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Resumo
1. Introdução
Em agosto de 2012 a Organização das Nações Unidas – ONU lançou o relatório sobre
as cidades latino-americanas. Tal documento chama a atenção para as taxas de urbanização
no Brasil e nos países do Cone Sul, que alcançarão a taxa de 90% em 2020. No México e nos
países da região Andina Equatorial tal taxa já é de 85%, e por fim, a América Central e Caribe,
devem chegar em 2050 às taxas de 75% a 83% respectivamente (ONU-Habitat, 2012).
Tais questões, por mais que já tenham melhorado ao longo dessa década, ainda se
constituem em um desafio enorme, é preocupante observar a contínua expansão da mancha
urbana. As cidades crescem cada vez menos compactas e se expandem fisicamente a uma
taxa que supera o aumento de sua população, um padrão que não é sustentável (ONU-
Habitat, 2012b).
Segundo Silva (2003), conciliar a gestão do território e gestão das águas exigem
desafios de integração para uma efetiva gestão compartilhada, tais como:
Longe de esgotar o tema, esse trabalho tem um caráter reflexivo e provocativo, para
que outros pesquisadores possam ser instigados a pensar o sobre o tema, tão importante
para as políticas públicas de planejamento do território das metrópoles.
Para construção desse artigo, foram considerados três aspectos que influenciam a
ação do indivíduo quanto ao uso não apropriado do solo: uma relação não topofílica em
relação ao território produtor de água, a falta de instrumentos que valorizem as ações de
conservação/preservação da água e, por fim, o conceito histórico de que a terra é mercadoria
e, portanto, deve ser aproveitada ao máximo.
Para uma melhor compreensão dessa discussão, inicia-se uma breve explicação do
que vem a ser um território produtor de água para abastecimento urbano.
Para efeitos desse trabalho, foi considerado somente o manancial de água doce
superficial, pois é este tipo de manancial que tem sua área lindeira protegida por lei.
O MMA também considera que, “entre as situações que causam degradação das
áreas de mananciais”, um dos destaques é ocupação desordenada do solo, por conta disso,
os mananciais são afetados por práticas inadequadas de uso do solo e da água, falta de
infraestrutura de saneamento (precariedade nos sistemas de esgotamento sanitário, manejo
de águas pluviais e resíduos sólidos) e superexploração dos recursos hídricos.
Essa constatação feita pelo MMA não é uma novidade, porém chama a atenção no
sentido que a proteção dos mananciais, passa necessariamente, pela proteção do solo no
entorno dos mananciais, regulando seu uso através de práticas de manejo adequado,
definindo áreas de proteção e regulamentando quais os tipos de uso e atividades podem ser
permitidos nesse entorno.
1
Lei Federal n° 12.651 de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm.
Acesso em maio de 2017.
2
Manancial de abastecimento público definição segundo o MMA disponível em:
http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/aguas-urbanas/mananciais. Acesso em maio, 2017.
Considera-se APP a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas, conceito descrito pelo Código Florestal.
Especificamente, como APP, 4 tipos interessam para esse trabalho, todas definidas
pelo o Código Florestal, são elas:
2) as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja
sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
Para a APP do tipo 4, aplicada a todo tipo de encosta, cabe uma ressalva, esta deve
estar contida em áreas conectadas diretamente ao manancial.
Outra área que pode ser perfeitamente aglutinada ao território produtor de água para
abastecimento urbano, é a Reserva Legal, que, dentro do recorte territorial proposto para este
estudo, corresponde a 20% do total de um imóvel rural, conforme definido pelo Código
Florestal. Deve-se considerar, para efeito desse trabalho, que ela esteja conectada
diretamente ao manancial ou as APP’s.
O Artigo 225 da CF afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações”.
Por meio ambiente, a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal n° 6.938/1981,
descreve como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, e sem dúvida
nenhuma, a água faz parte do meio ambiente.
Ora, tem-se então que a água, ou recurso hídrico, neste estudo, o superficial, tem a
tutela da outorga dada para o Estado, por ser de domínio público, cabendo a ele e a
coletividade sua proteção. Entretanto, as degradações ambientais que atingem os recursos
hídricos estão relacionadas diretamente ao uso do solo, ou seja, as áreas no entorno dos
mananciais que são compostas por propriedades privadas e públicas, nesse último caso,
pertencentes ao Estado e não necessariamente de domínio público, podendo ter diversos
usos.
E é a partir desse ponto que o presente trabalho quer discutir o problema: a quem
pertencem os territórios produtores de água para abastecimento urbano? A água contida no
manancial de fato é da coletividade, portanto, ela, junto com o Estado, tem o dever de
defender e preservá-la, mas e o solo no seu entorno, como proposto, as APP’s? Se o imóvel
público tem o seu domínio bem identificável e, portanto, a sua responsabilidade em
compatibilizar o uso e ocupação do solo aos preceitos constitucionais, detalhados na
legislação; a propriedade particular pulveriza a coletividade, tornando o indivíduo, o
responsável para realizar práticas sustentáveis dentro do seu imóvel que garantam a
qualidade e quantidade do recurso hídrico para as presentes e futuras gerações.
Questiona-se então, qual o nível de consciência ambiental que o indivíduo tem sobre
a sua responsabilidade em preservar a qualidade da água confrontante ao seu imóvel, ou da
nascente que brota dentro dele, ou ainda, o corpo d’água que cruza sua propriedade?
Consciência essa capaz de proporcionar/provocar uma ação positiva resultando na proteção
das APP’s descritas anteriormente?
Para Oliveira (2013), a combinação cultura e meio ambiente físico influenciam na visão
de mundo:
Conclui-se que, para que o indivíduo possa ter Topofilia, é primordial, senão,
obrigatório, relacionar-se com o meio ambiente físico. Esta relação sensorial e
perceptiva, somada a cultura à qual o indivíduo está inserido, resultará em um elo
afetivo entre ele e o meio ambiente físico, tornando-o, então, em “o lugar”.
Sendo assim, uma relação não topofílica com o meio ambiente físico é não o
considerar como lugar, não havendo um elo afetivo. Entretanto, como aferir essa
constatação em relação aos territórios produtores de água? Tem-se numa primeira
resposta, que é necessário que o indivíduo perceba, de fato, que esse território produz
água para abastecimento urbano e, como já dito, essa definição de território ainda não
é dada, então conclui-se que não pode haver Topofilia. Justifica-se também pelo fato
de um território produtor necessitar de ampla cobertura vegetal formada por espécies
nativas capazes de reter as águas pluviais e evitar o carreamento de sedimentos para
dentro dos corpos d’água.
Por outro lado, a destruição da mata ciliar pode, a médio e longo prazos,
diminuir a capacidade de armazenamento da microbacia, e consequentemente a
vazão (LIMA, 2008).
Para Bren (1993), o espaço físico ocupado pela Mata Ciliar, que é o mesmo
das APP´s, é disputado por outros usos, conforme descrito a seguir:
3
Zona Ripária: Limites naturais dos corpos d’água que se estendem até o alcance da planície de inundação.
Definição retirada do texto publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estudo Florestais – IPEF. Disponível:
http://www.ipef.br/hidrologia/mataciliar.asp. Acesso em maio de 2017.
de energia, representam excelentes locais de armazenamento de água
visando garantia de suprimento contínuo”. (BREN, 1993)4
4
Hidrologia de Matas Ciliares. Autores: Walter de Paula Lima; Maria José Brito Zakia. Texto publicado pelo
Instituto de Pesquisa e Estudo Florestais – IPEF. Disponível: http://www.ipef.br/hidrologia/mataciliar.asp.
Acesso em maio de 2017.
5
Sistema Florestal Paulista – SIFESP: Disponível em:
http://www.iflorestal.sp.gov.br/sifesp/mapasmunicipais.html. Acesso em maio de 2017
Tabela 01: Comparativo da quantidade e porcentagem de cobertura vegetal
Paraibuna Redenção da Serra Natividade da Serra
Tipo de cobertura vegetal ha % ha % ha %
Mata 6.087,68 8,28% 2.419,43 7,63% 9.314,93 10,98%
Capoeira 9.368,51 12,75% 2.868,67 9,05% 12.451,21 14,68%
Vegetação de várzea 101,35 0,14% 0,00 0,00% 0,00%
Total 15.557,54 21,17% 5.288,10 16,68% 21.766,14 25,67%
Reflorestamento (Eucalipto) 10.555,16 14,36% 2.718,29 8,58% 1.591,51 1,88%
Área do Município 73.500,00 100,00% 31.700,00 100% 84.800,00 100%
Fonte: SIFESP
21,91%
13,14% 58,69%
Pelo fato do conceito de Topofilia ser difuso (TUAN, 1980), nos permite conjecturar
que em se tratando de território produtor de água para abastecimento urbano, ou seja,
propondo essa abstração para a área no entorno do manancial da represa de Paraibuna6,
abarcando os municípios citados e, considerando que uma resposta adequada do ponto de
vista do uso do solo, seria plausível e desejável existir cobertura vegetal nas áreas de APP
no entorno do reservatório, demonstrando, por parte do proprietário, um elo afetivo entre ele
e o território produtor de água. Não havendo essa relação topofílica, e de fato não há, fica
comprometido o grau de assertividade de ações provenientes do SNGRH, uma vez que o
indivíduo não tem interesse em recompor a faixa lindeira do manancial com espécies nativa
que, na visão dele, não agregam valor.
Agregar valor à terra é outro ponto importante que dificulta tanto a relação topofílica,
quanto a quebra de paradigma para promover usos mais compatíveis a um melhor
6
A Usina Hidrelétrica Paraibuna foi concluída em 1978 e está localizada no município de Paraibuna. A principal
finalidade do reservatório da UHE Paraibuna é regular a vazão do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo
fornecimento de água para várias cidades do Vale do Paraíba e do Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Companhia
Energética de Estado de São Paulo – CESP. Disponível em:
http://www.cesp.com.br/portalCesp/portal.nsf/V03.02/Empresa_UsinaParaibuna?OpenDocument. Acesso em
maio de 2017.
aproveitamento dos recursos hídricos, pois o Estado conceitua o imóvel rural com uma
Unidade Produtiva Agropecuária – UPA e o proprietário também tem a mesma visão, quando
isso não ocorre, o imóvel é parcelado em lotes menores para ser vendido a empreendimentos
imobiliários ou indivíduos que procuram ter áreas de lazer para fugir do caos urbano durante
os finais de semana, isso nos remete ao segundo ponto, o valor da terra.
5. O valor da terra como barreira para a proteção dos territórios produtores
de água para abastecimento urbano.
Desde o período colonial as terras brasileiras sempre foram utilizadas para a extração
de recursos naturais, desde o Pau Brasil até os grandes latifúndios das plantações de café. O
espírito colonizador português, sempre teve o caráter espoliador, explorando a terra até a sua
escassez, derrubando as florestas e formando novas plantações, esse espírito do colonizador
está presente até hoje no povo, ou seja, a terra só tem valor quando seu solo pode ser usado,
quer para plantio, quer para exploração imobiliária, quer para pastoreio e até mesmo, quando
ociosa, aguardando uma oportunidade de valorização.
Fica evidente que a bovinocultura ainda exerce grande influência econômica sobre o
entorno do manancial e consequente pressão para manter os pastos limpos, sem crescimento
de vegetação nativa, pois a terra como mercadoria, vale muito mais na forma de pasto, do
que como mata nativa.
Não está sendo avaliado neste estudo áreas que estão sendo especuladas pelo
mercado imobiliário, seja para chácaras de recreios, seja para loteamentos residenciais,
comerciais ou industriais, principalmente no entorno da Rodovia dos Tamoios que corta um
trecho do reservatório no município de Paraibuna.
Entretanto, como já descrito no início desse trabalho, vivemos cada vez mais
em ambientes transformados pelo homem denominados ambientes urbanos, porém,
ainda necessitamos de ar e água para vivermos e de quantidades maiores,
principalmente de água, para produção de vários acessórios que nos acompanham
diariamente.
Para Foleto (2011), o PSA deve refletir a realidade financeira que a propriedade rural
oferece para o agricultor.
Segundo relatório do MMA (2011), existem gargalos e desafios a serem vencidos para
uma implantação efetiva para o PSA voltado para a manutenção da qualidade e quantidade
de água, em especial no Bioma Mata Atlântica. O relatório dividiu ambos em 3 pontos:
Do ponto de vista econômico:
d) Dificuldades na identificação dos custos totais dos projetos, dadas muitas vezes
pela gestão compartilhada dos mesmos e pela existência de contrapartida não
monetária colocada por cada instituição parceira;
Sem nenhum demérito ao PSA, percebe-se que há ainda um longo caminho a ser
trilhado, porém, é possível afirmar, mais uma vez, que as ações do PSA, incidem diretamente,
na maioria das vezes, na propriedade rural, ou seja indivíduo.
7. Considerações finais
Os territórios produtores de água para abastecimento urbano devem ser vistos como
tais pelos proprietários rurais, entretanto, a lógica capitalista de produção e consumo permeia
todas as ações que envolvem o uso do solo, não se pode alterar o manejo do solo para a
conservação ambiental, sem que se pague um valor ao proprietário para isso.
8. Bibliografia
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