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Análise do filme

O filme “Freud além da alma”, de 1962, traz vários elementos importantes para
compreendermos a caminhada de Freud e suas descobertas dentro do campo científico
para a construção da psicanálise. De modo geral, o filme traz os desafios de um jovem
médico desbravando uma nova teoria do conhecimento e as consequentes críticas que
ele passa a receber tanto da equipe médica no qual ele faz parte, como também da
sociedade.

O filme começa com Freud investigando a respeito da histeria, saindo de Viena e indo
até Paris, ao encontro de Charcot, devido a sua profunda admiração que ele cultivava
por Charcot, que por sua vez, era referência no uso das técnicas de hipnose. Nesse
sentido, o filme traz cenas interessantes de Charcot fazendo uso da hipnose em dois
pacientes, diagnosticados com histeria.

A partir das influências de Charcot, Freud começou a exercitar as técnicas de hipnose


em seus pacientes, sobretudo aqueles que sofriam de histeria, cujos sintomas eram
identificados por meio de: enxaquecas, terrores noturnos e paralisia corporal.

Todavia, é importante apontar que o filme traz de forma muito assertiva o modo como o
hipnotismo era mal visto pela academia de médicos Vienenses, a citar o exemplo do
professor Meynert, que inclusive considerava aqueles que faziam uso da hipnose como
loucos mais graves do que quem estava sendo hipnotizado.

Baseado nisso, ficou possível entender que a hipnose era considerada uma espécie de
arte negra naquele contexto de sua época.

No entanto, isso não impediu Freud de se aprofundar nos conhecimentos da hipnose


juntamente com seu amigo Breuer, que, vendo o potencial do jovem Freud, passou a
mandar alguns de seus pacientes com histeria para Freud praticar a hipnose.

Um dos casos mais explorados ao longo do filme foi da jovem Cecily, que já vinha
recebendo o acompanhamento de Breuer, com o uso da hipnose, para o tratamento de
sua histeria, mas que, posteriormente, acaba sendo encaminhada para ser tratada com
Freud. Uma das cenas mais inesquecíveis do filme foi a jovem Cecily sofrendo de uma
gravidez psicológica, e a esse respeito sendo tratada por Breuer e Freud por meio da
hipnose.
Chamou-me muito a atenção também como o filme trabalhou a problemática da
transferência entre paciente e psicanalista, no qual a jovem Cecily, projetou primeiro em
Breuer e depois em Freud o amor que tinha pelo seu pai.

A partir dessa problemática, o filme introduz uma discussão a respeito do Complexo de


Édipo, que além de ser trabalhado com o enredo de Cecily, também é explorado por
meio do próprio desconforto de Freud em lidar com a morte do pai e o amor materno
que nutria pela mãe.

Em parte do filme, o pai de Freud morre e ele não consegue ir ao cemitério, já que
desmaia. A partir de então, em mais de uma cena, foi possível ver Freud tendo sonhos
com seu pai. Em um dos sonhos, há um confronto entre Freud e seu pai, pelo amor da
sua mãe. Isso fortalece suas convicções a respeito do Complexo de Édipo e da
autenticidade dessa teoria.

Em uma das cenas mais interessantes, é possível ver Freud acordando de um sonho que
teve com sua mãe e chamando sua esposa Martha de mamãe. Isso nos mostra de modo
muito didático que nem ele estava livre das pulsões de seu inconsciente.

No entanto, essa perspectiva teórica foi fortemente confrontada pelos médicos do


Conselho, que ironizavam e desacreditavam de sua tese. Nesse sentido, o filme traz até
mesmo a dificuldade de Breuer em aceitar tais teorias de Freud, se aliando a limitada
visão do Conselho em detrimento daquilo que Freud estava apresentando.

Na cena em que Freud traz no Conselho de Medicina a ideia de um desenvolvimento


sexual ainda na infância, que é o balizador para compreendermos todo o Complexo de
Édipo, e logo em seguida, é rechaçado pelos próprios membros do Conselho, talvez
tenha sido uma das cenas mais simbólicas, por mostrar as dificuldades de Freud em
desbravar os conhecimentos da psicanálise naquela época, ou seja, o filme conseguiu
deixar claro a ideia de que a psicanálise não nasceu em um contexto distante de disputas
ideológicas e epistêmicas.

Outro primor do filme é nos apresentar um Freud humano, que por vezes se sente
confuso e inseguro em relação as suas próprias teorias, sendo incentivado a continuar
suas pesquisas pela sua própria esposa Martha.

De modo geral, o filme é um prato cheio para quem gosta de psicanálise e para quem
busca entender os movimentos de construção do conhecimento a respeito da psicanálise
por meio de Freud. Fica claro como a referida teoria foi passando por experimentações e
mudanças, sendo introduzida por meio de hipnose e depois sendo transformada em um
método de escuta, por meio da descoberta do efeito terapêutico da catarse. Ao assistir o
filme de modo atento, é possível observar como essa construção da teoria psicanalítica
foi processual e fluida, baseada em experimentações, e talvez esse tenha sido o grande
trunfo do filme.
Nesse sentido, ver Freud em cena descobrindo o inconsciente por meio das sessões de
hipnose e da interpretação dos sonhos, foi também absolutamente fantástico.
Certamente essa é a filmografia mais fidedigna da obra de Freud, com uma qualidade
ímpar e que traz os desdobramentos da construção da psicanálise de forma muito
didática e elucidativa. Simplesmente sensacional.

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