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1.

O Discípulo, de Oscar Wilde


Quando Narciso morreu o lago de seu prazer mudou de uma taça de águas doces
para uma taça de lágrimas salgadas, e as oréades vieram chorando pela mata com a
esperança de cantar e dar conforto ao lago.
E quando elas viram que o lago havia mudado de uma taça de águas doces para uma taça
de lágrimas salgadas, elas soltaram as verdes tranças de seus cabelos e clamaram: "Nós
entendemos você chorar assim por Narciso, tão belo ele era."
"E Narciso era belo?", disse o lago.
"Quem pode sabê-lo melhor que você?", responderam as oréades. "Por nós ele
mal passava, mas você ele procurava, e deitava em suas margens e olhava para você, e no
espelho de suas águas ele refletia sua própria beleza."
E o lago respondeu, "Mas eu amava Narciso porque, quando ele deitava em minhas
margens e olhava para mim, no espelho de seus olhos eu via minha própria beleza
refletida”.
Oscar Wilde (1854 — 1900) foi um importante escritor irlandês.
Conhecido, principalmente, pelas suas peças de teatro e pelo romance O
Retrato de Dorian Gray, o autor também escreveu diversos contos.
O texto refere o mito clássico de Narciso, o homem que se apaixonou
pela própria imagem, refletida num lago, e acabou se afogando. Aqui, a história
é contada a partir da perspectiva do lago. Percebemos que ele também amava
Narciso porque conseguia se enxergar nos olhos dele.
Assim, o conto breve traz uma reflexão interessante acerca do próprio
amor: a possibilidade de procurarmos a nós mesmos, quando nos
envolvemos com os outros.

Atividades de aprendizagem

1.Quais são os personagens do conto?


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2.Quem é o autor do conto?
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3.Qual é a narrativa/enredo do conto?
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4.Você gostou do conto? Explique/argumente.
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5.Qual foi a parte do conto que mais lhe chamou atenção? Por quê?
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2. De Noite, de Franz Kafka
Submergir-se em a noite! Assim como às vezes se enterra a cabeça no peito para
refletir, fundir-se assim por completo em a noite. Em redor dormem os homens. Um
pequeno espetáculo, um auto-engado inocente, é o dormir em casas, em camas sólidas, sob
teto seguro, estendidos ou encolhidos, sobre colchões, entre lençóis, sob cobertas; na
realidade, encontram-se reunidos como outrora uma vez e como depois em uma comarca
deserta: um acampamento à intempérie, uma incontável quantidade de pessoas, um
exército, um povo sob um céu frio, sobre uma terra fria, atirados ao solo ali onde antes se
esteve de pé, com a fronte apertada contra o braço, e a cara contra o solo, respirando
tranquilamente. E tu velas, és um dos vigias, encontras ao próximo agitando o madeiro
aceso que tomaste do montão de estilhas, junto a ti. Por que velas? Alguém tem que velar,
se disse. Alguém precisa estar aí.
Franz Kafka (1883 — 1924), nascido no antigo Império Austro-Húngaro, foi
um dos maiores escritores da língua alemã e ficou eternizado pelos seus
romances e contos.
Nesta pequena narrativa, uma das muitas que foram encontradas nos seus
cadernos, a prosa se aproxima de um tom poético. Refletindo sobre a noite e
seu estado de vigília, podemos perceber as emoções de um sujeito solitário,
que permanece acordado enquanto todos dormem.
Algumas interpretações sugerem que o conto tem elementos
autobiográficos, já que Kafka sofria de insônias, dedicando as madrugadas
ao processo de criação literária.

Atividades de aprendizagem

1.Quais são os personagens do conto?


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2.Quem é o autor do conto?
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3.Qual é a narrativa/enredo do conto?
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4.Você gostou do conto? Explique/argumente.
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5.Qual foi a parte do conto que mais lhe chamou atenção? Por quê?
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3. A Beleza Total, de Drummond
A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos
pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as
visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o
espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.
A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e
estes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que
durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa.
O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça
vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com
uma foto de Gertrudes sobre o peito.
Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E
era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um
dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já
então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou
cintilando no salão fechado a sete chaves.
Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) foi um notório escritor brasileiro
da segunda geração modernista. Celebrado, sobretudo, pela sua poesia, ele
também escreveu grandes obras de contos e crônicas.
No enredo inesperado, acompanhamos o destino trágico de Gertrudes, uma
mulher que acabou morrendo porque era "bonita demais". Com maestria, o autor se
serve da história para tecer reflexões socioculturais, ironizando e criticando o
mundo em que vivemos. Numa realidade muitas vezes fútil e marcada pela
dominação das mulheres, a sua beleza pode funcionar como uma bênção e uma
maldição, fazendo com que sejam controladas, vigiadas e até punidas por isso.
Atividades de aprendizagem

1.Quais são os personagens do conto?


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2.Quem é o autor do conto?
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3.Qual é a narrativa/enredo do conto?
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4.Você gostou do conto? Explique/argumente.
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5.Qual foi a parte do conto que mais lhe chamou atenção? Por quê?
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4. Segunda ou terça-feira, de Virginia Woolf
Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas,
conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante,
absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago?
Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito – o sol doura-lhe as margens. Lá ele
se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre.
Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras,
para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros
arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando –
(com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados;
crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas
pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se
ferro!” – e a verdade?
Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e
incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do
futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com
seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à
escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele.
Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada
de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos,
varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade?
Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim
ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em
momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes
abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou
agora, consciente da realidade?
Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela. Virginia
Woolf (1882 — 1941), escritora vanguardista inglesa e uma das mais ilustres
precursoras do modernismo, se destacou internacionalmente com seus
romances, novelas e contos.
Aqui encontramos um narrador que observa o cotidiano, num dia
comum que pode ser segunda ou terça-feira. Seu olhar acompanha as
movimentações da cidade, o cenário urbano atravessado pela presença de uma
multidão e por elementos naturais, como uma garça voando.
Enquanto vemos o que acontece do lado de fora, também vislumbramos
os pensamentos e as emoções desta pessoa que apenas testemunha tudo.
Parece, então, haver alguma correspondência entre o mundo exterior e sua vida
interior, privada e secreta, que desconhecemos.
5. Perplexidade, de Maria Judite de Carvalho
A criança estava perplexa. Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos
outros dias, e um risquinho novo, vertical, entre as sobrancelhas breves. «Não percebo»,
disse.
Em frente da televisão, os pais. Olhar para o pequeno écran era a maneira de
olharem um para o outro. Mas nessa noite, nem isso. Ela fazia tricô, ele tinha o jornal
aberto. Mas tricô e jornal eram alibís. Nessa noite recusavam mesmo o écran onde os seus
olhares se confundiam. A menina, porém, ainda não tinha idade para fingimentos tão
adultos e subtis, e, sentada no chão, olhava de frente, com toda a sua alma. E então o olhar
grande a rugazinha e aquilo de não perceber. «Não percebo», repetiu.
«O que é que não percebes?» disse a mãe por dizer, no fim da carreira, aproveitando a
deixa para rasgar o silêncio ruidoso em que alguém espancava alguém com requintes de
malvadez.
«Isto, por exemplo.»
«Isto o quê»
«Sei lá. A vida», disse a criança com seriedade.
O pai dobrou o jornal, quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha de oito
anos, tão subitamente. Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os
problemas, os de aritmética e os outros.
«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira.»
«Não percebo.»
«Ora, tanta coisa. Tudo. Tenho pensado muito e… Dizem-nos para não matar, para não
bater. Até não beber álcool, porque faz mal. E depois a televisão… Nos filmes, nos
anúncios… Como é a vida, afinal?»
A mão largou o tricô e engoliu em seco. O pai respirou fundo como quem se prepara para
uma corrida difícil.
«Ora vejamos,» disse ele olhando para o teto em busca de inspiração. «A vida...»
Mas não era tão fácil como isso falar do desrespeito, do desamor, do absurdo que ele
aceitara como normal e que a filha, aos oito anos, recusava.
«A vida...», repetiu.
As agulhas do tricô tinham recomeçado a esvoaçar como pássaros de asas cortadas.
Maria Judite de Carvalho (1921 – 1998) foi uma autora marcante da
literatura portuguesa que escreveu maioritariamente obras de contos. O texto
que apresentamos acima é passado num cenário doméstico, com uma família
reunida na sala.
A criança, assistindo televisão, vai ficando cada vez confusa, já que a
realidade é muito diferente daquilo que ela aprendeu. A curiosidade e a
inocência da menina contrastam com a aceitação silenciosa de seus pais, que
evitam as questões.
Como são adultos e experientes, eles já sabem que a vida e o mundo são
incompreensíveis, repletos de hipocrisias e contradições nas quais tentamos
não pensar.

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