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NARCISISMO EM DEBATE

Thalles Azevedo Ladeira – Módulo VIII

Nesse módulo 8, foi discutido a respeito do narcisismo, talvez uma das discussões
mais caras dentro da psicanálise. Para Freud, o narcisismo retrata a tendência do indivíduo
de alimentar uma paixão por si mesmo. Para ele, isso acontece com todos nós seres-
humanos, e é saudável, em certa medida, o que chamamos de narcisismo primário.
No entanto, em algumas pessoas, esse narcisismo passa do ponto e deixa de ser
saudável, se tornando em alguns aspectos doentio para a psiquê humana e é sobre esse
narcisismo problemático que pretendemos trabalhar hoje aqui.
Primeiro cabe apontar que Freud usava a mitologia para exercitar sua teoria. Nesse
aspecto, vemos várias alusões a mitoloia grega dentro das teorias freudianas, e com a teoria
narcísica não é diferente.
Freud trás a tona o mito grego de Narciso para explicar o complexo narcísico. No
mito grego, Narciso é filho do deus Cephiso e da Ninfa Liríope. Ao nascer, ele recebe uma
profecia do adivinho Tirésias, que disse que Narcioso teria vida longa desde que jamais
visse seu próprio reflexo, pois isso seria o seu fim.
Como Narciso era filho de um deus e possuia extrema beleza, ele despertava muita
cobiça das ninfas e donzelas. No entanto, isso o envaideceu muito, ao ponto em que ele
preferia viver só, sem se relacionar com ninguém, por julgar que ninguém era merecedor
do seu amor.
Certo dia, Narciso após um dia cansativo de caça, foi até uma fonte de águas claras
e sentindo muito calor, debruçou-se sobre a fonte para banhar-se. Foi então que viu uma
bela figura que o olhava de dentro da fonte. Apaixonado pela beleza daquele ser, Narciso
baixou o rosto para beija-lo e abraça-lo. Como viu que não era possível tocar naquele
reflexo dentro da fonte, Narciso se contentou em apenas admirá-lo. Sua perpecção da
realidade era tão distorcida que ele não se importou em ficar por dias sem comer, e sem
beber, apenas ao lado daquela fonte, admirando aquela imagem refletida, ao ponto de seu
corpo definhar e ele morrer.
Para os gregos, Narciso simbolizava a vaidade e a insensibilidade, visto que ele não
se importava com aqueles que se apaixonavam pela sua beleza, pelo contrário, isso o
deixava cada vez mais vaidoso e cheio de si mesmo.
Freud de forma muito inteligente, se valeu desse Mito para explicar sobre o
complexo narcísico, que diz respeito às pessoas que tem um senso inflado de sua própria
importância, além de uma profunda necessidade de atenção e de admiração e pouquíssima
empatia pelos outros.
Partindo dos pressupostos acima, podemos fazer uma relação muito interessante a
respeito do que já explicamos até aqui sobre narcisismo e o filme “Beleza Oculta”, um
filme de David Frankel, lançado em 2016 e estrelado por importantes referências do
cinema norte-americano como: Will Smith, Edward Norton, Kate Winslet e Michael Peña.
Nesse filme, Howard (Will Smith), é um publicitário de sucesso que vê o seu
mundo desabar após a morte de sua filha, de apenas seis anos. Com isso ele se fecha em
sua tristeza e desesperança pela vida, deixando até mesmo de se relacionar com as pessoas,
ao passo em que passa a escrever cartas, não para pessoas, mas para coisas, a saber: a
Morte, Amor e Tempo, que em determinado momento da história se materializam e
desenvolvem diálogos singelos, lindos e profundos com o personagem principal.
A proposta do filme é muito bacana e a profundidade dos temas levantados têm uma
importância atemporal. No entanto, o recorte que eu gostaria de fazer aqui não é no filme
em si, mas na fixação do personagem Howard (Will Smith) pelo seu próprio sofrimento,
que ao meu ver revela sim uma característica fortemente narcisista.
O tempo, a morte e o amor, e todos os diálogos riquíssimos que se estabeleceram no
filme com o personagem principal representam na vida real a figura do analista, que é o ser
capaz de construir uma ponte entre o analisando em sofrimento e sua cura interior. Que é
capaz de fazer com que o analisando narcisista seja capaz de romper com suas fixações
narcísicas mediante muita análise e autoconhecimento.
Trata-se de um filme fortemente psicanalítico, e confesso que ver Howard em sua
saga de autodescoberta; do entendimento das determinações da vida em detrimento de suas
próprias vontades narcísicas foi muito bonito e inspirador.
Ao final da história, aquela fixação da energia libidinal que Howard depositava em
seu sofrimento foi ressignificada para uma pulsão de vida e canalizada para uma energia de
viver, e assim o filme termina, transbordando esperança, amor e altruísmo pela vida e por
suas múltiplas possibilidades.
Referência bibliográfica:

ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica.


Editora Artemed. Porto Alegre. 2007.

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