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PROBLEMÁTICA DA GESTÃO DAS ÁGUAS NAS GRANDES CIDADES DO

BRASIL

Carlos Magno de Souza Barbosa 1 & Arthur Mattos2

RESUMO – As grandes concentrações urbanas brasileiras apresentam condições críticas de


sustentabilidade devido ao excesso de cargas de poluição doméstica e industrial e à ocorrência de
enchentes urbanas, que contaminam os mananciais, associados a uma forte demanda de água. A
tendência de redução de disponibilidade hídrica dessas áreas é cada vez mais significativa. Para o
desenvolvimento adequado das cidades, é necessária uma gestão eficaz onde haja: capacitação dos
profissionais dos municípios para melhor gerenciar os problemas existentes; criação de programas
de apoio estaduais e federais para atender às necessidades dos municípios no assessoramento e no
incentivo de programas de planejamento preventivos; desenvolvimento de programas voltados para
o financiamento de sistemas sanitários e de controle de enchentes para as cidades.

ABSTRACT – The urban great Brazilian concentrations present critical conditions of sustainability
due to the excess of domestic and industrial pollution and to the occurrence of urban inundations,
that contaminate the springs, associates to a fort demand of water. The tendency of reduction of
water availability of those areas is more and more significant. For the appropriate development of
the cities, it is necessary an effective administration where there is: training municipal professionals
for best manage the problems existent; creation of state and federal support programs to assist the
needs of the municipal districts in the advice and in the incentive of preventive planning programs;
development of programs that finances sanitary systems and inundations control of the cities.

Palavres-chave: Gestão de águas; Grandes cidades; disponibilidade e demanda.

1 Mestre em Engenharia Sanitária e Engenheiro civil. UFRN– Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário, Lagoa Nova.
CEP 59072-970. Natal-RN. E-mail: carlosmagno25@hotmail.com

2 Professor adjunto da UFRN, CT, Campus Universitário, Lagoa Nova. CEP 59072-970. Natal-RN. Telefone/Fax: (84) 3215-3775.E-mail:
armattos@ct.ufrn.br

XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1


INTRODUÇÃO

A América Latina é uma das regiões com maior disponibilidade hídrica de água doce per
capita do planeta, dispondo de 24.973 m3/hab.ano, valor muito superior à média mundial de 7.055
m3/hab.ano (ONU, 1997).
Inserido neste contexto Latino Americano, o Brasil é um país privilegiado em termos de
disponibilidade hídrica global, dispondo de um volume médio anual de 8.130 km3, que representa
um volume per capita de 50.810 m3/hab.ano.
Entretanto a concentração da população brasileira em conglomerados urbanos, alguns dos
quais já se caracterizando como mega-cidades, vem ocasionando pressões crescentes sobre os
recursos hídricos.
O Brasil apresenta 80% da população em áreas urbanas. Nos estados mais desenvolvidos,
esses números chegam à vizinhança de 90%. Devido à grande concentração urbana, vários conflitos
e problemas têm sido gerados nesse ambiente, tais como a degradação ambiental dos mananciais; o
aumento do risco das áreas de abastecimento com a poluição orgânica e química; a contaminação
dos rios por esgotos doméstico, industrial e pluvial; as enchentes urbanas geradas pela inadequada
ocupação do espaço e pelo gerenciamento inadequado da drenagem urbana; e a falta de coleta e
disposição do lixo urbano.
Esse processo ocorre, entre outros fatores, porque os municípios não possuem capacidade
institucional e econômica para administrar o problema, enquanto os Estados e a União estão
distantes demais para buscar uma solução gerencial adequada que os apóie. Cada um dos problemas
citados é tratado de forma isolada, sem um planejamento preventivo, ou mesmo curativo, dos
processos. Como conseqüência, observa-se prejuízos econômicos, forte degradação da qualidade de
vida, com retorno de doenças de veiculação hídrica, mortes, perdas de moradias e bens e interrupção
de atividade comercial e industrial em algumas áreas, entre outras conseqüências.
Esse fenômeno está agravado nas grandes cidades, exigindo recursos significativos para
minimização dos impactos. O custo de controle na fase de planejamento é muito menor que o custo
curativo, depois que os problemas ocorrem. A tendência urbana atual é de redução do crescimento
das metrópoles e aumento das cidades médias. Nesse sentido, os impactos tenderiam a se
disseminar para esse tipo de cidade, que ainda não possui degradação como as metrópoles, existindo
espaço para prevenção. No entanto, não existe capacidade gerencial e nenhum programa de apoio às
cidades para busca de melhoria e desenvolvimento sustentável.

Disponibilidade e demanda de água em grandes cidades

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As condições atuais da disponibilidade x demanda mostram que, na média, e na maior
parcela do território brasileiro, não existe déficit de recursos hídricos. No entanto, observam-se
condições críticas em períodos de estiagem no Semi-Árido Nordestino e em algumas regiões onde o
uso da água é intenso, como na vizinhança das cidades médias e, principalmente, das regiões
metropolitanas.
As grandes concentrações urbanas brasileiras apresentam condições críticas de
sustentabilidade devido ao excesso de cargas de poluição doméstica e industrial e à ocorrência de
enchentes urbanas, que contaminam os mananciais, associados a uma forte demanda de água. A
tendência de redução de disponibilidade hídrica dessas áreas é significativa, dados os dois fatores
citados. Já se observam freqüentes racionamentos em Recife e São Paulo. A Região Metropolitana
de São Paulo, que importa a maior parte da água da bacia do rio Piracicaba devido à contaminação
dos mananciais vizinhos, está praticamente sem opções de novos mananciais. No entanto, possui
uma perda não faturada de cerca de 35% de água tratada. A racionalização do uso da água e o reúso
poderão permitir uma solução mais sustentável.
A evolução da infra-estrutura das cidades brasileiras está produzindo uma situação crítica
significativa nos recursos hídricos e no meio ambiente urbano, além de inviabilizar um desejado
desenvolvimento sustentável. Pode-se destacar o seguinte:
• A contaminação dos mananciais pelo próprio esgoto cloacal, industrial e pluvial está
inviabilizando a disponibilidade de água segura para o abastecimento;
• A distribuição de água tem sérios problemas de perdas e o tratamento é comprometido pelo
excesso de poluentes provenientes de diferentes fontes;
• A falta de coleta e tratamento de esgoto é comum nas cidades. Quando se tem rede de esgoto,
não existe tratamento, o que agrava a poluição dos mananciais. Quando se tem tratamento, a
rede não coleta o total projetado devido a ligações clandestinas com a rede pluvial.
• A drenagem urbana é desenvolvida de forma completamente errada, produzindo prejuízos para
toda sociedade, sendo que as soluções adotadas, além de apresentarem custos altos, ainda
agravam mais as enchentes.
• Na maioria das cidades brasileiras, é calamitosa a situação da gestão dos resíduos sólidos, com
coleta e disposição inadequada do lixo e com grandes dificuldades de reciclagem.
A maioria desses problemas requer uma solução gerencial mais adequada. Atualmente, as
empresas ou entidades ligadas à água e ao saneamento não levam em conta preservação de
mananciais, drenagem urbana, e, muitas vezes, a disposição do lixo e o impacto ambiental das
ações. Essas condições limitam a busca de uma solução de planejamento para as cidades. Um
processo integrado de planejamento, nesse caso, é essencial para redução dos custos de

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intervenções. É sabido que a solução corretiva será sempre várias vezes mais cara e impactante que
a solução preventiva, no planejamento conjunto da cidade.
Atenção especial deve ser dada ao setor específico do saneamento (esgotamento sanitário),
cujos níveis de cobertura e qualidade do serviço prestado apresentam-se muito abaixo da
expectativa social, particularmente nas zonas rurais e áreas urbanas de baixa renda.
Os desafios de saúde ambiental que o saneamento urbano de países em desenvolvimento
enfrentam aumentaram em complexidade, em face do conceito de desenvolvimento sustentável
imposto pela sociedade, a partir de meados da década de 80. A “agenda antiga”, que previa a
provisão de serviços de saneamento adequados para todas as residências, foi substituída pela
“agenda nova” que exige a gestão sustentada dos efluentes urbanos e a proteção da qualidade dos
recursos hídricos, vitais para as gerações atual e futuras (BARTONE et al, 1994). Nesse sentido, o
conceito de saneamento básico deve ser ampliado para o conceito mais amplo de saneamento
ambiental, evitando-se, em adição à provisão de sistemas adequados de coleta e disposição de
esgotos e excreta, a: a) contaminação de corpos de água pelo lançamento de resíduos líquidos e
sólidos, b) contaminação do lençol freático devido à ausência de sistemas de coleta de esgotos e c)
disposição inadequada de resíduos sólidos e o assoreamento e a redução do fluxo de escoamento em
canais de drenagem, pelo lançamento de resíduos em terrenos baldios e margens de cursos de água.
O saneamento deve, portanto, desvincular-se de sua conotação atual de empresa financeira e
executora de obras públicas, e constituir-se em entidade de ação integrada, direcionada à
conservação e à recuperação da qualidade ambiental.
Na região Sudeste, onde se concentram as populações mais favorecidas do país, ocorre o
contraste entre o nível de renda (média alta e alta) e as elevadas tarifas de água e esgoto praticadas,
e o nível quase precário da tipologia sanitário-ambiental oferecida à população.

Aspectos institucionais

Geralmente, a causa principal dos problemas ambientais em uma cidade se encontra nos
aspectos institucionais relacionados com o gerenciamento dos recursos hídricos e do meio ambiente
urbano.
Esse processo ocorre, principalmente, porque os municípios não desenvolveram capacidade
institucional e econômica para administrar o problema, enquanto que Estados e União encontram-se
distantes da realidade do problema, o que dificulta implementar uma solução gerencial adequada.
Nesse caso, os prejuízos para sociedade são significativos e o legado para as gerações futuras
associado à falta de investimento na solução desses problemas poderá ser o retorno a indicadores
sociais insatisfatórios das décadas passadas.
Com a legislação da água instituída em 1997, a implementação do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos e, com a criação da ANA (Agência Nacional da Água), existe uma evolução
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institucional significativa nos últimos anos com relação a recursos hídricos, em nível federal. Nos
Estados, observa-se movimento semelhante com a aprovação das legislações estaduais e o
estabelecimento de mecanismos de gerenciamento por meio da criação de instituições estaduais e
com o início do sistema de Comitês e Agências.
Com a aplicação da lei, são reservados importantes papéis tanto para os Comitês quanto para
as Agências de Bacias. O Comitê decidirá sobre prioridades de investimento e fixará os níveis de
cobrança. A Agência preparará os Programas de Investimento, repassará os recursos e fiscalizará a
aplicação desses recursos.
Há de se reconhecer, no entanto, que as primeiras experiências não têm mostrado resultados
alentadores. Há grandes desafios envolvendo, principalmente, a capacitação e o financiamento.
Atualmente, os Comitês existentes enfrentam dificuldades, tais como:
(a) capacidade incipiente de decisão;
(b) falta de recursos para implementar decisões;
(c) falta de pessoal permanente para implementação das decisões.
A baixa cobertura e a qualidade dos serviços de água e saneamento no Brasil exigem uma
tomada de decisão política que permita, nas primeiras décadas do século 21, uma reversão
significativa da situação atualmente vigente. Os recursos necessários, estimados em 40 bilhões de
dólares até o ano 2010, não poderão ser alocados sem que, ao nível mais elevado do planejamento
nacional, seja dada prioridade à provisão adequada de serviços de água e saneamento à sociedade
brasileira.
No plano institucional, os esforços para preencher o vácuo estabelecido pela extinção do
PLANASA, em 1992, começam a apresentar resultados bastante promissores. As atividades da
antiga Secretaria de Política Urbana (SEPURB) do Ministério do Planejamento e Orçamento
(MPO), atual SEDUR, na elaboração do Projeto de Modernização do Setor Saneamento (PMSS) e
na proposição da Política Nacional de Saneamento, já delineiam estruturas de gestão e de
financiamento compatíveis com as características regionais e situações específicas de municípios
brasileiros. Registra-se, no entanto, que, em 1999, esse setor da administração federal teve atuação
bastante tímida, tanto em investimentos realizados quanto em desenvolvimento institucional.
É necessário, entretanto, que os modelos de gestão adotados para o setor contenham
mecanismos adequados para exercer o controle e o monitoramento das companhias estaduais e
serviços municipais de água e saneamento. Essas entidades deverão ser regulamentadas com o
objetivo de evoluírem, de empresas voltadas exclusivamente a atividades econômicas, para a
condição de prestadoras de serviços públicos, com responsabilidade de promover o
desenvolvimento social e preservar a saúde pública dos usuários.

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A função do Estado, como ente regulador deve, necessariamente, ser estendida ao setor
privado, devido à rápida expansão dessa modalidade de prestação de serviços em diversas regiões
do Brasil. Os mecanismos reguladores deverão ser exercidos tanto nas fases de licitação, como
durante o período de vigência das concessões.
Na fase de gerenciamento do processo concorrencial para a seleção das empresas
concessionárias de serviços públicos, pelo menos os seguintes componentes básicos deverão estar
convenientemente estabelecidos:
• plano de expansão, com especificação dos investimentos previstos, das fontes de financiamento,
dos critérios de projeções financeiras e dos padrões de qualidade a serem atingidos;
• plano de tarifas e os critérios para a sua revisão;
• contrato de concessão;
• regulamento dos usuários;
• estatutos da empresa concessionária, e
• levantamento dos ativos fixos.
Na fase de vigência da concessão, o ente regulador deverá exercer a permanente vigilância
das empresas concessionárias de serviços para assegurar o cumprimento das cláusulas contratuais
estabelecidas, particularmente no que tange à estrutura tarifária e à manutenção da qualidade dos
serviços prestados à população.
No plano financeiro, torna-se necessário empreender programas para reduzir os índices
atuais de água não contabilizada (perdas físicas e de faturamento). Essas medidas permitirão a
conservação dos recursos hídricos disponíveis, postergando a construção ou ampliação de sistemas
de abastecimento de água, a expansão dos níveis de cobertura e, eventualmente, a redução dos
valores tarifários praticados.
No que concerne à infra-estrutura dos sistemas, é recomendado que as empresas
concessionárias de serviços desenvolvam estudos no sentido de utilizar tecnologias modernas em
seus sistemas de tratamento e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgotos. É
recomendado, ainda, que esforços sejam envidados na recuperação e na melhoria dos sistemas
públicos de distribuição de água e de coleta de esgotos, os quais se encontram em situação precária,
na grande maioria dos municípios.

CONCLUSÃO

Para o desenvolvimento adequado das cidades, é necessário: capacitação dos profissionais


dos municípios para melhor gerenciar os problemas existentes; criação de programas de apoio
estaduais e federais para atender às necessidades dos municípios no assessoramento e no incentivo
de programas de planejamento preventivos; desenvolvimento de programas voltados para o
financiamento de sistemas sanitários e de controle de enchentes para as cidades.
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Evidentemente há motivos históricos e vantagens econômicas para as pessoas habitarem um
espaço restrito, mas há limites para tal, e um deles certamente é a disponibilidade hídrica, que em
determinadas situações, é o principal parâmetro da sustentabilidade de um espaço territorial.
Uma primeira idéia da sustentabilidade de cada metrópole pode ser obtida comparando-se a
malha hídrica na região em torno da mancha urbana e as represas que foram construídas para
regularizar a vazão dos rios, aumentando deste modo a oferta de água; sendo que a maior
regularização possível corresponde ao valor da vazão média de longo período (também denominado
valor máximo teórico de armazenamento).
Encontrar os mecanismos, as ferramentas de planejamento para garantir a sustentabilidade
hídrica, parece ser o principal desafio atual e futuro; principalmente se considerarmos a complexa
teia de inter-relações que se estabelecem nestes restritos espaços territoriais.
Considerando que a base institucional é a condição necessária para o gerenciamento dos
recursos hídricos, as prioridades nacionais do setor de recursos hídricos devem incluir:
• Proteção de mananciais e tratamento de esgotos;
• Preservação e aumento da disponibilidade de água nas áreas críticas;
• Adequado controle das enchentes urbanas;
• Conservação do solo rural.
Para que o processo de planejamento do uso da água nas bacias e regiões hidrográficas seja
desenvolvido de forma eficiente, é necessário prever, entre outras ações, a revisão do Plano
Nacional de Recursos Hídricos, a implementação dos comitês com as suas respectivas agências e o
desenvolvimento de programas nacionais e regionais que atuem sobre os principais problemas
emergentes identificados.
BIBLIOGRAFIA

BARTONE, C.R.; BERNSTEIN, J., LEITMANN, J.; EIGEN, J. 1994. Toward Environmental
Strategies for Cities: Policy Consideration for Urban Environmental Management in Developing
Countries. Urban Management Programme Policy Paper no 18, The World Bank, Washington, D.C.

BRASIL, 1997. Lei no 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que Institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e dá outras providências.

HESPANHOL, I., 1999. Água e saneamento Básico: uma visão realista. In: Rebouças, A C.;
Braga, B.; Tundisi, J. G. Águas Doces no Brasil capítulo 8. Escrituras São Paulo p249-303.

TUCCI, C. E. M.; HESPANHOL, I.; NETTO, O. M. C. Gestão da água no Brasil – Brasília:


UNESCO, 2001. 156p.

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