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Territórios produtores de água para abastecimento urbano: a quem

pertencem? Um estudo de caso do Sistema Hidráulico do Rio


Paraíba do Sul dentro da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
Litoral Nortel – RMVPLN.

Resumo

Este artigo discute sobre as dificuldades de gestão das áreas especialmente


protegidas no entorno dos mananciais de abastecimento de água para consumo urbano,
considerando estas áreas e o próprio manancial, como um território produtor de água. Para
tanto, este trabalho parte do pressuposto que a água é bem de domínio público e de uso
comum do povo, cercado por áreas de domínio público e privado e, que existem diversos
instrumentos legais que regulam o uso e ocupação do solo, nos três entes federativos
(municipal, estadual e federal), porém as intervenções efetivas no espaço geográfico acabam
sendo realizadas pelo proprietário/possuidor do imóvel, valendo-se ou não dos instrumentos
regulatórios, que interferem diretamente na qualidade/quantidade da água. Tem-se por tese
que três aspectos básicos influenciam a ação do indivíduo quanto ao uso não apropriado do
solo: uma relação não topofílica sobre o território produtor de água, a falta de instrumentos
que valorizem as ações de conservação/preservação da água e, por fim, o conceito histórico
de que a terra é mercadoria e, portanto, deve ser aproveitada ao máximo. Aplica-se esse
estudo no território produtor de água para abastecimento urbano do Sistema Hidráulico do
Rio Paraíba do Sul, localizado na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

1. Introdução

Em agosto de 2012 a Organização das Nações Unidas – ONU lançou o relatório sobre
as cidades latino-americanas. Tal documento chama a atenção para as taxas de urbanização
no Brasil e nos países do Cone Sul, que alcançarão a taxa de 90% em 2020. No México e nos
países da região Andina Equatorial tal taxa já é de 85%, e por fim, a América Central e Caribe,
devem chegar em 2050 às taxas de 75% a 83% respectivamente (ONU-Habitat, 2012).

A América Latina e o Caribe são as regiões mais urbanizadas do mundo, entretanto


as menos povoadas em relação aos seus territórios, pois 80% da população vive nas cidades,
o que é proporcionalmente maior do que o grupo dos países desenvolvidos (ONU-Habitat,
2012).
Ainda segundo o ONU-Habitat (2012b, p 17), “o número de cidades aumentou seis
vezes em cinquenta anos. Metade da população urbana reside atualmente em cidades com
menos de 500 mil habitantes e 14% nas megacidades – mais de 222 milhões no primeiro caso
e 65 milhões no segundo”.

Um aspecto positivo é que o avanço no acesso a água, saneamento e outros serviços


tem aumentado a atratividade das cidades intermediárias, possibilitando pensar em um
sistema mais equilibrado de cidades nestes países (ONU-Habitat, 2012b).

Entretanto, o fenômeno das megacidades não é exclusivo da América Latina e Caribe,


Mongin (2006) afirma que estamos na era das cidades gigantes, ocorrendo à multiplicação
das megacidades. Ainda segundo Mongin (2006), em 2020 a África subsaariana terá 55% da
sua população urbanizada; das 33 megalópoles anunciadas para 2015, 27 pertencerão aos
países subdesenvolvidos, sendo 19 na Ásia. Tóquio será a única cidade rica a continuar
figurando na lista das 10 maiores cidades (MONGIN, 2006).

Sendo assim, a metropolização, que abarca as megacidades e as cidades periféricas


é um fenômeno observado em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Questões como planejamento e gestão do território são desafios constantes, sendo


que na maioria das situações, as políticas públicas desenvolvidas para estes fins são
desarticuladas e na sua formação, carecem de uma participação efetiva dos atores sociais
mais atingidos pelos malefícios desencadeados pela má gestão e planejamento, em especial,
do uso do solo, distribuição de água e saneamento básico.

Maricato (2001a), já questionava há mais de uma década, os desafios do


planejamento urbano em combinar a ocupação do solo urbano e os sistemas viários com as
unidades de gestão baseadas em bacias hidrográficas.

Tais questões, por mais que já tenham melhorado ao longo dessa década, ainda se
constituem em um desafio enorme, é preocupante observar a contínua expansão da mancha
urbana. As cidades crescem cada vez menos compactas e se expandem fisicamente a uma
taxa que supera o aumento de sua população, um padrão que não é sustentável (ONU-
Habitat, 2012b).

Mas até onde vão os “limites do crescimento”, parafraseando o relatório do Clube de


Roma na década de 1970, contudo, sem ser neomalthusiano, mas questionando em especial,
a capacidade de suprimento hídrico para a megacidades e seu arranjo metropolitano.

Se por um lado a região da América Latina e Caribe já atingiu os Objetivos do Milênio


no que diz respeito ao abastecimento de água, ou seja, 92% da população urbana dispõe de
água encanada e o número sobe para 98% se levarmos em conta outras fontes de água,
garantir o direito a água e ao saneamento não se limita a fornecer infraestrutura, persistem
desafios importantes em termos de eficiência, disponibilidade, qualidade, acessibilidade e
continuidade (ONU-Habitat, 2012). Superá-los exige a revisão e aperfeiçoamento dos
modelos de governança, gestão e financiamento (ONU-Habitat, 2012).

Mesmo sabendo que aproximadamente 37% da água tratada é perdida devido ao


mau funcionamento da infraestrutura, vazamentos e usos inadequados e que superar tal
problema irá certamente garantir mais água disponível para a população, não se pode negar
o fato da complexidade de implantação de milhares de quilômetros em rede de distribuição
subterrânea, como o caso do município de São Paulo que tem aproximadamente 23 mil
quilômetros em rede de distribuição , correspondendo a 36% do total da rede em todo o
Estado de São Paulo atendida pela SABESP, ou seja, 364 municípios .

Segundo Silva (2003), conciliar a gestão do território e gestão das águas exigem
desafios de integração para uma efetiva gestão compartilhada, tais como:

• Integração entre sistemas/atividades diretamente relacionadas ao uso da água na área


da bacia hidrográfica, em particular o abastecimento público, a depuração de águas
servidas, o controle de inundações, a irrigação, o uso industrial, o uso energético, ou
ainda sistemas com impacto direto sobre os mananciais, como o de resíduos sólidos,
tendo em vista a otimização de aproveitamentos múltiplos sob a perspectiva de uma
gestão conjunta de qualidade e quantidade;
• Integração territorial/jurisdicional com instâncias de planejamento e gestão urbana –
os municípios e o sistema de planejamento metropolitano – tendo em vista a aplicação
de medidas preventivas em relação ao processo de urbanização, evitando os
agravamentos de solicitação sobre quantidades e qualidade dos recursos existentes,
inclusive ocorrências de inundações;
• Articulação reguladora com sistemas setoriais não diretamente usuários dos recursos
hídricos – como habitação e transporte urbano – tendo em vista a criação de
alternativas reais ao processo de ocupação das áreas de proteção a mananciais e das
várzeas, assim como a viabilização de padrões de desenvolvimento urbano que em
seu conjunto não impliquem agravamento nas condições de impermeabilização do
solo urbano e de poluição sobre todo o sistema hídrico da bacia, à parte as áreas de
proteção aos mananciais de superfície. (SILVA, 2003, p 138)

Para Maricato (2001b), estamos diante de uma “bomba relógio”. A demora no


enfrentamento efetivo da questão urbana comprometerá não somente os segregados, mas
toda a cidade que terão seus mananciais de água, florestas e recursos hídricos em situação
de risco.
Desde os primórdios da civilização, foram as terras férteis e abundantes de água,
somadas ao desenvolvimento tecnológico que propiciaram a formação das primeiras cidades,
e esta dinâmica tem se reproduzido ao longo de milhares de anos. Entretanto, nunca na
história da humanidade as cidades tiveram a aglomeração humana que hoje se vê,
acarretando novos desafios para o planejamento urbano e regional.

Percebe-se que é indissociável a questão de abastecimento de água do


desenvolvimento socioeconômico. Como promover uma verdadeira simbiose entre os
territórios produtores de água para o abastecimento urbano e os territórios consumidores de
água, nos quais ocorrem o desenvolvimento socioeconômico?

O objetivo desse trabalho é discutir as dificuldades de gestão das áreas especialmente


protegidas no entorno dos mananciais de abastecimento de água para consumo urbano,
considerando estas áreas e o próprio manancial, como um território produtor de água. O ponto
de partida é uma breve discussão da Política Nacional dos Recursos Hídricos, para depois
escrever sobre as intervenções efetivas no espaço geográfico que acabam sendo realizadas
pelo proprietário/possuidor do imóvel. Utiliza-se dados secundários disponibilizados pelo
governo do Estado de São Paulo para alicerçar a discussão proposta.

Longe de esgotar o tema, esse trabalho tem um caráter reflexivo e provocativo, para
que outros pesquisadores possam ser instigados a pensar o sobre o tema, tão importante
para as políticas públicas de planejamento do território das metrópoles.

Para construção desse artigo, foram considerados três aspectos que influenciam a
ação do indivíduo quanto ao uso não apropriado do solo: uma relação não topofílica em
relação ao território produtor de água, a falta de instrumentos que valorizem as ações de
conservação/preservação da água e, por fim, o conceito histórico de que a terra é mercadoria
e, portanto, deve ser aproveitada ao máximo.

Para tanto, será estudado o recorte territorial da Região Metropolitana do Vale do


Paraíba e Litoral Norte, no contexto da sua importância estratégica para o abastecimento de
água à Macrometrópole Paulista e à Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro,
considerando o Sistema Hidráulico do Rio Paraíba do Sul.

Para uma melhor compreensão dessa discussão, inicia-se uma breve explicação do
que vem a ser um território produtor de água para abastecimento urbano.

2. Territórios produtores de água para abastecimento urbano

Não há um conceito definido do território produtor de água para abastecimento urbano,


nem uma metodologia que permita a sua perfeita delimitação, aliás, o desenvolvimento desse
conceito e metodologia fazem parte da tese de doutoramento do autor desse artigo. Este
trabalho serve para uma primeira delimitação dessa visão de território baseado, num primeiro
momento, em áreas especialmente protegidas por lei, visto que é uma política pública
obrigatória que atinge todos os proprietários, possuidores ou ocupantes a qualquer título,
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, conforme o Artigo 7° da Lei Federal n°
12.651/20121, comumente chamado como Código Florestal.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente - MMA, um manancial de abastecimento


público é considerado como, a “fonte de água doce superficial ou subterrânea utilizada para
consumo humano ou desenvolvimento de atividades econômicas ”2.

Para efeitos desse trabalho, foi considerado somente o manancial de água doce
superficial, pois é este tipo de manancial que tem sua área lindeira protegida por lei.

O MMA também considera que, “entre as situações que causam degradação das
áreas de mananciais”, um dos destaques é ocupação desordenada do solo, por conta disso,
os mananciais são afetados por práticas inadequadas de uso do solo e da água, falta de
infraestrutura de saneamento (precariedade nos sistemas de esgotamento sanitário, manejo
de águas pluviais e resíduos sólidos) e superexploração dos recursos hídricos.

Essa constatação feita pelo MMA não é uma novidade, porém chama a atenção no
sentido que a proteção dos mananciais, passa necessariamente, pela proteção do solo no
entorno dos mananciais, regulando seu uso através de práticas de manejo adequado,
definindo áreas de proteção e regulamentando quais os tipos de uso e atividades podem ser
permitidos nesse entorno.

Considerando essa perspectiva, pode-se afirmar que é necessário pensar num


território produtor de água que vai além do manancial, pois proteger o seu entorno é
fundamental para a garantia da qualidade e quantidade de água fornecida para o
abastecimento urbano.

Nesse contexto, as áreas vulneráveis, tais como, as Áreas de Proteção Permanente –


APP localizadas dentro desses territórios, nas quais ocorre a remoção da cobertura vegetal,
desencadeando a erosão e consequente assoreamento de rios e córregos, causados pelas
atividades antrópicas seja para uso residencial, atividade agrossilvipastoril ou o uso industrial
que se desenvolve descumprindo a legislação ambiental (MMA), são áreas que devem estar
contidas dentro dos territórios produtores de água para abastecimento urbano.

1
Lei Federal n° 12.651 de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm.
Acesso em maio de 2017.
2
Manancial de abastecimento público definição segundo o MMA disponível em:
http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/aguas-urbanas/mananciais. Acesso em maio, 2017.
Considera-se APP a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas, conceito descrito pelo Código Florestal.

Especificamente, como APP, 4 tipos interessam para esse trabalho, todas definidas
pelo o Código Florestal, são elas:

1) as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente,


excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima que varia
de 30 a 500 metros, dependendo da largura do curso d’água;

2) as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja
sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

3) as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento


ou represamento de cursos d’água naturais, em faixa definida na licença ambiental do
empreendimento e,

4) as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100%


(cem por cento) na linha de maior declive.

Para a APP do tipo 4, aplicada a todo tipo de encosta, cabe uma ressalva, esta deve
estar contida em áreas conectadas diretamente ao manancial.

Outra área que pode ser perfeitamente aglutinada ao território produtor de água para
abastecimento urbano, é a Reserva Legal, que, dentro do recorte territorial proposto para este
estudo, corresponde a 20% do total de um imóvel rural, conforme definido pelo Código
Florestal. Deve-se considerar, para efeito desse trabalho, que ela esteja conectada
diretamente ao manancial ou as APP’s.

Um exemplo de território produtor de água para abastecimento urbano é o Sistema


Hidráulico do Rio Paraíba do Sul (Figura 01), que envolve na porção paulista, mais
precisamente, na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte - RMVPLN, os rios
Paraitinga e Paraibuna, formadores do rio Paraíba do Sul, além do rio Jaguari que deságua
do Paraíba do Sul entre os municípios de São José dos Campos e Jacareí. Já na parte
fluminense estão os rios Piraí, Ribeirão das Lajes e Rio Guandu. Como já definido
anteriormente, a parte estudada desse território, será somente a que se encontra na
RMVPLN.
Figura 01: Sistema Hidráulico do Rio Paraíba do Sul (Fonte: ANA, 2016).

3. Legislação incidente sobre o território produtor de água para


abastecimento urbano

A principal legislação nacional sobre o tema é a Política Nacional de Recursos Hídricos


- PNRH, Lei Federal n° 9.433/1997. A PNRH é fundamentada em 6 pilares: a água é um bem
de domínio público; é um recurso natural limitado e dotado de valor econômico; em situações
de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação
de animais; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das
águas; a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da PNRH e atuação do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SNGRH e o último pilar; a gestão
dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público,
dos usuários e das comunidades.

Fundamental para que a PNRH funcione, o SNGRH, é estruturado por órgãos


colegiados que formulam as políticas públicas, no âmbito federal e estadual e, em órgãos que
são responsáveis pela implementação dos instrumentos das políticas, sendo eles os órgãos
outorgantes e as agências das bacias federais e estaduais (Figura 02).
Figura 02: Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (Fonte: MMA).

O SNGRH deve funcionar para atender os objetivos da PNRH que são:

I. assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em


padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II. utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário,
com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III. prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou
decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Para o cumprimento dos objetivos, as seguintes diretrizes devem ser consideradas:

I. gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de


quantidade e qualidade;
II. adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País;
III. integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental;
IV. articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com
os planejamentos regional, estadual e nacional;
V. articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo;
VI. integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas
costeiras.

Analisando a PNRH, seus fundamentos, objetivos e princípios, um ponto importante


deve ser levantado para que o presente trabalho faça sentido. Este ponto diz respeito a água
ser um bem de domínio público. Di Pietro (2004) afirma que todo bem de domínio público
cumpre uma função social e estão sob regime jurídico público do Estado, para que o interesse
comum possa ser garantido. Ainda segunda a autora, cabe ao Estado disciplinar e fiscalizar
a utilização e reprimir as infrações sobre o bem de domínio público. A Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 - CF, no Artigo 20, Silva (2004) afirma, que o regime
de outorga da água é dado à União e aos Estados, desfazendo a figura das águas particulares.

O Artigo 225 da CF afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações”.

Por meio ambiente, a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal n° 6.938/1981,
descreve como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, e sem dúvida
nenhuma, a água faz parte do meio ambiente.

Ora, tem-se então que a água, ou recurso hídrico, neste estudo, o superficial, tem a
tutela da outorga dada para o Estado, por ser de domínio público, cabendo a ele e a
coletividade sua proteção. Entretanto, as degradações ambientais que atingem os recursos
hídricos estão relacionadas diretamente ao uso do solo, ou seja, as áreas no entorno dos
mananciais que são compostas por propriedades privadas e públicas, nesse último caso,
pertencentes ao Estado e não necessariamente de domínio público, podendo ter diversos
usos.

E é a partir desse ponto que o presente trabalho quer discutir o problema: a quem
pertencem os territórios produtores de água para abastecimento urbano? A água contida no
manancial de fato é da coletividade, portanto, ela, junto com o Estado, tem o dever de
defender e preservá-la, mas e o solo no seu entorno, como proposto, as APP’s? Se o imóvel
público tem o seu domínio bem identificável e, portanto, a sua responsabilidade em
compatibilizar o uso e ocupação do solo aos preceitos constitucionais, detalhados na
legislação; a propriedade particular pulveriza a coletividade, tornando o indivíduo, o
responsável para realizar práticas sustentáveis dentro do seu imóvel que garantam a
qualidade e quantidade do recurso hídrico para as presentes e futuras gerações.

Questiona-se então, qual o nível de consciência ambiental que o indivíduo tem sobre
a sua responsabilidade em preservar a qualidade da água confrontante ao seu imóvel, ou da
nascente que brota dentro dele, ou ainda, o corpo d’água que cruza sua propriedade?
Consciência essa capaz de proporcionar/provocar uma ação positiva resultando na proteção
das APP’s descritas anteriormente?

Qual o grau de impacto da estrutura do SNGRH no indivíduo, no que diz respeito ao


acesso a informação, capacidade de operacionalização das exigências legais, tanto para
evitar possíveis impactos negativos aos territórios produtores de água para abastecimento
urbano, tanto para recuperação de áreas já degradadas?

É a partir desses questionamentos que serão testadas as seguintes hipóteses:

a) a existência de uma relação não topofílica com território produtor de água;


b) dificuldade de acesso a informação dos marcos regulatórios;
c) o conceito histórico de que a terra é mercadoria e, portanto, deve ser aproveitada ao
máximo e, por fim;
d) a falta de instrumentos que valorizem as ações de conservação/preservação da água.

4. A relação não topofílica entre o indivíduo e o território produtor de água

Para se falar de relação não topofílica, deve-se primeiramente conceituar o que é


Topofilia. O geógrafo Yi-fu Tuan, cunhou o termo em seu livro chamado “Topofilia: um estudo
da percepção, atitudes e valores do meio ambiente”, para ele, trata-se do “elo afetivo entre a
pessoa e o lugar ou ambiente físico” (TUAN, 1980). Trata-se do sentimento com o lugar,
produzido a partir da percepção, que é a resposta dada pelos sentidos aos estímulos externos
e, somada a cultura, geram atitudes que respondem a essas percepções, implicando em
experiências cujo valor, propiciam uma visão de mundo, parcialmente pessoal, em grande
parte social (idem).

Para Oliveira (2013), a combinação cultura e meio ambiente físico influenciam na visão
de mundo:

“Os conceitos cultura e meio ambiente se superpõem, do mesmo modo


que os conceitos homem e natureza, constituindo um todo. Para se
conhecer a preferência ambiental de uma pessoa, mister é examinar
sua herança biológica, sua educação, seu trabalho e seus arredores
físicos” (OLIVIEIRA, 2013, p 92).

A autora descreve ainda que a estruturação do espaço pelo indivíduo é formulada a


partir da sua órbita.

“A ideia de que cada indivíduo estrutura seu espaço geográfico em


torno de si próprio, parece universal. Os seres humanos,
individualmente ou em grupo, tendem a estruturar o mundo tendo o self
como o centro. Com isso, o mundo se orienta por uma série de valores
irradiados da própria pessoa ou de seu grupo” (OLIVIEIRA, 2013, p 92).

Conclui-se que, para que o indivíduo possa ter Topofilia, é primordial, senão,
obrigatório, relacionar-se com o meio ambiente físico. Esta relação sensorial e
perceptiva, somada a cultura à qual o indivíduo está inserido, resultará em um elo
afetivo entre ele e o meio ambiente físico, tornando-o, então, em “o lugar”.

Sendo assim, uma relação não topofílica com o meio ambiente físico é não o
considerar como lugar, não havendo um elo afetivo. Entretanto, como aferir essa
constatação em relação aos territórios produtores de água? Tem-se numa primeira
resposta, que é necessário que o indivíduo perceba, de fato, que esse território produz
água para abastecimento urbano e, como já dito, essa definição de território ainda não
é dada, então conclui-se que não pode haver Topofilia. Justifica-se também pelo fato
de um território produtor necessitar de ampla cobertura vegetal formada por espécies
nativas capazes de reter as águas pluviais e evitar o carreamento de sedimentos para
dentro dos corpos d’água.

O estudo realizado sobre a Hidrologia da Matas Ciliares, Lima (2008), destaca


a importância da manutenção da cobertura vegetal sobre dois aspectos:

1) Quantidade de água: tem sido demonstrado que a recuperação da vegetação ciliar


contribui para com o aumento da capacidade de armazenamento da água na
microbacia ao longo da zona ripária3.

2) Qualidade da água: o efeito direto da mata ciliar na manutenção da qualidade da


água que emana da microbacia tem sido demonstrado com mais facilidade em
diversos experimentos.

Por outro lado, a destruição da mata ciliar pode, a médio e longo prazos,
diminuir a capacidade de armazenamento da microbacia, e consequentemente a
vazão (LIMA, 2008).

Para Bren (1993), o espaço físico ocupado pela Mata Ciliar, que é o mesmo
das APP´s, é disputado por outros usos, conforme descrito a seguir:

“Quanto às matas ciliares, os seus valores do ponto de vista do


interesse de diferentes setores de uso da terra são bastante
conflitantes: para o pecuarista, representam obstáculo ao livre acesso
do gado à água; para a produção florestal, representam sítios bastante
produtivos, onde crescem árvores de alto valor comercial; em regiões
de topografia acidentada, proporcionam as únicas alternativas para o
traçado de estradas; para o abastecimento de água ou para a geração

3
Zona Ripária: Limites naturais dos corpos d’água que se estendem até o alcance da planície de inundação.
Definição retirada do texto publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estudo Florestais – IPEF. Disponível:
http://www.ipef.br/hidrologia/mataciliar.asp. Acesso em maio de 2017.
de energia, representam excelentes locais de armazenamento de água
visando garantia de suprimento contínuo”. (BREN, 1993)4

Se a preservação e conservação da mata ciliar é extremamente importante


para a produção de água com boa qualidade e quantidade, não privilegiar esse tipo de
uso do solo, em detrimento de outro, demonstra uma relação não topofílica com o
território produtor de água.

O Sistema Florestal do Estado de São Paulo5 fornece o mapa da cobertura


vegetação atual dos municípios no entorno do reservatório e demonstra a baixa
presença de cobertura vegetal nativa nos 3 municípios, em especial no entorno do
manancial conforme demonstrado nas Figuras 3 a 6.

Figura 03: Legenda dos Mapas (Fonte: SIFESP).

Observa-se também que os maciços florestais de Paraibuna e Natividade da


Serra encontram-se concentrados dentro do Parque Estadual da Serra do Mar –
PESM, e o maciço florestal do município de Redenção da Serra está localizado entre
duas grandes áreas de reflorestamento de eucalipto.

A Tabela 01 a seguir demonstra o percentual de cada tipo de cobertura


vegetal dos municípios.

4
Hidrologia de Matas Ciliares. Autores: Walter de Paula Lima; Maria José Brito Zakia. Texto publicado pelo
Instituto de Pesquisa e Estudo Florestais – IPEF. Disponível: http://www.ipef.br/hidrologia/mataciliar.asp.
Acesso em maio de 2017.
5
Sistema Florestal Paulista – SIFESP: Disponível em:
http://www.iflorestal.sp.gov.br/sifesp/mapasmunicipais.html. Acesso em maio de 2017
Tabela 01: Comparativo da quantidade e porcentagem de cobertura vegetal
Paraibuna Redenção da Serra Natividade da Serra
Tipo de cobertura vegetal ha % ha % ha %
Mata 6.087,68 8,28% 2.419,43 7,63% 9.314,93 10,98%
Capoeira 9.368,51 12,75% 2.868,67 9,05% 12.451,21 14,68%
Vegetação de várzea 101,35 0,14% 0,00 0,00% 0,00%
Total 15.557,54 21,17% 5.288,10 16,68% 21.766,14 25,67%
Reflorestamento (Eucalipto) 10.555,16 14,36% 2.718,29 8,58% 1.591,51 1,88%
Área do Município 73.500,00 100,00% 31.700,00 100% 84.800,00 100%
Fonte: SIFESP

Figura 04: Cobertura vegetal do município de Redenção da Serra (Fonte: SIFESP).


A imagens dos mapas permite deduzir que as margens do manancial estão bastante
desprovidas de cobertura vegetal, sendo prevalente a capoeira, mesmo assim de forma
fragmentada e desconexa.

Figura 05: Cobertura vegetal do município de Natividade da Serra (Fonte: SIFESP).


Figura 06: Cobertura vegetal do município de Paraibuna (Fonte: SIFESP).

Uma outra análise de dados da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado


de São Paulo referentes ao Levantamento Censitário das Unidades de Produção
Agropecuária (LUPA), constatou-se que das 2059 UPAs, referentes aos 3 municípios, que
correspondem a 63,29% da área total, somente 21,91% é ocupado por vegetação natural,
conforme demonstrado no Gráfico 01.
Gráfico 01: Uso do Solo - UPAs de Paraibuna, Natividade da Serra
e Redenção da Serra. (Fonte: CATI, 2008)
1,18% 1,92% 0,30%
1,72%
1,15%

21,91%

13,14% 58,69%

Área com cultura perene Área com cultura temporária


Área com pastagens Área com reflorestamento (Eucalipto)
Área com vegetação natural Área com vegetação de brejo e várzea
Área em descanso Área complementar

Pelo fato do conceito de Topofilia ser difuso (TUAN, 1980), nos permite conjecturar
que em se tratando de território produtor de água para abastecimento urbano, ou seja,
propondo essa abstração para a área no entorno do manancial da represa de Paraibuna6,
abarcando os municípios citados e, considerando que uma resposta adequada do ponto de
vista do uso do solo, seria plausível e desejável existir cobertura vegetal nas áreas de APP
no entorno do reservatório, demonstrando, por parte do proprietário, um elo afetivo entre ele
e o território produtor de água. Não havendo essa relação topofílica, e de fato não há, fica
comprometido o grau de assertividade de ações provenientes do SNGRH, uma vez que o
indivíduo não tem interesse em recompor a faixa lindeira do manancial com espécies nativa
que, na visão dele, não agregam valor.

Agregar valor à terra é outro ponto importante que dificulta tanto a relação topofílica,
quanto a quebra de paradigma para promover usos mais compatíveis a um melhor

6
A Usina Hidrelétrica Paraibuna foi concluída em 1978 e está localizada no município de Paraibuna. A principal
finalidade do reservatório da UHE Paraibuna é regular a vazão do Rio Paraíba do Sul, responsável pelo
fornecimento de água para várias cidades do Vale do Paraíba e do Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Companhia
Energética de Estado de São Paulo – CESP. Disponível em:
http://www.cesp.com.br/portalCesp/portal.nsf/V03.02/Empresa_UsinaParaibuna?OpenDocument. Acesso em
maio de 2017.
aproveitamento dos recursos hídricos, pois o Estado conceitua o imóvel rural com uma
Unidade Produtiva Agropecuária – UPA e o proprietário também tem a mesma visão, quando
isso não ocorre, o imóvel é parcelado em lotes menores para ser vendido a empreendimentos
imobiliários ou indivíduos que procuram ter áreas de lazer para fugir do caos urbano durante
os finais de semana, isso nos remete ao segundo ponto, o valor da terra.
5. O valor da terra como barreira para a proteção dos territórios produtores
de água para abastecimento urbano.

Desde o período colonial as terras brasileiras sempre foram utilizadas para a extração
de recursos naturais, desde o Pau Brasil até os grandes latifúndios das plantações de café. O
espírito colonizador português, sempre teve o caráter espoliador, explorando a terra até a sua
escassez, derrubando as florestas e formando novas plantações, esse espírito do colonizador
está presente até hoje no povo, ou seja, a terra só tem valor quando seu solo pode ser usado,
quer para plantio, quer para exploração imobiliária, quer para pastoreio e até mesmo, quando
ociosa, aguardando uma oportunidade de valorização.

Porém, o valor da terra só pode se potencializado quando não há cobertura vegetal


nativa nela, ou seja, com o seu solo sendo utilizado, para plantações de soja, milho, algodão,
ou servindo para atender as necessidades das áreas urbanas, se transformando em
residências, fábricas, rodovias, entre outros. A vegetação nativa é empecilho para o valor da
terra, pois ela é mercadoria.

Sobre isso Gadelha (1989), escreve que “historicamente, a acumulação de capital


implica em que a terra deixe de ser uma condição natural de produção para se transformar
em uma mercadoria, passível de compra e venda no mercado. Ou seja: deixa de ser um bem
social para se tornar propriedade privada”.

Com o fim do período da economia do café, as antigas plantações, foram substituídas


por pastagens, a oferta de terras baratas atraiu os produtores leiteiros de Minas Gerais dos
mercados consumidores emergentes no eixo São Paulo – Rio de Janeiro (NETO, 2016).
Percebe-se claramente a terra sendo utilizada como mercadoria, tendo o uso do solo
transformado em pastagem para obtenção de lucro.

Com o advento do processo de industrialização, principalmente a partir década de


1950, e o fenômeno do êxodo rural, os municípios estudados não perderam suas
características de uso do solo. A pastagem ocupa 58,69% do solo das 2059 UPAs, com um
rebanho bovino de 58.936 cabeças (SÃO PAULO, 2008), outros 13,14% são ocupados com
silvicultura de Eucalipto e apenas 21,91% é composto por vegetação natural que não está
conectada com as margens do manancial como já demonstrado nas figuras dos mapas.
Apenas 1% das UPAs desenvolvem atividades ligadas ao ecoturismo rural SÃO PAULO,
2008). Para finalizar, somente 45% dos proprietários residem nas UPA´s.

Fica evidente que a bovinocultura ainda exerce grande influência econômica sobre o
entorno do manancial e consequente pressão para manter os pastos limpos, sem crescimento
de vegetação nativa, pois a terra como mercadoria, vale muito mais na forma de pasto, do
que como mata nativa.

Não está sendo avaliado neste estudo áreas que estão sendo especuladas pelo
mercado imobiliário, seja para chácaras de recreios, seja para loteamentos residenciais,
comerciais ou industriais, principalmente no entorno da Rodovia dos Tamoios que corta um
trecho do reservatório no município de Paraibuna.

Fica a questão, abordada no próximo tópico, sobre mecanismo de compensação


financeira para “manter as florestas em pé” ou proporcionar ações de reflorestamento,
conjugado com práticas agrícolas mais aderentes aos territórios produtores de água.

6. Pagamento por Serviços Ambientais – PSA

O planeta Terra fornece ao ser humano todas as condições necessárias para


a sua sobrevivência, mesmo que o homem permanecesse sem desenvolver nenhuma
técnica que resultasse nos avanços tecnológicos atualmente existentes e
experimentados por cada habitante das grandes aglomerações urbanas, tais como
acesso a água potável, a humanidade viveria plenamente pois a “natureza” fornece
toda sorte de alimentos e ar para a manutenção da vida.

Entretanto, como já descrito no início desse trabalho, vivemos cada vez mais
em ambientes transformados pelo homem denominados ambientes urbanos, porém,
ainda necessitamos de ar e água para vivermos e de quantidades maiores,
principalmente de água, para produção de vários acessórios que nos acompanham
diariamente.

A Terra fornece serviços ecossistêmicos de graça, condicionados as variáveis


climáticas, que estão sofrendo cada vez mais alterações causadas pelas atividades
humanas. Um desses serviços, é o fornecimento de água que depende do ciclo
hidrológico, sistema fechado de vaporização, condensação e precipitação que regam
o solo, formando os cursos d’água e outras acumulações hídricas.
É sabido que a gravidade proporciona o movimento dos rios, que nascem nos
altos das montanhas, percorrem planaltos, planícies e vales, até se encontrarem com
os mares, para depois, retornarem seu ciclo virtuoso novamente.

O meio condutor da água no estado líquido é o solo, que recebe as chuvas e


as armazenam em grande quantidade para, aos poucos liberarem nas regiões de
maior altitude, na forma de nascentes as águas que formarão os grandes rios.

A apropriação da natureza pela ação humana tem ocasionado um desequilíbrio


no sistema, o descaso com a necessidade de conservar o equilíbrio ambiental, se
mostra uma barreira, pois as bases legais para a manutenção do meio ambiente,
quando não são desconhecidas, são ignoradas em detrimento de interesses
econômicos (FOLETO, 2011).

Aliado ao aumento da demanda nas regiões metropolitanas, o cenário está


propício “para que sejam valorizadas as ações que visem à conservação dos recursos
naturais e da paisagem natural, objetivando a manutenção dos serviços ambientais”
(FOLETO, 2011).

Santos (2012) afirma, que várias iniciativas ao redor do mundo têm


desenvolvido políticas de Pagamentos por Serviços Ambientais - PSA como uma
opção econômica viável para alcançar esse objetivo. O mesmo autor enfatiza que
“essas políticas podem complementar instrumentos de comando e controle,
colaborando com a valorização dos ativos ambientais, além de trazer benefícios aos
provedores desses serviços (em especial populações vulneráveis) ”.

O PSA é um instrumento econômico que incentiva o proprietário rural considerar a


possibilidade de receber um pagamento em troca do fornecimento dos recursos hídricos de
boa qualidade e quantidade, tornando a conservação do meio ambiente uma opção
econômica (FOLETO, 2011).

Entretanto, existem barreiras a serem transpostas já identificadas que dificultam a


implantação desse serviço na amplitude necessária.

Para Foleto (2011), o PSA deve refletir a realidade financeira que a propriedade rural
oferece para o agricultor.

Segundo relatório do MMA (2011), existem gargalos e desafios a serem vencidos para
uma implantação efetiva para o PSA voltado para a manutenção da qualidade e quantidade
de água, em especial no Bioma Mata Atlântica. O relatório dividiu ambos em 3 pontos:
Do ponto de vista econômico:

a) Incertezas quanto à existência de recursos futuros e contínuos para a manutenção


dos projetos e dos PSAs, tanto do ponto de vista dos executores dos projetos, quanto
por parte dos produtores rurais (o que pode aumentar a desconfiança em participar
dos projetos);

b) Alto custo das atividades associadas, especialmente a restauração florestal e a


assistência técnica adequada;

c) Altos custos de transação por conta: da complexidade da elaboração de projetos


(mapeamento, diagnóstico socioambiental); da gestão compartilhada dos projetos, e
da elaboração, negociação e monitoramento de contratos individuais com cada
produtor;

d) Dificuldades na identificação dos custos totais dos projetos, dadas muitas vezes
pela gestão compartilhada dos mesmos e pela existência de contrapartida não
monetária colocada por cada instituição parceira;

e) Implementação caso a caso (ausência de padronização);

f) Ausência de instituições privadas especializadas na implementação dos projetos


PSA

Do ponto de vista técnico, os principais gargalos encontrados são:

a) Baixa capacidade técnica na condução dos processos de restauração florestal


(coleta de sementes, produção de mudas de qualidade, manutenção dos plantios
executados);

b) Baixa capacidade técnica de gestão de projetos;

c) Processos de monitoramento ausentes ou deficientes para o conjunto das


atividades, ou ainda em processo de implementação, tanto em relação à água, quanto
em relação às práticas de conservação e restauração florestal executadas.

Do ponto de vista institucional e legal, provavelmente os principais pontos encontrados


dizem respeito a:

a) Em alguns casos, a inexistência de arcabouço legal que dê segurança jurídica aos


envolvidos;

b) Indefinição de regras fiscais aplicáveis aos PSAs;

c) Dificuldade na execução de recursos públicos, originado da ausência do arcabouço


legal ou de processos extremamente burocráticos na gestão de contratos;
d) Desconhecimento dos produtores em relação às suas obrigações ambientais (o que
aumentaria o nível de adesão aos projetos).

Sem nenhum demérito ao PSA, percebe-se que há ainda um longo caminho a ser
trilhado, porém, é possível afirmar, mais uma vez, que as ações do PSA, incidem diretamente,
na maioria das vezes, na propriedade rural, ou seja indivíduo.

7. Considerações finais

A metropolização é um fenômeno real que necessita ser estudado e debatido dentro


do Planejamento Urbano e Regional, questões como a tratada nesse trabalho estão longe de
se esgotarem. As reflexões aqui colocadas são de caráter exploratório e merecem ser
aprofundadas. Entretanto os dados apresentados já apontam que, embora a água ser um bem
comum a todos e existir legislação que protege e regula seu uso, além de estabelecer
diretrizes e instrumentos de gestão, cabendo ao Estado realizar ações que incentivem a
proteção desse bem comum, tem-se que admitir que é na propriedade rural o lócus da ação
de proteção dos mananciais.

Os territórios produtores de água para abastecimento urbano devem ser vistos como
tais pelos proprietários rurais, entretanto, a lógica capitalista de produção e consumo permeia
todas as ações que envolvem o uso do solo, não se pode alterar o manejo do solo para a
conservação ambiental, sem que se pague um valor ao proprietário para isso.

Assim como o produtor rural cuida da sua criação ou da plantação diariamente, é


necessário que ele haja da mesma forma com a recuperação/conservação da cobertura
vegetal nativa que promoverá a melhoria da qualidade ambiental da água. Para isso é
necessário também, que a Topofilia seja despertada, criando vínculos, pois reflorestamento
não é abandonar e deixar que a “natureza tome conta”, assim como na silvicultura do
eucalipto, é imprescindível o desenvolvimento de técnicas e assessorias para ajudar o
proprietário rural nessa árdua tarefa.

Além disso, por se tratar de um bem comum do povo, os habitantes da metrópole


urbana, no contexto mais visceral, também devem ser convocados a participar, seja
contribuindo de forma direta no PSA, por exemplo, se envolvendo em ações que colaborem
com o reflorestamento de grandes áreas.

Então a quem pertencem os territórios produtores de água para abastecimento


urbano? Pertencem a quem de fato tem a legalidade da propriedade das terras que os
compõem. Porém devem ser valorizadas por todos, pelos serviços ambientais que elas
promovem, assim como devem ser valorizados aqueles que trabalham nessa conservação.
Conclui-se que o elo afetivo entre o indivíduo que se beneficia com boa água que sai desses
territórios deve ser despertado. Incluir esse aspecto nas políticas públicas que tratam o tema
não pode ser meramente de fachada, é primordial para que a coletividade,
constitucionalmente falando, se aproprie desse território numa relação topofílica, permitindo
assim a proteção/conservação dessas unidades territoriais.

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