Você está na página 1de 43

Percursos

Julho - Setembro 2011, nº 21


Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Publicação do Departamento de Enfermagem


FICHA TÉCNICA da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal
Publicação Periódica
com periodicidade trimestral
ISSN 1646-5067

Editor
António Freitas PARECERES – REFLECTIR O AGIR.
Coordenação Científica
Lucília Nunes Análise complexa de um caso.

Comissão Científica
Armandina Antunes Célia Vaz, Elsa Rosário, Isabel Silva
Alice Ruivo
Joaquim Lopes Rev. Lucília Nunes
Paula Leal

Colaboradores
Permanentes
Ana Paula Gato
Cândida Ferrito
Fernanda G. Costa
Lurdes Martins
Mariana Pereira

Colaboradores neste
Número
Célia Vaz
Elsa Rosário
Isabel Silva
Lucília Nunes

Regras de Publicação:
Revista N.º 5, 2007

Contactos
lucilia.nunes@ess.ips.pt
antonio.freitas@ess.ips.pt

Reservados todos os direitos de autor. Copyright®


Page 1
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Editorial

Neste número da Percursos, de forma inaugural, A temática emerge da prática das discentes,
apresentamos um trabalho prismático de análise enfermeiras na prestação de cuidados num Centro
de caso, considerando diversas vertentes. Hospitalar do distrito.

“Diariamente, os enfermeiros tomam decisões


Esta tarefa foi solicitada aos estudantes do 1º sobre o seu desempenho, de acordo com a sua área
Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em de competência, em intervenções independentes
Enfermagem Médico–Cirúrgica, na unidade ou interdependentes.
curricular de Filosofia, Bioética e Direito da
A tomada de decisão do enfermeiro, adequada a
Enfermagem, no 1º semestre do Curso.
cada situação concreta, deve ser feita no sentido da
Notemos que deve dar resposta a cinco módulos:
excelência do seu exercício profissional e para que
Epistemologia e Conhecimento, Ética de
tal aconteça o enfermeiro tem que considerar os
Enfermagem, Direito da Saúde e da Enfermagem,
valores da profissão e os princípios éticos, assim
Análise do Código Deontológico do Enfermeiro e
como os deveres inscritos no Código Deontológico
Humanidades e Culturas.
e as normas legais existentes.
O trabalho foi revisto e ligeiramente alterado na
estrutura, para ser publicado como texto de Cada caso deve ser analisado de acordo com o

análise de caso. conhecimento e a experiência do enfermeiro,


englobando também uma perspectiva científica,
mas não só, uma vez que a fundamentação da
“Perante a complexidade de situações que emerge
tomada de decisão deve englobar sempre uma
da prática de cuidados de enfermagem, os direitos
perspectiva ética, deontológica e jurídica, pois só
e os deveres dos doentes surgem como questões
assim estará garantida a excelência dos cuidados.”
centrais. Quando o alvo da prestação é o doente
crítico a situação reveste-se de especial
complexidade, não só pela especificidade inerente Apesar de cada situação requerer uma abordagem
a este doente / família mas sobretudo pelo específica, tendo em conta a individualidade da
significado social, familiar e afectivo que uma pessoa e dos envolvidos, é necessário ao
situação de doença crítica acresce. enfermeiro, um corpo de conhecimentos referentes

Mas o que fazer quando o doente crítico diz “Não”? a legislação e deontologia, como também um

No caso de doentes com alteração do estado de desenvolvimento da sensibilidade ética e moral

consciência, quem toma a decisão? Como se para que a sua actuação seja adequada.

pronuncia a legislação nesta matéria? “


Boas leituras!

Page 2
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

para nós essência da enfermagem, contribuindo


para preservar a dignidade humana.
PARECERES – REFLECTIR O AGIR.
No caso que seleccionámos para analisar, referente
ANÁLISE COMPLEXA DE UM CASO. a um doente crítico, internado em unidade de
cuidados intensivos, aborda-se a questão do direito
à recusa por parte do doente, e de quem é o direito
Célia Vaz, Elsa Rosário, Isabel F. Silva
de decidir, procurando encontrar fundamento
Rev. Lucília Nunes
jurídico para a actuação do enfermeiro nestas
situações, à luz das dimensões científica, ética,
INTRODUÇÃO
epistemológica e deontológica, perspectivando
Perante a complexidade de situações que emerge também a dimensão humanística e cultural da
da prática de cuidados de enfermagem, os direitos profissão de enfermagem.
e os deveres dos doentes surgem como questões
O enfermeiro toma sistematicamente decisões, em
centrais. Quando o alvo da prestação é o doente
situação de prestação de cuidados. No caso do
crítico a situação reveste-se de especial
doente crítico em especial, pela sua situação de
complexidade, não só pela especificidade inerente
vulnerabilidade e inferioridade circunstancial, a
a este doente / família mas sobretudo pelo
tomada de decisão deve fundamentar-se no
significado social, familiar e afectivo que uma
respeito pelo outro e na sua dignidade como
situação de doença crítica acresce. Mas o que fazer
pessoa. Acreditamos, ao realizar este trabalho, que
quando o doente crítico diz “Não”? No caso de
as decisões dos enfermeiros devem ser suportadas
doentes com alteração do estado de consciência,
pelas leis e direitos do doente, e por uma forte
quem toma a decisão? Como se pronuncia a
componente de preocupação ética na defesa da sua
legislação nesta matéria?
dignidade como pessoa.
Os enfermeiros, profissionais do Cuidar, têm, ou
devem ter, uma visão e concepção do Outro como
APRESENTAÇÃO DO CASO
Pessoa, qualquer que seja a situação de prestação
de cuidados. Em unidades de cuidados intensivos, O Sr. Manuel [nome fictício] de 58 anos, casado,

os doentes, que são pessoas e cidadãos para além com três filhos maiores, encontra-se internado

da sua situação de doença, estão perante um meio num serviço de cuidados intensivos. Está internado

desconhecido, muitas vezes hostil e que não há 16 dias, ventilado, sedado, sem evolução

dominam, numa situação sentida como de favorável do quadro clínico. Tem como diagnóstico

inferioridade. Na maioria das situações estão clínico pneumonia grave, com dificuldade de

ventilados e sedados, não podendo, na verdadeira adaptação à ventilação mecânica. Adaptado ao

asserção da palavra, agir em seu próprio benefício, ventilador mas dependente do mesmo, não tendo

estando dependentes de terceiros. Nestes serviços, havido sucesso nas várias tentativas de desmame

a presença do enfermeiro junto dos doentes é ventilatório. No momento da admissão

constante, a relação é contínua e através do cuidar, encontrava-se consciente, tendo durante o

Page 3
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

internamento, passado por vários níveis de quadro clínico, foi decidido em reunião da equipa
consciência, consoante a dose de sedação e médica, a realização de traqueostomia. O doente foi
analgesia instituída. Actualmente mantém informado pelo médico sobre o procedimento na
analgesia em doses mais baixas, apresentando presença do enfermeiro. O Sr. Manuel após a
abertura ocular ao chamamento, dirigindo o olhar explicação demonstrou um fácies apreensivo, e
e respondendo a perguntas simples por mímica movimentou lateralmente a cabeça, para dizer que
gestual, através de códigos combinados com os não. O médico reforçou a necessidade da
profissionais do serviço; no entanto só consegue intervenção, como medida terapêutica, explicando
mobilizar ligeiramente a cabeça, para responder que seria uma situação transitória para conseguir
sim ou não, e efectuar abertura ou encerramento melhorar a situação clínica, e sem esperar pela
dos olhos para o mesmo efeito. reacção do doente abandonou o local. Para a

O Sr. Manuel tem tido sempre a visita da esposa e realização da cirurgia é necessária autorização do

dos três filhos. Refere-se que no dia da admissão doente, concretizada através de um documento de

mostrou preocupação pelo facto de estar consentimento informado, onde se declara que o

internado, o que nunca tinha ocorrido, e de não doente foi informado do procedimento cirúrgico e

poder trabalhar, mencionando ser o “chefe da o consente, assinando a autorização. No caso do Sr.

família”, pois a esposa não trabalhava, e era ele Manuel, não sendo possível obter a sua assinatura,

quem habitualmente coordenava a maioria dos a equipa médica solicitou à esposa a autorização

aspectos relativos à dinâmica familiar. escrita para a realização da traqueostomia, após a


explicação do que era e qual era o objectivo. A
Independente em todas as actividades de vida e
esposa não assinou imediatamente a autorização
autónomo em todas as suas decisões, ao aperceber-
referindo que ia pensar e falar com os filhos.
se das situações de doença dos outros doentes
internados, refere a dependência como o seu maior O Sr. Manuel apercebendo-se da situação de

receio e a sua principal angústia, e verbaliza desde conflito entre a sua vontade e a decisão médica,

o primeiro dia de internamento que recusará inicia um processo de desadaptação do ventilador,

qualquer técnica invasiva que comprometa a sua sem causa evidente relacionável com agravamento

integridade física, altere a auto imagem e lhe limite da situação clínica, e que se atribuiu a ansiedade,

a “liberdade”. havendo necessidade de reiniciar sedação para


facilitar adaptação ao ventilador. Perante a
A evolução desfavorável da situação clínica
insistência da equipa médica, a esposa acabou por
determinou a necessidade de ventilação invasiva
assinar a autorização, e o Sr. Manuel realizou a
com tubo orotraqueal (TOT), com a qual o doente
traqueostomia.
acabou por concordar, após explicação exaustiva
pela equipa de saúde, sobre a necessidade da
mesma e o seu carácter provisório até à esperada ANÁLISE DO CASO
melhoria do quadro. Para melhorar a adaptação ao O caso será analisado na perspetiva científica,
ventilador, foi necessário iniciar sedação e ética, epistemológica, cultural e humanista, jurídica
analgesia. Não existindo evolução favorável do e deontológica.
Page 4
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

PERSPECTIVA CIENTÍFICA QUADRO 1. Traqueostomia vs Intubação endotraqueal

Nos últimos anos têm sido muitos os avanços Intubação


Traqueostomia
endotraqueal
tecnológicos para a manutenção da via aérea,
 Facilidade de  Técnica rápida
aumentando a esperança de vida dos doentes substituição em mãos
 Maior mobilidade experientes
internados em cuidados intensivos (Marcelino et do doente  Ausência de
al, 2009). Vantagens  Falar, deglutir procedimento
 Facilita eliminação cirúrgico
de secreções  Ausência de
Perante estes avanços, foram surgindo protocolos
 Conforto do complicações do
de actuação que permitissem responder à doente estoma
 Complicações no  Complicações no
complexidade das situações e à diversidade de local do cuff local do cuff
técnicas e métodos, tendo em conta a gravidade  Complicações do  Complicações
estoma laríngeas
dos doentes, as complicações e as sequelas.  Aumento da  Substituição
incidência de requer sempre
Em unidades de cuidados intensivos o acesso à via Desvantagens
infecções experiência
respiratórias  Supervisão na
aérea é efectuado através de tubo endotraqueal ou  Aumento da UCI
traqueostomia. Pritchard (1994) refere que a mortalidade por  Lesão da naso-
descanulação faringe
traqueostomia está indicada quando se prevê uma inadvertida antes
da formação do
ventilação mecânica prolongada, facilitando o trajecto
desmame ventilatório, ao reduzir o espaço morto Também podemos considerar vantagens em
anatómico até 50%. Segundo o mesmo autor relação às necessidades de suporte ventilatório. O
apresenta também como vantagens, facilitar a trabalho respiratório, resistência das vias aéreas e
toilette brônquica, melhorar o conforto do doente, o auto-PEEP, diminuem após a traqueostomia,
a higiene oral e a liberdade de comunicação gestual melhora o sincronismo com o ventilador, a toilette
(mímica labial), evitando complicações como as brônquica é mais eficaz, assim como o desmame
erosões e ulcerações da mucosa traqueal, ventilatório, além de melhorar o conforto do
resultantes de intubação endotraqueal prolongada. doente (Ambesh et al., 2002; Ault et al., 2003;
No serviço onde está internado o Sr. Manuel, por Marcelino et al., 2009).
norma, os doentes realizam traqueostomia quando Em relação ao risco de aspiração e pneumonia
existe necessidade de ventilação mecânica por um associada aos cuidados de saúde, não existe
período superior a 15 dias. A traqueostomia é uma evidência de redução (Marcelino et al., 2009).
técnica cirúrgica realizada com o objectivo de
O timing ideal para a realização da traqueostomia
permitir a passagem de uma cânula através da
não é consensual e depende sobretudo de cada
parede anterior da traqueia, desde o exterior para
doente; deve considerar-se a sua realização
dentro do lúmen (Marcelino et al, 2009).
quando o período de ventilação mecânica se
A traqueostomia apresenta vantagens em relação à prolonga para além dos 15 dias, no máximo três
entubação endo traqueal, como se pode observar semanas (Marcelino et al., 2009).
no quadro seguinte (Marcelino et al, 2009, pág.
193).

Page 5
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

No caso do Sr. Manuel foi proposta ao doente e à Steffen et al (2009), refere que a comunicação
família a realização de traqueostomia ao fim de 16 constitui uma parte integrante da qualidade dos
dias de internamento. cuidados de enfermagem, sendo determinante para

Rana et al. (2005) citado por Marcelino et al. a satisfação dos doentes e dos enfermeiros,

(2009:194), refere que “ A pneumonia nosocomial, particularmente nas Unidades de Cuidados

a administração de aerossóis, aspiração Intensivos (UCI), onde os doentes apresentam

presenciada e a reintubação, têm sido compromisso dos seus processos comunicacionais.

independentemente associados com a ventilação Estudo qualitativo realizado por Alasar e Ahmad
mecânica prolongada e a necessidade de (2005), sobre as experiências de comunicação
traqueostomia”. O Sr. Manuel tinha diagnóstico de enfermeiro – doente crítico conclui que,
pneumonia associada à ventilação mecânica e inconscientemente, os doentes impedidos de
administração de aerossóis. comunicar verbalmente por estarem ventilados

Para muitos doentes esta situação é reversível, são alvo de menos interacções e episódios

desde que se consiga um desmame ventilatório comunicacionais por parte dos enfermeiros,

eficaz, para o que é necessário não existir comparativamente com os doentes que não estão

obstrução das vias aéreas superiores, o doente ter ventilados e podem comunicar verbalmente.

capacidade para eliminar secreções e reflexo de Sugerem que é necessário encontrar formas

tosse eficaz (Marcelino et al., 2009). alternativas para comunicar com estes doentes,
possibilitando fornecer-lhes a informação a que
O doente entubado com tubo ou cânula traqueal,
têm direito e promover a satisfação das suas
sofre uma alteração da comunicação verbal que se
necessidades.
manifesta pela não emissão de sons. Quando o tubo
ou cânula traqueal é introduzido fica posicionado Hafsteindóttir (1996) efectuou um estudo com

ao nível das cordas vocais, impedindo o ar de doentes que tinham sido sujeitos a ventilação

passar, o que não permite a formação de sons, visto mecânica que revelou que todos referiram

que o som é produzido pela vibração das cordas lembrar-se da sua experiência de comunicação

vocais. O doente fica então privado de comunicar como um dos aspectos mais negativos que tinham

oralmente, uma vez que as estruturas fisiológicas enfrentado nessa situação, o que era concordante

necessárias à comunicação verbal não podem com resultados de outros estudos de investigação

desempenhar adequadamente as suas funções. realizados com o mesmo tipo de doentes (Ashurst,

Embora todas as formas de acesso endotraqueal 1998; Hudak et al, 1997). Hafsteindóttir (1996),

produzam afasia de expressão, ou seja, impedem o salienta que a comunicação com os doentes em UCI

doente de se expressar oralmente, o acesso é limitada e as conversas tendem a ser curtas e não

endotraqueal através de uma traqueostomia tem focadas nos problemas emocionais dos doentes.

algumas vantagens neste campo, relativamente ao Segundo este autor essa é uma das razões pela

tubo endotraqueal oral pois existem cânulas de qual, e de um modo geral, os doentes em UCI,

traqueostomia com cuff que permitem a fala, caso a descrevem como negativas as experiências de

condição clínica do doente o permita. comunicação enquanto estão ventilados (Rosário,

Page 6
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

2009). Há uma tendência dos profissionais de facilitarão a sua adaptação ao tratamento,


saúde para utilizarem comportamentos favorecendo um sentimento de segurança que
bloqueantes e desencorajadores durante a contribui para reduzir o sofrimento, a ansiedade e
comunicação com os doentes, como por exemplo o o stress provocados por esta situação de crise. Uma
“virar as costas” quando não percebem o que o comunicação eficaz, adaptada ao doente ventilado,
doente lhes tenta transmitir (Rosário, 2009). promoverá o seu bem-estar psicológico e a
satisfação com os cuidados de saúde, contribuindo
Ashworth (1987) considera que os enfermeiros
eficazmente para o estabelecimento de uma
das unidades de cuidados intensivos devem
relação de ajuda (Rosário, 2009).
orientar e ajudar os doentes ventilados a encontrar
alternativas para comunicar, fazendo algumas
sugestões: o uso da escrita através de um PERSPECTIVA ÉTICA
marcador ou através de um “quadro mágico”, Entre o bom e o mau

palavras indicadoras, alfabetos ou imagens onde o nunca é importuno pensar e actuar com inteligência
…numa arte feliz e um compromisso racional.
doente pode indicar o que quer dizer. O enfermeiro
George Santayana
pode também ensinar o doente a soletrar, de forma
A prestação de cuidados de enfermagem constitui
a conseguir ler nos seus lábios o que quer dizer, ou
um processo complexo que requer a articulação de
combinar códigos de comunicação através de
várias áreas do saber e exige um vasto campo de
pequenos gestos corporais.
conhecimentos que engloba as dimensões técnica,
Neste contexto Ramos (2008:101) refere-nos, que
científica, relacional e ética.
“Uma parte dos problemas, disfuncionamentos e
Durante muitos anos, o compromisso de melhores
insatisfação ao nível relacional e organizacional no
cuidados ao doente, apenas conhecia restrições
âmbito da saúde, está relacionada com problemas
decorrentes dos conhecimentos científicos
de comunicação, nomeadamente, ao nível da
existentes e da sabedoria prática dos profissionais.
informação e dos desempenhos comunicacionais
Contudo a notável evolução dos conhecimentos
dos profissionais de saúde, e algumas das
científicos dos últimos anos, tem proporcionado
dificuldades comunicacionais em contexto de
uma prática de cuidados com profundo e rigoroso
cuidados de saúde têm a ver com a falta de
fundamento científico mas que conduziu a novas
conhecimentos e de respeito dos profissionais de
questões, perplexidades e desafios que exigem
saúde sobre as representações e crenças de saúde
decisões de contornos éticos da maior relevância.
e doença do utente/doente e sobre as relações
deste com o seu mundo social, cultural e Conforme refere Fry (1994) as grandes alterações
comunitário.” que se têm verificado nos cuidados de saúde, as
novas tecnologias e o crescente papel
A comunicação e a informação adaptadas às
desempenhado pelas enfermeiras sugerem que se
necessidades individuais, sociais e culturais dos
questione se estarão as enfermeiras, hoje em dia,
doentes internados em unidade de cuidados
preparadas para tomar decisões éticas nos novos
intensivos, nomeadamente nos doentes ventilados
contextos dos cuidados de saúde.
impossibilitados de comunicar verbalmente,

Page 7
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Actualmente, os enfermeiros confrontam-se, em A ética acolhe princípios e valores que


qualquer área do exercício, com problemas éticos e fundamentam as decisões tomadas, relativamente
com a consequente necessidade de tomar decisões à prática daquilo que é bom e correcto para os
complexas que exigem conformidade com os seres humanos, que têm impacto moral.
princípios e valores éticos, em geral, e da profissão, A função da ética guiar a acção a favor do bem
em particular. Neste contexto parece-nos oportuno presumido do Outro. Implica uma reflexão sobre o
apresentar uma sumária definição de ética, em agir, reportada a valores e a princípios,
particular de ética de enfermagem, como ponto de promovendo ou apelando a comportamentos que
partida para esta análise. respeitem sempre a pessoa humana, sem
A ética, tal como Aristóteles a descreveu, é prática discriminações.
em dois sentidos: primeiro deve ser baseada na Os valores dizem respeito, segundo Hawkins
acção efectiva e segundo, deve ajudar-nos a tomar (1996), às crenças que habitualmente se partilham
decisões mais fundamentadas relativamente aos com os outros, em relação às quais se está
problemas reais”. (Thompsom et al, 2004) empenhado de uma forma pessoal e a partir das
Originalmente ética e moral eram termos quais se está preparado para agir, para sustentar
sinónimos, que se referiam aos costumes sociais as decisões tomadas e as acções futuras. Os valores
que dizem respeito ao certo e ao errado, na teoria e individuais não podem, por isso, ser considerados
na prática do comportamento humano, levando a isoladamente daqueles que vigoram na sociedade e
que na sua utilização quotidiana sejam ainda na cultura onde o indivíduo se insere. Segundo
empregues quase indiscriminadamente. Há Thompson (2004) quer os valores individuais,
contudo, segundo Renaud (1996), uma distinção quer os valores partilhados são de importância
entre os dois termos que é importante fazer, dado óbvia na reflexão das questões éticas.
não serem termos unívocos. A palavra moral Um princípio é por definição uma verdade
deriva do termo latim mos moris e refere-se à fundamental ou doutrina que constitui o início de
obrigação, ao dever ser, sendo que o dever moral é inspiração ou direcção para uma acção moral, ou
do tipo deontológico. A moral pertence ao domínio um ponto de partida para o raciocínio moral. Os
da normalidade, da Lei, reporta-se à instituição e à princípios referem-se às questões básicas que se
vida pública. devem colocar, servem de orientação, indicam
A ética provém do termo grego “ethos”, o qual tinha caminhos mas não indicam o fim nem o que
duas grafias diferentes, “êthos” e “éthos”. O acontecerá durante o percurso.
primeiro designa o lugar de onde brotam os actos, Neste contexto, e apesar da global diversidade
a interioridade da pessoa, o carácter; o segundo cultural, existem princípios que Kant (1785)
designa o hábito, referindo-se ao agir habitual. designou como pressupostos e necessários à ética,
Refere-se por isso à Pessoa e ao mundo privado, princípios constitutivos da ética, segundo Paton
visando o projecto e o dinamismo do agir humano (1969) referido por Thompson (2004), como o
e permitindo uma justificação do agir. conceito de “pessoa” definida como um indivíduo
O fundamento da ética é a Pessoa Humana.
Page 8
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

que é detentor de direitos e de responsabilidades e actividade profissional têm responsabilidades


sem o qual não faria sentido falar de ética. sobre a vida humana.

As pessoas são sempre um fim em si próprias e não A enfermagem é disto um singular exemplo.
um meio instrumental para alcançar um fim, o que Cada enfermeiro, enquanto profissional, tem um
define o respeito pela pessoa como um princípio compromisso de cuidado e de responsabilidade
regulador do agir ético exigindo respeito pelos pelo Outro que se entrega e confia ao seu cuidado,
direitos dos outros. podendo ser uma pessoa, uma família, um grupo ou
Para o mesmo autor, a autonomia é outro comunidade. Sendo uma profissão centrada no
pressuposto teórico e prático necessário para cuidado à pessoa, onde cada acto profissional exige
qualquer sistema de funcionamento ético. Refere- escolhas e decisões tendo sempre como referência
se à capacidade e possibilidade de um indivíduo a pessoa a quem é dirigida a acção, deve, segundo
ser capaz de exercer determinado grau de auto- Surribas (1995:4), ”basear-se num discurso ético
determinação, ser livre e capaz de agir de forma a que encaminha a sua actividade para a sociedade
usar os seus direitos e a reconhecer os seus como um bem para a mesma”.
deveres para com os outros. Segundo Pedrero (1998:22) “a ética de
O conceito de pessoa e os direitos descritos daí enfermagem estuda as razões dos comportamentos
decorrentes só estabelecem um sistema de ética na prática da profissão, os princípios que regulam
coerente se tiverem uma aplicabilidade universal e essas condutas, as motivações, os valores do
sem discriminação, o que faz surgir um outro exercício profissional, as alterações e as
princípio constitutivo, o princípio ou critério de transformações através do tempo”.
universalidade. Esse princípio procura garantir A função da ética de enfermagem é conduzir a
que os direitos do indivíduo, enquanto pessoa, actividade do enfermeiro a favor do bem
sejam aplicados a toda a gente sem discriminação, presumido do Outro, sabendo que as decisões de
ou seja, procura garantir a equidade ou justiça enfermagem afectam significativa e continuamente
universal. a vida das pessoas.
Há ainda um último princípio construtivo, O Código Deontológico do Enfermeiro (DL nº
decorrente das evidentes desigualdades e 104/98 de 21 de Abril) baseia-se em princípios
profundas discrepâncias entre os homens, que se jurídicos e éticos fundamentais, como a dignidade
designa por princípio da reciprocidade, baseado humana, o respeito pela pessoa, a
no reconhecimento do dever recíproco de cuidar responsabilidade, a autonomia, a justiça, a
uns dos outros e na capacidade de fazer aos outros beneficência (não maleficência), que elencam um
o que gostaríamos que nos fizessem. conjunto de princípios e deveres de acordo com os
Estes princípios fundamentam os comportamentos quais se rege a relação do enfermeiro com o Outro,
definidos para alguns grupos profissionais, mas enquanto receptor de cuidados.
sendo a ética a ciência dos comportamentos, exige O princípio da dignidade humana, constitui o
uma atenção particular de todos os que pela sua pilar estruturante sobre o qual assentam todos os

Page 9
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

outros princípios e valores, bem como os direitos Decorrente dos princípios anteriores, surge a
fundamentais de todos os seres humanos, sem autonomia, que implica o reconhecimento de que
excepção. Implica o reconhecimento do ser cada pessoa é autónoma nas decisões relativas a si
humano, enquanto sujeito moral, com uma próprio e à sua vida, isto é, capacidade de agir e
dignidade absoluta. É uma exigência ética que exercer os seus direitos nas condições que a ordem
inscrita na prática diária dos cuidados garante a jurídica prevê, ou seja, possuir capacidades
centralização desses mesmos cuidados em cada intelectuais e emocionais para assumir uma
pessoa como o fim dos cuidados e impedindo a sua decisão. Para Kant (1999), só sendo autónoma a
utilização como um meio. pessoa pode agir como ser moral, escolhendo e

O princípio do respeito pela pessoa, inclui respeitando a lei moral.

respeitar a vida, a dignidade e os direitos do Do ponto de vista ético, a autonomia refere-se ao


homem em todas as suas vertentes. Envolve ainda respeito pela autodeterminação humana do doente
alguns requisitos indispensáveis como sejam: a ou representante legal, e fundamenta a relação
privacidade, a veracidade e a autonomia. Também terapêutica entre os profissionais de saúde e o
a responsabilidade é uma noção ética doente, e o consentimento nos diversos
fundamental, pois é correlativa da liberdade, uma tratamentos disponíveis.
vez que só é possível ser responsável pelas acções A autonomia requer respeito pelos direitos
voluntariamente escolhidas, e ao enfermeiro é individuais do doente para que este possa tomar
acometida a responsabilidade da adequada decisões por si próprio baseado nos seus valores,
prestação de cuidados de enfermagem, sob a isentas de qualquer paternalismo, coacção ou
premissa de que a pessoa é o centro do universo manipulação (Cabral, 1996). É a liberdade para
bioético. tomar uma decisão baseada no que é moralmente
Segundo Thompson et al (2004:20) “os correcto segundo o senso comum, em vez de
enfermeiros, tanto pela lei como pela ética, têm preocupações com interesses pessoais.
uma responsabilidade fiduciária não só para cuidar A tomada de decisão é definida pelo Dicionário da
e aconselhar os pacientes, mas também para Língua Portuguesa (2001) como “a fase conclusiva
agirem ou advogarem em nome daqueles que estão do acto voluntário que sucede à deliberação e que
menos bem informados ou que são corresponde ao momento de escolher e resolver”.
incompetentes”. O enfermeiro tem então uma
Para os cuidados de enfermagem, a tomada de
responsabilidade que associa uma visão
decisão é da maior relevância, pois a relação
retrospectiva da capacidade de imputação pelo
terapêutica promovida durante o exercício
acto realizado e as suas consequências, ao sentido
profissional “caracteriza-se pela parceria
projectivo por antecipação, acautelando prejuízos
estabelecida com o cliente, no respeito pelas suas
futuros, num duplo imperativo de proteger a
capacidades e na valorização do seu papel” (OE,
pessoa e garantir a excelência do exercício (Nunes,
2001).
2008).

Page 10
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

A tomada de decisão é basicamente uma escolha compromisso ou cometimento das pessoas


presente no quotidiano pessoal ou profissional dos envolvidas na situação, sem o qual o dilema não é
enfermeiros, é empregue de forma inconsciente reconhecido. O segundo é a escolha de entre (duas)
sem reflexão crítica e assente no conhecimento alternativas igualmente indesejáveis ou a escolha de
científico, experiencia prática e princípios uma solução satisfatória mas com resultado
organizacionais e morais, num processo indesejado. O terceiro é a consciencialização das
extremamente complexo que vulgarmente não é alternativas pelas pessoas envolvidas, face às
explicado. Quando numa situação específica esta diferentes hipóteses de solução. O quarto é a
decisão exige uma reflexão e uma explicação dos necessidade de escolher uma entre as alternativas
motivos, das razões e dos critérios que orientaram existentes e por último a incerteza da acção, que
e determinaram a decidir ou a agir de determinada traduz quer o desconhecimento das reais
forma, sendo a escolha entre alternativas ambas consequências da alternativa escolhida, quer a
indesejáveis ou envolvendo um choque de atitude certa a tomar face à inevitabilidade de
princípios ou deveres, real ou aparentemente consequências indesejáveis.
irresolúvel, onde não há regras ou precedentes a No âmbito concreto da prestação de cuidados de
seguir, poder-se-á falar de dilema. enfermagem, o dilema ético surge quando existe
Nunes (2011) refere que a angústia das escolhas uma conflituosidade entre princípios éticos e
referenciada em Antígona, é o que hoje designamos bioéticos presentes num quadro situacional
por dilema. caracterizado por quatro elementos fundamentais

Um dilema é uma escolha de qualquer tipo, entre - o agente, o acto, as circunstâncias e as

duas alternativas não satisfatórias, mas nem todos consequências – e exige para a sua compreensão

os dilemas são dilemas morais. O que faz da teorias e abordagens que se interligam numa lógica

escolha um dilema moral é o facto de ele implicar explicativa (Gândara, 2004).

conflito entre princípios morais opostos ou valores Esta temática assente no respeito pelos direitos
aplicáveis às situações – aquilo que acreditamos humanos tem constituído um desafio para a
dever fazer, ou aquilo que acreditamos ser reflexão filosófica, no sentido do estabelecimento
fundamentalmente bom ou importante. O dilema de condições de legitimidade ética da decisão
traduz sempre uma conjuntura que implica uma tomada e como referido anteriormente, feito surgir
escolha difícil entre duas possibilidades de acção, e algumas teorias sobre o processo de tomada de
que no contexto dos cuidados de saúde se traduz decisão (Neves, Pacheco, 2004):
em situações onde as alternativas de acção
 A teoria teleológica que considera as
envolvem a possibilidade de causar malefícios, consequências das diferentes alternativas
havendo dificuldade em escolher a acção certa e
possíveis na tomada de decisão para o agir.
identificar o benefício ou malefício daí decorrentes.
 A teoria deontológica que privilegia os
O conceito de dilema, de acordo com Sletteboe princípios morais para a tomada de decisão,
citado por Gândara (2004), possui cinco atributos orientando a acção pelo que é reconhecido
ou características. O primeiro é o envolvimento, como uma obrigação moral.

Page 11
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

 A ética das virtudes que destaca as virtudes na considerar as alternativas à luz dos princípios e
determinação do percurso a seguir. valores em conflito, escolher conscientemente uma
 A ética do cuidado que realça a relação empática alternativa e assumir a responsabilidade dessa
estabelecida entre o doente e o profissional de decisão, ou seja, tomar decisões éticas prudentes.
saúde e o suporte de cuidados disponíveis, Segundo Thompson et al (2004:324) isto está de
como os aspectos a considerar na tomada de acordo com Aristóteles que define prudência como
decisão acerca do modo de agir. As decisões “a capacidade para aplicar os princípios gerais às
individuais, enquanto autónomas, reforçam a situações específicas, através da aquisição de
dignidade da pessoa e são o corolário da sua conhecimentos e capacidades, de forma a
autonomia. escolhermos os melhores meios disponíveis para
Contudo, a decisão ética não está padronizada, alcançarmos um bom fim”.
protocolada ou normalizada pois cada problema Ainda de acordo com o mesmo autor, todos os
deve ser olhado e analisado segundo as actos intencionais e deliberados possuem
circunstâncias que o tornam particular, único e reconhecida uma estrutura – causas /meios/fins -
singular. que deverá estar presente em todos os processos
Não existem soluções iguais pois os problemas de tomada de decisão.
serão sempre diferentes, dadas as circunstâncias As causas referem-se aos antecedentes que
de tempo, modo e lugar serem inevitavelmente determinam o contexto específico em que é
distintas. Isto não faz porém, da decisão ética um necessário actuar ou decidir.
processo oculto, mas antes um processo de
Os meios envolvem os agentes responsáveis pela
resolução de problemas que tem em consideração
implementação da decisão ou do plano de acção, e
a complexidade das situações, os papéis dos vários
também a escolha dos meios e métodos
actores, que exige uma apreciação cuidadosa de
necessários para atingir os objectivos.
todos os aspectos relevantes, permitindo
aprendizagens e aportes úteis na melhoria de Os fins reportam-se ao objectivo ou meta da acção

futuros desempenhos. e às consequências ou resultados pretendidos.

Com o objectivo de facilitar o encontro de uma Estamos conscientes de que os vários modelos,
encontrados na literatura, apresentam vantagens e
resposta adequada e justa para os problemas
limitações, e embora explicitem de forma
éticos, isto é, de definir um método prático para
orientar a análise e reflexão crítica essenciais à semelhante o processo de tomada de decisão,

tomada de decisão, foram desenvolvidos diversos diferem globalmente no modo como cada uma das

modelos. etapas é designada e pormenorizada. Todavia,


optamos por analisar o nosso caso segundo o
Embora nenhum dos modelos para a tomada de
modelo DECIDE (Thompson et al, 2004).
decisão, que de uma forma geral apresentam
Este é um modelo para a resolução de problemas
aspectos comuns, garanta a obtenção de respostas
éticos, baseado na análise da estrutura
definitivas e seguras, permitem ao profissional de
saúde em geral, ao enfermeiro em particular, “causas/meios/metas” dos actos intencionais, que

Page 12
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

inclui seis passos, apresentados no quadro e auto-imagem, a liberdade para decidir e o seu
seguinte. papel de orientador da dinâmica familiar.

QUADRO II – MODELO DECIDE A evolução desfavorável da situação clínica


Modelo DECIDE determinou a necessidade de ventilação invasiva

D Definir os problemas (identifica os Estes dois por um período prolongado, fazendo emergir a
factos mais importantes do caso, quem primeiros
passos
necessidade de decidir sobre aspectos que o Sr.
está envolvido, quais os seus direitos e
os nossos deveres e ainda qual o analisam as Manuel assumia como inquestionáveis. Embora
causas e os
principal problema ético abordado).
princípios apresentando variações do nível de consciência, no
antecedentes
E Estudo ético (identifica os principios que são momento de decidir a intervenção, o doente
éticos relevantes e prioritários no caso). aplicáveis ao
caso. encontrava-se consciente e com capacidade para
C Considerar opções (identifica o que Estes passos comunicar, fazendo-se entender por mímica labial
pode ser feito, que opções e compreendem
procedimentos existem e ainda as uma análise e gestual. Apresenta também défice motor que se
ajudas, meios e métodos que é das opções,
meios e traduz por diminuição da força muscular que o
necessário empregar).
métodos
existentes.
impossibilita de escrever.
I Investigar os resultados (identifica os
resultados éticos, custos e benefícios, Apesar destas limitações o doente consegue
isto é, face a cada opção antevê as
consequências prováveis dos vários expressar a sua vontade, pois continua consciente,
procedimentos).
orientado no tempo, espaço e pessoa,
D Decidir sobre a acção (determina, após Estes últimos aparentemente na posse das capacidades previstas
ter optado pela melhor opção, um plano passos
especifico com definição de objectivos envolvem a para poder exercer os seus direitos,
claros e desencadeia a acção decisiva). acção
intencional e a nomeadamente para poder decidir se autoriza ou
avaliação dos
E Estimar/avaliar os resultados resultados não a realização da referida técnica. O doente, é por
(monitoriza o progresso dos relativamente
acontecimentos e avalia aos objectivos isso o decisor deste processo e há que assegurar
cuidadosamente se os objectivos foram definidos.
ou não atingidos). que tenha acesso a toda a informação conducente a

Adaptado de Thompson et al, 2004


uma tomada de decisão livre e esclarecida. Após
lhe ter sido fornecida toda a informação pertinente
Aplicamos agora este modelo, ao caso relatado com relacionada com a situação, este toma a decisão de
a noção de que este é apenas um guia orientador não autorizar que lhe seja feita traqueostomia.
da decisão ética, pois a incerteza e complexidade Estamos face a um problema onde existe um claro
da vida e os contextos específicos e únicos de cada e real conflito de deveres, direitos e princípios, do
situação não permitem respostas simples e doente e da equipa de saúde, e que exige uma
imediatas, mas impulsionam a procura de soluções escolha difícil; estamos perante um dilema ético.
racionais possíveis para os problemas. Como alerta
É importante identificar os princípios éticos
Nietzsche: “Cuidado com aqueles que simplificam”.
relevantes e prioritários deste caso.
Reportando-nos ao caso em análise, pareceu-nos
O doente, é detentor de direitos e de
evidente que o Sr. Manuel valoriza de modo
responsabilidades conferidas pela dignidade
significativo a sua independência, integridade física
absoluta que possui enquanto ser humano e que

Page 13
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

lhe garantem todos os direitos fundamentais daí Neste caso concreto, o enfermeiro crê, baseado em
decorrentes, em particular o seu direito de conhecimentos científicos e na relação que
autonomia que pressupõe a sua capacidade de agir, estabeleceu com o doente, que a realização da
ou seja, a capacidade para o exercício dos seus traqueostomia é o melhor cuidado possível para
direitos, nas condições que a ordem jurídica prevê ele. Está aqui bem presente o princípio da
e que este doente aufere. beneficência que se traduz na obrigação de fazer o

O doente é, por outro lado, uma pessoa singular, bem e actuar para prevenir o mal, cuja finalidade é

dotada de inteligência e vontade idónea para por excelência o bem do doente. O princípio da

avaliar os seus critérios de acção e hierarquizar as beneficência constitui um farol orientador dos

suas opções, pelo que tem o direito de decidir o enfermeiros para agir cuidando da pessoa humana

que vai ser feito com o seu corpo, isto é, de recusar nas suas diferentes dimensões e de acordo com as

a intervenção proposta. Enquanto pessoa este necessidades que possam apresentar, permitindo a

doente age intencionalmente e exige ser tratado integração de saberes interdisciplinares

com justiça, verdade e respeito, em função da sua contribuindo para o melhor cuidado àquela pessoa,

dignidade humana. isto é, fazer o maior bem à luz daqueles princípios.


Contudo, na perspectiva do doente a realização da
A equipa de saúde, nomeadamente o enfermeiro,
traqueostomia não é o melhor cuidado para si e
analisa a decisão do doente considerando os
por isto esta é uma decisão que opõe claramente
aspectos idiossincráticos do mesmo enquanto ser
dois princípios relevantes e prioritários: o
multidimensional, reconhecendo a situação de
princípio da autonomia (doente) e o princípio da
vulnerabilidade em que se encontra, o meio
beneficência (equipa de saúde/enfermeiro).
ambiente onde se insere e os seus contextos
vivenciais como aspectos relevantes a ter em conta O passo seguinte identifica as opções e

face à proposta de traqueostomia. Esta procedimentos possíveis de resolução deste

compreensão implica garantir a observância dos dilema, com base no anteriormente descrito e

direitos e deveres para com este doente, assentes pretende antever as prováveis consequências de

nos princípios éticos que servem de fio condutor à cada uma das opções, considerando alguns

actuação do enfermeiro. eventuais meios e métodos que sejam necessários


utilizar.
Numa perspectiva ética, o cuidado prestado pelo
enfermeiro inclui a responsabilidade pelo Outro, A primeira opção será a realização da

materializado com o acto de tomar conta em traqueostomia no sentido de optimizar a

resultado do encargo confiado (Nunes, 2006). Ser ventilação, prevenir complicações e agir segundo

responsável pelo outro significa, no sentido amplo os conhecimentos científicos. É aqui exaltado o

da enfermagem, a assunção de um compromisso de princípio da beneficência e o não respeito pela

cuidar das pessoas, ao longo do ciclo vital, na saúde decisão do doente, agindo contra o seu direito de

e na doença, de forma a promover a qualidade de autonomia.

vida daqueles a quem prestam cuidados. A segunda opção será não realizar a traqueostomia
e manter o doente ventilado por TOT, com as

Page 14
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

possíveis consequências orgânicas, nomeadamente Neste caso não foi assegurado o direito à
o risco aumentado de infecção respiratória, a autodeterminação, ou seja, a capacidade e
maior dificuldade no desmame ventilatório, o autonomia que este doente tem de decidir sobre si
tempo aumentado de internamento e todas as próprio.
eventuais complicações resultantes da intubação A transferência do poder decisivo para a esposa,
endotraqueal prolongada, mas sem colocar em não está de acordo com os princípios ético-legais
risco a vida do doente. Assume-se o respeito pela vigentes e implicados neste caso. Na dúvida em
decisão do doente traduzido no garante do seu relação à capacidade de decisão deste doente, os
direito de autonomia relativamente ao princípio da profissionais devem considerar o melhor interesse
beneficência. do doente e reger-se pelo princípio da
Após análise detalhada das duas opções, foi beneficência.
decidido pela equipa médica realizar A expressão formal da vontade actual de terceiros
traqueostomia ao doente, contra a sua vontade (esposa), autorizando os actos médicos, deverá ser
expressa, mas com o consentimento por escrito tida em conta e é válida se estivermos perante o
(declaração de consentimento informado) da sua representante legal do doente, o que não se verifica
esposa. neste caso. Embora esta seja uma decisão da
Conforme Neves e Pacheco (2004:407) “o processo equipa médica, o enfermeiro enquanto elemento
de decisão ética situa-nos num campo em que a da equipa de saúde, tem um papel activo no
natureza ética dos problemas suscita uma processo, pela responsabilidade que lhe é
ambivalência na escolha da hipótese alternativa acometida na adequada prestação de cuidados de
que se afigura como a de eleição, ou seja, a decisão enfermagem, em especial o cumprimento de leis e
justa e certa”. normas ético deontológico que regem a profissão.

Porém, e de acordo com toda a exposição anterior, Os enfermeiros têm as suas competências definidas
parece-nos poder concluir que a opção escolhida, (OE, 2003) e agrupadas em três domínios, onde se
que envolveu a acção intencional de realizar a destaca a prática profissional, ética e legal com
traqueostomia ao doente, não foi a decisão mais especial relevo neste contexto, e que salienta na
correcta sob o ponto de vista ético. prática segundo a ética, o exercício segundo o

De acordo com o princípio da autonomia, o doente código deontológico, o envolvimento de forma

terá direito a decidir de livre vontade se pretende efectiva nas tomadas de decisão ética, a actuação

ou não submeter-se à intervenção proposta na defesa dos direitos humanos e o respeito pelo

(traqueostomia), devendo respeitar-se a sua direito do doente à escolha e autodeterminação,

vontade. referente aos cuidados de enfermagem e de saúde


que os co-responsabilizam pelo envolvimento
A recusa do doente em realizar a traqueostomia
nestes processos.
fundamenta-se no âmbito dos seus direitos
individuais, nomeadamente a autodeterminação, Não tendo o poder de alterar a decisão, pois esta

que lhe permite decidir rejeitar a referida técnica. reporta a outra esfera de actuação, o enfermeiro
deve agir traduzindo a preocupação da defesa da
Page 15
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

liberdade e da dignidade da pessoa humana, no convergir, sendo essa convergência para um


respeito pelo seu Código Deontológico e na paradigma essencial à definição de uma ciência,
concretização dos princípios que consagram os assim como a aceitação pela comunidade científica
direitos dos doentes. que se move nessa área de conhecimento (Kuhn,
1972).

Uma ciência deverá questionar filosoficamente


PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA
O sistema de ideias qual o seu domínio para identificar e circunscrever
das quais o tempo vive. o seu objecto de estudo (Colaizzi cit por Apóstolo &
Ortega y Gasset
Gameiro, 2005), e adequar a metodologia à
natureza do objecto de pesquisa. A enfermagem
A epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a
devido à pluralidade do seu objecto de pesquisa, a
origem, a estrutura, os métodos e a validade do
pessoa humana entendida como um ser-no-
conhecimento nas diferentes áreas de saber.
mundo-com-os-outros, recorre-se de múltiplas
Assume um particular interesse pela atitude de
orientações metodológicas (métodos e processos)
questionar e reflectir sobre a natureza do
(Apóstolo & Gameiro, 2005). A pessoa poderá ser
conhecimento (o quê?), a sua fundamentação (por
entendida como “ser activo que tem percepções
quê? ; para quê?) e a validade do processo de
decorrentes do processo de saúde/doença e às
questionar (como?).
quais atribui significados que estão relacionados
Sob o ponto de vista epistemológico toda a ciência
com factores pessoais” (Meleis et al., 1997),
ou disciplina necessita de identificar e definir o seu
englobando a pessoa-sujeito, a pessoal-alter e a
domínio próprio de investigação e de prática, o seu
pessoa-corpo mas tendo também em conta os
objecto de estudo e as metodologias a que recorre,
elementos ambientais e circunstanciais (Apóstolo
assim como os seus conceitos basilares. Esse
& Gameiro, 2005).
processo de conceptualização deverá alicerçar-se
De acordo com o paradigma científico, uma teoria é
na perspectiva única, ou na forma distinta, de
a “ articulação organizada, coerente e sistemática
examinar os fenómenos de uma dada área do
de um jogo de afirmações relacionadas com
conhecimento, disciplina ou ciência (Kérouac et al.,
questões significantes numa disciplina, que são
1994). Mas a forma de analisar os fenómenos,
comunicadas num conjunto também significante”
mesmo existindo consenso entre os conceitos
permitindo compreender, descrever, explicar,
fundamentais de uma disciplina, é marcada pelo
predizer ou prescrever (Apóstolo & Gameiro,
modo de ver e compreender o mundo em cada
2005). Mas a multi-dimensionalidade do objecto de
momento temporal, ou seja pelo paradigma vigente
estudo da enfermagem condiciona grande
e pela orientação teórica que se adopta num dado
complexidade dos fenómenos em estudo e
momento (Kérouac et al., 1994; Lopes, 2001).
determina necessidade de recorrer a diferentes e
Assim, um paradigma poderá ser entendido como
várias metodologias de pesquisa, sendo impossível
um conjunto organizado de crenças, leis e
o espartilhamento imposto pelo método científico
princípios, e de metodologias e suas formas de
“puro”. Categorizar e normalizar a abrangência do
aplicação, para o qual as disciplinas devem
Page 16
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

humano será sempre diminuí-lo e não ser metafísicos não estão antes da análise
verdadeiro e completo na sua interpretação. fenomenológica porque fazem parte da explicação

Assim, a enfermagem tem-se suportado em teorias dos fenómenos, e que as trajectórias de vida

de longo alcance, constructos sistemáticos da pessoal e colectiva de uma comunidade científica

missão, natureza e objectivos, e em teorias de transportam a prova do seu conhecimento. Assim

médio alcance que possibilitam descrever, pelo conhecimento da ciência moderna o homem

compreender, interpretar ou explicar fenómenos, “sabe viver” e isso é um conhecimento funcional do

não sendo nenhuma prescritora de prática. Estas mundo, um saber prático (1987, p.16). Partilha a

teorias permitem traçar linhas orientadoras da convicção que a reflexão epistemológica é muito

prática, campo de acção profundamente mais avançada e sofisticada do que a prática

caracterizador da enfermagem (Im & Meleis, científica sendo prudente dar espaço à incerteza,

1999). Este aspecto tem condicionado o pelo que a ciência pós-moderna deverá

reconhecimento científico do conhecimento de perspectivar a valorização do senso comum e

enfermagem, não tanto devido à estrutura do simultaneamente aceitar o conhecimento que

conhecimento, mas devido ao valor do produz tecnologia, dado que ambos se traduzem

conhecimento profissional (experiência) e prático em auto-conhecimento enriquecendo a sabedoria

(Apóstolo & Gameiro, 2005). de vida (Santos, 1987, p.21).

Boaventura Sousa Santos (1987) trouxe algum Reportemo-nos agora a uma análise menos

caminho para este problema da ciência abstracta do conhecimento da enfermagem e do

Enfermagem com a sua proposta de agir enfermeiro, dado que a proposta de análise de

conceptualização de um novo paradigma um caso implica evidenciar-se o processo mental e

emergente em “Um Discurso sobre as Ciências”. cognitivo que conduz à tomada de decisão, ao

Defende que “a separação da dicotomia ciências “nessa situação ajo assim … “ caso seja possível

naturais/ciências sociais tende a revalorizar os esta clarividência.

estudos humanísticos” e “ a concepção humanística Kérouac et al. (1994) estudaram as escolas de


das ciências sociais enquanto agente catalisador da pensamento em enfermagem e com base no
progressiva fusão das ciências naturais e das paradigma que adoptavam sugeriram, à data, a
ciências sociais, coloca a pessoa, enquanto autor e existências de três correntes de pensamento
sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, corporizadas nos paradigmas da categorização, da
ao contrário das humanidades tradicionais, coloca integração e da transformação.
o que hoje designamos por natureza no centro da Segundo o paradigma da categorização,
pessoa” (1987, p.16). enquadrado cronologicamente entre o século XVII
Quanto à dicotomia sujeito/objecto Santos, e XIX, analisam-se os fenómenos em si, isolados do
parafraseando Clausewitz, afirma que o objecto seu contexto, atribuindo-se-lhes propriedades
poderá ser entendido como a continuação do definíveis e mensuráveis. É o paradigma cartesiano
sujeito, pelo que todo o conhecimento é auto- e positivista, em que a pessoa é um todo composto
conhecimento. Defende que os pressupostos por partes que podem ser analisadas isoladamente,

Page 17
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

aceitando-se a disjunção corpo-mente. A histórico, social e político, estando a pessoa


enfermagem orienta-se para a doença, procurando inserida neles, e verificando-se estímulos negativos
um factor causal a que associa uma plêiade de e positivos entre pessoa e ambiente que
sintomas. O ambiente é considerado exterior à determinam reacções de adaptação que são
pessoa, englobando as dimensões física, cultural e circulares (Kérouac et al., 1994).
social, sendo encarado como algo hostil à pessoa. A Segundo Meleis (1997) é em meados da década de
saúde é entendida como um estado de equilíbrio 50 que surge a sensibilização para a necessidade
que corresponde à ausência de doença e algo de desenvolver uma concepção teórica para a
desejável (Kérouac et al., 1994). enfermagem, assumindo-se definitivamente a
O paradigma da integração, de que se assume o necessidade de afastamento do modelo biomédico,
início nos anos 50, dá continuidade ao anterior mas por este se revelar insuficiente para traduzir o ser
encara os fenómenos como multidimensionais e os e agir enfermeiro, dado que não abarcava a
acontecimentos como contextuais, valorizando já multiplicidade de focos de atenção do enfermeiro
dados objectivos e subjectivos. Segundo este nem a variedade de áreas de intervenção. Surgem
paradigma os fenómenos já são analisados tendo os primeiros quadros e modelos teóricos,
em conta a especificidade do contexto em que se inicialmente oriundos de outras disciplinas como a
inserem (Kérouac et al., 1994). Com este Antropologia, a Psicologia e a Epidemiologia, a
paradigma o foco de atenção da enfermagem linguagem e a atitude do enfermeiro começa
dirige-se para a pessoa, olhando-a integrada no seu progressivamente a alterar-se, surgem os
ambiente, passando o objectivo da enfermagem a primeiros estudos de investigação em enfermagem
ser a manutenção da saúde da pessoa em todas as e a primeira publicação periódica dedicada à
suas dimensões. Contemporâneo desta mudança investigação (Nursing Research, 1952), e percebe-
de paradigma foi o desenvolvimento das ciências se a necessidade de alterar os curricula, não
sociais e humanas, com os estudos de Adler sobre a dirigindo a formação quase exclusivamente à
psicologia individual, de Rogers sobre a terapia prática (Meleis, 1991; Lopes, 2001).
centrada no cliente e de Maslow sobre motivação O paradigma da transformação surge em
humana, todos salientando a importância do ser meados dos anos 70 e perspectiva os fenómenos
humano na sociedade (Lopes, 2001). A pessoa como únicos mas em interacção com o mundo
passa a ser entendida como um todo constituído onde ocorrem, tendo o mundo a multi-valência que
por partes em inter-relação e as suas necessidades lhe conhecemos. As mudanças ocorrem em ciclos
determinadas pela sua percepção tendo em conta a de organização e desorganização, mas sempre em
sua globalidade, sendo com ela validado o direcção a níveis de organização superiores
averiguado. Intervir passa a ser “agir com” (Kérouac et al., 1994). A pessoa é concebida como
(Kérouac et al., 1994). A saúde e a doença passam a um ser único em que as suas múltiplas dimensões
ser encaradas como distintas mas coexistindo em constituem a sua unicidade, em que o todo é mais
interacção dinâmica. O ambiente é assumido como que a soma das partes, assumindo-se que se
compreendendo diferentes contextos, como o encontra em relação com o ambiente, englobando

Page 18
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

este uma vertente interna e externa. A saúde é papéis, que têm associados efeitos que deixam
conceptualizada como uma experiência dinâmica marcas na pessoa, e que para as autoras são
da unidade pessoa-ambiente, com as essencialmente positivas, porque a pessoa ao
características particulares que cada membro passar pelo evento, alcança uma maior maturidade
desta unidade transporta (Kérouac et al., 1994), e estabilidade. Nas transições de saúde-doença
sendo a doença encarada como uma experiência de consideram-se mudança súbita da saúde para
saúde no continuum de vida da pessoa. Com o doença, as mudanças graduais de bem-estar para
surgimento da teoria dos sistemas de Bartalanffy, o doente, as mudanças de doente para ausência de
ser humano passa a ser encarado como um sistema bem-estar e a mudança súbita ou gradual de
composto por vários sistemas em interacção ausência de bem-estar para doença crónica.
permanente e sistemática, podendo estes sistemas Segundo este paradigma, e no âmbito da saúde-
ser interiores ou exteriores à pessoa (Lopes, 2001). doença, o factor tempo é de primordial porque
Os cuidados de enfermagem visam o bem-estar tal permite incorporar as alterações de
como a pessoa o perspectiva e, sendo a pessoa um comportamento e emocionais inerentes à mudança
ser no mundo, os cuidados de enfermagem abrem- de papel.
se ao mundo. O enfermeiro coloca ao dispor da Em consonância com os paradigmas surgiram
pessoa os seus conhecimentos e acompanha-a nas diferentes escolas de pensamento em enfermagem
suas experiências de saúde seguindo o percurso que diferiam no modo como conceptualizavam o
que escolheu. Intervir é “ser com” a pessoa nesse agir e pensar enfermagem, e como definiam e
percurso de vida, sendo parceiros na procura do relacionavam os conceitos pessoa, saúde (doença),
bem-estar que a pessoa definiu de acordo com as ambiente e cuidados de enfermagem. Citam-se a
suas potencialidades e prioridades (Kérouac et al., escola das necessidades, a escola da interacção, a
1994). escola dos efeitos desejados, a escola da promoção
Presentemente reconhece-se também o da saúde, a escola do ser humano unitário e a
paradigma da transição enunciado por Chick & escola do cuidar (Kérouac et al., 1994).
Meleis (1986) que assenta no conceito de Num tempo em que os cuidados de saúde se
transição, entendida como mudança, processo, centram nos utentes e na satisfação das suas
resultado, direcção dos padrões vitais necessidades, em que os conceitos de saúde e
fundamentais do ser humano - mudança de papéis. doença evoluíram sendo assumidos como
Definem transição como”uma passagem ou coexistentes em equilíbrio dinâmico, em que a
movimento de um estado, condição ou lugar para saúde é mais do que a ausência de doença
outro” o que tem implícito atributos temporais e de aproximando-se do conceito de bem-estar, e o
movimento. Diferenciam as transições de utente é encarado como um ser único, holístico,
desenvolvimento ao longo do ciclo de vida e as aberto ao mundo e parceiro na decisão do processo
transições situacionais, onde englobam as terapêutico, assume-se o paradigma da
transições de saúde-doença. Assume-se que os transformação, e também alguns pressupostos do
processos de transição cursam por mudança de paradigma da integração que têm continuidade no

Page 19
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

da transformação, e a escola do cuidar, como único, jamais se assemelhará na sua totalidade a


definidores da pessoa enfermeiro que se encontra outro, condicionando que a enfermagem deva ser
perante o Outro num momento de decisão de percepcionada como um conceito dinâmico,
enfermagem. temporal e em evolução (Watson, 2002).

Reve-se a bagagem pessoal e profissional com que O Cuidar é simultaneamente humanista e


a pessoa enfermeiro se encontra perante o Outro, científico, “está relacionado com respostas
pessoa como ele, que o procurou com um pedido humanas intersubjectivas às condições de saúde
de ajuda num momento particularmente difícil do (doença) e implica um conhecimento de saúde
seu percurso de vida, dado que um problema grave (doença), das interacções ambiente-pessoa e do
de saúde alterou de modo significativo e processo de cuidar, mas também um auto-
transversal todos os âmbitos do que é e do seu conhecimento e conhecimento das nossas
estar no mundo. Este encontro entre duas pessoas capacidades e limitações para negociar”. Poderá
e uma profissionalidade, ambos com passado, ser entendido como a “ajuda dada ao indivíduo na
presente e vontade de ter futuro, com crenças, aquisição de maior conhecimento próprio, auto-
valores e desejos, com direitos e deveres, gera no controlo e preparação para o auto-cuidado,
profissional uma necessidade de reflexão para independentemente da condição externa de saúde”
decidir se o comportamento assumido perante a (Watson, 2002, p. 55, 66). Esta autora prioriza a
situação em análise se suporta no conhecimento da vertente moral e ética do Cuidar, que considera o
ciência enfermagem, e se esse conhecimento é ideal moral da enfermagem, e destaca como central
coerente e válido. Por outras palavras revê-se a o conceito de human care, entendido como um
teoria que fundamenta a praxis do enfermeiro, processo interpessoal, uma relação transpessoal,
assumindo-se a teoria de Jean Watson, que implica um compromisso moral de protecção
Enfermagem-ciência humana [do] cuidar, embora da dignidade e preservação da própria
com algumas alterações inerentes ao humanidade.
desenvolvimento no tempo, não contraditórias A palavra anglo-saxónica care também pode ser
com os princípios fundadores, e que nos parecem traduzida por “importar-se com” e nesta
estar em consonância com o eu enfermeiro, mas perspectiva Heidegger (cit. por Magão, 1992. P. 26)
também com os suportes conceptuais assumidos refere numa das suas análises sobre a existência
pela Ordem dos Enfermeiros, como o Código humana que “este importar estrutura o meu
Deontológico dos Enfermeiros, o Regulamento do mundo e determina o meu interesse pelas coisas e
Exercício Profissional dos Enfermeiros e os as minhas relações com os outros; é a base de toda
Padrões de Qualidade dos Cuidados de a motivação… à verdade de que a minha existência
Enfermagem. é fundamentalmente minha, deve ser acrescentada
A Enfermagem, ciência social e humana do cuidar, a verdade de que fundamentalmente eu Cuido. Isto
é um conceito com dimensões objectiva e é, eu tenho sentimentos em relação a tudo… sobre
subjectiva, assente no paradigma da coisas, pessoas e, mais significativamente sobre
transformação, que assume que um fenómeno é mim próprio”.

Page 20
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

As situações de cuidados implicam ajudar a viver e facilita que tome consciência das suas decisões de
essa ajuda processa-se pela relação, que poderá ser saúde e assuma comportamentos coerentes com
encarada como a essência do cuidar, a relação de essas decisões (Benner, 1984; Collière, 1989).
ajuda, que Brammer citado por Lazure (1994) Segundo Collière a finalidade dos cuidados de
define como a relação na qual o enfermeiro fornece enfermagem “consiste em permitir aos
ao cliente as condições que este último necessita utilizadores, desenvolver a sua capacidade de viver
para satisfazer as suas necessidades, e terá sempre ou de tentar compensar o prejuízo das funções
como objectivo a promoção do bem-estar do limitadas pela doença, procurando suprir a
cliente. Segundo Rogers (1985, p.43) a relação de disfunção física, afectiva ou social que acarreta”
ajuda são as “relações nas quais pelo menos uma (1989, p. 241).
das partes procura promover na outra o
A Pessoa poderá ser encarada como um ser social
crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um
integrado no seu ambiente, agente intencional de
melhor funcionamento e uma maior capacidade
comportamentos baseados em valores, crenças e
para enfrentar a vida”. Esta relação será não-
desejos individuais, mas também centro de
directiva, co-construída, assente em princípios de
processos fisiológicos, não intencionais, mas que
valorização do Outro e de crença nas suas
poderão ser influenciados pela condição
potencialidades para resolver, de uma forma
psicológica e o bem-estar (Ordem dos Enfermeiros,
autónoma, os seus problemas (Simões et al, 2006).
2001), que evolui na procura da qualidade de vida
Os conceitos estruturantes da praxis de de acordo com as suas potencialidades e
enfermagem são saúde, pessoa, ambiente e prioridades, não podendo ser dissociado do seu
cuidados de enfermagem. enquadramento cultural (Leininger, 1988, citada
Os Cuidados de Enfermagem poderão ser por Kérouac et al., 1994, p.43-45).
entendidos como um processo transpessoal A Saúde é concebida como um estado subjectivo
alicerçado num ideal moral, que associado a que diz respeito ao bem-estar físico, emocional e
conhecimentos consistentes, visam a promoção da espiritual. Emerge da experiência que engloba a
harmonia entre “corpo-alma-espírito”, que hoje se unidade pessoa-ambiente, não sendo um estado
aceita como bem-estar (Watson, 2002). estável equivalente à ausência de doença, mas um
Os cuidados de enfermagem que têm como equilíbrio dinâmico entre saúde e doença, entre
objectivo o bem-estar da pessoa como esta o organização e desorganização. A saúde faz parte da
percepciona, poderão ser entendidos como “ser dinâmica da experiência humana, da vida do
com”, “caminhar com” a pessoa, estar com ela no indivíduo, das famílias e dos grupos sociais em
caminho que decidiu percorrer, facultando-lhe os interacção com o ambiente (Watson, 2002;
conhecimentos e competências próprias do Leininger, 1988; Kérouac et al., 1994).
enfermeiro (Watson, 2002; Hesbeen, 2001). O Ambiente engloba elementos humanos, físicos,
Demonstrando que se preocupa, acredita e respeita emocionais, morais, espirituais políticos,
a pessoa que tem perante si, reforça as suas económicos, culturais e organizacionais que
competências, maximiza as suas potencialidades e determinam o estilo de vida da pessoa e o próprio
Page 21
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

conceito de saúde (Watson, 2002; Leininger, 1988;  uma epistemologia que permite não apenas o
Ordem dos Enfermeiros, 2001). empirismo, mas avanços da estética, valores

Analisando a teoria de Watson, a própria autora éticos, intuição e processo de descoberta;

refere que visou elaborar uma teoria que se  uma ontologia de tempo e de espaço;

preocupasse mais com o significado dos  um contexto de acontecimentos inter-

fenómenos, as inter-relações, os contextos e os humanos, processos e relações;

padrões, para “desenvolver novos conhecimentos  uma visão científica aberta


(Watson, 2002, p.32-33).
relacionados com o comportamento humano na
saúde e na doença, e em fazer novas descobertas Watson conceptualiza a enfermagem como uma
como estar numa relação profissional de cuidar, “ciência humana com outra epistemologia,…que
para servir a sociedade” (2002, p. 8). possa incluir a metafísica, a fenomenologia, a
A enfermagem tem tido dificuldade em afirmar-se estética, as humanidades, a arte e o empírico”
como ciência porque, entre outros aspectos, não se (2002, p. 33, 35). Santos refere que no emergir das
desenvolveu de acordo com as suas teorias, e por ciências sociais se distinguiu duas vertentes, uma
coexistirem paradigmas contraditórios em delas “ anti-positivista, caldeada numa tradição
diferentes perspectivas de uma mesma teoria, filosófica complexa, fenomenológica,
nomeadamente entre a prática e a pesquisa, interaccionista, mito-simbólica, hermenêutica,
embora esses desajustes possam decorrer das existencialista, pragmática” que se manifesta
dificuldades do contexto, dos processos e conceitos significativamente na ciência da era pós-moderna
envolvidos (Watson, 2002, p.29,19). (1987, p.15).

Watson define teoria como “um agrupamento A sua teoria é congruente com uma metodologia
imaginativo de conhecimentos, ideias e fenomenológica-existencial que utilizou nos seus
experiências que são representadas estudos, mas salienta que se deverá procurar
simbolicamente e procuram clarificar um dado sempre elevados padrões de rigor e credibilidade
fenómeno”, recusando o espartilho do método garantindo a consistência entre a metodologia e o
científico assente na verificação-aceitação, e tipo de estudo a desenvolver, dado não haver
abrindo a porta ao método científico assente na consenso em relação ao valor científico dos
descoberta-procura, adequado a uma ciência como métodos.
processo contínuo, progressivo e inacabado, pelo Percebe-se que entende que o modo como o
que assume o conceito de enfermagem nos enfermeiro interioriza o cuidar determina a
continuuns concreto/abtracto e estático/dinâmico, metodologia que transporta para a praxis pelo que
pressupostos que lhe permitem suportar: deixa em aberto a reflexão sobre as questões: Que
 uma filosofia de liberdade humana, escolha e condições facilitarão e sustentarão a pessoa como
responsabilidade; um fim e não como um meio para fins científicos ou
 uma biologia e psicologia holíticas com não- médicos?; Que condições sustentarão o cuidar em
redutibilidade de pessoas interligadas com ocasiões de humanidade ameaçada? (2002, p.39).
outras e com a Natureza;
Page 22
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Neste cruzamento de constatações e reflexões o experiência individual permite adaptar esses


enfermeiro reconhecerá o saber teórico que o conceitos e reinterpretar a linguagem,
orienta mas procura também se a sua experiência o correspondendo ao “emergir de conhecimento a
capacita para a tomada de decisão da situação em partir dos agidos” (Nunes, 2010, p.5).
análise, já que a enfermagem se encontra Estes novos conceitos ou saberes são inseridos no
profundamente vinculada à praxis. conhecimento já existente enriquecendo-o
Apesar de teóricas como Collière e Benner (Polanyi, 1958).
assumirem que a prática e o saber prático têm um O hiato entre prática e teoria contribuiu para a
papel central na enfermagem, durante muito falta de teorização em enfermagem porque privou
tempo soube-se pouco sobre os conhecimentos a ciência de enfermagem daquilo que é a
implícitos na verdadeira prática de enfermagem, especificidade e a riqueza do conhecimento
porque esse conhecimento acumulado ao longo do contido na prática clínica (Benner, 2001). Mas terá
tempo e inerente a uma disciplina aplicada, não era que se reconhecer que se a teorização é essencial
estudado nem explicitado. As diferenças entre para o reconhecimento de uma ciência pois
conhecimento prático e teórico têm sido permite explicar e predizer fenómenos
incompreendidas, levando frequentemente à estabelecendo ligações de causa e efeito, alguns
secundarização do primeiro (Carper cit por filósofos como Kuhn (1970) e Polanyi (1958)
Benner, 2001). Embora a complexidade do objecto salientam que “saber o quê” e “saber como”
de estudo, dos conceitos, dos processos e dos constituem dois tipos diferentes de conhecimento
contextos levantassem algumas dificuldades à e que por vezes é difícil explicar teoricamente
construção de conhecimento em enfermagem, alguns “saber fazer”, assim como alguns
reconhece-se que o facto de ser uma ciência conhecimentos práticos fazem balançar algumas
humana aplicada, e portanto com uma vertente formulações científicas do “saber”. Efectivamente a
prática marcada, entorpeceu os impulsos prática é sempre mais complexa e tem mais
teorizantes. realidades do que as que ficam explicitadas numa
Mas toda a ciência necessita de explicitação do teoria, sendo o conhecimento explícito (teórico)
conhecimento tácito, preferencialmente pela mais primário e fundamental, dado que todo o
escrita, distanciando o sujeito do conhecimento e conhecimento é tácito ou nele fundado (Polanyi,
da sua articulação através da linguagem e dos 1958; Benner, 2001).
símbolos, possibilitando a sua distribuição, a sua Os estudos de Benner (2001), alicerçados no
crítica e o seu desenvolvimento (Polanyi, 1958). Na modelo de desenvolvimento de competências de
aprendizagem em contexto de prática o indivíduo Dreyfus (1980; 1981) que estabelece que um
entra em contacto directo com situações que profissional terá de passar por cinco níveis
propiciam novas experiências e estas são sucessivos de proficiência, evidenciam que a
assimiladas a partir dos conceitos que o indivíduo excelência dos cuidados se baseia na experiência e
já dispõe, por natureza tácitos, herdados dos na educação, e defende que pela experiência se
utilizadores prévios da mesma linguagem. A focaliza de imediato o que é relevante numa

Page 23
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

situação e se apreende o seu significado. A autora competente se suporta num enfermeiro de


define os conceitos de principiante, principiante referência, mais experiente, e que os estádios de
avançado, competente, proficiente e perito, proficiente e perito se suportam na auto-formação
inerentes à progressão crescente de competência. (Nunes, 2010). A progressão é sempre feita

O principiante age de acordo com regras, não cumprindo a sequência de níveis referida já que é a

estando ainda capacitado para ponderar os experiência e a reflexividade critica na e em acção

elementos em confronto numa dada situação, por que os suporta (Schon, 1998, cit por Pires, 2005).

não possuir suficientes experiências que possam O conhecimento prático desenvolve-se em


funcionar como paradigmas. O principiante contexto e com o tempo, e as competências
avançado, já tem alguma experiência, é capaz de adquiridas são resultado de muitas horas de
identificar em contexto, alguns elementos que lhe cuidados e de observação directa dos clientes.
permitem formular princípios que lhe guiam a Refere Polanyi que a experiência permite
acção. Mas ainda se rege essencialmente por desenvolver a percepção, que com recurso ao
regras, por falta de segurança. O competente, com anteriormente vivido e à imaginação, possibilita
uma experiência de 2-3 anos num mesmo contexto conhecimento. Heidegger (1962) e Gadamer
ou similar, tem capacidade de pensamento (1975) definem experiência como “o
abstracto e analítico sobre um fenómeno, o que lhe melhoramento das ideias preconcebidas que não
permite planear a acção. O proficiente percebe as são confirmadas pela situação actual, e que a
situações globalmente e integradas num todo, e experiência é condição prévia para a percepção de
assenta a decisão de enfermagem na compreensão uma situação ou de um comportamento tipo,
holística e já baseada na sua experiência. podendo ter força suficiente para constituir um
Finalmente, o perito deixa de se guiar por modelo ou paradigma” (Benner, 2001, p. 37).
princípios analíticos e suporta a acção na Benner identifica como domínios do conhecimento
experiência e na percepção intuitiva das situações prático a hierarquização das diferenças
como um todo, prestando cuidados de enfermagem qualitativas, os significados comuns, as suposições,
de elevada qualidade e antecipação (Benner, 2001; as expectativas e os comportamentos tipo, os casos
Lopes, 2001; Nunes, 2010) padrão e os conhecimentos pessoais, as máximas e
Nesta progressão de estádios de competência as práticas não planeadas (2001, p. 33), e refere
verifica-se que se passou do alicerçar a acção em que cada domínio pode ser estudado recorrendo a
princípios abstractos para o alicerçar na estratégias etnográficas e interpretativas que
experiência passada concreta (paradigma), que a permitem identificar e desenvolver o
situação inicialmente vista como fragmentada em conhecimento prático, validando-o para ser aceite
partes passa a ser analisada como um todo em que em situações futuras.
se identificam os componentes relevantes, e que se Percebe-se que o perito será aquele que “detém
passa de observador desligado a executante conhecimento profundo acerca de um dado
envolvido (Benner, 2001; Nunes, 2010). Por outro domínio e sabe quando, como, onde e porquê deve
lado emerge que a passagem de principiante a usar esse conhecimento”, já que detém perícia,

Page 24
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

conhecimentos e habilidades dirigidas a um fim Independentemente das abordagens aos diferentes


(Nunes, 2010, p. 3). tipos de conhecimento que entroncam na ciência

Se os estudos de Benner valorizam a experiência e de enfermagem, interessa perceber que esse

o saber tácito, Barbara Carper (1978) identifica conhecimento possibilita competência, entendida

quatro tipos de conhecimento da enfermagem: como a capacidade de mobilizar para a accção


conhecimentos diversos e heterogéneos,
 o conhecimento empírico que se reporta ao
seleccionado-os, integrando-os e combinando-os
conhecimento objectivo e verificável, baseado
(Boterf, 1995). Ainda segundo este autor a
na investigação, que permite generalização e
competência processar-se-á por um saber agir,
que permite o desenvolvimento de teorias;
responsável e validado, que se baseia em “saber
 o conhecimento ético que se refere aos mobilizar”, “saber integrar” e “saber transferir”
princípios e valores, ao bom e desejável, aos recursos do sujeito, como conhecimentos,
princípios da prestação de cuidados como o capacidades e atitudes.
respeito dos direitos humanos, e que versa
Profissionalmente a competência veicula-se por
sobre assuntos da ética de enfermagem e da
um desempenho que faça evidência da aplicação
ética em investigação, tendo sempre uma
efectiva do conhecimento e das capacidades sobre
lógica filosófica subjacente;
as quais se tem vindo a reflectir, incluindo a de
 o conhecimento estético que contempla a arte decidir e ajuizar (Ordem dos Enfermeiros,
da enfermagem, o conhecimento tácito e a Competências Gerais do Enfermeiro de Cuidados
exploração qualitativa; Gerais, 2003;Nunes, 2010). O resultado desses
 o conhecimento pessoal que diz respeito à conhecimentos será uma profissional com
auto-consciência, ao saber pessoal sobre as “competência, autonomia e responsabilidade de
experiências vividas, contribuindo para um realizar actividades com formulação fundamentada
self consciente, que sendo subjectivo tem uma de resultados esperados, numa situação complexa”
vertente ligada ao existencialismo, e que (Nunes, 2010, p. 7).
capacita para a relação com o Outro. É neste enquadramento epistémico que o
(Nunes, 2010, p. 7) enfermeiro terá que decidir o seu agir na situação

Posteriormente aceitaram-se também os exposta no caso em análise. Percebe-se que sendo

conhecimentos reflexivo e sócio-político o alicerce uma teoria humanista, em que se

reportando-se o primeiro à reflexão sobre a valorizam os princípios da autonomia, da

experiência, à reflexão sobre e na acção e à praxis, dignidade humana e da liberdade da pessoa,

e o segundo relaciona-se com o contexto e o poder evidenciando este capacidade cognitiva para

(Nunes, 2010, p. 7). Poderá estabelecer-se uma decidir sobre o problema em análise após

ligação entre o conhecimento pessoal definido por informação e esclarecimento sobre a intervenção

Carper e o factor de competência – experiência, terapêutica que lhe é prescrita, e à luz do

definido por Benner. conhecimento empírico o seu continuum de vida


não é posto em causa pelo não consentimento do

Page 25
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

acto terapêutico proposto, o poder decisório não Pensámos muito como conciliar o que desejávamos
deveria ser transferido para a família. com o que teríamos de abordar neste processo
Epistemologicamente o enfermeiro deverá ter criativo não esquecendo que ele cursa numa
auto-consciência que a vontade do Outro deverá avaliação académica. Mas, decidimos não fugir ao
ser respeitada e, como elemento da equipa de texto de Savater porque nos pareceu que a
saúde, expressar ao médico a convicção de que o dificuldade que sentíamos tinha significado e, por
Outro deve poder decidir. Em situação de grande não nos fazer sentido a vinculação determinista,
conflito poderá solicitar parecer (assessoria aceitámos que o expresso na obra dava corpo ao
clínica) junto de peritos ou de comissões ou nosso estar no mundo, mais do que como
organizações, mantendo o sigilo profissional. Mas a enfermeiras como pessoas, e que melhorou a nossa
fundamentação para a decisão perspectiva-se de auto-consciência, pelo que não recusámos a
modo mais estruturado nas análises ética, aprendizagem que a obra possibilitou. Decidimos
deontológica e jurídica, sendo a estas duas últimas abordar os princípios do ser e agir aí referidos e o
vertentes que cabe a emissão de parecer. seu encadeamento e, analisando também os
conteúdos focados no contexto académico,
incorporá-los na sequência expositiva
PERSPECTIVA CULTURAL E HUMANISTA
estabelecendo pontes de significado entre o
O problema da
escolha, o problema da vida inteira. reflectido. Gehlen (cit por Savater, 2003) refere
Georges Perec, Je suis né que o Homem é um ser práxico, um ser que actua,
que quer fazer coisas e faz coisas que quer. Mas
Na procura de um caminho para o desafio lançado entende que actuar não é só pôr-se em movimento
no contexto académico em que este trabalho se para satisfazer o instinto no suprimento de
insere, cruzámo-nos com a obra de Fernando necessidades, como havia referido Aristóteles na
Savater, A Coragem de Escolher (2003), e não mais Ética a Nicómaco.
conseguimos afastar-nos da estrutura reflexiva que
O agir está vinculado a situações virtuais que não
o autor assume nessa obra. Nela postula que o
ocorrem no presente, a um registo simbólico de
homem é um ser práxico e que a arte de viver
possibilidades que se suporta nos paradigmas
consiste em discernir entre as diferentes formas de
estabelecidos, mas que igualmente se abre ao
actuar, avaliá-las, escolher (decidir) e agir.
futuro. Agir é tentar prever jogando com o
Pensamos que a situação problemática em análise imprevisível e contando com a sua incerteza.
no caso a que se reporta este trabalho passa por aí, Como humanos devemos propor-nos estilos e
para todos os seres humanos envolvidos e para planos de vida para viver, decidir o nosso agir, a
todas as profissionalidades presentes. Isto vem nossa praxis.
concretizar o que Savater assume, com a sua
Reflectir sobre a natureza humana, implica tentar
reflexão assente num pensamento mais abstracto,
saber quem somos, de onde viemos, porque somos
que o viver humano é decidir o agir.
de uma certa maneira e não de outras, que significa
ser-se humano, se possuímos capacidade de mudar

Page 26
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

a nossa maneira de ser e a sociedade sendo têm de humano, e Sagan advogue que devemos
capazes de nos adaptar às mudanças. Sagan (1992) aprender a usar melhor a inteligência e a entender
refere que o grande mistério da existência é o da as suas limitações e deficiências (1992). Mas
natureza humana. Sempre se tentou definir a reconhece-se que o Homem tem a capacidade de se
natureza humana identificando o que nos distingue distanciar de si próprio para analisar o que num
dos não humanos, explicitando se porventura momento anterior se passou dentro de si, tanto ao
existe alguma coisa que seja exclusivamente nível da razão como dos sentimentos, para poder
humana. Ao longo dos tempos a diferença do formular uma crítica que lhe possibilita criar
humano foi sendo atribuída a variados aspectos ou conhecimento de si, do mundo e de si no mundo.
atributos: ser bípede e sem penas, tendência para Esta vivência de si alicerçada no questionamento
realizar trocas e negociar, possuir noção de permanente do ser humano face a si próprio, face
propriedade privada, ser social, ter coragem, ser aos outros e face ao mundo é sem dúvida um traço
racional, ter capacidade de escolher, ter práticas de humanidade.
sexuais definidoras, ter capacidade de brincar, ter O pensar decorre de o Homem possuir um órgão
noção de higiene pessoal, capacidade de rir, sentir extremamente desenvolvido, o cérebro, com
dor, proibição ao incesto, ter consciência, possuir capacidades múltiplas e sofisticadas. O cérebro
linguagem/fala, ter capacidade de criar uma cuja camada externa, o córtex, que em latim
cultura…; mas todos estes aspectos foram sendo significa “casca”, abriga mais de quarenta áreas
refutados, uns de modo mais fundamentado do que funcionalmente distintas, a maioria situadas no
outros, por existirem espécies ou seres não neocortex, e assume o controlo de funções como o
humanos que também evidenciavam essas pensamento, o movimento voluntário, a linguagem,
capacidades (Sagan, 1992). o julgamento e a percepção. Se do córtex parietal
Talvez a capacidade de pensar o pensado, a depende a percepção corporal e espacial, o córtex
capacidade de experimentar prazer a um nível occipital controla a visão e o córtex temporal aloja
meramente psicológico, a necessidade de tornar o os centros de controlo da memória e audição. Mas
mundo exterior inteligível segundo esquemas ao córtex frontal cabe a responsabilidade pelo
internos e a capacidade para desenvolver uma planeamento consciente, a tomada de decisão, e o
cultura sejam os atributos ou características que controlo motor. No entanto salienta-se que as
mais diferenciam a natureza humana. Mas a paixão neurociências, e nomeadamente o estudo dos
pela verdade, a necessidade de entender os centros de controlo das funções humanas,
fenómenos (o real) e o gosto pelo conhecimento e encontram-se em franca evolução e longe de
pela comunicação também marcam de modo oferecer um conhecimento que traduza a
especial o humano. complexidade das actividades e capacidades

A capacidade de pensamento, que sustenta a cerebrais.

racionalidade e a inteligência, parece ser o atributo


Sendo o pensamento e a realidade processo e
mais diferenciador, embora Savater (2003) alerte
fenómeno complexos, perceber-se-á que expressar
para comportamentos do ser humano que pouco
o real com clareza, sentido e de modo simples
Page 27
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

constitui um desafio nem sempre fácil, pensamento, em ausência do objecto sensível”. A


essencialmente quando se aceita uma realidade memória atribui sentido ao passado e permite
aberta e que deve ser encarada na sua totalidade, perspectivar o futuro, sendo diferente de ambos,
em que os fenómenos deverão ser analisados à luz porque o ausente relembrado emerge com
de uma interdisciplinaridade dinâmica, rejeitando mediação da imaginação (Nunes, 2007, p. 2,3).
uma visão reducionista e simplista do Homem e do Damásio (1994) defende que em larga medida o
Mundo (Morin, 2008). Os sistemas vivos dão ao pensamento é feito de imagens, e que existem
termo complexo um sentido pleno por serem um aspectos do processo da emoção e do sentimento
tecido extremamente unido embora os fios que o que, conjuntamente com aspectos de regulação
constituem sejam extremamente diversos. A biológica, são essenciais à racionalidade porque,
complexidade viva é a diversidade organizada argumenta, a razão depende de sistemas cerebrais
(Morin, 1980). Morin defende que só estudos de específicos, alguns dos quais processam
carácter inter-poli-transdisciplinar poderão sentimentos. Assume que o traço afectivo-
contribuir para a interpretação do real, do ser e do emocional determina o guardar memória, assim
ser no mundo, assentando a sua reflexão na teoria como o lembrar uma memória. O mesmo será
dos sistemas, assumindo que tudo está em relação assumir que a tomada de decisão se pode
com tudo. (Morin, 2008). Também Gardner (1983) processar por sentimentos ou influenciada por
refere que o pensamento é complexo ao suportar- aspectos não conscientes, aceitando-se que a razão
se em várias inteligências, umas relacionadas com “não será pura”. Este aspecto difícil de aceitar por
o sujeito, outras isentas de sujeito e outras alguns cientistas e em algumas épocas, não
relacionadas com as pessoas (Gardner, 1983). significa inferiorizar hierarquicamente a razão face
às emoções, nem deixa a razão desprotegida e à
Pelo exposto se percebe que o córtex cerebral é o mercê das emoções, pois o ser humano protege a
centro nevrálgico de captação e processamento de razão das emoções anormais ou da manipulação
informação, pelo que se aceita que o cérebro é um das emoções normais. Damásio defende uma
órgão da acção, que conhece, delibera, avalia e concepção do organismo humano em que o
decide. Efectivamente, o córtex abriga em si tudo o fortalecimento da racionalidade emerge de uma
que aprendemos e todas as formas de pensar que maior atenção dada à vulnerabilidade do mundo
vamos estruturando ao longo da vida. Quando uma interior, às relações emoção-razão. (Damásio,
situação ou uma emoção fazem surgir um 1994, p.253).
pensamento, as imagens do aprendido vêm à O conhecimento adquirido e guardado constitui a
memória e capacitam-nos para pensar “melhor”, bagagem da história de vida de cada ser humano,
ver com um olhar mais rico, agir mais conceito entendido por Arendt (cit por Nunes,
adequadamente. A memória, entendida como a 2007, p.2) “como uma espécie de compromisso de
capacidade de lembrar, constitui um poder do reencontro entre os acontecimentos iniciados pelo
sujeito, como o de falar, de agir, de narrar, de ter-se homem enquanto agente da acção, e o jogo das
por autor dor seus actos, e possibilita o circunstâncias induzido pela rede de relações
pensamento recorrendo à “imagem ou objecto do humanas”, aceitando-se que a história de vida será
Page 28
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

a expressão da individualidade de cada um na A cultura poderá ser entendida como um todo


pluralidade dos humanos. complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
O agir terá sempre que ser decidido nesta malha leis, moral, costumes e qualquer outro tipo de
multidimensional. Na acção humana intervém “o capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem
conhecimento do estado das coisas de que o como membro de uma sociedade. Engloba as
indivíduo parte, o conjunto de iniciativas normas de conduta e de pensamento aprendidas e
compatíveis com esse estado de coisas e, por partilhadas que são características de uma
último, o acto de vontade com que decidimos sociedade. As representações sociais são um
escolher uma” (Geymonat cit por Savater, 2002, p. conhecimento socialmente elaborado e
31). Em relação ao primeiro aspecto quanto compartilhado, com objectivo prático de contribuir
melhor conhecermos a estado efectivo do universo para a percepção de uma realidade comum a um
num dado momento, melhor poderemos aproveitar determinado grupo (Cabecinhas, 2006). Jodelet (cit
esse conhecimento para o acto de decidir. O por Cabecinhas, 2006, p.4) refere as
segundo aspecto confronta-nos com o que representações sociais como “as formas como os
poderemos fazer/agir se quisermos, e por último o indivíduos se apropriam do mundo que os rodeia,
acto de vontade expresso por uma das alternativas ajudando-os a compreender e a agir”. Mas Des
possíveis. Percebe-se que o agir requer Chene (cit por Abreu, 2009) salienta que a forma
conhecimento e imaginação mas, essencialmente é de compreender e interpretar o mundo é
decisão: actuar “é em essência escolher e escolher condicionada pela cultura.
consiste em conjugar adequadamente Para compreender os quadros colectivos da
conhecimento, imaginação e decisão no campo do memória os atributos tempo e espaço são
possível” (Savater, 2002, p. 31). Estes três aspectos essenciais (Halbawachs 1950/1997, cit por
são essenciais para que a acção seja voluntária, Cabecinhas, 2006), pelo que o enquadramento é
mas deveremos contudo assumir que existe fundamental à memória, em especial pela história
sempre algum grau de incerteza, pelo que, mesmo (Pollak, 1989). Cabecinhas conceptualiza a
sendo a escolha voluntária transporta em si memória como um processo social, uma
alguma involuntariedade. A decisão voluntária reconstrução selectiva e parcial, com aspectos
inclui o risco parcial da involuntariedade por objectivos e subjectivos, muito mais do que o acto
ignorância, por restrição de alternativas ou por individual de relembrar e reproduzir factos (2006,
coacção, podendo na última situação ser p.5). A dimensão narrativa da memória recorre-se
questionado se será um acto humano voluntário da linguagem para tornar exterior pensamentos,
(Aristóteles cit por Savater, 2003). sentimentos, intenções e fenómenos internos ao
O ser activo não opera apenas por causa da indivíduo, reflectindo as pertenças e as identidades
realidade, mas também activa a própria realidade. sociais dos indivíduos e as suas histórias pessoais
Nas palavras de Morin (2008) nós construímos a (Gergen, 1994 e Connerton, 1993 cit por
realidade que nos constrói. Cabecinhas, 2006). A história de vida será sempre
uma memória enquadrada na realidade do sujeito,

Page 29
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

que traduz o produto de experiências individuais e grandes para ter eus conscientes, para coordenar
colectivas que são incorporadas, que objectivada os seus conteúdos intencionais, de modo que
por recordação, constitui a matriz do agir (Linke, produzam melhores acções do que as que se
2001 cit por Sobral, 2006). produziriam pela conduta guiada pelo puro acaso”

Numa sociedade multicultural a sensibilidade para (Savater, 2003, p. 44). Salienta que o pensamento

a diversidade deverá ser valorizada evidenciando o racional depende do auto-conhecimento do que

respeito pelas especificidades numa postura de somos e da realidade em que vivemos, e que a

cidadania inclusiva, exercendo protecção externa escolha vai imbuída desses atributos. O homem

da comunidade minoritária mas também restrição está programado no que respeita à sua estrutura

interna no que possa pôr em risco as liberdades orgânica mas não na sua capacidade simbólica, ou

fundamentais (Nunes, 2009, p.49). seja, está programado no “ser” mas não no
“humano” (Savater, 2003). Porque impreciso,
Percebe-se que a acção humana contempla uma
comete erros, mas tem a capacidade de aprender
dimensão objectiva que traduz a sua intenção, o
com o vivido corrigindo os rumos vitais, porque o
“para quê?”, que poderá ser testemunhada por
cérebro armazena a informação adquirida a partir
outrem e processada pela linguagem, e uma
da experiência, codifica-a em símbolos abstractos e
dimensão subjectiva, só conhecida pelo sujeito e
comunica-a pela linguagem, processo que nos
que corresponde ao motivo, o “por quê?”. Defende
confere a capacidade de mudar a nossa maneira de
Savater que o porquê, a causa de um agir será
ser e a sociedade (Sagan, 1992).
sempre a vontade, embora refira que existe um gap
entre as intenções possíveis e a escolha por que se O julgamento racional deverá partir de factos

opta, designando essa brecha por traço de correctos e recorrer a um raciocínio correcto

intencionalidade consciente, as razões para actuar evitando erros, sofismas, falácias e paradoxos que

(p.43). As razões para agir suportam-se no eu- poderão conduzir a um agir não adequado, e em

sujeito e na racionalidade que transporta, casos extremos, a um agir com pouco do que vimos

entendendo-se a racionalidade como “o processo evidenciando como a marca da natureza humana.

de avaliação do real, busca de alternativas e O agir pode traduzir um fazer as coisas bem,
tomada de decisões que configura a proairesis, o medianamente ou mal; pode ponderar-se se devem
livre-arbítrio, do eu-sujeito” (p.44). O processo ser feitas, o que também é passível de um juízo de
racional procura no simbólico, vividos e agidos, as valor. Movemo-nos nos campos da ética, campo da
razões/motivos para agir confrontando-os e vida que versa sobre “exigências e compromissos
hierarquizando-os. As razões para agir poderão que implica reconhecimento da humanidade dos
estar vinculadas à razão e ao desejo, em doses nossos semelhantes para que eles, na devida
variáveis, dando resposta a “para quê?” que reciprocidade simbólica, confirmem por sua vez a
poderão ser necessidades, deleites, compromissos, nossa” e da deontologia, que reconhece valores e
projectos e experimentações. Refere que “a configura normas (Savater, 2003, p. 53). Mas, se
racionalidade na acção é o traço que capacita os tanto na ética como na deontologia se poderão
organismos, com cérebros suficientemente conceber esquemáticas de orientação que ajudem a

Page 30
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

decidir, o livre arbítrio deverá prevalecer, porque Pensamos que se o conhecimento, valores, crenças,
haverá sempre um toque pessoal com que cada um costumes, desejos e medos direccionam o agir, a
vive de forma irrepetível uma singularidade da sua reflexão continuada sobre o agir também clarifica e
existência. O decidir é sempre um decidir adequa o conhecimento, os valores, as crenças, os
situacional, pelo que nos deveremos focar não no costumes, os desejos e os medos de que partimos.
que é bom ou mau em abstracto, mas no que é Estar no mundo por acaso não nos seduz.
“bom para” ou “mau para”. Quando perante o Sr. Manuel, o enfermeiro deverá
Viver é um devir de símbolos que se entrecruzam ter auto-conhecimento dos traços de ser humano
em forma de memória, de comunidade, de códigos, que transporta para o acto de decidir o agir, não
de visões do futuro, de procura para encontrar o esquecendo que ele, Sr. Manuel, também terá os
sentido de cada gesto e de cada tropeção. Viver seus, diferentes ou semelhantes, e que do jogo
entre e mediante os símbolos é tentar entre ambos os seres emergirá a tomada de
permanentemente estabelecer uma singularidade decisão, mas que na circunstância em análise,
partilhada (Savater, 2003). Ser racionalmente deverão prevalecer os do Outro.
activo é procurar tornar-se independente dos vai-
vem da natureza, reforçando a nossa dependência
PERSPECTIVA JURÍDICA E DEONTOLÓGICA
dos vínculos sociais, porque na sociedade o homem
Age de tal forma que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com
importa (p.76). Gehlen (cit por Savater, 2003) a permanência de uma vida autenticamente humana na Terra.

evidencia a importância das instituições humanas e Hans Jonas

da cultura no desenvolvimento da liberdade da


personalidade racional. A Declaração Universal dos Direitos do Homem,
adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das
Finalizando o processo reflexivo refere-se que a Nações Unidas, na sua resolução 217A (III) de 10
pessoa humana transporta consigo uma bagagem de Dezembro de 1948, refere no seu Artigo 1º que
que escolheu pela vontade, composta por “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
conhecimento, valores, crenças, costumes, desejos dignidade e em direitos” e no seu Artigo 3º que
e medos. A esta escolha subjaze um estilo, uma “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à
filosofia que suporte um plano de vida que nos faça segurança pessoal”. Esta Declaração comporta um
sentido para podermos e querermos viver. A ideal comum a atingir por todos os povos e nações,
postura humanista em que nos revemos assenta alertando nomeadamente para o esforço
numa filosofia ética e moral assumida por uma necessário para desenvolver o respeito pelos
atitude geral de pensamento e acção centrada na direitos e liberdades de todos os indivíduos da
pessoa humana, atribuindo-lhe dignidade, sociedade, contemplados no documento. A
autonomia, liberdade, desejos e capacidades, Declaração refere também no seu Artigo 7º que
perspectivando que dos humanos se poderá “todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm
esperar contributo para um mundo melhor, por direito a igual protecção da lei”.
introspecção, livre exercício das suas capacidades e
envolvimento politico-social.
Page 31
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Na Constituição da República Portuguesa, de 2 de na dignidade profissional do enfermeiro, e por


Abril de 1976, revista pelas Leis Constitucionais nº outro na excelência do exercício, como garantia
1/82, nº1/89, nº 1/92 e nº 1/97, está consagrado dos clientes a cuidados de qualidade (Nunes et al.,
no Artigo 64º, no seu nº 1, o direito à protecção de 2005).
saúde e o dever de a defender e promover Em Portugal a Deontologia de Enfermagem está
efectivada pelo Estado através da garantia de inscrita numa lei, pelo que se interliga com o
acesso a todos os cidadãos e uma racional e Direito. O Direito é segundo Mendes (1976) um
eficiente cobertura de todo o país (n.º3 do mesmo sistema de normas de conduta social. A
artigo e diploma). Em 1990, a Lei de Bases da Constituição da República Portuguesa, no seu
Saúde, Lei n. 48/90 de 24 de Agosto, estabelece na Artigo 1º, refere que Portugal é uma república
base I, no seu n.º1, que “a protecção da saúde soberana, baseada na dignidade da pessoa humana.
constitui um direito dos indivíduos e da Assim, podemos dizer que a dignidade humana
comunidade que se efectiva pela responsabilidade constitui um princípio estruturante da nossa
conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, ordem jurídica; no entanto o Direito não explicita
em liberdade de procura e de prestação de em termos rigorosos o conceito de dignidade
cuidados, nos termos da Constituição e da Lei.” humana (Cerdeira, 2008).
No que concerne ao grupo profissional de No âmbito dos cuidados de saúde, devemos basear-
Enfermagem o Estatuto da Ordem dos nos no princípio do respeito pela pessoa, o que
Enfermeiros publicado pelo Decreto-lei n.º significa que devemos respeitar a sua dignidade,
104/98, de 21 de Abril alterado pela Lei direitos e autonomia, como referido no Código
n.111/2009, de 16 Setembro refere no Artigo 83º Deontológico do Enfermeiro, Artigo 78º, no seu
que o enfermeiro deve respeitar o direito ao nº1, garantindo que “as intervenções de
cuidado na saúde ou doença. Na profissão de enfermagem são realizadas com a preocupação da
enfermagem o direito ao cuidado é garantido com a defesa da liberdade e da dignidade da pessoa
prescrição de deveres deontológicos no Artigo 83º humana”.
do Código Deontológico do Enfermeiro (CDE), Nesta perspectiva, a análise deste caso reporta-nos
que contém deveres que visam a protecção da para algumas questões principais:
saúde das pessoas, respeitando os seus direitos e
- Qual o valor da decisão do Sr. Manuel, estando
necessidades. A Deontologia profissional integra
este impossibilitado de comunicar verbalmente ou
direitos, deveres e incompatibilidades da profissão
através da escrita, embora consciente?
e relaciona-se com o papel social desempenhado
pela profissão, ou seja, indica-nos como nos - Sendo a opinião do médico de que a realização da

devemos comportar na qualidade de enfermeiros. traqueostomia é benéfica para melhorar a sua

O CDE tem função normativa e vinculativa e diz situação clínica, pode o Sr. Manuel, recusar a

respeito a todos os enfermeiros (Nunes et al., cirurgia?

2005). - E pode a família / esposa autorizar a intervenção?


A Deontologia de Enfermagem, inclui também um
conjunto de direitos, fundamentados por um lado
Page 32
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Perante a realização de uma traqueostomia, a debelar ou minorar a doença, o sofrimento, lesão


actuação do enfermeiro faz-se em ou fadiga corporal, ou perturbação mental”, desde
complementaridade com outros profissionais, que realizada por um médico habilitado, não é
estando enquadrada ao nível das intervenções crime contra a integridade física. Estando então
interdependentes, para “atingir um objectivo prevista esta situação particular de ofensa à
comum”, de acordo com o que define o nº 3 do integridade física, a Lei tem que garantir, por outro
Artigo 9º do REPE – Regulamento do Exercício lado a liberdade da pessoa, para decidir sobre o
Profissional dos Enfermeiros (Decreto-Lei nº seu próprio corpo. Encontramos essa garantia
161/96 de 4 de Setembro, alterado pelo Decreto- prevista no Artigo 156º do CP, onde se considera
Lei nº 104/98 de 21 de Abril). Para além de agir crime contra a liberdade da pessoa, qualquer
em complementaridade, o enfermeiro tem que intervenção sem o seu consentimento, mesmo que
tomar decisões relativas ao seu desempenho, na o médico considere ser o melhor para ela. O Artigo
área da sua competência. Ou seja, embora não 157º do CP acrescenta ainda que o consentimento
realize directamente o acto cirúrgico, o enfermeiro dado pela pessoa tem de resultar de um
faz parte daquela equipa, cuidando do doente no esclarecimento adequado.
pré, intra e pós-operatório, e como tal terá que A Convenção dos Direitos do Homem e da
tomar decisões. Biomedicina (ratificada pelo Decreto do PR
No nosso caso, em que o doente está ventilado, e n.º1/2001 de 3 de Janeiro e Resolução da AR
por alguns períodos, consciente, quem deverá dar n.º1/2001 de 3 de Janeiro) estabelece, no seu
o consentimento para a realização da Artigo 5º, que qualquer intervenção no domínio da
traqueostomia? O doente? A família? saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado

A traqueostomia não passa por ser simplesmente pela pessoa em causa o seu consentimento livre e

um procedimento médico, uma vez que provoca esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente

alteração no corpo, na auto-imagem do doente. Na a informação adequada quanto ao objectivo e à

legislação portuguesa ofender a integridade física natureza da intervenção, bem como às suas

de uma pessoa constitui crime, nos termos do consequências e riscos, podendo em qualquer

capítulo III do Código Penal (CP), com o título momento, revogar livremente o seu

“Dos crimes contra a integridade física”, aprovado consentimento. Em relação aos menores e adultos

pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, com as incapazes diz-nos a Convenção, no seu Artigo 6º,

alterações introduzidas pela Lei nº 90/97 de 30 de que o menor ou o adulto incapaz deve ser chamado

Julho e pela Lei nº 65/98 de 2 de Setembro. Por a intervir na medida das suas capacidades, e para

outro lado, o Código Penal refere também, no seu além do seu representante legal. Este artigo realça

Artigo 149º, que “a integridade física considera-se o principio da autonomia da pessoa humana e deve

livremente disponível”, para casos em que a pessoa ser considerado em situações em que o

consinta a ofensa, não sendo então considerado autogoverno da pessoa possa estar limitado.

crime. O CP também nos diz no Artigo 150º que, Na perspectiva do direito civil, uma intervenção
uma intervenção cirúrgica, para “diagnosticar, cirúrgica sem consentimento, pode ser

Page 33
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

considerada violação do direito da pessoa à pessoa quanto às suas crenças e valores. A situação
integridade física, enunciado no Artigo 25º da de internamento em que o Sr. Manuel se encontra,
Constituição da República Portuguesa, e como não deve por si só diminuir ou extinguir os seus
tal originar responsabilidade civil por parte de direitos como pessoa e como cidadão, pelo que
quem operou e auxiliou na intervenção cirúrgica importa suportar e promover a sua capacidade
sem consentimento (Código Civil - Artigos 483º e para decidir e agir.
490º, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344 de 25 A intervenção do enfermeiro, deve seguir
de Novembro de 1966). princípios orientadores, inscritos no CDE,
Considerando ainda a legislação portuguesa, a Lei nomeadamente no Artigo 78º, no seu nº3, alínea
de Bases da Saúde, Lei n. 48/90 de 24 de Agosto, b), que refere “o respeito pelos direitos humanos
estabelece, na base XIV, n.º1 alínea b), que o utente na relação com os clientes” e na alínea c), “a
tem direito a, decidir receber ou recusar a excelência do exercício na profissão em geral e na
prestação de cuidados que lhe é proposta, salvo relação com os outros profissionais”.
disposição especial da lei. No âmbito do seu exercício profissional o
Assim, numa perspectiva legal e reportando-nos ao enfermeiro estabelece com o cliente uma relação
Sr. Manuel, podemos afirmar que, considerando terapêutica, inscrita no Quadro Conceptual da
que o mesmo estava consciente, embora Ordem dos Enfermeiros, como uma relação que
impossibilitado de comunicar verbalmente, se deve caracterizar “pela parceria estabelecida
podendo no entanto fazê-lo por mímica gestual, no com o cliente, no respeito pelas suas capacidades e
momento em que foi informado da intenção do na valorização do seu papel. Esta relação
médico de realizar a traqueostomia, seria apenas desenvolve-se e fortalece-se ao longo de um
ele que poderia decidir se queria ou não realizar a processo dinâmico, que tem por objectivo ajudar o
intervenção cirúrgica. Como já referimos o Sr. cliente a ser proactivo na consecução do seu
Manuel respondeu que não, embora utilizando em projecto de saúde”.
vez da comunicação verbal ou escrita, a mímica O Regulamento do Exercício Profissional dos
gestual, que não foi considerada como válida pelo Enfermeiros (REPE), explicita no Artigo 8º, no nº
médico, que posteriormente pede a autorização da 1, que no “exercício das suas funções, os
família para a realização da traqueostomia. enfermeiros deverão adoptar uma conduta
O enfermeiro assiste a este episódio. Questionemo- responsável e ética, e actuar no respeito pelos
nos então sobre qual deve ser a sua intervenção. direitos e interesses legalmente protegidos dos

Ao analisarmos o caso do Sr. Manuel, de acordo cidadãos.”

com o CDE, Artigo 78º, no seu nº1, devemos Será que no caso do Sr. Manuel, a sua vontade
garantir, como já referimos, que “as intervenções livremente expressa, embora de forma diferente
de enfermagem são realizadas com a preocupação dos contextos habituais, se pode considerar válida?
da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa Poderá nalguma circunstância ser contrariada?
humana e do enfermeiro”. Isto quer dizer que
devemos respeitar e reconhecer as opções de cada
Page 34
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Analisemos então as questões relativas ao perguntou explicitamente ao Sr. Manuel se aceitava


consentimento informado, melhor dizendo, o realizar a intervenção, e perante a recusa
consentimento livre e esclarecido. manifestada pelo doente através de mímica

O consentimento é um dos aspectos fundamentais gestual, não a valorizou, e deu por encerrada a

da relação entre os profissionais de saúde e os conversa, referindo que era necessário realizar a

clientes, uma vez que salvaguarda o respeito pela traqueostomia, “para seu bem”.

autonomia e autodeterminação da pessoa e Assim e no que concerne à primeira condição, ou


promove o seu bem, no exercício da liberdade seja, que a decisão seja voluntária, livre de
responsável (Nunes et al, 2005). No respeito pela qualquer manipulação ou coacção externa e
pessoa, reconhece-se a sua capacidade para baseada em informação correcta, não foi
pensar, decidir e agir, como ser autónomo e respeitada na totalidade, pois apesar de a
independente. informação ter sido correcta, as circunstâncias em

Assim parece óbvio que qualquer intervenção que o doente se encontrava (ventilado,

realizada por um profissional de saúde só deverá impossibilitado de comunicar verbalmente),

concretizar-se se a pessoa em causa o permitir, funcionaram como um impedimento à verbalização

através do seu consentimento livre e esclarecido. da sua decisão, não tendo a mesma sido valorizada.
A segunda condição relativa à informação foi
Segundo Nunes et al. (2005:212), o consentimento
cumprida tendo o doente sido informado, mas ao
do cliente surge, “submetido a várias condições: 1)
estar impossibilitado de colocar questões e
deve ser voluntário, livre de qualquer manipulação
esclarecer as suas dúvidas poderá ter
ou coacção externa; 2) deve ser baseado em
comprometida a compreensão da informação,
informação correcta que o doente compreenda; 3)
contribuindo para a sua decisão. Assim, ao Sr.
deve ser o acto de uma pessoa competente para
Manuel, dotado de autonomia individual, não lhe
tomar decisões e com capacidade para comunicar o
foi permitido exercer a sua autodeterminação, ou
seu desejo.”
seja, a liberdade de escolha relativamente às
No caso do Sr. Manuel, este foi informado pelo opções que lhe eram colocadas.
médico da necessidade de realização da
O direito e o dever de consentir ou não consentir,
traqueostomia, como forma de diminuir a sua
protegidos eticamente, deontologicamente e
dependência da prótese ventilatória e promover
juridicamente, foram neste caso prejudicados pela
um desmame mais rápido. O doente foi também
existência de barreiras à comunicação, uma vez
informado de que esta situação seria transitória,
que é através da comunicação que se pode dar e
embora se desconhecesse por quanto tempo, mas
receber informação. Entramos assim na área do
não foi informado sobre outras vantagens da
direito a receber informação e dever de dar
traqueostomia, como a possibilidade de poder
informação, uma vez que é através da informação
eventualmente alimentar-se e falar. O Sr. Manuel
que o doente deve ficar capacitado para poder
ouviu e parece ter percebido a informação,
decidir consentir a intervenção proposta, ou
demonstrando estar atento durante a explicação. O
recusá-la.
médico após transmitir a informação não
Page 35
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Os doentes divergem muito entre si quanto à Enfermagem”. Aqui são realçados o dever de
atitude que têm face à acessibilidade à informação. informar e de garantir o direito da pessoa ao
Uns preferem saber toda a informação de forma a consentimento informado, sendo claro, o teor da
ponderarem e a tomarem as suas decisões. Assim a informação – os cuidados de Enfermagem.
informação de que dispõem permite-lhes um maior Relativamente a quem informar Cerdeira
controlo e uma maior capacidade para gerirem a (2008:14) refere: “informar o indivíduo ou não
situação. Outros preferem receber a informação informar por opção do próprio cliente. Informar a
gradualmente para não entrarem em desequilíbrio. família se ela for o alvo dos cuidados, ou, não sendo
Desta forma desenvolvem as suas capacidades alvo de cuidados, deve o enfermeiro assegurar-se
gradualmente de acordo com a informação que vão de que a informação à família é facultada ou não,
recebendo. Existem ainda doentes que recusam de acordo com a vontade expressa do indivíduo,
qualquer informação não ultrapassando a fase da salvaguardando-se as situações em que o princípio
negação. da beneficência se põe”.
Cerdeira (2008:14) refere que “relativamente à A informação é tudo o que diminui ou elimina a
informação, segundo a legislação, esta deve incidir incerteza e só é possível obter informação das
sobre o diagnóstico e a índole, o alcance, a coisas sobre as quais temos algum nível de
envergadura e as possíveis consequências da desconhecimento.
intervenção ou do tratamento”.
Assim concluímos que em relação à informação a
A Lei de Bases da Saúde, na sua base XIV, nº 1, dar ao Sr. Manuel, o enfermeiro só o poderia fazer,
alínea c), salienta que os doentes têm direito a “ser em matéria de cuidados de Enfermagem, e aqui
informados sobre a sua situação, as alternativas poderia acrescentar à informação do médico
possíveis de tratamento e a evolução provável do aspectos relacionados com as vantagens da
seu estado”. traqueostomia no que concerne à possibilidade de
No caso do Sr. Manuel não nos é possível saber se se alimentar e de comunicar verbalmente, caso,
este obteve a informação que necessitava, ou se, como vimos, o doente o solicitasse. Para isso o
simplesmente, não queria informação, não estando enfermeiro deveria utilizar estratégias que lhe
a sua decisão dependente desta. permitissem ultrapassar os obstáculos à

O Código Deontológico dos Enfermeiros, comunicação, de forma a facilitar ao doente o

consagra no seu Artigo 84º, o “respeito pelo esclarecimento de dúvidas, no âmbito de uma

direito à autodeterminação”, devendo o enfermeiro relação terapêutica caracterizada por uma parceria

assumir o dever de “a) informar o indivíduo e a estabelecida com o cliente, no respeito pelas suas

família, no que respeita aos cuidados de capacidades e na valorização do seu papel.

Enfermagem; b) respeitar, defender e promover o O dever de informar baseia-se em princípios


direito da pessoa ao consentimento informado; c) como a autonomia, a dignidade e a liberdade da
atender com responsabilidade e cuidado todo o pessoa, mas mais do que isso e tal como refere
pedido de informação ou explicação feita pelo Kant (1995:180) “o dever é a necessidade de uma
indivíduo, em matéria de cuidados de acção por respeito pela lei”.
Page 36
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

A salientar ainda algumas excepções à informação como “a aptidão cognitiva, volitiva e emocional de
a prestar, como as situações de emergência, uma pessoa para entender a informação sobre
quando o doente está em perigo ou incapaz de se cuidados de saúde que lhe é transmitida, de forma
exprimir ou de avaliar a situação, também as a que possa eleger, autónoma e racionalmente, o
situações em que a pessoa recusa de forma que mais convém aos seus interesses – aceitar ou
voluntária receber informação e ainda situações recusar a prestação destes cuidados, com base na
em que possa ser exercido o chamado “privilégio informação que lhe foi transmitida” (Lampreia,
terapêutico” previsto no Artigo 157º do Código 2008:18).
Penal, que refere existir o dever de esclarecer Segundo Pereira (2004), a competência deve ser
“salvo se isso implicar a comunicação de aferida caso a caso e a incompetência para decidir
circunstâncias que a, serem conhecidas pelo poderá ser meramente pontual, pelo que se impõe
paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam que o profissional de saúde afira sempre da
susceptíveis de lhe causar dano à saúde, física ou competência para decidir a quem é proposta a
psíquica” (Cerdeira, 2008:14). O caso do Sr. Manuel prestação de cuidados de saúde (Lampreia, 2008).
não se enquadra em nenhuma destas excepções.
Para Lampreia (2008:19), sendo a competência
Portanto em relação à segunda condição para decidir autónoma, a pessoa a quem são
pressuposta pelo consentimento informado, propostos cuidados de saúde deve ter capacidades
referida anteriormente, podemos considerar que intelectuais e emocionais para assumir uma
ao Sr. Manuel foi fornecida a informação relativa à decisão, referindo que “o facto de uma pessoa não
traqueostomia e este, após ser esclarecido, reunir as condições cognitivas, volitivas e
expressou a sua vontade, de não querer realizar a emocionais necessárias para se autodeterminar em
intervenção. relação aos cuidados de saúde que lhe são
A última condição que promove um consentimento propostos, impõe a obrigação ao profissional de
ou dissentimento livre e esclarecido diz-nos, como saúde de declarar a incompetência dessa pessoa
referimos, que o consentimento deve ser o acto de para consentir ou dissentir sobre os cuidados
uma pessoa competente para tomar decisões e com propostos”.
capacidade para comunicar o seu desejo. No caso de se verificar situação de incompetência
Relativamente à capacidade, a lei em vigor ou incapacidade para consentir, deverá ser
considera a pessoa capaz para prestar designado judicialmente um representante legal.
consentimento, quando é maior de dezasseis anos Lampreia (2008) refere ainda três situações em
e possui o discernimento necessário para avaliar o que o regime legal, diminui ou restringe a
seu sentido no momento em que o presta capacidade da pessoa para consentir, e que são os
(Cerdeira, 2008), ou seja, para que as decisões casos dos interditos (todos os que sofram de
sejam uma expressão fiel da sua autodeterminação, anomalia psíquica grave, surdez-mudez e cegueira
importa que sejam tomadas com consciência. e que se mostrem incapazes de governar as suas
Galan Cortés (2001), define competência ou pessoas e os respectivos bens, nos termos do nº 1
capacidade para consentir nos cuidados de saúde do Artigo 138º do Código Civil), dos inabilitados
Page 37
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

(indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez meio que traduza uma vontade séria, livre e
ou cegueira, não seja de tal modo grave que esclarecida do titular do interesse juridicamente
justifique a interdição e indivíduos em que exista protegido e pode ser livremente revogado até à
abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, execução do facto”.
que se mostrem incapazes de reger o seu Para qualquer acto deve então obter-se o
património, nos termos do disposto no Artigo consentimento do doente, que pode ser oral ou
152º do Código Civil – nestes casos a capacidade escrito não existindo distinção do ponto de vista
para consentir na prestação de cuidados de saúde ético, pelo que o formulário de consentimento é
só poderá ser posta em causa quando na sentença apenas uma formalidade com utilidade jurídica,
que decretou a inabilitação esteja mencionada essa que pode ser usado como prova documental
incapacidade) e dos menores de dezasseis anos (Nunes et al, 2005).
(conforme nº 3 do Artigo 38º do Código Penal).
Como vimos, no nosso caso o médico pede
Também aqui, verificamos que o Sr. Manuel não se
consentimento escrito à família, através de um
enquadra em nenhum destes grupos.
documento de consentimento informado o que é
Podemos concluir que o julgamento sobre a incorrecto do ponto de vista ético e jurídico, uma
competência de uma pessoa permitirá determinar vez que o doente é o único que pode ou não
entre aquelas cuja decisão será respeitada e as que consentir a realização da traqueostomia.
terão que ser substituídas na decisão por um
Se o Sr. Manuel estivesse inconsciente, e não se
representante legal.
tivesse manifestado, poder-se-ia presumir o seu
Reportando-nos novamente ao nosso caso, parece- consentimento. O consentimento pode ser
nos que o Sr. Manuel estava na posse de todas as presumido, equiparando-se na lei ao
suas capacidades para tomar a decisão, com consentimento efectivo, nos termos do Artigo 39º,
excepção da capacidade de a comunicar nº 2 do Código Penal, “quando a situação em que o
verbalmente. De qualquer forma o julgamento agente actua permitir razoavelmente supor que o
sobre a sua capacidade para decidir por parte do titular do interesse juridicamente protegido teria
médico não lhe foi favorável. Poderia o médico eficazmente consentido no acto se conhecesse as
nalguma circunstância decidir pelo doente ou circunstâncias em que este é praticado”( Nunes et
substitui-lo pela esposa na sua decisão? al, 2005). Neste caso quando a situação do doente
Como já referimos anteriormente, as intervenções se agravasse, exigindo a realização da
cirúrgicas não constituem ofensa à integridade traqueostomia, procedimento sobre o qual o
física, desde que sigam a leges artis e tenham o doente não se tinha manifestado, poder-se-ia
consentimento do doente, nos termos do Artigo presumir legitimamente o consentimento. Mas na
150º do Código Penal. verdade e apesar de no momento em que a esposa

Acresce ainda que o consentimento é referido na assinou a autorização, o Sr. Manuel se encontrar

legislação portuguesa, no nº 2, do Artigo 38º do num estado de coma induzido, inconsciente, não

Código Penal, nos seguintes termos: “ 2- O invalida a recusa do doente presenciada pelo

consentimento pode ser expresso por qualquer médico e enfermeiro, numa altura em que

Page 38
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

eventualmente mantinha as suas capacidades para outros técnicos, para atingir um objectivo comum,
decidir. decorrentes de planos de acção previamente

Quando não é possível obter consentimento do definidos pelas equipas multidisciplinares em que

próprio, e na ausência de representantes legais, é estão integrados e das prescrições ou orientações

dever de todos os profissionais de saúde, “agir no previamente formalizadas.”

melhor interesse do doente, se possível atendendo No nosso caso como já vimos, em relação à
às preferências, crenças e valores que tiver realização da traqueostomia, situamo-nos no
manifestado. Por melhor interesse do doente, âmbito das intervenções interdependentes. Como
entende-se a restauração ou preservação das devemos actuar?
funções vitais, o alívio do sofrimento e a Cerdeira (2008:16) em relação a esta questão
manutenção da qualidade de vida” (Nunes et al, refere que “o enfermeiro que, na sua intervenção
2005: 215). interdependente, se apercebe que o doente não
De acordo com o princípio da autonomia, o doente prestou o consentimento escrito, quando a lei exija
terá direito a decidir de livre vontade submeter-se a forma escrita ou mesmo verbal, quando a lei não
ou não a um tratamento ou intervenção, devendo exija a forma escrita, deve abster-se de intervir,
respeitar-se a sua vontade, mesmo que essa recusa providenciando o cumprimento do processo de
seja prejudicial à sua saúde. obtenção do consentimento informado (ou

No cumprimento do Código Deontológico, o dissentimento), em respeito pelo direito à

enfermeiro deve no exercício da profissão, autodeterminação do doente e / ou seus

conforme o Artigo 81º, alíneas e) e f), “abster-se representantes legais. Ou seja, o enfermeiro deve

de juízos de valor sobre o comportamento da garantir que o cliente e / ou cuidadores recebem e

pessoa assistida e não lhe impor os seus próprios compreendem a informação na qual baseiam o

critérios e valores no âmbito da consciência e da consentimento dos cuidados”.

filosofia de vida”, “respeitar e fazer respeitar as Uma intervenção sem consentimento pode ter
opções políticas, culturais, morais e religiosas da consequências jurídicas.
pessoa e criar condições para que ela possa No nosso caso concreto, não podemos avaliar se
exercer, nestas áreas, os seus direitos” e conforme médico e enfermeiro colocaram em dúvida a
o Artigo 84º do CDE, alínea b), assumir o dever de competência e liberdade do Sr. Manuel, quando
“respeitar, defender e promover o direito da este expressou a sua decisão de recusar a
pessoa ao consentimento informado”. traqueostomia. Não está também totalmente
De acordo com o REPE, os cuidados de esclarecido se o Sr. Manuel percebeu na totalidade
Enfermagem podem ser intervenções autónomas a informação que lhe foi transmitida,
ou interdependentes (nº 4, Artigo 4º, REPE). O nomeadamente sobre as consequências da não
Artigo 9º do REPE, define intervenções realização da traqueostomia, e vantagens de que
interdependentes, como as “realizadas pelos poderia beneficiar com a realização da mesma.
enfermeiros de acordo com as respectivas Mesmo que tivesse tido dúvidas não poderia
qualificações profissionais, em conjunto com
Page 39
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

esclarecê-las facilmente, uma vez que estava respeitada. O enfermeiro estabelece com o doente
impossibilitado de comunicar verbalmente. uma relação terapêutica caracterizada pela

Nunes et al (2005:216) refere que “não havendo parceria que estabelece com o cliente, no âmbito

conhecimento da vontade, livre e esclarecida, do do seu exercício profissional, devendo promover o

doente na situação actual, a decisão dos respeito pelas suas capacidades e pela sua vontade,

profissionais deve considerar o melhor interesse que embora expressa por mímica gestual, deve ser

do doente e reger-se pelo princípio da respeitada.

beneficência”. A família, neste caso a esposa, não tem autoridade

Assim, tanto o médico como o enfermeiro estão para decidir pelo doente, se considerarmos que o

salvaguardados na sua tomada de decisão. doente estava consciente. Nesse caso, se a vontade
do doente foi manifestada, embora através de
No entanto o médico pediu o consentimento para a
comunicação gestual, em perfeito estado de
realização da traqueostomia à esposa. A expressão
consciência, e se correspondia à recusa da
formal da vontade de terceiros, autorizando actos
realização da traqueostomia, nenhuma outra
médicos, só é válida se estivermos perante o
pessoa poderia posteriormente decidir por ele. Se
representante legal do doente, que não era o caso.
era essa a vontade actual do doente, se
No âmbito jurídico, a autorização de um familiar
considerarmos que é competente e esclarecida,
não iliba o profissional de ter agido, contra a
deveria ser respeitada. Não sendo este caso
vontade expressa do doente (Nunes et al., 2005).
vivenciado por nós, não sabemos se foi colocada
Nestas situações complicadas e perante a em dúvida a competência e liberdade do Sr. Manuel
necessidade de tomar uma decisão, “o enfermeiro para decidir a recusa à intervenção. Poderá ainda
deve agir de acordo com a preocupação da defesa questionar-se se o doente estaria na posse de toda
da liberdade e da dignidade da pessoa humana, no a informação necessária, nomeadamente em
respeito pelo Código Deontológico e na relação aos riscos inerentes à recusa, uma vez que
concretização dos princípios que consagram os estando ventilado não podia questionar
direitos dos doentes” (Nunes et al., 2005:216). verbalmente e esclarecer as suas dúvidas.

Se, por outro lado, os profissionais de saúde


RESOLUÇÃO DO CASO consideraram que o doente não estava em
condições para decidir, podendo questionar-se
O que tem valor é a expressão da vontade actual e
qual seria o seu estado de consciência (já tinha
concreta da pessoa que se encontra capaz, e é
estado sedado, embora na altura em que recebeu a
competente para decidir se quer ou não realizar a
traqueostomia. informação não estivesse), ou subsistindo a dúvida,
se a vontade do doente foi totalmente esclarecida,
O facto de não poder comunicar verbalmente ou
então é dever do médico e enfermeiro, considerar
por escrita não constitui critério para que o Sr.
o melhor interesse do doente e reger-se pelo
Manuel seja substituído na sua autonomia. A
princípio da beneficência.
vontade do doente expressamente manifestada,
por mímica gestual e com competência, deverá ser
Page 40
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Como vimos não foi isso que aconteceu…o médico interdependentes. A tomada de decisão do
solicitou a autorização da esposa. Juridicamente, enfermeiro, adequada a cada situação concreta,
como vimos, a expressão formal da vontade de deve ser feita no sentido da excelência do seu
terceiros, autorizando actos médicos, só é válida e exercício profissional e para que tal aconteça o
tida em conta, se estivermos perante o enfermeiro tem que considerar os valores da
representante legal do doente, e no caso estávamos profissão e os princípios éticos, assim como os
perante um familiar directo, que ética e legalmente deveres inscritos no Código Deontológico e as
não deve decidir pelo doente. normas legais existentes. Cada caso deve ser

Em relação ao enfermeiro colocado perante a analisado de acordo com o conhecimento e a

necessidade de tomar uma decisão, deverá fazê-lo experiência do enfermeiro, englobando também

de acordo com a preocupação da defesa da uma perspectiva científica, mas não só, uma vez

liberdade e da dignidade da pessoa humana no que a fundamentação da tomada de decisão deve

respeito do seu Código Deontológico e englobar sempre uma perspectiva ética,

concretização dos direitos do doente, onde deve deontológica e jurídica, pois só assim estará

respeitar os princípios éticos que suportam esses garantida a excelência dos cuidados.

direitos. Em última instância, se o enfermeiro Sendo o consentimento livre e esclarecido durante


considerou que o médico estava a agir contra a muito tempo da única e exclusiva responsabilidade
vontade do doente, é-lhe reconhecido o direito de dos médicos, o seu propósito na área da
recusar praticar ou participar em actos, que enfermagem foi evoluindo gradualmente em
atentem contra a vida, contra a dignidade da consonância com a autonomia da profissão.
pessoa humana, ou contra o Código Deontológico, Porque a promoção da liberdade e da dignidade da
conforme descrito, no Artigo 75º, alínea e) e pessoa é hoje um valor intrínseco na perspectiva
Artigo 92º do Estatuto e Regulamento do Exercício do novo paradigma do cuidar, os enfermeiros têm
do Direito à Objecção de Consciência (Nunes et al, o dever moral de reconhecer, respeitar e defender
2005). a autonomia da pessoa de quem cuidam.
De salientar que juridicamente, a autorização de Reflectir sobre esta problemática visando a
um familiar só por si, não iliba o profissional de ter discussão e partilha de preocupações/
agido, contra a vontade expressa do doente. As inquietações, a análise de sentimentos vivenciados
intervenções de enfermagem interdependentes, e de valores e princípios individuais e de grupo,
que como vimos, derivam da prescrição de outros capacitar-nos-á melhor para encontrar consensos
profissionais, quando o paciente as não consentir nas perspectiva ética, deontológica e jurídica, para
podem ser punidas com pena de prisão até três os momentos de tomada de decisão.
anos ou com pena de multa.
Apesar de cada situação requerer uma abordagem
CONCLUSÃO específica, tendo em conta a individualidade do
Diariamente, os enfermeiros tomam decisões sobre doente, é necessário ao enfermeiro, um corpo de
o seu desempenho, de acordo com a sua área de conhecimentos referentes a legislação e
competência, em intervenções independentes ou deontologia, como também um desenvolvimento
Page 41
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

da sensibilidade ética e moral para que a sua Porto: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade e
Campo das Letras, 2006.
actuação seja adequada.
CABRAL, R. - Os princípios de autonomia, beneficência,
Este percurso de reflexão e concepção possibilitou não maleficência e justiça. In Archer, l; Biscaia, J.
Lisboa.1996.
que revíssemos a nossa memória sobre o que CERDEIRA, A. – Informação e consentimento. Revista da
somos e quem somos, tentando perceber os Ordem dos Enfermeiros. Lisboa. 29 (2008),p.12-17.
CORTÉS, G.; CÉSAR, J. - Responsabilidad Médica y
conhecimentos que nos orientam, para nos
Consentimiento Informado. Madrid: Civitas, 2001.
perspectivarmos para o bem agir nas tomadas de DAMÁSIO, A. – O Erro de Descartes. Emoção, razão e
decisão do amanhã. cérebro humano. Lisboa: Publicações Europa-América,
25ª ed, 2009.
DEODATO, S. – Responsabilidade Profissional em
Enfermagem: valoração da sociedade. Coimbra: Edições
REFERÊNCIAS
Almedina.
ABREU, W. – A Anamenese em Contextos Multiculturais: FRY, S. - La Ética en la Prática de la Enfermera. Genebra:
avaliação inicial e recurso aos cuidadores informais. In ICN,1994.
Multiculturalidade. Perspectivas da Enfermagem. HAWKINS, M. - Oxford Reference Dictionary. Oxford:
Contributos para melhorar o cuidar. Lopes, J.; Santos, M.; Clarendon Press, 1996.
Matos, M.; Ribeiro, O. – Loures: Lusociência, 2009.
HUDAK, C.; GALLO, B. - Cuidados Intensivos de
AMBESH – Percutaneous tracheostomy with single Enfermagem. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
dilation technique: Aprospective, randomized 1997.
comparasion of Ciaglia Blue Rhino versus Grigg´s
guidewirw Dilating Forceps. Anesth Analg. 95 (2002), p. KUHN, T. – The Structure of Scientific Revolutions. 2nd ed.
1739-1745. Chicago: Chicago University Press, 1970.
ANDRADE, B.; BELLINI, E.; SANTOS, M.; WAIDMAN, P. – LAMPREIA, N. – Das incompetências e inabilidades para
Ontologia e Epistemologia do Cuidado de Enfermagem decidir. Revista da Ordem dos Enfermeiros. Lisboa. 29
(2008) – Arq. Ciências da Saúde Unipar, Umuarama, Vol. (2008), p. 18-23.
12, nº 1, p. 77-82. LAZURE, H. – Viver a relação de ajuda. Lisboa:
Lusodidata, 1994.
APÓSTOLO, J.; GAMEIRO, M. – Referências Onto-
epistemológicas e Metodológicas da Investigação em LE BOTERF, G. – De La Compétence. Essai sur un
Enfermagem: uma análise crítica. Referência. Coimbra. attracteur étrange. 3ª ed. Paris: Les Éditions
II.2ª Série-nº 1 Dezenbro 2005. D’Organizations, 1995.
ASHURST, S. - Cuidados de Enfermagem de clientes MAGÃO, M. – Cuidar, significado e expressão na formação
ventilados mecanicamente em UCI:1. Nursing. Lisboa: em enfermagem. Dissertação apresentada à Escola
119 ( 1998), p. 20-27. Superior de Enfermagem Maria Fernanda Resende, no
ASHURST, S. - Cuidados de Enfermagem de clientes âmbito do Curso de Pedagogia Aplicada ao Ensino de
ventilados mecanicamente em UCI: 2. Nursing. Lisboa: Enfermagem. Lisboa [s.n.], 1992.
120( 1998), p. 10-17.
MARCELINO, P. – Manual de Ventilação Mecânica no
ASHWORTH, P. - In Communication. Nursing Care. Great Adulto: Abordagem ao doente crítico. Camarate:
Britain. Anchor Brendon Limited ( 1987), p. 63-82. Lusociência, 2009.
ASHWORTH, P. - Care to communicate. London: The MELEIS, A. – Theoretical Nursing: Development and
Royal College of Nursing of the United Kingdom, 1988. Progress. 3th ed. Philadelphia: Lippincott, 1997.
AULT – Percutaneous dilational tracheostomy for
emergent airway acess. Journal of Intensive Care MENDES, C. – Introdução ao estudo do direito. Lisboa:
Medicine. 18: 222-6 ( 2003). Universidade Católica Portuguesa, 1976.

BENNER, P. – De Iniciado a Perito. Excelência e poder na MORIN, E. – O Método II. A Vida da Vida. Lisboa:
prática clínica de enfermagem. 2001.Coimbra. Quarteto Publicações Europa América, 1980.
Editora. MORIN, E. – Introdução ao Pensamento Complexo. 4ª ed.
Lisboa: Instituto Piaget. 2008.
CABECINHAS, R. – Identidade e Memória Social: Estudos
comparativos em Portugal e em Timor-Leste in Martins, NEVES, M.; PACHECO, S. - Para uma Ética da
M.; Sousa, H.& Cabecinhas, R. Comunicação e Lusofonia: Enfermagem. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2004.
Para uma abordagem crítica da cultura e dos media. NUNES, L. – Pela mão de Ricoeur e Arendt: história da
identidade. A propósito da memória Histórica.

Page 42
Percursos, nº 21 Julho-Setembro2011

Temperamentvm, 6. 2007. Em http:// www. Índex- THELAN, Lynne A. Et al - Enfermagem em cuidados


f.com/temperamentvm/tn6/t3807p.php> Consultado a intensivos: diagnóstico e intervenção. 2ª ed. Loures:
21 de Fevereiro de 2011. Lusodidacta, 1996.
NUNES, L. - Palavras de apresentação: Dos símbolos e THOMPSON, I.; MELIA, K.; BOYD, K. - Ética em
contextos do VIII seminário. Revista da OE. Lisboa. Maio Enfermagem. 4ª ed.Loures: Lusociência, 2004.
2008.
WATSON, J. – Enfermagem: ciência humana do cuidar,
NUNES, L. – Multiculturalidade – a Perspectiva da uma teoria de enfermagem. Loures: Lusociência, 2002.
Ordem dos Enfermeioros. In Multiculturalidade.
Perspectivas da Enfermagem. Contributos para melhorar WIENER, Norbert. Cibernética e Sociedade: O Uso
o cuidar. Loures: Lusociência, 2009. Humano dos Seres Humanos. São Paulo: Cultrix, 1970.
NUNES, L. – Do Perito e do Conhecimento em SILVA, D.; BATOCA, E. O Conhecimento Científico e a
Enfermagem: uma exploração da natureza e atributos Enfermagem in
dos peritos e dos processos de conhecimento em http://www.ipv.pt/millenium/Milllenium27/13.htm
enfermagem. Percursos. Nº 17 Setúbal. 2010. em 10-04-2011.

NUNES, L.; AMARAL, M.; GONÇALVES, R. – Código


Deontológico do Enfermeiro: dos Comentários à Análise CÓDIGO CIVIL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344 de
de Casos. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 2005. Novembro de 1966.
POLANYI, M. - Personal Knowledg: Towards a post- CÓDIGO PENAL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de
critical philosophy. London: Routdedge &Kegan Paul, 15 Março (Alterado pela Lei n. 59/2007 de 4 Setembro).
1958.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
POLLAK, M. – Memória, Esquecimento, Silêncio – Estudos CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM E DA
Históricos, vol.2, nº 3, 1989. P.3-15. BIOMEDICINA Ratificada pelo Decreto do Presidente da
PRITCHARD, A. - Care Critically. Vol.III, 1994. República, n.º1/2001, de 20 de Fevereiro, de 3 de
Janeiro, publicado no Diário da República, I Série-A,
RAMOS, N. - Saúde, Migração e Interculturalidade. n.º2/2001).
Perspectivas teóricas e práticas. João Pessoa, Editora
Universitária UFPB. ESTATUTO DA ORDEM DOS ENFERMEIROS, publicado
pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril alterado
RANA – Tracheostomy in Critically Ill Patients. Mayo Clin
pela Lei n. 111/2009, de 16 Setembro.
Proc. 80:12, (2005), p. 1632-1638.
LEI N.º 48/90, DE 24 DE AGOSTO (Lei de Bases da
RENAUD, I. - A pessoa humana e o direito à saúde. Lisboa: Saúde), alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de
Brotéria, 1996.
Novembro.
ROGERS, C. – On Becoming a Person. Boston: Houghton
Mifflin, 1961.
ROSÁRIO, E. – Comunicação e cuidados de saúde -
comunicar com o doente ventilado em cuidados
intensivos. Dissertação de Mestrado em Comunicação
em Saúde. Lisboa. Universidade Aberta. 2009.
SAGAN, C.; DRYAN, A. – Sombras de Antepassados
Esquecidos. Lisboa:Gradiva, 1992.
SANTOS, B. – Um Discurso sobre as Ciências. Edições
Afrontamento. Porto, 1988.

SAVATER, F. – A Coragem de escolher. Lisboa: Dom


Quixote, 2003.
SERRÃO, D.; NUNES, R. - Ética em Cuidados de Saúde.
Porto: Porto Editora, 1998.
SOBRAL, J. – Memória e Identidade nacional:
considerações de carácter geral e o caso português.
Comunicação apresentada no Colóquio “Nação e Estado:
entre o local e o global”-Núcleo de Estudos em
Sociologia da Universidade do Minho inserido nas actas
e a publicar pelas Edições Afrontamento.
STEFFEN, F. – Nurse-Patient interaction and
comunication: a systematic literature review. Journal
Public Health. [s.l.]. 17 (2009).

Page 43

Você também pode gostar