos, inclusive o crítico sentido de
equilíbrio, deverá ter o mesmo efeito.
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Phidias – c480 a.C-c430 a..C. escultor grego e o arquiteto da Acrópole de Atenas
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CAPÍTULO 54
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O Triunfo quádruplo realizado por César em 46 a.C. comemorou as suas quatro grandes vitó-
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CAPÍTULO 55
O Fim da Visão
Mecanicista da Equitação
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CAPÍTULO 56
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moso: na Essay on Polulation – Ensaio Sobre a População. Nessa obra, Malthus defende a tese
de que a população mundial aumenta geometricamente e a produção de alimento aritmetica-
mente. Até hoje, 200 anos depois, esta previsão não se confirmou mundialmente.
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seja possível calcular quanta força precisaria ser aplicada em cada ação
do robô. Acredite, companheiro de viagem, que a complexidade dos
problemas de engenharia cognitiva que o cérebro de um cavalo é capaz
de resolver num centésimo de segundos está muitos anos luz à frente da
façanha de colocar um carrinho em Marte para explorar a composição
do solo e definir o clima do planeta vermelho.
Agora, as boas notícias: depois de 6 mil anos de equitação, estamos
nos aproximando da possibilidade de realizar a primeira reengenharia da
equitação na história. Finalmente, o Homo sapiens poderá compreender
os princípios da fisiologia, da neurofisiologia, da psicologia e da cibernéti-
ca que regem a equitação. (Apesar de que, explicar como os reflexos auto-
matizados do cavaleiro se fundem com os reflexos do cavalo nos esportes
equestres – ainda vai levar algum tempo e alguns milhões de dólares para
ser completamente desvendado.) Como no caso da inteligência, é fácil
identificar uma pessoa inteligente – o diabo é explicar como funciona a
sua inteligência.
Os efeitos das grandes mudanças na tecnologia da equitação começa-
rão a ser sentidos já na primeira década deste novo século. Isso significa,
em termos práticos, que haverá, na primeira metade do século 21, mais
pessoas exercendo uma equitação avançada do que em qualquer outro
período da história da humanidade.
Serão quatro as causas principais da revolução na equitação: a prin-
cipal será a nova compreensão da individualidade do cavalo, que mudará
a atitude do equitador inteligente no seu relacionamento com o animal. A
segunda será o ensino da neurofisiologia da equitação e como o feedback
dos sentidos trafega entre o cavalo e o cavaleiro durante a ação equestre.
A terceira será a compreensão do mecanismo de aprendizagem motor do
cavalo, que modificará as técnicas de treinamento do animal. E a quarta
será as novas estratégias eletrônicas de ensino teórico da equitação para
cavaleiros iniciantes, que poderá utilizar o sistema de ‘computer graphics’
e a realidade virtual para ilustrar as vias da neurofisiologia da equitação
durante a ação equestre.
Com 100 anos de atraso, a revolução de Caprilli acabará vitoriosa. “A
roda completa a sua volta”, diria Shakespeare em meu lugar.
Mas como iniciar uma revolução na equitação, já que as suas técnicas
estão consagradas há séculos e o ‘velho mundo do cavalo’ é reconhecida-
mente uma bolha cultural atrasada e reacionária? Vamos, então, enfrentar
a primeira tempestade filosófica da equitação: será a relação homem-ca-
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CAPÍTULO 57
Equitação – Esportes
em Evolução
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CAPÍTULO 58
Equitação: Simbiose
ou Escravidão?
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Zingaro Triptyk, um filme dirigido por Bartabás, é uma alegoria do impacto dos povos cavalei-
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Jean M. Auel, para o vexame dos homens, estava certa: foram provavelmente as mulheres que
domesticaram os cavalos, como ela sugere em seu livro The valley of Horses.
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Em todas as sociedades equestres, o roubo de um cavalo era punido com a pena de morte.
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pelo homem moderno, e que é mais bem definido com a palavra “estupro”.
Mas o estupro não foi inventado pelos humanos e ocorre ocasional-
mente no mundo natural, especialmente entre primatas. Este comporta-
mento não conduz a uma relação simbiótica, mas sim, ao medo, à sub-
missão e à escravidão. E, mesmo que a brutalidade seja satisfatória para
produzir uma equitação de baixa tecnologia, útil para a viagem e o tra-
balho, isso nada tem a ver com uma equitação simbiótica ou de alta per-
formance, necessário para a caça, a guerra e os esportes equestres. Uma
simbiose é um pacto de não agressão celebrado entre duas espécies di-
ferentes, e que serve para garantir a sobrevivência dos dois, envolvendo
um comportamento que nada tem a ver com a violência. Na verdade, o
casamento humano é também uma aliança simbiótica em que dois indiví-
duos reúnem as suas características biológicas para fazerem, juntos, o que
não conseguiriam realizar individualmente; isso é, garantir que seus genes
emigrem para a próxima geração. Mas, infelizmente, alguns casamentos
degeneram e também se tornam violentos. Porque será que os animais
conseguem fazer parcerias simbióticas funcionar por milhares de anos,
mas os humanos são conhecidos, historicamente, por quebrarem os seus
compromissos, seja com a sua própria espécie ou nas relações interespecí-
ficas. Por que os humanos são tão instáveis? Vejamos.
No meio ambiente urbano, que começou a tomar forma na era neolí-
tica, a mente humana tem de mudar constantemente para que as pessoas
possam lidar com as circunstâncias urbanas sempre em rápida transição,
provocadas por comunidades em expansão contínua, que formam novos
padrões de comportamento, que deflagram novas “modas”, além de todo
tipo de problema de saúde e segurança que se desenvolvem numa espiral
sem fim. Na era paleolítica, quando os humanos se assentaram para for-
mar comunidades de trabalhadores agrícolas e, mais tarde, inventaram
as utilidades que promoveram a era neolítica – cerâmica, têxteis, cordas,
rodas, arados, muralhas e casas sólidas – todas as ligações com o mundo
natural foram gradativamente rompidas a favor do novo ambiente arti-
ficial construído para atenuar a dureza da vida cotidiana. Com o desen-
volvimento destas comunidades agrícolas, os habitantes perderam a sua
visão biológica da vida, e uma grande quantidade de conhecimentos sobre
a fauna e a flora desapareceu para sempre no vórtice do processo “civili-
zatório”.
Quando as comunidades agrícolas da Eurásia, no estágio neolíti-
co de desenvolvimento, adotaram o cavalo para fazer a parte mais difí-
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CAPÍTULO 59
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A cooperação das funções fisiológicas na equitação é, por exemplo, a correlação entre o ba-
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CAPÍTULO 60
A Linguagem Natural
dos Movimentos
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A obsessão de reduzir o tempo para montar um cavalo pela primeira vez deverá ser superada
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pelos cavaleiros mais inteligentes porque, apesar de a equitação simbiótica, de fato, acelerar o
aprendizado dos cavalos, não se pode diminuir certos ciclos biológico necessários para automa-
tizar cadeias de reflexos da equitação mais complexas. Qualquer pessoa que atropela o processo
natural, deixará lacunas no aprendizado tão evidentes como um buraco no fundilho das suas
calças de montaria.
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Parte III Odisséia na Ciência
ça entre nós dois? Terá você algum hábito alimentar ou outra habilidade
que possa me interessar? A ‘linguagem natural dos movimentos’ tem sido
aperfeiçoada por milhares de anos de interação animal e a maioria das
espécies a entende à perfeição, talvez com a exceção das pessoas nascidas
em cidades. Essa linguagem é baseada em movimentos corporais, alguns
extremamente sutis, e é usada por fêmeas para ensinar os fatos da vida
para a prole e, mais tarde, para os animais adultos estabelecer o direito de
comer, beber e procriar. Entre animais estranhos que se encontram pela
primeira vez a linguagem é dicotômica, o que significa que ela transmite
geralmente um de dois ‘bits’ de informação: a intenção de agressão ou
fuga. Mas dentro da ‘linguagem natural dos movimentos’ existe também o
comportamento cooperativo necessário para os lobos aprenderem a caçar
em conjunto, as brincadeiras entre filhotes de raposas ou o coçar de cer-
nelha entre dois cavalos amigos. Sons vocais transmitem mensagens su-
plementares que deverão ser entendidos com o tempo, mas a ‘linguagem
natural dos movimentos’ é a primeira linguagem na vida da maioria dos
animais, por que ajuda os indivíduos mais jovens a sobreviver a primeira
infância. (Veja capítulo seguinte).
Como vimos, uma simbiose é iniciada com uma aproximação ami-
gável, mas aparentemente desinteressada, que poderá levar a um tipo de
comportamento cooperativo, que eventualmente poderá conduzir a um
vínculo de amizade duradoura. E esta é precisamente a parte do compor-
tamento animal que mais interessa ao cavaleiro. Como já vimos, quando o
comportamento cooperativo consegue atravessar a fronteira das espécies
e dois tipos de animais, apesar de diferentes, conseguem aprender a reali-
zar uma tarefa vital que nenhum deles seria capaz individualmente, isto é
chamado ‘simbiose’. Para formar uma simbiose, os animais precisam for-
mar uma ‘parceria’ para que as suas habilidades específicas de sobrevivên-
cia possam beneficiar um ao outro, e a fase de aprendizado da formação
da simbiose é realizada através da ‘linguagem natural dos movimentos’.
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ou poderá morrer.
Portanto, os equinos emitem instruções ‘gerais’ e ‘específicas’ sem va-
riações intermediárias. E a razão pela qual um sinal é emitido por um
cavalo como uma unidade de informação está relacionada com a própria
evolução equina. Um sinal pode ser deflagrado por um cavalo em resposta
automática ao avistar um predador, que favorecerá a sobrevivência do in-
divíduo que responder imediatamente a ela, salvando a sua vida.
Por isso, os sinais de comunicação do cavalo são unidades de infor-
mação específica que não deverão estar sujeitas a interpretações errôneas.
É uma unidade ‘completa’ de informação que tem de deflagrar uma res-
posta total, porque um ‘segundo’ no mundo natural pode ser uma questão
de vida ou morte. Por essa mesma razão, a dica do cavaleiro para uma
troca de pés ao galope tem também de ser absolutamente fixa para que
produza uma resposta total. Os animais predados (o antônimo de preda-
dor), ao contrário dos humanos, têm de deflagrar respostas imediatas para
os estímulos externos e isso é exatamente um dos fatores responsáveis pela
conexão neurofisiológica do Centauro.
As respostas automatizadas do cavalo bem adestrado aos comandos
humanos são praticamente infalíveis, e esses reflexos foram instalados no
sistema locomotor do animal por milhões de anos de seleção natural, para
que o animal aja imediatamente ao ser ‘estimulado’. E é a diferença e a
semelhança das respostas aos estímulos externos que permitem a união
neurofisiológica Homo-caballus na equitação. Por exemplo, no Adestra-
mento clássico, a parte emocional da mente do cavaleiro pode induzir um
cavalo ao piaffer, enquanto a sua mente racional consegue lembrar das
sequências de figuras e das mudanças de andamentos, uma façanha im-
possível ao cavalo. O homem consegue lembrar a sequência das figuras de
Adestramento porque ele desenvolveu ‘memória futura’, a capacidade de
compreender o conceito do tempo, que é um exercício cerebral inútil para
as prioridades biológicas do cavalo. A memória humana pode ser definida
como o acúmulo de sinais na forma simbólica para que eles possam ser
armazenados para uso futuro, o que só é possível se a resposta inicial não
for ‘total’ e pode ser suficientemente retardada, e então anexada a um sím-
bolo abstrato que pode ser fixado no cérebro. O intervalo entre o estímulo
e a formação da mensagem na mente humana possibilita o estímulo ser
processado em mais de um centro nervoso. É o processo da ‘incorporação
da linguagem’ que estabelece a diferença principal entre a linguagem hu-
mana e a comunicação equina. Quando treinamos um cavalo, se o animal
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CAPÍTULO 62
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boa amizade, o cavalo não foi criado por Deus para ser montado. Sem
dúvida, a máquina de correr favorita de Deus foi criada para atender às
suas próprias necessidades e não para servir ao homem. Mas o milagre da
equitação, como tantas outras coisas boas da vida, pode ser muito mais
gratificante do que qualquer um desses produtos modernos que jorram da
indústria de entretenimento para o consumo humano.
A segunda coisa a lembrar é que o treinador estará trabalhando com
um cérebro de cavalo pré-testado por milhões de anos de experiência em
lidar com o meio ambiente, e transformar a informação coletada nas atitu-
des certas e no complexo trabalho de pernas que permitiu ao Equus sobre-
viver com sucesso num meio ambiente hostil. Os andamentos do cavalo
são a matéria-prima que o treinador de cavalo tem de controlar e desen-
volver de um modo natural e sistemático. Mas pelo fato de a inteligência
biológica do Equus caballus ter evoluído para enxergar o mundo numa
luz completamente diferente da dos primatas em geral, e do Homo sapiens
em particular, o cavalo tem uma maneira equina de aprender e o homem
tem uma maneira humana de aprender. E isso exige um conhecimento do
cavalo bastante heterodoxo, do tipo que você não aprende numa escola de
equitação convencional.
Quando um treinador profissional de cavalos, que desenvolveu uma
capacidade especializada para lidar com equinos, inicia um cavalo para
a equitação, ele ou ela precisa saber que esta complexa técnica biológi-
ca envolve a tarefa de tecer a mente do jovem animal em uma rede de
reflexos automatizados para responder às ajudas do cavaleiro, onde cada
movimento tem um significado próprio. Em nível psicológico, o treinador
estará trabalhando para modificar o comportamento do cavalo e induzi-lo
a cooperar com o cavaleiro no rápido fluxo de informações sinápticas que
ocorrem durante a equitação.
Aqui estão alguns pontos de verificação básicos que um treinador de-
verá guardar em mente sobre os ciclos biológicos que governam a saúde,
o bem-estar e a inclinação natural do cavalo em cooperar com o cavaleiro.
1) O corpo e a mente do cavalo fazem parte do mesmo sistema nervo-
so e, para desenvolver um bom desempenho equestre, os aspectos psico-
lógicos do treinamento deverão progredir na mesma velocidade da ação
física. O que a mente do cavalo não pode compreender, o seu corpo não
pode executar.
2) O cavalo nasceu com todos os recursos necessários para sua nova
vida equestre e a tarefa do treinador não é lhe ensinar nada “novo”, mas
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Por ‘ordem natural’, estou me referindo que as ajudas das pernas, que devem deflagrar os movi-
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mentos amplos, devem trabalhar junto com o uso da embocadura que deve indicar o limite dos
movimentos.
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didas, uma a uma, para formar uma nova teia de circuitos neuronais capaz
de lidar com o mais simples manejo de baia até o desempenho nos espor-
tes equestres mais árduos. Como o cérebro do cavalo é bipolar, ele não
tem os dois hemisférios conectados como ocorre com a mente humana,89
e por isso deverá aprender tudo, desde a limpeza de ranilha, até ser mon-
tado, pelos dois lados do seu corpo.
A confiança do cavalo no cavaleiro e a sua boa vontade em coope-
rar deverão começar no manejo nas baias e, a partir daí, envolver todas
as suas atividades diárias, até que suas conexões neuronais formem uma
rede completa de experiências que o deixe apto a lidar com as situações
de uma ou mais disciplinas equestres. À semelhança da formação de qual-
quer outra cadeia de informações, nenhum ‘elo’ ou ‘bit’ de informação
deverá ser esquecido ou ensinado fora da sua ordem ontogenética natural,
porque a rede de neurônios tem de estar completa para garantir os circui-
tos corretos das respostas sinápticas em qualquer circunstância equestre.
Qualquer erro durante a formação da ‘cadeia de reflexos da equitação’
poderá mais tarde provocar um lapso na resposta do animal, erros que
podemos chamar de ‘hiatos’ de compreensão. Por isso, simples cadeias
de movimentos têm de ser aprendidas antes das sequências mais difíceis.
Por exemplo, a transição do passo para o trote deve ser aprendida antes
da transição do passo para o cânter, e o cânter aprendido antes do recuo,
etc. As transições devem ser aprendidas antes do trabalho lateral, e assim
por diante.90 A mesma combinação de ajudas não deverá ser utilizada
para ações diferentes. Experiência por experiência, a estratégia do trei-
nador deverá construir a confiança, o desempenho e o condicionamento
físico do cavalo, para que esse possa lidar com qualquer exigência na
pista ou no campo. O treinador também sabe que o cérebro do cavalo foi
construído à semelhança dos seus próprios miolos, e que um cavalo agirá
positivamente para um princípio simples: qualquer coisa que se pareça
com uma proposta prazerosa terá a sua total aprovação! Não ria – nós,
primatas, fazemos exatamente o mesmo.
89
A divisão bipolar, e não conectada, do cérebro do cavalo lhe permite uma ‘visão bipolar’, em
que ele é capaz de monitorar os dois lados do corpo de modo independente, o que traz uma
vantagem expressiva para os animais caçados.
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Na verdade, eu gosto de pensar no salto como sendo uma ‘figura do Adestramento’, que deverá
ser treinado com a mesma visão progressiva e atenção aos detalhes.
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CAPÍTULO 63
Construindo um Centauro
a Partir de um Cavalo
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Eu, particularmente, não gosto de estimular o cavalo a trotar com o uso direto do chicote.
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Prefiro rodar o chicote no ar e simular com as pernas o movimento do trote. Eu quero que
o cavalo obedeça às minhas pernas. Seja na etapa do etapa do ‘chão’ ou seja montado – as
pernas do cavaleiro devem estimular as pernas do cavalo por imitação.
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manejo calmo e uma solução inteligente para qualquer situação que possa
provocar uma ‘resposta negativa’ do cavalo superará todas as dificuldades
que possam ocorrer no curso do trabalho. Durante todas as sessões, o ca-
valo deverá ser parado algumas vezes para que o treinador possa agradá-
-lo em várias partes do corpo; debaixo da barriga, no pescoço e ao longo
das orelhas.92 Isto faz parte da ‘linguagem natural da amizade’ e mostra
que o treinador aprovou o seu trabalho e conhece os seus pontos de pra-
zer. Na mente do cavalo, o treinador deve ser visto como o líder carismá-
tico que tudo sabe, e de onde vêm todas as ‘dicas’ que ajudarão o animal
a acertar a execução dos exercícios. Por essa razão, o comportamento do
treinador deve saltar a linha que separa o comportamento das espécies,
o que, às vezes, é difícil para as pessoas inexperientes compreenderem,
apesar de as técnicas serem tão simples como respirar, e qualquer pessoa
interessada pode aprender a lidar com um cavalo de modo natural.
Durante cada sessão de trabalho, o treinador tem de transmitir para
o cavalo o seu desejo de executar qualquer transição (de parado ao passo,
ao trote e ao galope), não com um chicote, mas com sinais físicos evi-
dentes desses movimentos associados à expressão emocional de ‘urgência’
quando é para aumentar a velocidade. Um tipo de chicote (êta palavra
horrível) pode ser utilizado como o prolongamento do seu braço, com o
propósito para apontar ou tocar a parte do cavalo que deve aumentar a
sua ação: patas dianteiras, patas traseiras, barriga ou garupa. Para reduzir
a velocidade, o treinador deve transmitir sinais claros de seu próprio rela-
xamento muscular e um toque na guia para indicar a diminuição da ação.
O cavalo deve perceber, nos movimentos do treinador, os indícios da ação
que deve ser seguida: passo, trote, alto, por exemplo. O reflexo executado
para o alto deve ser reforçado com o som shhhhhhhhhhh... emitido pelo
treinador enquanto ele também pára. Durante a sessão de treinamento,
as posturas corporais e atitudes do treinador devem denotar claramente
a sua intenção de acelerar, sustentar ou reduzir a velocidade. Se o cavalo
reduz a velocidade por vontade própria, o treinador deve se aproximar
dele correndo a mão ao longo da guia e, assim que o animal voltar à ve-
locidade desejada, ele volta para o centro do rodador. Quando o cavalo
tiver entendido as ‘dicas’ para as mudanças dos andamentos – passo, trote
e alto – executado nas duas direções (a favor e contra o relógio), os quatro
estágios seguintes serão para adição do equipamento: no primeiro estágio,
o cavalo receberá a sela no dorso, sem loros e estribos. Duas ou três ses-
Aqui, recomendo os livros da Linda Tellington-Jones sobre o Touch e Team Training.
92
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Parte III Odisséia na Ciência
sões depois, quando o cavalo se mostrar confortável com a sela, ele deverá
começar a ser rodado com os estribos, e um ou dois dias depois, quando
o cavalo estiver confortável com os estribos chacoalhando no seu costa-
do, acrescente o bridão, que deverá ter sido colocado uma hora antes do
treinamento e usado durante um trato de ração. Dessa maneira, enquanto
o cavalo mastiga a comida, ele terá se acostumado com o metal duro na
boca e estará um pouco mais confortável durante a sessão de trabalho.
Dois ou três dias depois, conecte as argolas do bridão com as argolas do
cepilho com dois cordames elásticos, que funcionarão como uma rédea
‘virtual’93 para o cavalo se acostumar com um contato de rédea flexível na
boca. Mais dois ou três dias serão o suficiente para cada adição do equipa-
mento se tornar confortável para o cavalo, e de 14 a 21 dias o cavalo deverá
estar confiante no seu trabalho e pronto para o momento glorioso: o de
receber um cavaleiro em seu dorso. Passo a passo, o animal terá os seus
movimentos naturais organizados numa ‘cadeia de reflexos da equitação’,
estimulados com dicas visuais e auditivas que traduzem claramente o ato
de andar, trotar, parar e sustentar os seus andamentos naturais em curtos
períodos, nas duas direções.
Não há a necessidade de ‘inventar’ novos movimentos ou exagerar
no desempenho do cavalo. Uma vez que o animal entender o que é para
fazer, tudo o que deve ser feito é ‘sugerir’ o passo e o trote nas diferentes
sequências. Quando o trabalho de chão estiver completo e o cavalo souber
andar, trotar e parar por comando, o trabalho montado poderá começar
e a guia ganhará uma nova missão no sistema de comunicação: shazam,
presto!... o cabo da guia se transformará na rédea ligada a embocadura
que, por sua vez, estará ligada às mãos humanas, das quais o cavalo terá
aprendido que nunca poderá escapar! Quando o cavalo for montado pela
primeira vez, a ‘rédea virtual’ de elástico poderá ser removida, mas deverá
ser reconectada quando o cavalo estiver trabalhando de modo confortável
com o cavaleiro no dorso.94
O momento crítico em que o cavalo será montado (por um ajudan-
te) deverá começar com este colocando o pé no estribo, e calmamente
erguer o corpo sobre a sela. Se uma reação negativa do cavalo ocorrer, o
ato deverá ser abortado e experimentado na sessão do dia seguinte. Não
Do tipo que se usa para amarrar embrulhos em motocicletas.
93
Alguns treinadores gostam de ser o primeiro homem a montar, o que eu não faço, pes-
94
soalmente. Neste momento crítico, eu acho que o líder será mais útil perto da cabeça do
cavalo, segurando o cabresto e acalmando-o com tons graves de elogio e usando as suas
‘mãos mágicas’.
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tente forçar a situação. Uma reação negativa significa apenas que o cavalo
ainda não adquiriu uma atitude de confiança suficientemente grande para
aceitar a nova situação, portanto, mais tempo deve ser aplicado no traba-
lho de guia, para que ele ganhe a confiança necessária para receber o ca-
valeiro no seu dorso. E, já que o cavalo nunca foi maltratado de nenhuma
maneira durante as sessões de treinamento, receber o cavaleiro no dorso
será apenas a consequência natural de todo o processo de treinamento.
Depois que o cavaleiro assumir a sua posição no dorso do cavalo,
uma mudança fundamental deverá ocorrer no treinamento: em vez de o
cavalo imitar as dicas para andar, trotar, sustentar os seus andamentos e
parar por contato visual com o treinador, as ajudas para deflagrar o siste-
ma sensitivo-motor do cavalo deverão agora ser mudado, passo a passo,
para o contato com o corpo do cavaleiro. Depois de montado, o cavalo
deverá aprender a monitorar as vibrações musculares do cavaleiro: as di-
cas para andar, trotar, parar e para sustentar os seus andamentos, e fazer
as mudanças de direção. Na primeira sessão montada, tanto o treinador
quanto o seu auxiliar montado executarão, em combinação, os comandos
básicos. Desta maneira, desde o trabalho de chão até o trabalho montado,
nada terá realmente mudado além da origem das ajudas, que iniciaram
de forma visual e agora serão executadas através do contato com o corpo
do cavalo. A transição do visual para o tátil nunca leva mais de uma ou
duas sessões de trabalho e não deverá haver pressa, porque todo cavalo
tem o seu próprio tempo de aprendizado. Alguns aprendem rapidamente e
outros custam um pouco mais a compreender o que se espera deles. Mas
o que é 15 ou 20 dias de trabalho de chão para um cavalo que poderá lhe
dar 20 anos de serviço?
Começando com o trabalho de chão, e progredindo para o treina-
mento montado, cada fase deverá ter um prolongamento natural que ter-
minará com a fase seguinte do programa de treinamento. Ao abaixar os
estribos e deixá-los balançar nos costados do cavalo, depois dele se sentir
confortável com a sela, isso irá acostumá-lo com a posição das pernas do
cavaleiro; ao ligar as argolas do bridão com as argolas no cepilho da sela,
com um cordame elástico, o cavalo aprenderá a flexionar a nuca e colocar
a cabeça; ao transformar a guia nas rédeas, o animal aprenderá o princí-
pio do trabalho de rédeas, sem a inconveniência de ter um cavaleiro em
suas costas. E, uma vez que o ajudante se ergue sobre seu dorso, o cavalo
saberá como começar a andar, mudar de direção e parar, que é a base de
todas as disciplinas equestres. E, além disso, o treinador terá se tornado
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Não utilize a guloseima como um suborno, porque os cavalos, felizmente, não sabem o
que é isso, mas apenas como um agrado por um trabalho bem feito.
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O sistema do ‘round pen’ é, creio eu, o primeiro capítulo da ‘linguagem universal dos
movimentos’ que corretamente estabelecerá o treinador como o líder da combinação
homo-caballus. O método me parece eficiente para iniciar um cavalo para as lidas numa
fazenda, mas é pouco para iniciar um cavalo para os esportes de alta performance, onde
os movimentos naturais do cavalo terão de ser organizados em cadeias de reflexos auto-
matizados por uma técnica altamente ritualizada de mensagens visuais, táteis e sonoras.
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CAPÍTULO 64
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Ameríndias: a pessoa deve criar uma ligação espiritual com o cavalo atra-
vés da alteração da consciência humana. Mas como a mente do homem
urbano está sobrecarregada com tradições obsoletas e as tensões da vida
moderna, a pessoa deve ardentemente desejar a mudança, “porque conhe-
cimento é mais bem adquirido se o espírito está em harmonia com o espí-
rito do conhecimento a ser recebido e transferido. Um cavaleiro não deve
pertencer à classe de pessoas que escolheram dominar a natureza como
seu princípio de vida”.97 O cavaleiro que receber o seu cavalo escovado
e encilhado das mãos de um cavalariço não deve esperar chegar ao nível
de desempenho de um cavaleiro que cuida pessoalmente do seu cavalo. O
conhecimento mútuo vem da intimidade de se conhecer. (Se este aviso já
apareceu em outro capítulo, favor ignorá-lo).
Equitação simbiótica é a construção de uma atitude nova com a na-
tureza em geral e com o cavalo em particular. Para desenvolver o ‘espírito
do Centauro’, o cavaleiro jovem deve, primeiramente, aprender a conec-
tar o seu trabalho de pernas com o trabalho de pernas do cavalo, afinar
as suas mãos para limitar a ação através da embocadura e conectar os
seus sentidos equestres,98 para adquirir a mesma visão do mundo que tem
o cavalo. Para desenvolver maior sensibilidade para os movimentos do
cavalo, o cavaleiro deverá formar novos circuitos neuronais capazes de
identificar o ritmo quaternal do passo, o ritmo binário do trote e o ritmo
ternário do cânter – cadências que o cavalo ‘toca’ quando sustenta e altera
as suas velocidades. Quando esse sentido estiver conectado e o cavaleiro
conseguir identificar esses movimentos automaticamente, o seu sentido
proprioceptivo terá alcançado o chão por meio das pernas do cavalo! O
cérebro humano também terá criado uma cadeia de ‘reflexos da equitação’,
para deflagrar ‘as respostas reflexivas’ do cavalo, e quando esse feedback
nervoso esta fluindo livremente, os parceiros serão capazes de uma atua-
ção equestre altamente afinada.
A exemplo do cavalo, o cavaleiro deveria também começar a sua
vida equestre montado na guia e se submeter a todos os estágios da sua
ontogênese, o desdobramento evolucionário da sua própria vida; ou seja,
os estágios da primeira e segunda infância, puberdade e maturidade. Os
primeiros dias na guia representam o momento em que o ‘Centauro re-
cém-nascido’ dá os seus primeiros passos inseguros no seu caminho para
a idade adulta. Nesta fase, o corpo humano deve começar a sentir o traba-
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CAPÍTULO 65
Equitação Simbiótica –
Transformando Desejo
em Realidade
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O brasão que William Shakespeare adotou como ator e escritor de peças teatrais con-
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tém, além de livros, flores e máscaras teatrais, um falcão com a perna destra levantada
e segurando uma pena, subscrita com o axioma “Non sans Droict”. Bem, o brasão de
armas do velho aventureiro Rink contém um falcão com as asas levantadas, seguran-
do uma argola em seu bico, encimado por um mote “Um espírito nobre em busca de
empreendimentos de honra”. (O brasão deve ter custado uma nota preta ao velho Rink
de Jena Einwohner.)
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Capítulo 66
Caprilli e Além
A minha escolha pessoal para os autores clássicos mais lidos no mundo é Xenofonte,
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Humberto R. Maturana, Ph.D & Francisco J. Varela, Ph.D são autores do livro The Tree
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of Knowledge.
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CAPÍTULO 67
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CAPÍTULO 68
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ção. Mas esse comportamento impassivo tinha o seu lado bom, porque
permitia ao cavalo identificar as mínimas indicações cibernéticas para as
mudanças de andamento e direção que partiam do equitador. E Pluvinel
está absolutamente certo ao dizer que o cavalo deve dar a impressão de
estar desempenhando por conta própria, porque é isso o que realmente
acontece quando o cavaleiro está equitando na ‘zona de conforto’.
Dizia Baucher: “Infelizmente, nós procuramos em vão, nos autores
antigos e modernos na equitação, eu não diria por princípios racionais,
mas até por qualquer informação sobre as forças do cavalo. Todos falam
muito bem sobre resistência, oposição, leveza e equilíbrio; mas nenhum
deles sabe como nos explicar o que causa a resistência, como podemos
combatê-la, destruí-la, e obter a leveza e o equilíbrio tão propalados. É
esta a lacuna que eu penso ser capaz de preencher. E, primeiro, eu esta-
beleço o princípio que toda a resistência dos cavalos jovens originam, em
primeiro lugar, de uma causa física, e que essa causa só se torna ‘moral’
por inabilidade, ignorância e brutalidade do cavaleiro, o qual deverá lem-
brar que a sua mão deve ser uma barreira intransponível no momento em
que ele (o cavalo) quiser deixar a posição de “ramener”.
Quando Baucher afirma que a ‘resistência’ dos cavalos jovens pode
se tornar uma atitude ‘moral’ por inabilidade, ignorância e brutalidade
de cavaleiro, ele toca num aspecto muito importante na equitação de alta
performance. O cavalo nunca deve ligar o uso da embocadura e da espo-
ra diretamente com a ação do cavaleiro. O animal desempenha melhor
quando descobre que é capaz de evitar o desconforto quando executa os
movimentos corretos. Mas fazer o cavalo se tornar consciente que é o
cavaleiro que lhe causa dor pode provocar uma luta entre a vontade dele
e a do cavaleiro; uma situação que Baucher chama de ‘moral’. Um outro
ponto importante é quando Baucher sugere que a mão deve ser uma ‘bar-
reira intransponível’ sempre que o cavalo quiser abandonar a posição de
‘ramener’. Como veremos a seguir, isto também pode ser explicado pelo
conceito ‘equitando na zona do conforto’.
Dizia Steinbrecht: “O correto treinamento para o Adestramento clás-
sico é, por isso, um exercício para o cavalo, que endurece a sua força e
flexiona os seus membros. Exercícios desse tipo fazem as partes fortes do
corpo a trabalharem mais duro a favor das partes mais fracas. Essas últi-
mas são fortalecidas pelo exercício gradual e as forças escondidas, refrea-
das por causa da tendência natural do cavalo à preguiça, são despertadas”.
Steinbrecht tem uma maneira holística maravilhosa de explicar os
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CAPÍTULO 69
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CAPÍTULO 70
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Hoje, qualquer internauta que ama cavalos pode lhe explicar que a
fisiologia do Equus caballus evoluiu em torno da sua capacidade de correr.
Seus hábitos alimentares, sexuais, sistema digestivo e estratégia de defesa
foram desenvolvidos para sustentar o movimento (quase) perpétuo. Quan-
do as grandes culturas nômades aperfeiçoaram as suas técnicas de mane-
jo, o seu sucesso na equitação veio do simples fato de eles terem adapta-
do o seu modo de vida ao do cavalo. Os antigos povos equestres estavam
conscientes de que o seu caminho para a fama e a fortuna dependia deles
seguirem o circuito alimentar do cavalo, nas quatro estações do ano, além
de entender de A a Z sobre todos os aspectos da natureza, do metabolis-
mo e do comportamento do cavalo. Quando os nômades da Ásia Central
adaptaram a sua vida à natureza do cavalo, a sua extraordinária equitação
colocou o mundo aos seus pés. Historicamente, as sociedades urbanas fi-
zeram exatamente o contrário – eles transformaram o cavalo num animal
confinado sujeito a todos os males provenientes do sedentarismo! Essa
grande diferença filosófica só seria entendida pelas civilizações urbanas
na era digital, quando todas as informações sobre cavalos entraram em
rede e ficaram à disposição para todos os cavaleiros em todos os lugares
do mundo.
Quando finalmente, no século 21, a antiga sabedoria equestre se en-
controu com a ciência moderna, nasceu o manejo biologicamente correto
de cavalos, que marcará a atuação dos Centauros do terceiro milênio.
Ao entender as questões biológicas que envolvem doenças, nutrição,
desempenho atlético, fisiologia, psicologia e o manejo natural de cavalos,
os cavaleiros do ocidente saltarão da Idade das Trevas para o mundo cien-
tífico do cavalo. Nunca, em tempo algum, a humanidade reuniu e circulou
tantas informações sobre cavalos e equitação quanto na era digital.
É um fato comprovado que, já na última década do século 20, o pla-
nejamento de complexos equestres começaram a mudar em vista do dese-
jo dos criadores e proprietários de estarem mais perto de seus cavalos e da
disposição deles se mudarem para onde essas condições fossem favoráveis.
Numa velha revista Equus, amarelada com o tempo e datada de novembro
de 1988 que eu recentemente achei no meu sótão, li um artigo interessante
sobre uma comunidade equestre na Califórnia e o plano de seus morado-
res de ‘mesclar’ o cavalo no tecido da vida municipal moderna.
Imagine você que, naqueles tempos bestiais, quando as pessoas
eram submetidas à lavagem cerebral dos programas de televisão e onde
os explosivos eram a soluções para todos os males; quando Theodore
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CAPÍTULO 71
A Formação Cultural
do Equitador Moderno
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Aqui não estou a atacar as práticas da equitação rural ou de trabalho, mas apenas
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chamo a atenção de que elas não têm maiores compromissos com a cultura formal da
sociedade.
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cultural da Europa.
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A indústria equestre dos Estados Unidos fechou o segundo milênio faturando 16,5
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CAPÍTULO 72
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CAPÍTULO 73
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mente.
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CAPÍTULO 74
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Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o cavalo teve pouco im-
pacto na fase das expedições exploradoras. O cavalo só entrou em cena
para valer, nos séculos 18 e 19, na etapa da colonização onde, aos poucos,
foram abertas estradas para o tráfego permanente de animais e veículos
de carga. No Rio Grande do Sul, no século 18, a cultura do gado e a
produção de carne de charque foram os motores da expansão dos assen-
tamentos portugueses que se irradiaram, a cavalo, pelos rincões gaúchos.
No Sudeste começou a ser formado um importante corredor econômico
onde milhares de tropeiros e burros de carga trafegavam nas trilhas da
encosta da serra da Mantiqueira, indo e vindo entre a província das Minas
Gerais e a capital do Império – o Rio de Janeiro. No Nordeste, a expansão
dos currais de gado construído sertão adentro pelos vaqueiros ampliaram
a ocupação da região pelo cerrado, através da caatinga e além do Velho
Chico. No século 19, o Rio Grande do Sul, que já era uma potência pecu-
ária, exportou por terra grandes manadas de gado até São Paulo e o Sul de
Minas. No Centro-Oeste, a exploração de minérios e a cultura do cavalo
se espalharam em direção ao planalto goiano e à Chapada Diamantina,
onde se encontram com a cultura do couro do vaqueiro baiano.
Durante o período colonial Portugal havia exportado muitos cavalos
para expandir as fronteiras do Brasil. Mas o início do século 19 foi es-
plendoroso para a equitação no Brasil. Com a vinda do príncipe regente
D. João e a sua ampla ‘entourage’ em 1808, o país se tornou o único das
Américas a sediar uma corte européia completa com cavalaria, desfiles
militares e jogos equestres. Na administração de D. João VI são fundadas
três coudelarias reais para promover a melhoria das raças cavalares brasi-
leiras. Uma em São Paulo, outra em Cachoeira do Campo, perto de Ouro
Preto, e uma terceira em Campo Grande, no Rio de Janeiro. A fundação
desses complexos equestres por D. João, talvez as primeiras na história da
América do Sul, tem para o Brasil o mesmo significado da inauguração da
primeira fábrica de automóveis, em 1959, por Juscelino Kubitschek – era
o Brasil a assumir a liderança no setor de transportes e comunicações no
continente sul-americano.
Durante o século 19, todas as principais províncias do Brasil já es-
tavam ligadas por estradas e pontes, que permitiram o acesso de cavalos
e cavalaria em suas funções militares e administrativas. A Dinâmica e o
Poder Equestre estava plenamente operante no Brasil.
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A guerra das Emboabas, uma rusga entre paulistas e portugueses pelo domínio das mi-
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nas e ouro em Minas, terminou com a vitória dos portugueses, apoiados pelo governo
colonial.
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ckinpahs de lá trataram melhor a aventura equestre americana do que os
Gláuber Rochas e Carlos Coimbras daqui. John Ford colocou em palavras
precisas a filosofia do mito equestre americano – “Quando a lenda vira
fato, publique a lenda”. Na busca por uma identidade moderna, o incons-
ciente coletivo brasileiro “esquece”, com frequência, o seu arrojado pas-
sado equestre. É natural, faz parte do processo de crescer. Mas a saga da
formação equestre do Brasil é tão, ou mais, aventurosa quanto as histórias
romanceadas da conquista do oeste Americano. O que falta na História
do Brasil não são cavalos – é memória (eu sei, alguém já disse isso antes).
Mas muitos escritores brasileiros já estão mostrando a verdadeira cara do
Brasil – e ela é muitíssimo interessante. “O Brasil carrega uma promessa de
um país grande e original”, definiu Caetano Veloso, com a visão do futuro
que só o poeta possui.
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Agradecimentos
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do Marrocos sussurrando “é propriocepção”, e de repente o velho ‘enig-
ma do Centauro’ me foi revelado! Na Áustria, a nossa admiração deve se
estender a Alois Podhajsky e a Escola Espanhola de Viena, que durante a
Segunda Guerra Mundial enfrentou mais um exército a ameaçar os Cava-
los Imperiais (e foi salvo por um fio por general Patton e a sua cavalaria
blindada).125
Em Portugal, vamos saudar o inesquecível Nuno de Oliveira, o mes-
tre dos mestres da arte equestre, e Felipe Figueiredo Graciosa, o atual
diretor da escola de equitação de Queluz em Lisboa, que me ofereceu
uma visão magnífica das glórias passadas dos picadores portugueses. Na
Hungria, saúdo o meu amigo Kassai Lajos, que reviveu a antiga arte do
arqueiro equestre no estilo huno, foi mencionado no livro de recordes
do Guiness, e agora ensina arco e flecha num vale por onde os hunos já
vagaram.
E os Estados Unidos, que é talvez o país onde mais pessoas dedi-
caram a vida para manter a chama equestre acesa, eu gostaria de saudar
a memória de Peter Vischer, o jornalista cavaleiro que fundou a revista
Horse & Horseman e ajudou a manter vivo a espírito da equitação na
primeira metade do século 20. E, pessoalmente, devo agradecer a Mat-
thew Mackay-Smith, o editor cavaleiro da revista Equus, que publicou
um longo artigo sobre meu trabalho, sugeriu a revisão da minha primeira
tentativa de publicar esse livro e a quem sou grato. E, naturalmente, o Dr.
James Rooney que, em seu memorável artigo, me ensinou sobre ‘a cor-
rente de reflexos da equitação’ que iniciou a minha busca para desvendar
o lendário enigma do centauro. E, particularmente, ao casal Basha e Bill
O’Reilly fundadores do The Long Riders Guild, meus editores america-
nos responsáveis pela edição inglesa The Centaur Legacy.
No Brasil, saúdo Nelson Pessoa, um dos melhores cavaleiros do sé-
culo 20, e Jorge Ferreira da Rocha, cavaleiro de Adestramento Olímpico
e um apaixonado por tudo equestre, e que me fez a pergunta crucial que
deflagrou a primeira parte desse livro: “O que teria sido do mundo sem ca-
valos?” André Luz, editor da revista HORSE, que tem me apoiado incon-
dicionalmente desde o início dessa longa cavalgada. Um alô também a mi-
nha amiga Claudia Leschonski, que quando editora técnica dessa revista,
costumava perdoar as minhas falhas na língua portuguesa. Gostaria tam-
Entre as grandes façanhas militares do General Patton foi liderar a 7a cavalaria de Cus-
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ter no assalto bem-sucedido a Sicília em 1943. Infelizmente, esse bravo cavaleiro faleceu
num acidente de automóvel. Isso nenhum cavaleiro merece.
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Rio de Janeiro, Brasil
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